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Afinidades Eletivas

Afinal o que é o amor? Falar sobre o amor é deveras complicado. Tentar dizer o
“amor” que se sente, é complexo. Mas ao longo dos tempos alguns ousaram não só
sentir, mas tentaram explicar, com palavras simples ou eruditas, a palavra “amor”. É
precisamente o tema da obra “Afinidades Eletivas”. Nela o autor não só demonstra o
poder do verbo amar, como também as diferentes interpretações e formas que o
próprio pode tomar. Com este ensaio pretendo analisar o significado da palavra tal
como é descrita por Goethe, e a interpretação que procuro fazer da mesma.
O termo “Afinidades Eletivas” pretende criar uma analogia entre o amor e a
química teórica, originando uma conexão no significado de ambas as palavras.
Citando o próprio Capitão, “Imagine um A que se liga intimamente ao B e que dele
não se desliga, mesmo sobre ação de diversos meios ou pelo uso da força. Imagine
um C que igualmente se liga a um D. Ponha então os pares em contacto. A
lançar-se-à sobre D e C sobre B, sem podermos dizer quem foi o primeiro a
abandonar o parceiro e tomou a iniciativa de se ligar ao outro.” Ao explicar este
conceito químico, o Capitão resume a ação decorrente, onde Charlotte vive com
Eduard mas, inesperadamente, tudo muda com a chegada de dois novos hóspedes.
Charlotte apaixona-se pelo capitão e Eduard pela sobrinha de Charlotte, Ottilie.
Tudo acontece num misto de emoções, acabando a paixão entre os membros de
ambos os pares por possuírem características diferentes.
É verdade que cada ser vivo interpreta a palavra amor de maneira diferente,
fazendo assim parte da personalidade de cada um deles. Para a maioria dos
animais irracionais, o amor significa reprodução. Não existe nenhuma componente
emocional, nenhuma atração, apenas a necessidade de garantir a continuidade da
espécie. Isto leva-nos a pensar, será uma paixão intelectual digna de um ser
racional? Sim, a componente emocional não é vitalícia, ou melhor, nenhuma paixão
é eterna, ou será o amor platônico uma forma desta paixão eterna? Este tipo de
amor, no meu entender, pode propiciar personalidades doentias. Usualmente, as
pessoas que compartilham interesses, visões do mundo e um sentimento de
compreensão mútuo, estabelecem um tipo de intimidade sem paixão, que se pode
encaminhar para uma amizade e não para um amor romântico. A base de uma
relação é sempre uma amizade forte. Sem estes laços amorosamente limitados, a
relação será desenvolvida sobre uma base frágil, sujeita a uma intempestiva
ruptura. Ruptura esta, que pode ser causada pelo reacendimento da chama perdida
da paixão, devido a outros indivíduos que, de uma maneira ou de outra, aparecem
na nossa vida quase como algo às vezes totalmente repentino e inesperado.
Tal acontece com Charlotte e Eduard, a paixão existente entre os dois, já desde os
tempos da adolescência, desvanece-se com o aparecimento de novas personagens.
Isto apenas prova a fraca conexão intelectual entre os dois, algo também
relacionado com a personalidade do próprio Eduard. Charlotte é tratada por ele de
uma maneira objetificada, tal como acontecia com todas as mulheres na altura em
que decorre a ação. Goethe, localiza a ação no tempo, e assegura a sua correta
descrição em termos do funcionamento da sociedade e pensamento da época. No
entanto, na minha opinião, esta objetificação de Charlotte apenas prova a fraca
conexão e estima que Eduard tem por ela, exemplificada pela falta de carinhos
trocada por ambos.
Fica claro que o nível de maturidade de Eduard é relativamente fraco e combina
mais com o de Ottilie do que com o de Charlotte, que tem a mesma idade que ele e
que, portanto, é considerada velha demais. Dessa forma, Eduard encontra em Ottilie
uma figura com a qual se consegue aproximar e interagir com naturalidade, pois
que, tudo leva a crer que Ottillie seja ainda uma adolescente. E por mais que
tenhamos todas essas explicações que supostamente justificam a atração que
Eduard sente por Ottilie, é inevitável sentirmos-nos incomodados com essa relação
que nos remete para o desejo de afirmação de uma personalidade doentia e
deturpada.
Como prova desta afirmação, Eduard para atingir os seus fins, deseja acima de
tudo, a morte de sua mulher e a do marido de Charlotte e depois que esta case
consigo. Além do mais, deseja que o Capitão se junte a eles; depois, que Ottilie o
ame; e que Charlotte queira ter relações sexuais consigo; e que se lance
fogo-de-artifício no aniversário de Ottilie logo a seguir a, graças à sua imprudência,
uma criança quase ter morrido afogada; e que Ottilie o beije; e que Ottilie fique; e
que Charlotte o deixe; e que o Capitão queira casar com Charlotte, ainda que isso
não seja a vontade nem do Capitão nem de Charlotte; e que o seu próprio filho
morra e, finalmente, que Ottilie o receba. Eduard quer isto tudo e sugere várias
vezes que estes seus desejos são os últimos que precisa de ver cumpridos e que só
os deseja por abnegação e altruísmo. E, para seu grande infortúnio, tudo lhe é
concedido.
Quando Eduard e Charlotte casam, têm como projeto de vida a escrita das
memórias de Eduard, sendo que, para isso, Charlotte se tornaria na sua secretária e
datilógrafa. Alguns meses após a chegada de Ottilie, encontramos esse projeto
travestido na cena em que a sobrinha de Charlotte transcreve arduamente um
contrato de venda, empenhando-se tanto em copiar bem o texto de Eduard que
copia inclusivamente a sua caligrafia. Este parece ser o grande problema d’ As
Afinidades Electivas: a escolha entre uma empatia tão tremenda que torna um
membro do casal indissociável do outro e uma relação com um escopo maior, em
que o projecto de vida não visa um objectivo meramente terreno (no duplo sentido
da expressão), mas antes a criação de uma vida a longo prazo.
Este livro parte de uma premissa simples mas que contém a fascinante
capacidade de gerar reflexões profundas. Para cada ação existe uma explicação
aprofundada e reflexiva. São estes sublimes “porquês” que dão vida a esta
magnífica obra.

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