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Janeiro·Junho
revista portuguesa de
Vol. 1, Nº 2
Publicação semestral
Vol. 1, Nº 2, Janeiro·Junho 2001
ISSN 1645–0523, Dep. Legal 161033/01 A RPCD é subsidiada pelo
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Jorge O. Bento [jbento@fcdef.up.pt] Adroaldo Gaya (Universidade Federal Rio Grande Sul)
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Editor Alfredo Faria Júnior (Universidade Estado Rio Janeiro)
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projecto «Formas do Desporto» [www.fcdef.up.pt/Galeria/ Ian Franks (Universidade de British Columbia)
FormasDoDesporto]. Modelo: Rogério Paz. Jan Cabri (Universidade Técnica de Lisboa)
Impressão e acabamento Jean Francis Gréhaigne (Universidade de Besançon)
Multitema [www.multitema.pt] Jens Bangsbo (Universidade de Copenhaga)
João Abrantes (Universidade Técnica Lisboa)
Assinatura Anual José Borges Gouveia (Universidade de Aveiro)
Portugal e Europa: 3500$, Brasil e PALOP: 5000$ (USD 28), José Gomes Pereira (Universidade Técnica Lisboa)
outros países: 5500$ (USD 30) José Manuel Constantino (Universidade Lusófona)
Preço deste número Juarez Nascimento (Universidade Federal Santa Catarina)
Portugal e Europa: 2000$, Brasil e PALOP: 2750$ (USD 15), Jürgen Weineck (Universidade Erlangen)
outros países: 3000$ (USD 17) Lamartine Pereira da Costa (Universidade Gama Filho)
Tiragem Luís Sardinha (Universidade Técnica Lisboa)
500 exemplares Manoel Costa (Universidade de Pernambuco)
Copyright Manuel Patrício (Universidade de Évora)
A reprodução de artigos, gráficos ou fotografias só é permitida Markus Nahas (Universidade Federal Santa Catarina)
com autorização escrita do Director. Margarida Matos (Universidade Técnica Lisboa)
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Endereço para correspondência Paulo Machado (Universidade Minho)
Revista Portuguesa de Ciências do Desporto Pilar Sánchez (Universidade Múrcia)
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www.fcdef.up.pt Víctor Matsudo (UNIFEC)
expediente@fcdef.up.pt Víctor da Fonseca (Universidade Técnica Lisboa)
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Revista Portuguesa de ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO
Ciências do Desporto
7 Capacidade aeróbia em futebolistas de elite
em função da posição específica no jogo
Vol. 1, Nº 2, Janeiro·Junho 2001
ISSN 1645-0523 P.J. Santos, J.M. Soares
Dep. Legal 161033/01 13 Avaliação isocinética da força muscular de atletas
em função do desporto praticado, idade,
sexo e posições específicas
J.Magalhães, J.Oliveira, A.Ascensão, J.M.C. Soares
22 Crescimento, maturação, aptidão física,
força explosiva e habilidades motoras específicas.
Estudo em jovens futebolistas e não futebolistas
do sexo masculino dos 12 aos 16 anos de idade
Seabra, J.A. Maia, R.Garganta
36 O jogo como fonte de stress
no basquetebol infanto-juvenil
D. De Rose Jr., S.R. Deschamps, P. Korsakas
45 Desporto de crianças e jovens
– um estudo sobre as idades de iniciação
Francisco M. Silva, Larissa Fernandes,
Flórida O. Celani
56 As actividades desportivas no Porto de 1900
J.V. Ferreira, A.G. Ferreira
ARTIGOS DE REVISÃO
65 A importância da depilação no
rendimento desportivo em natação
J.P. Vilas-Boas
73 Miopatia do Exercício.
Anatomopatologia e Fisiopatologia
J.A. Duarte, M.P. Mota, M.J. Neuparth,
H.J. Appell, J.M.C. Soares
INFORMAÇÃO
83 Encontro “A Universidade nos anos 2000”.
Síntese e conclusões
É nossa sina não caber no berço. Desde os primórdios que por todo o lado se confirma o acerto do Pe. António
somos emigrantes. O português pré-histórico já era Vieira, de que Deus nos deu «tão pouca terra para o
aventureiro, navegador, missionário, semeador de cultura. nascimento, e tantas para a sepultura. Para nascer,
(…) Todos os caminhos transversais de Portugal vêm ter ao pouca terra; para morrer toda a terra; para nascer,
mar. Verificá-lo, é avivar na consciência a nossa razão de Portugal; para morrer o Mundo.» Em toda a parte se
ser. Que nascemos para embarcar. Ou de imediato, ou na ouve o eco da Cantiga de Ceilão, de Jorge de Sena, a
lembrança ou na imaginação. atravessar distâncias de oceanos, a murmurar o
Miguel Torga hábito de serões e vigílias, de solidões, tédios e
saudades que, apesar de outros povos, de outros
Uma noite quente e estrelada ergue-se por cima do domínios e de outros reinos, ficaram para sempre
convés do navio em que viajamos ao longo do rio nas memórias teimosas de gente abandonada e
Chao Phraya que banha Banguecoque. O luar de dissolvida, presa por um fio a um país esquecido e
prata refulge nas águas e alumia-nos os olhos que se esquece ao longe, palavra a palavra.
esbugalhados, quando o guia turístico anuncia a Sim, o mundo é, de um extremo ao outro, uma
embaixada de Pro-tu-Ked, levantada na insuperável litania de pegadas sonâmbulas, de pisadas indeléveis
brancura do estilo manuelino. de um passado cujo sentido e memória projectam
O nosso anfitrião apercebe-se da emoção e fala-nos lusofonias pelos séculos fora. Falam-nos de um
de Portugal com respeito, admiração e afecto: «Foi o tempo que já não existe e funcionam como espelho
primeiro povo europeu que aqui chegou e foi o único da realidade. Testemunham que, mais do que o
que não veio para destruir. Veio portador de poder e o dinheiro, foram a alucinação, a inquietação
intenções e propósitos de construir.» dispersiva, a atracção da errância e da diáspora, a
Perguntamos-lhe o que é que os tailandeses sabem demanda de espaços abertos, o absurdo e o sonho, o
do Portugal contemporâneo. A resposta chega fado e a procura do destino os marcos cimeiros da
pronta e cabal: «É isso que aprendemos na escola. colonização portuguesa. Uma aventura em que o
Não é preciso saber mais, porque o sentido da épico ganha a forma e a substância do poético, não
história não se perde.» sendo por acaso que a obra maior da nossa literatura
Estas palavras adentram-nos a alma como se fossem é um poema e que o género da poesia se inscreve na
fantasmas erguidos das pegadas sonâmbulas carne e na alma de cada português. É tudo isso que
deixadas nestas e em tantas outras paragens pela faz com que os dois mundos – o colonizado e o
humana condição da gesta lusitana. Igrejas que colonizador – continuem tão unidos no afecto e na
apontam o céu, cruzes que redimem para a lembrança das gentes.
eternidade, misericórdias e instituições de auxílio A Lusofonia é assim um facto incontornável, mesmo
que associam os homens como semelhantes, nomes que a contragosto de algumas vontades. É a retoma
que misturam o sangue e as pessoas. Na África, no do orgulho de continuarmos a ser o que sempre
Brasil, na Índia, na Indonésia, na China e no Japão, fomos: esforçados, autónomos, remediados, ufanos
da nossa mediania; e ricos, sim, de humanidade e de alteridade integram a norma e deixam de ser a
sonho de aventura. Ela impõe-se como um desafio, excepção; o mesmo é dizer que o universal é
perante a onda opressiva da globalização em fabricado pelo diferente e deve ser dito no plural. Eis
americanês, a convidar-nos a reinventar a nossa assim o nosso passado a ganhar razão e a encontrar-
identidade etnocultural de nómadas planetários, de se justificado e plasmado na nova lógica paradoxal e
romeiros do Santo Espírito, de peregrinos das sete pluridimensional que hoje desponta no mapa da
partidas, de cidadãos do mundo. Um desafio do multiculturalidade.
nosso achamento interior, posto pela dificuldade não Em suma, é no projecto das Lusofonias e nas suas
de sermos, mas antes de nos conhecermos e matrizes que esta publicação se inscreve. Daí que
compreendermos. Sem o enfrentarmos, alerta-nos não façamos correcções em textos recebidos do
Torga, «sem um sonho a encher-nos o vazio da noite Brasil ou de outros Países; não os submeteremos à
da vida, como poderíamos amanhecer contentes de norma da grafia vigente em Portugal. E é o mesmo
nós?» princípio de abertura que nos levará a aceitar, de
Na trajectória da Lusofonia emerge, sobranceira e quando em vez, textos em inglês ou francês ou
em antecipação, a animação polimórfica e castelhano, desde que a sua relevância o justifique.
polissémica das diferenças. E a sua aceitação. Elas Apenas não abriremos mão do facto desta revista ser
perdem o carácter de limites e fronteiras para se consagrada à Ciência do Desporto. Não há nela lugar
tornarem interiores ao conhecimento de nós, dos para escritos que se insiram noutra ordem de
outros e das coisas. Ou seja, a diferença e a preocupações.
ARTIGOS DE
INVESTIGAÇÃO
Capacidade aeróbia em futebolistas de elite
em função da posição específica no jogo
P. J. Santos
J. M. Soares
Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física
Universidade do Porto, Porto, Portugal
RESUMO ABSTRACT
Vários investigadores consideram que a capacidade aeróbia Aerobic capacity differences among soccer players
desempenha um papel decisivo no futebol. Várias according to their function in the game
investigações acerca das exigências energéticas e do padrão de
actividades dos jogadores de elite durante um jogo de futebol Several researchers uphold the notion that aerobic capacity
permitiram concluir que a grande maioria das acções são plays a decisive role in soccer play. In fact, investigations
marcadamente aeróbias (4,18). No entanto, foram descritas concerning the energy demands and the pattern of activities of
diferenças acentuadas em função da posição desempenhada elite players during a soccer match allowed to conclude that
pelo jogador em campo (1). O propósito deste estudo foi most of the actions are markedly aerobic (4,18). Nevertheless,
avaliar a capacidade aeróbia dos jogadores, de acordo com a considerable differences have been reported according to the
sua função, recorrendo ao limiar aeróbio-anaeróbio (12). player’s position in the game (1). Thus the purpose of this
Investigámos 91 futebolistas seniores de equipes da 1ª Liga study was to evaluate the player’s aerobic capacity according to
Nacional que foram agrupados de acordo com a sua posição em their function using the aerobic-anaerobic threshold (12). We
jogo: centrais (n=17), avançados (n=24), laterais (n=14) e investigated 91 Portuguese top male senior soccer players from
médios (n=36). A velocidade de corrida correspondente a uma several 1st League teams which were grouped according to
concentração sanguínea de 4mmol/l (V4) foi considerada como their function in the game: defenders (n=17), forwards
medida critério na determinação do limiar aeróbio-anaeróbio. (n=24), full-backs (n=14) and mid-fielders (n=36). The
Utilizámos velocidades de corrida entre 3.0 e 4.2m/s com running speed at a blood lactate concentration of 4mmol/l (V4)
incrementos de 0.4m/s e patamares de carga superiores a was used as criterion for the aerobic-anaerobic threshold
5min30s. Após cada patamar, o teste era interrompido durante determination. We’ve used running speeds ranging from 3.0 to
1min para recolher sangue capilar do lóbulo da orelha e 4.2m/s with increments of 0.4m/s and steps above 5min30s.
posteriormente analisado num YSI 1500L Sport. No Following each loading level the test was interrupted for 1min
tratamento estatístico dos dados recorremos à análise de to take blood samples from the ear lobe which were analysed
variância a um factor e ao teste de múltipla comparação a using an YSI 1500L Sport. Statistical analysis included Anova
posteriori de Scheffée. O nível de significância foi estabelecido and a Scheffe post hoc test. Mean results in the V4 for each
em 5%. Os valores médios da V4 em cada grupo foram de group was 3.66±0.27m/s (defenders), 3.70±0.19m/s
3.66±0.27m/s (centrais), 3.70±0.19m/s (avançados), (forwards), 3.88±0.24m/s (full-backs) and 3.89±0.22m/s
3.88±0.24m/s (laterais) e 3.89±0.22m/s (médios). Foram (mid-fielders). Significant results were achieved concerning
encontradas diferenças significativas na capacidade aeróbia the V4 among the four game positions (F=5.98, p<0.05):
entre as quatro posições (F=5.98, p<0.05): centrais versus defenders versus mid-fielders and forwards versus mid-fielders.
médios e avançados versus médios. Em suma, os nossos dados In conclusion, our data evidenced significant differences in
evidenciaram diferenças significativas na capacidade aeróbia aerobic capacity according to the player’s function in the game,
dos futebolistas em função da posição ocupada no jogo. Essas which are similar to those reported by other authors in
diferenças são semelhantes às descritas por outros autores relation to the distance covered during a match. We consider
relativamente à distância máxima total percorrida em jogo. that these results strongly suggest that V4 determination
Deste modo, consideramos que a determinação da V4 pode might be seen both as an important tool for determining
constituir um instrumento fundamental na determinação do soccer player’s aerobic profile and for allowing the
perfil aeróbio dos jogadores, possibilitando ainda uma individualisation of aerobic training.
individualização do treino aeróbio.
Key words: soccer, elite, aerobic capacity, anaerobic threshold,
Palavras-chave: futebol, elite, capacidade aeróbia, limiar lactate
anaeróbio, lactato
3.9
Quadro I – Tabela utilizada nos testes de terreno com indicação dos
respectivos tempos de passagem (cada 400m) para as várias 3.88 3.89
3.8
velocidades (m/s) correspondentes aos patamares de carga utilizados.
3.7
No final de cada percurso o teste era interrompido 3.7
3.66
durante 1 min para recolher sangue capilar do lóbulo 3.6
centrais avançados laterais médios
da orelha para determinação imediata da 3.5
concentração sanguínea de lactato utilizando um n=17 n=24 n=14 n=36
YSI-1500L Sport. O teste era dado como concluído 3.4
quando o atleta ultrapassava uma concentração
Fig.II – Comparação entre os valores médios (±dp) da V4 (expressa
sanguínea de 4mmol/l de lactato.
em m/s) no grupo de futebolistas em função da posição ocupada
Como critério de detecção do limiar aeróbio- pelos jogadores na equipa.
anaeróbio utilizámos a velocidade de corrida
correspondente a uma concentração sanguínea de DISCUSSÃO
4mmol/l (V4) determinada por interpolação linear a Vários estudos realizados nos últimos 10 anos e
partir dos dados obtidos nos testes de terreno. centrados na análise de jogo têm evidenciado que
No tratamento estatístico dos dados, além da um jogador de futebol percorre em jogo uma
determinação dos valores médios e do desvio padrão, distância total de 10 a 12Km (3, 4, 6, 13, 15, 17, 22).
foram utilizados a análise de variância a um factor e o No entanto, sabe-se que os vários elementos de uma
teste de múltipla comparação a posteriori de Scheffée. equipa percorrem distâncias bem diferentes de
O nível de significância foi estabelecido em 5%. acordo com a sua função no jogo (4, 22). Ao longo
das últimas décadas verificou-se um aumento
RESULTADOS progressivo da distância total percorrida (DTP) em
Os valores médios para a amostra relativos à idade, jogo, tendo sido referido, a partir da análise das
altura e peso foram de 25±2.6 anos, 177.8±4.1 cm e distâncias percorridas em campeonatos do mundo,
72.8±4.5 kg, respectivamente. O valor médio que esse valor aumentou mais de 100% entre os
correspondente ao limiar aeróbio-anaeróbio foi de mundiais da Suiça (1954) e de Itália (1990), ou seja,
3.85±0.28m/s. Os resultados da ANOVA para a mais especificamente, de 4500m para 10000m,
posição ocupada pelos jogadores evidenciou respectivamente (21). Vários autores têm
diferenças estatisticamente significativas igualmente descrito níveis diferenciados de condição
(F=5.98,p<0.05). Os valores médios da V4 por aeróbia em futebolistas consoante a sua posição no
posição no jogo podem ser observados na fig. II. O jogo. Com efeito, estudos acerca da potência máxima
teste de múltipla comparação a posteriori expressou aeróbia em futebolistas revelaram níveis diferentes
diferenças significativas somente entre médios vs de acordo com a função desempenhada (1, 5, 7, 16).
centrais e médios vs avançados. Uma investigação recente (20) refere mesmo que a
DTP em jogo depende de forma significativa da
capacidade aeróbia dos jogadores e que 60% da DTP
pode ser explicada pelo nível aeróbio do atleta. Em
suma, os dados da literatura sugerem que jogadores
de diferentes posições não só percorrem distâncias Em relação aos resultados obtidos em função da
diferentes, como igualmente apresentam performances posição ocupada na equipa, os valores mais elevados
aeróbias distintas. encontrados nos médios (3.89m/s) e laterais
No entanto, são escassos os estudos nesta (3.88m/s) versus avançados (3.70m/s) e centrais
modalidade em que tenham sido utilizados testes de (3.66m/s), são algo semelhantes aos descritos por
terreno específicos para avaliar a performance aeróbia Bangsbo (1) que também refere valores de
dos sujeitos. Uma investigação recente (14) resistência superiores nos médios relativamente aos
utilizando o Yo-Yo intermittent endurance test (2), centrais, embora utilizando como referência a
revelou diferenças significativas de resistência entre velocidade de corrida (tapete rolante)
laterais e médios versus centrais e avançados correspondente a uma concentração sanguínea de
(n=327). Porém, não conhecemos nenhuma lactato de 3mmol/l (V3).
investigação no terreno que tenha procurado A melhor V4 evidenciada pelos médios resulta,
determinar as diferenças a nível da capacidade provavelmente, da função de ligação entre defesas e
aeróbia por posição com base no limiar anaeróbio. atacantes, o que implica um maior volume de corrida
Com efeito, apesar de Bangsbo (1) ter utilizado o sustentada (1,4). Com efeito, pensamos que as
limiar anaeróbio num estudo com objectivos diferenças significativas encontradas entre médios
semelhantes, fê-lo, contudo, recorrendo à versus centrais e médios versus avançados, poderão,
investigação laboratorial. entre outros factores, estar relacionadas com a maior
A grande vantagem da investigação no terreno é, distância percorrida tanto em treino como em
obviamente, o grande transfere que permite dessa competição, em resultado da especificidade das
informação para o trabalho de campo do atleta. funções desempenhadas.
