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mural sensorial
espaço construído
na amazônia
cybelle salvador miranda (Org.)
coletânea mural sensorial espaço construído na amazônia
Universidade Federal do Pará
Reitor
Emmanuel Zaguary Tourinho
Vice-reitor
Gilmar Pereira da Silva
Pró-reitor de Extensão
Nelson José de Souza Júnior
Pró-reitor de Administração
Raimundo da Costa Almeida
Prefeito Multicampi
Eliomar Azevedo do Carmos
Secretário-geral da Reitoria
Marcelo Galvão Baptista
Direitos reservados e protegidos pela lei. 9.610 de 19.2.1988. É proibida a reprodução total ou parcial em qualquer mídia
sem a autorização por escrito dos detentores dos direitos autorais.
Coordenação Editorial
Cybelle Salvador Miranda
Diagramação
Pedro Henrique Lobato
Fotografia da Capa
Arthur Queiroz
Revisão
Talita Bastos
98 p. il.
ISBN: 978-65-86640-50-2
Doutorandos
Euler Arruda Junior
Izabella de Melo
Laura Costa
Tainá Menezes
Wagner Ferreira
Mestrandos
Érika Evangelista
Júlia Moraes
Natielly Miranda
Simone Diniz
Arthur Queiroz
Bernadeth Beltrão
Camyla Torres
Érika Evangelista
Euler Arruda Junior
Felipe Moreira
Francianny Moraes
Hugo Souza
Izabella de Melo
Izabelle Lima
Júlia Moraes
Laura Costa
Paula Flores
Ronaldo Moraes
Simone Diniz
Tainá Menezes
Wagner Ferreira
Foto: Arthur Queiroz
CONTEÚDO
SUMÁRIO
prefácio....................................................................................13
José Julio Ferreira Lima
placas texturizadas.................................................................80
Érika Lima Evangelista, Euler Santos Arruda Junior e Márcio Santos Barata
conselho editorial........................................................................... 89
autores............................................................................................... 94
PREFÁCIO
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pós-graduação, ao trazer para o mural as possibilidades de comunicação
e descobertas àqueles que do mural se aproximarem.
Os desenhos, cores e superfícies com aplicações em relevo criam
um fluxo visual que sinaliza tratar-se do ‘corredor’ da arquitetura em
meio ao ambiente homogêneo da construção funcionalista. Enquanto
composição, os autores exploram as possibilidades que a representação
das imagens evoca: edifícios, história, percepção e materialidades em
diferentes escalas, desde o mobiliário urbano até a região, passando
pela alusão ao urbano e periurbano.
No que se refere aos edifícios, o leitor terá a oportunidade de to-
mar conhecimento do habitat amazônico que tem sido estudado, bem
como da ocorrência da arquitetura eclética e modernista, tanto como
referência à história, como a valorização detectada pelos estudos de
cunho antropológico. O livro informa ainda que, quando do exercício
de execução do mural, por seu turno, houve oportunidade para integrar
percepção e materialidades na forma da colaboração com a pesquisa de
tecnologia de materiais, por meio da aplicação de placas confeccionadas
especialmente para compor ritmo no desenho.
Acredito que, em seu conjunto, livro e mural oportunizam expe-
riências cognitivas e perceptivas indissociáveis. Enquanto obra aberta,
o mural é a base para possibilidades múltiplas de impressões e conhe-
cimento para os usuários do prédio. O livro, por sua vez, mais que o
registro do processo, cumpre o papel de indicar replicações onde for
possível associar conhecimento, técnica e ação, numa leitura própria do
tripé ensino, pesquisa e extensão, base da universidade pública brasileira.
14
Foto: Arthur Queiroz
MURAL SENSORIAL
E AS AMBIÊNCIAS
ARQUITETÔNICAS
DO PPGAU
Cybelle Salvador Miranda
o ponto de partida
16
durante o primeiro semestre de 2022, fiz o convite aos discentes
para que participassem da organização de uma atividade de extensão
voltada a execução de um Mural nas paredes do corredor de acesso
às salas do Programa.
Nas reuniões do grupo, composto por 8 discentes de Mestrado e
Doutorado do PPGAU, houve intensa troca de informações acerca
das pesquisas de cada um, de modo que o ambiente se tornou uma
oportunidade fortemente estimulante para a interação entre as in-
vestigações em curso. Um brainstorming de ideias conduziu ao desejo
de nele aplicar diversas técnicas, além da pintura com tinta à base
d’agua, considerada de fácil manuseio por pessoas pouco habilitadas.
Do trabalho dos alunos da linha de Tecnologia, veio a sugestão de
aplicar placas texturizadas de concreto colorido, sendo que a equipe
pode visualizar o mostruário existente no Labtec e sugerir novo di-
mensionamento das mesmas e as cores a serem aplicadas. Com base
na pesquisa sobre Arquitetura Raio que o parta, foi proposta a adoção
do mosaico de cacos cerâmicos coloridos como trabalho em relevo.
Outra sugestão foi o emprego do estêncil, para simular padrões.
Diante desta variedade de texturas, emergiu o conceito de Mural
sensorial colaborativo, uma vez que o emprego de materiais com di-
ferentes texturas e temperaturas cria a possibilidade de ser percebido
não apenas pela visão, mas também pelo tato, de modo a torná-lo
atraente também para pessoas com baixa visão.
Estabelecemos o final de junho como período ideal para a rea-
lização do Workshop, que contou com o tema: Espaço Construído
na Amazônia. A atividade foi proposta a partir da necessidade de
criar e promover uma identidade visual no espaço que, atualmente,
encontra-se padronizado - o que dificulta sua diferenciação dos demais
cursos e o acesso por visitantes e recém-admitidos à pós-graduação.
17
Para tanto, a Pintura Mural foi escolhida devido ser uma arte pictórica
diretamente ligada à Arquitetura através de suas técnicas de represen-
tação e cuja forma de expressão artística e comunicativa se integra ao
espaço, gerando reconhecimento e valorização do local em que se aplica.
No caso do Mural sensorial, foram evidenciados trabalhos resultantes
de pesquisas em andamento nos Laboratórios ligados ao PPGAU,
dando visibilidade às investigações desenvolvidas na Pós-graduação
em Arquitetura, fortalecendo o trabalho em equipe e a visão integrada
entre as três linhas de pesquisa que compõem o Programa.
A atividade foi registrada junto a Pró-reitoria de Extensão
(PROEX) como atividade extensionista, reforçando a necessidade
de planejar e executar ações que ampliem a visibilidade e o impacto
social do PPGAU.
O processo de execução
em 12 set. 2022.
18
Artes Visuais Neder Charone, Rosângela Brito, Sandro Almeida e
Sávio Stoco e José Dênis Bezerra, do PPGArtes. A execução ficou a
cargo de 22 alunos, sendo a criadora a estudante do curso de Artes
Visuais Andreza dos Santos.
