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INVESTIGAÇÃO REVISÃO

revista portuguesa de ciências do desporto


Capacidade aeróbia em futebolistas de elite A importância da depilação no rendimento
em função da posição específica no jogo desportivo em natação
P.J. Santos, J.M. Soares J.P. Vilas-Boas
Avaliação isocinética da força muscular Miopatia do Exercício. Anatomopatologia e Fisiopatologia
de atletas em função do desporto praticado, J.A. Duarte, M.P. Mota, M.J. Neuparth,
idade, sexo e posições específicas H.J. Appell, J.M.C. Soares
J.Magalhães, J.Oliveira, A.Ascensão, J.M.C. Soares
Crescimento, maturação, aptidão física,
força explosiva e habilidades motoras específicas.
Estudo em jovens futebolistas e não futebolistas
do sexo masculino dos 12 aos 16 anos de idade
Seabra, J.A. Maia, R.Garganta
O jogo como fonte de stress no basquetebol infanto-juvenil
D. De Rose Jr., S.R. Deschamps, P. Korsakas
Desporto de crianças e jovens
– um estudo sobre as idades de iniciação
Francisco M. Silva, Larissa Fernandes, Flórida O. Celani
As actividades desportivas no Porto de 1900
J.V. Ferreira, A.G. Ferreira

Janeiro·Junho

revista portuguesa de
Vol. 1, Nº 2

Publicação semestral
Vol. 1, Nº 2, Janeiro·Junho 2001
ISSN 1645–0523, Dep. Legal 161033/01 A RPCD é subsidiada pelo

ciências do desporto Volume 1 · Nº 2


Janeiro·Junho 2001
2001
Revista Portuguesa de Ciências do Desporto
Publicação semestral da Faculdade de Ciências do
Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto
Vol. 1, Nº 2, Janeiro·Junho 2001, ISSN 1645-0523. Dep. Legal 161033/01

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Revista Portuguesa de ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO
Ciências do Desporto
7 Capacidade aeróbia em futebolistas de elite
em função da posição específica no jogo
Vol. 1, Nº 2, Janeiro·Junho 2001
ISSN 1645-0523 P.J. Santos, J.M. Soares
Dep. Legal 161033/01 13 Avaliação isocinética da força muscular de atletas
em função do desporto praticado, idade,
sexo e posições específicas
J.Magalhães, J.Oliveira, A.Ascensão, J.M.C. Soares
22 Crescimento, maturação, aptidão física,
força explosiva e habilidades motoras específicas.
Estudo em jovens futebolistas e não futebolistas
do sexo masculino dos 12 aos 16 anos de idade
Seabra, J.A. Maia, R.Garganta
36 O jogo como fonte de stress
no basquetebol infanto-juvenil
D. De Rose Jr., S.R. Deschamps, P. Korsakas
45 Desporto de crianças e jovens
– um estudo sobre as idades de iniciação
Francisco M. Silva, Larissa Fernandes,
Flórida O. Celani
56 As actividades desportivas no Porto de 1900
J.V. Ferreira, A.G. Ferreira

ARTIGOS DE REVISÃO
65 A importância da depilação no
rendimento desportivo em natação
J.P. Vilas-Boas
73 Miopatia do Exercício.
Anatomopatologia e Fisiopatologia
J.A. Duarte, M.P. Mota, M.J. Neuparth,
H.J. Appell, J.M.C. Soares

INFORMAÇÃO
83 Encontro “A Universidade nos anos 2000”.
Síntese e conclusões

A RPCD é subsidiada pelo

Centro de Estudos e Formação Desportiva


Ministério da Juventude e Desporto
Nota editorial
«Das lusofonias»
Jorge Bento

É nossa sina não caber no berço. Desde os primórdios que por todo o lado se confirma o acerto do Pe. António
somos emigrantes. O português pré-histórico já era Vieira, de que Deus nos deu «tão pouca terra para o
aventureiro, navegador, missionário, semeador de cultura. nascimento, e tantas para a sepultura. Para nascer,
(…) Todos os caminhos transversais de Portugal vêm ter ao pouca terra; para morrer toda a terra; para nascer,
mar. Verificá-lo, é avivar na consciência a nossa razão de Portugal; para morrer o Mundo.» Em toda a parte se
ser. Que nascemos para embarcar. Ou de imediato, ou na ouve o eco da Cantiga de Ceilão, de Jorge de Sena, a
lembrança ou na imaginação. atravessar distâncias de oceanos, a murmurar o
Miguel Torga hábito de serões e vigílias, de solidões, tédios e
saudades que, apesar de outros povos, de outros
Uma noite quente e estrelada ergue-se por cima do domínios e de outros reinos, ficaram para sempre
convés do navio em que viajamos ao longo do rio nas memórias teimosas de gente abandonada e
Chao Phraya que banha Banguecoque. O luar de dissolvida, presa por um fio a um país esquecido e
prata refulge nas águas e alumia-nos os olhos que se esquece ao longe, palavra a palavra.
esbugalhados, quando o guia turístico anuncia a Sim, o mundo é, de um extremo ao outro, uma
embaixada de Pro-tu-Ked, levantada na insuperável litania de pegadas sonâmbulas, de pisadas indeléveis
brancura do estilo manuelino. de um passado cujo sentido e memória projectam
O nosso anfitrião apercebe-se da emoção e fala-nos lusofonias pelos séculos fora. Falam-nos de um
de Portugal com respeito, admiração e afecto: «Foi o tempo que já não existe e funcionam como espelho
primeiro povo europeu que aqui chegou e foi o único da realidade. Testemunham que, mais do que o
que não veio para destruir. Veio portador de poder e o dinheiro, foram a alucinação, a inquietação
intenções e propósitos de construir.» dispersiva, a atracção da errância e da diáspora, a
Perguntamos-lhe o que é que os tailandeses sabem demanda de espaços abertos, o absurdo e o sonho, o
do Portugal contemporâneo. A resposta chega fado e a procura do destino os marcos cimeiros da
pronta e cabal: «É isso que aprendemos na escola. colonização portuguesa. Uma aventura em que o
Não é preciso saber mais, porque o sentido da épico ganha a forma e a substância do poético, não
história não se perde.» sendo por acaso que a obra maior da nossa literatura
Estas palavras adentram-nos a alma como se fossem é um poema e que o género da poesia se inscreve na
fantasmas erguidos das pegadas sonâmbulas carne e na alma de cada português. É tudo isso que
deixadas nestas e em tantas outras paragens pela faz com que os dois mundos – o colonizado e o
humana condição da gesta lusitana. Igrejas que colonizador – continuem tão unidos no afecto e na
apontam o céu, cruzes que redimem para a lembrança das gentes.
eternidade, misericórdias e instituições de auxílio A Lusofonia é assim um facto incontornável, mesmo
que associam os homens como semelhantes, nomes que a contragosto de algumas vontades. É a retoma
que misturam o sangue e as pessoas. Na África, no do orgulho de continuarmos a ser o que sempre
Brasil, na Índia, na Indonésia, na China e no Japão, fomos: esforçados, autónomos, remediados, ufanos
da nossa mediania; e ricos, sim, de humanidade e de alteridade integram a norma e deixam de ser a
sonho de aventura. Ela impõe-se como um desafio, excepção; o mesmo é dizer que o universal é
perante a onda opressiva da globalização em fabricado pelo diferente e deve ser dito no plural. Eis
americanês, a convidar-nos a reinventar a nossa assim o nosso passado a ganhar razão e a encontrar-
identidade etnocultural de nómadas planetários, de se justificado e plasmado na nova lógica paradoxal e
romeiros do Santo Espírito, de peregrinos das sete pluridimensional que hoje desponta no mapa da
partidas, de cidadãos do mundo. Um desafio do multiculturalidade.
nosso achamento interior, posto pela dificuldade não Em suma, é no projecto das Lusofonias e nas suas
de sermos, mas antes de nos conhecermos e matrizes que esta publicação se inscreve. Daí que
compreendermos. Sem o enfrentarmos, alerta-nos não façamos correcções em textos recebidos do
Torga, «sem um sonho a encher-nos o vazio da noite Brasil ou de outros Países; não os submeteremos à
da vida, como poderíamos amanhecer contentes de norma da grafia vigente em Portugal. E é o mesmo
nós?» princípio de abertura que nos levará a aceitar, de
Na trajectória da Lusofonia emerge, sobranceira e quando em vez, textos em inglês ou francês ou
em antecipação, a animação polimórfica e castelhano, desde que a sua relevância o justifique.
polissémica das diferenças. E a sua aceitação. Elas Apenas não abriremos mão do facto desta revista ser
perdem o carácter de limites e fronteiras para se consagrada à Ciência do Desporto. Não há nela lugar
tornarem interiores ao conhecimento de nós, dos para escritos que se insiram noutra ordem de
outros e das coisas. Ou seja, a diferença e a preocupações.
ARTIGOS DE
INVESTIGAÇÃO
Capacidade aeróbia em futebolistas de elite
em função da posição específica no jogo
P. J. Santos
J. M. Soares
Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física
Universidade do Porto, Porto, Portugal

RESUMO ABSTRACT
Vários investigadores consideram que a capacidade aeróbia Aerobic capacity differences among soccer players
desempenha um papel decisivo no futebol. Várias according to their function in the game
investigações acerca das exigências energéticas e do padrão de
actividades dos jogadores de elite durante um jogo de futebol Several researchers uphold the notion that aerobic capacity
permitiram concluir que a grande maioria das acções são plays a decisive role in soccer play. In fact, investigations
marcadamente aeróbias (4,18). No entanto, foram descritas concerning the energy demands and the pattern of activities of
diferenças acentuadas em função da posição desempenhada elite players during a soccer match allowed to conclude that
pelo jogador em campo (1). O propósito deste estudo foi most of the actions are markedly aerobic (4,18). Nevertheless,
avaliar a capacidade aeróbia dos jogadores, de acordo com a considerable differences have been reported according to the
sua função, recorrendo ao limiar aeróbio-anaeróbio (12). player’s position in the game (1). Thus the purpose of this
Investigámos 91 futebolistas seniores de equipes da 1ª Liga study was to evaluate the player’s aerobic capacity according to
Nacional que foram agrupados de acordo com a sua posição em their function using the aerobic-anaerobic threshold (12). We
jogo: centrais (n=17), avançados (n=24), laterais (n=14) e investigated 91 Portuguese top male senior soccer players from
médios (n=36). A velocidade de corrida correspondente a uma several 1st League teams which were grouped according to
concentração sanguínea de 4mmol/l (V4) foi considerada como their function in the game: defenders (n=17), forwards
medida critério na determinação do limiar aeróbio-anaeróbio. (n=24), full-backs (n=14) and mid-fielders (n=36). The
Utilizámos velocidades de corrida entre 3.0 e 4.2m/s com running speed at a blood lactate concentration of 4mmol/l (V4)
incrementos de 0.4m/s e patamares de carga superiores a was used as criterion for the aerobic-anaerobic threshold
5min30s. Após cada patamar, o teste era interrompido durante determination. We’ve used running speeds ranging from 3.0 to
1min para recolher sangue capilar do lóbulo da orelha e 4.2m/s with increments of 0.4m/s and steps above 5min30s.
posteriormente analisado num YSI 1500L Sport. No Following each loading level the test was interrupted for 1min
tratamento estatístico dos dados recorremos à análise de to take blood samples from the ear lobe which were analysed
variância a um factor e ao teste de múltipla comparação a using an YSI 1500L Sport. Statistical analysis included Anova
posteriori de Scheffée. O nível de significância foi estabelecido and a Scheffe post hoc test. Mean results in the V4 for each
em 5%. Os valores médios da V4 em cada grupo foram de group was 3.66±0.27m/s (defenders), 3.70±0.19m/s
3.66±0.27m/s (centrais), 3.70±0.19m/s (avançados), (forwards), 3.88±0.24m/s (full-backs) and 3.89±0.22m/s
3.88±0.24m/s (laterais) e 3.89±0.22m/s (médios). Foram (mid-fielders). Significant results were achieved concerning
encontradas diferenças significativas na capacidade aeróbia the V4 among the four game positions (F=5.98, p<0.05):
entre as quatro posições (F=5.98, p<0.05): centrais versus defenders versus mid-fielders and forwards versus mid-fielders.
médios e avançados versus médios. Em suma, os nossos dados In conclusion, our data evidenced significant differences in
evidenciaram diferenças significativas na capacidade aeróbia aerobic capacity according to the player’s function in the game,
dos futebolistas em função da posição ocupada no jogo. Essas which are similar to those reported by other authors in
diferenças são semelhantes às descritas por outros autores relation to the distance covered during a match. We consider
relativamente à distância máxima total percorrida em jogo. that these results strongly suggest that V4 determination
Deste modo, consideramos que a determinação da V4 pode might be seen both as an important tool for determining
constituir um instrumento fundamental na determinação do soccer player’s aerobic profile and for allowing the
perfil aeróbio dos jogadores, possibilitando ainda uma individualisation of aerobic training.
individualização do treino aeróbio.
Key words: soccer, elite, aerobic capacity, anaerobic threshold,
Palavras-chave: futebol, elite, capacidade aeróbia, limiar lactate
anaeróbio, lactato

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [7–12] 7


P.J. Santos. J.M. Soares

INTRODUÇÃO MATERIAL E MÉTODOS


O futebol é um jogo extremamente complexo do A amostra deste estudo foi constituída por 91
ponto de vista fisiológico, com acções específicas que futebolistas seniores portugueses pertencentes a
evidenciam uma tipologia de esforço de grande equipas da 1ª Liga.
diversidade e que, em termos metabólicos, apelam a Recorremos ao limiar aeróbio-anaeróbio para
fontes energéticas claramente distintas. De facto, o determinar a capacidade aeróbia dos jogadores,
futebolista, dada a natureza intermitente do seu tendo utilizado um teste de terreno realizado numa
esforço e a ampla faixa de intensidades que o pista sintética de atletismo (400m) com 4 patamares
caracteriza, tem de privilegiar no seu treino aspectos de intensidade crescente. As distâncias situaram-se
tão distintos como o desenvolvimento da força entre 1200m e 1600m (fig. I), tendo os atletas
explosiva, da velocidade, da resistência anaeróbia e corrido sempre a uma velocidade constante durante
da resistência aeróbia. um período nunca inferior a 5’30”.
Entre os distintos sistemas energéticos que Para assegurar um ritmo de corrida uniforme foram
sustentam as acções de jogo, vários têm sido os assinalados os tempos de passagem (avisos sonoros)
autores que referem o metabolismo aeróbio como em cada 200m durante a realização dos patamares de
constituindo o suporte energético fundamental para carga. As velocidades utilizadas variaram entre 3.0 e
uma partida de futebol. Com efeito, investigações 4.6m/s e os incrementos de carga foram de 0.4m/s
acerca das exigências energéticas e do padrão de por patamar (quadro I).
actividades evidenciados pelos jogadores de elite
durante um jogo, permitiram concluir que a maioria
V (m/s)
das acções são acentuadamente aeróbias e
suportadas pelo metabolismo oxidativo (4, 18). A
distância média total percorrida pelos jogadores 4.6
durante uma partida de 90min situa-se em torno dos
4.2
11km (4, 23), o que vem reforçar a noção de que,
para um futebolista de topo, é fundamental possuir 3.8
uma boa preparação aeróbia.
A este propósito, têm sido descritas diferenças 3.4

acentuadas da performance aeróbia nestes jogadores 3.0


consoante a sua função em campo (1, 5, 7). No
entanto, a quase totalidade destas investigações tem 2.6

sido conduzida em laboratório, razão pela qual os


resultados obtidos pouca aplicabilidade têm no 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9
trabalho de campo do atleta.
Distância (Km)
Com base no anteriormente exposto, foi objectivo
principal deste estudo investigar eventuais
Fig. I – Representação gráfica da dinâmica de carga referente ao
diferenças a nível da capacidade aeróbia entre
teste de terreno utilizado na avaliação da capacidade aeróbia dos
futebolistas de elite, de acordo com a sua função no futebolistas e andebolistas. Foram utilizadas distâncias de 1200m
jogo (defesas, centrais, médios e laterais). Para a (3.0 e 3.4m/s) e 1600m (3.8, 4.2 e 4.6m/s) por patamar e
incrementos de 0.4m/s.
avaliação aeróbia dos sujeitos recorremos ao limiar
aeróbio-anaeróbio, mas utilizámos um teste de
terreno de simples execução e, simultaneamente,
capaz de fornecer dados transferíveis para o treino
dos atletas.

8 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [7–12]


Limiar anaeróbio em futebolistas

v (m/s) 400m 800m 1200m 1600m V4 (m/s)

3.0 2’13"33 4’26"67 6’40"00 –


3.4 1’57"65 3’55"29 5’52"94 – 4.2

3.8 1’45"26 3’30"53 5’15"79 7’01"05 4.1


4.2 1’35"24 3’10"48 4’45"71 6’20"95
4.6 1’26"96 2’53"91 4’20"87 5’47"83 4

3.9
Quadro I – Tabela utilizada nos testes de terreno com indicação dos
respectivos tempos de passagem (cada 400m) para as várias 3.88 3.89
3.8
velocidades (m/s) correspondentes aos patamares de carga utilizados.
3.7
No final de cada percurso o teste era interrompido 3.7
3.66
durante 1 min para recolher sangue capilar do lóbulo 3.6
centrais avançados laterais médios
da orelha para determinação imediata da 3.5
concentração sanguínea de lactato utilizando um n=17 n=24 n=14 n=36
YSI-1500L Sport. O teste era dado como concluído 3.4
quando o atleta ultrapassava uma concentração
Fig.II – Comparação entre os valores médios (±dp) da V4 (expressa
sanguínea de 4mmol/l de lactato.
em m/s) no grupo de futebolistas em função da posição ocupada
Como critério de detecção do limiar aeróbio- pelos jogadores na equipa.
anaeróbio utilizámos a velocidade de corrida
correspondente a uma concentração sanguínea de DISCUSSÃO
4mmol/l (V4) determinada por interpolação linear a Vários estudos realizados nos últimos 10 anos e
partir dos dados obtidos nos testes de terreno. centrados na análise de jogo têm evidenciado que
No tratamento estatístico dos dados, além da um jogador de futebol percorre em jogo uma
determinação dos valores médios e do desvio padrão, distância total de 10 a 12Km (3, 4, 6, 13, 15, 17, 22).
foram utilizados a análise de variância a um factor e o No entanto, sabe-se que os vários elementos de uma
teste de múltipla comparação a posteriori de Scheffée. equipa percorrem distâncias bem diferentes de
O nível de significância foi estabelecido em 5%. acordo com a sua função no jogo (4, 22). Ao longo
das últimas décadas verificou-se um aumento
RESULTADOS progressivo da distância total percorrida (DTP) em
Os valores médios para a amostra relativos à idade, jogo, tendo sido referido, a partir da análise das
altura e peso foram de 25±2.6 anos, 177.8±4.1 cm e distâncias percorridas em campeonatos do mundo,
72.8±4.5 kg, respectivamente. O valor médio que esse valor aumentou mais de 100% entre os
correspondente ao limiar aeróbio-anaeróbio foi de mundiais da Suiça (1954) e de Itália (1990), ou seja,
3.85±0.28m/s. Os resultados da ANOVA para a mais especificamente, de 4500m para 10000m,
posição ocupada pelos jogadores evidenciou respectivamente (21). Vários autores têm
diferenças estatisticamente significativas igualmente descrito níveis diferenciados de condição
(F=5.98,p<0.05). Os valores médios da V4 por aeróbia em futebolistas consoante a sua posição no
posição no jogo podem ser observados na fig. II. O jogo. Com efeito, estudos acerca da potência máxima
teste de múltipla comparação a posteriori expressou aeróbia em futebolistas revelaram níveis diferentes
diferenças significativas somente entre médios vs de acordo com a função desempenhada (1, 5, 7, 16).
centrais e médios vs avançados. Uma investigação recente (20) refere mesmo que a
DTP em jogo depende de forma significativa da
capacidade aeróbia dos jogadores e que 60% da DTP
pode ser explicada pelo nível aeróbio do atleta. Em
suma, os dados da literatura sugerem que jogadores

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [7–12] 9


P.J. Santos. J.M. Soares

de diferentes posições não só percorrem distâncias Em relação aos resultados obtidos em função da
diferentes, como igualmente apresentam performances posição ocupada na equipa, os valores mais elevados
aeróbias distintas. encontrados nos médios (3.89m/s) e laterais
No entanto, são escassos os estudos nesta (3.88m/s) versus avançados (3.70m/s) e centrais
modalidade em que tenham sido utilizados testes de (3.66m/s), são algo semelhantes aos descritos por
terreno específicos para avaliar a performance aeróbia Bangsbo (1) que também refere valores de
dos sujeitos. Uma investigação recente (14) resistência superiores nos médios relativamente aos
utilizando o Yo-Yo intermittent endurance test (2), centrais, embora utilizando como referência a
revelou diferenças significativas de resistência entre velocidade de corrida (tapete rolante)
laterais e médios versus centrais e avançados correspondente a uma concentração sanguínea de
(n=327). Porém, não conhecemos nenhuma lactato de 3mmol/l (V3).
investigação no terreno que tenha procurado A melhor V4 evidenciada pelos médios resulta,
determinar as diferenças a nível da capacidade provavelmente, da função de ligação entre defesas e
aeróbia por posição com base no limiar anaeróbio. atacantes, o que implica um maior volume de corrida
Com efeito, apesar de Bangsbo (1) ter utilizado o sustentada (1,4). Com efeito, pensamos que as
limiar anaeróbio num estudo com objectivos diferenças significativas encontradas entre médios
semelhantes, fê-lo, contudo, recorrendo à versus centrais e médios versus avançados, poderão,
investigação laboratorial. entre outros factores, estar relacionadas com a maior
A grande vantagem da investigação no terreno é, distância percorrida tanto em treino como em
obviamente, o grande transfere que permite dessa competição, em resultado da especificidade das
informação para o trabalho de campo do atleta. funções desempenhadas.
Deste modo, possibilita não apenas a recolha de Também os resultados da literatura a nível da
dados fundamentais para a caracterização fisiológica potência aeróbia em futebolistas de alto nível (1, 16)
dos jogadores, como permite ainda a obtenção de referem valores mais elevados nos médios,
dados preciosos para a equipa técnica, no sentido de comparativamente a defesas centrais e guarda-redes.
rentabilizar, tanto quanto possível, o treino desses Resultados concordantes são descritos num outro
atletas. Adicionalmente, quanto mais investigação estudo (19) com uma amostra que incluía jogadores
for efectuada com base neste tipo de testes, tanto portugueses da 1ª divisão nacional (n=44), com os
maior será a hipótese de fazer a validação cruzada valores mais elevados a serem exibidos pelos médios
dos dados de forma a optimizar a metodologia e laterais (59.5 e 59.3ml/min/Kg, respectivamente)
utilizada neste tipo de pesquisas. relativamente aos centrais (56.8ml/min/Kg) e
Relativamente ao valor médio da V4 obtida pelos avançados (54.9ml/min/Kg).
futebolistas da nossa amostra (3.85m/s), Os dados emergentes desta investigação permitiram
verificámos que foi muito semelhante à descrita num constatar que, em termos fisiológicos, as exigências
estudo similar (8) envolvendo tanto jogadores impostas a jogadores que ocupem posições
amadores (n=15) como profissionais (n=15) do diferentes no terreno de jogo podem ser, do ponto de
campeonato alemão. Nessa investigação não foram vista aeróbio, substancialmente distintas. Futuras
encontradas diferenças significativas da capacidade pesquisas realizadas no terreno com base no limiar
aeróbia entre grupos, com os profissionais a anaeróbio permitirão, entre outras coisas, a
apresentarem um valor de 3.71m/s e os amadores elaboração de tabelas com valores de referência por
3.90m/s. Outras investigações realizadas com posição. Dada a grande aplicabilidade prática deste
selecções nacionais alemãs referem valores médios tipo de trabalhos, consideramos que eles podem
de 4.15m/s e de 4.05m/s (10,11). No entanto, esses constituir uma mais valia tanto em termos de
testes foram realizados em laboratório e utilizando investigação, como nos aspectos relacionados com o
patamares de 3min, o que implica uma controlo de treino dos atletas.
sobrevalorização da V4 (9) relativamente à utilização Adicionalmente, dados provenientes de outras
de patamares de 5min (ou superiores). investigações parecem ainda sugerir que os

10 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [7–12]


Limiar anaeróbio em futebolistas

futebolistas que percorrem maiores distâncias em


situação de jogo são, simultaneamente, aqueles que
exibem níveis superiores de capacidade aeróbia (20).
Deste modo, se aceitarmos que a DTP pode ser um
factor importante no jogo, então seguramente que o
desenvolvimento da capacidade aeróbia será um
factor a contemplar no planeamento de treino de
uma equipa de futebol. Nesta perspectiva, o
conhecimento da V4 por posição pode ser um
instrumento importante para a equipa técnica no
sentido de ultrapassar eventuais carências a nível das
capacidades físicas de alguns jogadores.
Em suma, os nossos dados evidenciaram diferenças
significativas na capacidade aeróbia dos futebolistas
em função da posição ocupada no jogo. Essas
diferenças são semelhantes às descritas por outros
autores tanto em relação à DTP em jogo, como aos
valores de potência e de capacidade aeróbias.
Adicionalmente, consideramos que a determinação
da V4 através de um simples teste de terreno pode
constituir um instrumento fundamental na
determinação do perfil aeróbio dos jogadores,
possibilitando ainda uma individualização do treino
aeróbio por permitir uma aplicação quase imediata
dos dados obtidos no trabalho de campo dos atletas.

CORRESPONDÊNCIA
Paulo Jorge Miranda Santos
Faculdade de Ciências do Desporto
e de Educação Física
Universidade do Porto
Rua Dr. Plácido Costa, 91
4200.450 Porto
Portugal
[psantos@fcdef.up.pt]

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [7–12] 11


P.J. Santos. J.M. Soares

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12 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [7–12]


Avaliação isocinética da força muscular de atletas em função do
desporto praticado, idade, sexo e posições específicas
J. Magalhães
J. Oliveira
A. Ascensão
J.M.C. Soares

Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física


Universidade do Porto, Porto, Portugal

RESUMO ABSTRACT
A força muscular dos membros inferiores é considerada um Isokinetic strength assessment in athletes of different sports,
importante factor da prestação no futebol e voleibol, como ages, gender and positional roles
suporte de habilidades e acções motoras específicas. Por isso,
tal como em outras capacidades motoras, como por exemplo a Leg muscle strength is considered to be an important factor of
resistência, tarefas específicas, idade, sexo e diferentes funções performance in volleyball and soccer, supporting specific motor
específicas, poderão induzir diferentes padrões de skills and actions. Therefore, like in other capacities such as
desenvolvimento da força muscular. Alguns investigadores endurance, specific tasks, age, gender and specific positional
sugerem que níveis insuficientes de força poderão estar roles may induce different strength patterns. Additionally,
associados a um risco acrescido de lesão dos tecidos moles. Por several authors argue that strength weaknesses and/or
estas razões, a avaliação e controlo da força muscular assumem unbalances are related to soft tissue injury risk. For these
uma importância particular na monitorização dos efeitos dos reasons, strength assessment and control is of critical value for
programas de treino bem como na despistagem de factores de monitoring the effects of training programs and injury risk
risco de lesão. A avaliação isocinética da força fornece factors. Isokinetic evaluation provides relevant information
informação relevante através de indicadores como o torque through indicators such as peak torque, bilateral strength
máximo, as diferenças bilaterais de força e a razão antagonista/ differences in leg extensor (Ext) and flexor (Flex) muscles and
agonista dos membros dominante e não dominante. antagonist/agonist strength ratios in dominant (D) and non-
Deste modo, o objectivo fundamental deste trabalho foi dominant (ND) limb.
descrever e comparar os perfis isocinéticos da força em Thus, the main purpose of the present investigation was to
futebolistas e voleibolistas de diferentes idades, sexo e funções evaluate and to compare isokinetic strength profiles of soccer
específicas. and volleyball players by gender, age and different positional
Utilizando um dinamómetro isocinético (Biodex – System 2) roles, with respect to peak torque, bilateral strength
avaliaram-se os torques máximos concêntricos com correcção differences and antagonist/agonist ratio.
gravítica dos músculos flexores e extensores do joelho em Using an isokinetic dynamometry (Biodex – System 2), soccer
protocolo de 5 repetições máximas à velocidade angular de and volleyball players were evaluated. Maximal gravity
360°.seg.-1 (6.28 rad.seg.-1) e 3 repetições máximas a 90°.seg.-1 corrected concentric peak torque of knee extensor and flexor
(1.57 rad.seg.-1). muscles were measured during a 5-repetition at 360º. sec.-1
Em conclusão, podemos dizer que o carácter específico da (6.28 rad.sec.-1) and a 3-repetition protocol at 90º. sec.-1 (1.57
actividade funcional das modalidades desportivas estudadas, a rad.sec.-1).
idade e a função específica não se constituem per se factores In summary the specific demands of soccer and volleyball, age
indutores de desequilíbrio bilateral da força muscular dos and position roles do not induce bilateral leg unbalance.
membros inferiores. Contudo, no que concerne à razão I/Q, a However, concerning H/Q ratio, sports and gender, even in
modalidade desportiva praticada e o sexo, mesmo em sujeitos trained subjects, seem to influence isokinetic strength profile.
treinados, parecem ser factores que influenciam o perfil
isocinético de força. Key words: strength, isokinetic, testing, soccer, volleyball

