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II.2.

ESTADO DA ARTE

2.1. INTRODUÇÃO

Este capítulo tem como objetivo principal sintetizar as diferentes “narrativas” que foram “construídas”
sobre o período de tempo que estrutura o nosso trabalho: do VI milénio a.C. ao primeiro quartel do I
milénio a.C., ou seja, sobre a Pré-história Recente da Bacia Hidrográfica do Douro.

Tem como base estruturante as visões de três autores: Susana Oliveira Jorge, Maria de Jesus Sanches e
Domingos Cruz. Utilizaremos, igualmente, dados produzidos por Ana M.S. Bettencourt, para o Minho e
Douro Litoral, área geográfica que se encaixa parcialmente na Bacia Hidrográfica do Douro. Sérgio
Monteiro-Rodrigues e António Faustino Carvalho e as suas diferentes visões sobre o processo de
neolitização no Alto Douro serão sumariamente abordados. O trabalho destes arqueólogos e as suas
sínteses sobre as diferentes áreas onde trabalharam constitui o fundamento para a síntese que
pretendemos realizar. No entanto, quando falamos de síntese, referimo-nos tão só à apresentação das
diferentes visões de diferentes autores sobre a Pré-história Recente da Bacia Hidrográfica do Douro, ou
seja, ao estado da arte.

O processo de estruturação deste capítulo foi problemático. Como gerir a informação, como conciliar
visões, por vezes não coincidentes, como fugir de nomenclaturas que, segundo alguns autores, estão
completamente esvaziadas de sentido? A forma como cada autor compõe a sua síntese é o reflexo da
sua visão sobre a forma como se divide o tempo em pequenas parcelas, das regiões estudadas, dos tipos
de sítios escavados, entre outros elementos. Essas parcelas de tempo apresentam diferentes dados que
as caracterizam e que se articulam num jogo de continuidades e descontinuidades.

Acresce o seguinte: existe uma grande disparidade ao nível das regiões estudadas, das temáticas
abordadas, das propostas cronológicas que iremos enunciar, que estão intimamente relacionadas com os
projetos de investigação realizados e sumariamente apresentados no ponto anterior. Ou seja, nem todos
os investigadores apresentam sínteses onde abarcam todos os momentos que se integram no que
definimos como Pré-história Recente – do VI ao primeiro quartel do I milénio a.C.. Esse fator é
irrelevante. O que nos interessa é demostrar diferentes perspetivas e propostas de análise dos vestígios
arqueológicos pré-históricos da Bacia Hidrográfica do Douro.

Breve revisão da periodização da Pré-história Recente para a área em estudo

Maria de Jesus Sanches desenvolveu trabalhos de investigação sobre vários temas (povoados, estruturas
tumulares e arte rupestre) na região de Trás-os-Montes, e equaciona os grandes momentos da Pré-
história Recente na sua dissertação de doutoramento “Pré-história Recente de Trás-os-Montes e Alto
Douro” em 1997. Define dois grandes momentos: a) um Neolítico Inicial regional para o Norte de
Portugal entre os finais do VI e os finais do IV milénio a.C. (Sanches, 1997: 145) e b) um segundo
momento que contempla o III e inícios do II milénio a.C. (idem: 217).

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“A abordagem de um tão extenso período cronológico decorre essencialmente da parca
informação disponível, mormente para os finais do VIº e todo o Vº milénio cal AC. As estações
arqueológicas são escassas, o seu espólio arqueológico não é abundante; ainda as suas
estratigrafias são de difícil interpretação, já que parecem articular-se com datas de C14 que
cobrem períodos cronológicos muito alargados. Mesmo assim, parece-nos não ser de desprezar a
informação que veiculam atendendo a que, precisamente, na viragem do milénio – Vº/IVº (c. de
5300-5000 BP), ou, pelo menos, após os meados/finais do V.º - se verifica no Norte de Portugal um
povoamento mais efectivo, chamemos-lhe assim, traduzido na construção de mamoas, megalíticas
ou não. Esse povoamento conta, já no IVº milénio (c. de 4900-4500 BP), com alguns povoados de
ar livre e um, ou provavelmente dois, abrigos sob rocha, cuja ocupação se prolonga, em vários
casos, para o IIIº milénio” (Sanches, 1997: 145).

O primeiro momento definido por Maria de Jesus Sanches, encontra-se subdividido em duas fases: 1.ª
fase - de finais do VI aos finais do V milénio a.C.; 2.ª fase - o IV milénio a.C. (Sanches, 1997: 145), que no
fundo abarca o estudo global do período conhecido por “Neolítico”. A autora, com base nos trabalhos
desenvolvidos na província de Trás-os-Montes e Alto Douro, define um segundo momento, que se situa
temporalmente no segundo e terceiro quartel do III milénio a.C., havendo situações em que as
ocupações se prolongam para os finais do II milénio desse mesmo milénio (idem: 217).

Em 1999, Susana Oliveira Jorge escreve um texto de síntese intitulado “Domesticar a Terra” no qual
refere:

“Esta breve síntese abarca a pré-história recente do território português entre o 6.º e o 2.º
milénios a.C.. Intencionalmente, evita a nomenclatura arqueológica, que divide este período em
Neolítico, Calcolítico e Idade do Bronze. De facto, os três capítulos estão organizados segundo
parâmetros cronológicos, conteúdos e abordagens que se distanciam, em muitos aspectos, das
perspectivas clássicas” (Jorge, 1999c: 7).

Este texto encontra-se dividido em três capítulos que abordam diferentes temas: o primeiro ponto
abordado “ocupa-se dos últimos caçadores-recolectores, que já manipulavam elementos do sistema
produtor (refere-se a grupos tradicionalmente integráveis no “Neolítico antigo”); o segundo ponto
“aborda comunidades muito diversas, que tanto desenvolvem economias de caça, recolecção e,
pastoreio como já, em certos casos, economias agro-pastoris. Une-as o facto de construírem
«monumentos» (sepulcrais/rituais) que pontuam novos territórios. Correspondem, segundo a
terminologia tradicional, a grupos do “Neolítico médio-final”; e por último fala das “primeiras
comunidades, agrárias que, ao longo de dois milénios, constroem territórios com alguma estabilidade:
num primeiro momento (Calcolítico), através de múltiplos cenários monumentais; num segundo
momento (Bronze antigo e médio), desenvolvendo fórmulas mais discretas, por vezes difíceis de
detectar” (Jorge, 1999c: 8).

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