19
No segundo dia, grupos se formaram para definir as imagens a
serem representadas, bem como executar desenhos no tamanho que
seria aplicado nas paredes, as quais receberam previamente uma base
de tinta para regularização das superfícies.
Paralelamente, um grupo se reuniu na oficina do Laboratório de
Tecnologia das Construções (LABTEC) para acompanhar e participar
da execução das placas de concreto colorido, de modo que a técnica
passou a ser socializada entre os participantes do Workshop.
A seguir, a parede foi demarcada para delimitar os espaços a
serem ocupados pelas placas, e as áreas disponíveis para desenho das
arquiteturas selecionadas pelos participantes.
20
Fotos: Arthur Queiroz e Tainá Menezes, 2022.
21
Figura 6: Participantes executando mapa de Belém na técnica do mosaico
22
Figuras 7 e 8: Vista do mural em execução e
assinatura do mural pelos autores
23
O termo refere-se à pintura mexicana da primeira
metade do século XX, de feitio realista e caráter
monumental. A adesão dos pintores aos murais
de grandes dimensões está diretamente ligada ao
contexto social e político do país, marcado pela
Revolução Mexicana de 1910-1920. Após 30 anos
de ditadura militar, o movimento revolucionário
- ancorado na aliança entre camponeses e setores
urbanos, entre eles, intelectuais e artistas - projeta
uma nação moderna e democrática, cujos alicerces
repousam no legado das antigas civilizações pré-
-colombianas e na instituição de um Ministério da
Cultura, dirigido pelo escritor José Vasconcelos. A
política cultural do novo ministério tem como eixo
o combate ao analfabetismo e a renovação cultu-
ral. O programa de pinturas de murais, narrando a
história do país e exaltando o fervor revolucionário
do povo, adquire lugar destacado no projeto edu-
cativo e cultural do período. Nos termos de Diego
Rivera (1886-1957), um dos principais expoentes
do muralismo mexicano, a arte “é uma arma”, um
instrumento revolucionário de luta contra a opressão
(MURALISMO, s.d.).
24
paredes externas, de grande durabilidade e colorido. Em março de
2022, houve em Belém a Semana de Arte e Muralismo, quando 16
artistas locais pintaram paredes da Fundação Cultural do Pará, com
referências a cultura popular e ao protagonismo feminino. Quatro
deles pintaram o maior mural a céu aberto da capital e os demais
trabalharam nas pinturas laterais do muro do prédio (SEMANA DE
ARTE E MURALISMO, 2022).
Figura 9: Mural executado no prédio
da Fundação Cultural do Pará
25
Figura 10: Arte de inspiração ribeirinha em espaços de convivência da UNIFAP
26
referências
27
SEMANA DE ARTE E MURALISMO. Disponível em: https://
g1.globo.com/pa/para/e-do-para/noticia/2022/03/26/semana-de-ar-
te-e-muralismo-artistas-pintam-maior-mural-a-ceu-aberto-de-belem.
ghtml. Acesso em: 13 ago. 2022.
28
MURAL SENSORIAL
COLABORATIVO
DO PPGAU-UFPA:
Representar, identificar e valorar
Wagner José Ferreira da Costa
Júlia Helena Santa Maria Moraes Gomes
motivações
29
Figura 1: Mural Sensorial Colaborativo no PPGA no prédio do PPGITEC UFPA.
30
sendo concluído em 1959, dando maior atenção aos doentes de
tuberculose. Na atualidade, o HUJBB é referência no tratamento
de doenças infectocontagiosas, participando do ensino, pesquisa e
extensão da UFPA.
Neste sentido, pretendemos com este ensaio entender como a
representação imagética da Basílica Santuário de Nossa Senhora de
Nazaré e do Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB)
que constam na pintura do Mural Sensorial Colaborativo executado
pelos discentes do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal do Pará (PPGAU-ITEC) podem
reforçar a valoração destes objetos no sentido de identificá-los ou não
enquanto patrimônios.
31
os objetos da Basílica de Nazaré e do Hospital Barros Barreto, para
evidenciar a identificação, ou não, destes edifícios pela população
na obra do Mural Sensorial Colaborativo do PPGAU/UFPA e quais
os fatores que permitem entendê-los como bens de herança, ou seja,
patrimônios.
32
classes do Estado que contribuíam com somas de dinheiro capazes
de concretizar um exemplar suntuoso da arquitetura sacra paraense
(COSTA, 2016).
É nítida a identificação e reconhecimento do povo paraense com
o templo enquanto símbolo de identidade, principalmente na época
do Círio de Nazaré, ocorrendo no segundo domingo de outubro, em
que a população enche as ruas de Belém do Pará com homenagens
à Santa, fazendo com que a cidade se enfeite por inteiro, tendo na
Basílica um espaço onde o sagrado pode se manifestar, clímax da
procissão que se desenvolve pelas ruas. A Basílica é um patrimônio
do nosso povo, e representa nossas práticas espirituais, que ano após
ano se renova e atualiza (ALVES, 1980).
Vemos, assim, como o principal valor do edifício é a represen-
tatividade que o mesmo exerce para a sociedade, e dessa forma, o
imaginário popular que envolve determinada edificação pode ser um
fator determinante para a valorização desse edifício ou a causa do
não reconhecimento. Esta consideração faz enxergar o motivo pelo
qual o Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB) não
é entendido como patrimônio pela população, pois carrega consigo
o estigma de hospital morredouro, dado o entendimento popular
do que seria na época um sanatório, bem como por seu histórico de
abrigar epidemias e doenças infectocontagiosas2.
A palavra Sanatório, para o imaginário popular, tem seu significa-
do atrelado a doenças psiquiátricas e a características manicomiais: um
lugar que abriga pessoas “indesejadas pela sociedade” e que precisam
viver em exílio, em áreas afastadas do centro urbano. Entretanto, a
33
palavra sanatório se refere ao tratamento de doenças que necessitam
de isolamento: o objetivo do isolamento do antigo Sanatório Barros
Barreto envolvia a necessidade de evitar o contágio e a proliferação
das doenças que assolavam a comunidade belemense na época e
seguiam as regras higienistas vigentes, de acordo com Larissa Leal &
Cybelle Miranda (2020).
Neste sentido, muito se discute atualmente sobre a valorização
do patrimônio cultural da saúde e dos desafios intrínsecos a esse as-
sunto. O HUJBB é enquadrado por Leal & Miranda (2020) como
exemplar da arquitetura moderna da saúde na região Norte devido
a sua história, impacto na cultura local, contribuição para a expan-
são da cidade de Belém, principalmente no Bairro do Guamá onde
está situado o edifício, além de sua significativa colaboração para os
habitantes da cidade. Muito embora, esbarre nos fatores apontados,
embaraçando sua classificação como um bem de herança.
34
identificadas pelos participantes de nossa atividade, fazendo com
que a coletividade também o entendesse como um bem de herança,
dada a importância que o mesmo possui no panorama citadino na
época de outubro. Os entrevistados, em sua maioria, também não se
equivocaram em relacionar o espaço sacro ao epíteto de patrimônio,
pois entenderam-no como um representante das práticas culturais
belemenses.