Deste modo, possibilita não apenas a recolha de Também os resultados da literatura a nível da
dados fundamentais para a caracterização fisiológica potência aeróbia em futebolistas de alto nível (1, 16)
dos jogadores, como permite ainda a obtenção de referem valores mais elevados nos médios,
dados preciosos para a equipa técnica, no sentido de comparativamente a defesas centrais e guarda-redes.
rentabilizar, tanto quanto possível, o treino desses Resultados concordantes são descritos num outro
atletas. Adicionalmente, quanto mais investigação estudo (19) com uma amostra que incluía jogadores
for efectuada com base neste tipo de testes, tanto portugueses da 1ª divisão nacional (n=44), com os
maior será a hipótese de fazer a validação cruzada valores mais elevados a serem exibidos pelos médios
dos dados de forma a optimizar a metodologia e laterais (59.5 e 59.3ml/min/Kg, respectivamente)
utilizada neste tipo de pesquisas. relativamente aos centrais (56.8ml/min/Kg) e
Relativamente ao valor médio da V4 obtida pelos avançados (54.9ml/min/Kg).
futebolistas da nossa amostra (3.85m/s), Os dados emergentes desta investigação permitiram
verificámos que foi muito semelhante à descrita num constatar que, em termos fisiológicos, as exigências
estudo similar (8) envolvendo tanto jogadores impostas a jogadores que ocupem posições
amadores (n=15) como profissionais (n=15) do diferentes no terreno de jogo podem ser, do ponto de
campeonato alemão. Nessa investigação não foram vista aeróbio, substancialmente distintas. Futuras
encontradas diferenças significativas da capacidade pesquisas realizadas no terreno com base no limiar
aeróbia entre grupos, com os profissionais a anaeróbio permitirão, entre outras coisas, a
apresentarem um valor de 3.71m/s e os amadores elaboração de tabelas com valores de referência por
3.90m/s. Outras investigações realizadas com posição. Dada a grande aplicabilidade prática deste
selecções nacionais alemãs referem valores médios tipo de trabalhos, consideramos que eles podem
de 4.15m/s e de 4.05m/s (10,11). No entanto, esses constituir uma mais valia tanto em termos de
testes foram realizados em laboratório e utilizando investigação, como nos aspectos relacionados com o
patamares de 3min, o que implica uma controlo de treino dos atletas.
sobrevalorização da V4 (9) relativamente à utilização Adicionalmente, dados provenientes de outras
de patamares de 5min (ou superiores). investigações parecem ainda sugerir que os
CORRESPONDÊNCIA
Paulo Jorge Miranda Santos
Faculdade de Ciências do Desporto
e de Educação Física
Universidade do Porto
Rua Dr. Plácido Costa, 91
4200.450 Porto
Portugal
[psantos@fcdef.up.pt]
RESUMO ABSTRACT
A força muscular dos membros inferiores é considerada um Isokinetic strength assessment in athletes of different sports,
importante factor da prestação no futebol e voleibol, como ages, gender and positional roles
suporte de habilidades e acções motoras específicas. Por isso,
tal como em outras capacidades motoras, como por exemplo a Leg muscle strength is considered to be an important factor of
resistência, tarefas específicas, idade, sexo e diferentes funções performance in volleyball and soccer, supporting specific motor
específicas, poderão induzir diferentes padrões de skills and actions. Therefore, like in other capacities such as
desenvolvimento da força muscular. Alguns investigadores endurance, specific tasks, age, gender and specific positional
sugerem que níveis insuficientes de força poderão estar roles may induce different strength patterns. Additionally,
associados a um risco acrescido de lesão dos tecidos moles. Por several authors argue that strength weaknesses and/or
estas razões, a avaliação e controlo da força muscular assumem unbalances are related to soft tissue injury risk. For these
uma importância particular na monitorização dos efeitos dos reasons, strength assessment and control is of critical value for
programas de treino bem como na despistagem de factores de monitoring the effects of training programs and injury risk
risco de lesão. A avaliação isocinética da força fornece factors. Isokinetic evaluation provides relevant information
informação relevante através de indicadores como o torque through indicators such as peak torque, bilateral strength
máximo, as diferenças bilaterais de força e a razão antagonista/ differences in leg extensor (Ext) and flexor (Flex) muscles and
agonista dos membros dominante e não dominante. antagonist/agonist strength ratios in dominant (D) and non-
Deste modo, o objectivo fundamental deste trabalho foi dominant (ND) limb.
descrever e comparar os perfis isocinéticos da força em Thus, the main purpose of the present investigation was to
futebolistas e voleibolistas de diferentes idades, sexo e funções evaluate and to compare isokinetic strength profiles of soccer
específicas. and volleyball players by gender, age and different positional
Utilizando um dinamómetro isocinético (Biodex – System 2) roles, with respect to peak torque, bilateral strength
avaliaram-se os torques máximos concêntricos com correcção differences and antagonist/agonist ratio.
gravítica dos músculos flexores e extensores do joelho em Using an isokinetic dynamometry (Biodex – System 2), soccer
protocolo de 5 repetições máximas à velocidade angular de and volleyball players were evaluated. Maximal gravity
360°.seg.-1 (6.28 rad.seg.-1) e 3 repetições máximas a 90°.seg.-1 corrected concentric peak torque of knee extensor and flexor
(1.57 rad.seg.-1). muscles were measured during a 5-repetition at 360º. sec.-1
Em conclusão, podemos dizer que o carácter específico da (6.28 rad.sec.-1) and a 3-repetition protocol at 90º. sec.-1 (1.57
actividade funcional das modalidades desportivas estudadas, a rad.sec.-1).
idade e a função específica não se constituem per se factores In summary the specific demands of soccer and volleyball, age
indutores de desequilíbrio bilateral da força muscular dos and position roles do not induce bilateral leg unbalance.
membros inferiores. Contudo, no que concerne à razão I/Q, a However, concerning H/Q ratio, sports and gender, even in
modalidade desportiva praticada e o sexo, mesmo em sujeitos trained subjects, seem to influence isokinetic strength profile.
treinados, parecem ser factores que influenciam o perfil
isocinético de força. Key words: strength, isokinetic, testing, soccer, volleyball
Estatística
Foram utilizadas as medidas da estatística descritiva,
média e desvio-padrão e para a comparação de médias
o t-Test de medidas independentes, a ANOVA
factorial e o teste não paramétrico Kruskall-Wallis. O
nível de significância foi estabelecido em 5%.
Quadro 2 - Diferenças bilaterais de força (%) e razão (%) isquiotibiais/quadriceps (I/Q) em voleibolistas de diferentes idades.
A análise dos resultados revela a existência de masculino, quer nos do sexo feminino (quadro 3).
diferenças significativas na razão I/Q entre a Foram encontradas diferenças estatisticamente
categoria júnior e a de sub 16. significativas entre os grupos no membro dominante
a altas velocidades (360º.seg.-1) e nos membros
Estudo 2 dominante e não dominante a baixas velocidades
Os principais resultados são apresentados no quadro (90º.seg.-1). Este indicador, quando determinado a
3 (razão I/Q em percentagem). baixa velocidade (90º.seg.-1), apresentou valores
inferiores aos habitualmente sugeridos como
Quadro 3 – Razão I/Q (%) em ambos os sexos a diferentes velocidades referência.
(em º.seg.-1)
Quadro 4 – Torque máximo (Nm), diferenças bilaterais (%) e razão I/Q (%) em futebolistas de diferentes funções específicas.
(shear forces), particularmente nos últimos ângulos Num estudo com velocistas (22) foi analisada a
de extensão do joelho e durante a realização de importância da força produzida pelos isquiotibiais
contracções intensas do quadriceps. Da mesma forma, como factor de prevenção de lesões neste mesmo
os resultados de alguns estudos com recurso à grupo muscular. Verificou-se que os atletas
electromiografia (1, 15) sugerem que a co-activação lesionados, quando comparados com os não
dos isquiotibiais, nomeadamente do biceps femoral lesionados, apresentavam baixos índices de força
(1), poderá também representar um mecanismo de nesse grupo muscular e, consequentemente, da
estabilidade articular durante a rotação interna da razão I/Q quando avaliada de forma excêntrica num
tíbia na extensão do joelho. De facto, devido à amplo espectro de velocidades angulares e de forma
localização externa da inserção distal deste músculo, concêntrica a 30º.seg.-1. Desta forma, poderemos
a rotação interna da tíbia nos movimentos de considerar este parâmetro isocinético como uma
extensão do joelho parece ser contrariada pela acção importante referência da estabilidade da articulação
antagonista do biceps femoral. Por estas razões, estes do joelho e da prevenção de lesões nos músculos
autores sugerem que a força produzida pelos flexores.
isquiotibiais enquanto antagonistas no movimento De salientar ainda que estudos comparativos das
de extensão do joelho, poderá determinar índices de alterações neuromusculares induzidas por diferentes
co-activação com carácter de protecção funcional da tipos de exercício sugerem que, após exercício
articulação, nomeadamente da integridade do LCA. intenso prolongado do tipo intermitente, se registam
Este ligamento, sendo considerado uma das diminuições significativas da força muscular gerada
estruturas mais importantes na restrição da pelos isquiotibiais e incrementos no tempo de atraso
amplitude do movimento de gaveta da tíbia electromecânico deste grupo muscular. Estes factos
relativamente ao fémur durante a extensão do não só comprometem a estabilidade da articulação
joelho, é sujeito a grande stress (29). Por isso, no do joelho por aumento da laxidez articular, como
estudo epidemiológico das lesões nos jogos representam uma forte ameaça à integridade do LCA
desportivos colectivos (16, 17, 21), a lesão do LCA (18, 29). Desta forma, realça-se a importância da força
constitui-se como uma das mais frequentes (34). produzida pelos isquiotibiais, enquanto músculos
Em estudos com animais e humanos (15) tem sido antagonistas, como factor de prevenção da
referida a existência de um mecanismo de reflexo integridade desta articulação, em especial durante a
neural por parte do LCA na activação dos realização de exercícios intensos e prolongados de
isquiotibiais e também dos gémeos (15) durante a carácter intermitente, como por exemplo um jogo de
extensão do joelho. Para além disso, DeLuca e futebol ou de voleibol.
Mambrito(13) sugerem que em alguns tipos de Segundo Aagaard et al. (3, 4) a razão entre o torque
movimentos, nomeadamente naqueles em que de máximo dos isquiotibiais no modo excêntrico e o
forma antecipada é prevista uma resposta torque máximo do quadriceps no modo concêntrico,
neuromuscular compensatória, parece existir um ao contrário da por nós utilizada (concêntrico/
mecanismo de condução neural comum, ou também concêntrico), parece ser, do ponto de vista funcional,
denominado de activação neural proporcional, em mais específica do padrão de movimentos de flexão e
que o sistema nervoso central parece controlar de extensão realizados em torno da articulação do
forma sistemática e coordenada a activação de joelho em determinadas acções motoras, como por
motoneurónios agonistas e antagonistas. Desta exemplo o remate do futebolista. Nesta perspectiva,
forma, parece provável que movimentos de extensão a avaliação dos músculos flexores do joelho é
do joelho representem situações em que, por um realizada no modo excêntrico, já que esse é o padrão
mecanismo de activação neural proporcional de co-activação desenvolvido enquanto grupo
agonista-antagonista, a força compensatória muscular antagonista em diversas acções motoras,
produzida pelos isquiotibiais é antecipada particularmente na desaceleração do membro
diminuindo o stress induzido ao LCA pela contracção inferior nas últimas fases da extensão do joelho. No
do quadriceps. entanto, este método de avaliação poderá apresentar
inferior não dominante, levou os autores a concluir a razão I/Q, independentemente do tipo de
que provavelmente o efeito da adaptação ao treino contracção e das velocidades utilizadas, era
específico, nomeadamente pela maior carga significativamente inferior no sexo feminino.
excêntrica a que está sujeito o membro dominante Assim, sugerimos que o treino do voleibol não será,
no futebol de alto nível, poderá ter tido maior por si só, susceptível de alterar as diferenças
influência na diferenciação da razão I/Q do que o relativas de força entre os isquiotibiais e o quadriceps,
factor idade. De salientar ainda que, no referido mantendo-se o efeito do sexo mesmo em sujeitos
estudo, tais diferenças reportam-se a avaliações treinados. Dada a escassez de estudos que
realizadas em modos de contracção diferentes reproduzam e esclareçam, de forma clara, o efeito do
daqueles por nós utilizados. Porém, quando sexo nas alterações da razão I/Q, provavelmente o
avaliados no modo concêntrico/concêntrico, a recurso ao estudo de factores de natureza
exemplo dos nossos resultados, os autores não morfológica, mecânica e neuromuscular poderá
encontraram diferenças significativas entre os concorrer para uma explicação adicional da
grupos de diferentes idades. No mesmo estudo, nas influência do sexo neste parâmetro.
avaliações realizadas no modo excêntrico/excêntrico, De acordo com os resultados obtidos no estudo 3, as
a razão I/Q alterou-se significativamente com a diferentes funções específicas dos futebolistas e a
idade em todo o espectro de velocidades angulares inerente actividade funcional que lhes está associada
utilizado. No que diz respeito à razão recíproca não parecem induzir padrões distintos no perfil
(excêntrico/concêntrico), apenas à velocidade isocinético da força muscular dos membros
angular de 300º.seg.-1 foram encontradas diferenças inferiores. A similaridade encontrada no nosso
estudo entre as diferentes funções específicas grupo muscular no programa anual de uma equipa
contraria a tendência dos resultados obtidos num de futebol belga. Na opinião dos autores, esta
outro estudo (38), pelo menos no que diz respeito aos alteração pronunciada poderá significar uma
torques máximos entre guarda-redes e avançados, insuficiente solicitação deste grupo muscular
quando determinados a baixas velocidades. Porém, durante as acções típicas do futebol em treino e na
nesse estudo não é fornecida qualquer informação competição e, portanto, a necessidade de treino
acerca das diferenças bilaterais ou da razão I/Q. Da compensatório sistemático.
mesma forma, Oberg et al. (31) verificaram que a Em conclusão e tendo em conta os resultados dos
razão I/Q é significativamente mais elevada nos nossos estudos, podemos dizer que o carácter
avançados comparativamente com os guarda-redes e específico da actividade funcional das modalidades
defesas. Para estes autores, os elevados torques desportivas estudadas, a idade e a função específica
obtidos na avaliação dos músculos extensores do não se constituem per se factores indutores de
joelho nos guarda-redes e defesas poderão justificar desequilíbrio bilateral da força muscular dos
os baixos valores da razão I/Q. Eventualmente, membros inferiores. Contudo, no que concerne à
alterações da metodologia do treino, da concepção razão I/Q, a modalidade desportiva praticada e o
do jogo, nomeadamente a maior atenção ao treino sexo, mesmo em sujeitos treinados, parecem ser
compensatório da força muscular e a polivalência de factores que influenciam o perfil isocinético de força.
tarefas realizadas, bem como a crescente utilização
indiferenciada da técnica com ambos os membros,
terão conduzido nos últimos anos a uma
indiferenciação do perfil de força muscular dos
futebolistas de diferentes posições específicas,
justificando os nossos resultados.
As diferenças bilaterais de força e a razão I/Q
encontradas nos futebolistas das diferentes posições
específicas vão de encontro aos valores normativos
sugeridos na literatura (3, 9, 10, 23, 35) para avaliações a
baixa velocidade (inferiores a 10-15% e cerca de 50-
60%, respectivamente) e por nós encontrados no
estudo 1. De facto, apesar de algumas habilidades
específicas do futebol serem habitualmente
realizadas em jogo ou no treino com preferência
lateral, os nossos resultados sugerem que,
independentemente da função desempenhada, os
atletas avaliados são funcionalmente equilibrados.
No que diz respeito à razão I/Q, os valores médios
obtidos em atletas de algumas posições específicas
(e.g. centrais e guarda-redes) encontram-se
próximos dos valores mínimos referidos como CORRESPONDÊNCIA
adequados, o que poderá ser justificado quer pela José Oliveira
elevada predominância de solicitação do grupo Faculdade de Ciências do Desporto
muscular quadriceps em algumas habilidades técnicas, e de Educação Física
quer pelo insuficiente treino compensatório da força Universidade do Porto
dos músculos isquiotibiais. De facto, De Proft et al. R. Dr. Plácido Costa, 91
(12) registaram um incremento de 77% no torque 4200.450 Porto
máximo dos flexores do joelho quando introduziram Portugal
duas sessões semanais de treino de força para esse [joliveira@fcdef.up.pt]
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RESUMO ABSTRACT
Este estudo investiga o impacto da maturação, da selecção e do Growth, maturation, physical fitness, explosive strength and
treino na estrutura somática (ES), na aptidão física (AF), na specific motor skills. A study in Portuguese young soccer players
força explosiva (FE) e nas habilidades motoras específicas and sedentary young people from 12 to 16 years old.