Palavras-chave: força, avaliação isocinética, futebol, voleibol

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [13–21] 13


J. Magalhães, J. Oliveira, A. Ascenção, J.M.C. Soares

INTRODUÇÃO de força e a razão isquiotibiais/quadriceps (I/Q) em


A força muscular é uma importante componente da diferentes desportos, idades, sexos e funções
prestação desportiva. Por essa razão a avaliação da específicas.
força muscular com recurso à dinamometria
isocinética é largamente utilizada. Tem sido sugerido METODOLOGIA
que as diferenças bilaterais de força e a razão dos O presente trabalho enquadra-se num projecto de
torques máximos antagonista/agonista estão controlo e avaliação do treino de atletas de alto
relacionadas com as exigências específicas dos rendimento sendo composto por três estudos
diversos desportos (9, 10). Deste modo, o padrão distintos. No primeiro (Estudo 1) descrevemos e
motor de uma determinada modalidade desportiva comparamos o perfil isocinético da força muscular
poderá influenciar o perfil funcional dos atletas. A de atletas de diferentes desportos (voleibolistas vs.
investigação em jogos desportivos tem demonstrado futebolistas) e idades. No segundo (Estudo 2)
que também as posições/funções dos jogadores comparamos sujeitos de sexo diferente relativamente
contribuem para uma adaptação funcional específica à razão antagonista/agonista. Finalmente, no
(5, 14, 28, 32). Por último, os estudos no domínio da terceiro (Estudo 3) comparamos perfis de atletas de
aptidão física considerando o efeito da idade, do diferentes funções específicas.
crescimento, da maturação e ainda, o efeito do treino
apontam para diferenças da força muscular entre AMOSTRA
jovens e atletas adultos (para ref.’s ver 7, 36). Um outro Estudo 1
domínio da investigação tem incidido no estudo Foram avaliados vinte e oito (28) voleibolistas
comparativo da aptidão funcional entre sujeitos de adultos de elite subdivididos em dois grupos,
sexos distintos (8). No entanto, no que concerne a dezoito (18) seniores (idade: 23.9±2.3 anos; peso:
eventuais diferenças de padrão no perfil bilateral da 83.6±5.8 Kg; altura: 190.8±4.5 cm) e dez (10)
força isocinética e da razão antagonista/agonista a juniores (idade: 17.3±0.8 anos; peso: 82.6±9.3 Kg;
informação disponível é relativamente escassa. altura: 188.2±2.9 cm), catorze (14) voleibolistas de
Em jogos desportivos como o futebol e o voleibol, os elite sub-16 e quarenta e seis (46) futebolistas
grupos musculares quadriceps e os isquiotibiais são adultos de elite (idade: 25.2±3.5 anos; peso:
solicitados suportando diversas habilidades motoras 75.3±6.0 Kg; altura: 178.3±6.0 cm).
tais como, por exemplo, a corrida, os saltos, os
passes ou os remates. Estes grupos musculares que Estudo 2
envolvem a articulação do joelho desempenham, Avaliaram-se vinte e cinco (25) voleibolistas do sexo
igualmente, um importante papel na estabilidade masculino pertencendo à selecção nacional
desta articulação assim como na prevenção de lesões portuguesa (idade: 21.0±3.7 anos; peso: 83.6±6.2
(1, 2, 41). De facto, alguns estudos sugerem que a boa Kg; altura: 190.9 ±3.8 cm) e dez (10) voleibolistas
funcionalidade dinâmica dos músculos do sexo feminino de uma equipa da 1ª divisão do
estabilizadores do joelho pode ser determinante na campeonato nacional (idade: 25.0±4.3 anos; peso:
prevenção e/ou na limitação da severidade de lesões 70.0±4.9 Kg; altura: 178.5 ±3.3 cm).
dos tecidos moles (3, 25, 26).
Apesar de escassa, a informação disponível Estudo 3
relativamente ao efeito da idade aponta para padrões Foram avaliados quarenta e sete (47) futebolistas
de evolução crescente dos torques máximos e da profissionais (idade: 25.1±3.6 anos; peso: 75.2±7.3
razão antagonista/agonista (7, 20). Adicionalmente, os kg; altura: 178.8±4.0 cm) de diferentes equipas da I
resultados da investigação relativamente ao efeito Liga Profissional portuguesa. Deste grupo de
das tarefas no perfil da força muscular isocinética sujeitos avaliamos três (3) guarda-redes, seis (6)
sugerem uma adaptação funcional específica (9, 38, 39). laterais, dez (10) centrais, quinze (15) médios e
Deste modo, o objectivo do presente trabalho é o de treze (13) avançados.
avaliar e comparar o perfil das diferenças bilaterais

14 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [13–21]


Avaliação isocinética da força

INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO RESULTADOS


Foram avaliados em dinamómetro isocinético (Biodex
– System 2) com correcção gravítica os torques Estudo 1
máximos concêntricos dos músculos flexores e Os principais resultados acerca da comparação entre
extensores do joelho às velocidades angulares de futebolistas e voleibolistas são apresentados no
360°.seg.-1 (6.28 rad.seg.-1) e 90°.seg.-1 (1.57 quadro 1.
rad.seg.-1). No Estudo 3 apenas se considerou a
última das velocidades angulares referidas. Quadro 1 – Diferenças bilaterais de força (%) e razão (%) isquiotibiais/
quadriceps (I/Q) dos futebolistas vs. voleibolistas adultos, a diferentes
Os atletas avaliados realizaram um período de velocidades angulares.
activação geral em cicloergómetro (Monark E-824)
com uma resistência correspondente a 2% do peso Vel. Diferenças bilaterais de força Razão I/Q
corporal durante um período de 5 minutos. Em Músculos Futebol Voleibol Futebol Voleibol
seguida os sujeitos foram sentados na cadeira do 360 Extensores 7.1±6.3 7.2±5.8 D# 80.2±13.3 78.3±12.7
dinamómetro e estabilizado o seu posicionamento 90 7.1±6.3 10.1±6.9 57.4±6.7 50.4±7.2**
360 Flexores 12.3±8.4 14.2±12.4 ND# 82.5±13.3 82.0±11.9
com recurso a cintos colocados ao nível do tronco, do
90 10.6±8.0 6.9±5.5** 56.1±8.2 50.5±6.4**
abdómen e da coxa, no sentido de prevenir
movimentos acessórios. O joelho a avaliar foi
*(°.seg.-1) ** Diferença significativa (futebolistas vs.
posicionado a 90° da flexão (0° = extensão completa) voleibolistas); p<0,05
e o eixo de rotação do braço da alavanca do # D (membro dominante); ND (membro não dominante).

dinamómetro alinhado com a parte lateral do côndilo


femoral. Após os procedimentos de posicionamento e Os resultados que se reportam às diferenças
dos alinhamentos foi pedido aos sujeitos a testar que bilaterais de força entre futebolistas e voleibolistas
efectuassem alguns movimentos de flexão e extensão adultos mostram que apenas nos músculos flexores,
a intensidade sub-máxima no sentido de completar o quando avaliados à velocidade de 90º.seg.-1, se
período de activação muscular e também para encontram diferenças significativas. A comparação
familiarização com o equipamento e procedimentos das razões I/Q revelou-se estatisticamente
de testagem. Todos os sujeitos foram instruídos para significativa entre grupos, mas apenas à velocidade
colocarem de forma confortável os braços cruzados angular de 90°.seg.-1. Porém, a comparação de
sobre o tronco tendo em vista o isolamento da acção médias da razão I/Q entre os membros dominante e
dos grupos musculares responsáveis pela extensão e não dominante dentro de cada grupo, não
flexão do joelho. apresentou diferenças significativas.
Os resultados das diferenças bilaterais de força e da
Protocolo de avaliação razão I/Q em voleibolistas de diferentes idades são
A avaliação consistiu na realização de 5 repetições à apresentados no quadro 2.
velocidade angular de 360°.seg.-1 e 3 repetições a
90°.seg.-1, por esta ordem e em cada um dos
membros. Entre séries foi realizada uma pausa de
repouso com a duração de 1,5 minutos. Para o estudo
3 apenas foram realizadas avaliações a 90°.seg.-1

Estatística
Foram utilizadas as medidas da estatística descritiva,
média e desvio-padrão e para a comparação de médias
o t-Test de medidas independentes, a ANOVA
factorial e o teste não paramétrico Kruskall-Wallis. O
nível de significância foi estabelecido em 5%.

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [13–21] 15


J. Magalhães, J. Oliveira, A. Ascenção, J.M.C. Soares

Quadro 2 - Diferenças bilaterais de força (%) e razão (%) isquiotibiais/quadriceps (I/Q) em voleibolistas de diferentes idades.

Vel.* Diferenças bilaterais de força Razão I/Q


Seniores Juniores Sub 16 # Seniores Juniores Sub 16
360 Extensores 7.8±6.2 7.0±5.4 7.8±5.2 D 74.0±13.5 83.5±13.2 61.9±14.0**
90 8.9±5.9 14.8±12.0 7.2±5.8 50.1±8.6 50.4±3.7 48.0±4.2
360 Flexores 10.8±7.5 14.0±7.8 14.8±16.5 ND 81.5±10.4 83.2±14.7 75.9±12.8
90 5.1±4.5 10.2±6.4 9.6±7.2 50.4±5.8 52.4±9.2 51.1±9.4

* Velocidade (°.seg.-1) ; # D (membro dominante); ND (membro não dominante)


** Diferença significativa (juniores vs. Sub 16); p<0,05

A análise dos resultados revela a existência de masculino, quer nos do sexo feminino (quadro 3).
diferenças significativas na razão I/Q entre a Foram encontradas diferenças estatisticamente
categoria júnior e a de sub 16. significativas entre os grupos no membro dominante
a altas velocidades (360º.seg.-1) e nos membros
Estudo 2 dominante e não dominante a baixas velocidades
Os principais resultados são apresentados no quadro (90º.seg.-1). Este indicador, quando determinado a
3 (razão I/Q em percentagem). baixa velocidade (90º.seg.-1), apresentou valores
inferiores aos habitualmente sugeridos como
Quadro 3 – Razão I/Q (%) em ambos os sexos a diferentes velocidades referência.
(em º.seg.-1)

Velocidade Membro Masculino Feminino


Estudo 3
360 Dominante 80,03 ± 13,14* 66,77 ± 13
Para a globalidade da amostra, os valores médios das
Não Dominante 83,88 ± 12,12 75,81 ± 9,28 diferenças bilaterais de força nos músculos
90 Dominante 50,07 ± 7,28 * 44,06 ± 6,96 extensores e flexores foram 8.2% ±4.9 e 7.9% ±4.7,
Não Dominante 50,72 ± 7,43 * 44,47 ± 4,16
respectivamente. A razão I/Q (em percentagem) no
* estatisticamente significativo (masculino vs. feminino) p 0,05
membro dominante foi de 54.9±6.6 e no não
dominante de 55.9±6.4.
A razão convencional concêntrica I/Q aumentou Os resultados referentes a cada uma das funções
com a velocidade angular, quer nos sujeitos do sexo específicas são apresentados no quadro 4.

Quadro 4 – Torque máximo (Nm), diferenças bilaterais (%) e razão I/Q (%) em futebolistas de diferentes funções específicas.

Torque máximo Diferenças bilaterais Razão I/Q


Funções Ext - D Ext - ND Flex - D Flex - ND Ext Flex D ND
G-Redes 278.6±27.6 240.9±16.8 148.8±27.3 132.3±26.4 13.3±4.4 11.3±2.0 53.1±4.9 54.6±7.8
Centrais 244.4±25.5 237.6±21.5 124.5±6.7 125.6±16.1 10.1±7.9 9.0±8.2 51.4±5.9 53.3±9.7
Laterais 250.9±31.5 237.9±33 141.9±15.1 134.4±14.1 8.4±5.7 6.4±3.5 56.8±6.9 57.1±7.2
Médios 227.4±24.3 216.9±28.5 124.9±19.4 123.4±19.1 5.6±4.2 9.2±7.5 55.2±6.7 56.7±5.2
Avançados 241.1±42.2 231.5±32.6 130.9±20.3 128.8±21.2 8.2±6.4 6.9±2.8 54.8±7.0 55.6±5.4

16 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [13–21]


Avaliação isocinética da força

DISCUSSÃO importância da intensidade do trabalho desenvolvido


Os resultados do estudo 1 não evidenciaram pelo membro inferior não dominante, como perna de
diferenças bilaterais de força entre voleibolistas e apoio, na realização de algumas acções motoras
futebolistas, com excepção da diferença significativa características do futebol e, consequentemente,
encontrada nos músculos flexores do joelho quando reflectem a influência destas acções nos ganhos de
avaliados a 90º.seg-1. Estes resultados parecem força do membro contralateral.
realçar o carácter bilateral destas modalidades. De salientar ainda no nosso estudo que, para ambas
Efectivamente, a frequente utilização de algumas as modalidades, todos os valores encontrados neste
habilidades específicas do futebol com manifesta parâmetro se encontram dentro dos critérios
preferência lateral, como por exemplo o passe, o considerados adequados, i.e., inferiores a 10-15% (9),
remate, os tackles e/ou aspectos específicos do podendo por isso considerar-se que os voleibolistas e
treino, contrariamente ao que seria de esperar, não os futebolistas são atletas funcionalmente
induzem incrementos pronunciados da força no equilibrados (quadro 1).
membro dominante e, consequentemente, diferenças A razão de força antagonista/agonista tem sido
bilaterais acentuadas. Também Bennell et al. (6) não associada com as exigências específicas da actividade
encontraram diferenças bilaterais significativas nos funcional dos desportos (10). Os nossos resultados
músculos flexores do joelho em 102 jogadores de parecem confirmar este facto. À velocidade angular
futebol australiano. No entanto, num estudo de 90°.seg.-1 encontramos diferenças significativas
efectuado por Wang et al. (39) em voleibolistas, foram entre os voleibolistas e futebolistas. Os primeiros
encontradas diferenças significativas de força nos apresentam uma razão mais baixa do que os
músculos rotadores do ombro, quando avaliados em futebolistas, por apresentarem maior fraqueza dos
modo isocinético, entre o membro superior isquiotibiais. Este facto pode dever-se às
dominante e não dominante. Para os autores, a características da modalidade (29), o que no caso do
utilização sistemática de um dos membros voleibol resulta para o quadriceps numa solicitação
relativamente ao outro nas acções de remate e do frequente em muitas das acções típicas, ou/e por
serviço poderá justificar as diferenças encontradas. insuficiente trabalho compensatório de força dos
Deste modo, e tendo em conta que no voleibol a músculos isquiotibiais. Pese embora possamos estar
lógica da utilização dos membros superiores é perante um facto resultante de uma adaptação
análoga à dos membros inferiores no futebol, a específica às exigências do voleibol, este facto pode
ausência de diferenças entre os grupos do nosso representar um factor de risco acrescido à ocorrência
estudo poderá eventualmente ser explicada: (i) pela de lesões nos tecidos moles (4, 29, 40, 41). Segundo
participação mais activa e diferenciada quanto ao Aagaard et al. (3), valores da razão I/Q inferiores a
modo contráctil do membro inferior não dominante cerca de 60%, quando avaliados a baixas velocidades,
nas acções de passe e remate do futebolista (27); (ii) poderão aumentar a susceptibilidade de ocorrência
pela menor frequência absoluta da realização de de lesões. Alguns autores (para ref.’s ver 20) sugerem que
acções unilaterais de alta intensidade do futebolista os aumentos acentuados da força do quadriceps
comparativamente com as acções de serviço e remate induzidos pelo treino poderão estar associados à
utilizadas pelos voleibolistas (para refs ver 28, 33). diminuição da co-activação antagonista dos
Efectivamente, num estudo com jovens futebolistas músculos isquiotibiais (37), favorecendo a
italianos(11), a exemplo dos nossos resultados, não susceptibilidade de lesões no joelho, nomeadamente
foram encontradas diferenças bilaterais de força de stress tensional no ligamento cruzado anterior
entre os membros dominante e não dominante. (LCA), por decréscimo das forças estabilizadoras
Mognoni et al. (30) encontraram torques máximos desta articulação.
mais elevados na extensão do joelho do membro Diversos autores (1, 3, 24) têm sugerido que a razão I/
inferior não dominante comparativamente ao Q poderá ser interpretada como um indicador da
dominante, ainda que não tenham referido o modo capacidade dos isquiotibiais em contrariar a
de contracção utilizado. Estes resultados realçam a translação anterior da tíbia relativamente ao fémur

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [13–21] 17


J. Magalhães, J. Oliveira, A. Ascenção, J.M.C. Soares

(shear forces), particularmente nos últimos ângulos Num estudo com velocistas (22) foi analisada a
de extensão do joelho e durante a realização de importância da força produzida pelos isquiotibiais
contracções intensas do quadriceps. Da mesma forma, como factor de prevenção de lesões neste mesmo
os resultados de alguns estudos com recurso à grupo muscular. Verificou-se que os atletas
electromiografia (1, 15) sugerem que a co-activação lesionados, quando comparados com os não
dos isquiotibiais, nomeadamente do biceps femoral lesionados, apresentavam baixos índices de força
(1), poderá também representar um mecanismo de nesse grupo muscular e, consequentemente, da
estabilidade articular durante a rotação interna da razão I/Q quando avaliada de forma excêntrica num
tíbia na extensão do joelho. De facto, devido à amplo espectro de velocidades angulares e de forma
localização externa da inserção distal deste músculo, concêntrica a 30º.seg.-1. Desta forma, poderemos
a rotação interna da tíbia nos movimentos de considerar este parâmetro isocinético como uma
extensão do joelho parece ser contrariada pela acção importante referência da estabilidade da articulação
antagonista do biceps femoral. Por estas razões, estes do joelho e da prevenção de lesões nos músculos
autores sugerem que a força produzida pelos flexores.
isquiotibiais enquanto antagonistas no movimento De salientar ainda que estudos comparativos das
de extensão do joelho, poderá determinar índices de alterações neuromusculares induzidas por diferentes
co-activação com carácter de protecção funcional da tipos de exercício sugerem que, após exercício
articulação, nomeadamente da integridade do LCA. intenso prolongado do tipo intermitente, se registam
Este ligamento, sendo considerado uma das diminuições significativas da força muscular gerada
estruturas mais importantes na restrição da pelos isquiotibiais e incrementos no tempo de atraso
amplitude do movimento de gaveta da tíbia electromecânico deste grupo muscular. Estes factos
relativamente ao fémur durante a extensão do não só comprometem a estabilidade da articulação
joelho, é sujeito a grande stress (29). Por isso, no do joelho por aumento da laxidez articular, como
estudo epidemiológico das lesões nos jogos representam uma forte ameaça à integridade do LCA
desportivos colectivos (16, 17, 21), a lesão do LCA (18, 29). Desta forma, realça-se a importância da força

constitui-se como uma das mais frequentes (34). produzida pelos isquiotibiais, enquanto músculos
Em estudos com animais e humanos (15) tem sido antagonistas, como factor de prevenção da
referida a existência de um mecanismo de reflexo integridade desta articulação, em especial durante a
neural por parte do LCA na activação dos realização de exercícios intensos e prolongados de
isquiotibiais e também dos gémeos (15) durante a carácter intermitente, como por exemplo um jogo de
extensão do joelho. Para além disso, DeLuca e futebol ou de voleibol.
Mambrito(13) sugerem que em alguns tipos de Segundo Aagaard et al. (3, 4) a razão entre o torque
movimentos, nomeadamente naqueles em que de máximo dos isquiotibiais no modo excêntrico e o
forma antecipada é prevista uma resposta torque máximo do quadriceps no modo concêntrico,
neuromuscular compensatória, parece existir um ao contrário da por nós utilizada (concêntrico/
mecanismo de condução neural comum, ou também concêntrico), parece ser, do ponto de vista funcional,
denominado de activação neural proporcional, em mais específica do padrão de movimentos de flexão e
que o sistema nervoso central parece controlar de extensão realizados em torno da articulação do
forma sistemática e coordenada a activação de joelho em determinadas acções motoras, como por
motoneurónios agonistas e antagonistas. Desta exemplo o remate do futebolista. Nesta perspectiva,
forma, parece provável que movimentos de extensão a avaliação dos músculos flexores do joelho é
do joelho representem situações em que, por um realizada no modo excêntrico, já que esse é o padrão
mecanismo de activação neural proporcional de co-activação desenvolvido enquanto grupo
agonista-antagonista, a força compensatória muscular antagonista em diversas acções motoras,
produzida pelos isquiotibiais é antecipada particularmente na desaceleração do membro
diminuindo o stress induzido ao LCA pela contracção inferior nas últimas fases da extensão do joelho. No
do quadriceps. entanto, este método de avaliação poderá apresentar

18 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [13–21]


Avaliação isocinética da força

dificuldades de operacionalização, tornando-se significativas entre futebolistas jovens e adultos.


inviável como instrumento massivo de controlo e Assim, considerando a nossa amostra e de acordo
acompanhamento do treino em atletas de alto com os resultados obtidos, ao contrário do sugerido
rendimento. A avaliação desta relação de força no por Calmels e Minaire (10) não parece existir um
modo concêntrico/excêntrico pode não só revelar-se padrão diferenciado de desenvolvimento da força do
muito demorada em virtude das características quadriceps e dos isquiotibiais com a idade. Assim
técnicas do dinamómetro, como também ser sendo, a idade não parece induzir alterações
influenciada pelo factor aprendizagem. Devido à sua significativas no padrão do equilíbrio bilateral da
elevada exigência coordenativa, a avaliação de força muscular dos membros inferiores e na razão
movimentos isocinéticos no modo excêntrico, sem antagonista/agonista quando avaliada no modo
experiências anteriores, é complexa, podendo concêntrico.
distorcer os resultados. Os resultados obtidos no estudo 2 quanto à razão I/
Os dados relativos às diferenças bilaterais de força e Q revelam que, à excepção do membro não
da razão I/Q em diferentes idades, com excepção da dominante a 360º.seg.-1, os sujeitos do sexo
razão I/Q entre atletas juniores e sub16 no membro feminino apresentam valores significativamente mais
dominante a 360º.seg.-1, não evidenciaram diferenças baixos do que os do sexo masculino. Para além
significativas entre os grupos. Do nosso disso, ambos os grupos, com especial destaque para
conhecimento, não existem estudos acerca do efeito o do sexo feminino, apresentam valores que
da idade no perfil de força muscular, avaliada em podemos considerar baixos. Tal como sugerido na
dinamómetros isocinéticos em voleibolistas. discussão dos resultados do estudo 1, a explicação
Contudo, num estudo efectuado com futebolistas de para este facto poderá advir das características
elite (20) foram encontradas diferenças significativas funcionais das principais acções de jogo. De facto, no
na razão recíproca (torque excêntrico máximo dos voleibol, a hipersolicitação do grupo muscular
isquiotibiais dividido pelo torque concêntrico quadriceps e/ou um reduzido treino de força dos seus
máximo do quadriceps) do membro inferior antagonistas poderá explicar este perfil de força. De
dominante com a idade. O facto de tais diferenças forma idêntica aos nossos resultados, Griffin et al.
não terem sido igualmente encontradas no membro (19) verificaram que em sujeitos adultos destreinados

inferior não dominante, levou os autores a concluir a razão I/Q, independentemente do tipo de
que provavelmente o efeito da adaptação ao treino contracção e das velocidades utilizadas, era
específico, nomeadamente pela maior carga significativamente inferior no sexo feminino.
excêntrica a que está sujeito o membro dominante Assim, sugerimos que o treino do voleibol não será,
no futebol de alto nível, poderá ter tido maior por si só, susceptível de alterar as diferenças
influência na diferenciação da razão I/Q do que o relativas de força entre os isquiotibiais e o quadriceps,
factor idade. De salientar ainda que, no referido mantendo-se o efeito do sexo mesmo em sujeitos
estudo, tais diferenças reportam-se a avaliações treinados. Dada a escassez de estudos que
realizadas em modos de contracção diferentes reproduzam e esclareçam, de forma clara, o efeito do
daqueles por nós utilizados. Porém, quando sexo nas alterações da razão I/Q, provavelmente o
avaliados no modo concêntrico/concêntrico, a recurso ao estudo de factores de natureza
exemplo dos nossos resultados, os autores não morfológica, mecânica e neuromuscular poderá
encontraram diferenças significativas entre os concorrer para uma explicação adicional da
grupos de diferentes idades. No mesmo estudo, nas influência do sexo neste parâmetro.
avaliações realizadas no modo excêntrico/excêntrico, De acordo com os resultados obtidos no estudo 3, as
a razão I/Q alterou-se significativamente com a diferentes funções específicas dos futebolistas e a
idade em todo o espectro de velocidades angulares inerente actividade funcional que lhes está associada
utilizado. No que diz respeito à razão recíproca não parecem induzir padrões distintos no perfil
(excêntrico/concêntrico), apenas à velocidade isocinético da força muscular dos membros
angular de 300º.seg.-1 foram encontradas diferenças inferiores. A similaridade encontrada no nosso

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [13–21] 19


J. Magalhães, J. Oliveira, A. Ascenção, J.M.C. Soares

estudo entre as diferentes funções específicas grupo muscular no programa anual de uma equipa
contraria a tendência dos resultados obtidos num de futebol belga. Na opinião dos autores, esta
outro estudo (38), pelo menos no que diz respeito aos alteração pronunciada poderá significar uma
torques máximos entre guarda-redes e avançados, insuficiente solicitação deste grupo muscular
quando determinados a baixas velocidades. Porém, durante as acções típicas do futebol em treino e na
nesse estudo não é fornecida qualquer informação competição e, portanto, a necessidade de treino
acerca das diferenças bilaterais ou da razão I/Q. Da compensatório sistemático.
mesma forma, Oberg et al. (31) verificaram que a Em conclusão e tendo em conta os resultados dos
razão I/Q é significativamente mais elevada nos nossos estudos, podemos dizer que o carácter
avançados comparativamente com os guarda-redes e específico da actividade funcional das modalidades
defesas. Para estes autores, os elevados torques desportivas estudadas, a idade e a função específica
obtidos na avaliação dos músculos extensores do não se constituem per se factores indutores de
joelho nos guarda-redes e defesas poderão justificar desequilíbrio bilateral da força muscular dos
os baixos valores da razão I/Q. Eventualmente, membros inferiores. Contudo, no que concerne à
alterações da metodologia do treino, da concepção razão I/Q, a modalidade desportiva praticada e o
do jogo, nomeadamente a maior atenção ao treino sexo, mesmo em sujeitos treinados, parecem ser
compensatório da força muscular e a polivalência de factores que influenciam o perfil isocinético de força.
tarefas realizadas, bem como a crescente utilização
indiferenciada da técnica com ambos os membros,
terão conduzido nos últimos anos a uma
indiferenciação do perfil de força muscular dos
futebolistas de diferentes posições específicas,
justificando os nossos resultados.
As diferenças bilaterais de força e a razão I/Q
encontradas nos futebolistas das diferentes posições
específicas vão de encontro aos valores normativos
sugeridos na literatura (3, 9, 10, 23, 35) para avaliações a
baixa velocidade (inferiores a 10-15% e cerca de 50-
60%, respectivamente) e por nós encontrados no
estudo 1. De facto, apesar de algumas habilidades
específicas do futebol serem habitualmente
realizadas em jogo ou no treino com preferência
lateral, os nossos resultados sugerem que,
independentemente da função desempenhada, os
atletas avaliados são funcionalmente equilibrados.
No que diz respeito à razão I/Q, os valores médios
obtidos em atletas de algumas posições específicas
(e.g. centrais e guarda-redes) encontram-se
próximos dos valores mínimos referidos como CORRESPONDÊNCIA
adequados, o que poderá ser justificado quer pela José Oliveira
elevada predominância de solicitação do grupo Faculdade de Ciências do Desporto
muscular quadriceps em algumas habilidades técnicas, e de Educação Física
quer pelo insuficiente treino compensatório da força Universidade do Porto
dos músculos isquiotibiais. De facto, De Proft et al. R. Dr. Plácido Costa, 91
(12) registaram um incremento de 77% no torque 4200.450 Porto
máximo dos flexores do joelho quando introduziram Portugal
duas sessões semanais de treino de força para esse [joliveira@fcdef.up.pt]

20 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [13–21]


Avaliação isocinética da força

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Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [13–21] 21


Crescimento, maturação, aptidão física, força explosiva e
habilidades motoras específicas. Estudo em jovens futebolistas e
não futebolistas do sexo masculino dos 12 aos 16 anos de idade
A. Seabra
J.A. Maia
R. Garganta
Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física
Universidade do Porto, Porto, Portugal

RESUMO ABSTRACT
Este estudo investiga o impacto da maturação, da selecção e do Growth, maturation, physical fitness, explosive strength and
treino na estrutura somática (ES), na aptidão física (AF), na specific motor skills. A study in Portuguese young soccer players
força explosiva (FE) e nas habilidades motoras específicas and sedentary young people from 12 to 16 years old.
(HME) de jovens jogadores de futebol. A amostra é constituída
por 226 sujeitos com idades compreendidas entre os 12 e os 16 This study had the following purposes: to investigate the
anos distribuídos por 3 grupos (G1-infantis; G2-iniciados e impact of selection and training on body build, physical fitness
G2-juvenis) de jogadores de futebol (JF) e de jovens (PF), explosive strenght (ES) and specific motor skills (SMS)
sedentários (JS) do mesmo escalão etário. As medidas in Portuguese young soccer players.
somáticas analisadas incluíram a altura, o peso, os perímetros, Sample included 226 subjects, 12 through 16 years of age,
os diâmetros e pregas de adiposidade subcutânea que divided in 3 groups (G1-infants; G2-beginners; G3-juveniles) of
permitiram estimar dois compartimentos da massa corporal e soccer players (SP) and sedentary subjects (SS) of the same age.
o somatótipo. O desenvolvimento genital foi avaliado através Somatic measures included height, weight, girths, breadths
das tabelas descritas por Tanner (1962). A AF foi avaliada pela and skinfolds. Body composition assessed fat mass and the
bateria de testes da AAHPERD relacionada com a performance e lean mass with Boileau et al. (1985) formula. Somatotype was
descrita em Kirkendall et al. (1987). A avaliação da FE foi rated according to the Heath-Carter method (1967). Genital
realizada através do protocolo descrito por Bosco et al. (1983). development was evaluated by the Tanner method (1962).
As HME foram avaliadas de acordo com a bateria de testes da Physical fitness was measured by the AAHPERD (1987) test
Federação Portuguesa de Futebol (1986). Os procedimentos battery performance related. The evaluation of the ES was
estatísticos incluíram a média aritmética, desvio-padrão, t- accomplished through the Bosco (1983) procedures, and SMS
teste de medidas independentes e a ANCOVA. No G1 a with the test battery of the Federação Portuguesa de Futebol
maturação, a selecção e o treino não tiveram um efeito (1986). Statistical procedures included: mean, standard
significativo favorecendo os JF relativamente aos JS na deviation, Qui-Square, the t-test and ANCOVA.
estrutura somática e na força explosiva. Pelo contrário, In G1 maturation, selection and training had no relevant effect
constatou-se que o treino tinha um impacto nos futebolistas favouring SP in comparison with SY in the somatic structure
na grande maioria das componentes da AF, à excepção da força and ES. On the contrary, it was verified that training had an
inferior e resistência aeróbica. No G2 a maturação, a selecção e impact on SP in the great majority of components of the PF
o treino não tiveram um efeito favorecendo os JF no peso, no except standing long jump and 12 minute run.
mesomorfismo, no ectomorfismo, no SE e no SCM. Pelo In G2 maturation, selection and training had no effect favouring
contrário, nos futebolistas, o treino tinha um impacto, na SP, in the weight, meso and ecto somatotype components, SJ
massa gorda, no endomorfismo e na grande maioria das and CMJ. On the other hand, on SP, training had an impact in fat
componentes da AF, exceptuando a força inferior e resistência mass, endomorphy and in the majority of the components of the
aeróbica. No G3, e de igual forma, não houve um efeito PF, but not standing long jump and 12 minute run.
marcado da maturação, da selecção e do treino favorecendo os In G3 there was no remarkable effect of maturation, selection
JF relativamente aos JS no endomorfismo, no SE e no SCM. and training favouring SP relatively to SY, in the endomorphy,
Contudo, constatou-se, através dos resultados apresentados SJ and CMJ. On the contrary, it was stated, on SP, that
pelos futebolistas, que o treino tinha um impacto no peso, na training had an impact in weight, in lean mass and in the
massa magra, e na grande maioria das componentes da AF, great majority components of PF but not standing long jump
exceptuando a força inferior e a resistência aeróbica. and 12 minute run.

Palavras-chave: Crescimento; Maturação; Aptidão Física; Força Key Words: Growth, Maturation, Physical Fitness, Explosive
Explosiva; Habilidades Motoras. strength, Motor skills.