35
Estado do Pará: Engenharia Civil, Engenharia mecânica e teatro, do
Programa de Pós-Graduação de Arquitetura e Urbanismo (PPGAU)
e do cursinho preparatório para o Enem oferecido pela UFPA. A
representação da basílica foi reconhecida oralmente pela maioria dos
entrevistados, porém no termo de consentimento, 19 entrevistados
anotaram seu nome de identificação, já o Hospital Barros Barreto foi
identificado e anotado por 11 dos entrevistados, apenas um entre-
vistado não identificou e anotou nenhuma das duas representações.
Instigamos os entrevistados a formularem a sua opinião própria
sobre as edificações e perguntamos o que eles entendiam como patri-
mônio e quais as características presentes nas representações arquitetô-
nicas do mural serviam como parâmetro para identificá-las enquanto
bens de herança. As respostas foram diversas e se aproximavam do
conceito de bem patrimonial, contudo, após as manifestações, foi
possível formular uma síntese do conceito. Após o pequeno esclareci-
mento, muitos discentes apontaram características neoclássicas como
critério, outros valeram-se do “valor de antiguidade” (RIEGL, 2013),
dando a entender que há uma dificuldade de relacionar edificações
modernas a figura do patrimônio.
Contamos um pouco da história do HUJBB, objetivo de cons-
trução, de sua importância e contribuição para a cidade de Belém.
Diante dessas informações e tendo em conta o conceito de patrimô-
nio explicado, os alunos passaram a considerar que o HUJBB seria
classificado como patrimônio cultural da saúde e passaram a olhá-lo
de uma outra forma, como local de significância cultural.
36
reflexões finais
referências
37
COSTA, Wagner José Ferreira da. Basílica Santuário de Nazaré:
espaço sacro, valor simbólico e patrimonialidade. 172f. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal do
Pará, Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo. Be-
lém, 2019.
38
RIBEIRO, Rosina Trevisan Martins. Técnicas construtivas tradi-
cionais: preservação de um saber fazer. In: RIBEIRO, Nelson Pôrto
(org.). Subsídios para uma história da construção luso-brasileira. Rio
de Janeiro: Pod Editora, 2013. p. 127-139.
39
BELÉM EM MOSAICO:
A EXPERIÊNCIA DO RAIO QUE
O PARTA NO MURAL SENSORIAL
Laura Caroline de Carvalho da Costa
as origens da pesquisa
40
anos 90, sendo levados em consideração durante minha dissertação
de mestrado para ampliar o entendimento acerca dessa manifestação
em Belém, no que diz respeito à sua permanência e apagamento nos
bairros selecionados. A pesquisa teve por base o levantamento das
fachadas e entrevistas com moradores e proprietários, aos quais eram
solicitadas informações a respeito da época e autoria da construção,
bem como o apreço pela casa, no intuito de verificar as motivações
para manter ou retirar os elementos característicos.
Os resultados obtidos permitiram compreender a forma como o
RQP é visto por essas pessoas, além de suscitar outras inquietações
que aludem a um processo de ressignificação observada no âmbito
acadêmico nos últimos dez anos, motivando discentes e profissionais
de arquitetura, artes e design a valorizar o Raio que o parta como
patrimônio arquitetônico paraense em trabalhos acadêmicos, inter-
venções artísticas, tatuagens e designs de produto (acessórios, móveis e
roupas). É nesse contexto que se insere a minha segunda experiência,
agora como doutoranda no PPGAU e discutindo a ressignificação do
RQP que ultrapassa os limites do espaço construído.
41
transmitir aos participantes a história e aplicação de mosaicos ce-
râmicos usando a estética RQP, no sentido de que os inscritos se
apropriassem da técnica e dos desenhos aplicados nas fachadas para
criar pequenos painéis ou reformar objetos de decoração. Os resul-
tados alcançados demonstram um impacto positivo na percepção
dos envolvidos, passando a valorizar o trabalho minucioso de artistas
anônimos, de cuja imaginação surgiram painéis que resistem até hoje.
42
primeira reunião organizativa do evento, reforçou-se a importância
de haver referências às linhas de pesquisa integrantes do programa,
sugeri que fosse incluído no mural alguma alusão ao Raio que o parta
em forma de mosaico, contribuindo para uma experiência tátil que
ao mesmo tempo caracteriza uma das pesquisas realizadas.
No primeiro dia de workshop, apresentamos as técnicas e referên-
cias dos temas de pesquisa para orientar os participantes na criação
dos desenhos que ilustrariam a temática “Espaço Construído na
Amazônia”. Duas apresentações foram direcionadas para a história e
origem do mosaico e do Raio que o parta no Pará, ministradas por
mim e pela Profª Drª Cybelle Salvador Miranda, que orienta minha
pesquisa. O desenho que receberia o revestimento em mosaico e sua
execução foram definidos a partir do terceiro dia, devido à dificuldade
de obtenção do material adequado para o trabalho, que exigia peças
cerâmicas coloridas e sem estampas – o mais próximo da aparência
dos cacos usados nos painéis RQP, considerando a impossibilidade
de obter os mesmos azulejos comercializados há 70 anos. Parte doado
por alunos e parte adquirido em loja de materiais de construção, con-
seguimos reunir o material necessário, porém somente na cor branca.
Sobre o desenho, decidimos representar o mapa da cidade de
Belém incluindo algumas de suas ilhas, como forma de indicar um
dos recortes espaciais em que se concentram algumas das pesquisas
do PPGAU. Durante a execução, percebi que os participantes mos-
travam interesse não somente em realizar as pinturas e contornos do
mural, mas na confecção dos mosaicos. Por ocupar uma área mais
extensa, a maioria dos alunos esteve envolvida com a pintura, mas
ocasionalmente alguns deles se aproximavam para colar pelo menos
dois ou três cacos, sem a necessidade de serem solicitados a colabo-
rar. Tanto na quebra das placas quanto na aplicação à parede, havia
43
motivação e compromisso; um dos momentos que chamou minha
atenção foi o comentário de um dos alunos que quebrava os cacos,
o qual afirmou ser aquele trabalho uma forma de aliviar o estresse.
Durante a colagem, outro participante disse que naquele momento
ele até se esquecia dos problemas. Ao comentar sobre a “Oficina do
Caqueado” que trouxe a prática dos mosaicos RQP, muitos pediram
a sua reedição.
44
Figura 3: O resultado
46
TUTYIA, 2015). Por isso, coube aos engenheiros e mestres de obra a
tarefa de modernização do espaço construído em Belém e no interior
do Pará, ocasião na qual os proprietários também tinham participação
na obra, seja criando os desenhos ou quebrando azulejos.