(HME) de jovens jogadores de futebol. A amostra é constituída
por 226 sujeitos com idades compreendidas entre os 12 e os 16 This study had the following purposes: to investigate the
anos distribuídos por 3 grupos (G1-infantis; G2-iniciados e impact of selection and training on body build, physical fitness
G2-juvenis) de jogadores de futebol (JF) e de jovens (PF), explosive strenght (ES) and specific motor skills (SMS)
sedentários (JS) do mesmo escalão etário. As medidas in Portuguese young soccer players.
somáticas analisadas incluíram a altura, o peso, os perímetros, Sample included 226 subjects, 12 through 16 years of age,
os diâmetros e pregas de adiposidade subcutânea que divided in 3 groups (G1-infants; G2-beginners; G3-juveniles) of
permitiram estimar dois compartimentos da massa corporal e soccer players (SP) and sedentary subjects (SS) of the same age.
o somatótipo. O desenvolvimento genital foi avaliado através Somatic measures included height, weight, girths, breadths
das tabelas descritas por Tanner (1962). A AF foi avaliada pela and skinfolds. Body composition assessed fat mass and the
bateria de testes da AAHPERD relacionada com a performance e lean mass with Boileau et al. (1985) formula. Somatotype was
descrita em Kirkendall et al. (1987). A avaliação da FE foi rated according to the Heath-Carter method (1967). Genital
realizada através do protocolo descrito por Bosco et al. (1983). development was evaluated by the Tanner method (1962).
As HME foram avaliadas de acordo com a bateria de testes da Physical fitness was measured by the AAHPERD (1987) test
Federação Portuguesa de Futebol (1986). Os procedimentos battery performance related. The evaluation of the ES was
estatísticos incluíram a média aritmética, desvio-padrão, t- accomplished through the Bosco (1983) procedures, and SMS
teste de medidas independentes e a ANCOVA. No G1 a with the test battery of the Federação Portuguesa de Futebol
maturação, a selecção e o treino não tiveram um efeito (1986). Statistical procedures included: mean, standard
significativo favorecendo os JF relativamente aos JS na deviation, Qui-Square, the t-test and ANCOVA.
estrutura somática e na força explosiva. Pelo contrário, In G1 maturation, selection and training had no relevant effect
constatou-se que o treino tinha um impacto nos futebolistas favouring SP in comparison with SY in the somatic structure
na grande maioria das componentes da AF, à excepção da força and ES. On the contrary, it was verified that training had an
inferior e resistência aeróbica. No G2 a maturação, a selecção e impact on SP in the great majority of components of the PF
o treino não tiveram um efeito favorecendo os JF no peso, no except standing long jump and 12 minute run.
mesomorfismo, no ectomorfismo, no SE e no SCM. Pelo In G2 maturation, selection and training had no effect favouring
contrário, nos futebolistas, o treino tinha um impacto, na SP, in the weight, meso and ecto somatotype components, SJ
massa gorda, no endomorfismo e na grande maioria das and CMJ. On the other hand, on SP, training had an impact in fat
componentes da AF, exceptuando a força inferior e resistência mass, endomorphy and in the majority of the components of the
aeróbica. No G3, e de igual forma, não houve um efeito PF, but not standing long jump and 12 minute run.
marcado da maturação, da selecção e do treino favorecendo os In G3 there was no remarkable effect of maturation, selection
JF relativamente aos JS no endomorfismo, no SE e no SCM. and training favouring SP relatively to SY, in the endomorphy,
Contudo, constatou-se, através dos resultados apresentados SJ and CMJ. On the contrary, it was stated, on SP, that
pelos futebolistas, que o treino tinha um impacto no peso, na training had an impact in weight, in lean mass and in the
massa magra, e na grande maioria das componentes da AF, great majority components of PF but not standing long jump
exceptuando a força inferior e a resistência aeróbica. and 12 minute run.
Palavras-chave: Crescimento; Maturação; Aptidão Física; Força Key Words: Growth, Maturation, Physical Fitness, Explosive
Explosiva; Habilidades Motoras. strength, Motor skills.
curriculares de Educação Física. Kirkendall et al. (31). Esta bateria propõe-se avaliar a
Os sujeitos da amostra foram distribuídos por três aptidão física em função das seguintes componentes:
escalões existentes na modalidade Futebol: infantis (1) força superior - elevações na barra; (2) força
(com idade cronológica entre os 10 e os 12 anos; média - abdominais; (3) força inferior - salto
futebolistas=11.74±0.44; não horizontal; (4) agilidade - corrida vai e vem; (5)
futebolistas=11.97±0.49), iniciados (entre os 13 e velocidade - corrida de 50 metros; e (6) corrida de
os 14 anos; futebolistas=13.52±0.50, não 12 minutos - resistência.
futebolistas=13.53±0.50) e juvenis (entre os 15 e
os 16 anos de idade; futebolistas=16.09±0.54, não 2.2.3. Força Explosiva
futebolistas=15.93±0.54). A avaliação da força explosiva foi realizada através
do protocolo descrito por Bosco et al. (16). Para o
2.2. Metodologia efeito cada sujeito realizou três saltos: (1) salto
2.2.1. Estrutura somática e maturação vertical máximo a partir de uma posição estática
Foram efectuadas 10 medidas somáticas, incluindo, (SE); (2) salto vertical máximo com
além da altura e do peso, diâmetros, perímetros e contramovimento (SCM); e (3) saltos verticais
pregas de adiposidade subcutânea. O protocolo máximos consecutivos durante um período de 15
utilizado foi o proposto pelo International Working segundos (PMM).
Group on Kinanthropometry (IWGK), descrito por Ross
& Marfell-Jones (45) e por Borms (14). A composição 2.2.4. Habilidades Motoras Específicas
corporal incluiu o cálculo da massa gorda e da massa A avaliação das habilidades motoras específicas do
isenta de gordura de acordo com as propostas de Futebol foi efectuada com base numa bateria de
Boileau et al. (12). O somatótipo foi determinado de testes da Federação Portuguesa de Futebol (21). Os
acordo com o método de Heath-Carter (29). O testes pretendem descrever o nível de aptidão nas
desenvolvimento genital foi avaliado através das seguintes habilidades: (1) domínio e controlo da
cartas descritas por Tanner (50). bola com o pé; (2) domínio e controlo da bola com a
No Quadro 1 está referenciada a distribuição dos cabeça; (3) dribling / passe; (4) passe; (5) remate;
sujeitos dos dois grupos por nível de maturação (6) condução / velocidade.
sexual secundária.
2.3. Procedimentos Estatísticos
Quadro 1 – Distribuição dos elementos da amostra pelos diferentes Os procedimentos estatísticos utilizados foram os
estádios de maturação, de acordo com o escalão.
seguintes: média aritmética, desvio-padrão, teste de
Qui-quadrado, t-teste de medidas independentes e
Futebolistas Não Futebolistas
análise de covariância (ANCOVA). O programa
Estádio de
estatístico utilizado foi o Systat 5.0 e o nível de
Maturação 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
significância foi mantido em 5%.
Infantis 5 32 9 – – 7 20 2 – –
Iniciados – 7 17 20 3 – 13 6 9 2
Juvenis – – 16 30 – – – 2 17 9 3. RESULTADOS
Os resultados das variáveis serão apresentados
2.2.2. Aptidão Física (numa tabela e somatocarta) pelos diferentes
A avaliação da aptidão física foi efectuada de acordo escalões competitivos.
com a bateria de testes propostos pela AAHPERD
relacionada com a performance e descrita em
3.1.1. Infantis
Quadro 2 – Média (x), desvio padrão (sd), valor da estatística t e significado estatístico (p) da diferença de médias entre os infantis com
diferente prática desportiva.
Mesomorfo
No escalão de infantis, os resultados encontrados
revelaram diferenças estatisticamente significativas
favorecendo os futebolistas, na maturação genital,
nos abdominais, no salto horizontal, na corrida vai e
vem, na corrida de 50 metros, na corrida de 12
minutos e em todas as habilidades motoras
específicas.
Ao removermos o efeito da maturação através da
ANCOVA, constatamos que as diferenças existentes
continuaram a ser estatisticamente significativas, à
Endomorfo Ectomorfo
excepção do salto horizontal e da corrida de 12
minutos.
3.1.2. Iniciados
Quadro 3 – Média (x), desvio padrão (sd), valor da estatística t e significado estatístico (p) da diferença de médias entre os iniciados com
diferente prática desportiva.
Mesomorfo
3.1.3. Juvenis
Quadro 4 – Média (x), desvio padrão (sd), valor da estatística t e significado estatístico (p) da diferença de médias entre os juvenis com
diferente prática desportiva.
tal associação é relativamente fraca durante a endomórfica. Tal circunstância é clara na literatura
infância e moderadamente forte no período somatotipológica.
pubertário. Os resultados encontrados salientam o Carter (18) refere estudos de somatótipos realizados
efeito positivo da actividade física regular e o do em atletas de alto nível mostrando a predominância
treino no aumento da massa isenta de gordura da mesomorfia relativamente à endomorfia. Este
particularmente no período pós-pubertário (escalão padrão é diverso daquele presente em amostras de
de juvenis). referência e em atletas de baixo nível competitivo.
De acordo com este autor, o treino e a participação
4.1.3. Somatótipo em desportos tendem a aumentar a mesomorfia e a
No que diz respeito à morfologia externa do corpo diminuir a endomorfia.
(somatótipo) e particularmente às suas
componentes, pudemos constatar a existência de 4.2. Aptidão física
diferenças entre futebolistas e não futebolistas nos 4.2.1. Força superior
diferentes escalões. Nesta componente da aptidão física, os futebolistas
No escalão de infantis, os somatótipos médios não evidenciaram resultados superiores aos não
diferiram significativamente entre os dois grupos. futebolistas em todos os escalões.
No escalão de iniciados, os não futebolistas No escalão de infantis, os valores apresentados pelos
apresentaram valores superiores na componente futebolistas apesar de superiores não foram
endomórfica. Após remoção do efeito da maturação significativamente diferentes dos manifestados pelos
as diferenças permaneceram estatisticamente não futebolistas, uma vez que foram poucos os
significativas. Nos juvenis, os futebolistas revelaram elementos da amostra que conseguiram realizar uma
resultados significativamente superiores na elevação na barra.
componente endomórfica e inferiores na Nos escalões de iniciados e de juvenis, os resultados
ectomórfica. Contudo, após remoção do efeito da encontrados para os futebolistas foram muito
maturação as diferenças deixaram de ser superiores e significativamente diferentes dos
estatisticamente significativas. apresentados pelos não futebolistas.
Neste estudo, pudemos constatar, tanto nos Na prova de elevações na barra, o efeito gravítico tem
futebolistas como nos não futebolistas, que a uma importância fundamental nas performances
componente mesomórfica é dominante. Esta eventualmente realizadas, uma vez que o sujeito tem
componente diminui os seus resultados do escalão necessidade de mover e suportar o seu peso corporal
de infantis para o de iniciados para voltar a contra a acção da gravidade. Fleishman (22) encontrou
evidenciar valores mais elevados nos juvenis. Carter nesta prova uma correlação negativa entre o peso
(18) refere que, nos rapazes atletas, a tendência para corporal e a performance, ou seja, quanto maior o peso
aumentar em mesomorfia é um fenómeno evidente corporal do sujeito piores são as performances
da adolescência até à idade adulta. Este facto é realizadas. Esta relação é corroborada pelo facto do
igualmente verdadeiro para as populações não aumento do peso corporal e das dimensões lineares
atléticas. Contudo, e de acordo com alguns autores condicionarem alometricamente a performance (ver por
(20, 30, 49), a mesomorfia diminui ligeiramente nos exemplo 2). Enquanto a área de secção transversa dos
rapazes, quer atletas quer não atletas, do take-off músculos aumenta para L2, a massa é proporcional a
para o pico de velocidade da altura (PVA). Esta L3, implicando uma desvantagem nítida dos sujeitos
diminuição está provavelmente relacionada com o dimensionalmente superiores (ver 3).
aumento em ectomorfia. Isto é, verifica-se primeiro Safrit (46) adiciona a circunstância da performance
um aumento da linearidade, para após o PVA se nesta prova estar negativamente correlacionada com
constatar um aumento do peso e uma a gordura corporal. Neste estudo, os não futebolistas
predominância da mesomorfia. apresentam valores de composição corporal e de
Nesta pesquisa os não futebolistas, em todos os morfologia externa muito diferentes dos
escalões, revelam valores superiores na componente evidenciados pelos futebolistas.
Relativamente à composição corporal, podemos conhecer o possível efeito que a maturação poderia
verificar que no escalão de iniciados, os não ter tido sobre os resultados encontrados.
futebolistas manifestam valores superiores de massa Nesta prova, mesmo após a remoção do efeito da
gorda (+1.94kg) e menores de massa isenta de maturação as diferenças existentes entre futebolistas
gordura (-5.13kg). e não futebolistas mantêm-se significativas. Estes
No escalão de juvenis, os valores de massa gorda resultados vêm assim mostrar, uma vez mais, que o
tornam-se semelhantes, enquanto que na massa treino tem uma influência relevante na melhoria da
isenta de gordura as diferenças entre futebolistas e capacidade de força-resistência da musculatura
não futebolistas se tornam muito superiores abdominal.
(9.51kg). Por outro lado, nestes dois escalões, os
futebolistas revelam uma morfologia externa 4.2.3. Força inferior
diferenciada da dos não futebolistas. Enquanto nos Os resultados encontrados nesta componente
futebolistas predomina a componente mesomórfica evidenciam valores superiores nos futebolistas em
que exprime a robustez do esqueleto e o todos os escalões. As diferenças encontradas foram
desenvolvimento da musculatura, nos não sempre estatisticamente significativas.
futebolistas prevalece a componente endomórfica Resultados diferentes foram encontrados por
que, como se sabe, exprime a tendência para a Verschuur (51) no estudo longitudinal que realizou
adiposidade. Estes factos justificam, também, parte com crianças activas e inactivas dos 13 aos 16 anos.
do diferencial de resultados obtidos. Nesse trabalho, e na prova de salto horizontal, não
No entanto, e como suspeitávamos que a maturação foram encontradas diferenças entre as crianças
fosse um factor capaz de influenciar estes resultados, activas e inactivas.
removemos o seu efeito. Após a remoção, Tal como referimos anteriormente, no sexo
constatámos que as diferenças existentes entre masculino a força muscular aumenta linearmente
futebolistas e não futebolistas se mantinham com a idade cronológica desde o inicío da infância
estatisticamente significativas. Estes resultados até aproximadamente os 13/14 anos, havendo a
sugerem que o treino é um dos factores responsáveis partir daí uma marcada aceleração no seu
pela melhoria da performance desta componente da desenvolvimento (38, 24).
aptidão física. É pois natural que, em cada intervalo de idade, os
rapazes avançados maturacionalmente apresentem
4.2.2. Força média uma maior força muscular do que os rapazes
Os futebolistas apresentaram valores atrasados na maturação. Essas diferenças na força
significativamente superiores aos evidenciados pelos entre grupos de diferente maturação são mais
não futebolistas em todos os escalões. evidentes entre os 13 e os 16 anos de idade (24).
Resultados diferentes foram encontrados por Ao removermos o efeito da maturação verificamos,
Verschuur (51) e Beunen et al. (11) em amostras de em todos os escalões, que as diferenças deixaram de
jovens activos e inactivos dado não encontrarem ser significativas. Isto sugere a elevada importância
diferenças de realce entre eles. No entanto, Beunen do factor maturacional e a eventual ausência do
(8) refere que nos rapazes com idades compreendidas efeito substancial do treino.
entre os 12 e os 13 anos este teste está
negativamente correlacionado com a idade 4.2.4. Agilidade
esquelética, contrariamente ao que acontece acima Nesta prova e em todos os escalões, os futebolistas
dos 14 anos de idade onde todas as capacidades evidenciaram valores significativamente superiores
motoras estão positivamente correlacionadas com a aos não futebolistas.
idade esquelética. Desse modo, atendendo ao citado Verschuur (51) salientou as diferenças significativas
anteriormente e ao facto de sabermos que todas as de crianças e jovens activas relativamente aos
componentes da aptidão física revelam alterações em inactivos, a que se parece associar um efeito
função do crescimento e da maturação, procurámos interactivo maturação x treino.
No Futebol, o único trabalho encontrado foi contrário, o treino e a selecção utilizada no Futebol
realizado por Garganta et al. (27) com jovens poderão ser os principais factores responsáveis pelos
futebolistas de nível competitivo diferenciado (elite/ resultados obtidos.
não elite). Na prova de agilidade, os futebolistas de
elite evidenciaram valores significativamente 4.2.6. Resistência aeróbica
inferiores relativamente aos de não elite. Os futebolistas percorreram distâncias muito
Pelo contrário, na pesquisa longitudinal realizada superiores aos não futebolistas.
por Beunen et al. (11) com crianças activas e inactivas Segundo Mirwald et al. (41) e Marques et al. (40), os
dos 13 aos 18 anos não foram encontradas valores médios, nas provas de resistência aeróbica
diferenças de realce. avaliadas indirectamente aumentam com a idade.
