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org/carmadelio/46903-amor-autentico-comprometido-ou-apenas-
paixao-passageira-como-saber-2
Esse é o assunto sobre o qual São João Paulo II – então Karol Wojtyla – se debruça na
seção de seu livro, “Amor e Responsabilidade”, quando ele discute os dois aspectos do
amor.
Quando um rapaz encontra uma garota, ele experimenta uma série de sentimentos e
desejos poderosos em seu coração. Ele pode se encontrar fisicamente atraído pela beleza
do corpo dela, ou se perceber pensando constantemente nela em uma atração emocional.
Essa dinâmica interior do desejo sensual (sensualidade) e do amor emocional
(sentimentalidade) molda em grande parte a maneira com que o homem e a mulher
interagem um com o outro, e é isso que faz o romance, especialmente em seus estágios
iniciais, ser tão emocionante para o casal envolvido.
Entretanto, esse é apenas um aspecto do amor, que não deve ser igualado ao amor no
sentido mais pleno. Nós sabemos da experiência que podemos ter fortes emoções e
desejos por outra pessoa sem necessariamente estar comprometido com ela, ou sem a
pessoa estar verdadeiramente comprometida conosco em uma relação de amor.
É por isso que Wojtyla coloca o aspecto subjetivo do amor em seu devido lugar.
Ele nos desperta e nos lembra que, não importa o quão forte experimentemos essas
sensações, isso não é necessariamente amor, mas simplesmente uma “situação
psicológica”. Em outras palavras, por si só, o aspecto subjetivo do amor nada mais é do
que uma experiência prazerosa que está acontecendo dentro de mim.
Essas emoções e desejos não são ruins, e podem se desenvolver dentro do amor, e até
enriquecê-lo, mas não devemos vê-los como sinais infalíveis do amor autêntico.
Wojtyla diz: “É impossível julgar o valor de um relacionamento entre duas pessoas
meramente a partir da intensidade de suas emoções… O amor se desenvolve com
base em uma atitude totalmente comprometida e totalmente responsável de uma
pessoa para outra pessoa”; enquanto que ao mesmo tempo os sentimentos românticos
“nascem espontaneamente das reações sensuais e emocionais. Um crescimento muito
rápido e muito rico de tais sensações pode esconder um amor que falhou em se
desenvolver” (Amor e Responsabilidade).
Os homens e as mulheres hoje são bastante suscetíveis a cair nessa ilusão de amor, pois
o mundo moderno direcionou o amor para as reações interiores, focando-se
primariamente no aspecto subjetivo, o “amor hollywoodiano”, que nos diz que o amor
será mais forte quanto mais forte forem nossas emoções. Wojtyla, entretanto, enfatiza
que há uma outra faceta do amor que é absolutamente essencial, não importando quão
fortes sejam nossas emoções e desejos. A esse aspecto ele chamou de “objetivo”.
Esse aspecto tem uma série de características objetivas que vão além dos sentimentos
prazerosos que experimento no nível subjetivo. O verdadeiro amor envolve virtude,
amizade, e a busca de um bem comum. No casamento cristão, por exemplo, marido e
mulher se unem pelo bem comum de ajudarem um ao outro a crescer em santidade,
aprofundar a união, e educar os filhos. Além disso, eles devem não apenas compartilhar
esse objetivo em comum, mas possuir a virtude que os ajude a chegar lá.
É por isso que o aspecto objetivo do amor é muito mais do que um olhar interior
para minhas emoções e desejos. É muito mais do que os prazeres que recebo da
relação. Ao considerar o aspecto objetivo do amor, devemos discernir que tipo de
relacionamento existe realmente entre eu e a pessoa que amo, e não simplesmente o que
esse relacionamento significa para mim em meus sentimentos. A outra pessoa me ama
mais pelo que sou ou me ama mais pelo prazer que recebe da relação?
Agora podemos ver porque Wojtyla diz que o verdadeiro amor é “um fato interpessoal”,
não simplesmente uma “situação psicológica”. Um relacionamento forte está baseado na
virtude e na amizade, não simplesmente em experimentar juntos sentimentos agradáveis
e situações prazerosas. Como explica Wojtyla, “o amor enquanto experiência deve
estar subordinado ao amor enquanto virtude – de tal modo que sem o amor
enquanto virtude não pode haver plenitude na experiência do amor” (Amor e
Responsabilidade).