Assim, quando se questiona o motivo pelo qual as pessoas se
interessam tanto pelo tema da arquitetura RQP e seus mosaicos,
uma possível resposta aponta para o potencial criativo que essa ma-
nifestação estimula e o sentimento de pertencimento ao processo
construtivo que é um esforço de muitas mãos. E, de caco em caco,
Belém se transformou em um grande mosaico Raio que o parta...
referências
47
AS REPRESENTAÇÕES
DO HABITAT AMAZÔNICO
EM MURAL SENSORIAL
NO PPGAU-UFPA
Tainá Marçal dos Santos Menezes
Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão
introdução
48
coordenado pelo professor Dr. Márcio Santos Barata; o Laboratório
de Historiografia da Arquitetura e Cultura Arquitetônica (LAH-
CA), coordenado pela professora Dra. Celma Chaves Pont Vidal;
o Laboratório de Conservação e Restauro (LACORE), coordenado
pela professora Dra. Thais A. Bastos Caminha Sanjad; o Laboratório
de Memória e Patrimônio Cultural (LAMEMO), coordenado pela
professora Dra. Cybelle Salvador Miranda; o Laboratório Ambiências
Subjetividade e Sustentabilidade na Amazônia (LASSAM), coorde-
nado pelo Professor Dr. Luiz de Jesus Dias da Silva e o Laboratório
Espaço e Desenvolvimento Humano (LEDH), coordenado pela
professora Dra. Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão, ao qual se
vincula a pesquisa de tese em curso.
A organização do Workshop teve participação de discentes da
pós-graduação, estimulando a interação entre os alunos de mestrado
e doutorado, os quais se dividiram entre as demandas necessárias
para realização do evento entre os dias 27 de junho a 01 de julho
de 2022. A programação foi dividida em três momentos distintos:
Palestra sobre técnicas de representação gráfica em mural; Workshop
de Concepção formal e aplicação de técnicas e Execução do mural.
A execução das atividades contou com diferentes técnicas e tex-
turas, desde o desenho e a pintura, à aplicação de placas em argamassa
colorida armada e de cacos cerâmicos, o que motivou a escolha por
um mural sensorial que representasse a visão integrada entre as três
linhas de pesquisa do PPGAU. Logo, a etapa de concepção artística
contou com a elaboração cuidadosa dos discentes envolvidos e, assim,
os diferentes desenhos de exemplares da arquitetura amazônica mos-
tram-se como representações das pesquisas desenvolvidas no PPGAU.
No que tange aos trabalhos desenvolvidos no LEDH, procurou-se
destacar no mural sensorial as pesquisas sobre o habitat amazônico
49
através da representação de desenhos de tipologias em palafitas e flu-
tuantes da região amazônica e de obras do Arquiteto Milton Monte,
como a Casa Onda Amarela e seu beiral quebrado, além de suas prin-
cipais influências, como a casa indígena e o barracão seringalista. Essas
representações se mostram como importantes exemplares da arquitetura
vernacular e erudita na Amazônia e revelam a integração entre os co-
nhecimentos formal e informal, cumprindo-se o objetivo da pesquisa
em projeto no LEDH através de contribuições nos últimos 15 anos
resultantes das atividades da graduação e da pós-graduação na UFPA.
50
O desenvolvimento de categorias analíticas sobre a configuração
do espaço visa repertórios que ultrapassem as representações geométri-
cas ao incluir as representações topológicas durante a concepção arqui-
tetônica. Para tanto, as investigações procuram compreender o espaço
da existência humana através da busca de relações que aproximem o
homem amazônico de seu habitat, tornando crescente a abordagem
do habitar ribeirinho a partir de um pensamento humanista e do
respeito ao lugar amazônico na produção de conhecimento científico.
A abordagem do tipo e seu uso em projeto de arquitetura (PER-
DIGÃO, 2009) registra o início dessa série de investigações que hoje
se fortalece através dos estudos tipológicos (PERDIGÃO, 2016). Os
estudos buscam a construção de categorias que, por um lado, ofereçam
consistência para pontos de partida na concepção arquitetônica, entre
geométricos e não geométricos – pelo ponto de vista do projetista – e,
por outro lado, possam também abranger as relações estabelecidas
entre o ser humano e seu entorno construído, pelo ponto de vista
do usuário de modo a impulsionar a assimilação do saber popular
pelo conhecimento formal, além de validar instrumental para apoio
à prática arquitetônica que possa ser ensinável e transmissível (PER-
DIGÃO, 2019).
Desse modo, os estudos tipológicos em palafitas amazônicas proces-
sam e investigam categorias que permitem a caracterização das particu-
laridades locais, destacando o protagonismo de soluções produzidas por
saberes locais e que passam a funcionar como indicador da manifestação
cultural no ambiente construído pelos nativos da região, que a pesquisa
científica transporta para o conhecimento formal da arquitetura, como
ocorreu com a sistematização do tipo palafita amazônico (MENEZES,
2015; MENEZES; PERDIGÃO, 2021).
A ampliação dos estudos tipológicos tem procurado oferecer uma
51
maior compreensão sobre a recorrência e as particularidades do tipo
palafita amazônico (PERDIGÃO; MENEZES, 2021). A observação
e posterior sistematização de elementos do vocabulário ribeirinho
vêm se mostrando como um importante passo para compreender as
relações que ocorrem entre o ser humano e o lugar, a partir das quais
seria possível transformá-los em parâmetros de projeto que, posterior-
mente podem ser adotados na concepção arquitetônica de projetos
inseridos nas especificidades da realidade amazônica, especialmente
na escala habitacional.
Para o campo da arquitetura, esse pensamento representa a incor-
poração de registros importantes ao conhecimento formal, ampliando
o olhar dos estudantes e jovens arquitetos a respeito de um material
genuíno para referências projetuais locais. O que se torna desafiador
nos ateliês de projeto ao enfrentar o conflito entre o pensamento
hegemônico da arquitetura e os modos de morar próprios de um
padrão cultural da região amazônica (PERDIGÃO, 2019), visto que
o conhecimento sobre a arquitetura vernacular (OLIVER, 2006;
BARDA, 2009) dessas comunidades mostra-se disperso na escala
do projeto de arquitetura.
Dessa maneira, as representações do habitat amazônico no Mural
Sensorial Espaço Construído na Amazônia (Figura 1), como objeto
de pesquisa do LEDH no PPGAU-UFPA, busca registrar como a
produção de conhecimento sobre arquitetura na escala do projeto tem
se dedicado a contribuir com a construção de repertórios tradicionais
e não tradicionais para permitir uma melhor compreensão do interior
da prática como apoio ao processo de concepção arquitetônica para a
região amazônica onde, via de regra, o habitar ribeirinho amazônico
possa se tornar uma importante referência de projeto, inspirando e
valorizando a cultura local.