Deste modo, e a exemplo do fizemos com as outras Com o aparecimento da puberdade, os rapazes
componentes, procuramos saber se nesta prova as mostram um aumento da potência aeróbica que está
diferenças existentes entre futebolistas e não claramente relacionado com o pico de velocidade da
futebolistas eram devidas ao efeito da maturação. Após altura (41). Borms (13) confirma este aspecto ao referir
remoção da maturação as diferenças mantinham-se que nos rapazes atletas, após os 12 anos de idade, há
estatisticamente significativas, o que nos leva a pensar um aumento na sensibilidade ao treino do sistema
que o treino tem uma influência positiva no aumento cárdio-circulatório, decorrendo daqui um aumento
da performance da corrida de vai e vem. da capacidade aeróbica. Durante a fase de
crescimento pubertário regista-se um aumento da
4.2.5. Velocidade potência máxima aeróbica independentemente da
Os valores médios obtidos para a corrida de 50 prática ou não de actividade física. Contudo, a idade
metros evidenciaram em todos os escalões uma biológica parece influenciar a potência aeróbica,
“superioridade” estatisticamente significativa dos dado existir uma correlação positiva entre esses dois
futebolistas relativamente aos não futebolistas. factores. Bailey (4) salienta que entre os 8 e os 15
Sobral (48) refere que do ponto de vista “evolutivo” anos de idade, os indivíduos maturacionalmente
se verifica um incremento acentuado da velocidade avançados revelam um maior consumo máximo de
de deslocamento, avaliada através de provas de oxigénio do que os atrasados na maturação.
corrida curta (20 a 50 metros), dos 5 aos 16 anos de Vrijens & Van Cauter (52) realizaram um estudo com
idade. O mesmo autor refere ainda que nos rapazes jovens futebolistas com idades compreendidas entre
entre os 10 e os 13 anos se observa um aumento os 10 e os 13 anos com o objectivo de avaliar a
regular das prestações. Marques et al. (40) salientam influência da idade biológica em diferentes
este aspecto ao referir que nos rapazes, a partir do componentes da aptidão física. Uma das
período pubertário, há uma maior percentagem de componentes avaliadas foi a capacidade aeróbica
massa muscular e um desenvolvimento superior da numa prova de corrida de 6 minutos. Os resultados
capacidade anaeróbica o que como sabemos encontrados mostraram valores mais baixos de
determina os resultados desta componente. capacidade aeróbica nos indivíduos atrasados na
Desse modo, e uma vez que a componente velocidade maturação. Contudo, as diferenças encontradas não
é condicionada pelo desenvolvimento geral do foram estatisticamente significativas, dada a redução
indivíduo e muito particularmente pela sua da dimensão da amostra (n=66).
maturação biológica (39), torna-se importante saber se Também aqui procurámos verificar se as diferenças
os resultados encontrados nesta prova eram devidos à existentes entre futebolistas e não futebolistas eram
maturação. Para o efeito removemos a maturação devidas ao efeito maturacional. Ao remover a
tendo constatado que as diferenças até aí existentes maturação verificou-se que as diferenças deixaram
se mantinham estatisticamente significativas. de existir. Daqui que a maturação deva ser
Estes resultados parecem evidenciar que a considerado o factor influenciador das diferenças de
maturação não tem uma influência significativa resultados desta prova. O treino por si só não parece
sobre esta componente da aptidão física. Pelo ter um efeito positivo na melhoria da performance
desta componente da aptidão física nos futebolistas conseguirem resultados superiores em tarefas que
estudados. façam apelo à capacidade de força ou de força-
Beunen (8) reforça este aspecto ao referir as elevadas velocidade (potência), como por exemplo os saltos,
correlações entre estatuto maturacional e consumo os lançamentos e os sprints.
máximo de oxigénio. Contudo, quando o consumo Desse modo, nos rapazes, as correlações entre a
máximo foi expresso em termos relativos as força muscular, a prestação desportiva e os
correlações passaram a ser baixas e deixaram de ser indicadores de maturação esquelética e sexual
significativas. tendem a ser mais elevadas entre os 13 e os 16 anos
de idade, sendo mais evidentes, nesta faixa etária, as
4.3. Força explosiva diferenças na força muscular entre os mais e os
No SE e no SCM, os resultados obtidos nos menos adiantados no processo de maturação. Do
diferentes escalões não apresentam diferenças mesmo modo, Vrijens & Van Cauter (52) ao
estatisticamente significativas. Contudo, os valores estudarem a influência da maturação esquelética no
mais elevados expressos pelos futebolistas no teste desenvolvimento somático e na prestação motora de
do SE e no SCM poderão ser devidos a um melhor 66 jovens futebolistas, com idades cronológicas
aproveitamento da energia elástica e da capacidade compreendidas entre os 10 e os 13 anos, concluiram
contráctil do músculo. Bosco et al. (17) referem que o que a capacidade motora força muscular é
potencial elástico do músculo esquelético humano é influenciada pela maturação esquelética.
uma propriedade que pode ser melhorada através do Os resultados deste trabalho estão em concordância
treino. Deste modo, o aumento do número de anos com os alcançados por Bosco & Luhtanen (15) no
de treino conduz a uma melhoria do aproveitamento estudo que realizaram com futebolistas e não
da contracção concêntrica no ciclo de estiramento/ futebolistas dos escalões de iniciados (14 anos) e de
encurtamento. A comparação dos valores obtidos no juvenis (16 anos). Nessa pesquisa,
SCM com os do SE permite constatar que os valores independentemente do escalão, os futebolistas
encontrados no SCM são superiores, facto que vem apresentaram sempre valores superiores aos não
“confirmar” que o pré-alongamento muscular futebolistas nos vários testes de força explosiva
aumenta a força produzida durante a contracção realizados. No entanto, as diferenças encontradas
concêntrica imediata. entre futebolistas e não futebolistas, nos diferentes
No teste da PMM os futebolistas apresentaram testes, apenas foram estatisticamente significativas
valores superiores aos não futebolistas em todos os no escalão de juvenis.
escalões. No entanto, as diferenças estatisticamente O estatuto maturacional é um factor que influencia o
significativas só ocorrem nos escalões de iniciados nível de desenvolvimento da força muscular,
e de juvenis. nomeadamente nas formas de manifestação de força-
Contudo, constatámos que após remoção do efeito velocidade e de força máxima, com especial
da maturação as diferenças até aí existentes nos incidência entre os 13 e os 16 anos de idade. Nesta
escalões de iniciados e de juvenis deixaram de conformidade e concluindo, não podemos referir
existir. A maturação, nestes escalões, revelou-se um claramente se estes resultados são devidos ao treino,
factor influenciador dos resultados, contribuindo visto que o processo de maturação biológica
dessa forma para diferenciar futebolistas e não influencia e condiciona os resultados alcançados
futebolistas. pelos futebolistas e pelos não futebolistas.
Segundo Beunen & Malina (9), o facto dos níveis de
força serem superiores nos indivíduos mais 4.4. Habilidades motoras específicas
adiantados no estatuto maturacional reflecte em Os resultados médios obtidos no presente estudo
parte um maior tamanho corporal e uma maior evidenciam, em todas as habilidades motoras
quantidade de massa isenta de gordura. De acordo específicas do Futebol, uma superioridade dos
com estes autores, os indivíduos mais avançados no futebolistas em relação aos não futebolistas. A
processo de maturação estão mais predispostos para comparação destes resultados permitiu ainda
D. De Rose Jr.
S.R. Deschamps
P. Korsakas
RESUMO ABSTRACT
O jogo de basquetebol é uma fonte potencial de stress para Game as a source of stress with young basketball players
atletas. Os diferentes fatores que compõem esse jogo geram
situações que podem influenciar no desempenho dos atletas. The basketball game is a potential source of stress for the
Neste estudo procurou-se identificar as situações específicas athletes. The different aspects of the game lead to situations
do jogo e que são entendidas como causadoras de stress por that can influence the players’ performance. In this study the
atletas infanto-juvenis e classificá-las de acordo com o nível de purpose was to identify and rank the game stressful situations,
stress que causam aos mesmos. Participaram do estudo 136 according to the opinion of basketball youth athletes. The
jogadores de basquetebol, com idade variando entre 15 e 18 research was made with 136 basketball players (61 girls and 75
anos, sendo 61 moças e 75 rapazes, todos vinculados a clubes boys) with age ranging from 15 to 18 years old. All of them
do Estado de São Paulo e competindo em eventos oficiais were playing basketball for clubs at State of São Paulo and
organizados pela Federação Paulista de Basketball. Esses competing in events organized by the regional basketball
atletas responderam ao Formulário para Identificação de league. The athletes answered the Formulary for Identification
Situações de Stress no Basquetebol (FISSB). Os resultados of Stressful Situations in Basketball (FISSB). The results
mostraram que as principais situações causadoras de stress showed that the most stressful situations in the game were
estavam relacionadas aos seguintes fatores específicos: related to the following specific factors: “competence”, “task
“competência”, “dificuldade do jogo”; “arbitragem”; “técnico” difficulty”; “referees”; “coaches” and “teammates”. Although
e “companheiros de equipe”. Apesar de haver diferenças there was significant differences in the level of stress between
significativas nos níveis de stress apontados pelas meninas, em girls and boys, there was a strong correlation between both
relação aos meninos, houve uma correlação muito forte entre a sexes concerned to the rank of the (rs = 0.9027; p < 0.01).
classificação das situações (rs = 0.9027; p < 0.01). Esses These results show the importance of game situations as stress
resultados mostram a importância do jogo, como fonte de stress source and contribute for the understanding of the competitive
e servem para que técnicos e atletas possam melhor entender o process by coaches and athletes in order to decrease the
processo competitivo e diminuir o impacto dessas situações no influence of stress in athletes’ performance.
desempenho dos atletas.
Key Words: Competitive stress; basketball; youth sport; sport
Palavras-chave: Stress competitivo, basquetebol, esporte infanto- competition.
juvenil e competição esportiva.
que acontecem ao longo desse processo, desde o – Importância e dificuldade do jogo (7 situações)
treinamento até o jogo propriamente dito e podem – Competência e dificuldade da tarefa (6 situações)
depender exclusivamente do indivíduo ou do – Estado físico (3 situações)
ambiente, ou de ambos em uma combinação – Adversários (3 situações)
multivariada de fatores. Já as situações – Arbitragem (3 situações)
indiretamente relacionadas ao processo competitivo – Torcida (4 situações)
são aquelas que acontecem no cotidiano do atleta e – Companheiros de equipe (7 situações)
que podem afetar seu desempenho competitivo (6). – Técnico (9 situações)
A literatura especializada não apresenta um número – Infra-estrutura (2 situações)
muito expressivo de estudos relacionando
basquetebol e situações de stress competitivo, Portanto, sendo o jogo o momento no qual o atleta
dificultando a análise desse fenômeno. Estudos demonstra suas habilidades e fraquezas, é nele que
mostram diversos aspectos da relação stress/ muitas situações se concretizam e apontam para
desempenho no basquetebol, como por exemplo uma maior incidência do stress, provocando níveis
situações externas à competição, comportamento elevados de ansiedade e preocupações que podem
dos atletas, situações específicas de jogo, reações e levar a um desempenho inadequado. Isto pode
expectativas. Também apresentam amostras variadas ocorrer tanto em atletas adultos (como mostra a
em relação ao sexo, faixa etária e nível dos atletas. A maioria dos estudos citados) como também e,
maioria foi realizado com atletas adultos de principalmente, com jovens em fase de formação e
diferentes níveis. Algumas das situações causadoras que ainda não conseguem lidar de forma adequada
de stress encontradas nesses estudos são com as situações estressantes de uma partida de
demonstradas a seguir: fadiga (principalmente no basquetebol.
final da partida), falta de condicionamento físico, Estudar a influência dessas situações relacionadas a
erros técnicos (perder bolas, errar arremessos, errar este momento tão importante é fundamental para
passes, cometer violações), ser excluído do jogo com que se possa melhor entender o comportamento dos
5 faltas, ser substituído por deficiência técnica, atletas e o quanto ele pode ser afetado quando de
perder para equipes de menor expressão técnica, sua ocorrência.
excesso de treinamento, incompatibilidade com Neste estudo, especificamente, procurou-se
técnico e companheiros de equipe e arbitragem identificar as situações próprias de jogo que podem
(1, 7, 10, 16, 17). causar stress elevado em atletas de basquetebol de
Especificamente no Brasil, foi realizada uma categorias de base (cadetes, infanto-juvenis e
pesquisa com jogadores e jogadoras de basquetebol juvenis), classificar essas situações de acordo com a
de nível internacional (participantes de Jogos incidência de respostas dadas pelos atletas ao
Olímpicos e Campeonatos Mundiais de Basquetebol) instrumento utilizado para a finalidade e comparar
na qual foram identificadas 126 diferentes situações essa classificação em função do sexo
de stress das quais 114 referiam-se diretamente ao
processo competitivo. Entre elas, 44 aconteciam MÉTODOS
durante o jogo, mostrando a importância desse Antes de se abordar especificamente a metodologia
momento do processo para os atletas (6). deste estudo é importante que se frise que o fator
De acordo com essa pesquisa, as situações específico “jogo” e suas fontes e situações de stress
causadoras de stress específico de jogo foram fazem parte de um contexto analisado com atletas de
relacionadas, de acordo com suas características e nível internacional e que teve prosseguimento com a
similaridades a fontes específicas, assim criação de um Formulário para Identificação de
denominadas: Situações de Stress no Basquetebol (FISSB) para
atletas de categorias de base, que será especificado
no item “instrumento”.
sexo, através do Coeficiente de Correlação de Tabela 2 – 10 situações que mais provocam stress em jogo, de acordo
com a opinião dos jogadores (valores percentuais)
Postos de Spearman.
Realizou-se ainda a comparação dos níveis de stress
Cl. Situação Valor %
de cada um dos grupos em função do sexo com a
1 34-Cometer erros que provocam a derrota da equipe 77.3
utilização da Análise de Variância (ANOVA).
2 25-Perder jogo praticamente ganho 68.9
3 31-Repetir os mesmos erros 68.0
RESULTADOS 4 50-Arbitragem que te prejudica 64.0
De acordo com a opinião dos atletas, as situações de 5 24-Perder para equipe tecnicamente inferior 62.7
jogo que mais causam stress estão relacionadas a 6 33-Cometer erros em momentos decisivos 61.3
fontes como: arbitragem, técnico, competência, 7 68-Técnico que privilegia determinado jogador 60.0
dificuldade do jogo e companheiros de equipe. Em 8 60-Companheiro egoísta 58.7
ambos os sexos as situações relacionadas a essas 9 30-Jogar abaixo de seu padrão normal 56.0
fontes específicas se sobressaíram sobre as demais 10 69-Técnico que só critica 54.7
situações, como mostra a tabela 1. 10 70-Técnico que não reconhece o esforço do jogador 54.7
Tabela 1 – Médias dos níveis de stress de cada fonte específica em Tabela 3 – 10 situações que mais provocam stress em jogo, de acordo
função do sexo. com a opinião das jogadoras (valores percentuais)
NOTA
(a) Esta terminologia é adotada pela Federação Paulista de
Basketball (Brasil) para identificar atletas com idades
variando de 15 a 19 anos.
CORRESPONDÊNCIA
Dante de Rose Jr.
Rua Rio Grande do Sul, 770, ap. 113
09510-021 São Caetano do Sul – São Paulo
Brasil
[danrose@usp.br]
Clube/entidade: ______________________________________________
Posição: _________________
Regional/Estadual Nacional
Data: ___/___/___
21 Jogos decisivos .............................................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
22 Momentos decisivos de um jogo .................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
23 Jogo fácil que complica ................................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
24 Perder para uma equipe tecnicamente inferior .............. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
25 Perder jogo praticamente ganho .................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
26 A competição em si ........................................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
27 Sair com cinco faltas ...................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
28 Ficar na reserva .............................................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
29 Ser substituído ............................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
30 Competir/jogar abaixo do seu padrão normal.................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
31 Repetir os mesmos erros ................................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
32 Cometer erros técnicos (errar arremessos, errar passes) (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
33 Cometer erros em momentos decisivos .......................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
34 Cometer erros que provocam a derrota da equipe .......... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
35 Cometer violações (andada, 3 segundos, 2 saídas, etc) (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
36 Tomar falta técnica ........................................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
37 Ser excluído do jogo ...................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
38 Não tentar (omitir-se no jogo) .......................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
39 Aquecimento inadequado............................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
40 Jogar em mau estado físico ............................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
41 Jogar contundido ............................................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
42 Jogar doente ................................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
43 Jogar menstruada ........................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
44 Adversário desleal .......................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
45 Adversário convencido ................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
46 Adversário provocador............... .................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
47 Adversário que tenta pressionar a arbitragem .............. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
48 Discussão com adversário ............................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
49 Arbitragem prejudica a sua equipe ou um companheiro (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
50 Arbitragem prejudica você ............................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
51 Discussão com árbitros ................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
52 Torcida a favor que comete injustiça ............................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
53 Torcida a favor que cobra muito .................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
54 Falta de reconhecimento da torcida .............................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
55 Agressões físicas e morais por parte da torcida.............. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
56 Manifestações da torcida contrária.................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
57 Omissão de um companheiro de equipe ....................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
58 Displicência de um companheiro de equipe .................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
59 Companheiro que não cumpre seu papel no jogo ......... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
60 Companheiro egoísta ..................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
61 Companheiro que não se esforça .................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
62 Companheiro que não entende o que você quer fazer .. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
63 Companheiro que cobra ou reclama muito ................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
64 Técnico que cobra em exagero .................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
65 Técnico que comete injustiças com jogador ................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
66 Técnico que não deixa claro papel jogador na equipe (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
67 Técnico que não deixa jogador à vontade na quadra .. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
68 Técnico que privilegia determinado jogador ................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
69 Técnico que só critica ................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
70 Técnico que não reconhece esforço do jogador ........... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
71 Técnico que só enxerga o lado negativo ....................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
72 Técnico que não sabe lidar com a equipe .................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
73 Técnico que toma decisões erradas ou que não sabe tomar
decisões ............................................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
74 Técnico que grita muito ................................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
75 Presença do seu pai no jogo ......................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
76 Presença da sua mãe no jogo ....................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
77 Interferência dos pais no seu desempenho .................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
78 Pais que dão palpites (conselhos) durante o jogo... ....... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
79 Pais que gritam muito durante o jogo ............................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
80 Pais que não se manifestam durante o jogo .................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
81 Pais que cobram muito durante o jogo........................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
82 Local inadequado para competições (quadra, piso,
iluminação, vestiários) ............................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
83 Material inadequado jogo (bolas, aparelhos, uniforme) (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
RESUMO ABSTRACT
A elevada importância da prática desportiva, ao lado do Children and youth in Sport.
acentuado aumento de competições num quadro desportivo A study about the ages of the beginning of sport practices
altamente especializado, determina a necessidade de
participações precoces e exige maior atenção na preparação dos The importance of sport and the increase in the number of
jovens desportistas. No que pese os estudos sobre o assunto, specialised competitions determines the necessity of
persistem dúvidas sobre a idade em que as crianças estariam precocious participation of youth in competition and a larger
aptas para se iniciarem numa prática desportiva sistemática. O attention to their sporting preparation.
trabalho aqui apresentado procurou identificar as idades em Doubts persist in the literature regarding the ideal age for
que as crianças, na cidade de João Pessoa, estão sendo iniciadas children to begin systematic sporting practices. This work tried
na atividade desportiva, relacionando-as com as to identify the age children began sport practice in the town of
recomendações da literatura especializada. Foram João Pessoa (Brazil) and compare the results with the opinion
entrevistados 93 treinadores de 10 modalidades, escolhidas of coaches regarding the ideal age to begin sporting practices
entre as de maior representatividade no contexto desportivo do within their fields.