22 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [22–35]


Aptidão física e habilidades motoras em jovens futebolistas

1. INTRODUÇÃO período pubertário. De facto, nos rapazes, entre os 9


A “evolução” do Futebol, enquanto jogo desportivo e os 16 anos, as variações associadas com a
colectivo, tem passado, cada vez mais, pelo estudo maturação biológica são muito significativas (32).
e sistematização de elementos relativos a duas Assim, ao afirmar-se que os jovens atletas são
realidades interdependentes: o jogo e o jogador (25). diferentes dos não atletas da sua idade e sexo,
No que se refere ao jogo, têm sido realizados devemos questionar se tal é devido ao treino ou à
estudos com diferentes focagens e alcances diversos variabilidade do processo de maturação, dado que
(ver por exemplo: 1, 19, 23, 26, 28, 44). O mesmo tem ocorrido uma grande parte das diferenças nas dimensões,
para o “indivíduo que joga”, isto é, o jogador. forma, composição do corpo e performance é
Contudo, os trabalhos efectuados circunscrevem-se, governada pelo estatuto maturacional (34).
essencialmente, ao Futebol de alto nível e ao Contudo, além do treino e variação no estatuto
jogador sénior. maturacional, outro factor parece perfilar-se
No que concerne à criança e ao jovem jogador de determinante, isto é, o processo de selecção para um
Futebol importa salientar que as pesquisas são determinado desporto. Os jovens atletas onde se
escassas. Tal facto não parece ser muito vislumbra algum sucesso na sua resposta ao treino e
compreensível dado que o jovem atleta se encontra competição, são um grupo altamente seleccionado,
numa das primeiras etapas da sua preparação e tomando por base geralmente as suas habilidades, e
formação e que visam o alto rendimento desportivo. em alguns desportos, o tamanho dos sujeitos (6, 32).
Torna-se imperioso conhecer e sistematizar a maior Consideramos, pois, relevante identificar os efeitos
quantidade e diversidade de informação acerca dos do treino intensivo e sistemático, da maturação e do
jovens que são submetidos, desde muito cedo, a processo de selecção, sobre os aspectos somáticos,
actividades físicas organizadas, altamente aptidão física geral e específica e habilidades nos
especializadas e sistemáticas, sobretudo no que à praticantes desta modalidade. Este motivo é tanto
resposta ao treino e competição dizem respeito. mais importante quando se sabe que nunca foi
Facilmente podemos constatar que os jovens, realizado nenhum estudo sobre esta temática em
futebolistas e não futebolistas, da mesma idade e Portugal, e que são bem escassas as pesquisas
sexo, apresentam diferenças significativas ao nível publicadas internacionalmente.
dos aspectos somáticos, da aptidão física geral e O presente estudo tem, pois, por motivo central
específica, e das respectivas habilidades. Contudo, identificar o efeito da maturação, da selecção e do
nem sempre é claro se tal diferenciação é devida ao treino na estrutura somática, na aptidão física, na
treino, à variabilidade maturacional que caracteriza força explosiva e nas habilidades motoras específicas
os jovens no período pubertário, ou ao processo de em jovens futebolistas.
selecção de jovens utilizado no Futebol. Parece-nos
fundamental esclarecer de modo adequado estas 2. MATERIAL E MÉTODOS
questões. 2.1. Amostra
O treino e a actividade física regular são geralmente A amostra é constituída por 226 sujeitos do sexo
interpretados como tendo uma influência favorável masculino de idade cronológica compreendida entre
no crescimento, na maturação e na aptidão física da os 12 e os 16 anos. Cento e trinta e nove (139) são
criança e do jovem (37). No entanto, a performance praticantes de Futebol federado, pertencentes a
motora dos adolescentes do sexo masculino está equipas de níveis competitivos diferenciados: 47
significativamente relacionada com o seu estatuto integrados numa das melhores equipas nacionais; 48
maturacional. Os rapazes maturacionalmente pertencem a uma equipa que “luta” pelo apuramento
avançados evidenciam, geralmente, melhores para as fases finais; e 44 a uma outra empenhada na
performances do que os atrasados na maturação (36). subida aos Campeonatos Nacionais. Oitenta e sete
Segundo Bailey & Mirwald (6), a variabilidade do são estudantes do 2º e 3º Ciclo do Ensino Básico,
estatuto maturacional caracteriza os jovens que que nunca praticaram de modo regular qualquer
praticam desporto, sendo especialmente evidente no actividade desportiva, excepção feita para as aulas

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [22–35] 23


A. Seabra, J.A. Maia, R. Garganta

curriculares de Educação Física. Kirkendall et al. (31). Esta bateria propõe-se avaliar a
Os sujeitos da amostra foram distribuídos por três aptidão física em função das seguintes componentes:
escalões existentes na modalidade Futebol: infantis (1) força superior - elevações na barra; (2) força
(com idade cronológica entre os 10 e os 12 anos; média - abdominais; (3) força inferior - salto
futebolistas=11.74±0.44; não horizontal; (4) agilidade - corrida vai e vem; (5)
futebolistas=11.97±0.49), iniciados (entre os 13 e velocidade - corrida de 50 metros; e (6) corrida de
os 14 anos; futebolistas=13.52±0.50, não 12 minutos - resistência.
futebolistas=13.53±0.50) e juvenis (entre os 15 e
os 16 anos de idade; futebolistas=16.09±0.54, não 2.2.3. Força Explosiva
futebolistas=15.93±0.54). A avaliação da força explosiva foi realizada através
do protocolo descrito por Bosco et al. (16). Para o
2.2. Metodologia efeito cada sujeito realizou três saltos: (1) salto
2.2.1. Estrutura somática e maturação vertical máximo a partir de uma posição estática
Foram efectuadas 10 medidas somáticas, incluindo, (SE); (2) salto vertical máximo com
além da altura e do peso, diâmetros, perímetros e contramovimento (SCM); e (3) saltos verticais
pregas de adiposidade subcutânea. O protocolo máximos consecutivos durante um período de 15
utilizado foi o proposto pelo International Working segundos (PMM).
Group on Kinanthropometry (IWGK), descrito por Ross
& Marfell-Jones (45) e por Borms (14). A composição 2.2.4. Habilidades Motoras Específicas
corporal incluiu o cálculo da massa gorda e da massa A avaliação das habilidades motoras específicas do
isenta de gordura de acordo com as propostas de Futebol foi efectuada com base numa bateria de
Boileau et al. (12). O somatótipo foi determinado de testes da Federação Portuguesa de Futebol (21). Os
acordo com o método de Heath-Carter (29). O testes pretendem descrever o nível de aptidão nas
desenvolvimento genital foi avaliado através das seguintes habilidades: (1) domínio e controlo da
cartas descritas por Tanner (50). bola com o pé; (2) domínio e controlo da bola com a
No Quadro 1 está referenciada a distribuição dos cabeça; (3) dribling / passe; (4) passe; (5) remate;
sujeitos dos dois grupos por nível de maturação (6) condução / velocidade.
sexual secundária.
2.3. Procedimentos Estatísticos
Quadro 1 – Distribuição dos elementos da amostra pelos diferentes Os procedimentos estatísticos utilizados foram os
estádios de maturação, de acordo com o escalão.
seguintes: média aritmética, desvio-padrão, teste de
Qui-quadrado, t-teste de medidas independentes e
Futebolistas Não Futebolistas
análise de covariância (ANCOVA). O programa
Estádio de
estatístico utilizado foi o Systat 5.0 e o nível de
Maturação 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
significância foi mantido em 5%.
Infantis 5 32 9 – – 7 20 2 – –
Iniciados – 7 17 20 3 – 13 6 9 2
Juvenis – – 16 30 – – – 2 17 9 3. RESULTADOS
Os resultados das variáveis serão apresentados
2.2.2. Aptidão Física (numa tabela e somatocarta) pelos diferentes
A avaliação da aptidão física foi efectuada de acordo escalões competitivos.
com a bateria de testes propostos pela AAHPERD
relacionada com a performance e descrita em

24 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [22–35]


Aptidão física e habilidades motoras em jovens futebolistas

3.1.1. Infantis
Quadro 2 – Média (x), desvio padrão (sd), valor da estatística t e significado estatístico (p) da diferença de médias entre os infantis com
diferente prática desportiva.

Futebolistas Não Futebolistas


Variáveis x ± sd x ± sd t p
Medidas Somáticas
Altura 149.14 ± 6.74 147.46 ± 6.53 1.06 0.295
Peso 42.53 ± 5.62 42.11 ± 7.82 0.27 0.787
Composição Corporal
Massa gorda 6.44 ± 2.82 7.76 ± 4.72 - 1.51 0.135
Massa magra 36.09 ± 3.84 34.31 ± 3.81 1.96 0.053
Somatótipo
Endomorfismo 2.50 ± 1.10 3.14 ± 1.86 - 1.87 0.064
Mesomorfismo 4.44 ± 0.58 4.58 ± 0.84 - 0.87 0.385
Ectomorfismo 2.77 ± 0.93 2.60 ± 1.13 0.69 0.488
Aptidão Física
Elevações na barra 0.94 ± 0.98 0.79 ± 1.13 0.60 0.551
Abdominais 38.91 ± 7.68 28.25 ± 7.25 5.92 0.000
Salto horizontal 1.69 ± 0.18 1.58 ± 0.17 2.65 0.01
Corrida vai e vem 10.69 ± 1.61 12.14 ± 0.74 - 4.48 0.000
Corrida de 50 metros 8.88 ± 0.62 9.74 ± 0.74 - 5.34 0.000
Corrida de 12 minutos 2346.09 ± 348.86 2035.71 ± 486.03 3.19 0.002
Força Explosiva
SE 26.30 ± 4.50 25.29 ± 4.41 0.94 0.350
SCM 26.57 ± 4.89 25.62 ± 4.13 0.86 0.391
PMM 26.04 ± 5.99 24.73 ± 4.96 0.97 0.334
Hab. Mot. Específicas
Domínio e controlo pé 30.80 ± 26.2 8.52 ± 6.27 4.49 0.000
Domínio e controlo cabeça 6.70 ± 3.91 3.69 ± 2.10 3.81 0.000
Dribling / passe 7.74 ± 0.77 12.11 ± 3.46 - 8.27 0.000
Passe 2.37 ± 1.16 1.59 ± 1.02 2.98 0.000
Remate 6.96 ± 3.04 5.00 ± 3.17 2.67 0.009
Condução / velocidade 13.79 ± 0.82 17.22 ± 2.95 - 7.48 0.000

Mesomorfo
No escalão de infantis, os resultados encontrados
revelaram diferenças estatisticamente significativas
favorecendo os futebolistas, na maturação genital,
nos abdominais, no salto horizontal, na corrida vai e
vem, na corrida de 50 metros, na corrida de 12
minutos e em todas as habilidades motoras
específicas.
Ao removermos o efeito da maturação através da
ANCOVA, constatamos que as diferenças existentes
continuaram a ser estatisticamente significativas, à
Endomorfo Ectomorfo
excepção do salto horizontal e da corrida de 12
minutos.

Futebolistas Não futebolistas

Figura 1 – Somatocarta dos infantis.

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [22–35] 25


A. Seabra, J.A. Maia, R. Garganta

3.1.2. Iniciados
Quadro 3 – Média (x), desvio padrão (sd), valor da estatística t e significado estatístico (p) da diferença de médias entre os iniciados com
diferente prática desportiva.

Futebolistas Não Futebolistas


Variáveis x ± sd x ± sd t p
Medidas Somáticas
Altura 162.41 ± 8.27 155.48 ± 9.84 3.36 0.001
Peso 52.31 ± 8.21 48.86 ± 11.70 1.53 0.129
Composição Corporal
Massa gorda 6.79 ± 1.95 8.73 ± 5.38 - 2.26 0.026
Massa magra 45.52 ± 7.04 40.39 ± 7.62 3.02 0.003
Somatótipo
Endomorfismo 1.95 ± 0.50 3.07 ± 1.83 - 3.98 0.000
Mesomorfismo 4.15 ± 0.99 4.55 ± 1.50 - 1.43 0.156
Ectomorfismo 3.30 ± 0.81 2.96 ± 1.10 1.55 0.124
Aptidão Física
Elevações na barra 3.34 ± 2.57 0.87 ± 1.20 4.99 0.000
Abdominais 43.91 ± 5.87 32.90 ± 7.36 7.33 0.000
Salto horizontal 1.89 ± 0.20 1.70 ± 0.28 3.41 0.001
Corrida vai e vem 10.76 ± 0.83 11.66 ± 0.98 - 4.38 0.000
Corrida de 50 metros 8.42 ± 0.40 9.36 ± 1.17 - 5.10 0.000
Corrida de 12 minutos 2553.11 ± 255.75 2245.16 ± 507.27 3.54 0.001
Força Explosiva
SE 30.30 ± 4.78 28.04 ± 6.31 1.81 0.075
SCM 31.39 ± 4.89 28.77 ± 6.94 1.96 0.053
PMM 31.98 ± 5.53 26.50 ± 6.63 3.96 0.000
Hab. Mot. Específicas
Domínio e controlo pé 47.66 ± 45.12 12.73 ± 11.39 4.15 0.000
Domínio e controlo cabeça 9.55 ± 7.75 4.90 ± 4.71 2.95 0.004
Dribling / passe 8.23 ± 1.13 11.68 ± 3.23 - 6.73 0.000
Passe 2.79 ± 1.6 2.10 ± 1.54 1.86 0.06
Remate 6.51 ± 3.35 4.77 ± 3.03 2.31 0.02
Condução / velocidade 14.04 ± 1.48 16.51 ± 2.57 - 5.37 0.000

Mesomorfo

No escalão de iniciados existem diferenças


estatisticamente significativas favorecendo os
futebolistas na altura, na massa gorda, na massa
magra, no endomorfismo, no estatuto maturacional,
nas elevações na barra, nos abdominais, no salto
horizontal, na corrida vai e vem, na corrida de 50
metros, na corrida de 12 minutos, na PMM e em
todas as habilidades à excepção da prova de passe.
Contudo, ao removermos o efeito da maturação
através da ANCOVA, constatamos que deixaram de
Endomorfo Ectomorfo
se verificar diferenças estatisticamente significativas
na altura, na massa magra, no salto horizontal, na
corrida de 12 minutos e na PMM.
Futebolistas Não futebolistas

Figura 2 – Somatocarta dos iniciados.

26 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [22–35]


Aptidão física e habilidades motoras em jovens futebolistas

3.1.3. Juvenis
Quadro 4 – Média (x), desvio padrão (sd), valor da estatística t e significado estatístico (p) da diferença de médias entre os juvenis com
diferente prática desportiva.

Futebolistas Não Futebolistas


Variáveis x ± sd x ± sd t p
Medidas Somáticas
Altura 173.41 ± 6.66 167.99 ± 7.76 3.19 0.002
Peso 70.38 ± 6.41 58.95 ± 8.85 6.43 0.000
Composição Corporal
Massa gorda 10.85 ± 3.17 8.93 ± 4.92 2.05 0.044
Massa magra 59.53 ± 5.15 50.02 ± 6.89 6.77 0.000
Somatótipo
Endomorfismo 2.39 ± 0.76 2.51 ± 1.55 - 0.46 0.644
Mesomorfismo 4.59 ± 1.08 4.06 ± 0.94 2.11 0.038
Ectomorfismo 2.21 ± 1.03 3.14 ± 1.39 - 3.29 0.002
Aptidão Física
Elevações na barra 5.13 ± 3.61 2.64 ± 1.97 3.35 0.001
Abdominais 50.26 ± 6.30 34.75 ± 6.87 9.93 0.000
Salto horizontal 2.15 ± 0.14 1.96 ± 1.26 4.01 0.000
Corrida vai e vem 10.18 ± 0.65 10.87 ± 0.83 - 3.99 0.000
Corrida de 50 metros 7.36 ± 0.35 8.41 ± 0.64 - 9.18 0.000
Corrida de 12 minutos 2769.65 ± 335.82 2502.68 ± 420.13 3.01 0.004
Força Explosiva
SE 34.52 ± 5.09 32.26 ± 5.17 1.84 0.069
SCM 35.89 ± 5.17 33.81 ± 5.47 1.64 0.105
PMM 34.26 ± 6.96 29.21 ± 9.81 2.59 0.012
Hab. Mot. Específicas
Domínio e controlo pé 55.69 ± 34.19 17.71 ± 19.6 5.36 0.000
Domínio e controlo cabeça 14.69 ± 9.13 6.71 ± 7.04 3.96 0.000
Dribling / passe 8.83 ± 1.28 10.41 ± 2.98 - 3.16 0.002
Passe 2.67 ± 1.41 2 .00 ± 1.41 1.98 0.04
Remate 6.04 ± 3.13 4.96 ± 2.32 1.58 0.11
Condução / velocidade 13.76 ± 0.86 15.33 ± 2.31 - 4.2 0.000

Mesomorfo No escalão de juvenis, os futebolistas apresentam


resultados significativamente superiores na altura,
no peso, na massa gorda, na massa magra, no
mesomorfismo, no ectomorfismo, no estatuto
maturacional, nas elevações na barra, nos
abdominais, no salto horizontal, na corrida vai e
vem, na corrida de 50 metros, na corrida de 12
minutos, na PMM e em todas as habilidades à
excepção da prova de remate.
No entanto, ao removermos o efeito da maturação
através da ANCOVA, podemos constatar que à
Endomorfo Ectomorfo
excepção do peso e da massa magra, as diferenças
existentes deixaram de ser estatisticamente
significativas na altura, na massa gorda, no
Futebolistas Não futebolistas mesomorfismo, no ectomorfismo, no salto
Figura 3 – Somatocarta dos juvenis. horizontal, na corrida de 12 minutos e na PMM.

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [22–35] 27


A. Seabra, J.A. Maia, R. Garganta

4. DISCUSSÃO treino é um dos agentes que influencia esta medida


somática. Malina (37) refere que rapazes adolescentes
4.1. Estrutura somática e maturação tendem a aumentar o seu peso em associação à
4.1.1. Altura e peso actividade físico-desportiva regular. Estes ganhos
No presente estudo, os futebolistas constituintes da devem estar relacionados com o aumento da massa
nossa amostra manifestaram claramente, em ambos isenta de gordura (massa muscular) que ocorre
os escalões, resultados superiores aos não durante e após o pico de velocidade de altura e se
futebolistas nas medidas somáticas altura e peso. No prolonga até ao adulto jovem. A este efeito há a
que diz respeito à altura, foram encontradas acrescentar os estímulos provenientes do próprio
diferenças estatisticamente significativas entre os treino sobre a massa isenta de gordura.
futebolistas e os não futebolistas, no escalão de
iniciados e de juvenis. Relativamente ao peso, as 4.1.2. Composição corporal
diferenças evidenciadas entre os dois grupos só se Os resultados encontrados neste trabalho mostraram
registaram significativas no escalão de juvenis. no escalão de infantis e de iniciados, valores
Por outro lado, constatou-se ainda, em todos os superiores de massa gorda dos não futebolistas
escalões, que os futebolistas apresentavam um relativamente aos futebolistas. No escalão de juvenis
estatuto maturacional mais avançado que os não os futebolistas apresentaram resultados superiores,
futebolistas. contudo as diferenças só se revelaram
Estes resultados estão em concordância com os de estatisticamente significativas no escalão de
outros autores (6, 32, 35, 37) que referem que grande iniciados e de juvenis.
parte dos rapazes atletas tendem a estar mais Do mesmo modo, na massa isenta de gordura, só se
avançados em termos maturacionais do que os registaram diferenças estatisticamente significativas
jovens da mesma idade cronológica que não entre os grupos nos escalões de iniciados e de juvenis.
praticam qualquer desporto. Este facto poderá Estes resultados estão em concordância com os de
explicar as diferenças dimensionais e ponderais dos Bailey & Martin (5) e de Malina (35) - os rapazes
jovens avançados maturacionalmente relativamente mais activos e os atletas infanto-juvenis possuem
aos jovens atrasados, que são sempre mais baixos e uma menor massa gorda e maior massa isenta de
leves. Daqui que se questione se tais diferenças gordura (massa muscular) quando comparados com
entre jovens futebolistas e não futebolistas são os moderadamente ou normalmente activos e os
devidas ao treino, à selecção ou, pelo contrário, não atletas.
resultantes exclusivamente do processo normal de Contudo, e segundo alguns autores (7, 12), a
crescimento somático e maturação. composição corporal altera-se consideravelmente
A remoção do factor maturação mostrou a durante o processo normal de crescimento somático,
inexistência de diferenças significativas na altura. sobretudo na fase pubertária e pós-pubertária sendo,
Este facto mostrou claramente que a altura é uma por isso, extremamente difícil separar as alterações
medida somática fortemente dependente da que são devidas ao treino daquelas que estão
variância maturacional, a que se associa uma associadas ao crescimento e maturação. Após
heritabilidade elevada, sobretudo nos parâmetros do remoção do efeito maturacional verificou-se que na
salto pubertário. massa gorda as diferenças se mantinham
Quando se considera o estatuto maturacional dos estatisticamente significativas no escalão de
sujeitos, o treino regular não apresenta um efeito iniciados. O mesmo não aconteceu no de juvenis. Na
estimulador no crescimento estatural para além do massa isenta de gordura as diferenças deixaram de
que se espera do genótipo dos sujeitos (6, 32, 38) em ser estatisticamente significativas no escalão de
condições adequadas do envolvimento. iniciados e mantiveram-se no de juvenis.
No peso, mesmo após a remoção do efeito da Beunen (8) e Malina (37) referem que nos rapazes a
maturação, as diferenças mantiveram-se massa isenta de gordura (i. e. a massa muscular)
estatisticamente significativas. Tal sugere que o está associada ao processo maturacional sendo que

28 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [22–35]


Aptidão física e habilidades motoras em jovens futebolistas

tal associação é relativamente fraca durante a endomórfica. Tal circunstância é clara na literatura
infância e moderadamente forte no período somatotipológica.
pubertário. Os resultados encontrados salientam o Carter (18) refere estudos de somatótipos realizados
efeito positivo da actividade física regular e o do em atletas de alto nível mostrando a predominância
treino no aumento da massa isenta de gordura da mesomorfia relativamente à endomorfia. Este
particularmente no período pós-pubertário (escalão padrão é diverso daquele presente em amostras de
de juvenis). referência e em atletas de baixo nível competitivo.
De acordo com este autor, o treino e a participação
4.1.3. Somatótipo em desportos tendem a aumentar a mesomorfia e a
No que diz respeito à morfologia externa do corpo diminuir a endomorfia.
(somatótipo) e particularmente às suas
componentes, pudemos constatar a existência de 4.2. Aptidão física
diferenças entre futebolistas e não futebolistas nos 4.2.1. Força superior
diferentes escalões. Nesta componente da aptidão física, os futebolistas
No escalão de infantis, os somatótipos médios não evidenciaram resultados superiores aos não
diferiram significativamente entre os dois grupos. futebolistas em todos os escalões.
No escalão de iniciados, os não futebolistas No escalão de infantis, os valores apresentados pelos
apresentaram valores superiores na componente futebolistas apesar de superiores não foram
endomórfica. Após remoção do efeito da maturação significativamente diferentes dos manifestados pelos
as diferenças permaneceram estatisticamente não futebolistas, uma vez que foram poucos os
significativas. Nos juvenis, os futebolistas revelaram elementos da amostra que conseguiram realizar uma
resultados significativamente superiores na elevação na barra.
componente endomórfica e inferiores na Nos escalões de iniciados e de juvenis, os resultados
ectomórfica. Contudo, após remoção do efeito da encontrados para os futebolistas foram muito
maturação as diferenças deixaram de ser superiores e significativamente diferentes dos
estatisticamente significativas. apresentados pelos não futebolistas.
Neste estudo, pudemos constatar, tanto nos Na prova de elevações na barra, o efeito gravítico tem
futebolistas como nos não futebolistas, que a uma importância fundamental nas performances
componente mesomórfica é dominante. Esta eventualmente realizadas, uma vez que o sujeito tem
componente diminui os seus resultados do escalão necessidade de mover e suportar o seu peso corporal
de infantis para o de iniciados para voltar a contra a acção da gravidade. Fleishman (22) encontrou
evidenciar valores mais elevados nos juvenis. Carter nesta prova uma correlação negativa entre o peso
(18) refere que, nos rapazes atletas, a tendência para corporal e a performance, ou seja, quanto maior o peso
aumentar em mesomorfia é um fenómeno evidente corporal do sujeito piores são as performances
da adolescência até à idade adulta. Este facto é realizadas. Esta relação é corroborada pelo facto do
igualmente verdadeiro para as populações não aumento do peso corporal e das dimensões lineares
atléticas. Contudo, e de acordo com alguns autores condicionarem alometricamente a performance (ver por
(20, 30, 49), a mesomorfia diminui ligeiramente nos exemplo 2). Enquanto a área de secção transversa dos

rapazes, quer atletas quer não atletas, do take-off músculos aumenta para L2, a massa é proporcional a
para o pico de velocidade da altura (PVA). Esta L3, implicando uma desvantagem nítida dos sujeitos
diminuição está provavelmente relacionada com o dimensionalmente superiores (ver 3).
aumento em ectomorfia. Isto é, verifica-se primeiro Safrit (46) adiciona a circunstância da performance
um aumento da linearidade, para após o PVA se nesta prova estar negativamente correlacionada com
constatar um aumento do peso e uma a gordura corporal. Neste estudo, os não futebolistas
predominância da mesomorfia. apresentam valores de composição corporal e de
Nesta pesquisa os não futebolistas, em todos os morfologia externa muito diferentes dos
escalões, revelam valores superiores na componente evidenciados pelos futebolistas.

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [22–35] 29


A. Seabra, J.A. Maia, R. Garganta

Relativamente à composição corporal, podemos conhecer o possível efeito que a maturação poderia
verificar que no escalão de iniciados, os não ter tido sobre os resultados encontrados.
futebolistas manifestam valores superiores de massa Nesta prova, mesmo após a remoção do efeito da
gorda (+1.94kg) e menores de massa isenta de maturação as diferenças existentes entre futebolistas
gordura (-5.13kg). e não futebolistas mantêm-se significativas. Estes
No escalão de juvenis, os valores de massa gorda resultados vêm assim mostrar, uma vez mais, que o
tornam-se semelhantes, enquanto que na massa treino tem uma influência relevante na melhoria da
isenta de gordura as diferenças entre futebolistas e capacidade de força-resistência da musculatura
não futebolistas se tornam muito superiores abdominal.
(9.51kg). Por outro lado, nestes dois escalões, os
futebolistas revelam uma morfologia externa 4.2.3. Força inferior
diferenciada da dos não futebolistas. Enquanto nos Os resultados encontrados nesta componente
futebolistas predomina a componente mesomórfica evidenciam valores superiores nos futebolistas em
que exprime a robustez do esqueleto e o todos os escalões. As diferenças encontradas foram
desenvolvimento da musculatura, nos não sempre estatisticamente significativas.
futebolistas prevalece a componente endomórfica Resultados diferentes foram encontrados por
que, como se sabe, exprime a tendência para a Verschuur (51) no estudo longitudinal que realizou
adiposidade. Estes factos justificam, também, parte com crianças activas e inactivas dos 13 aos 16 anos.
do diferencial de resultados obtidos. Nesse trabalho, e na prova de salto horizontal, não
No entanto, e como suspeitávamos que a maturação foram encontradas diferenças entre as crianças
fosse um factor capaz de influenciar estes resultados, activas e inactivas.
removemos o seu efeito. Após a remoção, Tal como referimos anteriormente, no sexo
constatámos que as diferenças existentes entre masculino a força muscular aumenta linearmente
futebolistas e não futebolistas se mantinham com a idade cronológica desde o inicío da infância
estatisticamente significativas. Estes resultados até aproximadamente os 13/14 anos, havendo a
sugerem que o treino é um dos factores responsáveis partir daí uma marcada aceleração no seu
pela melhoria da performance desta componente da desenvolvimento (38, 24).
aptidão física. É pois natural que, em cada intervalo de idade, os
rapazes avançados maturacionalmente apresentem
4.2.2. Força média uma maior força muscular do que os rapazes
Os futebolistas apresentaram valores atrasados na maturação. Essas diferenças na força
significativamente superiores aos evidenciados pelos entre grupos de diferente maturação são mais
não futebolistas em todos os escalões. evidentes entre os 13 e os 16 anos de idade (24).
Resultados diferentes foram encontrados por Ao removermos o efeito da maturação verificamos,
Verschuur (51) e Beunen et al. (11) em amostras de em todos os escalões, que as diferenças deixaram de
jovens activos e inactivos dado não encontrarem ser significativas. Isto sugere a elevada importância
diferenças de realce entre eles. No entanto, Beunen do factor maturacional e a eventual ausência do
(8) refere que nos rapazes com idades compreendidas efeito substancial do treino.
entre os 12 e os 13 anos este teste está
negativamente correlacionado com a idade 4.2.4. Agilidade
esquelética, contrariamente ao que acontece acima Nesta prova e em todos os escalões, os futebolistas
dos 14 anos de idade onde todas as capacidades evidenciaram valores significativamente superiores
motoras estão positivamente correlacionadas com a aos não futebolistas.
idade esquelética. Desse modo, atendendo ao citado Verschuur (51) salientou as diferenças significativas
anteriormente e ao facto de sabermos que todas as de crianças e jovens activas relativamente aos
componentes da aptidão física revelam alterações em inactivos, a que se parece associar um efeito
função do crescimento e da maturação, procurámos interactivo maturação x treino.