52
Figura 1: Registros Fotográficos da habitação ribeirinha amazônica no
Mural Sensorial Espaço Construído na Amazônia do PPGAU-UFPA
53
Figura 2: Registro Fotográfico do Mural Sensorial Espaço
Construído na Amazônia do PPGAU-UFPA
considerações finais
54
O ensino de projeto nas escolas de Arquitetura e Urbanismo da
Amazônia, via de regra, ainda prioriza tendências importadas e ampla
utilização de textos e teorias hegemônicas que não condizem com as
questões locais. Foi importante trazer as representações do habitat
amazônico articulado a tantas outras representações da arquitetura
local. Desse modo, criam-se oportunidades para a valorização de um
saber cultural que atenderia de maneira mais adequada as problemá-
ticas projetuais da região, com uma lógica produzida socialmente e
manifestada como cultura ribeirinha amazônica e que agora cada vez
mais tem feito parte da formação do arquiteto e urbanista na UFPA
com as pesquisas do LEDH.
Os desenhos das habitações em palafitas registram a importância
de elementos do vocabulário ribeirinho amazônico recorrente na des-
crição do ambienta natural e construído da Amazônia, em conjunto
com obras do arquiteto Milton Monte buscam privilegiar a formação
de um pensamento projetual que resguarda a cultura amazônica pela
valorização da arquitetura, tanto erudita quanto vernacular, mas sem
dúvida a produção é enriquecida pelo compartilhamento de saberes
que valorizam o ambiente construído da Amazônia e seu povo.
Observa-se que a atividade de extensão do Workshop Mural
Sensorial Espaço Construído na Amazônia atendeu aos seus objetivos.
Os resultados demonstraram a rica interação entre discentes e seus
objetos de investigação, quando apareceu um olhar mais ampliado
sobre as contribuições do PPGAU em suas respectivas linhas de pes-
quisa. Com isso, revigora, no prédio da Pós-graduação do Instituto de
Tecnologia, uma manifestação explícita sobre a aparência e a essência
da Arquitetura.
55
referências
56
PERDIGÃO, Ana Klaudia de Almeida Viana. Considerações sobre
o tipo e seu uso em projetos de arquitetura. Arquitextos (SP), v.
114, p. 257, 2009. Disponível em: www.vitruivius.com.br/arquitexto/
arq000/esp527.asp.
57
VISIBILIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO
MODERNO E EXPERIMENTAÇÕES
CARTOGRÁFICAS DE BELÉM
IZABELLA MELO
CELMA CHAVES
introdução
58
Desta forma, o capítulo se divide em dois tópicos principais. O
primeiro salienta a importância de atividades como o Mural Senso-
rial, que busca incluir e dar visibilidade a diversidade de expressões
estudadas no Programa, entre elas, o Patrimônio Moderno, ainda
invisível a parte da sociedade que não o reconhece como detentor
de valor. O segundo tópico tem como foco a experimentação car-
tográfica desenvolvida durante a execução do Mural, bem como os
questionamentos e percepções possibilitados por ela.
59
transformações que ainda se fazem presentes na atualidade, como
também ressonaram em processos observados após a década de 1970
(VIDAL, 2016). À vista disso, o Laboratório de Historiografia da
Arquitetura e Cultura Arquitetônica (LAHCA-UFPA) desenvolve,
desde 2010, pesquisas sobre estes temas, buscando aprofundar dis-
cussões e novas perspectivas.
As pesquisas voltadas à Arquitetura Moderna em específico visam
identificar o valor dos edifícios modernos construídos em Belém,
possibilitando que estes sejam conhecidos e reconhecidos como parte
do patrimônio arquitetônico da cidade que merece ser protegido.
Especialmente quando se observa que os exemplares modernos da
cidade possuem a dupla condição de serem, assim como afirmam
Chaves, Beltrão e Dias (2020), “presente-invisível”, uma vez que
apesar de serem percebidos materialmente, não são reconhecidos como
detentores de valor. As autoras reiteram a importância de investir em
um tipo de educação patrimonial que insira no debate não apenas
olhares técnicos, mas a população em geral.
Neste sentido, o LAHCA, além das habituais atividades da pes-
quisa científica, vem desenvolvendo ações de educação patrimonial
que já revelam interessantes resultados, como visitas a espaços de
modernidade arquitetônica da cidade, circuitos criativos aos mercados
públicos, aulas ao ar livre e a criação do website Morar Moderno3,
uma plataforma colaborativa que busca divulgar informações sobre
residências e edifícios residenciais modernos construídos na Região
Metropolitana de Belém entre as década de 40 e 80.
De certa forma, a participação de integrantes do Laboratório
na execução do Mural Sensorial do PPGAU também funcionou
como outra atividade de educação patrimonial, uma vez que houve a
60
preocupação em representar três exemplares da Arquitetura Moderna
produzida na cidade, testemunhas de suas transformações arquitetô-
nicas e que entendemos que merecem ser valorizados.
As duas residências modernas apresentadas no Mural foram pro-
jetadas na década de 50 pelo engenheiro-arquiteto Camillo Porto
de Oliveira, importante nome da construção civil paraense. Cons-
truídas na Avenida Almirante Barroso, ambas apresentam soluções
arquitetônicas típicas da Arquitetura Moderna, como marquises,
brise-soleil, cobogós, telhado mariposa e planta-livre, combinadas
com soluções inovadoras que lhes conferem um caráter marcante na
paisagem belenense.
A residência Belisário Dias, atualmente com uso de clínica mé-
dica, embora tenha sido razoavelmente modificada com o passar
do tempo, possui manutenção satisfatória. Sua localização em uma
esquina da cidade, seus arcos e, sobretudo, sua linguagem que con-
trasta com o entorno, ainda despertam curiosidade dos que passam
pela casa. Por outro lado, a residência Bittencourt encontra-se sem
uso há alguns anos e seu terreno, dividido e reduzido neste período,
ocasiona preocupação de pesquisadores, situação que motivou os
participantes do III Seminário de Arquitetura Moderna na Amazô-
nia (III SAMA) a elaborar, em 2018, uma Carta aberta aos órgãos
competentes solicitando ações de proteção da casa e a abertura de um
novo processo de tombamento para salvaguardá-la (CARTA, 2018).
O edifício vertical representado no Mural foi o Edifício Manuel
Pinto da Silva, um dos marcos da construção civil de Belém. A escolha
em desenhá-lo foi motivada pela importância, formas e dimensões
que causam admiração no imaginário popular desde a sua inaugu-
ração (CHAVES; BELTRÃO; MELO, 2021). Sua localização, na
confluência de importantes vias de Belém que não por coincidência
61
marcam os percursos que a modernização tomou na cidade, contri-
bui para que o mesmo continue a ser um dos mais emblemáticos
edifícios paraenses.
A representação destas obras foi um processo colaborativo e de
trocas intensas. Nenhum dos três desenhos foi realizado exclusiva-
mente por uma pessoa, mas foram vários os responsáveis por rabiscar,
traçar linhas, desenhar e corrigir as perspectivas dos mesmos. Houve
uma imersão dos participantes desde a fase de pesquisa de referências
até o momento da conclusão do trabalho e as várias horas dedicadas
à atividade permitiram descobrir novos detalhes das obras retratadas
e elementos que antes passavam despercebidos (figura 01).