Estado. Uma ampla pesquisa bibliográfica revelou as idades 93 coaches in 10 sporting fields (both collective and individual
mais recomendadas para iniciação desportiva nas diversas sports) were interviewed.
modalidades, cujos dados indicaram, para os desportos The results showed that: (i) in collective sports, 74% of
individuais, uma predominância na faixa dos 8 –12 anos, com coaches suggested as the ideal age to begin sporting practices
média de 8,9. Para as modalidades coletivas as recomendações the 9-12 age group and (ii) in individual sports, 58% of
situaram-se entre os 8-14 anos, com média de 11,7. Os dados coaches suggested as the ideal age to begin sporting practices
dos questionários revelaram, para as modalidades coletivas, the 9-12 age group.
que 74% dos treinadores recomendaram como idade ideal a There is also a marked difference between the real starting age
faixa dos 9-12, enquanto nos desportos individuais a in sport and the opinion of the coaches in the combined fields
predominância situou-se entre 5–10 anos, com 58% das questioned. The justifications for this difference can be found
indicações. Verificou-se ainda uma marcante divergência entre in the assessments/rules of the sporting directors/heads as
as idades que os treinadores apontaram como ideais e aquelas well as in the pressure from the parents.
em que, realmente, o processo está acontecendo, idades reais.
As principais justificativas para essa divergência vão desde a Key Words: Children and youth sports, ages to begin sporting
imposição dos dirigentes à cobrança de resultados pelos pais e practices, precocious participation
dirigentes.
Pelos dados expostos no quadro anterior, constata-se adequação aos níveis de desenvolvimento dos pré-
uma certa divergência nas opiniões dos autores requisitos individuais, os quais se situam num
consultados. Apesar das discordâncias foi possível complexo decorrente dos processos de crescimento,
identificar tendências dominantes, em termos de maturação e desenvolvimento, foi possível verificar
faixas etárias com maior incidência de opiniões para uma convergência entre os autores estudados,
os desportos individuais, para as práticas coletivas e possibilitando a definição de uma tendência
para o conjunto das modalidades. predominante entre os 8-12 anos de idade. Verifica-
Para os desportos individuais, as idades mais se ainda que as modalidades individuais e coletivas,
recomendadas situam-se na faixa dos 8 –12 anos de analisadas isoladamente, apresentam divergências no
idade com média de 8,9 anos e desvio de 2,5. Ainda sentido de se recomendar que a iniciação nos
em relação às modalidades individuais, verifica-se desportos coletivos ocorra mais tardiamente do que
que entre o atletismo e a natação situam-se as nos individuais.
maiores discrepâncias. A primeira com Finalmente, percebe-se que, segundo a maioria dos
recomendações para iniciação mais tardia, mesmo autores estudados, as crianças na faixa dos 8 – 12
sendo perfeitamente identificável uma anos encontram-se na fase de desenvolvimento mais
predominância na faixa dos 8 – 12 anos, enquanto na apropriada para a aquisição das habilidades básicas
natação as orientações vão no sentido de que a necessárias à maioria das modalidades desportivas.
iniciação ocorra em idades mais baixas.
As modalidades coletivas são as que apresentaram, em 3.2 - Estudo empírico
termos de recomendações teóricas, indicações para Nesta parte do trabalho serão apresentados e
iniciação em idades mais avançadas com variações que discutidos os dados levantados através do
vão dos 8 aos 14 anos, sendo que, na maioria das questionário (ver Anexo) aplicado aos treinadores,
indicações, a faixa dos 10-12 anos foi a mais relativamente às idades recomendadas para a
recomendada com média de 11,7 anos e desvio de 1,4. iniciação desportiva, partindo-se do pressuposto de
Em relação aos desportos em geral verificou-se uma que os treinadores em alguns casos, mesmo
grande variação de idade: 6 aos 14 anos. No entanto aceitando e defendendo uma idade ideal, praticam
a tendência predominante aponta para os 8-12 anos, outra, neste trabalho denominada de idade real.
possibilitando a definição de uma tendência média Os dados obtidos com a aplicação do questionário
em torno de 9,9 com desvio de 2,5. estão sistematizados e apresentados de forma
Reforçando a idéia amplamente aceita de que a resumida no quadro 2, considerando cada
capacidade de rendimento desportivo depende da modalidade isoladamente e o conjunto das
eficácia das exigências de rendimento e sua modalidades individuais e coletivas.
Nos dados apresentados verifica-se uma considerável que as idades de iniciação recomendadas são mais
divergência entre as opiniões dos treinadores sobre avançadas do que para os desportos individuais.
as idades que consideram ideais para a iniciação Verificou-se, ainda, a ocorrência de diferenças
desportiva, quer no tocante ao conjunto das significativas entre as modalidades de uma mesma
modalidades, quer no interior de uma mesma categoria, sejam elas individuais ou coletivas.
modalidade. Como se pode perceber, os dados Ainda em relação ao quadro 2, os dados relacionados
expostos no quadro acima apontam variações que com a denominada “idade real” apresentam o
vão dos 5-6 anos até os 13-14. No entanto, ao se seguinte comportamento:
analisar a maior concentração de opiniões em torno
das faixas etárias indicadas verifica-se o seguinte: – Para os desportos coletivos, diferentemente das
idades ideais, as maiores concentrações situaram-
– Nas modalidades coletivas as faixas etárias dos 9- se nas faixas dos 7-8 e 9-10 anos cada uma com 14
10 e 11-12 anos foram as que apresentaram maior freqüências, representando 56% das opiniões
concentração de opções com 25 e 12 casos manifestas.
respectivamente. De forma que nessas duas faixas – Nas modalidades individuais, as idades mais
etárias concentraram-se 74% das opiniões dos apontadas foram os 5-6 e 7-8 anos, com 13 e 10
treinadores pesquisados. casos respectivamente dos 43 analisados,
– No conjunto das modalidades individuais as faixas merecendo destaque também a faixa dos 13 – 14
etárias dos 5 - 6 e 9 – 10 anos são as mais anos com 21% das opções manifestas.
indicadas com 16 e 09 ocorrências, – No conjunto das modalidades individuais e
respectivamente, das 43 apuradas, definindo um coletivas quase 50% dos entrevistados afirmaram
percentual em torno das referidas faixas da ordem que estão iniciando seus alunos entre os 5-6 e 7-8
dos 58%. anos de idade. Essa situação comparada com o
– Uma análise conjunta das modalidades individuais quadro das idades ideais, onde se verifica que
e coletivas indica que 85 dos 93 treinadores apenas 36.5% dos entrevistados apontaram as
estudados situaram suas opiniões nas faixas etárias idades dos 5-6 e 7-8 como ideais para a iniciação
dos 5-6 aos 11-12 anos, com destacada desportiva, indica uma certa divergência entre o
predominância para a faixa dos 9 – 10 anos. que os treinadores estudados apontam como ideal
e aquilo que, de fato, ocorre na prática do
Dessa forma, foi possível identificar tendências bem treinamento. Essa tendência fica reforçada ao se
definidas e distintas no conjunto das práticas verificar que no quadro das idades reais fica nítida
desportivas individuais e coletivas. Para os desportos a tendência de uma distribuição mais equilibrada
coletivos, reforçando a orientação predominante entre as três faixas etárias mais elevadas (9-10, 11-
identificada na pesquisa bibliográfica, constatou-se 12 e 13-14 anos), enquanto no quadro das idades
ideais há uma forte concentração em torno dos 9 – clubes e dos próprios pais.
10 anos. Esses dados indicam que a iniciação Dessa forma, fica evidente o entendimento dos
desportiva, na prática dos treinadores treinadores de que a idade apropriada para a
entrevistados, ocorre em idades mais precoces do iniciação desportiva é aquela em que o jovem se
que aquelas que eles apontam como as mais encontra mais apto e receptivo para exploração e
indicadas. desenvolvimento da sua ludicidade, da coordenação
motora e com maiores potencialidades para o
Ao se comparar esses dados com as informações da aprendizado de gestos específicos. Contudo, na
literatura (Quadro 1), percebe-se uma maior prática, o que se percebe é a antecipação desse
proximidade entre a literatura e as tendências processo por imposições de clubes, escolas e muitas
predominantes nas opiniões dos treinadores, em vezes, pela cobrança antecipada de participações em
termos de idades ideais. No entanto, quando os competições desportivas e consecução de resultados
dados da pesquisa bibliográfica são confrontados expressivos.
com as idades reais é possível identificar uma maior
discrepância no sentido de reforçar a tendência para Quadro 3 – Principais justificativas para as idades ideal e real
iniciação em idades mais baixas, que, apesar de
praticadas, não são defendidas pelos treinadores Idade ideal
entrevistados, até porque não estão respaldadas pela Ludicidade – 21%
literatura especializada. Percepção e Coordenação motora – 19%
Efetivamente, o assunto está longe de ser Aprendizado dos gestos específicos – 15%
considerado concluído. A atual situação revela um Relação criança, mundo e meio ambiente – 15%
afastamento, até certo ponto incompreensível, entre Precocidade / Bons resultados – 15%
aqueles a quem compete à aplicação dos Maior capacidade / assimilação – 15%
conhecimentos próprios da Teoria da Educação Idade real
Física e dos Desportos e as orientações fornecidas
Imposição do clube para competições e
por esses mesmos conhecimentos, apesar da sua
cobrança de resultados imediatos – 36%
insuficiência e relativa fragilidade.
Cobrança dos pais – 29%
O estudo aqui apresentado procurou também
Dificuldade de acesso – 15%
identificar entre os entrevistados as razões para a
Falta de estrutura do clube – 11%
divergência entre idades ideal e real.
Desmotivação das crianças – 09%
A partir dos resultados obtidos na pesquisa foi possível
expressar no Quadro 3 os principais motivos
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES
apresentados pelos treinadores como sendo justificativas
Pelos dados apresentados, não foi possível identificar
para as idades consideradas ideais e aquelas em que de
uma idade específica ou ideal de iniciação
fato a iniciação desportiva está ocorrendo, neste trabalho
desportiva, mas tendências médias por modalidades.
denominadas de idades reais.
Verificou-se que as modalidades desportivas, em
As justificativas para as idades ideais que os
razão das suas especificidades e características
treinadores apresentam baseiam-se
próprias, exigem idades diferenciadas para o
fundamentalmente em características psíquicas e
processo de iniciação.
cognitivas das crianças e jovens. Nestas idades, os
Ficou constatado que a maioria os treinadores ao
principais fatores que os treinadores destacam nas
falarem da idade para iniciação desportiva situam
crianças e jovens como propícios ao aprendizado
suas opiniões numa faixa muito ampla que vai dos 5-
desportivo são a ludicidade e as capacidades de
6 aos 11-12 anos, com forte concentração em torno
percepção e facilidade para aprendizagem dos gestos.
dos 9-10 anos de idade, enquanto os dados da
No plano das idades reais as justificativas se
literatura indicam uma nítida tendência para os 8 -
fundamentam em aspectos de ordem social, onde se
12 anos de idade.
sobressaem as cobranças de resultados por parte dos
CORRESPONDÊNCIA
NOTAS Francisco Martins da Silva
a) Neste trabalho “idade ideal” é aquela apontada pelos Av. Edson Ramalho, 397 – Ap. 302 – Manaíra
treinadores e estudiosos da matéria (pesquisa bibliográfica)
CEP 58.038-100 – João Pessoa – PB
b) Idade real é aquela em que, efetivamente, os alunos e atletas
dos treinadores investigados e das equipes e modalidades Brasil
integrantes da amostra iniciaram-se na prática desportiva. [fmsilva@nutecnet.com.br]
ANEXO – QUESTIONÁRIO
1. APRESENTAÇÃO
Sr. Professor/ treinador
Este questionário destina-se à coleta de parte das informações necessárias à realização de uma pesquisa sobre
iniciação desportiva, que está sendo conduzida pelos integrantes do Laboratório de Estudos e Pesquisa do
Treinamento - LEPET, da Universidade Federal da Paraíba. As informações aqui levantadas serão utilizadas,
exclusivamente, para a elaboração do referido trabalho e será resguardado o anonimato das mesmas. Nesta
parte do trabalho objetivamos, prioritariamente, identificar a opinião dos professores/treinadores em relação
à faixa etária ideal para a iniciação desportiva, além de verificar a faixa etária real em que essa iniciação está
ocorrendo.
2. IDENTIFICAÇÃO
Local de Trabalho: ___________________________________________
Modalidade em que trabalha:___________________________________
Tempo em que trabalha com a referida modalidade: _________________
Nível de escolaridade:_________________________________________
3. QUESTÕES
3.1. Dentre as faixas etárias abaixo, indique a que você considera ideal para a iniciação desportiva, na sua
modalidade:
( ) 5 a 6 anos ( ) 7 a 8 anos
( ) 9 a 10 anos ( ) 11 a 12 anos
( ) 13 a 14 anos ( ) outros _______________________
3.2 De acordo com a resposta anterior, numere de 1 a 3, em ordem de prioridade, as três afirmações que mais
justificam a sua opção.
3.3. Caso tenha sido influenciado por estudiosos, na concretização das opiniões apresentadas nas questões
anteriores, indique os autores e títulos que fundamentam suas opiniões.
____________________________________________________________
____________________________________________________________
3.4. Na sua prática como professor/treinador, indique a faixa etária em que, de fato (idade real), está
ocorrendo a iniciação desportiva das crianças e jovens.
( ) 5 a 6 anos ( ) 7 a 8 anos
( ) 9 a 10 anos ( ) 11 a 12 anos
( ) 13 a 14 anos ( ) outros _______________________
Caso a opção indicada na questão anterior, se apresente diferente da opinião que você manifestou na questão
no 3.1, responda as questões seguintes:
3.5. Considerando as afirmações abaixo e a diferença entre as faixas etárias indicadas nas questões no 3.1 e
3.4 (idades ideal e real), numere de 1 a 3, em ordem de prioridade, as afirmações que, na sua opinião, mais
justificam a diferença apresentada.
3.6. Aponte, numerando de 1 a 3 em ordem de prioridade, três desvantagens que essa divergência de idades
pode vir a ocasionar.
RESUMO ABSTRACT
Num livro publicado na década de quarenta, criticava-se os The sporting practices in the city of Porto in the year 1900
portuenses desse tempo por se considerarem desportistas
quando só cuidavam de assistir aos jogos do seu clube e a A book published in the 1940’s criticised the people of Porto
discutir sobre o futebol. Alegava o seu autor que no Porto de because they considered themselves as sports people when all
1900 se praticava a natação, o jogo do pau, a esgrima, a they did was watch their own team’s games and argue about
equitação, a ginástica, o remo, o ciclismo, a tauromaquia, o football. Its author alleged that, in Porto in 1900, people took
levantamento de peso e halteres e que a juventude não part in swimming, “jogo do pau”, fencing, equestrian events,
descuidava as práticas físicas, nem desconhecia a competição gymnastics, rowing, cycling, bullfighting and weightlifting, and
desportiva. that young people were neither disinterested in physical
No sentido de verificarmos a qualidade da referida opinião, activity nor in competitive sport.
pretendemos neste artigo dar conta das actividades físicas e In order to establish the quality of the abovementioned
desportivas mais relevantes para o Porto no início do último opinion, we intend, with this article, to highlight the range of
século do segundo milénio, bem como descortinar qual o sports activities in Porto, at the beginning of the last century.
relevo que estas então assumiam para a sociedade da segunda We also intend to reveal the social importance of these
maior cidade do país, a partir do impacto que elas tiveram em activities in the country‘ s second largest city, based on the
dois jornais aí publicados. impact they had on two newspapers published at that time.
Palavras-chave: Desportos, modalidades, Porto, jornais, 1900. Key Words: Sports and activities, Porto, newspapers, 1900.