30 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [22–35]


Aptidão física e habilidades motoras em jovens futebolistas

No Futebol, o único trabalho encontrado foi contrário, o treino e a selecção utilizada no Futebol
realizado por Garganta et al. (27) com jovens poderão ser os principais factores responsáveis pelos
futebolistas de nível competitivo diferenciado (elite/ resultados obtidos.
não elite). Na prova de agilidade, os futebolistas de
elite evidenciaram valores significativamente 4.2.6. Resistência aeróbica
inferiores relativamente aos de não elite. Os futebolistas percorreram distâncias muito
Pelo contrário, na pesquisa longitudinal realizada superiores aos não futebolistas.
por Beunen et al. (11) com crianças activas e inactivas Segundo Mirwald et al. (41) e Marques et al. (40), os
dos 13 aos 18 anos não foram encontradas valores médios, nas provas de resistência aeróbica
diferenças de realce. avaliadas indirectamente aumentam com a idade.
Deste modo, e a exemplo do fizemos com as outras Com o aparecimento da puberdade, os rapazes
componentes, procuramos saber se nesta prova as mostram um aumento da potência aeróbica que está
diferenças existentes entre futebolistas e não claramente relacionado com o pico de velocidade da
futebolistas eram devidas ao efeito da maturação. Após altura (41). Borms (13) confirma este aspecto ao referir
remoção da maturação as diferenças mantinham-se que nos rapazes atletas, após os 12 anos de idade, há
estatisticamente significativas, o que nos leva a pensar um aumento na sensibilidade ao treino do sistema
que o treino tem uma influência positiva no aumento cárdio-circulatório, decorrendo daqui um aumento
da performance da corrida de vai e vem. da capacidade aeróbica. Durante a fase de
crescimento pubertário regista-se um aumento da
4.2.5. Velocidade potência máxima aeróbica independentemente da
Os valores médios obtidos para a corrida de 50 prática ou não de actividade física. Contudo, a idade
metros evidenciaram em todos os escalões uma biológica parece influenciar a potência aeróbica,
“superioridade” estatisticamente significativa dos dado existir uma correlação positiva entre esses dois
futebolistas relativamente aos não futebolistas. factores. Bailey (4) salienta que entre os 8 e os 15
Sobral (48) refere que do ponto de vista “evolutivo” anos de idade, os indivíduos maturacionalmente
se verifica um incremento acentuado da velocidade avançados revelam um maior consumo máximo de
de deslocamento, avaliada através de provas de oxigénio do que os atrasados na maturação.
corrida curta (20 a 50 metros), dos 5 aos 16 anos de Vrijens & Van Cauter (52) realizaram um estudo com
idade. O mesmo autor refere ainda que nos rapazes jovens futebolistas com idades compreendidas entre
entre os 10 e os 13 anos se observa um aumento os 10 e os 13 anos com o objectivo de avaliar a
regular das prestações. Marques et al. (40) salientam influência da idade biológica em diferentes
este aspecto ao referir que nos rapazes, a partir do componentes da aptidão física. Uma das
período pubertário, há uma maior percentagem de componentes avaliadas foi a capacidade aeróbica
massa muscular e um desenvolvimento superior da numa prova de corrida de 6 minutos. Os resultados
capacidade anaeróbica o que como sabemos encontrados mostraram valores mais baixos de
determina os resultados desta componente. capacidade aeróbica nos indivíduos atrasados na
Desse modo, e uma vez que a componente velocidade maturação. Contudo, as diferenças encontradas não
é condicionada pelo desenvolvimento geral do foram estatisticamente significativas, dada a redução
indivíduo e muito particularmente pela sua da dimensão da amostra (n=66).
maturação biológica (39), torna-se importante saber se Também aqui procurámos verificar se as diferenças
os resultados encontrados nesta prova eram devidos à existentes entre futebolistas e não futebolistas eram
maturação. Para o efeito removemos a maturação devidas ao efeito maturacional. Ao remover a
tendo constatado que as diferenças até aí existentes maturação verificou-se que as diferenças deixaram
se mantinham estatisticamente significativas. de existir. Daqui que a maturação deva ser
Estes resultados parecem evidenciar que a considerado o factor influenciador das diferenças de
maturação não tem uma influência significativa resultados desta prova. O treino por si só não parece
sobre esta componente da aptidão física. Pelo ter um efeito positivo na melhoria da performance

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [22–35] 31


A. Seabra, J.A. Maia, R. Garganta

desta componente da aptidão física nos futebolistas conseguirem resultados superiores em tarefas que
estudados. façam apelo à capacidade de força ou de força-
Beunen (8) reforça este aspecto ao referir as elevadas velocidade (potência), como por exemplo os saltos,
correlações entre estatuto maturacional e consumo os lançamentos e os sprints.
máximo de oxigénio. Contudo, quando o consumo Desse modo, nos rapazes, as correlações entre a
máximo foi expresso em termos relativos as força muscular, a prestação desportiva e os
correlações passaram a ser baixas e deixaram de ser indicadores de maturação esquelética e sexual
significativas. tendem a ser mais elevadas entre os 13 e os 16 anos
de idade, sendo mais evidentes, nesta faixa etária, as
4.3. Força explosiva diferenças na força muscular entre os mais e os
No SE e no SCM, os resultados obtidos nos menos adiantados no processo de maturação. Do
diferentes escalões não apresentam diferenças mesmo modo, Vrijens & Van Cauter (52) ao
estatisticamente significativas. Contudo, os valores estudarem a influência da maturação esquelética no
mais elevados expressos pelos futebolistas no teste desenvolvimento somático e na prestação motora de
do SE e no SCM poderão ser devidos a um melhor 66 jovens futebolistas, com idades cronológicas
aproveitamento da energia elástica e da capacidade compreendidas entre os 10 e os 13 anos, concluiram
contráctil do músculo. Bosco et al. (17) referem que o que a capacidade motora força muscular é
potencial elástico do músculo esquelético humano é influenciada pela maturação esquelética.
uma propriedade que pode ser melhorada através do Os resultados deste trabalho estão em concordância
treino. Deste modo, o aumento do número de anos com os alcançados por Bosco & Luhtanen (15) no
de treino conduz a uma melhoria do aproveitamento estudo que realizaram com futebolistas e não
da contracção concêntrica no ciclo de estiramento/ futebolistas dos escalões de iniciados (14 anos) e de
encurtamento. A comparação dos valores obtidos no juvenis (16 anos). Nessa pesquisa,
SCM com os do SE permite constatar que os valores independentemente do escalão, os futebolistas
encontrados no SCM são superiores, facto que vem apresentaram sempre valores superiores aos não
“confirmar” que o pré-alongamento muscular futebolistas nos vários testes de força explosiva
aumenta a força produzida durante a contracção realizados. No entanto, as diferenças encontradas
concêntrica imediata. entre futebolistas e não futebolistas, nos diferentes
No teste da PMM os futebolistas apresentaram testes, apenas foram estatisticamente significativas
valores superiores aos não futebolistas em todos os no escalão de juvenis.
escalões. No entanto, as diferenças estatisticamente O estatuto maturacional é um factor que influencia o
significativas só ocorrem nos escalões de iniciados nível de desenvolvimento da força muscular,
e de juvenis. nomeadamente nas formas de manifestação de força-
Contudo, constatámos que após remoção do efeito velocidade e de força máxima, com especial
da maturação as diferenças até aí existentes nos incidência entre os 13 e os 16 anos de idade. Nesta
escalões de iniciados e de juvenis deixaram de conformidade e concluindo, não podemos referir
existir. A maturação, nestes escalões, revelou-se um claramente se estes resultados são devidos ao treino,
factor influenciador dos resultados, contribuindo visto que o processo de maturação biológica
dessa forma para diferenciar futebolistas e não influencia e condiciona os resultados alcançados
futebolistas. pelos futebolistas e pelos não futebolistas.
Segundo Beunen & Malina (9), o facto dos níveis de
força serem superiores nos indivíduos mais 4.4. Habilidades motoras específicas
adiantados no estatuto maturacional reflecte em Os resultados médios obtidos no presente estudo
parte um maior tamanho corporal e uma maior evidenciam, em todas as habilidades motoras
quantidade de massa isenta de gordura. De acordo específicas do Futebol, uma superioridade dos
com estes autores, os indivíduos mais avançados no futebolistas em relação aos não futebolistas. A
processo de maturação estão mais predispostos para comparação destes resultados permitiu ainda

32 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [22–35]


Aptidão física e habilidades motoras em jovens futebolistas

verificar a existência de diferenças com significado estrutura somática e na força explosiva.


estatístico em todas as habilidades específicas, à No escalão de iniciados a maturação teve um efeito
excepção do passe no escalão de iniciados e do significativo favorecendo os futebolistas na altura, na
remate no escalão de juvenis. massa isenta de gordura, na força inferior, na
Mas a que serão devidas estas diferenças tão resistência aeróbica e na PMM. O treino mostrou um
significativas existentes entre futebolistas e não impacto relevante nos futebolistas na massa gorda,
futebolistas nas várias habilidades? Será que o treino no endomorfismo, na força superior e média, na
e a maturação tiveram alguma influência nos agilidade e na velocidade. Pelo contrário, a
resultados alcançados? maturação, a selecção e o treino não tiveram
Nesta temática e contrariamente ao que fizemos nas qualquer efeito nos futebolistas, no que se refere ao
anteriores, não removemos o efeito da maturação peso, mesomorfismo, ectomorfismo, SE e SCM.
pois segundo alguns autores (47, 52, 53) a maturação No escalão de juvenis a maturação teve um efeito
não parece ter uma grande influência sobre as significativo favorecendo os futebolistas na altura, na
habilidades motoras específicas. Pelo contrário, o massa gorda, no mesomorfismo, na força inferior, na
treino e o número de anos de prática de Futebol resistência aeróbica e na PMM. O treino mostrou um
parecem ter uma acção positiva na melhoria destas impacto nos resultados apresentados pelos
habilidades. futebolistas no peso, na massa isenta de gordura, na
Vrijens & Van Cauter (52) não encontraram nenhuma força superior e média, na agilidade e na velocidade.
correlação entre a maturação e as habilidades Contudo, não houve um efeito marcado da
específicas do Futebol, ao passo que com o treino e o maturação, da selecção e do treino favorecendo os
número de anos de prática desta modalidade os futebolistas, no endomorfismo, no SE e no SCM.
coeficientes de correlação foram altamente
significativos. Zaichkowsky et al. (53) referem
igualmente que a experiência (aprendizagem e
treino) é um factor crítico na aquisição das
habilidades específicas, pelo que as crianças
treinadas têm melhores performances do que as não
treinadas. Schmidt (47) salienta este mesmo aspecto
ao mencionar a existência de muitos factores que
aumentam a capacidade de performance das
habilidades específicas, realçando a experiência e a
prática. Segundo este autor, os atletas de alto
rendimento apresentam elevados níveis de
habilidades, devido essencialmente à quantidade de
tempo e de prática que aplicam na sua preparação.
Daqui que um alto nível de prática de elevada
qualidade seja um factor crítico no desenvolvimento
das habilidades motoras específicas.
CORRESPONDÊNCIA
5. CONCLUSÕES José Maia
No escalão de infantis a maturação teve um efeito Faculdade de Ciências do Desporto
significativo favorecendo os futebolistas na força e de Educação Física
inferior e na resistência aeróbica. O treino teve um Universidade do Porto
impacto nos resultados dos futebolistas na força R. Dr. Plácido Costa, 91
média, na agilidade e na velocidade. A selecção, a 4200.450 Porto
maturação e o treino não evidenciaram qualquer Portugal
efeito significativo favorecendo os futebolistas na [jmaia@fcdef.up.pt]

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [22–35] 33


A. Seabra, J.A. Maia, R. Garganta

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D. De Rose Jr., S.R. Deschamps, P. Korsakas

O jogo como fonte de stress no basquetebol infanto-juvenil

D. De Rose Jr.
S.R. Deschamps
P. Korsakas

Escola de Educação Física e Esporte


Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

RESUMO ABSTRACT
O jogo de basquetebol é uma fonte potencial de stress para Game as a source of stress with young basketball players
atletas. Os diferentes fatores que compõem esse jogo geram
situações que podem influenciar no desempenho dos atletas. The basketball game is a potential source of stress for the
Neste estudo procurou-se identificar as situações específicas athletes. The different aspects of the game lead to situations
do jogo e que são entendidas como causadoras de stress por that can influence the players’ performance. In this study the
atletas infanto-juvenis e classificá-las de acordo com o nível de purpose was to identify and rank the game stressful situations,
stress que causam aos mesmos. Participaram do estudo 136 according to the opinion of basketball youth athletes. The
jogadores de basquetebol, com idade variando entre 15 e 18 research was made with 136 basketball players (61 girls and 75
anos, sendo 61 moças e 75 rapazes, todos vinculados a clubes boys) with age ranging from 15 to 18 years old. All of them
do Estado de São Paulo e competindo em eventos oficiais were playing basketball for clubs at State of São Paulo and
organizados pela Federação Paulista de Basketball. Esses competing in events organized by the regional basketball
atletas responderam ao Formulário para Identificação de league. The athletes answered the Formulary for Identification
Situações de Stress no Basquetebol (FISSB). Os resultados of Stressful Situations in Basketball (FISSB). The results
mostraram que as principais situações causadoras de stress showed that the most stressful situations in the game were
estavam relacionadas aos seguintes fatores específicos: related to the following specific factors: “competence”, “task
“competência”, “dificuldade do jogo”; “arbitragem”; “técnico” difficulty”; “referees”; “coaches” and “teammates”. Although
e “companheiros de equipe”. Apesar de haver diferenças there was significant differences in the level of stress between
significativas nos níveis de stress apontados pelas meninas, em girls and boys, there was a strong correlation between both
relação aos meninos, houve uma correlação muito forte entre a sexes concerned to the rank of the (rs = 0.9027; p < 0.01).
classificação das situações (rs = 0.9027; p < 0.01). Esses These results show the importance of game situations as stress
resultados mostram a importância do jogo, como fonte de stress source and contribute for the understanding of the competitive
e servem para que técnicos e atletas possam melhor entender o process by coaches and athletes in order to decrease the
processo competitivo e diminuir o impacto dessas situações no influence of stress in athletes’ performance.
desempenho dos atletas.
Key Words: Competitive stress; basketball; youth sport; sport
Palavras-chave: Stress competitivo, basquetebol, esporte infanto- competition.
juvenil e competição esportiva.

36 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [36–44]


Stress específico do jogo de basquetebol

INTRODUÇÃO REVISÃO DE LITERATURA


O basquetebol pode ser considerado um esporte Os esportes coletivos caracterizam-se por uma
complexo, que envolve um processo dinâmico e sequência de ações e tomadas de decisão encadeadas
contínuo de situações específicas. Para atingir um com a participação de dois ou mais jogadores (13).
nível de execução considerado adequado os atletas O basquetebol apresenta uma grande variação de
devem estar preparados fisicamente, tecnicamente e ações durante o jogo, fazendo com que esta seja uma
taticamente. Esses fatores, aliados aos aspectos das mais complexas modalidades esportivas que
psicológicos envolvidos na prática de qualquer ainda apresenta limitações relacionadas ao espaço e
esporte competitivo, são decisivos na determinação ao tempo de jogo. O jogo no basquetebol está
do desempenho dos atletas e, até mesmo, na estruturado com base em três aspectos sequenciais e
definição dos resultados dos jogos. interdependentes: fundamentos, situações onde
Entre os aspectos psicológicos que fazem parte de ocorre a combinação desses fundamentos e aspectos
qualquer contexto competitivo, o stress pode ser táticos de defesa e ataque. A boa execução desses
considerado um dos fatores preponderantes na componentes estruturais depende basicamente das
determinação do desempenho, não se desprezando a capacidades físicas, coordenativas e perceptuais,
influência da ansiedade, da motivação, da além das habilidades motoras e cognitivas (4, 18).
agressividade, da concentração, da atenção e da Os componentes físicos, coordenativos, perceptuais,
coesão de grupo, entre outros. técnicos e táticos inseridos nas situações do próprio
Lidar com as situações provocadoras de stress e jogo e aliados às exigências psicológicas , fazem do
manter os níveis adequados de ansiedade são basquetebol um esporte muito complexo,
fundamentais para a manutenção de um estado proporcionando uma gama infindável de análises,
aceitável que permita ao atleta, além de inúmeras opções e uma grande variabilidade de
desempenhar em níveis apropriados, tomar decisões situações. Tudo isto exige muita preparação por
importantes em diferentes momentos do jogo. parte dos atletas, inclusive em relação aos fatores
Pode-se imaginar que atletas experientes, com grande psicológicos envolvidos em sua prática
número de participações em eventos internacionais, O basquetebol exige três fatores básicos para a sua
tenham melhores condições de lidar com as situações prática: concentração, controle e confiança. O atleta
causadoras de stress próprias de uma competição e precisa estar focalizado na tarefa, controlando suas
possam manter seus níveis de ansiedade dentro de emoções e confiando na sua capacidade de realizá-la.
padrões aceitáveis. No entanto, a pressão dessas O atleta tem que ter auto controle e não deixar que as
competições pode provocar rupturas nesses emoções influenciem nas decisões a serem tomadas.
comportamentos, pelas consequências que o fracasso É um ajuste delicado entre mente e corpo (18).
nessas situações pode gerar. No contexto competitivo, o basquetebol é um
Imagina-se também que atletas em início de carreira, esporte potencialmente gerador de stress, no qual os
apesar de participarem de eventos menos tensos e atletas são solicitados a desempenhar de forma ideal,
com consequências não tão importantes, tenham sob circunstâncias dinâmicas que exigem grande
dificuldades em lidar com as situações do contexto atenção, concentração e participação ativa, mediadas
competitivo ou externas a ele e que levem a um por pressões diversas como tempo de jogo,
desempenho inadequado, exatamente pela falta de adversários, arbitragem, além de fatores como
experiência. necessidade de vencer, obtenção de status social,
Todas essas considerações despertam o interesse recompensa e necessidade de reconhecimento, que
pelo estudo detalhado desse componente presente no conjunto podem afetar o rendimento (6, 16).
no processo competitivo, para que se elucidem Assim como nos demais esportes coletivos, o
algumas dúvidas e para que se tenham melhores basquetebol tem como fontes geradoras de stress as
condições de lidar com as situações causadoras de situações direta ou indiretamente relacionadas ao
stress, diminuindo seu impacto no desempenho dos processo competitivo. As situações diretamente
atletas envolvidos. relacionadas ao processo competitivo são aquelas

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [36–44] 37


D. De Rose Jr., S.R. Deschamps, P. Korsakas

que acontecem ao longo desse processo, desde o – Importância e dificuldade do jogo (7 situações)
treinamento até o jogo propriamente dito e podem – Competência e dificuldade da tarefa (6 situações)
depender exclusivamente do indivíduo ou do – Estado físico (3 situações)
ambiente, ou de ambos em uma combinação – Adversários (3 situações)
multivariada de fatores. Já as situações – Arbitragem (3 situações)
indiretamente relacionadas ao processo competitivo – Torcida (4 situações)
são aquelas que acontecem no cotidiano do atleta e – Companheiros de equipe (7 situações)
que podem afetar seu desempenho competitivo (6). – Técnico (9 situações)
A literatura especializada não apresenta um número – Infra-estrutura (2 situações)
muito expressivo de estudos relacionando
basquetebol e situações de stress competitivo, Portanto, sendo o jogo o momento no qual o atleta
dificultando a análise desse fenômeno. Estudos demonstra suas habilidades e fraquezas, é nele que
mostram diversos aspectos da relação stress/ muitas situações se concretizam e apontam para
desempenho no basquetebol, como por exemplo uma maior incidência do stress, provocando níveis
situações externas à competição, comportamento elevados de ansiedade e preocupações que podem
dos atletas, situações específicas de jogo, reações e levar a um desempenho inadequado. Isto pode
expectativas. Também apresentam amostras variadas ocorrer tanto em atletas adultos (como mostra a
em relação ao sexo, faixa etária e nível dos atletas. A maioria dos estudos citados) como também e,
maioria foi realizado com atletas adultos de principalmente, com jovens em fase de formação e
diferentes níveis. Algumas das situações causadoras que ainda não conseguem lidar de forma adequada
de stress encontradas nesses estudos são com as situações estressantes de uma partida de
demonstradas a seguir: fadiga (principalmente no basquetebol.
final da partida), falta de condicionamento físico, Estudar a influência dessas situações relacionadas a
erros técnicos (perder bolas, errar arremessos, errar este momento tão importante é fundamental para
passes, cometer violações), ser excluído do jogo com que se possa melhor entender o comportamento dos
5 faltas, ser substituído por deficiência técnica, atletas e o quanto ele pode ser afetado quando de
perder para equipes de menor expressão técnica, sua ocorrência.
excesso de treinamento, incompatibilidade com Neste estudo, especificamente, procurou-se
técnico e companheiros de equipe e arbitragem identificar as situações próprias de jogo que podem
(1, 7, 10, 16, 17). causar stress elevado em atletas de basquetebol de
Especificamente no Brasil, foi realizada uma categorias de base (cadetes, infanto-juvenis e
pesquisa com jogadores e jogadoras de basquetebol juvenis), classificar essas situações de acordo com a
de nível internacional (participantes de Jogos incidência de respostas dadas pelos atletas ao
Olímpicos e Campeonatos Mundiais de Basquetebol) instrumento utilizado para a finalidade e comparar
na qual foram identificadas 126 diferentes situações essa classificação em função do sexo
de stress das quais 114 referiam-se diretamente ao
processo competitivo. Entre elas, 44 aconteciam MÉTODOS
durante o jogo, mostrando a importância desse Antes de se abordar especificamente a metodologia
momento do processo para os atletas (6). deste estudo é importante que se frise que o fator
De acordo com essa pesquisa, as situações específico “jogo” e suas fontes e situações de stress
causadoras de stress específico de jogo foram fazem parte de um contexto analisado com atletas de
relacionadas, de acordo com suas características e nível internacional e que teve prosseguimento com a
similaridades a fontes específicas, assim criação de um Formulário para Identificação de
denominadas: Situações de Stress no Basquetebol (FISSB) para
atletas de categorias de base, que será especificado
no item “instrumento”.

38 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [36–44]


Stress específico do jogo de basquetebol

Amostra Universidade de São Paulo que utilizando o índice


Participaram do estudo 136 jogadores de Alpha de Cronbach, encontrou um valor de 0,98,
basquetebol (75 rapazes e 61 moças) com idade considerado muito alto para instrumentos dessa
variando entre 15 e 19 anos, todos atletas de clubes natureza (3).
filiados à Federação Paulista de Basketball, O FISSB foi dividido em 4 partes: 1- ficha de
disputando regularmente campeonatos organizados identificação do atleta (anexo 1); 2- questões sobre
pela entidade. A média de idade do grupo foi igual a fatores extra competitivos ; 3- questões sobre fatores
17 anos e 6 meses. competitivos (anexo 2) e 4- questões abertas sobre
De acordo com a posição específica, participaram: 35 níveis de expectativa, objetivos e motivos que
armadores (bases), 45 pivôs (postes) e 56 alas levaram os atletas à prática do basquetebol.
(extremos). A grande maioria dos atletas tinha As situações apresentadas nas partes 2 e 3 foram
experiência de, pelo menos, 4 anos de prática do associadas a uma escala de intensidade de stress, com
basquetebol (97 – 71%) e somente 1 atleta praticava valores variando de 0 = não provoca nenhum stress a
há menos de um ano. Desta forma pode-se 5 = provoca stress muito elevado.
considerar o grupo bastante experiente. Para este artigo foram valorizados somente as
Outro dado importante da amostra é o nível de questões diretamente relacionadas ao fator
competição frequentada pelos atletas. Todos, sem “jogo”, conforme classificação apresentada por
exceção, participaram de campeonatos estaduais De Rose Jr. (6).
promovidos pela Federação Paulista de Basketball.
Vinte, participaram de torneios nacionais Procedimentos
representando a Seleção do Estado de São Paulo; 10 O FISSB foi administrado aos atletas após contato
participaram de torneios Sul Americanos com os técnicos responsáveis e sua autorização para
representando o país e 11 estiveram em a realização do estudo. Os atletas foram instruídos a
campeonatos mundiais da categoria juvenil. respeito do preenchimento do formulário e lhes foi
dada a opção de participar ou não do estudo. Aos
Instrumento atletas que concordaram com a participação foi
Como já foi citado anteriormente, para este estudo entregue um formulário em envelope fechado, com a
foi criado um formulário para identificação de recomendação de que tinham que respondê-lo e
situações causadoras de stress no basquetebol de devolvê-lo no prazo de 15 dias, também em envelope
categorias menores, que teve como base o estudo fechado, ao próprio autor.
desenvolvido por De Rose Jr. (6) com atletas Ao receberem as orientações sobre o preenchimento
adultos de nível internacional, participantes de do formulário, os atletas tomaram conhecimento do
Campeonatos Mundiais de Basquetebol e Jogos projeto e a garantia da manutenção do sigilo dos
Olímpicos, com a inclusão e adaptação de novas dados.
situações em função da faixa etária dos atletas que
seriam submetidos às futuras análises (no caso Análise dos dados
atletas de 15 a 19 anos) e de uma nova fonte de Para atender os objetivos deste estudo, foram
stress, que não foi citada pelos atletas de alto consideradas as situações associadas ao fator
rendimento, mas que por se tratar de jovens específico denominado “jogo”, de acordo com a
poderia causar algum tipo de stress, ou seja, os pais. categorização pré determinada (6). Este fator, após a
O Formulário para Identificação de Situações de modificação e adequação dos itens, é composto por
Stress no Basquetebol (FISSB), como foi 63 situações (anexo 2).
denominado, passou por um processo de validação As situações foram classificadas considerando-se os
de conteúdo feito por especialistas da área e, valores percentuais da somatória das respostas dos
posteriormente, pelo processo de análise da níveis 4 (provoca muito stress) e 5 (provoca stress
consistência interna de seus itens realizado pelo muito elevado). Foi também estabelecida a
Instituto de Matemática e Estatística da correlação entre as classificações em função do

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [36–44] 39


D. De Rose Jr., S.R. Deschamps, P. Korsakas

sexo, através do Coeficiente de Correlação de Tabela 2 – 10 situações que mais provocam stress em jogo, de acordo
com a opinião dos jogadores (valores percentuais)
Postos de Spearman.
Realizou-se ainda a comparação dos níveis de stress
Cl. Situação Valor %
de cada um dos grupos em função do sexo com a
1 34-Cometer erros que provocam a derrota da equipe 77.3
utilização da Análise de Variância (ANOVA).
2 25-Perder jogo praticamente ganho 68.9
3 31-Repetir os mesmos erros 68.0
RESULTADOS 4 50-Arbitragem que te prejudica 64.0
De acordo com a opinião dos atletas, as situações de 5 24-Perder para equipe tecnicamente inferior 62.7
jogo que mais causam stress estão relacionadas a 6 33-Cometer erros em momentos decisivos 61.3
fontes como: arbitragem, técnico, competência, 7 68-Técnico que privilegia determinado jogador 60.0
dificuldade do jogo e companheiros de equipe. Em 8 60-Companheiro egoísta 58.7
ambos os sexos as situações relacionadas a essas 9 30-Jogar abaixo de seu padrão normal 56.0
fontes específicas se sobressaíram sobre as demais 10 69-Técnico que só critica 54.7
situações, como mostra a tabela 1. 10 70-Técnico que não reconhece o esforço do jogador 54.7

Tabela 1 – Médias dos níveis de stress de cada fonte específica em Tabela 3 – 10 situações que mais provocam stress em jogo, de acordo
função do sexo. com a opinião das jogadoras (valores percentuais)

Fonte Específicas de Stress Masc Fem Cl. Situação Valor %


1 31-Repetir os mesmos erros 88.1
Competência e Dificuldade do Jogo 2.93 3.26
2 60-Companheiro egoísta 80.3
Estado físico 2.51 2.66
3 25-Perder jogo praticamente ganho 77.1
Adversários 2.19 3.09 4 34-Cometer erros que provocam a derrota da equipe 77.0
Arbitragem 3.31 3.45 5 63-Companheira que cobra ou reclama muito 73.8
Torcida 1.83 2.04 6 30-Jogar abaixo de seu padrão normal 77.1
Companheiros de Equipe 2.83 3.40 7 37-Ser excluída do jogo 70.5
Técnico 3.10 3.60 8 24-Perder para equipe tecnicamente inferior 70.1
Pais 1.25 1.22 9 68-Técnico que privilegia determinado jogador 65.6
Estrutura e Local de jogo 2.34 1.97 10 70-Técnico que não reconhece o esforço do jogador 64.0
Média Geral 2.61 2.68
Apesar da diferença do nível de stress para cada situação
O nível de stress atribuído às situações apresentadas e de ser esta diferença estatisticamente significante,
no FISSB foi significativamente maior para as notou-se que havia forte concordância quanto à ordem
jogadoras (p < 0.01). Inicialmente pensou-se que esta dessas situações entre rapazes e moças. Este fato pode
diferença estivesse relacionada com a situação 43 que ser observado através do valor do Coeficiente de
se refere especificamente a menstruação. Desta Correlação de Postos de Spearman (rs = 0.90; p<
forma, ela foi excluída do indicador de stress e ainda 0.01). Isto também se confirma quando comparada a
assim a média de stress das mulheres foi maior que a ordem de classificação das fontes (apontadas na tabela
dos rapazes. Através do teste t para comparação de 1), onde rs = 0.88 (p < 0.01).
médias, observou-se que a diferença era Algumas situações que a princípio imaginava-se que
estatisticamente significante (t = 2,82; p < 0.01). tivessem uma grande importância e que poderiam
As tabelas 2 e 3 mostram as 10 situações que ser interpretadas como causadoras de stress não
causaram mais stress nos meninos e nas meninas, foram citadas com grande frequência e nem com a
respectivamente. Para este cálculo foram intensidade esperada. Referem-se especificamente à
considerados os valores de frequência relativa (%) presença dos pais na competição e à sua participação
da somatória das respostas dos níveis 4 e 5 do na vida esportiva dos filhos e à influência da torcida
FISSB. no desempenho desses atletas.

40 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [36–44]


Stress específico do jogo de basquetebol

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES Outra fonte muito importante de stress em jogo,


O resultado que mostra as meninas com maior nível segundo os atletas, é o “técnico”, pois suas atitudes
de stress em relação aos meninos é confirmado por e posturas podem causar níveis elevados de stress e
outros estudos que compararam variáveis interferir diretamente no seu desempenho. Técnicos
psicológicas entre os sexos, especialmente o stress e a injustos, técnicos que não reconhecem o esforço dos
ansiedade. Alguns estudos realizados com atletas atletas e aqueles que somente criticam sem apontar
brasileiros, na mesma faixa etária, apontam que os soluções, parecem contribuir de forma importante
níveis de stress e ansiedade são, naturalmente, para elevados níveis de stress dos atletas durante o
maiores nas meninas devido a fatores inerentes à jogo no caso dos esportes coletivos, mas também
própria estrutura dos sexos e também a fatores durante as provas típicas de esportes individuais,
sociais. É muito comum que a mulher sofra tais como a natação, o atletismo, a patinação e o
determinadas pressões quando pratica esportes, remo (2, 7, 9, 11, 12, 14, 15, 19, 20).
porque esta ainda é uma atividade muito relacionada Finalmente, considerando-se as cinco fontes mais
ao sexo masculino. Isto faz com que as mulheres importantes de stress observa-se a importância dos
tenham que demonstrar mais enfaticamente sua conflitos com companheiros de equipe. Egoísmo e
capacidade competitiva. Outro fator que se considera cobrança exagerada são os aspectos mais citados e
é que a mulher expressa de forma mais sincera seus que provocam o maior nível de stress entre os atletas.
sentimentos do que o homem, principalmente Outras situações envolvendo companheiros de
aqueles relacionados a preocupações, fraquezas e equipe também são citadas em estudos com atletas
medos (5, 7, 8). de diferentes esportes. Entre elas: discussões, inveja
A fonte que causou níveis de stress mais elevados, e prepotência (2, 6, 9, 11, 19).
tanto para os rapazes quanto para as moças, foi a Em relação a ordem das situações de jogo causadoras
“arbitragem”, que engloba três situações específicas de stress, em função da frequência relativa das
(discussão com árbitros; arbitragem que prejudica respostas nos níveis 4 e 5 do FISSB, ficou nítido,
você e arbitragem que prejudica a equipe). Esta pelo resultado da correlação que, apesar da diferença
última é, de todas as situações de jogo a que dos níveis de stress, há uma concordância na
apresenta o maior peso na definição do índice de classificação dessas situações, mostrando que pode
stress (3). Outros estudos com jogadores de haver um perfil definido daquilo que, efetivamente,
basquetebol mostram que a arbitragem é um dos causa stress em situações específicas de jogo.
fatores mais citados (6, 7, 14, 16, 17). Há Este resultado também foi obtido em estudos com
determinadas situações relacionadas à arbitragem identificação de sintomas de stress pré-competitivo
que podem levar o atleta a reações inesperadas e até em atletas infanto-juvenis, demonstrando que as
mesmo agressivas, sendo que alguns atletas as situações e os sintomas de stress, apesar de serem
colocam como pontos críticos em suas carreiras identificados em diferentes níveis, aparecem em uma
esportivas (6). ordem muito similar em ambos os sexos (5, 8).
Ao se analisar cada uma das situações, nota-se que as
que estão relacionadas à fonte “competência e CONCLUSÕES
dificuldade do jogo” ocupam lugar de destaque entre Como era de se esperar, as ocorrências de jogo são
as mais frequentes, pois dependem quase que muito marcantes pois têm uma influência direta no
exclusivamente do desempenho individual e são elas resultado e na avaliação a qual os atletas são
as responsáveis pela exposição de suas habilidades ou submetidos. Ou seja, o que acontece em jogo é
fraquezas, contribuindo, muitas vezes, para o fracasso muito mais evidente do que aquilo que acontece em
individual ou coletivo. Este fato também pode ser treinamento ou em qualquer outra situação na qual
verificado em outros esportes, principalmente o o atleta não esteja exposto diretamente.
futebol e o handebol como mostram estudos Além disto, verificou-se que a incidência das
realizados com atletas de diferentes níveis nesses respostas nos níveis mais elevados de stress foi
esportes (2, 6, 7, 9, 15, 16, 19). significativamente maior nas meninas, reforçando o

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [36–44] 41


D. De Rose Jr., S.R. Deschamps, P. Korsakas

resultado de outros estudos que apontaram este


resultado.
No entanto, a ordem de classificação das situações,
apesar da diferença de nível de stress, apresentou
uma concordância muito grande, atestando que
existe uma opinião muito parecida sobre o que
provoca realmente stress em jogo.
Todos os resultados e conclusões obtidas a partir
deste estudo servem como subsídio para que
técnicos e atletas entendam melhor o processo
competitivo, sob o ponto de vista do stress causado
por ele, e possam trabalhar para diminuir seu
impacto sobre o desempenho dos atletas,
melhorando seu resultado final e,
consequentemente, o de sua equipe.