Figura 1: Momento da execução e resultado das obras modernas representadas no Mural Sensorial
63
Figura 2: Cartografias do Mural Sensorial
4 Sobre a manifestação estética Raio que o Parta, ver entre outros: COSTA, Laura; MIRAN-
DA, Cybelle. A efemeridade do moderno e o valor de novidade nas fachadas de residências
“Raio que o parta” em Belém PA. Arquitextos, São Paulo, ano 19, n. 228.03, Vitruvius, maio
2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/19.228/7306>
64
sabíamos que aspecto ele teria e se daria certo, mas ficou claro durante
a experimentação cartográfica que estávamos fazendo uma reversão
metodológica. Segundo Passos, Kastrup e Escóssia (2009, p.10-11)
“a cartografia propõe uma reversão metodológica: transformar o
metá-hódos em hódos-metá [que] consiste numa aposta na experi-
mentação do pensamento – um método não para ser aplicado, mas
para ser experimentado e assumido como atitude”.
Ainda que não soubéssemos como seria o resultado final da nossa
aposta cartográfica, algumas etapas de produção foram estabelecidas,
entretanto, à medida que o trabalho avançava houve a necessidade de
definir novas metas e redefinir várias vezes o percurso. De certa forma,
ao mesmo tempo que inventávamos uma cartografia, ela também
definia seus próprios termos durante o processo (Figura 2).
65
aleatoriamente, é importante mencionar como cada peça foi selecio-
nada para ocupar o lugar em que se encontra no mapa. Como em
um quebra-cabeça ou jogo de montar, as peças foram dispostas com
base nas que já haviam sido coladas anteriormente.
Originalmente a estética “Raio que o parta” faz uso de cacos co-
loridos de cerâmica e no início da atividade o grupo objetivava fazer
o mesmo, havia a vontade de indicar as divisões da cidade através
do uso de cores. No entanto, após dificuldade em obter cerâmicas
coloridas, optou-se por deixar (em) branco o mapa de Belém, uma
vez que percebemos que a cartografia sem cores e sem divisões em
bairros ou distritos instigava outros olhares e comportamentos do
público. Uma das primeiras atitudes dos visitantes do Mural ao se
posicionarem em frente ao mapa em Raio que o Parta era se questio-
nar onde estavam e tentar indicar com a ponta dos dedos o lugar em
que poderiam estar: “eu devo estar por aqui”, “onde está a UFPA?”,
“é aqui que fica a ilha do Combu?”.
A construção do mapa “Belém em Raio que o parta” pode ser
encarada como uma prática contracartográfica à medida que ao criar-
mos uma nova cartografia da cidade desafiamos “percepções espaciais
estabelecidas” (KIMINAMI, 2018, p.31) e nos reapropriamos critica-
mente do mapa (MESQUITA, 2013, p.178). Ao mesmo tempo que
a cartografia nos fala de uma Belém que conhecemos, ela também
nos instiga a direcionar novos olhares a esta cidade e questionar a
forma com que a mesma é produzida e mapeada.
Autores como Harley (2005) já discutem há algum tempo sobre
a não neutralidade dos mapas, e a importância de “desconstruí-los”
para tentar entender as intenções, os silêncios e visões de mundo
que estão por trás de suas representações. Sperling (2016, p.83), a
partir da definição de cartografia exposta por Deleuze e Guattari no
66
primeiro volume de Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, afirma
que “o mapa é um agenciamento em processo, que não é visto como
uma representação do real, próxima do mito cientificista, mas uma
cartografia embasada na experiência e com múltiplas entradas”. Ao
diferenciarem mapa de decalque, os filósofos ampliaram o conceito
do primeiro afirmando que:
67
considerações finais
68
referências
69
KIMINAMI, C. A. G. Contracartografias: práticas críticas em um
mundo hipermapeado. 2018. 201 f. Dissertação (Mestrado em Ar-
quitetura e Urbanismo) - Instituto de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade de São Paulo, São Carlos, 2018.
70
MOBILIÁRIO URBANO EM FERRO:
UM RELÓGIO
E MUITAS MEMÓRIAS
Simone Cristina Diniz
Renata de Godoy
motivações iniciais
71
Figura 1: Imagem atual do relógio
podemos dizer então de objetos
que assumem o caráter de mar-
cadores de memórias coletivas,
como edifícios e paisagens? A par-
tir das emoções evocadas sobre
um mobiliário urbano em ferro,
este pequeno ensaio sugere ao lei-
tor que remeta às suas próprias
memórias, sobre esta paisagem
que tanto representa a cidade de
Belém/PA.
A confecção do Mural Sen-
sorial, obra coletiva de discentes
inspirados, recebeu a representa-
ção deste bem cultural da cidade.
Mas por que este objeto merece
tanta atenção? O Relógio repre-
sentado no mural foi fabricado
pela relojoaria inglesa JW. Benson
Ltd. de Londres, uma gigante no
ramo de exportação de relógios de
todos os formatos. Para o relógio
foi encomendada uma torre de
12m em ferro fundido, da esco-
cesa Saracen Foundry de Walter
MacFarlane&Cº, também umas
das maiores fabricantes de produ- Fonte: Simone Diniz, 2022
tos em ferro fundido do mundo
da época (COSTA, 2011).
72
Figura 2: Mural Sensorial e o relógio
73
arquitetura em ferro em belém/pa
74
de centenas de seu acervo. Talvez esse caráter de uma arquitetura im-
portada provoque uma certa rejeição por parte da historiografia, como
algo apenas fruto do consumo de uma elite belemense que tinha em
seus anseios pessoais, o de expor seu poder via o embelezamento de
suas residências e da paisagem da cidade amazônica.
Por outro lado, ao se observar o contexto da iniciativa e da cons-
trução da praça e da implantação do relógio, veremos que tem um
significado totalmente diferente. Em primeiro lugar, a praça que
abriga o relógio se localiza no complexo paisagístico do Ver-o-Peso,
precisamente contígua a doca e ao cais, cercada por um casario oito-
centista ou até anterior, e outras praças. Note-se que já na descrição
de sua localização não tem como não fazer referência à paisagem
que pertence.