Num livro publicado na já longínqua década de Esta posição de Arnaldo Leite tem o seu interesse
quarenta, Arnaldo Leite, querendo criticar os porquanto, resultando da sua experiência, apresenta
conterrâneos do seu tempo por se considerarem um valor testemunhal. Todavia, a sua postura crítica
desportistas quando só cuidavam de assistir aos exigiu que procurássemos confirmar, numa outra
jogos do seu clube e a discutir futebol, afirmava que, fonte, elementos mais elucidativos sobre o impacto
afinal, não havia razão para se pensar que a das actividades desportivas, na sociedade portuense,
sociedade de então devotava mais cuidado à prática durante o ano de 1900.
das actividades desportivas que a da transição do A escolha recaiu nos jornais diários que, então, se
século XIX para o XX. Alegava o referido autor que publicavam no Porto e, para isso, procurámo-los na
já no Porto de 1900 se verificava a prática da Biblioteca Pública Municipal desta cidade.
natação, da esgrima, da ginástica, do jogo do pau, do Infelizmente, o estado dos referidos diários
remo, do ciclismo, do levantamento de pesos e complicou a nossa tarefa. O Jornal de Notícias estava
halteres, etc. e que a juventude desse tempo não demasiado deteriorado e, por conseguinte, não foi
descuidava as práticas físicas, nem desconhecia a possível consultá-lo; o Comércio do Porto e o Primeiro
competição desportiva (2). de Janeiro também não estavam em bom estado e
O texto no entanto merece uma atitude crítica. Ele acessíveis aos leitores, mas, depois de alguns
reflecte uma opinião de alguém censurador da contactos com uma funcionária superior,
atitude passiva que as pessoas já então encontrámos uma solução para o problema:
apresentavam relativamente ao fenómeno utilizámos o Comércio do Porto para o primeiro
desportivo e, principalmente, ao excessivo apego semestre e o Primeiro de Janeiro para o segundo.
devotado aos assuntos do futebol. De facto, Os dois jornais tinham bastante em comum. Para
Arnaldo Leite não se mostrava muito entusiasta além de serem ambos editados na cidade do Porto,
desta modalidade. Explicava ele claramente a sua saíam os dois nos mesmos dias da semana, não se
posição, temendo apodarem-no de anti- publicando, porém, à segunda-feira, eram diários
desportista: “Eu não detesto todas as bolas e até generalistas, possuíam o mesmo número de páginas
simpatizo com a bola com “b”, pequeno: - bola do (4) e as colunas tinham a mesma largura (5,5 cm).
tênis, bola do pingue-pongue, bola do hóquei, bola Entre os aspectos a distingui-los, estava o seu
do bilhar, etc., etc... A minha embirração é com a tamanho: o Comércio do Porto media 77 cm de altura
outra, a tal, a marmanjona, que tantos estragos e 44 de largura e o Primeiro de Janeiro tinha as
causa. Essa é que eu não engulo. Talvez por ser dimensões de 64,5 cm de altura e 44 de largura. Em
grande demais...” (2, p. 57). ambos os jornais, a primeira página acolhia os artigos
O futebol era já um desporto arrastador de mais importantes, entre os quais se destacava a
multidões e, por isso, quase monopolizava as política portuguesa e as notícias sobre o estrangeiro.
atenções das pessoas, impedindo-as de se dedicarem Por vezes, entre outras referências, lá aparecia uma ou
a outros desportos ou actividades. Na opinião de outra sobre algo relacionado com actividades físicas e
Arnaldo Leite, a bola estava para o desporto, como o desportivas. A terceira e a quarta páginas destinavam-
fado para a rádio e a revista para o teatro; a se quase exclusivamente à publicidade
tendência para baixo era bem evidente nisto tudo Na pesquisa efectuada nos mencionados jornais,
(2). Ora o referido autor, remando contra a maré, optámos por recolher todas as referências
pretendia defender que tal situação não representava relacionadas com actividades físicas e desportivas,
nenhum progresso relativamente ao ambiente quer relatassem competições, demonstrações e
lúdico-desportivo vivido no início do século. Para práticas físicas, quer dissessem respeito a anúncios
ele, o balanço era bem evidente: de provas, de espectáculos e de materiais
“Em 1900 – Sem bola: Educação Física. Desportistas desportivos ou mesmo a notícias de reuniões de
amadores. Desenvolvimento da raça. clubes e de associações desportivas.
Em 1949 – Com bola: Zero a zero. Desportistas O resultado da recolha efectuada pode traduzir-se,
profissionais. Desenvolvimento da “massa” (2, p. 52). sintética e globalmente, no quadro 1:
Actividades Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Agt Set Out Nov Dez Total
Atletismo 2 2
Caça 3 5 2 10 2 4 1 27
Canoagem 5 4 9
Ciclismo 3 1+5* 3* 17+3* 8 13 20 4 3 80
Equitação 1 5 6
Esgrima 5 2 7
Ginástica 16 37 3 4 1 1 3 10 7 2 84
J.Tradicionais 2 8 10
Luta 1 1
Natação 3 1 4
Passeios Fluviais 1 4 2 7
Patinagem 3 4 6 4 17
Ténis 1 1 2
Tiro 4 8 3 6 1 1 2 1 26
Touradas 1 13 46 33 20 113
Total 19 49 19 11 5 10 30 89 77 40 14 3 395
* Cicloturismo
Como podemos verificar no quadro 1, o panorama parecer preocupante a pujança do futebol, quando
desportivo de 1900 era muito diferente do actual e em 1900 se podia percorrer as páginas de um jornal
até do de 1949, ano em que foi escrito o texto de diário sem se encontrar uma única referência à sua
Arnaldo Leite que referimos. Em menos de um prática.
século ou mesmo de meio, Portugal viu surgir e Olhando bem para o quadro 1, vê-se, no entanto,
desenvolver-se um considerável número de que não é só o futebol a estar ausente dos jornais
modalidades, o que alterou por completo o quadro compulsados. Nenhum dos desportos mais
desportivo português. Não admira que alguns, como praticados actualmente aparecem aludidos. Aliás,
o fazia Arnaldo Leite, se sentissem pouco adaptados não encontrámos notícias de qualquer desporto de
a tal transformação e reagissem tecendo críticas que, bola, a não ser que consideremos o registo do ténis
normalmente, assentavam sobre a modalidade num anúncio de venda de um palacete a possuir um
despertadora de maior interesse. De facto, devia-lhes campo para a prática deste jogo (5).
Gráfico 1 – Histograma sobre o número de referências no tocante às diversas actividades desportivas, no ano de 1900.
113
12 0
10 0
80 84
80
60
40 27 26
17
20 9 7 10 7
6 1 4 2
0 2
Analisando o gráfico 1, podemos ver que as diferenciação entre a ginástica artística e alguns
actividades contempladas com maior número de exercícios atléticos praticados nos circos.
referências nos jornais foram as corridas de touros, o Perspectivando a análise a partir de critérios actuais,
ciclismo, a caça e o tiro; por seu turno, a luta, o é o ciclismo que merece maior atenção dos jornais.
atletismo, o ténis e a natação foram pouquíssimas No entanto, também aqui temos diversos tipos de
vezes mencionadas. práticas: competições velocipédicas, corridas onde se
Por certo, hoje em dia, estranhar-se-á que privilegiava sobretudo o aspecto lúdico e o
consideremos as corridas de touros no âmbito da cicloturismo.
análise das práticas físicas e desportivas. No entanto, Estas duas últimas práticas eram organizadas pelo
elas gozavam de imensa popularidade em todo o país, Real Velo Clube do Porto e nelas podiam participar
sendo algo surpreendente que encontrássemos tantas homens e mulheres. No Palácio de Cristal
referências relativas a povoações situadas a norte do realizavam-se, por exemplo, corridas de fitas para
rio Mondego. Parece-nos que as touradas estavam um e outro sexo e, com a participação de homens e
para as populações do início do século, como o mulheres, desenvolveram-se vários passeios a
futebol para as de hoje. Será que o futebol veio ocupar cidades como a Aveiro e Braga (4 e 5).
o espaço outrora pertencente à tauromaquia? Quanto às competições de bicicleta, o grande
Ao observarmos o quadro 1 e o gráfico 1, promotor delas era o mesmo Velo Clube, mas
apreciaremos certamente a posição relativa da igualmente se empenhavam nesta tarefa algumas
ginástica, mas convém explicitar que um número tão casas vendedoras de velocípedes como a Ferreira
alto de referências advém de elas contemplarem do Real e a Garagem Lusitana (4 e 5).
mesmo modo a ginástica acrobática praticada nos No sentido de ficarmos a perceber o nível desta
circos. De facto, se excluíssemos as notícias relativas modalidade no virar do século, vejamos o quadro de
aos circos, nem uma dúzia de referências obteríamos competições organizadas pelo Real Velo Clube do
para a ginástica. Todavia, é preciso ter-se em conta Porto no velódromo Maria Amélia, em 1900, para
que não era tão nítida como actualmente a comemorar o sétimo aniversário do seu nascimento:
Quadro 2 – Provas de ciclismo promovidas pelo Velo Clube, em 1900, nos festejos comemorativos do seu 7º aniversário.
período em que não se organizavam competições de disciplinar a arte venatória. O tiro, por sua vez, era
ciclismo. Corridas de patins, corridas de fitas e de uma actividade de Primavera e Verão e, durante este
obstáculos em patins para ambos os sexos eram tempo, o Clube de Caçadores do Porto organizava,
competições muito queridas dos sócios do Velo no terreno de Salgueiros, dois tipos de torneios: tiro
Clube, as quais se realizavam todas as semanas, a chumbo e à bala (4 e 5).
normalmente, nas noites de quinta-feira e sábado, Para além destas, as outras modalidades quase não
no Palácio de Cristal, em recinto fechado (4 e 5). tinham expressão. De entre elas, o remo/canoagem
Juntamente com a patinagem, a caça e o tiro era a actividade desportiva mais noticiada, seguindo-
perfazem um trio de modalidades que registavam se os passeios fluviais, a esgrima e a equitação (4 e
um número de referências entre as quinze e as 5). Para aquilatarmos a qualidade das competições
trinta, ou seja, posicionavam-se como um grupo de remo/canoagem organizadas pelos Bombeiros
intermédio, não conhecendo a popularidade das Voluntários do Porto em 1900, atentemos no
touradas ou do ciclismo, mas merecendo muito mais programa: 1ª corrida – Escaleres de 4 remos; 2ª
atenção que muitas outras. Note-se que a caça corrida – Sapatas a duplo remo; 3ª corrida - “Pic-
registou vinte e sete referências e o tiro vinte e seis, nics”; 4ª corrida – Caíque; 5ª corrida – Barcos
número superior ao da patinagem e bem longe do saveiros a dois remos (5).
obtido pelos jogos tradicionais a alcançarem apenas As referências às modalidades parecem indicar uma
a dezena. A caça tinha o seu maior número de actividade física mais concentrada em determinadas
notícias no Verão e, através delas, procurava-se dar a épocas do ano, conforme podemos ver no quadro 3 e
conhecer os locais repovoados de caça, bem como no gráfico 2.
Quadro 3 – Número de referências, por trimestre, no que diz respeito a algumas actividades desportivas, no ano de 1900.
Gráfico 2 – Histograma sobre o número de referências, por trimestre, relativo a algumas actividades desportivas, no ano de 1900
100
80
60
40
20
0
Caça Ciclismo Ginástica Jogos Patinagem Tiro Touradas
populares
CORRESPONDÊNCIA
José Vítor Ferreira
Faculdade de Ciências do Desporto
e de Educação Física
Universidade do Porto
Rua Plácido Costa, 91
4200.450 Porto
Portugal
[jferreira@fcdef.up.pt]
J. P. Vilas-Boas
Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física
Universidade do Porto, Porto, Portugal
RESUMO ABSTRACT
O rendimento desportivo de alto nível é hoje determinado pelo The importance of hair shave on swimming performance
controlo de uma multiplicidade de detalhes que concorrem
para a máxima expressão das capacidades de realização do Top level performance in sports is, nowadays, determined by
desportista. No domínio da natação, vem-se assistindo a um the control of a complex of details that converge to the
progressivo incremento dos cuidados com a hidrodinâmica maximal expression of the performance potential. In
resistiva, os quais ganharam uma expressão particular com o swimming, it’s noticeable a progressive improvement of cares
surgimento dos novos fatos integrais, quer para senhoras, quer about hydrodynamical constraints to the performance,
para homens. Na mesma linha de preocupações, os hábitos de specially after the appearance of the new body suits from
depilação pré-competitiva foram-se instituindo na comunidade different companies. Pointing in the same direction is the
desportiva da natação, apesar de persistir uma grande tradition of shaving body hair previously to a main
controvérsia acerca da utilidade e repercussões deste competition, despite some controversy about it’s utility and
procedimento. O objectivo do presente trabalho consiste em consequences. The purpose of this work is to review the actual
rever o estado actual de conhecimentos a este respeito, de state of the art about this topic, in order to provide a
forma a proporcionar uma síntese com relevância operativa no operational synthesis with operative relevance for the
domínio da preparação desportiva de nadadores. preparation of swimmers to competition.
Palavras-chave: Natação, Biomecânica, arrasto hidrodinâmico, Key Words: Swimming, Biomechanics, hydrodynamic drag, hair
depilação. shaving
evolução dos fatos de banho, que passou pelo “fato de pressão, o arrasto de fricção é desprezível em
integral” apresentado pelas nadadoras da estafeta natação. O mesmo autor refere que, em qualquer
sueca nos campeonatos do mundo de Madrid ’86 e circunstância, o escoamento da água em torno do
agora retomados pela TYR, e culminou com os fatos corpo humano é turbulento, reduzindo assim a
integrais femininos e masculinos, sejam os Fast Skin importância relativa do arrasto de fricção e
da Speedo, ou os seus congéneres da Arena, da TYR e implicando valores elevados do arrasto de pressão.
da Adidas e (iv) a manutenção dos hábitos de Na mesma perspectiva, Gadd (9) refere que, para o
depilação completa da superfície cutânea exposta ao mesmo valor do Número de Reynolds (Re), o
contacto com a água, incluindo a cabeça. coeficiente de arrasto (CD) é, para o Homem em
Segundo Sharp et al. (21), desde a década de 50 que decúbito ventral, aproximadamente 13 vezes
os nadadores se depilam e poucos serão os recordes superior ao de um corpo hidrodinâmico, o que se
mundiais e americanos estabelecidos nos últimos traduz num regime de escoamento turbulento e num
anos que não tenham sido precedidos daquela acentuado arrasto de pressão.
prática. Porém, a par da generalização deste Clarys (3) não encontrou uma correlação
procedimento, parece que, durante muito tempo, estatisticamente significativa entre a intensidade da
não se conseguiram obter suficientes evidências força de arrasto e a área de superfície corporal, tendo,
empíricas e argumentos teóricos que o suportem. porém, verificado o oposto para a área de secção
A depilação parece ter por finalidade principal máxima transversal à direcção de deslocamento e para
minimizar a componente de fricção da força de a razão altura/volume. Estes parâmetros constituem-
arrasto total, uma vez que, para além da densidade e se, entretanto, como elementos determinantes,
da viscosidade do fluido, a extensão e rugosidade da respectivamente, do arrasto de pressão e do arrasto de
superfície de contacto do nadador com a água onda. Miyashita e Tsunoda (17) também não
(pilosidade e textura da pele, textura do fato de constataram correlações estatisticamente
banho e da touca), constituem os seus principais significativas entre o arrasto e a superfície corporal
factores determinantes (4, 8). No mesmo sentido se dos nadadores. Em contrapartida, Karpovich (11),
tem justificado o hábito de revestir a superfície Alley (1) e Counsilman (7) referem que a intensidade
cutânea com substâncias gordurosas diversas, bem da força de arrasto passivo é tanto superior quanto
assim como a opção por tecidos de textura lisa na maior for a superfície corporal do nadador.
concepção de fatos de banho (2, 16). Cazorla (2) refere que o arrasto de fricção é
negligenciável em nadadores, só representando uma
2.1. Importância do arrasto de fricção em natação parcela significativa do arrasto total para corpos
Na literatura especializada pode constatar-se que, hidrodinâmicos deslocando-se a velocidades muito
muito embora as opiniões não sejam unânimes, a elevadas. Nesta perspectiva, qualquer eventual
maioria dos autores considera que o arrasto de redução da intensidade do arrasto de fricção
fricção desempenha, em natação, um papel de decorrente de práticas de depilação ou outras, não
somenos importância relativamente às componentes teria expressão significativa na prestação desportiva
de pressão e de onda. Kozel (12) refere que, pelo do nadador (7).
menos para baixas velocidades da nado, o arrasto de Um argumento teórico parece reforçar as opiniões
pressão desempenha um papel predominante na relativas ao reduzido significado do arrasto de
intensidade da força de arrasto oposta ao fricção em natação: para valores elevados do número
deslocamento do nadador. Counsilman (6), de Reynolds (Re) - como presumivelmente ocorre no
reportando-se a nadadores, e Prance e Schmidt- caso do corpo humano - o escoamento é
Nielsen (19), referindo-se a patos, salientam que, supostamente turbulento (4, 8). Nestas condições,
para velocidades elevadas, o arrasto de onda Douglas et al. (8) referem que, para que se respeite a
desempenha um papel preponderante na intensidade condição fundamental de não deslocamento das
do arrasto total e Clarys (3) refere que, atendendo partículas de fluido adjacentes à superfície do corpo,
aos valores supostamente muito elevados do arrasto é imprescindível que se estabeleça uma subcamada
segundo a qual a depilação poderia influenciar tempo de prova em 200m livres, podemos verificar
positivamente o rendimento desportivo do nadador, que conferem grande relevância às repercussões
quanto mais não fosse por se repercutir desportivas da depilação. Naturalmente que
favoravelmente nas sensações quinestésicas e na resultados tão exuberantes sugerem grande
predisposição psicológica do indivíduo para a ponderação na sua interpretação e, naturalmente,
competição (7, 18, 2, 16). recomendam a realização de aproximações ulteriores
A inconsistência dos argumentos relativos à que confirmem ou infirmem as respectivas
melhoria das sensações quinestésicas parece, porém, conclusões. O mesmo decorre da reduzida extensão
ser pelo menos tão acentuada quanto a dos da amostra testada (n=6) e o também reduzido
referentes às repercussões hidrodinâmicas da poder discriminativo do indicador utilizado.