NOTA
(a) Esta terminologia é adotada pela Federação Paulista de
Basketball (Brasil) para identificar atletas com idades
variando de 15 a 19 anos.

CORRESPONDÊNCIA
Dante de Rose Jr.
Rua Rio Grande do Sul, 770, ap. 113
09510-021 São Caetano do Sul – São Paulo
Brasil
[danrose@usp.br]

42 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [36–44]


Stress específico do jogo de basquetebol

ANEXO 1 – FORMULÁRIO PARA IDENTIFICAÇÃO DE SITUAÇÕES DE STRESS NO BASQUETEBOL


Ficha de identificação de atleta

Nome: __________________________ Nasc. ___/___/___ M ( ) F( )

Escolaridade: 1º grau ( ) série ____ 2º grau ( ) série ___ 3º grau ( )

Clube/entidade: ______________________________________________

Telefone para contato: ________________ email: ________________

Posição: _________________

Há quanto tempo pratica Basquetebol?


1. menos de 1 ano ( )
2. 1 a 2 anos ( )
3. 2 a 3 anos ( )
4. 3 a 4 anos ( )
5. 4 a 5 anos ( )
6. mais de 5 anos ( )

Qual o nível mais alto de competição que você já participou?


1. Municipal ( )
2. Estadual ( )
3. Nacional ( )
4. Sulamericano ( )
5. Panamericano ( )
6. Mundial ( )
7. Olimpíada ( )

Você já participou de Seleções? Sim ( ) Não ( )

Regional/Estadual Nacional

Quantas vezes? _______ _______

1ª vez (ano)? _______ _______

última vez (ano)? _______ _______

Data: ___/___/___

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [36–44] 43


D. De Rose Jr., S.R. Deschamps, P. Korsakas

ANEXO 2 – FORMULÁRIO PARA IDENTIFICAÇÃO DE SITUAÇÕES DE STRESS NO BASQUETEBOL


II – Situações competitivas de stress – “jogo”

21 Jogos decisivos .............................................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
22 Momentos decisivos de um jogo .................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
23 Jogo fácil que complica ................................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
24 Perder para uma equipe tecnicamente inferior .............. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
25 Perder jogo praticamente ganho .................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
26 A competição em si ........................................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
27 Sair com cinco faltas ...................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
28 Ficar na reserva .............................................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
29 Ser substituído ............................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
30 Competir/jogar abaixo do seu padrão normal.................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
31 Repetir os mesmos erros ................................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
32 Cometer erros técnicos (errar arremessos, errar passes) (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
33 Cometer erros em momentos decisivos .......................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
34 Cometer erros que provocam a derrota da equipe .......... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
35 Cometer violações (andada, 3 segundos, 2 saídas, etc) (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
36 Tomar falta técnica ........................................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
37 Ser excluído do jogo ...................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
38 Não tentar (omitir-se no jogo) .......................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
39 Aquecimento inadequado............................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
40 Jogar em mau estado físico ............................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
41 Jogar contundido ............................................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
42 Jogar doente ................................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
43 Jogar menstruada ........................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
44 Adversário desleal .......................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
45 Adversário convencido ................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
46 Adversário provocador............... .................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
47 Adversário que tenta pressionar a arbitragem .............. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
48 Discussão com adversário ............................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
49 Arbitragem prejudica a sua equipe ou um companheiro (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
50 Arbitragem prejudica você ............................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
51 Discussão com árbitros ................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
52 Torcida a favor que comete injustiça ............................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
53 Torcida a favor que cobra muito .................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
54 Falta de reconhecimento da torcida .............................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
55 Agressões físicas e morais por parte da torcida.............. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
56 Manifestações da torcida contrária.................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
57 Omissão de um companheiro de equipe ....................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
58 Displicência de um companheiro de equipe .................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
59 Companheiro que não cumpre seu papel no jogo ......... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
60 Companheiro egoísta ..................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
61 Companheiro que não se esforça .................................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
62 Companheiro que não entende o que você quer fazer .. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
63 Companheiro que cobra ou reclama muito ................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
64 Técnico que cobra em exagero .................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
65 Técnico que comete injustiças com jogador ................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
66 Técnico que não deixa claro papel jogador na equipe (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
67 Técnico que não deixa jogador à vontade na quadra .. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
68 Técnico que privilegia determinado jogador ................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
69 Técnico que só critica ................................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
70 Técnico que não reconhece esforço do jogador ........... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
71 Técnico que só enxerga o lado negativo ....................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
72 Técnico que não sabe lidar com a equipe .................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
73 Técnico que toma decisões erradas ou que não sabe tomar
decisões ............................................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
74 Técnico que grita muito ................................................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
75 Presença do seu pai no jogo ......................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
76 Presença da sua mãe no jogo ....................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
77 Interferência dos pais no seu desempenho .................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
78 Pais que dão palpites (conselhos) durante o jogo... ....... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
79 Pais que gritam muito durante o jogo ............................ (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
80 Pais que não se manifestam durante o jogo .................. (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
81 Pais que cobram muito durante o jogo........................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
82 Local inadequado para competições (quadra, piso,
iluminação, vestiários) ............................................... (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)
83 Material inadequado jogo (bolas, aparelhos, uniforme) (0) (1) (2) (3) (4) (5) (99)

(forma reduzida – o original contém 140 situações competitivas)

44 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [36–44]


Desporto de crianças e jovens
– um estudo sobre as idades de iniciação
Francisco M. Silva
Larissa Fernandes
Flórida O. Celani
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil

RESUMO ABSTRACT
A elevada importância da prática desportiva, ao lado do Children and youth in Sport.
acentuado aumento de competições num quadro desportivo A study about the ages of the beginning of sport practices
altamente especializado, determina a necessidade de
participações precoces e exige maior atenção na preparação dos The importance of sport and the increase in the number of
jovens desportistas. No que pese os estudos sobre o assunto, specialised competitions determines the necessity of
persistem dúvidas sobre a idade em que as crianças estariam precocious participation of youth in competition and a larger
aptas para se iniciarem numa prática desportiva sistemática. O attention to their sporting preparation.
trabalho aqui apresentado procurou identificar as idades em Doubts persist in the literature regarding the ideal age for
que as crianças, na cidade de João Pessoa, estão sendo iniciadas children to begin systematic sporting practices. This work tried
na atividade desportiva, relacionando-as com as to identify the age children began sport practice in the town of
recomendações da literatura especializada. Foram João Pessoa (Brazil) and compare the results with the opinion
entrevistados 93 treinadores de 10 modalidades, escolhidas of coaches regarding the ideal age to begin sporting practices
entre as de maior representatividade no contexto desportivo do within their fields.
Estado. Uma ampla pesquisa bibliográfica revelou as idades 93 coaches in 10 sporting fields (both collective and individual
mais recomendadas para iniciação desportiva nas diversas sports) were interviewed.
modalidades, cujos dados indicaram, para os desportos The results showed that: (i) in collective sports, 74% of
individuais, uma predominância na faixa dos 8 –12 anos, com coaches suggested as the ideal age to begin sporting practices
média de 8,9. Para as modalidades coletivas as recomendações the 9-12 age group and (ii) in individual sports, 58% of
situaram-se entre os 8-14 anos, com média de 11,7. Os dados coaches suggested as the ideal age to begin sporting practices
dos questionários revelaram, para as modalidades coletivas, the 9-12 age group.
que 74% dos treinadores recomendaram como idade ideal a There is also a marked difference between the real starting age
faixa dos 9-12, enquanto nos desportos individuais a in sport and the opinion of the coaches in the combined fields
predominância situou-se entre 5–10 anos, com 58% das questioned. The justifications for this difference can be found
indicações. Verificou-se ainda uma marcante divergência entre in the assessments/rules of the sporting directors/heads as
as idades que os treinadores apontaram como ideais e aquelas well as in the pressure from the parents.
em que, realmente, o processo está acontecendo, idades reais.
As principais justificativas para essa divergência vão desde a Key Words: Children and youth sports, ages to begin sporting
imposição dos dirigentes à cobrança de resultados pelos pais e practices, precocious participation
dirigentes.

Palavras-chave: Iniciação desportiva, iniciação precoce,


treinamento de jovens

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [45–55] 45


Francisco M. Silva, Larissa Fernandes, Flórida O. Celani

1. INTRODUÇÃO pautar seus pensamentos e condutas pelos


A marcante e cada vez mais crescente universalidade estereótipos vigentes no treino dos atletas do mais
do desporto tem atribuído-lhe importantes tarefas e alto nível de rendimento” (30, p.10).
responsabilidades no que se refere à formação das Na teoria do treinamento, a temática tem sido
crianças e jovens. No que pese as grandes e abordada a partir de dois conceitos: treinabilidade e
reconhecidas contribuições da prática desportiva período crítico ou sensível. O primeiro consiste em
para o desenvolvimento físico e psicossocial do ser definir se um gesto encontra-se no estágio ideal para
humano, ainda é pequeno o número de estudos ser desenvolvido, ou seja: O jovem ao iniciar sua
realizados na especificidade do treinamento com os preparação especializada já deverá ter adquirido um
mais jovens. variado repertório motor e uma atitude positiva para
O nível de compreensão sobre a adequação da aprender habilidades de complexidade progressiva? O
prática desportiva aos estágios de desenvolvimento e segundo conceito se orienta no sentido de identificar
características psicomotoras da criança e do jovem o momento adequado à produção de determinados
apresenta-se, ainda, relativamente frágil, efeitos de treino. “Sensitivos são os períodos de
principalmente se considerarmos as particularidades treino em que as crianças dominam da melhor
das várias modalidades desportivas e seus efeitos no maneira possível as técnicas aprendidas” (20 p. 45).
organismo. Mesmo em estudos mais recentes No processo de treinamento com jovens as
continuam a persistir dúvidas sobre as idades em orientações acerca das idades consideradas ideais
que as crianças e jovens estariam preparados para se para a iniciação desportiva são estabelecidas com
iniciarem numa prática desportiva sistemática e de base nas características condicionadas pelo
que forma deveria ocorrer essa inserção. desenvolvimento etário tendo como preocupação
É importante assinalar que o treino com crianças e central contribuir para a formação dos jovens em
jovens tem nuances que o diferencia do treinamento seus vários aspectos (psicológico, físico, sócio-
dos adultos. Em razão das características e afetivo) de uma forma equilibrada e harmoniosa.
particularidades determinadas pelos níveis de Durante as primeiras etapas do aprendizado
desenvolvimento físico, psíquico e afetivo desportivo deve-se estabelecer as bases para o
relacionados aos estágios de crescimento e rendimento elevado evitando exigências de
desenvolvimento, torna-se imprescindível diferenciar resultados imediatos. Dessa forma, a prática
os objetivos, os conteúdos e os processos de desportiva infantil, mesmo orientada para a
treinamento dos jovens e dos adultos. consecução de bons resultados, não pode deixar de
Em primeira instância, as preocupações devem se privilegiar as contribuições dessa mesma prática na
orientar para situar a real dimensão da adequação formação do ser humano. Para Filin (17), existem
desse processo à idade e ao nível de desenvolvimento zonas de idades (psicológica e biológica) favoráveis
atual da criança e do jovem, assim como as ao processo de iniciação desportiva que poderão
perspectivas de desenvolvimento a longo prazo. servir de parâmetros orientadores, facilitando assim
Indagações do tipo: com que idade as crianças estão os processos de seleção e iniciação à prática
aptas para se iniciarem na prática desportiva? que desportiva.
pré-requisitos deverão atender para se iniciarem A respeito da idade para iniciação desportiva,
numa prática desportiva especializada? há vantagens identifica-se uma predominância de orientações para
em se iniciar precocemente na prática de um o plano das capacidades coordenativas e
desporto? são preocupações para as quais as ciências condicionais, notadamente no que concerne ao
do desporto ainda não encontraram respostas e desenvolvimento dessas capacidades, sem, no
explicações satisfatórias. Há de se considerar que até entanto, relacioná-las com as necessidades e
pouco tempo o treino dos jovens foi uma reprodução exigências da prática concreta do desporto. Pouco se
ou, no máximo, uma simples adaptação dos conhece a respeito dos efeitos de uma atividade
procedimentos e organização do desporto de desportiva especializada sobre o organismo e a
rendimento. “Os treinadores de jovens tendem a personalidade em formação. Marques expressa sua

46 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [45–55]


Idades de iniciação desportiva

preocupação indagando: “Como apoiar os mais iniciação em grupos de modalidades com


jovens no seu percurso para o alto rendimento sem características comuns.
comprometer a sua educação, limitar a sua
personalidade, hipotecar a sua saúde” (22 p.17). 2. METODOLOGIA
Atualmente existe a tendência de se reduzir a idade Metodologicamente, este trabalho, apesar de abordar
de iniciação em muitas modalidades desportivas, a mesma temática, desenvolveu-se através de duas
criando dúvidas e gerando questionamentos em etapas, diferenciando-se pelos objetivos propostos e
torno da chamada “especialização precoce”, definida pelas fontes pesquisadas. A primeira etapa consistiu
por Persone (29) como uma atividade desportiva numa pesquisa bibliográfica para identificar na
predominantemente competitiva, com elevada literatura especializada as principais tendências
dedicação aos treinamentos e desenvolvida antes da sobre as idades recomendadas para a iniciação
puberdade. desportiva. Na segunda etapa foi realizada uma
As razões pelas quais se procura justificar a prática pesquisa de campo envolvendo treinadores e
desportiva precoce envolvem as características do professores, através da aplicação de um questionário
atual sistema desportivo, a busca de êxitos e vitórias para levantar informações relativas às idades de
em curto prazo e as atitudes dos pais em relação ao iniciação desportiva recomendadas e praticadas por
envolvimento dos filhos na prática desportiva. essa mesma população.
A crescente importância social do fenômeno A amostra foi constituída por 93 treinadores de 10
desportivo, ao lado de um acentuado aumento na modalidades desportivas (Atletismo, Natação, Judô,
oferta de competições num quadro desportivo cada Tênis, Ginástica Artística e Rítmica, Futsal, Futebol,
vez mais especializado, passou a definir novas Handebol, Basquetebol e Voleibol) da cidade de João
exigências no domínio da preparação e determinou a Pessoa. O critério de seleção da amostra foi definido
necessidade de participações e especializações cada segundo a representatividade e importância que cada
vez mais precoces. modalidade assume no contexto desportivo do
Nesse contexto torna-se imperiosa a necessidade de Estado. Deste modo, foram escolhidos no mínimo
investigações no sentido de contribuir para a um e no máximo três treinadores por modalidade,
definição das faixas etárias mais adequadas à considerando as seguintes situações:
iniciação desportiva e orientar os processos de
preparação em conformidade com as características e – Treinadores de clubes e associações onde exista a
particularidades dos estágios de desenvolvimento prática da iniciação desportiva
das crianças e dos jovens. – Treinadores de seleções das categorias de base
Nessa linha de preocupação, o Laboratório de – Treinadores de equipes das escolas privadas e
Estudos e Pesquisas do Treinamento – LEPET, da públicas
Universidade Federal da Paraíba, vem realizando um – Treinadores de empresas, academias, etc.
trabalho que procura estudar as idades de iniciação – Professores de universidades, enquanto
desportiva para identificar possíveis relações entre instituições de formação
idade, nível de resultados e longevidade desportiva.
O trabalho aqui apresentado, como parte do projeto Os dados coletados foram tratados estatisticamente
acima referido buscou, identificar a idade e analisados qualitativamente conforme as suas
considerada ideala e a idade realb em que as crianças naturezas, no sentido de permitir a comparação e
estão sendo iniciadas na prática de uma atividade análise dos mesmos à luz da teoria que fundamenta
desportiva, a partir das opiniões dos treinadores e de este trabalho.
autores de textos relacionados com o assunto na
perspectiva de identificar pontos de convergência e 3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
divergência entre teoria e prática da iniciação 3.1 - Pesquisa bibliográfica
desportiva e, ao mesmo tempo, contribuir para a De acordo com os objetivos e estratégias
definição de orientações relacionadas com a idade de metodológicas definidas para o projeto procurou-se

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [45–55] 47


Francisco M. Silva, Larissa Fernandes, Flórida O. Celani

identificar na literatura especializada as opiniões dos psicológicas e sociais. Verificou-se a existência de


autores em relação à idade recomendada para uma inconstância na abordagem metodológica e
iniciação desportiva nas diversas modalidades. particularmente nas idades consideradas ideais para
Uma análise da bibliografia publicada nos últimos o início da prática desportiva organizada e
anos permite afirmar que o tema “Iniciação sistemática.
Desportiva de Crianças e Jovens” tem sido bastante O quadro 1, aponta indicações para a iniciação
discutido, constituindo-se assunto polêmico, porém desportiva no conjunto das diversas modalidades e
pouco explorado nas suas implicações físicas, na especificidade de cada uma delas.

Quadro 1 – Idades recomendadas pelos autores para iniciação desportiva

Modalidades ind. Idade de inicação Autores


Atletismo 10 – 12 Bompa (1998), Filin (1996); Utecht in Filin, (1996)
7–8 Balsewitsch in Tubino, (1979)
12 – 14 Bondartchuck, A.(1989); Nilsson L. (1995); Oliver (1995)
8 – 12 Ferreira, P. (1989)
9 – 12 Fernandez, F. G.(1995)
Natação 3–7 Vonhausen in Tubino (1979), Bauermeister in Tubino (1979)
7–9 Bompa (1994), Filin (1996) Draper, J (1999)
9 – 10 Caunsilmen in Filin (1990)
Ginásticas
(Artística e Rítmica) 6 – 11 Bompa (1998), Filin (1996), Persone (1983)
6–8
Judô 8 – 10 Bompa (1998)
12 Sobral (1994)
Tênis 6–8 Bompa (1998), Filin (1996)
Média: 8.9 Desvio: 2.5 Variância: 6.61
Modalidades col. Idade de inicação Autores
Basquetebol 12 – 14 Bompa (1998), Filin (1996)
Futebol 10 – 12 Bompa (1998), Filin (1996),
12 – 14 Sobral (1994)
Futsal 10 – 12 Bompa (1998), Filin (1996)
Handebol 9 Filin (1996)
Voleibol 10 – 12 Bompa (1994), Filin (1996)
11 – 13
Média: 11.7 Desvio: 1.4 Variância: 1.89
Desportos em geral 7–8 Loth in Persone (1983), Baissas (s/data)
8 – 12 Bal’Selvich (1983), Riordan in Persone (1983), Coelho (1985),
9 – 10 Persone (1983), Hahn, E.(1989), Martin, D.(1983),
6 – 14 Marques (1990), Filin (1996),
10 – 14 Carnevali (1987), Proença, J.(1992), Arens O. (1983)
10 – 12 Weineck, J.(1999)
Média Geral: 9.9 Desvio: 2.5 Variância: 6.19

48 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [45–55]


Idades de iniciação desportiva

Pelos dados expostos no quadro anterior, constata-se adequação aos níveis de desenvolvimento dos pré-
uma certa divergência nas opiniões dos autores requisitos individuais, os quais se situam num
consultados. Apesar das discordâncias foi possível complexo decorrente dos processos de crescimento,
identificar tendências dominantes, em termos de maturação e desenvolvimento, foi possível verificar
faixas etárias com maior incidência de opiniões para uma convergência entre os autores estudados,
os desportos individuais, para as práticas coletivas e possibilitando a definição de uma tendência
para o conjunto das modalidades. predominante entre os 8-12 anos de idade. Verifica-
Para os desportos individuais, as idades mais se ainda que as modalidades individuais e coletivas,
recomendadas situam-se na faixa dos 8 –12 anos de analisadas isoladamente, apresentam divergências no
idade com média de 8,9 anos e desvio de 2,5. Ainda sentido de se recomendar que a iniciação nos
em relação às modalidades individuais, verifica-se desportos coletivos ocorra mais tardiamente do que
que entre o atletismo e a natação situam-se as nos individuais.
maiores discrepâncias. A primeira com Finalmente, percebe-se que, segundo a maioria dos
recomendações para iniciação mais tardia, mesmo autores estudados, as crianças na faixa dos 8 – 12
sendo perfeitamente identificável uma anos encontram-se na fase de desenvolvimento mais
predominância na faixa dos 8 – 12 anos, enquanto na apropriada para a aquisição das habilidades básicas
natação as orientações vão no sentido de que a necessárias à maioria das modalidades desportivas.
iniciação ocorra em idades mais baixas.
As modalidades coletivas são as que apresentaram, em 3.2 - Estudo empírico
termos de recomendações teóricas, indicações para Nesta parte do trabalho serão apresentados e
iniciação em idades mais avançadas com variações que discutidos os dados levantados através do
vão dos 8 aos 14 anos, sendo que, na maioria das questionário (ver Anexo) aplicado aos treinadores,
indicações, a faixa dos 10-12 anos foi a mais relativamente às idades recomendadas para a
recomendada com média de 11,7 anos e desvio de 1,4. iniciação desportiva, partindo-se do pressuposto de
Em relação aos desportos em geral verificou-se uma que os treinadores em alguns casos, mesmo
grande variação de idade: 6 aos 14 anos. No entanto aceitando e defendendo uma idade ideal, praticam
a tendência predominante aponta para os 8-12 anos, outra, neste trabalho denominada de idade real.
possibilitando a definição de uma tendência média Os dados obtidos com a aplicação do questionário
em torno de 9,9 com desvio de 2,5. estão sistematizados e apresentados de forma
Reforçando a idéia amplamente aceita de que a resumida no quadro 2, considerando cada
capacidade de rendimento desportivo depende da modalidade isoladamente e o conjunto das
eficácia das exigências de rendimento e sua modalidades individuais e coletivas.

Quadro 2 – Idades recomendadas pelos treinadores

Idade ideal para iniciação desportiva


Idades Modalidades coletivas Modalidades individuais Ind. e Col. (a+b)
(anos) H V B Fs Fb Soma(a) % A G J N T Soma(b) % Total %
5–6 0 0 0 2 3 05 10 0 4 5 5 2 16 37 21 22,5
7–8 0 2 2 2 1 07 14 1 0 3 2 0 06 14 13 14
9 – 10 6 5 6 5 3 25 50 2 2 0 2 3 09 21 34 36,5
11 – 12 5 3 2 0 2 12 24 3 0 0 2 0 05 12 17 18,3
13 – 14 0 0 0 0 1 01 2 4 0 0 2 0 06 14 7 7,5
Outras 0 0 0 0 0 00 0 0 1 0 0 0 01 2 1 1,1
Total 11 10 10 09 10 50 100 10 07 08 13 05 43 100 93 100

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [45–55] 49


Francisco M. Silva, Larissa Fernandes, Flórida O. Celani

Idade real para iniciação desportiva


Idades Modalidades coletivas Modalidades individuais Ind. e Col. (a+b)
(anos) H V B Fs Fb Soma(a) % A G J N T Soma(b) % Total %
5–6 1 1 0 4 2 08 16 0 0 6 6 1 13 30 21 22,6
7–8 4 1 2 4 3 14 28 0 3 2 5 0 10 23 24 25,8
9 – 10 3 4 5 0 2 14 28 0 1 0 2 0 03 7 17 18,3
11 – 12 1 3 2 1 3 10 20 3 1 0 0 1 05 12 15 16,1
13 – 14 2 1 0 0 0 03 6 7 0 0 0 2 09 21 12 12,9
Outras 0 0 1 0 0 01 2 0 2 0 0 1 03 7 4 4,3
Total 11 10 10 09 10 50 100 10 07 08 13 05 43 100 93 100
H = Handebol; V = Voleibol; N= Natação; B = Basquetebol; J = Judô; T = Tênis; G = Ginásticas (Artística e Rítmica); Fs = Futsal;
Fb = Futebol; A = Atletismo

Nos dados apresentados verifica-se uma considerável que as idades de iniciação recomendadas são mais
divergência entre as opiniões dos treinadores sobre avançadas do que para os desportos individuais.
as idades que consideram ideais para a iniciação Verificou-se, ainda, a ocorrência de diferenças
desportiva, quer no tocante ao conjunto das significativas entre as modalidades de uma mesma
modalidades, quer no interior de uma mesma categoria, sejam elas individuais ou coletivas.
modalidade. Como se pode perceber, os dados Ainda em relação ao quadro 2, os dados relacionados
expostos no quadro acima apontam variações que com a denominada “idade real” apresentam o
vão dos 5-6 anos até os 13-14. No entanto, ao se seguinte comportamento:
analisar a maior concentração de opiniões em torno
das faixas etárias indicadas verifica-se o seguinte: – Para os desportos coletivos, diferentemente das
idades ideais, as maiores concentrações situaram-
– Nas modalidades coletivas as faixas etárias dos 9- se nas faixas dos 7-8 e 9-10 anos cada uma com 14
10 e 11-12 anos foram as que apresentaram maior freqüências, representando 56% das opiniões
concentração de opções com 25 e 12 casos manifestas.
respectivamente. De forma que nessas duas faixas – Nas modalidades individuais, as idades mais
etárias concentraram-se 74% das opiniões dos apontadas foram os 5-6 e 7-8 anos, com 13 e 10
treinadores pesquisados. casos respectivamente dos 43 analisados,
– No conjunto das modalidades individuais as faixas merecendo destaque também a faixa dos 13 – 14
etárias dos 5 - 6 e 9 – 10 anos são as mais anos com 21% das opções manifestas.
indicadas com 16 e 09 ocorrências, – No conjunto das modalidades individuais e
respectivamente, das 43 apuradas, definindo um coletivas quase 50% dos entrevistados afirmaram
percentual em torno das referidas faixas da ordem que estão iniciando seus alunos entre os 5-6 e 7-8
dos 58%. anos de idade. Essa situação comparada com o
– Uma análise conjunta das modalidades individuais quadro das idades ideais, onde se verifica que
e coletivas indica que 85 dos 93 treinadores apenas 36.5% dos entrevistados apontaram as
estudados situaram suas opiniões nas faixas etárias idades dos 5-6 e 7-8 como ideais para a iniciação
dos 5-6 aos 11-12 anos, com destacada desportiva, indica uma certa divergência entre o
predominância para a faixa dos 9 – 10 anos. que os treinadores estudados apontam como ideal
e aquilo que, de fato, ocorre na prática do
Dessa forma, foi possível identificar tendências bem treinamento. Essa tendência fica reforçada ao se
definidas e distintas no conjunto das práticas verificar que no quadro das idades reais fica nítida
desportivas individuais e coletivas. Para os desportos a tendência de uma distribuição mais equilibrada
coletivos, reforçando a orientação predominante entre as três faixas etárias mais elevadas (9-10, 11-
identificada na pesquisa bibliográfica, constatou-se 12 e 13-14 anos), enquanto no quadro das idades

50 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [45–55]


Idades de iniciação desportiva

ideais há uma forte concentração em torno dos 9 – clubes e dos próprios pais.
10 anos. Esses dados indicam que a iniciação Dessa forma, fica evidente o entendimento dos
desportiva, na prática dos treinadores treinadores de que a idade apropriada para a
entrevistados, ocorre em idades mais precoces do iniciação desportiva é aquela em que o jovem se
que aquelas que eles apontam como as mais encontra mais apto e receptivo para exploração e
indicadas. desenvolvimento da sua ludicidade, da coordenação
motora e com maiores potencialidades para o
Ao se comparar esses dados com as informações da aprendizado de gestos específicos. Contudo, na
literatura (Quadro 1), percebe-se uma maior prática, o que se percebe é a antecipação desse
proximidade entre a literatura e as tendências processo por imposições de clubes, escolas e muitas
predominantes nas opiniões dos treinadores, em vezes, pela cobrança antecipada de participações em
termos de idades ideais. No entanto, quando os competições desportivas e consecução de resultados
dados da pesquisa bibliográfica são confrontados expressivos.
com as idades reais é possível identificar uma maior
discrepância no sentido de reforçar a tendência para Quadro 3 – Principais justificativas para as idades ideal e real
iniciação em idades mais baixas, que, apesar de
praticadas, não são defendidas pelos treinadores Idade ideal
entrevistados, até porque não estão respaldadas pela Ludicidade – 21%
literatura especializada. Percepção e Coordenação motora – 19%
Efetivamente, o assunto está longe de ser Aprendizado dos gestos específicos – 15%
considerado concluído. A atual situação revela um Relação criança, mundo e meio ambiente – 15%
afastamento, até certo ponto incompreensível, entre Precocidade / Bons resultados – 15%
aqueles a quem compete à aplicação dos Maior capacidade / assimilação – 15%
conhecimentos próprios da Teoria da Educação Idade real
Física e dos Desportos e as orientações fornecidas
Imposição do clube para competições e
por esses mesmos conhecimentos, apesar da sua
cobrança de resultados imediatos – 36%
insuficiência e relativa fragilidade.
Cobrança dos pais – 29%
O estudo aqui apresentado procurou também
Dificuldade de acesso – 15%
identificar entre os entrevistados as razões para a
Falta de estrutura do clube – 11%
divergência entre idades ideal e real.
Desmotivação das crianças – 09%
A partir dos resultados obtidos na pesquisa foi possível
expressar no Quadro 3 os principais motivos
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES
apresentados pelos treinadores como sendo justificativas
Pelos dados apresentados, não foi possível identificar
para as idades consideradas ideais e aquelas em que de
uma idade específica ou ideal de iniciação
fato a iniciação desportiva está ocorrendo, neste trabalho
desportiva, mas tendências médias por modalidades.
denominadas de idades reais.
Verificou-se que as modalidades desportivas, em
As justificativas para as idades ideais que os
razão das suas especificidades e características
treinadores apresentam baseiam-se
próprias, exigem idades diferenciadas para o
fundamentalmente em características psíquicas e
processo de iniciação.
cognitivas das crianças e jovens. Nestas idades, os
Ficou constatado que a maioria os treinadores ao
principais fatores que os treinadores destacam nas
falarem da idade para iniciação desportiva situam
crianças e jovens como propícios ao aprendizado
suas opiniões numa faixa muito ampla que vai dos 5-
desportivo são a ludicidade e as capacidades de
6 aos 11-12 anos, com forte concentração em torno
percepção e facilidade para aprendizagem dos gestos.
dos 9-10 anos de idade, enquanto os dados da
No plano das idades reais as justificativas se
literatura indicam uma nítida tendência para os 8 -
fundamentam em aspectos de ordem social, onde se
12 anos de idade.
sobressaem as cobranças de resultados por parte dos

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [45–55] 51


Francisco M. Silva, Larissa Fernandes, Flórida O. Celani

Constatou-se ainda uma marcante divergência entre


as idades que os treinadores apontam como ideais (9
– 10 anos) e aquelas em que realmente o processo
está ocorrendo (5 – 8 anos).
As principais indicações levantadas para justificar
essa divergência vão desde a imposição dos
dirigentes à cobrança de resultados imediatos por
parte de pais e dirigentes.
Pelas conclusões obtidas é plausível e pertinente a
formulação de algumas recomendações, tais como:
A prática desportiva para as crianças e os jovens
mesmo tendo como objetivo descobrir e orientar
talentos para o desporto de rendimento e portanto
orientada para a busca do campeão, não pode perder
de vista os seguintes princípios:

– Contribuir prioritariamente para a formação da


criança e do jovem, considerando a
interdependência dos aspectos físicos, psicológicos
e sócio-afetivos, de forma equilibrada e
harmoniosa.
– Atender à aprendizagem multilateral e ao
desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas e
movimentos básicos como pré-condição para a
especialização.
– Dedicar atenção especial ao desenvolvimento do
gosto pela prática desportiva e compreensão dos
efeitos positivos dessa prática.
– Orientar as expectativas do iniciante de forma
realista, atendendo às necessidades, interesses e
possibilidades de cada praticante, evitando os
modelos e imagens veiculadas pelo desporto de
elevados resultados praticado pelos adultos.
– Evitar que a prática desportiva dos mais jovens se
oriente pelos processos reguladores do máximo
rendimento e do resultado elevado. O desporto
deve se moldar no sentido de atender às
necessidades dessa população, assumindo um
papel formativo e adaptado às circunstâncias e
características individuais.