75
O terreno onde se implanta a Praça do Relógio é fruto de um
aterramento do antigo Igarapé do Piri, que separava a Cidade Velha
do bairro da Campina. Durante as grandes intervenções feitas por
Lemos na cidade na primeira década do séc. XX, a praça era apenas
um jardim público e o caminho das pessoas que vinham para o Ver-
-o-Peso. Em 1930, o intendente municipal Antônio Facíola, em seu
relatório anual vai dizer:
76
o relógio no mural
77
do Peixe, o Ver-o-Peso, o rio, os urubus, etc. Portanto, a praça e o
relógio não estão isolados, dessa paisagem, que é espaço muito caro
a população, pois ali está a identidade de um povo frequentemente
exaltada através de poemas, músicas, prosas, estórias e concretizado
por seu conjunto arquitetônico, considerado propriedade do povo
de Belém.
referências
78
SILVA, Luiz de Jesus Dias da. Centro Histórico de Belém do Pará:
múltiplos olhares sobre paisagens, dinâmicas sociais e história em
uma metrópole da Amazônia no século XXI, in: SILVA, Luiz; MI-
RANDA, Cybelle (org). Olhares sensíveis ao Centro Histórico de
Belém, vivências e temporalidades. Belém: Editora do NAEA, 2019
79
PLACAS TEXTURIZADAS
Érika Lima Evangelista
Euler Santos Arruda Junior
Márcio Santos Barata
introdução
80
desmaterialização da construção, uma vez que reduz o consumo de
materiais de acabamento.
Além do uso com aparência natural, podem ser incorporados
pigmentos na pasta cimentícia aliados a técnicas de cofragem, con-
tribuindo com maior apelo estético do concreto aparente. A croma-
ticidade do concreto foi amplamente explorada com a disseminação
do cimento branco, na década de 1980 nos Estado Unidos, tendo sua
gama de cores bem diversificada a partir da combinação dos pigmen-
tos disponíveis no mercado atual. A superfície do concreto também
passa por experimentações, desde técnicas sofisticadas de cofragem,
como o concreto fotogravado, até processos manuais explorados por
Paul Rudolph, a exemplo da obra do edifício Art and Architecture
Building, para a Universidade de Yale. Pensando nas formas singulares
que o concreto aparente pode admitir, uma combinação de cores e
texturas foi formulada com inspirações na Amazônia, simulando a
aparência de elementos naturais encontrados na região.
placas texturizadas
81
e Zaha Hadid. No Brasil, o concreto cromático é mais utilizado em
pavimentos, revestimentos e projetos de grande porte, como a Praça
das Artes, em São Paulo, projetada pelo Escritório Brasil Arquitetura
(COELHO, 2001).
A produção do concreto cromático é bastante delicada, exigin-
do alto grau de rigorosidade na seleção dos materiais, sendo menos
desejado quando produzidos com cimento cinza, uma vez que esse
tipo de cimento resulta em tonalidades menos nítidas. Quando são
produzidos com cimento branco permitem maior controle das to-
nalidades do concreto, podendo produzir concretos em tons pasteis
ou com tons mais vivos. No entanto, como o cimento branco exige
matérias-primas mais puras para ter uma cor mais clara e não é pro-
duzido no Brasil, acaba implicando em custos mais elevados (HART-
MANN; BENINI, 2011; KIRCHHEIM; PASSUELO; MOLIN;
SILVA FILHO, 2011).
Tendo em vista o alto custo do cimento branco e a baixa satisfação
colorimétrica do cimento e os altos impactos ambientais decorrentes
da produção de cimento Portland, a Linha 3 (Tecnologias Constru-
tivas, Conservação e Restauro) do Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) visa investigar a produção de
um cimento com menor custo, resistência e durabilidade adequa-
das, menor impacto ambiental e melhor estabilidade cromática do
concreto colorido.
O cimento de baixo carbono (CBC) é produzido a partir da
substituição do clínquer por adições minerais. Essa substituição é de
extrema importância, já que a produção de clínquer é um dos prin-
cipais fatores de emissão de dióxido de carbono no mundo. Sendo o
cimento (clínquer) o segundo produto mais consumido no mundo
em massa, apenas perdendo para água, é sozinho responsável por certa
82
de 7% das emissões de CO2 antropogênicas. No Brasil, a produção
de cimento aumentou 277% no período de 1990 a 2014, mas as
emissões reduziram em 18%. Sendo que estes números podem ser
reduzidos em 33% até 2050, tendo o uso de substitutos do clínquer
uma contribuição de 69%, cerca de 290 megatoneladas de dióxido
de carbono mitigados (SNIC, 2019).
A substituição do clínquer por argila calcinada e fíler calcário é
bastante promissora, principalmente na região Amazônica, a qual
possui diversos depósitos de caulim e de resíduos do beneficiamento
do caulim, que ainda não possuem um valor agregado. Estes resíduos
são constituídos de 90% de caulinita extremamente fina, possibilitan-
do a substituição de 50% do clínquer, com uma proporção de 2:1 de
metacaulim e calcário, alcançando uma resistência de 62 MPa contra
46 MPa do CPII F 40 (ARRUDA JUNIOR, 2020). Estas adições
também proporcionam ao cimento de baixo carbono uma cor mais
clara que o cimento cinza convencional, possibilitando a produção do
concreto cromático em tons mais claros. O uso das adições minerais
também auxilia na redução da eflorescência, o metacaulim reage com
hidróxido de cálcio causando a diminuição da alcalinidade da pasta
e refinamento dos poros, dificultando a difusão de água e agentes
agressivos no interior do concreto (BARATA, 2007).
83
de cores e texturas, foram escolhidos os tons de amarelo, verde e
laranja com textura de “Bambu” para compor o Mural e torná-lo
mais inclusivo (Figura 1).
A seleção foi baseada nas tonalidades e textura presentes na pai-
sagem natural da região Amazônica, que constituem traços fortes
da cultura nortista intensamente vinculada a cultura indígena. A
tonalidade amarela, proveniente da mistura dos pigmentos marrom
e amarelo, remete aos rios da baía do Guajará que banha Belém, a
capital paraense e sede do PPGAU. O verde, derivado da combinação
dos pigmentos preto e amarelo, faz alusão a flora Amazônica, raiz da
cultura nortista. E o laranja, produzido a partir da combinação dos
pigmentos amarelo e vermelho, designa o solo argiloso da região,
exposto principalmente em ilhas que compõe a Região Metropolitana
de Belém, como a Ilha de Cotijuba.
84
sombreamento e escurecimento do produto final. Foi empregada uma
substituição de 50% do cimento Portland por uma mistura de 2:1
de metacaulim e calcário, sendo a maior porção de metacaulim. O
metacaulim utilizado era proveniente do processo de beneficiamento
do caulim, armazenado em Ipixuna do Pará. O caulim passou pelo
processo de moagem e queima à 800°C para atingir a reatividade
adequada em forma de metacaulim. Já o calcário foi o mesmo usado
pelas cimenteiras, provenientes da região nordeste do Pará, que passou
pelo processo de moagem.
As placas foram produzidas pelos integrantes da equipe de execu-
ção do Mural Sensorial, com a orientação dos integrantes do Labora-
tório de Tecnologia das Construções (LABTEC), Euler Arruda Junior
e Érika Evangelista. O trabalho consistiu na mistura dos materiais de
partida: cimento, metacaulim, calcário e pigmentos - para obtenção
de cimentos ecoeficientes pigmentados. Cada um dos três tipos de
cimentos, foram misturados com areia da região amazônica, água
e aditivo plastificante para confecção de argamassas coloridas, que
posteriormente foram dispostas em formas com armação em aço e
imprimadas com textura de “Bambu” (Figura 2).