depilação, restringindo-se, segundo Sharp et al. (21), Importa, portanto, conseguir-se novos contributos
ao domínio especulativo. Na mesma perspectiva, que esclareçam mais consistentemente esta
parece desajustado o incentivo às práticas de problemática, nomeadamente no que respeita à
depilação apenas com o objectivo de favorecer a efectiva importância da depilação e, sobretudo, da
predisposição psicológica do atleta, uma vez que a sua aparente influência poder decorrer, ou não, de
psicologia desportiva dispõe de meios de intervenção uma diminuição do arrasto de fricção. De facto, a
mais eficazes e menos cruentos. metodologia empregue por Sharp et al. (21) não
Em síntese, se não são razões sólidas de natureza exclui a possibilidade do aumento da economia
hidrodinâmica a conferir legitimidade à prática de motora se dever, no todo ou em parte, a um
depilação pré-competitiva e procedimentos aumento da eficiência propulsiva decorrente de uma
similares, não parecem ser razões de natureza melhoria das sensações quinestésicas. Isto,
psicológica ou quinestésica a consegui-lo. entretanto, já seria possível se se comparassem
Há já algum tempo, porém, foram publicadas directamente as forças de arrasto activo nas duas
evidências que parecem contribuir, se não de forma situações ou, pelo menos, se as diferenças registadas
inequívoca, pelo menos de forma importante para o em natação livre não se observassem em natação
esclarecimento do problema. Referimo-nos muito estacionária para os mesmos indivíduos. Os
concretamente aos resultados dos estudos de Sharp resultados de Sharp et al. (21) impunham, portanto
et al. (21) e de Sharp e Costill (22). futuros desenvolvimentos experimentais, os quais
Sharp et al. (21) constataram, em dois dias foram tentados por Sharp e Costill (22).
consecutivos, uma redução da razão lactatemia/ Tendo por base estes pressupostos, Sharp e Costill
velocidade (economia) para a técnica de crawl em (22) estudaram o efeito da depilação na resposta
consequência da depilação. As diferenças entre a fisiológica de 13 nadadores a um teste de natação
provas realizadas antes e depois da depilação foram livre e a um teste de natação estacionária (tethered
estatisticamente significativas (p<0.05) quer para swimming) e as suas repercussões na desaceleração
velocidades submáximas, quer para velocidades verificada durante o deslize após uma impulsão
máximas. No primeiro caso a diferença média foi de máxima na parede testa da piscina, num outro grupo
28 (±7) % e, no segundo, de 23 (±3) %. de 18 nadadores.
Segundo os mesmos autores, muito embora não No primeira parte deste estudo, os 13 indivíduos
existam suficientes dados publicados a esse respeito foram divididos em dois grupos: um grupo
e as generalizações sejam obviamente difíceis, o experimental (n=9) e um grupo controlo (n=4).
decréscimo da lactatemia correspondente a uma Todos os indivíduos realizaram dois testes de 365.8
dada velocidade ao longo de uma época desportiva, m bruços à mesma velocidade (90% do melhor
em consequência do treino, varia entre 27 e 35%, tempo de treino), separados de uma semana, e dois
permitindo a depilação, de um dia para o outro, por testes de 8 mn em natação estacionária com cargas
si só, reduções de 23 a 28%. Se a isto juntarmos que, progressivas, também separados de uma semana. No
em termos de performance, os resultados de Sharp et segundo teste de natação livre e de natação
al. (21) apontam para uma redução de 6.6 s no estacionária os indivíduos do grupo experimental
depilaram-se e os indivíduos do grupo controlo não. no período que mediou entre os dois testes. Apesar
Os autores puderam constatar que entre os dois de, por dificuldades com o equipamento de
testes de natação livre: (i) a distância percorrida por avaliação, não terem registado o VO2 no grupo
ciclo aumentou significativamente (0.24 m/ciclo, controlo e de, por isso, não poderem afirmar que o
p<0.05) no grupo experimental e não variou no custo energético foi reduzido em consequência da
grupo controlo; (ii) o VO2 determinado nos depilação, os autores referem não lhes parecer
primeiros 40 s de recuperação diminuiu coerente, em face dos resultados obtidos, que o
significativamente (p<0.05) no grupo experimental grupo controlo tenha experimentado uma elevação
(0.33 l.mn-1) não tendo sido testado no grupo da economia motora.
controlo; (iii) a lactatemia de 2 mn de recuperação Os resultados obtidos em natação livre, quando
diminuiu significativamente (p<0.05) no segundo comparados com os de natação estacionária,
teste para o grupo experimental (- 1.68 mmol.l-1 - sugerem que a depilação reduziu o arrasto e,
21%) e aumentou para o grupo controlo (+ 1.55 consequentemente, o custo energético da natação
mmol.l-1) e (iv) a frequência cardíaca diminuiu livre, não se repercutindo na natação estacionária
também no grupo experimental (- 6 bat.mn-1) e não porque o arrasto activo tem, nesta situação, uma
variou no grupo controlo. Entre os dois testes de influência muito reduzida ou inexistente. Esta
natação estacionária constataram que a frequência perspectiva é reforçada se se considerar que a
cardíaca, o VO2 do último minuto de esforço e a habilidade para produzir força propulsiva não se
lactatemia de 2 mn não variaram a qualquer das alterou, tendo, todavia, aumentado a distância
intensidades entre o primeiro e o segundo teste, percorrida por ciclo em consequência da depilação.
quer para o grupo controlo quer para o grupo Os resultados de acelerometria passiva concorrem
experimental, tendo podido observar que também a também para a mesma conclusão.
força propulsiva e a potência máximas não variaram Uma última questão prende-se com a componente
significativamente entre o primeiro e o segundo do arrasto que, possivelmente, terá sido mais
teste para qualquer dos grupos. influenciada pela depilação. Na opinião de Sharp e
Na segunda parte do estudo, os 18 indivíduos foram Costill (22), quer o arrasto de fricção, quer o de
divididos em dois grupos de 9, um servindo como pressão e de onda podem ser influenciados por
grupo controlo e outro como grupo experimental. aquele procedimento. Todavia, repercutindo-se este
Todos os indivíduos realizaram duas séries de 6 mais nas características da superfície de contacto
impulsões da parede testa da piscina em dias entre o corpo do nadador e do fluido, parece-nos ser
consecutivos, tendo os indivíduos do grupo lícito esperar que o arrasto do fricção seja aquele que
experimental sido depilados antes da segunda série. A mais significativamente é afectado pela depilação, o
velocidade máxima após a impulsão foi similar para que, a ser verdade, lhe confere uma expressão no
os dois grupos e para o primeiro e segundo testes. A rendimento desportivo em natação que, como vimos,
desaceleração, porém, foi significativamente inferior não é reconhecida por diferentes autores.
no grupo experimental quando os indivíduos se Os resultados dos estudos de Sharp et al. (21) e de
encontravam depilados, não tendo sido registadas Sharp e Costill (22) parecem-nos: (i) conferir
diferenças significativas entre o primeiro e segundo significação objectiva e legitimar a tradicional prática
teste para o grupo controlo. A aceleração negativa de depilação pré-competitiva dos nadadores, pelo
instantânea foi superior para velocidades elevadas e menos enquanto não estiverem disponíveis
inferior para velocidades mais baixas. evidências em contrário e (ii) sublinhar, junto dos
O decréscimo na concentração sanguínea de lactato técnicos, a potencialmente elevada relevância
observada em consequência da depilação por Sharp e desportiva dos progressos de natureza técnica em
Costill (22) é semelhante à registada por Sharp et al. geral e hidrodinâmica em particular, numa altura em
(21) - 23% - e a ausência de alterações no grupo que as preocupações a este nível parecem ainda ser
controlo sugere que as primeiras não se ficaram a pouco relevantes no contexto global das tarefas de
dever às actividades desenvolvidas pelos nadadores preparação desportiva de nadadores.
3. CONCLUSÕES
Do que acabamos de expor, parece-nos possível
retirar as seguintes conclusões:
CORRESPONDÊNCIA
J. Paulo Vilas-Boas
Faculdade de Ciências do Desporto
e de Educação Física da Universidade do Porto
Rua Dr. Plácido Costa, 91
4200 Porto
Portugal
[jpvb@fcdef.up.pt]
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J. A. Duarte
M.P. Mota
M.J. Neuparth
H.J. Appell
J.M.C. Soares
Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física
Universidade do Porto, Porto, Portugal
RESUMO ABSTRACT
O exercício físico exaustivo e inabitual induz alterações Exercise induced muscle damage.
estruturais e ultra-estruturais musculares esqueléticas cuja Anatomopathology and Physiopathology.
fisiopatologia é ainda pouco clara. Neste trabalho são
descritas, em pormenor, essas alterações observadas após Exhaustive and unusual physical exercise induces structural
exercício, dando especial realce às irregularidades do padrão and ultra-structural alterations in skeletal muscular whose
estriado, à palidez de coloração com o ácido periódico de physiopathology is still unclear. These alterations are described
Schiff, à vacuolização sarcoplasmática, às áreas de necrose in detail, giving special importance to irregularities of cross
segmentar, à presença de núcleos centrais, à activação das striated pattern, paleness with Schiff periodic acid,
células satélite e fibroblastos, ao edema intra-celular e à vacuolization, segmental necrosis, central nuclei, activation of
reacção inflamatória muscular com infiltração de fagócitos. São satellite cells and fibroblasts, intra-cellular edema and to the
ainda analisados os seus tempos de aparecimento e os muscular inflammatory reaction with phagocytes infiltration.
hipotéticos mecanismos subjacentes. Na génese destas Their onset times and hypothetical underlying mechanisms are
anomalias parecem estar factores de natureza metabólica e also analyzed. In the origin of these anomalies are metabolic
mecânica, sendo a participação de cada um condicionada pelo and mechanical factors whose contribution is conditioned by
tipo de exercício efectuado. Tudo indica que o quadro the type of exercise. Experimental data suggests that
anatomopatológico seja variável, com predominância de um ou morphological characteristics of muscle damage induced by
outro tipo de alterações, em função do exercício realizado. exercise are variable according to the metabolic or mechanical
stress of exercise.
Palavras-chave: Miopatia do exercício, alterações estruturais
musculares, fisiopatologia, factores condicionantes. Key Words: Exercise induced muscle damages, structural
damages, Physiopathology.
sub-letais induzidas pelo exercício, são idênticas às De acordo com a literatura (6, 7), estas alterações
descritas para a célula em geral, apresentando, no estruturais poderão ter uma origem mecânica, uma
entanto, alterações histológicas adicionais que estão, vez que (1) são observadas logo após a finalização
naturalmente, relacionadas com a especialização da do exercício físico, (2) parecem relacionar-se
fibra muscular. directamente com a percentagem de contracções
Um tipo de alterações, consequente da diferenciação excêntricas realizadas, (3) a sua incidência e
da fibra muscular, é vulgarmente encontrado, em intensidade não se modificam em função do tempo
cortes longitudinais à microscopia de luz, logo após decorrido após exercício e (4) revelam uma
a finalização do exercício físico e consiste, coloração pálida, talvez pela diminuição de material
estruturalmente, na desorganização do padrão contráctil induzida pela tracção mecânica.
estriado (Fig. 2 e 3). Consequente às fortes tracções mecânicas a que as
fibras se sujeitam, não só as proteínas contrácteis e
do citosqueleto podem ficar afectadas, mas também
as diferentes membranas celulares podem ser
atingidas (Fig. 3), com a consequente perda da
homeostasia celular a vários iões, particularmente ao
ião cálcio (14).
Em termos ultra-estruturais, as irregularidades do
padrão estriado, observadas à microscopia de luz,
Figura 2. Fotografias de microscopia óptica (A, 615x) e electrónica (B, parecem corresponder às alterações nas linhas Z, tais
918x) em corte longitudinal, de músculo soleus de animais como a disrupção, o esbatimento ou a extensão do
sacrificados logo após exercício, mostrando a presença de
irregularidades do padrão estriado (*) intervaladas com zonas de material dessas linhas para as bandas I adjacentes (6,
contracção das miofibrilas (setas). 7). Esta anomalia, atinge, frequentemente, a
totalidade das linhas Z dos sarcómeros adjacentes,
Esta desorganização, habitualmente designada por ocupando, frequentemente, toda a largura da fibra
irregularidade do padrão estriado, manifesta-se por muscular. Em muitos casos, o número de
um alargamento das bandas isotrópicas (I) e sarcómeros em série atingidos ultrapassa as duas
anisotrópicas (A), com esbatimento da coloração dezenas (6). À microscopia electrónica, as zonas de
muscular, estando frequentemente intercalada por maior coloração que as intercalam resultam, de
áreas onde a largura das bandas I se encontra facto, da diminuição do comprimento dos
diminuída, apesar das dimensões das bandas A sarcómeros, com acentuada redução das bandas I
permanecerem constantes, sugerindo interacção das sem qualquer alteração nas dimensões das bandas A
proteínas contrácteis nessas zonas (3, 6, 7). Em (Fig. 2). Quadro morfológico semelhante pode
consequência, a coloração muscular nessas áreas é também ser encontrado em indivíduos saudáveis e
mais carregada (Fig. 2 e 3). assintomáticos, embora com menor incidência e
intensidade (resultados não publicados). Estas zonas
de maior densidade tecidual correspondem,
necessariamente, a áreas onde as proteínas
contrácteis interagem, sugerindo, por isso, a
existência de grandes quantidades de ião cálcio
sarcoplasmático disponível para ligação à troponina
C (7, 14). Este ião poderá ter origem extra-celular,
por atingimento sarcolemal, como a Fig. 3 sugere, ou
Figura 3. Fotografias de microscopia óptica, do músculo soleus, em
corte longitudinal (A, 313x; B, 615x), de animais sacrificados logo
intra-celular, por perda da permeabilidade selectiva
após exercício, mostrando irregularidades do padrão estriado (*) da membrana do retículo sarcoplasmático (16).
intervaladas por zonas de contracção das miofibrilas (setas). De Logo após a finalização do exercício físico,
notar que estas zonas de interacção miofibrilar estão intimamente
relacionadas com o sarcolema.
particularmente se este tiver um predomínio de
mitocondrial (para refs. ver 6). Estes sinais Um a três dias após o exercício, a resposta
histológicos de autofagia, nomeadamente os vacúolos inflamatória nos músculos agredidos parece estar
autofágicos e os corpos esfero-membranosos, são completamente estabelecida, com fagócitos
pouco frequentes na primeira hora após a finalização dispersos pelo endomísio e no interior de algumas
do exercício, aparecendo com maior frequência entre fibras lesadas (Fig. 8, 9 e 10) (9). Os mononucleares
o 2º e o 7º dia (para refs. ver 6). incluem principalmente macrófagos, originados dos
Em termos gerais, tudo indica que ao longo do tempo monócitos que infiltraram o músculo, e alguns
após exercício, as fibras agredidas iniciam um linfócitos B, T e linfócitos T citotóxicos (Fig. 8, 9 e
processo de autodestruição, lisando as miofibrilas e 10), originando um infiltrado celular semelhante ao
promovendo não só a disrupção das mitocôndrias, do descrito nas miopatias inflamatórias, apesar dessa
sarcolema e do retículo sarcoplasmático, mas também invasão linfocitária, motivada pelo exercício, nem
a autofagocitose e a activação lisossómica (6, 7). As sempre ser descrita na literatura (para refs. ver 7). O
anomalias histológicas musculares, motivadas por facto das fibras agredidas poderem expor
este processo intrínseco às próprias fibras, apesar de determinados antigéneos, até aí estranhos ao
apresentarem algumas características próprias, sistema imunológico, poderá justificar a activação e
relacionadas com a diferenciação celular, constituem participação linfocitária tanto nas miopatias
um bom exemplo da acentuada analogia morfológica inflamatórias como nas lesões consequentes ao
verificada na resposta dos diferentes tecidos à exercício (7). A presença de grandes quantidades de
agressão em geral (3, 17). O facto da resposta monócitos também poderá ser explicada pelo facto
morfológica muscular induzida pelos diferentes tipos dos seus factores quimiotácticos específicos serem,
de estímulos lesivos ser também análoga (1, 2, 8, 10, aparentemente, os produtos de degradação do
11, 19, 21), reforça ainda mais a hipótese dos colagénio, cujo aparecimento se verifica logo após o
mecanismos bioquímicos de degradação celular serem exercício (para refs. ver 6, 7). A presença de alguns
comuns às diferentes agressões. eosinófilos (Fig. 9) poderia sugerir uma etiologia
Entre 4 a 6 horas pós-exercício, é vulgar observar-se imunológica, hipótese até agora não confirmada.
a infiltração, em grande quantidade, de
mononucleares, bem como de alguns
polimorfonucleares, com carácter focal, bem
evidente na periferia das áreas necrosadas (Fig. 5, 6,
8, 9 e 10).