CORRESPONDÊNCIA
NOTAS Francisco Martins da Silva
a) Neste trabalho “idade ideal” é aquela apontada pelos Av. Edson Ramalho, 397 – Ap. 302 – Manaíra
treinadores e estudiosos da matéria (pesquisa bibliográfica)
CEP 58.038-100 – João Pessoa – PB
b) Idade real é aquela em que, efetivamente, os alunos e atletas
dos treinadores investigados e das equipes e modalidades Brasil
integrantes da amostra iniciaram-se na prática desportiva. [fmsilva@nutecnet.com.br]

52 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [45–55]


Idades de iniciação desportiva

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24. MATVÉIEV, L. P.(1991) Fundamentos do treino desportivo,
Livros Horizonte, Lisboa.
25. NILSSON, L. (1995) Selección de Atletas Jovenes para las
Escuelas Deportivas en Suecia. In:Cuadernos de Atletismo. Real
Federación Española de Atletismo 34:87 – 89.
26. OLIVER, A. Desarrollo y organización de los jóvenes
atletas en España. In Cuadernos de Atletismo. Real Federación
Española de Atletismo 34:91 – 99.

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [45–55] 53


Francisco M. Silva, Larissa Fernandes, Flórida O. Celani

ANEXO – QUESTIONÁRIO

1. APRESENTAÇÃO
Sr. Professor/ treinador
Este questionário destina-se à coleta de parte das informações necessárias à realização de uma pesquisa sobre
iniciação desportiva, que está sendo conduzida pelos integrantes do Laboratório de Estudos e Pesquisa do
Treinamento - LEPET, da Universidade Federal da Paraíba. As informações aqui levantadas serão utilizadas,
exclusivamente, para a elaboração do referido trabalho e será resguardado o anonimato das mesmas. Nesta
parte do trabalho objetivamos, prioritariamente, identificar a opinião dos professores/treinadores em relação
à faixa etária ideal para a iniciação desportiva, além de verificar a faixa etária real em que essa iniciação está
ocorrendo.

2. IDENTIFICAÇÃO
Local de Trabalho: ___________________________________________
Modalidade em que trabalha:___________________________________
Tempo em que trabalha com a referida modalidade: _________________
Nível de escolaridade:_________________________________________

3. QUESTÕES
3.1. Dentre as faixas etárias abaixo, indique a que você considera ideal para a iniciação desportiva, na sua
modalidade:

( ) 5 a 6 anos ( ) 7 a 8 anos
( ) 9 a 10 anos ( ) 11 a 12 anos
( ) 13 a 14 anos ( ) outros _______________________

3.2 De acordo com a resposta anterior, numere de 1 a 3, em ordem de prioridade, as três afirmações que mais
justificam a sua opção.

( ) Identidade entre o caráter lúdico inerente ao desporto e a faixa etária apresentada.


( ) A criança que começa cedo obtém melhores resultados.
( ) Nessa idade os meninos/meninas encontram-se mais aptos para o desenvolvimento de habilidades
motoras.
( ) Nessa idade, o desenvolvimento físico da criança é compatível com as necessidades da prática
desportiva.
( ) Os meninos/meninas apresentam maior interesse pelos ensinamentos relacionados com a prática
desportiva.
( ) A partir dessa idade, a criança já possui estruturas psicológicas capazes de suportar as exigências
impostas pelo treinamento.
( ) É a idade ideal para favorecer a inserção e o relacionamento da criança com o mundo e o meio ambiente
em que vive.
( ) Faixa etária ideal para desenvolver a percepção espaço-temporal e a coordenação geral das crianças.
( ) Contribui para um melhor desempenho técnico na modalidade.
( ) Outros__________________________________________________
_____________________________________________________________

54 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [45–55]


Idades de iniciação desportiva

3.3. Caso tenha sido influenciado por estudiosos, na concretização das opiniões apresentadas nas questões
anteriores, indique os autores e títulos que fundamentam suas opiniões.
____________________________________________________________
____________________________________________________________

3.4. Na sua prática como professor/treinador, indique a faixa etária em que, de fato (idade real), está
ocorrendo a iniciação desportiva das crianças e jovens.

( ) 5 a 6 anos ( ) 7 a 8 anos
( ) 9 a 10 anos ( ) 11 a 12 anos
( ) 13 a 14 anos ( ) outros _______________________

Caso a opção indicada na questão anterior, se apresente diferente da opinião que você manifestou na questão
no 3.1, responda as questões seguintes:

3.5. Considerando as afirmações abaixo e a diferença entre as faixas etárias indicadas nas questões no 3.1 e
3.4 (idades ideal e real), numere de 1 a 3, em ordem de prioridade, as afirmações que, na sua opinião, mais
justificam a diferença apresentada.

( ) Desmotivação das crianças pela prática desportiva.


( ) Cobrança de resultados precoce por parte dos pais.
( ) Imposição do clube/ou instituição para participação em competições nas categorias mirins e infantis.
( ) O clube/ou instituição não apóia a prática desportiva na faixa etária considerada ideal.
( ) Falta de estrutura do clube/ou instituição, para o trabalho na faixa etária considerada ideal.
( ) O clube/ou instituição cobra resultados imediatos e constantes.
( ) Preciso do emprego, daí não interfiro em assuntos relativos ao aspecto administrativo das equipes.
( ) Pouca oferta de opções e dificuldade de acesso das crianças/jovens à prática orientada e sistemática de
uma atividade desportiva.
( ) Outros__________________________________________________
____________________________________________________________

3.6. Aponte, numerando de 1 a 3 em ordem de prioridade, três desvantagens que essa divergência de idades
pode vir a ocasionar.

( ) Pode causar alterações no desenvolvimento psicomotor.


( ) Dificulta a assimilação da técnica.
( ) O atleta deixa de conseguir bons resultados e acaba se desestimulando.
( ) Provoca problemas no sistema cardiorespiratório.
( ) Dificulta o desenvolvimento das habilidades motoras específicas.
( ) Favorece a criação e desenvolvimento de vícios e deformações motoras.
( ) Provoca problemas de ordem articular.
( ) Provoca lesões músculo-esqueléticas.
( ) Dificulta o desenvolvimento das qualidades físicas básicas e específicas.
( ) Antecipa a obtenção de resultados, mas reduz a vida atlética do praticante.
( ) Contribui para a realização de resultados elevados, mas provoca instabilidade nos resultados.
( ) Outros _________________________________________________

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [45–55] 55


As actividades desportivas no Porto de 1900

José V. Ferreira António. G. Ferreira


Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
Universidade do Porto, Porto, Portugal Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal

RESUMO ABSTRACT
Num livro publicado na década de quarenta, criticava-se os The sporting practices in the city of Porto in the year 1900
portuenses desse tempo por se considerarem desportistas
quando só cuidavam de assistir aos jogos do seu clube e a A book published in the 1940’s criticised the people of Porto
discutir sobre o futebol. Alegava o seu autor que no Porto de because they considered themselves as sports people when all
1900 se praticava a natação, o jogo do pau, a esgrima, a they did was watch their own team’s games and argue about
equitação, a ginástica, o remo, o ciclismo, a tauromaquia, o football. Its author alleged that, in Porto in 1900, people took
levantamento de peso e halteres e que a juventude não part in swimming, “jogo do pau”, fencing, equestrian events,
descuidava as práticas físicas, nem desconhecia a competição gymnastics, rowing, cycling, bullfighting and weightlifting, and
desportiva. that young people were neither disinterested in physical
No sentido de verificarmos a qualidade da referida opinião, activity nor in competitive sport.
pretendemos neste artigo dar conta das actividades físicas e In order to establish the quality of the abovementioned
desportivas mais relevantes para o Porto no início do último opinion, we intend, with this article, to highlight the range of
século do segundo milénio, bem como descortinar qual o sports activities in Porto, at the beginning of the last century.
relevo que estas então assumiam para a sociedade da segunda We also intend to reveal the social importance of these
maior cidade do país, a partir do impacto que elas tiveram em activities in the country‘ s second largest city, based on the
dois jornais aí publicados. impact they had on two newspapers published at that time.

Palavras-chave: Desportos, modalidades, Porto, jornais, 1900. Key Words: Sports and activities, Porto, newspapers, 1900.

56 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [56–61]


Desporto no Porto de 1900

Num livro publicado na já longínqua década de Esta posição de Arnaldo Leite tem o seu interesse
quarenta, Arnaldo Leite, querendo criticar os porquanto, resultando da sua experiência, apresenta
conterrâneos do seu tempo por se considerarem um valor testemunhal. Todavia, a sua postura crítica
desportistas quando só cuidavam de assistir aos exigiu que procurássemos confirmar, numa outra
jogos do seu clube e a discutir futebol, afirmava que, fonte, elementos mais elucidativos sobre o impacto
afinal, não havia razão para se pensar que a das actividades desportivas, na sociedade portuense,
sociedade de então devotava mais cuidado à prática durante o ano de 1900.
das actividades desportivas que a da transição do A escolha recaiu nos jornais diários que, então, se
século XIX para o XX. Alegava o referido autor que publicavam no Porto e, para isso, procurámo-los na
já no Porto de 1900 se verificava a prática da Biblioteca Pública Municipal desta cidade.
natação, da esgrima, da ginástica, do jogo do pau, do Infelizmente, o estado dos referidos diários
remo, do ciclismo, do levantamento de pesos e complicou a nossa tarefa. O Jornal de Notícias estava
halteres, etc. e que a juventude desse tempo não demasiado deteriorado e, por conseguinte, não foi
descuidava as práticas físicas, nem desconhecia a possível consultá-lo; o Comércio do Porto e o Primeiro
competição desportiva (2). de Janeiro também não estavam em bom estado e
O texto no entanto merece uma atitude crítica. Ele acessíveis aos leitores, mas, depois de alguns
reflecte uma opinião de alguém censurador da contactos com uma funcionária superior,
atitude passiva que as pessoas já então encontrámos uma solução para o problema:
apresentavam relativamente ao fenómeno utilizámos o Comércio do Porto para o primeiro
desportivo e, principalmente, ao excessivo apego semestre e o Primeiro de Janeiro para o segundo.
devotado aos assuntos do futebol. De facto, Os dois jornais tinham bastante em comum. Para
Arnaldo Leite não se mostrava muito entusiasta além de serem ambos editados na cidade do Porto,
desta modalidade. Explicava ele claramente a sua saíam os dois nos mesmos dias da semana, não se
posição, temendo apodarem-no de anti- publicando, porém, à segunda-feira, eram diários
desportista: “Eu não detesto todas as bolas e até generalistas, possuíam o mesmo número de páginas
simpatizo com a bola com “b”, pequeno: - bola do (4) e as colunas tinham a mesma largura (5,5 cm).
tênis, bola do pingue-pongue, bola do hóquei, bola Entre os aspectos a distingui-los, estava o seu
do bilhar, etc., etc... A minha embirração é com a tamanho: o Comércio do Porto media 77 cm de altura
outra, a tal, a marmanjona, que tantos estragos e 44 de largura e o Primeiro de Janeiro tinha as
causa. Essa é que eu não engulo. Talvez por ser dimensões de 64,5 cm de altura e 44 de largura. Em
grande demais...” (2, p. 57). ambos os jornais, a primeira página acolhia os artigos
O futebol era já um desporto arrastador de mais importantes, entre os quais se destacava a
multidões e, por isso, quase monopolizava as política portuguesa e as notícias sobre o estrangeiro.
atenções das pessoas, impedindo-as de se dedicarem Por vezes, entre outras referências, lá aparecia uma ou
a outros desportos ou actividades. Na opinião de outra sobre algo relacionado com actividades físicas e
Arnaldo Leite, a bola estava para o desporto, como o desportivas. A terceira e a quarta páginas destinavam-
fado para a rádio e a revista para o teatro; a se quase exclusivamente à publicidade
tendência para baixo era bem evidente nisto tudo Na pesquisa efectuada nos mencionados jornais,
(2). Ora o referido autor, remando contra a maré, optámos por recolher todas as referências
pretendia defender que tal situação não representava relacionadas com actividades físicas e desportivas,
nenhum progresso relativamente ao ambiente quer relatassem competições, demonstrações e
lúdico-desportivo vivido no início do século. Para práticas físicas, quer dissessem respeito a anúncios
ele, o balanço era bem evidente: de provas, de espectáculos e de materiais
“Em 1900 – Sem bola: Educação Física. Desportistas desportivos ou mesmo a notícias de reuniões de
amadores. Desenvolvimento da raça. clubes e de associações desportivas.
Em 1949 – Com bola: Zero a zero. Desportistas O resultado da recolha efectuada pode traduzir-se,
profissionais. Desenvolvimento da “massa” (2, p. 52). sintética e globalmente, no quadro 1:

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [56–61] 57


J.V. Ferreira, A.G. Ferreira

Quadro 1 – Número de referências sobre as várias modalidades físico-desportivas, no ano de 1900.

Actividades Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Agt Set Out Nov Dez Total
Atletismo 2 2
Caça 3 5 2 10 2 4 1 27
Canoagem 5 4 9
Ciclismo 3 1+5* 3* 17+3* 8 13 20 4 3 80
Equitação 1 5 6
Esgrima 5 2 7
Ginástica 16 37 3 4 1 1 3 10 7 2 84
J.Tradicionais 2 8 10
Luta 1 1
Natação 3 1 4
Passeios Fluviais 1 4 2 7
Patinagem 3 4 6 4 17
Ténis 1 1 2
Tiro 4 8 3 6 1 1 2 1 26
Touradas 1 13 46 33 20 113
Total 19 49 19 11 5 10 30 89 77 40 14 3 395
* Cicloturismo

Como podemos verificar no quadro 1, o panorama parecer preocupante a pujança do futebol, quando
desportivo de 1900 era muito diferente do actual e em 1900 se podia percorrer as páginas de um jornal
até do de 1949, ano em que foi escrito o texto de diário sem se encontrar uma única referência à sua
Arnaldo Leite que referimos. Em menos de um prática.
século ou mesmo de meio, Portugal viu surgir e Olhando bem para o quadro 1, vê-se, no entanto,
desenvolver-se um considerável número de que não é só o futebol a estar ausente dos jornais
modalidades, o que alterou por completo o quadro compulsados. Nenhum dos desportos mais
desportivo português. Não admira que alguns, como praticados actualmente aparecem aludidos. Aliás,
o fazia Arnaldo Leite, se sentissem pouco adaptados não encontrámos notícias de qualquer desporto de
a tal transformação e reagissem tecendo críticas que, bola, a não ser que consideremos o registo do ténis
normalmente, assentavam sobre a modalidade num anúncio de venda de um palacete a possuir um
despertadora de maior interesse. De facto, devia-lhes campo para a prática deste jogo (5).

Gráfico 1 – Histograma sobre o número de referências no tocante às diversas actividades desportivas, no ano de 1900.

113
12 0

10 0
80 84
80

60

40 27 26
17
20 9 7 10 7
6 1 4 2
0 2

58 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [56–61]


Desporto no Porto de 1900

Analisando o gráfico 1, podemos ver que as diferenciação entre a ginástica artística e alguns
actividades contempladas com maior número de exercícios atléticos praticados nos circos.
referências nos jornais foram as corridas de touros, o Perspectivando a análise a partir de critérios actuais,
ciclismo, a caça e o tiro; por seu turno, a luta, o é o ciclismo que merece maior atenção dos jornais.
atletismo, o ténis e a natação foram pouquíssimas No entanto, também aqui temos diversos tipos de
vezes mencionadas. práticas: competições velocipédicas, corridas onde se
Por certo, hoje em dia, estranhar-se-á que privilegiava sobretudo o aspecto lúdico e o
consideremos as corridas de touros no âmbito da cicloturismo.
análise das práticas físicas e desportivas. No entanto, Estas duas últimas práticas eram organizadas pelo
elas gozavam de imensa popularidade em todo o país, Real Velo Clube do Porto e nelas podiam participar
sendo algo surpreendente que encontrássemos tantas homens e mulheres. No Palácio de Cristal
referências relativas a povoações situadas a norte do realizavam-se, por exemplo, corridas de fitas para
rio Mondego. Parece-nos que as touradas estavam um e outro sexo e, com a participação de homens e
para as populações do início do século, como o mulheres, desenvolveram-se vários passeios a
futebol para as de hoje. Será que o futebol veio ocupar cidades como a Aveiro e Braga (4 e 5).
o espaço outrora pertencente à tauromaquia? Quanto às competições de bicicleta, o grande
Ao observarmos o quadro 1 e o gráfico 1, promotor delas era o mesmo Velo Clube, mas
apreciaremos certamente a posição relativa da igualmente se empenhavam nesta tarefa algumas
ginástica, mas convém explicitar que um número tão casas vendedoras de velocípedes como a Ferreira
alto de referências advém de elas contemplarem do Real e a Garagem Lusitana (4 e 5).
mesmo modo a ginástica acrobática praticada nos No sentido de ficarmos a perceber o nível desta
circos. De facto, se excluíssemos as notícias relativas modalidade no virar do século, vejamos o quadro de
aos circos, nem uma dúzia de referências obteríamos competições organizadas pelo Real Velo Clube do
para a ginástica. Todavia, é preciso ter-se em conta Porto no velódromo Maria Amélia, em 1900, para
que não era tão nítida como actualmente a comemorar o sétimo aniversário do seu nascimento:

Quadro 2 – Provas de ciclismo promovidas pelo Velo Clube, em 1900, nos festejos comemorativos do seu 7º aniversário.

Prova Séries (nº) Distância metros Corredores Vencedor Prémio


(série/final) (total) (réis)
Resistência Profissional 2 900/3600 9 José Bento Pessoa 20.000
Handicap 1 1800 4 Tomás da Silva Castro Objecto arte
Nacional Amadores 2 900/1500 10 L. Lacerda Pinto Relógio
Nacional Profissional 1 1800 9 António Lopes 11.000

Numa apreciação genérica, facilmente verificamos foram os mesmos a competirem na de “Resistência”.


que as corridas se destinavam a amadores e a No entanto, entre estes nove corredores
profissionais, tanto mais que a prova denominada de encontrámos profissionais originários de Lisboa,
“handicap” era especialmente reservada aos sócios Viseu, Figueira da Foz, Aveiro, Braga e Porto o que
amadores do Real Velo Clube do Porto. Olhando, parece demonstrar já uma implantação da
tanto a globalidade do evento desportivo como cada modalidade a nível nacional.
uma das provas em particular, vemos que o número Curiosamente, a patinagem, embora se tratasse de
dos corredores participantes era escasso o que uma modalidade bem diferente do ciclismo, aparecia
parece traduzir ainda um incipiente desenvolvimento associada sobretudo a iniciativas do Velo Clube do
da modalidade. Devemos esclarecer que os ciclistas Porto. As actividades registadas aconteciam nos
profissionais a participarem na prova “Nacional” meses de Inverno, ou seja, de Janeiro a Abril,

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [56–61] 59


J.V. Ferreira, A.G. Ferreira

período em que não se organizavam competições de disciplinar a arte venatória. O tiro, por sua vez, era
ciclismo. Corridas de patins, corridas de fitas e de uma actividade de Primavera e Verão e, durante este
obstáculos em patins para ambos os sexos eram tempo, o Clube de Caçadores do Porto organizava,
competições muito queridas dos sócios do Velo no terreno de Salgueiros, dois tipos de torneios: tiro
Clube, as quais se realizavam todas as semanas, a chumbo e à bala (4 e 5).
normalmente, nas noites de quinta-feira e sábado, Para além destas, as outras modalidades quase não
no Palácio de Cristal, em recinto fechado (4 e 5). tinham expressão. De entre elas, o remo/canoagem
Juntamente com a patinagem, a caça e o tiro era a actividade desportiva mais noticiada, seguindo-
perfazem um trio de modalidades que registavam se os passeios fluviais, a esgrima e a equitação (4 e
um número de referências entre as quinze e as 5). Para aquilatarmos a qualidade das competições
trinta, ou seja, posicionavam-se como um grupo de remo/canoagem organizadas pelos Bombeiros
intermédio, não conhecendo a popularidade das Voluntários do Porto em 1900, atentemos no
touradas ou do ciclismo, mas merecendo muito mais programa: 1ª corrida – Escaleres de 4 remos; 2ª
atenção que muitas outras. Note-se que a caça corrida – Sapatas a duplo remo; 3ª corrida - “Pic-
registou vinte e sete referências e o tiro vinte e seis, nics”; 4ª corrida – Caíque; 5ª corrida – Barcos
número superior ao da patinagem e bem longe do saveiros a dois remos (5).
obtido pelos jogos tradicionais a alcançarem apenas As referências às modalidades parecem indicar uma
a dezena. A caça tinha o seu maior número de actividade física mais concentrada em determinadas
notícias no Verão e, através delas, procurava-se dar a épocas do ano, conforme podemos ver no quadro 3 e
conhecer os locais repovoados de caça, bem como no gráfico 2.

Quadro 3 – Número de referências, por trimestre, no que diz respeito a algumas actividades desportivas, no ano de 1900.

Actividades 1º Trimestre 2º Trimestre 3º Trimestre 4º Trimestre Total


Caça 8 0 14 5 27
Ciclismo 3 29 41 7 80
Ginástica 56 5 4 19 84
Jogos tradicionais 0 0 10 0 10
Patinagem 13 4 0 0 17
Tiro 0 12 10 4 26
Touradas 0 1 92 20 113
Total 80 51 171 55 357

Gráfico 2 – Histograma sobre o número de referências, por trimestre, relativo a algumas actividades desportivas, no ano de 1900

1º Trimestre 2º Trimestre 3º Trimestre 4º Trimestre

100
80
60
40
20
0
Caça Ciclismo Ginástica Jogos Patinagem Tiro Touradas
populares

60 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [56–61]


Desporto no Porto de 1900

Parece evidente que é, no Verão, no 3º trimestre que BIBLIOGRAFIA


1. Ferreira, J. V., Ferreira A. G. (1997). La gymnastique à Porto
há maior prática das actividades físicas mencionadas, à la fin du XIX ème siècle et l‘action de Paulo Lauret. In Atti del
tendo-se encontrado o número de 171 referências, 1º Seminario Europeo di Storia dello Sport. Roma, p. 180-184.
muito acima das 80 do 1º semestre e mais ainda das 2. Gama, A. (1952). O “Porto 1900”: crónicas. Porto: Livraria
Figueirinhas.
55 e 51, respectivamente, do 4º e 2º semestres. 3. Hasse, M. (1993). O divertimento do corpo. Corpo, Lazer e
Analisando com maior pormenor, vemos que o Desporto, na transição do século XIX para o século XX, em Portugal.
ciclismo e o tiro são modalidades praticadas Tese de Doutoramento. Lisboa: UTL / FMH.
4. J. Comércio do Porto (1900). 1º semestre.
preferentemente na Primavera e no Verão. Por seu 5. J. Primeiro de Janeiro (1900). 2º semestre.
turno, a ginástica é uma disciplina mais 6. Parreira, L. L. (1937). Os desportos na formação moral.
desenvolvida no Outono e especialmente no Inverno. Revista a saúde escolar. 18: 520-523.
7. Pontes, J. (1934). Quási um século de desporto. Lisboa:
Sociedade Nacional de Tipografia.
CONCLUSÃO 8. Vaquinhas, I. M. (1992). O conceito de decadência
De tudo o que foi dito, se colige que, quer ao nível “fisiológica da raça” e o desenvolvimento do desporto em
Portugal. Finais do século XIX / princípios do século XX.
da variedade das modalidades, quer ao nível das Revista História das Ideias. 14: 365-388.
referências, a prática desportiva no norte do país era
bastante pobre. Excluídas as touradas e as
actividades referentes ao circo, praticamente só o
ciclismo tinha alguma expressão. Depois do
ciclismo, unicamente a caça e o tiro pareciam ter
alguma importância, tendo em conta o número de
referências, uma vez que só elas ultrapassavam o
número de 20.
Levando em atenção os dados colhidos nos jornais,
não parece haver razão para a opinião do Arnaldo
Leite. É natural que ele se tivesse referido ao
conjunto das actividades praticadas pela juventude e,
portanto, não devidamente organizadas. De qualquer
modo, parece ser evidente que as práticas
desportivas ainda não mobilizavam os jornais.

CORRESPONDÊNCIA
José Vítor Ferreira
Faculdade de Ciências do Desporto
e de Educação Física
Universidade do Porto
Rua Plácido Costa, 91
4200.450 Porto
Portugal
[jferreira@fcdef.up.pt]

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [56–61] 61


ARTIGOS DE
REVISÃO
A importância da depilação no rendimento desportivo em natação

J. P. Vilas-Boas
Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física
Universidade do Porto, Porto, Portugal

RESUMO ABSTRACT
O rendimento desportivo de alto nível é hoje determinado pelo The importance of hair shave on swimming performance
controlo de uma multiplicidade de detalhes que concorrem
para a máxima expressão das capacidades de realização do Top level performance in sports is, nowadays, determined by
desportista. No domínio da natação, vem-se assistindo a um the control of a complex of details that converge to the
progressivo incremento dos cuidados com a hidrodinâmica maximal expression of the performance potential. In
resistiva, os quais ganharam uma expressão particular com o swimming, it’s noticeable a progressive improvement of cares
surgimento dos novos fatos integrais, quer para senhoras, quer about hydrodynamical constraints to the performance,
para homens. Na mesma linha de preocupações, os hábitos de specially after the appearance of the new body suits from
depilação pré-competitiva foram-se instituindo na comunidade different companies. Pointing in the same direction is the
desportiva da natação, apesar de persistir uma grande tradition of shaving body hair previously to a main
controvérsia acerca da utilidade e repercussões deste competition, despite some controversy about it’s utility and
procedimento. O objectivo do presente trabalho consiste em consequences. The purpose of this work is to review the actual
rever o estado actual de conhecimentos a este respeito, de state of the art about this topic, in order to provide a
forma a proporcionar uma síntese com relevância operativa no operational synthesis with operative relevance for the
domínio da preparação desportiva de nadadores. preparation of swimmers to competition.