Amor doação de si
Wojtyla responde dizendo que é impossível para uma pessoa se doar a outra no nível
natural e físico, mas na ordem do amor uma pessoa pode fazê-lo ao escolher limitar sua
liberdade e unir sua vontade à da pessoa que ama. Em outras palavras, por causa do seu
amor, uma pessoa pode na verdade desejar abdicar de seu próprio livre-arbítrio e ligá-lo
ao da pessoa amada. Como Wojtyla diz, o amor “faz com que a pessoa queira
exatamente isto – render-se ao(a) outro(a), à pessoa amada”.
A liberdade de amar
Por exemplo, considere o que acontece quando um homem solteiro se torna casado.
Como solteiro, “Roberto” é capaz de decidir o que deseja fazer, quando deseja fazer, e
como deseja fazer. Ele faz sua própria agenda. Ele decide onde vai viver. Ele pode se
demitir de um emprego e se mudar para outra parte do país em um instante, se quiser.
Ele pode deixar o apartamento uma bagunça. Ele pode gastar seu dinheiro do modo
como quiser. E ele pode comer quando quiser, sair para onde quiser, e ir dormir quando
quiser. Ele está acostumado a tomar sozinho as decisões de sua vida.
No amor de doação de si, um homem reconhece de modo profundo que sua vida já
não é mais propriedade sua. Ele rendeu sua própria vontade à sua amada. Seus
próprios planos, sonhos e gostos não estão completamente abandonados, mas agora eles
são colocados em nova perspectiva. Eles estão subordinados ao bem de sua esposa e dos
filhos que possam surgir do casamento. Como “Roberto” vai gastar seu tempo e seu
dinheiro e como ele vai organizar sua vida já não é matéria de sua própria escolha
pessoal. Sua família se torna o ponto de referência primário para tudo que ele for fazer.
Essa é a beleza do amor doação de si. Como solteiro “Roberto” tinha grande autonomia
– ele podia organizar sua vida como quisesse. Mas, por causa de seu amor, “Roberto”
escolheu livremente abdicar dessa autonomia, limitar sua liberdade, comprometendo-se
com sua esposa e com o bem dela. O amor é tão poderoso que o impele a desejar render
sua vontade à sua amada desse modo profundo.
Realmente muitos casamentos hoje em dia seriam muito mais sólidos se ao menos
compreendêssemos e nos lembrássemos do amor de doação a que originalmente nos
comprometemos. Ao invés de perseguir egoisticamente nossas próprias preferências e
desejos, devemos nos lembrar que quando fizemos nossos votos escolhemos livremente
render – amorosamente desejamos render – nossas vontades ao bem do(a) nosso(a)
esposo(a) e dos filhos. Como Wojtyla explica: “A forma de amor mais plena consiste
precisamente na auto-doação, em fazer do inalienável e intransferível ‘eu’ uma
propriedade de outra pessoa” (Amor e Responsabilidade).
A lei do dom
Agora chegamos ao grande mistério do amor doação de si. No coração desse dom de si
está uma convicção fundamental de que, ao render minha autonomia à pessoa amada, eu
ganho muito mais em troca. Ao unir-me com outra pessoa, minha própria vida não
fica diminuída, mas é profundamente enriquecida. Isso é o que Wojtyla chama de
“lei do ekstasis”, ou lei da auto-doação: “O amante ‘sai de si mesmo’ para encontrar um
existência mais plena no(a) outro(a)” (Amor e Responsabilidade).
Entretanto, de uma perspectiva cristã, a vida não é para “fazer o que eu quiser”. A vida é
para meus relacionamentos – é para encontrar a plenitude de meu relacionamento com
Deus e com as pessoas que Deus colocou na minha vida. Na verdade, é aí que
encontramos plenitude na vida: em viver bem nossos relacionamentos. Mas para viver
bem nossos relacionamentos precisamos muitas vezes fazer sacrifícios, rendendo nossa
vontade própria para servir ao bem dos outros. É por isso que descobrimos uma
felicidade mais profunda na vida quando nos doamos desse modo, pois estamos vivendo
do modo como Deus nos criou para viver, do modo como o próprio Deus vive: em um
amor total, comprometido e de auto-doação. Como diz uma das passagens favoritas de
Wojtyla retirada do Vaticano II: “O homem só se encontra ao fazer de si mesmo um
dom sincero para os outros” (Gaudium et spes nr. 24).