Figura 8. Fotografias de microscopia electrónica (A, 1540x) e Com excepção do tipo predominante dos leucócitos
microscopia óptica (B, 615x), do músculo soleus, de animais invasores, a resposta inflamatória aguda, motivada
sacrificados 24 horas após exercício. É notória uma célula com
vacúolos típicos (setas) das “Natural Killer Cell”, e uma área de pela agressão do exercício físico, parece ser idêntica
infiltração de mononucleares e polimorfonucleares (*) onde ao modelo padrão, estando descritos desgranulação
também são visíveis algumas estruturas celulares, mastocitária, elevação do catabolismo muscular,
hipoteticamente mioblastos e miotúbulos.
aumento da permeabilidade vascular com edema
tecidual e presença de factores do complemento, de
fibrinogénio e de albumina nas zonas lesadas (para
refs. ver 6, 7). Atendendo ao potencial efeito
81
Encontro “A Universidade nos anos 2000”
Síntese e conclusões
Nos dias 27 a 30 de Março de 2001 reuniu na Antes instituição social, a universidade tende hoje a
Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação ser convertida numa organização empresarial, numa
Física da Universidade do Porto um representativo instituição prestadora de serviços em que o produto
número de especialistas nacionais que discutiram o universitário é definido pelo economicismo como
tema “A Universidade nos anos 2000”, no âmbito um produto industrial, ainda que de tipo especial.
das comemorações dos 25 anos de integração desta Esta ideia de organização empresarial, aponta para
Faculdade na Universidade. critérios de gestão racionalizados e optimizados.
A reunião foi organizada em 7 painéis: Missão e Nela, as mais valias resultantes do trabalho não
funções da universidade; Investigação: construção do remunerado dos órgãos de gestão, professores etc.,
conhecimento; Utilidade social do conhecimento; A são completamente destruídas pelos gestores
presença da qualidade e a cultura da organização; profissionais, criando por parte dos universitários
Ensino-aprendizagem e didáctica no ensino superior; uma total falta de cooperação, muitas vezes
A multidimensionalidade da ética no ensino motivada pela simples reacção ao autoritarismo e
superior; e A universalidade da universidade. pesporrência de uma gestão profissionalizante.
O elevado nível das apresentações e dos debates que Esta sedução da universidade pela lógica das
se seguiram proporcionaram momentos raros de organizações empresariais, pelo apelo dos mercados,
reflexão sobre um tema da maior actualidade para a colide com a missão e as funções da universidade, no
Universidade Portuguesa e para o país. seu alcance e visão prospectivos, no distanciamento
Do encontro emergiram ideias que, pela sua das modas, na intervenção com espírito crítico. E
importância, recomendam a maior divulgação junto com isto destruindo as forças e capacidades
de todos – pessoas e instituições – a quem inovadoras da instituição universitária. Uma certa
interessam os problemas da universidade desordem, tão pouco do agrado dos gestores
portuguesa. profissionais, parece ser fundamental para que a
energia criativa dos universitários se possa libertar, o
A universidade moderna nasce no final do Séc. XVIII que não é possível num ambiente rígido que a
princípio do Séc. XIX com as reformas de Humboldt contrarie.
na Prússia e Napoleão em França. Pensada Apesar de na Europa alguns países ensaiarem
fundamentalmente como um instrumento de passos no sentido da profissionalização da gestão
construção do Estado-Nação e de modernização do das universidades – veja-se os casos de países como
sector público e administrativo, ultrapassou este a Inglaterra, a Holanda, ou a Noruega – mesmo
carácter utilitário, estabelecendo também um países como os USA repensam este quadro à luz
compromisso com o livre pensamento, as ideias e a das experiências de insucesso mais recentes.
atitude crítica. Isto manteve-se durante o estado- Alberto Amaral defende claramente um modelo de
providência. gestão das universidades baseado no saber e
conhecimento dos universitários sobre a missão e Homem plenamente Homem. Numa formação e
funções da universidade, embora apoiado na preparação para a vida que tem o estudante como
experiência e competência de assessores nas áreas parte activa do processo de formação, de construção/
técnicas da gestão. reconstrução do conhecimento, das exigências da
A universidade é um organismo de complexidade cidadania e não como um receptor passivo dos
crescente hoje em crise, por desajustada da realidade conhecimentos transmitidos.
social entretanto profundamente alterada. Mas já Adriano Moreira cita Alvin Toffler, para referir que o
sobreviveu a outras crises. Também esta poderá ser poder que o saber difundido pela universidade
superada se tiver a capacidade de se pensar, confere é um agente de democratização da
retomando o sentido substantivo da sua missão e sociedade, por estar ao alcance de todos os estratos
das funções que conduzem ao cumprimento daquela. sociais. Mas, mais do que a informação que
Que universidade queremos? Uma universidade transmite, por ofício, aos seus discentes, justificar-
voltada essencialmente para a criação, preservação e se-á porventura que a universidade cuide da sua
aprofundamento do saber ou para a satisfação das formação e aculturação.
necessidades de curto prazo? Este um grande desígnio da Universidade que,
O isolamento da universidade tradicional no seu superadas as fases teológica e ideológica, deverá
espaço físico não deve ter como contrapartida, na assumir a sua dimensão antropológica. Não
universidade contemporânea, uma intervenção sem construída unilateralmente na vontade contra o
limites no exterior, ou fazer desta um objectivo intelecto, mas edificada na afirmação de uma
primordial. Se hoje se rejeita a figura da universidade pluridimensional, plena, com verdade e
universidade fechada sobre si própria, a orientação com valores. Uma Universidade obra do Homem,
estrita para a satisfação das necessidades de curto para servir a auto-construção do Homem. No reforço
prazo também é prejudicial à universidade. Interessa do compromisso com o culto da verdade, a
pois preservar a identidade, sem descurar a abertura valorização do saber e a intervenção cultural.
ao exterior.
Como diz o Prof. Adriano Moreira na sua notável Portugal precisa de se afirmar como país produtor do
intervenção, a universidade quando pensa já está a conhecimento. A investigação deve por isso
intervir. E comprometida com um desígnio constituir para todos – Governo, universidades,
fundamental da sua própria missão. professores – uma prioridade nacional.
A missão da universidade resulta de um mandato Torna-se imperativo estimular a necessidade de
que a sociedade civil, através das suas instituições, perguntar, querer saber, problematizar. A construção
lhe cometeu. Qual o sentido deste mandato? do saber tem que começar durante a infância, nas
A procura da verdade, até 1900; a vontade de fazer, a idades em que a curiosidade é maior e em que o
partir desta mesma data. Mais importante do que nosso tradicional sistema de educação ainda não
compreender a realidade, é transformá-la - Karl Marx interveio, inibindo a curiosidade. Estamos a
dixit - ou a emergência da ideologia dos escombros desperdiçar o capital humano, as oportunidades.
da axiologia. Vamos a caminho da globalização, mas de uma
Mas é diferente a universidade contemporânea. globalização em inglês. Só poderemos evitar isto
Pensar, valorar, agir, constitui, na opinião de Manuel com projectos e realizações. Deve, por isso, ser
Patrício, o triângulo funcional da universidade: o evitado o esvaziamento do nosso país da massa
conhecimento, pelo desenvolvimento da ciência; os crítica que tem buscado fora de portas as condições
valores, pela promoção da cultura; a acção que aqui não lhe são oferecidas. A possibilidade de
transformadora, no desenvolvimento tecnológico trabalhar em centros avançados no estrangeiro é
suportado pelo conhecimento científico. uma sedução a que os mais dotados não resistem.
Hoje a missão da universidade confronta-se mais Aos apelos do regresso contrapõem a inércia da
com uma concepção do Homem acerca de si próprio, burocracia universitária. Diz um colega português,
sob o signo do Ser, da vontade de ser. De um exilado de circunstância: - no MIT, se preciso de um
equipamento de investigação pela manhã só tenho deste estado de coisas supõe um diálogo mais aberto
de esperar até ao meio-dia. Que não mais existam e descomplexado entre académicos e profissionais.
circunstâncias que levem ilustres cientistas A valorização do conhecimento exige avaliação. Se
portugueses a expatriar-se. bem que autónoma na sua acção, a instituição
Deve estimular-se a competitividade, a emulação, universitária – quer a pública quer a privada - não
entre escolas e universidades. Num desafio pode furtar-se à exigência da qualidade, aferida no
permanente de superação das barreiras. desempenho, e à acreditação dos conteúdos
Os doutoramentos em Portugal têm-se quase curriculares e dos métodos de ensino.
confinado ao espaço e vida académicos. Os doutores Há uma desvalorização da profissão, na qual tem
não são aceites nas empresas. Deve existir um justo um papel importante o laxismo da universidade, da
equilíbrio entre o interesse científico e a relevância qual saem com aproveitamento todos os
para a sociedade, estabelecendo-se formas de estudantes, os bem e os mal preparados, para
cooperação com as empresas. justificar as ratios e os orçamentos.
A ciência deve pois ser útil. Uma utilidade que O conhecimento só terá utilidade social se se
signifique o conhecimento do mundo pelo Homem promover a responsabilidade dos académicos, a sua
que nele habita. competência, uma cultura da exigência. E não há
É a natureza interdisciplinar dos projectos de utilidade social do conhecimento sem este estar
investigação que explica o êxito de muitos desses referenciado aos valores do novo milénio. Deve
projectos. A interdisciplinaridade na investigação prevalecer o primado da comunidade sobre o
concorre para o progresso do conhecimento. Deve indivíduo e ser imposta a responsabilidade social,
por isso ser recusado qualquer princípio da para que os profissionais, na sua actividade
hierarquia e ser promovida, cada vez mais, a ideia de individual, pensam mais em serviço. Estamos a
interdisciplinaridade, envolvendo ciências básicas e transformar-nos numa sociedade de direitos e não
ciências aplicadas, ciências duras e ciências moles. de deveres.
Deve promover-se, de forma consequente, uma A aceleração da vida moderna impõe à universidade,
concepção de ciência mais lata. O conhecimento como condição de subsistência, a sua rápida, senão
científico não é só o que é exacto, é também o outro síncrona, adaptação às exigências da sociedade civil.
que não é construído pela linguagem matemática, Mas, a avaliação da utilidade social do conhecimento
mas nem por isso é menos rigoroso. implica a análise das necessidades sociais.
A investigação em Portugal não tem sido uniforme. Devem ser contrariados os excessos de
Algumas áreas são mais financiadas do que outras e especialização, em cada um conhece na perfeição o
os fundos têm sido insuficientes para todas. seu papel, mas desconhece o nome e o enredo da
As unidades de investigação estão perante peça. Tem que se repensar a formação nas
dificuldades: falta de pessoal técnico de apoio à Faculdades, evitando a proliferação de cursos e
investigação, desactualização dos equipamentos, cursinhos. Portugal é um país com demasiados
verbas diminutas, problemas resultantes do cursos de pós-graduação, sendo que esta é apenas
alheamento dos responsáveis. uma estratégia para adiar o desemprego, sem
utilidade social nenhuma.
A utilidade social do conhecimento feito nas É acentuada a importância da qualidade da vida
universidades nem merece discussão. O que não institucional para a produtividade do ensino e a
significa a sua utilização. Uma coisa é a utilidade fertilidade da investigação.
social do conhecimento, outra coisa é a utilização
social do conhecimento. A presença da qualidade e a cultura da organização
Os divórcios entre a universidade e a sociedade na universidade portuguesa – qual o estado da
encontram concretização nas dificuldades de situação?
utilização do conhecimento, que diminuem ou Em alguns casos as escolas da universidade
mesmo anulam a sua utilidade social. A superação portuguesa não são mais do que “grandes liceus”.
Permissividade, incapacidade de promoção da espaço de quatro anos. Isto significa que, ainda
equidade, fosso entre o discurso e a prática… durante a sua estadia na universidade, os
Torna-se indispensável apontar problemas, é urgente conhecimentos dos estudantes de biologia já estão
definir critérios, referenciados a padrões elevados: desactualizados. Os alunos devem pois ser educados
no desenvolvimento de sistemas de regulação da para pensarem que nem tudo o que a universidade
qualidade pedagógica e da qualidade científica, no lhes diz é verdade.
desenvolvimento de sistemas de informação, na
criação de observatórios de actividade profissional. Num mundo que privilegia o ter em relação ao ser, a
universidade tem valido pelos diplomas que
O que ensinar? Como ensinar? A criação científica concede.
é uma aventura intelectual recente, de cerca de 4 A ética na universidade deve ser uma ética da
000 anos. Mas só a paz, no pós-guerra, permitiu, já responsabilidade, dos princípios. A universidade foi
neste século, os casamentos interdisciplinares das construída sobre valores sociais, está ao serviço da
ciências e das tecnologias que estão a permitir os sociedade, e não ao serviço individual. Uma
grandes avanços. sociedade em que os valores individuais fossem os
O que deve então mudar? Impõem-se novas únicos tenderia a desaparecer.
didácticas no ensino? Deverá o ensino continuar a A universidade deve reencontrar-se com o seu
ser tradicional, muito centrado no ensino magistral? sentido mais profundo: o do Homem, o dos valores.
As aulas teóricas não acabam, o ensino magistral não No inconformismo, contra a medíocridade. Uma
está esgotado. Aquilo que se ouve, não é o que se universidade do Homem e para o Homem, no
esquece mais depressa: depende do que se ouve, da respeito pela Natureza.
forma como se ouve, do interesse dedicado ao
objecto da lição. CONCLUSÕES
Mas há um défice de prestígio do ensino expositivo, 1. Muitas das questões referidas e debatidas e as
já que, sendo o mais praticado, é o mais visado pelas soluções apresentadas apontam para uma
críticas. Deve, por isso, reequilibrar-se o peso das modificação das condições de funcionamento da
aulas magistrais, práticas e laboratoriais. Criar uma universidade. Mas enquanto vigorarem as
maior diversidade didáctica, tornando mais atraentes restrições ditadas por condicionalismos de ordem
os métodos de ensino, não os fazendo depender das económica nada, ou muito pouco, poderá ser feito
formas tradicionais. para melhorar a situação actual. A solução dos
Os docentes do ensino superior devem desenvolver problemas da universidade, como também de
competências e ser preparados para ensinar. outros da sociedade portuguesa é, pois, de
Revitalizemos a relação mestre/aluno. Como disse o natureza política.
Professor Nuno Grande, de uma forma radical, a 2. Portugal e a universidade têm saídas para o futuro
universidade onde não há a relação mestre/aluno que têm de passar, inexoravelmente, por: (i) uma
não existe. Se o professor não consegue fazer melhor profunda reforma do estado e da sociedade; (ii)
do que a própria máquina, então algo está mal no uma exigência de empenhamento total; e (iii) uma
nosso ensino. atitude competitiva, corajosa e responsável
Mas o ensino magistral é, justamente, um dos perante os desafios dos principais actores em cada
terrenos onde dificilmente a tecnologia se sector da vida portuguesa.
substituirá ao professor, na importância do seu 3. A instituição universitária vive uma crise sem
papel, na “retórica”, numa forma de ser e estar que precedentes, mas as ofertas de cursos não param
provoca o pensamento, a inteligência. Os alunos de aumentar. Abrindo-se ao exterior, numa
devem ser confrontados com os problemas que lhe exigência contemporânea, a universidade não
são postos, procurando encontrar respostas, mais do pode perder a identidade, o seu sentido de missão.
que esperar soluções. Cerca de 25% do A universidade deve permanecer uma instituição
conhecimento biológico fica desactualizado num social ao serviço do saber e não uma organização
com uma lógica empresarial. A universidade não A importância dos contributos apresentados a este
serve interesses, serve causas! encontro justifica a sua publicação. A Universidade
4. Devem ser repensados os modelos de formação, do Porto deverá apoiar a divulgação nas
os métodos de ensino, promovida a aprendizagem, universidades portuguesas das actas da reunião,
num quadro interdisciplinar, mais aberto, mais proporcionando aos universitários que não puderam
flexível, tributário de experiências variadas em estar presentes neste encontro uma oportunidade de
culturas diversificadas. Para cabal cumprimento da reflexão sobre os temas nele debatidos.
sua função social, compete à universidade
promover o desenvolvimento mental dos jovens Porto, 30 de Março de 2001
que a frequentam, de par com a transmissão dos
conhecimentos que habilitam ao exercício de uma António Teixeira Marques
profissão. José Ferreira da Silva
5. A investigação pura, sem limites de tempo e de Maria Luiza Kent-Smith Amaral
aplicabilidade, deve ser um objectivo da
universidade. Esta deve ser pensada como um
espaço de liberdade científica e de criação do
conhecimento.
6. Deve fazer-se da avaliação um exercício
permanente, criando sistemas de regulação da
qualidade, aferindo o desempenho, os conteúdos e
os métodos de ensino.
7. Deve existir uma ética do dever e não uma ética
dos direitos. Temos de vestir a camisola da
universidade. Ter o sentido de serviço. O serviço
do professor é uma missão, não uma função. Mas
é preciso dignificar as carreiras universitárias,
acabando com um enquadramento normativo
arcaico, no actual Estatuto da Carreira Docente
Universitária, que prejudica o mérito, os ideais e
institui o carreirismo. Só assim haverá dedicação
plena à causa universitária.
8. No princípio de mais um século, restará à
universidade portuguesa e ao país retomarem o
sentido da aventura conscientemente assumido.
Com a História e a inerente responsabilidade por
estímulo, e nunca como paliativo.
9. A contemporaneidade deve ser um valor para a
universidade. Nunca, como hoje, os povos de todo
o mundo viveram em condições tão discrepantes.
É preciso disponibilizar o saber universal
desenvolvido nas universidades a todas as
comunidades. Temos, por isso, que desenvolver a
cooperação entre os povos por forma a eliminar as
gritantes assimetrias tão visíveis no mundo actual
e que a globalização tende a agravar.
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
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INVESTIGAÇÃO REVISÃO
Janeiro·Junho
revista portuguesa de
Vol. 1, Nº 2
Publicação semestral
Vol. 1, Nº 2, Janeiro·Junho 2001
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