Palavras-chave: Natação, Biomecânica, arrasto hidrodinâmico, Key Words: Swimming, Biomechanics, hydrodynamic drag, hair
depilação. shaving

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [65–72] 65


J.P. Vilas-Boas

1. INTRODUÇÃO efeito de outras variáveis passivas (não dependentes


Pelo facto da natação se desenvolver num meio físico da técnica) determinantes da intensidade da força de
com características mecânicas específicas, colocam- arrasto oposta ao deslocamento do nadador, i.e.,
se ao nadador problemas igualmente específicos ou, equipamento desportivo e características da
se se quiser, apenas similares a alguns dos que se superfície de contacto do nadador com a água. A
colocam a actividades realizadas a alta velocidade no importância destas fica bem expressa nos resultados
meio aéreo (e.g., corrida de velocidade, ciclismo, de van Manen e Rijken (26), que registaram uma
patinagem no gelo, ski, etc.). Nestas modalidades redução de 9% na intensidade do arrasto a que se
são evidentes as preocupações de natureza sujeita uma nadadora em consequência da utilização
aerodinâmica, consubstanciadas, por exemplo, na de um fato de competição relativamente a quando
utilização de equipamentos especiais que, nos Jogos nada despida, e de Toussaint et al. (23), autores que
Olímpicos de Seoul/1988, culminou com os fatos verificaram uma redução do arrasto hidrodinâmico
integrais, elásticos e com touca, utilizados pelos activo em natação - crawl - como consequência da
velocistas da equipa de atletismo dos EUA. As utilização de um fato de triatlo em neoprene; esta
vantagens da utilização deste tipo de equipamento redução foi de 14% à velocidade de 1.25 m.s-1 e de
foram evidenciadas por Kyle e Caiozzo (14), autores 12% a 1.5 m.s-1 e pode permitir um aumento de ±
que, estudando em túnel de vento a aerodinâmica do 5% na velocidade de nado. O efeito foi atribuído
equipamento desportivo dos corredores de quer a uma mais pronunciada flutuabilidade, quer a
velocidade e fundo, concluiram que a utilização de uma redução do arrasto de fricção.
equipamento apropriado, incluindo a cobertura do Das variáveis passivas determinantes do arrasto a
cabelo, pode permitir reduzir o arrasto aerodinâmico que se sujeita o nadador, uma das que mais
entre 0.5 e 6%; salientaram ainda que uma redução insistentemente é referida é o nível de
em 2% do arrasto pode permitir uma redução de desenvolvimento da pilosidade na superfície de
0.01s no tempo dos 100 m e de 5.7s no tempo de contacto do nadador com a água, o que tem
prova da maratona. justificado a generalização do hábito dos nadadores
Se cuidados como este parecem ser legitimados pela se depilarem antes de competições importantes.
aplicação dos conhecimentos relativos à mecânica de Apesar deste ser um procedimento adoptado desde
fluidos à prática do atletismo (14), do ciclismo (13), há muito pelos nadadores, só mais recentemente
do ski (20) e da patinagem de velocidade (25), surgiram evidencias científicas que o parecem
procedimentos similares sê-lo-ão também, substanciar. O objectivo deste trabalho é
certamente, em natação, já que se a velocidade de perspectivar, com base na literatura disponível, o
deslocamento é consideravelmente inferior, a interesse da prática da depilação pré-competitiva em
viscosidade do fluido envolvente é, em natação, com especial incidência nas suas
contrapartida, significativamente superior. repercussões hidrodinâmicas, nomeadamente no
Ao nível da mecânica dos fluidos têm sido, em tocante a um eventual efeito na redução da
natação, insistentemente tratadas as questões intensidade da força de arrasto hidrodinâmico.
relativas ao entendimento da mecânica propulsiva e
resistiva, maioritariamente numa perspectiva de 2. DESENVOLVIMENTO DO PROBLEMA
aperfeiçoamento das técnicas de nado e de definição De há muito que os nadadores, os técnicos e os
do morfotipo ideal do nadador. Porém, para além investigadores revelam preocupações importantes
destes aspectos, existem a este nível outros que se relativamente às possibilidades de minimização da
revestem também de grande relevância prática, intensidade da força de arrasto hidrodinâmico
nomeadamente para a fundamentação de opções oposta ao deslocamento do corpo humano na água.
relativas à preparação específica da prestação São exemplos recentes dos cuidados tidos a esse
competitiva e que não têm sido tão frequentemente nível: (i) a continuada investigação no domínio do
objecto de investigação. Referimo-nos, arrasto; (ii) os esforços de evolução das técnicas de
concretamente, às possibilidades de minimização do nado através da minimização do arrasto; (iii) a

66 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [65–72]


Depilação e rendimento desportivo em natação

evolução dos fatos de banho, que passou pelo “fato de pressão, o arrasto de fricção é desprezível em
integral” apresentado pelas nadadoras da estafeta natação. O mesmo autor refere que, em qualquer
sueca nos campeonatos do mundo de Madrid ’86 e circunstância, o escoamento da água em torno do
agora retomados pela TYR, e culminou com os fatos corpo humano é turbulento, reduzindo assim a
integrais femininos e masculinos, sejam os Fast Skin importância relativa do arrasto de fricção e
da Speedo, ou os seus congéneres da Arena, da TYR e implicando valores elevados do arrasto de pressão.
da Adidas e (iv) a manutenção dos hábitos de Na mesma perspectiva, Gadd (9) refere que, para o
depilação completa da superfície cutânea exposta ao mesmo valor do Número de Reynolds (Re), o
contacto com a água, incluindo a cabeça. coeficiente de arrasto (CD) é, para o Homem em
Segundo Sharp et al. (21), desde a década de 50 que decúbito ventral, aproximadamente 13 vezes
os nadadores se depilam e poucos serão os recordes superior ao de um corpo hidrodinâmico, o que se
mundiais e americanos estabelecidos nos últimos traduz num regime de escoamento turbulento e num
anos que não tenham sido precedidos daquela acentuado arrasto de pressão.
prática. Porém, a par da generalização deste Clarys (3) não encontrou uma correlação
procedimento, parece que, durante muito tempo, estatisticamente significativa entre a intensidade da
não se conseguiram obter suficientes evidências força de arrasto e a área de superfície corporal, tendo,
empíricas e argumentos teóricos que o suportem. porém, verificado o oposto para a área de secção
A depilação parece ter por finalidade principal máxima transversal à direcção de deslocamento e para
minimizar a componente de fricção da força de a razão altura/volume. Estes parâmetros constituem-
arrasto total, uma vez que, para além da densidade e se, entretanto, como elementos determinantes,
da viscosidade do fluido, a extensão e rugosidade da respectivamente, do arrasto de pressão e do arrasto de
superfície de contacto do nadador com a água onda. Miyashita e Tsunoda (17) também não
(pilosidade e textura da pele, textura do fato de constataram correlações estatisticamente
banho e da touca), constituem os seus principais significativas entre o arrasto e a superfície corporal
factores determinantes (4, 8). No mesmo sentido se dos nadadores. Em contrapartida, Karpovich (11),
tem justificado o hábito de revestir a superfície Alley (1) e Counsilman (7) referem que a intensidade
cutânea com substâncias gordurosas diversas, bem da força de arrasto passivo é tanto superior quanto
assim como a opção por tecidos de textura lisa na maior for a superfície corporal do nadador.
concepção de fatos de banho (2, 16). Cazorla (2) refere que o arrasto de fricção é
negligenciável em nadadores, só representando uma
2.1. Importância do arrasto de fricção em natação parcela significativa do arrasto total para corpos
Na literatura especializada pode constatar-se que, hidrodinâmicos deslocando-se a velocidades muito
muito embora as opiniões não sejam unânimes, a elevadas. Nesta perspectiva, qualquer eventual
maioria dos autores considera que o arrasto de redução da intensidade do arrasto de fricção
fricção desempenha, em natação, um papel de decorrente de práticas de depilação ou outras, não
somenos importância relativamente às componentes teria expressão significativa na prestação desportiva
de pressão e de onda. Kozel (12) refere que, pelo do nadador (7).
menos para baixas velocidades da nado, o arrasto de Um argumento teórico parece reforçar as opiniões
pressão desempenha um papel predominante na relativas ao reduzido significado do arrasto de
intensidade da força de arrasto oposta ao fricção em natação: para valores elevados do número
deslocamento do nadador. Counsilman (6), de Reynolds (Re) - como presumivelmente ocorre no
reportando-se a nadadores, e Prance e Schmidt- caso do corpo humano - o escoamento é
Nielsen (19), referindo-se a patos, salientam que, supostamente turbulento (4, 8). Nestas condições,
para velocidades elevadas, o arrasto de onda Douglas et al. (8) referem que, para que se respeite a
desempenha um papel preponderante na intensidade condição fundamental de não deslocamento das
do arrasto total e Clarys (3) refere que, atendendo partículas de fluido adjacentes à superfície do corpo,
aos valores supostamente muito elevados do arrasto é imprescindível que se estabeleça uma subcamada

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [65–72] 67


J.P. Vilas-Boas

laminar no interior da camada limite, na zona 2.2. Repercussões da depilação no rendimento


imediatamente adjacente à superfície do corpo. Esta, desportivo de nadadores
para todos os efeitos práticos, tornaria o corpo Muito embora alguns dos argumentos atrás
hidraulicamente liso, conduzindo à possível referidos questionem de alguma forma o interesse
desvalorização do efeito resistivo da componente de das práticas tendentes a minimizar a intensidade do
fricção da força de arrasto (8). arrasto de fricção que já referimos, estas mantêm-
Contrariando o pressuposto fundamental do se muito difundidas, sobretudo entre os nadadores
argumento anteriormente exposto, Hay e Thayer de mais elevado nível. A questão fundamental que
(10), num trabalho realizado com o objectivo de se coloca é a de se saber até que ponto é que se
desenvolver uma técnica de visualização do regime justificam, por interferirem positivamente na
de escoamento da água em torno do corpo do capacidade de rendimento desportivo dos
nadador, referem que o escoamento da água em nadadores e, de entre elas, principalmente a
torno do corpo do brucista natural - técnica depilação, já que se constitui como um
ondulada - parece ser maioritariamente laminar, procedimento pelo menos incómodo para o
prevalecendo o arrasto de fricção relativamente ao nadador.
arrasto de pressão. Por seu lado, Ungerecht (24) A divergência de opiniões e a inconsistência dos
questiona a validade de Re como indicador rigoroso argumentos hidrodinâmicos e empíricos parecem
do regime de escoamento de fluidos em torno de não ter, nos últimos anos, contribuído decisivamente
corpos que mudam continuamente de forma, pelo para a sua afirmação ou abandono. Counsilman (7)
que valores de Re muito elevados não implicariam, refere a inexistência de qualquer evidência válida
nestas condições, que o escoamento fosse que substancie a hipótese segundo a qual a depilação
necessariamente turbulento. É, de resto, nesta reduz o arrasto de fricção de forma suficiente para
perspectiva que o clássico paradoxo do golfinho influenciar significativamente a performance. Sharp et
poderia encontrar solução na possibilidade do al. (21) salientam por seu lado não existir, até então,
escoamento se manter laminar para valores de Re qualquer literatura publicada que suporte ou refute a
superiores ao valor crítico (9). No mesmo sentido, influência desta prática na melhoria da prestação
Clarys (3) salienta que, devido às constantes desportiva. Por outro lado, Mrazek (18) refere uma
variações de forma e posição do corpo, muitos dos melhoria de 1.2% no rendimento competitivo em
princípios fundamentais da hidrodinâmica dos consequência da depilação e Costill et al. (5)
corpos rígidos não podem ser directamente aplicados salientam que a depilação pode contribuir para uma
ao estudo do nadador. Miyashita e Tsunoda (17) elevação da performance em 3 a 4%.
referem também este tipo de preocupações, O reconhecimento do efeito supostamente positivo
reportando-se especialmente às dificuldades de da depilação tendo por base os resultados
aplicação da equação D=1/2rV2CDS à determinação desportivos decorre do facto de, quando depilados,
do arrasto (D) para corpos não rígidos. os nadadores realizarem as suas melhores
Parece-nos lícito, portanto, admitir que aos valores performances. No entanto, os atletas depilam-se
de Re apresentados na literatura para o corpo apenas para as competições mais importantes, ou
humano possa não corresponder, necessariamente, seja, exactamente para aquelas que apontam os
um regime de escoamento turbulento, situação que “picos de forma” do processo de treino, facto que
conferiria maior relevância ao arrasto de fricção. naturalmente compromete a possibilidade de se
Nesta perspectiva, Larsen et al. (15) referem que estabelecerem relações causais entre depilação e
para corpos que se deslocam na superfície livre de rendimento desportivo (27).
um líquido, como os barcos e os nadadores, o Atendendo a este estado de coisas, parece ser
arrasto de fricção representa entre 18 a 20% do perfeitamente lícito que, na dúvida, os nadadores
arrasto total. mantenham as referidas práticas de depilação e afins
e que os técnicos as prescrevam. Esta posição parece
ser reforçada pela opinião de alguns autores,

68 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [65–72]


Depilação e rendimento desportivo em natação

segundo a qual a depilação poderia influenciar tempo de prova em 200m livres, podemos verificar
positivamente o rendimento desportivo do nadador, que conferem grande relevância às repercussões
quanto mais não fosse por se repercutir desportivas da depilação. Naturalmente que
favoravelmente nas sensações quinestésicas e na resultados tão exuberantes sugerem grande
predisposição psicológica do indivíduo para a ponderação na sua interpretação e, naturalmente,
competição (7, 18, 2, 16). recomendam a realização de aproximações ulteriores
A inconsistência dos argumentos relativos à que confirmem ou infirmem as respectivas
melhoria das sensações quinestésicas parece, porém, conclusões. O mesmo decorre da reduzida extensão
ser pelo menos tão acentuada quanto a dos da amostra testada (n=6) e o também reduzido
referentes às repercussões hidrodinâmicas da poder discriminativo do indicador utilizado.
depilação, restringindo-se, segundo Sharp et al. (21), Importa, portanto, conseguir-se novos contributos
ao domínio especulativo. Na mesma perspectiva, que esclareçam mais consistentemente esta
parece desajustado o incentivo às práticas de problemática, nomeadamente no que respeita à
depilação apenas com o objectivo de favorecer a efectiva importância da depilação e, sobretudo, da
predisposição psicológica do atleta, uma vez que a sua aparente influência poder decorrer, ou não, de
psicologia desportiva dispõe de meios de intervenção uma diminuição do arrasto de fricção. De facto, a
mais eficazes e menos cruentos. metodologia empregue por Sharp et al. (21) não
Em síntese, se não são razões sólidas de natureza exclui a possibilidade do aumento da economia
hidrodinâmica a conferir legitimidade à prática de motora se dever, no todo ou em parte, a um
depilação pré-competitiva e procedimentos aumento da eficiência propulsiva decorrente de uma
similares, não parecem ser razões de natureza melhoria das sensações quinestésicas. Isto,
psicológica ou quinestésica a consegui-lo. entretanto, já seria possível se se comparassem
Há já algum tempo, porém, foram publicadas directamente as forças de arrasto activo nas duas
evidências que parecem contribuir, se não de forma situações ou, pelo menos, se as diferenças registadas
inequívoca, pelo menos de forma importante para o em natação livre não se observassem em natação
esclarecimento do problema. Referimo-nos muito estacionária para os mesmos indivíduos. Os
concretamente aos resultados dos estudos de Sharp resultados de Sharp et al. (21) impunham, portanto
et al. (21) e de Sharp e Costill (22). futuros desenvolvimentos experimentais, os quais
Sharp et al. (21) constataram, em dois dias foram tentados por Sharp e Costill (22).
consecutivos, uma redução da razão lactatemia/ Tendo por base estes pressupostos, Sharp e Costill
velocidade (economia) para a técnica de crawl em (22) estudaram o efeito da depilação na resposta
consequência da depilação. As diferenças entre a fisiológica de 13 nadadores a um teste de natação
provas realizadas antes e depois da depilação foram livre e a um teste de natação estacionária (tethered
estatisticamente significativas (p<0.05) quer para swimming) e as suas repercussões na desaceleração
velocidades submáximas, quer para velocidades verificada durante o deslize após uma impulsão
máximas. No primeiro caso a diferença média foi de máxima na parede testa da piscina, num outro grupo
28 (±7) % e, no segundo, de 23 (±3) %. de 18 nadadores.
Segundo os mesmos autores, muito embora não No primeira parte deste estudo, os 13 indivíduos
existam suficientes dados publicados a esse respeito foram divididos em dois grupos: um grupo
e as generalizações sejam obviamente difíceis, o experimental (n=9) e um grupo controlo (n=4).
decréscimo da lactatemia correspondente a uma Todos os indivíduos realizaram dois testes de 365.8
dada velocidade ao longo de uma época desportiva, m bruços à mesma velocidade (90% do melhor
em consequência do treino, varia entre 27 e 35%, tempo de treino), separados de uma semana, e dois
permitindo a depilação, de um dia para o outro, por testes de 8 mn em natação estacionária com cargas
si só, reduções de 23 a 28%. Se a isto juntarmos que, progressivas, também separados de uma semana. No
em termos de performance, os resultados de Sharp et segundo teste de natação livre e de natação
al. (21) apontam para uma redução de 6.6 s no estacionária os indivíduos do grupo experimental

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [65–72] 69


J.P. Vilas-Boas

depilaram-se e os indivíduos do grupo controlo não. no período que mediou entre os dois testes. Apesar
Os autores puderam constatar que entre os dois de, por dificuldades com o equipamento de
testes de natação livre: (i) a distância percorrida por avaliação, não terem registado o VO2 no grupo
ciclo aumentou significativamente (0.24 m/ciclo, controlo e de, por isso, não poderem afirmar que o
p<0.05) no grupo experimental e não variou no custo energético foi reduzido em consequência da
grupo controlo; (ii) o VO2 determinado nos depilação, os autores referem não lhes parecer
primeiros 40 s de recuperação diminuiu coerente, em face dos resultados obtidos, que o
significativamente (p<0.05) no grupo experimental grupo controlo tenha experimentado uma elevação
(0.33 l.mn-1) não tendo sido testado no grupo da economia motora.
controlo; (iii) a lactatemia de 2 mn de recuperação Os resultados obtidos em natação livre, quando
diminuiu significativamente (p<0.05) no segundo comparados com os de natação estacionária,
teste para o grupo experimental (- 1.68 mmol.l-1 - sugerem que a depilação reduziu o arrasto e,
21%) e aumentou para o grupo controlo (+ 1.55 consequentemente, o custo energético da natação
mmol.l-1) e (iv) a frequência cardíaca diminuiu livre, não se repercutindo na natação estacionária
também no grupo experimental (- 6 bat.mn-1) e não porque o arrasto activo tem, nesta situação, uma
variou no grupo controlo. Entre os dois testes de influência muito reduzida ou inexistente. Esta
natação estacionária constataram que a frequência perspectiva é reforçada se se considerar que a
cardíaca, o VO2 do último minuto de esforço e a habilidade para produzir força propulsiva não se
lactatemia de 2 mn não variaram a qualquer das alterou, tendo, todavia, aumentado a distância
intensidades entre o primeiro e o segundo teste, percorrida por ciclo em consequência da depilação.
quer para o grupo controlo quer para o grupo Os resultados de acelerometria passiva concorrem
experimental, tendo podido observar que também a também para a mesma conclusão.
força propulsiva e a potência máximas não variaram Uma última questão prende-se com a componente
significativamente entre o primeiro e o segundo do arrasto que, possivelmente, terá sido mais
teste para qualquer dos grupos. influenciada pela depilação. Na opinião de Sharp e
Na segunda parte do estudo, os 18 indivíduos foram Costill (22), quer o arrasto de fricção, quer o de
divididos em dois grupos de 9, um servindo como pressão e de onda podem ser influenciados por
grupo controlo e outro como grupo experimental. aquele procedimento. Todavia, repercutindo-se este
Todos os indivíduos realizaram duas séries de 6 mais nas características da superfície de contacto
impulsões da parede testa da piscina em dias entre o corpo do nadador e do fluido, parece-nos ser
consecutivos, tendo os indivíduos do grupo lícito esperar que o arrasto do fricção seja aquele que
experimental sido depilados antes da segunda série. A mais significativamente é afectado pela depilação, o
velocidade máxima após a impulsão foi similar para que, a ser verdade, lhe confere uma expressão no
os dois grupos e para o primeiro e segundo testes. A rendimento desportivo em natação que, como vimos,
desaceleração, porém, foi significativamente inferior não é reconhecida por diferentes autores.
no grupo experimental quando os indivíduos se Os resultados dos estudos de Sharp et al. (21) e de
encontravam depilados, não tendo sido registadas Sharp e Costill (22) parecem-nos: (i) conferir
diferenças significativas entre o primeiro e segundo significação objectiva e legitimar a tradicional prática
teste para o grupo controlo. A aceleração negativa de depilação pré-competitiva dos nadadores, pelo
instantânea foi superior para velocidades elevadas e menos enquanto não estiverem disponíveis
inferior para velocidades mais baixas. evidências em contrário e (ii) sublinhar, junto dos
O decréscimo na concentração sanguínea de lactato técnicos, a potencialmente elevada relevância
observada em consequência da depilação por Sharp e desportiva dos progressos de natureza técnica em
Costill (22) é semelhante à registada por Sharp et al. geral e hidrodinâmica em particular, numa altura em
(21) - 23% - e a ausência de alterações no grupo que as preocupações a este nível parecem ainda ser
controlo sugere que as primeiras não se ficaram a pouco relevantes no contexto global das tarefas de
dever às actividades desenvolvidas pelos nadadores preparação desportiva de nadadores.

70 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [65–72]


Depilação e rendimento desportivo em natação

3. CONCLUSÕES
Do que acabamos de expor, parece-nos possível
retirar as seguintes conclusões:

(i) Em nadadores, as práticas de depilação pré-


competitiva e similares, não se têm
fundamentado em dados empíricos e em
argumentos hidrodinâmicos teóricos
suficientemente consistentes.
(ii) Justificações de natureza psicológica ou
quinestésica parecem não ser suficientes para
legitimar as práticas referidas.
(iii) Os dados disponíveis na literatura apontam para
um claro favorecimento da prestação desportiva
em natação como consequência da prática de
depilação pré-competitiva, o qual parece ser
imputável a vantagens de natureza
hidrodinâmica.
(iv) As repercussões dos progressos técnicos em
geral e hidrodinâmicos em particular poderão
traduzir-se em significativas vantagens
desportivas, pelo que importará conferir
crescente importância a estas questões no
âmbito dos programas de treino e de preparação
desportiva de nadadores.

CORRESPONDÊNCIA
J. Paulo Vilas-Boas
Faculdade de Ciências do Desporto
e de Educação Física da Universidade do Porto
Rua Dr. Plácido Costa, 91
4200 Porto
Portugal
[jpvb@fcdef.up.pt]

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [65–72] 71


J.P. Vilas-Boas

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72 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [65–72]


Miopatia do Exercício. Anatomopatologia e Fisiopatologia

J. A. Duarte
M.P. Mota
M.J. Neuparth
H.J. Appell
J.M.C. Soares
Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física
Universidade do Porto, Porto, Portugal

RESUMO ABSTRACT
O exercício físico exaustivo e inabitual induz alterações Exercise induced muscle damage.
estruturais e ultra-estruturais musculares esqueléticas cuja Anatomopathology and Physiopathology.
fisiopatologia é ainda pouco clara. Neste trabalho são
descritas, em pormenor, essas alterações observadas após Exhaustive and unusual physical exercise induces structural
exercício, dando especial realce às irregularidades do padrão and ultra-structural alterations in skeletal muscular whose
estriado, à palidez de coloração com o ácido periódico de physiopathology is still unclear. These alterations are described
Schiff, à vacuolização sarcoplasmática, às áreas de necrose in detail, giving special importance to irregularities of cross
segmentar, à presença de núcleos centrais, à activação das striated pattern, paleness with Schiff periodic acid,
células satélite e fibroblastos, ao edema intra-celular e à vacuolization, segmental necrosis, central nuclei, activation of
reacção inflamatória muscular com infiltração de fagócitos. São satellite cells and fibroblasts, intra-cellular edema and to the
ainda analisados os seus tempos de aparecimento e os muscular inflammatory reaction with phagocytes infiltration.
hipotéticos mecanismos subjacentes. Na génese destas Their onset times and hypothetical underlying mechanisms are
anomalias parecem estar factores de natureza metabólica e also analyzed. In the origin of these anomalies are metabolic
mecânica, sendo a participação de cada um condicionada pelo and mechanical factors whose contribution is conditioned by
tipo de exercício efectuado. Tudo indica que o quadro the type of exercise. Experimental data suggests that
anatomopatológico seja variável, com predominância de um ou morphological characteristics of muscle damage induced by
outro tipo de alterações, em função do exercício realizado. exercise are variable according to the metabolic or mechanical
stress of exercise.
Palavras-chave: Miopatia do exercício, alterações estruturais
musculares, fisiopatologia, factores condicionantes. Key Words: Exercise induced muscle damages, structural
damages, Physiopathology.

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [73–80] 73


J. A. Duarte, M.P. Mota, M.J. Neuparth, H.J. Appell, J.M.C. Soares

A miopatia do exercício (MEx) é uma entidade hematomas, de aparecimento súbito, sendo


anatomopatológica induzida pela realização de vulgarmente causadas por contusões externas ou
exercícios físicos extenuantes ou inabituais, limitada pela aplicação de forças musculares excessivas.
a algumas áreas do tecido muscular estriado De acordo com os dados experimentais (para refs.
esquelético, surgindo tanto em animais normais de ver 7), a MEx não é uma doença muscular
laboratório como em humanos clinicamente generalizada, restringindo-se apenas a um pequeno
saudáveis (8, 9, 12, 16, 20, 22). É identificada, no grupo de músculos, dependente do exercício
Homem e no modelo animal, pela elevação das realizado. A intensidade das lesões, bem como a
enzimas lisossómicas musculares, pela elevação percentagem de fibras atingidas pelas anomalias
plasmática de várias proteínas musculares, pelas histológicas, estão dependentes de numerosos
alterações estruturais e ultra-estruturais musculares factores (para refs. ver 6, 7, 17), tendo principal
e pela diminuição da força máxima voluntária e destaque: (i) a intensidade e a duração do exercício
involuntária não atribuível à fadiga (3, 4, 5, 13, 17, efectuado, (ii) o músculo observado, (iii) o tipo de
20). No Homem, a sensação retardada de fibra muscular analisada, (iv) o tempo que medeia
desconforto muscular e a captação aumentada de entre a finalização do exercício e a recolha da
produtos radioactivos pelos músculos lesados são amostra, (v) o nível de treino do indivíduo, (vi) o
também sinais clinicamente importantes (6, 7, 13). tipo de contracção predominantemente realizado,
Se o termo “miopatia” parece ser abusivo, o seu (vii) o modelo experimental utilizado, (viii) a idade
carácter necrótico, catabólico e inflamatório, apesar do modelo experimental e (ix) o estado de inervação
de transitório (7), justifica a designação. Da mesma do músculo em causa.
forma, muitas das alterações funcionais e A descrição das lesões histológicas associadas à MEx
morfológicas musculares de origem endócrina, nem sempre é concordante de autor para autor em
metabólica ou medicamentosa são também consequência não só dos factores condicionantes
designadas por miopatias, apesar de transitórias e atrás mencionados, mas também das diferenças
reversíveis (para refs. ver 7). Importa referir que evidenciadas no horário de recolha das amostras e
alterações estruturais e ultra-estruturais dos objectivos do trabalho (para refs. ver 6, 7).
semelhantes àquelas encontradas após exercício
exaustivo e inabitual, são também observadas em
doentes com poliomiosite e distrofia muscular. De
facto, sendo muito limitado o número de reacções
básicas das fibras musculares aos vários estímulos
agressivos, é natural que diferentes agressões
possam induzir a mesma reacção celular (1, 2, 10,
11, 21). Assim, não é de estranhar que as lesões
descritas para a MEx não sejam específicas desta, Figura 1. Fotografias de microscopia óptica de músculo
sendo, por isso, encontradas em outras patologias gastrocnémius, em corte transversal (A, 393x) e longitudinal (B,
493x) de animal sacrificado 24 horas após exercício, mostrando um
musculares. espaço intersticial alargado (#) e a presença de fibras (*) com áreas
Em contraste com as lesões agudas motivadas pela de necrose segmentar (parcial). É visível, junto de uma área
prática desportiva, tais como as rupturas necrosada (setas), uma infiltração celular, provavelmente de
fagócitos. As fibras adjacentes possuem uma estrutura normal.
musculares, este estado patológico do músculo
esquelético é caracterizado por possuir uma natureza
De uma maneira simples, poderíamos definir as
retardada (3, 4, 5, 7, 17). De facto, as alterações
alterações morfológicas da MEx como lesões de
estruturais associadas à miopatia do exercício são
carácter focal, sub-letais e letais (com posterior
bem diferentes daquelas induzidas por exercícios
necrose), atingindo pequenas áreas de algumas das
físicos violentos. Essas traduzem-se, habitualmente,
fibras recrutadas (Fig. 1) (3, 4, 7, 17).
por dilaceração e/ou ruptura de pequenas veias e das
Conciliando os dados experimentais (8, 9, 16),
fibras musculares, com possível formação de
facilmente se conclui que estas alterações, letais e

74 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [73–80]


Alterações estruturais musculares induzidas pelo exercício

sub-letais induzidas pelo exercício, são idênticas às De acordo com a literatura (6, 7), estas alterações
descritas para a célula em geral, apresentando, no estruturais poderão ter uma origem mecânica, uma
entanto, alterações histológicas adicionais que estão, vez que (1) são observadas logo após a finalização
naturalmente, relacionadas com a especialização da do exercício físico, (2) parecem relacionar-se
fibra muscular. directamente com a percentagem de contracções
Um tipo de alterações, consequente da diferenciação excêntricas realizadas, (3) a sua incidência e
da fibra muscular, é vulgarmente encontrado, em intensidade não se modificam em função do tempo
cortes longitudinais à microscopia de luz, logo após decorrido após exercício e (4) revelam uma
a finalização do exercício físico e consiste, coloração pálida, talvez pela diminuição de material
estruturalmente, na desorganização do padrão contráctil induzida pela tracção mecânica.
estriado (Fig. 2 e 3). Consequente às fortes tracções mecânicas a que as
fibras se sujeitam, não só as proteínas contrácteis e
do citosqueleto podem ficar afectadas, mas também
as diferentes membranas celulares podem ser
atingidas (Fig. 3), com a consequente perda da
homeostasia celular a vários iões, particularmente ao
ião cálcio (14).
Em termos ultra-estruturais, as irregularidades do
padrão estriado, observadas à microscopia de luz,
Figura 2. Fotografias de microscopia óptica (A, 615x) e electrónica (B, parecem corresponder às alterações nas linhas Z, tais
918x) em corte longitudinal, de músculo soleus de animais como a disrupção, o esbatimento ou a extensão do
sacrificados logo após exercício, mostrando a presença de
irregularidades do padrão estriado (*) intervaladas com zonas de material dessas linhas para as bandas I adjacentes (6,
contracção das miofibrilas (setas). 7). Esta anomalia, atinge, frequentemente, a
totalidade das linhas Z dos sarcómeros adjacentes,
Esta desorganização, habitualmente designada por ocupando, frequentemente, toda a largura da fibra
irregularidade do padrão estriado, manifesta-se por muscular. Em muitos casos, o número de
um alargamento das bandas isotrópicas (I) e sarcómeros em série atingidos ultrapassa as duas
anisotrópicas (A), com esbatimento da coloração dezenas (6). À microscopia electrónica, as zonas de
muscular, estando frequentemente intercalada por maior coloração que as intercalam resultam, de
áreas onde a largura das bandas I se encontra facto, da diminuição do comprimento dos
diminuída, apesar das dimensões das bandas A sarcómeros, com acentuada redução das bandas I
permanecerem constantes, sugerindo interacção das sem qualquer alteração nas dimensões das bandas A
proteínas contrácteis nessas zonas (3, 6, 7). Em (Fig. 2). Quadro morfológico semelhante pode
consequência, a coloração muscular nessas áreas é também ser encontrado em indivíduos saudáveis e
mais carregada (Fig. 2 e 3). assintomáticos, embora com menor incidência e
intensidade (resultados não publicados). Estas zonas
de maior densidade tecidual correspondem,
necessariamente, a áreas onde as proteínas
contrácteis interagem, sugerindo, por isso, a
existência de grandes quantidades de ião cálcio
sarcoplasmático disponível para ligação à troponina
C (7, 14). Este ião poderá ter origem extra-celular,
por atingimento sarcolemal, como a Fig. 3 sugere, ou
Figura 3. Fotografias de microscopia óptica, do músculo soleus, em
corte longitudinal (A, 313x; B, 615x), de animais sacrificados logo
intra-celular, por perda da permeabilidade selectiva
após exercício, mostrando irregularidades do padrão estriado (*) da membrana do retículo sarcoplasmático (16).
intervaladas por zonas de contracção das miofibrilas (setas). De Logo após a finalização do exercício físico,
notar que estas zonas de interacção miofibrilar estão intimamente
relacionadas com o sarcolema.
particularmente se este tiver um predomínio de

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [73–80] 75


J. A. Duarte, M.P. Mota, M.J. Neuparth, H.J. Appell, J.M.C. Soares

contracções concêntricas, um outro tipo de alteração


estrutural, frequentemente observada à microscopia
de luz, consiste na irregularidade de coloração ao
ácido periódico de Schiff (PAS) verificada entre as
diferentes fibras musculares.