85
Após o processo de secagem do material (cura) por 48 horas,
as placas foram fixadas na parede do mural com argamassa colante
(Figura 3). Desta forma, os alunos integrantes da equipe de execução
do Mural Sensorial puderam apreender de forma ativa o processo de
pigmentação e texturização das argamassas de cimento.
referências
86
BARATA, M. S. Aproveitamento dos resíduos cauliníticos das
indústrias e de beneficiamento de caulim da região Amazônica
como matéria-prima para fabricação de um material de constru-
ção (pozolanas). 2007. 396 f. Tese de Doutorado em Geoquímica,
Instituto de Geociências, Programa de Pós-Graduação em Geologia
e Geoquímica, Universidade Federal do Pará, Belém, 2007.
87
Fotos: Arthur Queiroz
88
CONSELHO EDITORIAL
89
bolsa da Fundación Carolina, Governo Espanhol. É professora Ad-
junta da Universidade Federal de Campina Grande/ UFCG, Paraíba,
desde 2015- onde leciona na graduação de Arquitetura e Urbanismo,
e na pós-graduação em História, na linha História e Cidade, sendo
ainda, coordenadora do Grupo de pesquisas Arquitetura e Lugar/
GRUPAL, investigando sobre história da arquitetura e da cidade,
projetos arquitetônicos, tectônica, patrimônio moderno e industrial.
Coordenadora geral do DOCOMOMO Brasil na gestão 2022/2023.
90
FAPERJ), além de ser membro de Comitês Científicos e Conselho
Editorial em diversas revistas indexadas.
91
Marluci Menezes
Possui graduação em Geografia pelo Centro de Ensino Unificado
de Brasília (1985), equivalência à graduação em Geografia e Planeja-
mento Regional (1991) pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
(FCSH) da Universidade Nova de Lisboa (UNL), especialização em
Antropologia do Espaço pela Facoltá di Architettura da Universitá
di Firenze, mestrado em Antropologia Social e Cultural pela Univer-
sidade Nova de Lisboa (1996) e doutorado em Antropologia Social
e Cultural pela Universidade Nova de Lisboa (2002). Investigadora
no Laboratório Nacional de Engenharia Civil -LNEC, onde, desde
1991 estuda as culturas urbanas de uso/apropriação do espaço e de
conservação e reabilitação do património. Foi Coordenadora do Nú-
cleo de Ecologia Social/LNEC (2009/2013), Professora convidada
no Instituto de Pesquisa e Tecnologia/IPT São Paulo (2010) e na
UNICAEN/Baixa Normandia (2012), tendo ainda realizado vários
Seminários temáticos integrados em Planos Curriculares Acadêmicos
de Mestrado e Doutoramento de Universidades Portuguesas e Bra-
sileiras. Presentemente estuda as questões socioculturais associadas à
relação entre património material e imaterial na conservação do patri-
mônio arquitetônico, ao uso e conservação de recursos patrimoniais
e às dinâmicas de adaptação aos processos de transformação urbana.
92
pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (2014). É
tecnologista sênior e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, onde é
Chefe do Departamento de Patrimônio Histórico da Casa de Oswaldo
Cruz. Docente permanente do curso de Mestrado Profissional em
Preservação e Gestão do Patrimônio Cultural das Ciências e da Saúde,
Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz. Professor da subárea Saneamento
Ambiental do Curso de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola
Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Professor convidado do
Curso de Especialização em Arquitetura para a Saúde da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Líder do Grupo de Pesqui-
sa no CNPq Saúde e Cidade. Coordenador do Docomomo Brasil
(2018-2021). Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo,
com ênfase em História da Arquitetura e Urbanismo, atuando prin-
cipalmente nos seguintes temas: Rio de Janeiro, história, arquitetu-
ra e urbanismo, patrimônio cultural, arquitetura de instituições de
saúde-história e saúde urbana.
93
AUTORES
Celma Chaves
Arquiteta e Urbanista, Doutora em Teoria e História da Ar-
quitetura pela Universidade Politécnica da Cataluña. Professora da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Gra-
duação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do
Pará, Coordenadora o Laboratório de Historiografia da Arquitetura
e Cultura Arquitetônica (LAHCA-UFPA) e do Núcleo Docomo-
mo PA. Desenvolve pesquisas na área de Arquitetura e Urbanismo,
atuando principalmente nos seguintes temas: Arquitetura Moderna,
94
Historiografia da Modernidade; Mercados públicos na cidade con-
temporânea, Cidade, Arquitetura e Modernização na Amazônia.
ORCID <https://orcid.org/0000-0003-3437-3844>.
95
Euler Arruda Junior
Engenheiro Civil pela Universidade Federal do Pará, Mestre em
Tecnologias Construtivas Conservação e Restauro (PPGAU/UFPA)
e Doutorando em Tecnologias Construtivas Conservação e Restau-
ro (PPGAU/UFPA). Atualmente, atua na construção civil como
projetista e executor de obras residenciais e hospitalares, nas áreas:
Geotécnica, estrutural, elétrica, hidrossanitária e proteção e combate
a incêndio. Como consultor, atua nas áreas: geotécnica, estrutural e
conservação e restauro.
Izabella de Melo
Arquiteta e Urbanista, Mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Univer-
sidade Federal do Pará, Pesquisadora do Laboratório de Historiografia
da Arquitetura e Cultura Arquitetônica (LAHCA-UFPA), no qual
contribui em pesquisas sobre História Urbana, Arquitetura Moderna
e Modernização. ORCID <https://orcid.org/0000-0001-8997-2866>
Julia Moraes
Arquiteta e urbanista, Mestranda na linha 1: Arquitetura, cultura
e espacialidades na Amazônia, pelo PPGAU- UFPA. Pesquisadora
integrante do Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural (LA-
MEMO FAU - UFPA). Integrante da equipe do projeto de Pesquisa
Arquitetura Hospitalar: paradigmas para sustentabilidade e humani-
zação na Contemporaneidade pós-pandêmica.
96
Laura Caroline de Carvalho da Costa
Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal do Pará (UFPA),
Bacharel em Design de Produto pela Universidade do Estado do
Pará (UEPA), Mestre e Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo
(PPGAU-UFPA), Professora EBTT no Instituto Federal do Pará
(IFPA) e Pesquisadora do Laboratório de Memória e Patrimônio
Cultural (LAMEMO-UFPA).
Renata de Godoy
Professora adjunta da Universidade Federal do Pará. É PhD em
Antropologia (UF/EUA), mestra em gestão do patrimônio cultural
e arquiteta e urbanista pela PUC/GO. É professora permanente dos
Programas de Pós-graduação em Antropologia e em Arquitetura e
Urbanismo (PPGA e PPGAU).
97
Simone Castro Diniz
Arquiteta e Urbanista pela Universidade da Amazônia, mestranda
no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo/UFPA.
Bacharel e Licenciada em História pela UFPA.
98