Figura 5. Fotografias de microscopia electrónica (A, 1339x), em corte


transversal, e de microscopia óptica (B, 493x) em corte longitudinal,
de um animal sacrificado 48 horas após exercício. Na fotografia A,
na fibra inferior, é notório o edema intra-celular (*) e dois
lisossomas secundários (setas). Na fotografia B é evidente uma
zona com irregularidades do padrão estriado (*), onde se torna
difícil identificar as bandas isotrópicas e anisotrópicas, e uma área
de infiltração de fagócitos (setas).
Figura 4. Fotografias de microscopia óptica, em corte longitudinal (A,
393x), e electrónica (B, 1267x), em corte transversal, do músculo A vacuolização sarcoplasmática parece ser, em
soleus, de animais sacrificados logo após exercício, mostrando
fibras portadoras de vacuolização sarcoplasmática (setas), sem
grande parte, o resultado das anomalias
irregularidades do padrão estriado. Na fotografia B é de realçar o mitocondriais observadas em microscopia
alargamento do espaço inter-miofibrilar, traduzindo edema intra- electrónica. No entanto, é provável que a ligeira
celular (*), e o swelling mitocondrial (#) bastante acentuado.
dilatação do retículo sarcoplasmático, consequente
ao edema intra-celular, possa também contribuir,
Nas fibras de tonalidade mais pálida, sugerindo um
ainda que de forma menos intensa, para esse
menor conteúdo em glicogénio e, por isso,
fenómeno (6). O facto destas anomalias serem
testemunhando o seu recrutamento durante o
observadas após exercícios com predomínio de
exercício, são também frequentemente observados
contracções concêntricas, de atingirem a sua
inúmeros vacúolos sarcoplasmáticos (Fig. 4). Estas
expressão máxima algumas horas após a finalização
fibras, à análise ultra-estrutural, apresentam um
do exercício e de ocorrerem em fibras pálidas à
maior espaço inter-miofibrilar bem como a presença
coloração pelo PAS, sugere uma origem metabólica
de mitocôndrias edemaciadas (“swelling”
para estas alterações (3, 6, 7, 18, 19). Uma
mitocondrial), de matriz pálida e com
hipotética explicação para a ocorrência destes
irregularidades das suas cristas (Fig. 4).
fenómenos poderá estar relacionada com a perda
Exceptuando a ligeira dilatação do retículo
celular da homeostasia ao ião cálcio (7, 15, 16).
sarcoplasmático, verificada nas fibras portadoras das
Assim, consequente ao progressivo aumento da
anomalias mitocondriais, os restantes organelos não
concentração sarcoplasmática do ião cálcio e à
apresentam, habitualmente, qualquer alteração digna
captação deste ião pelas mitocôndrias adjacentes,
de registo imediatamente após o exercício. Para além
verifica-se uma redução da permeabilidade selectiva
da deplecção de glicogénio, também o edema intra-
da membrana interna mitocondrial com o
celular (Fig. 4 e 5) pode ser responsabilizado pela
consequente edema (com atenuação do gradiente
tonalidade mais pálida destas fibras. O edema intra-
protónico) e desacoplação da fosforilação oxidativa
celular pode ser perfeitamente justificado pela
(para refs. ver 14). Situação idêntica pode também
ineficácia da ATPase transportadora de Na+/K+,
ser motivada pela elevação térmica tecidual (7, 14).
motivando uma concentração crescente de sódio no
Esta poderia ser uma hipotética explicação para a
interior da fibra, arrastando consigo água do espaço
ocorrência de vacuolização sarcoplasmática em
intersticial. Simultaneamente, verifica-se uma saída
fibras depleccionadas em glicogénio mas não
de potássio com a consequente diminuição do pH
portadoras de áreas com interacção das suas
intra-celular (para refs. ver 14).
proteínas contrácteis (Fig. 4).

76 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [73–80]


Alterações estruturais musculares induzidas pelo exercício

Um outro tipo de anomalias, também relacionado elevadas concentrações sarcoplasmáticas de ião


com a diferenciação das fibras e que difere cálcio possam contribuir para a activação destas
ligeiramente da descrição feita para a célula em enzimas (para refs. ver 7).
geral, tem a ver com o facto da fibra muscular ser
um sincício morfológico que, quando sujeito a um
estímulo lesivo letal, não degenera de uma forma
integral mas sim parcial (Fig. 1 e 6), ficando os
núcleos das áreas não atingidas a assegurar o
funcionamento dessas zonas (7).

Figura 7. Fotografias de microscopia óptica, em corte longitudinal (A,


393x) e transversal (B, 493x) do músculo soleus, de animais
sacrificados 48 horas após exercício, mostrando edema intersticial
(*) e zonas com desaparecimento das bandas I e vacuolização
simultânea (setas). É ainda possível observar-se uma fibra em
necrose de coagulação ladeada por fibras normais (#).

Zonas com redução ou desaparecimento total das


Figura 6. Fotografias de microscopia óptica, do músculo soleus em bandas I continuam a ser observadas muitas horas
corte longitudinal (A, 493x; B, 493x), de animais sacrificados 48
horas após exercício, com a presença de zonas de necrose
após a finalização do exercício e, particularmente
segmentar (*) infiltradas por fagócitos. É ainda observada uma nestas áreas, a vacuolização sarcoplasmática é
fibra com alguma vacuolização (#) e núcleos centrais (setas). perfeitamente identificável (Fig. 7). Esta constatação
vem reforçar a hipótese da perda da homeostasia
O aparecimento destas áreas de necrose segmentar celular ao cálcio como uma das possíveis etiologias
só se verifica, normalmente, algumas horas após o para as alterações encontradas (15, 16).
término do exercício. De facto, um a dois dias após o Nas fibras portadoras de alterações estruturais, à
exercício físico, todo o quadro anatomopatológico se análise por microscopia electrónica, é notório, com o
torna mais exuberante, caracterizando a natureza aumento do tempo pós-exercício, o progressivo
retardada da MEx. incremento do volume mitocondrial (com
Durante este período, as irregularidades do padrão irregularidades da matriz e das cristas), mais
estriado continuam a ser observadas, diferindo proeminente nas zonas sub-sarcolemais, embora
estruturalmente, contudo, daquelas observadas logo também observado nas regiões inter-miofibrilares
após a finalização do exercício. Há uma menor (6), assim como a existência de mitocôndrias,
definição da estriação com a consequente dificuldade intercaladas, com aspecto normal (Fig. 4 e 5). O
ou mesmo impossibilidade de identificação das espaço inter-miofibrilar mantém-se aumentado (Fig.
bandas A e I (Fig. 5). 5) e as anomalias das linhas Z, do retículo
Tudo indica que haja uma substituição, progressiva, sarcoplasmático e do comprimento dos sarcómeros
das características das irregularidades do padrão são também observadas com mais evidência.
estriado ao longo do tempo pós-exercício (6). Esta Nestas fases pós-exercício é possível detectar-se um
suposição parece apoiar a hipótese de que a aumento dos complexos de Golgi, dos corpos
disrupção miofibrilar, verificada durante a residuais, dos vacúolos autofágicos e dos lisossomas
realização do exercício físico, pode expor os seus primários e/ou secundários (Fig. 5). Estes são, sem
componentes estruturais à acção de proteases dúvida, sinais morfológicos reveladores de uma
neutras ou alcalinas que se encontram no espaço actividade autofágica aumentada (6, 7). Estas
inter-miofibrilar, provavelmente associadas ao evidências são principalmente visíveis no espaço sub-
retículo sarcoplasmático (6, 7, 15) agravando, desta sarcolemal das fibras que circundam as áreas lesadas
forma, as lesões preexistentes. É possível que as e principalmente nas fibras com elevado conteúdo

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [73–80] 77


J. A. Duarte, M.P. Mota, M.J. Neuparth, H.J. Appell, J.M.C. Soares

mitocondrial (para refs. ver 6). Estes sinais Um a três dias após o exercício, a resposta
histológicos de autofagia, nomeadamente os vacúolos inflamatória nos músculos agredidos parece estar
autofágicos e os corpos esfero-membranosos, são completamente estabelecida, com fagócitos
pouco frequentes na primeira hora após a finalização dispersos pelo endomísio e no interior de algumas
do exercício, aparecendo com maior frequência entre fibras lesadas (Fig. 8, 9 e 10) (9). Os mononucleares
o 2º e o 7º dia (para refs. ver 6). incluem principalmente macrófagos, originados dos
Em termos gerais, tudo indica que ao longo do tempo monócitos que infiltraram o músculo, e alguns
após exercício, as fibras agredidas iniciam um linfócitos B, T e linfócitos T citotóxicos (Fig. 8, 9 e
processo de autodestruição, lisando as miofibrilas e 10), originando um infiltrado celular semelhante ao
promovendo não só a disrupção das mitocôndrias, do descrito nas miopatias inflamatórias, apesar dessa
sarcolema e do retículo sarcoplasmático, mas também invasão linfocitária, motivada pelo exercício, nem
a autofagocitose e a activação lisossómica (6, 7). As sempre ser descrita na literatura (para refs. ver 7). O
anomalias histológicas musculares, motivadas por facto das fibras agredidas poderem expor
este processo intrínseco às próprias fibras, apesar de determinados antigéneos, até aí estranhos ao
apresentarem algumas características próprias, sistema imunológico, poderá justificar a activação e
relacionadas com a diferenciação celular, constituem participação linfocitária tanto nas miopatias
um bom exemplo da acentuada analogia morfológica inflamatórias como nas lesões consequentes ao
verificada na resposta dos diferentes tecidos à exercício (7). A presença de grandes quantidades de
agressão em geral (3, 17). O facto da resposta monócitos também poderá ser explicada pelo facto
morfológica muscular induzida pelos diferentes tipos dos seus factores quimiotácticos específicos serem,
de estímulos lesivos ser também análoga (1, 2, 8, 10, aparentemente, os produtos de degradação do
11, 19, 21), reforça ainda mais a hipótese dos colagénio, cujo aparecimento se verifica logo após o
mecanismos bioquímicos de degradação celular serem exercício (para refs. ver 6, 7). A presença de alguns
comuns às diferentes agressões. eosinófilos (Fig. 9) poderia sugerir uma etiologia
Entre 4 a 6 horas pós-exercício, é vulgar observar-se imunológica, hipótese até agora não confirmada.
a infiltração, em grande quantidade, de
mononucleares, bem como de alguns
polimorfonucleares, com carácter focal, bem
evidente na periferia das áreas necrosadas (Fig. 5, 6,
8, 9 e 10).

Figura 9. Fotografias de microscopia electrónica (A, 1125x) e


microscopia óptica (B, 493x), do músculo soleus, de animais
sacrificados 48 horas após exercício, onde são identificados dois
eosinófilos (setas), um fibroblasto em actividade (*) e uma área de
infiltração leucocitária (#).

Figura 8. Fotografias de microscopia electrónica (A, 1540x) e Com excepção do tipo predominante dos leucócitos
microscopia óptica (B, 615x), do músculo soleus, de animais invasores, a resposta inflamatória aguda, motivada
sacrificados 24 horas após exercício. É notória uma célula com
vacúolos típicos (setas) das “Natural Killer Cell”, e uma área de pela agressão do exercício físico, parece ser idêntica
infiltração de mononucleares e polimorfonucleares (*) onde ao modelo padrão, estando descritos desgranulação
também são visíveis algumas estruturas celulares, mastocitária, elevação do catabolismo muscular,
hipoteticamente mioblastos e miotúbulos.
aumento da permeabilidade vascular com edema
tecidual e presença de factores do complemento, de
fibrinogénio e de albumina nas zonas lesadas (para
refs. ver 6, 7). Atendendo ao potencial efeito

78 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [73–80]


Alterações estruturais musculares induzidas pelo exercício

citotóxico das substâncias libertadas pelos


leucócitos, bem como ao seu carácter não selectivo
(9), coloca-se hoje a hipótese que os leucócitos
possam contribuir para o exagero, não só das
anormalidades bioquímicas tradutoras de agressão
oxidativa, mas também das alterações histológicas
descritas, tal como o observado em situações de
Figura 11. Fotografias de microscopia electrónica (A, 1339x), de
isquemia/reperfusão muscular esquelética e cardíaca músculo soleus de animal sacrificado 24 horas após exercício, e de
(para refs. ver. 7). Esta hipótese é reforçada pela microscopia óptica (B, 393x) do músculo gastrocnémius de um
aparente atenuação das lesões musculares, induzidas animal sacrificado 1 semana após exercício. É visível uma célula
satélite activada, em fase M, com cromossomas em formação
pela actividade física, exercida por determinados (setas). Podem ser observados núcleos em posição central (setas)
fármacos com actividade anti-inflamatória (9). e zonas de regeneração onde a estriação ainda não se encontra
perfeitamente organizada (*).

Actualmente, pensa-se que estas lesões musculares


associadas à MEx não resultem exclusivamente das
contracções excêntricas, como até há alguns anos se
defendia (para refs. ver 6, 7). Como atrás ficou
expresso, tudo indica que o quadro anatomopatológico
possa ser inconstante, apresentando um carácter
Figura 10. Fotografias de microscopia electrónica de animais variável, com maior frequência de um ou outro tipo de
sacrificados 24 horas após (A, 1339x) e 96 horas após exercício (B, alterações estruturais, consoante o predomínio da
2108x). É visível uma área necrosada (*) infiltrada com fagócitos sobrecarga mecânica ou metabólica do exercício
(setas) e um fibroblasto em actividade(#).
efectuado. Parece-nos, pois, provável a existência de
vários padrões de anomalias estruturais musculares
Algumas horas após o exercício, é usual o
associadas à MEx, com etiologias aparentemente
aparecimento de núcleos em posição central nas
diferentes (3, 6, 7, 18, 19), apesar de possuírem uma
áreas lesadas (Fig. 6 e 11), bem como nas zonas
fisiopatologia semelhante e, de alguma forma,
adjacentes a estas (8, 9, 16). Núcleos em posição
relacionada com a perda da homeostasia celular ao
central, são um sinal inequívoco de imaturidade
cálcio. Independentemente da etiologia e da
muscular e, portanto, de áreas em regeneração ou de
fisiopatologia, duas a três semanas após o exercício já a
novas fibras em crescimento (para refs. ver 6, 7).
estrutura do tecido adquiriu um aspecto normal (6, 7).
Estes núcleos provêm da estimulação e da
consequente diferenciação das células satélite em
mioblastos com posterior fusão à fibra adjacente. A
ocorrência destes núcleos em posição central
constitui, por isso, um bom indicador da existência
prévia de lesão muscular. Contudo, é importante CORRESPONDÊNCIA
frisar que indivíduos saudáveis, sem história de José Alberto Ramos Duarte
actividade física recente, podem apresentar núcleos Gabinete de Biologia do Desporto
centrais até 2% do total de fibras observadas (para Faculdade de Ciências do Desporto
refs. ver 6, 7). De facto, no dia-a-dia, pelas agressões e de Educação Física
a que as fibras são sujeitas durante o seu normal Universidade do Porto
recrutamento, existe uma contínua activação de Rua Dr. Plácido Costa, 91
células satélite (apesar de possuir uma expressão 4200.450 Porto
limitada), motivando a contínua presença de núcleos Tel: +351 22 5074700
centrais em percentagem reduzida. [jarduarte@fcdef.up.pt]

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [73–80] 79


J. A. Duarte, M.P. Mota, M.J. Neuparth, H.J. Appell, J.M.C. Soares

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80 Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [73–80]


INFORMAÇÃO

81
Encontro “A Universidade nos anos 2000”
Síntese e conclusões

Nos dias 27 a 30 de Março de 2001 reuniu na Antes instituição social, a universidade tende hoje a
Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação ser convertida numa organização empresarial, numa
Física da Universidade do Porto um representativo instituição prestadora de serviços em que o produto
número de especialistas nacionais que discutiram o universitário é definido pelo economicismo como
tema “A Universidade nos anos 2000”, no âmbito um produto industrial, ainda que de tipo especial.
das comemorações dos 25 anos de integração desta Esta ideia de organização empresarial, aponta para
Faculdade na Universidade. critérios de gestão racionalizados e optimizados.
A reunião foi organizada em 7 painéis: Missão e Nela, as mais valias resultantes do trabalho não
funções da universidade; Investigação: construção do remunerado dos órgãos de gestão, professores etc.,
conhecimento; Utilidade social do conhecimento; A são completamente destruídas pelos gestores
presença da qualidade e a cultura da organização; profissionais, criando por parte dos universitários
Ensino-aprendizagem e didáctica no ensino superior; uma total falta de cooperação, muitas vezes
A multidimensionalidade da ética no ensino motivada pela simples reacção ao autoritarismo e
superior; e A universalidade da universidade. pesporrência de uma gestão profissionalizante.
O elevado nível das apresentações e dos debates que Esta sedução da universidade pela lógica das
se seguiram proporcionaram momentos raros de organizações empresariais, pelo apelo dos mercados,
reflexão sobre um tema da maior actualidade para a colide com a missão e as funções da universidade, no
Universidade Portuguesa e para o país. seu alcance e visão prospectivos, no distanciamento
Do encontro emergiram ideias que, pela sua das modas, na intervenção com espírito crítico. E
importância, recomendam a maior divulgação junto com isto destruindo as forças e capacidades
de todos – pessoas e instituições – a quem inovadoras da instituição universitária. Uma certa
interessam os problemas da universidade desordem, tão pouco do agrado dos gestores
portuguesa. profissionais, parece ser fundamental para que a
energia criativa dos universitários se possa libertar, o
A universidade moderna nasce no final do Séc. XVIII que não é possível num ambiente rígido que a
princípio do Séc. XIX com as reformas de Humboldt contrarie.
na Prússia e Napoleão em França. Pensada Apesar de na Europa alguns países ensaiarem
fundamentalmente como um instrumento de passos no sentido da profissionalização da gestão
construção do Estado-Nação e de modernização do das universidades – veja-se os casos de países como
sector público e administrativo, ultrapassou este a Inglaterra, a Holanda, ou a Noruega – mesmo
carácter utilitário, estabelecendo também um países como os USA repensam este quadro à luz
compromisso com o livre pensamento, as ideias e a das experiências de insucesso mais recentes.
atitude crítica. Isto manteve-se durante o estado- Alberto Amaral defende claramente um modelo de
providência. gestão das universidades baseado no saber e

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conhecimento dos universitários sobre a missão e Homem plenamente Homem. Numa formação e
funções da universidade, embora apoiado na preparação para a vida que tem o estudante como
experiência e competência de assessores nas áreas parte activa do processo de formação, de construção/
técnicas da gestão. reconstrução do conhecimento, das exigências da
A universidade é um organismo de complexidade cidadania e não como um receptor passivo dos
crescente hoje em crise, por desajustada da realidade conhecimentos transmitidos.
social entretanto profundamente alterada. Mas já Adriano Moreira cita Alvin Toffler, para referir que o
sobreviveu a outras crises. Também esta poderá ser poder que o saber difundido pela universidade
superada se tiver a capacidade de se pensar, confere é um agente de democratização da
retomando o sentido substantivo da sua missão e sociedade, por estar ao alcance de todos os estratos
das funções que conduzem ao cumprimento daquela. sociais. Mas, mais do que a informação que
Que universidade queremos? Uma universidade transmite, por ofício, aos seus discentes, justificar-
voltada essencialmente para a criação, preservação e se-á porventura que a universidade cuide da sua
aprofundamento do saber ou para a satisfação das formação e aculturação.
necessidades de curto prazo? Este um grande desígnio da Universidade que,
O isolamento da universidade tradicional no seu superadas as fases teológica e ideológica, deverá
espaço físico não deve ter como contrapartida, na assumir a sua dimensão antropológica. Não
universidade contemporânea, uma intervenção sem construída unilateralmente na vontade contra o
limites no exterior, ou fazer desta um objectivo intelecto, mas edificada na afirmação de uma
primordial. Se hoje se rejeita a figura da universidade pluridimensional, plena, com verdade e
universidade fechada sobre si própria, a orientação com valores. Uma Universidade obra do Homem,
estrita para a satisfação das necessidades de curto para servir a auto-construção do Homem. No reforço
prazo também é prejudicial à universidade. Interessa do compromisso com o culto da verdade, a
pois preservar a identidade, sem descurar a abertura valorização do saber e a intervenção cultural.
ao exterior.
Como diz o Prof. Adriano Moreira na sua notável Portugal precisa de se afirmar como país produtor do
intervenção, a universidade quando pensa já está a conhecimento. A investigação deve por isso
intervir. E comprometida com um desígnio constituir para todos – Governo, universidades,
fundamental da sua própria missão. professores – uma prioridade nacional.
A missão da universidade resulta de um mandato Torna-se imperativo estimular a necessidade de
que a sociedade civil, através das suas instituições, perguntar, querer saber, problematizar. A construção
lhe cometeu. Qual o sentido deste mandato? do saber tem que começar durante a infância, nas
A procura da verdade, até 1900; a vontade de fazer, a idades em que a curiosidade é maior e em que o
partir desta mesma data. Mais importante do que nosso tradicional sistema de educação ainda não
compreender a realidade, é transformá-la - Karl Marx interveio, inibindo a curiosidade. Estamos a
dixit - ou a emergência da ideologia dos escombros desperdiçar o capital humano, as oportunidades.
da axiologia. Vamos a caminho da globalização, mas de uma
Mas é diferente a universidade contemporânea. globalização em inglês. Só poderemos evitar isto
Pensar, valorar, agir, constitui, na opinião de Manuel com projectos e realizações. Deve, por isso, ser
Patrício, o triângulo funcional da universidade: o evitado o esvaziamento do nosso país da massa
conhecimento, pelo desenvolvimento da ciência; os crítica que tem buscado fora de portas as condições
valores, pela promoção da cultura; a acção que aqui não lhe são oferecidas. A possibilidade de
transformadora, no desenvolvimento tecnológico trabalhar em centros avançados no estrangeiro é
suportado pelo conhecimento científico. uma sedução a que os mais dotados não resistem.
Hoje a missão da universidade confronta-se mais Aos apelos do regresso contrapõem a inércia da
com uma concepção do Homem acerca de si próprio, burocracia universitária. Diz um colega português,
sob o signo do Ser, da vontade de ser. De um exilado de circunstância: - no MIT, se preciso de um

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equipamento de investigação pela manhã só tenho deste estado de coisas supõe um diálogo mais aberto
de esperar até ao meio-dia. Que não mais existam e descomplexado entre académicos e profissionais.
circunstâncias que levem ilustres cientistas A valorização do conhecimento exige avaliação. Se
portugueses a expatriar-se. bem que autónoma na sua acção, a instituição
Deve estimular-se a competitividade, a emulação, universitária – quer a pública quer a privada - não
entre escolas e universidades. Num desafio pode furtar-se à exigência da qualidade, aferida no
permanente de superação das barreiras. desempenho, e à acreditação dos conteúdos
Os doutoramentos em Portugal têm-se quase curriculares e dos métodos de ensino.
confinado ao espaço e vida académicos. Os doutores Há uma desvalorização da profissão, na qual tem
não são aceites nas empresas. Deve existir um justo um papel importante o laxismo da universidade, da
equilíbrio entre o interesse científico e a relevância qual saem com aproveitamento todos os
para a sociedade, estabelecendo-se formas de estudantes, os bem e os mal preparados, para
cooperação com as empresas. justificar as ratios e os orçamentos.
A ciência deve pois ser útil. Uma utilidade que O conhecimento só terá utilidade social se se
signifique o conhecimento do mundo pelo Homem promover a responsabilidade dos académicos, a sua
que nele habita. competência, uma cultura da exigência. E não há
É a natureza interdisciplinar dos projectos de utilidade social do conhecimento sem este estar
investigação que explica o êxito de muitos desses referenciado aos valores do novo milénio. Deve
projectos. A interdisciplinaridade na investigação prevalecer o primado da comunidade sobre o
concorre para o progresso do conhecimento. Deve indivíduo e ser imposta a responsabilidade social,
por isso ser recusado qualquer princípio da para que os profissionais, na sua actividade
hierarquia e ser promovida, cada vez mais, a ideia de individual, pensam mais em serviço. Estamos a
interdisciplinaridade, envolvendo ciências básicas e transformar-nos numa sociedade de direitos e não
ciências aplicadas, ciências duras e ciências moles. de deveres.
Deve promover-se, de forma consequente, uma A aceleração da vida moderna impõe à universidade,
concepção de ciência mais lata. O conhecimento como condição de subsistência, a sua rápida, senão
científico não é só o que é exacto, é também o outro síncrona, adaptação às exigências da sociedade civil.
que não é construído pela linguagem matemática, Mas, a avaliação da utilidade social do conhecimento
mas nem por isso é menos rigoroso. implica a análise das necessidades sociais.
A investigação em Portugal não tem sido uniforme. Devem ser contrariados os excessos de
Algumas áreas são mais financiadas do que outras e especialização, em cada um conhece na perfeição o
os fundos têm sido insuficientes para todas. seu papel, mas desconhece o nome e o enredo da
As unidades de investigação estão perante peça. Tem que se repensar a formação nas
dificuldades: falta de pessoal técnico de apoio à Faculdades, evitando a proliferação de cursos e
investigação, desactualização dos equipamentos, cursinhos. Portugal é um país com demasiados
verbas diminutas, problemas resultantes do cursos de pós-graduação, sendo que esta é apenas
alheamento dos responsáveis. uma estratégia para adiar o desemprego, sem
utilidade social nenhuma.
A utilidade social do conhecimento feito nas É acentuada a importância da qualidade da vida
universidades nem merece discussão. O que não institucional para a produtividade do ensino e a
significa a sua utilização. Uma coisa é a utilidade fertilidade da investigação.
social do conhecimento, outra coisa é a utilização
social do conhecimento. A presença da qualidade e a cultura da organização
Os divórcios entre a universidade e a sociedade na universidade portuguesa – qual o estado da
encontram concretização nas dificuldades de situação?
utilização do conhecimento, que diminuem ou Em alguns casos as escolas da universidade
mesmo anulam a sua utilidade social. A superação portuguesa não são mais do que “grandes liceus”.

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [83–87] 85


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Permissividade, incapacidade de promoção da espaço de quatro anos. Isto significa que, ainda
equidade, fosso entre o discurso e a prática… durante a sua estadia na universidade, os
Torna-se indispensável apontar problemas, é urgente conhecimentos dos estudantes de biologia já estão
definir critérios, referenciados a padrões elevados: desactualizados. Os alunos devem pois ser educados
no desenvolvimento de sistemas de regulação da para pensarem que nem tudo o que a universidade
qualidade pedagógica e da qualidade científica, no lhes diz é verdade.
desenvolvimento de sistemas de informação, na
criação de observatórios de actividade profissional. Num mundo que privilegia o ter em relação ao ser, a
universidade tem valido pelos diplomas que
O que ensinar? Como ensinar? A criação científica concede.
é uma aventura intelectual recente, de cerca de 4 A ética na universidade deve ser uma ética da
000 anos. Mas só a paz, no pós-guerra, permitiu, já responsabilidade, dos princípios. A universidade foi
neste século, os casamentos interdisciplinares das construída sobre valores sociais, está ao serviço da
ciências e das tecnologias que estão a permitir os sociedade, e não ao serviço individual. Uma
grandes avanços. sociedade em que os valores individuais fossem os
O que deve então mudar? Impõem-se novas únicos tenderia a desaparecer.
didácticas no ensino? Deverá o ensino continuar a A universidade deve reencontrar-se com o seu
ser tradicional, muito centrado no ensino magistral? sentido mais profundo: o do Homem, o dos valores.
As aulas teóricas não acabam, o ensino magistral não No inconformismo, contra a medíocridade. Uma
está esgotado. Aquilo que se ouve, não é o que se universidade do Homem e para o Homem, no
esquece mais depressa: depende do que se ouve, da respeito pela Natureza.
forma como se ouve, do interesse dedicado ao
objecto da lição. CONCLUSÕES
Mas há um défice de prestígio do ensino expositivo, 1. Muitas das questões referidas e debatidas e as
já que, sendo o mais praticado, é o mais visado pelas soluções apresentadas apontam para uma
críticas. Deve, por isso, reequilibrar-se o peso das modificação das condições de funcionamento da
aulas magistrais, práticas e laboratoriais. Criar uma universidade. Mas enquanto vigorarem as
maior diversidade didáctica, tornando mais atraentes restrições ditadas por condicionalismos de ordem
os métodos de ensino, não os fazendo depender das económica nada, ou muito pouco, poderá ser feito
formas tradicionais. para melhorar a situação actual. A solução dos
Os docentes do ensino superior devem desenvolver problemas da universidade, como também de
competências e ser preparados para ensinar. outros da sociedade portuguesa é, pois, de
Revitalizemos a relação mestre/aluno. Como disse o natureza política.
Professor Nuno Grande, de uma forma radical, a 2. Portugal e a universidade têm saídas para o futuro
universidade onde não há a relação mestre/aluno que têm de passar, inexoravelmente, por: (i) uma
não existe. Se o professor não consegue fazer melhor profunda reforma do estado e da sociedade; (ii)
do que a própria máquina, então algo está mal no uma exigência de empenhamento total; e (iii) uma
nosso ensino. atitude competitiva, corajosa e responsável
Mas o ensino magistral é, justamente, um dos perante os desafios dos principais actores em cada
terrenos onde dificilmente a tecnologia se sector da vida portuguesa.
substituirá ao professor, na importância do seu 3. A instituição universitária vive uma crise sem
papel, na “retórica”, numa forma de ser e estar que precedentes, mas as ofertas de cursos não param
provoca o pensamento, a inteligência. Os alunos de aumentar. Abrindo-se ao exterior, numa
devem ser confrontados com os problemas que lhe exigência contemporânea, a universidade não
são postos, procurando encontrar respostas, mais do pode perder a identidade, o seu sentido de missão.
que esperar soluções. Cerca de 25% do A universidade deve permanecer uma instituição
conhecimento biológico fica desactualizado num social ao serviço do saber e não uma organização

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com uma lógica empresarial. A universidade não A importância dos contributos apresentados a este
serve interesses, serve causas! encontro justifica a sua publicação. A Universidade
4. Devem ser repensados os modelos de formação, do Porto deverá apoiar a divulgação nas
os métodos de ensino, promovida a aprendizagem, universidades portuguesas das actas da reunião,
num quadro interdisciplinar, mais aberto, mais proporcionando aos universitários que não puderam
flexível, tributário de experiências variadas em estar presentes neste encontro uma oportunidade de
culturas diversificadas. Para cabal cumprimento da reflexão sobre os temas nele debatidos.
sua função social, compete à universidade
promover o desenvolvimento mental dos jovens Porto, 30 de Março de 2001
que a frequentam, de par com a transmissão dos
conhecimentos que habilitam ao exercício de uma António Teixeira Marques
profissão. José Ferreira da Silva
5. A investigação pura, sem limites de tempo e de Maria Luiza Kent-Smith Amaral
aplicabilidade, deve ser um objectivo da
universidade. Esta deve ser pensada como um
espaço de liberdade científica e de criação do
conhecimento.
6. Deve fazer-se da avaliação um exercício
permanente, criando sistemas de regulação da
qualidade, aferindo o desempenho, os conteúdos e
os métodos de ensino.
7. Deve existir uma ética do dever e não uma ética
dos direitos. Temos de vestir a camisola da
universidade. Ter o sentido de serviço. O serviço
do professor é uma missão, não uma função. Mas
é preciso dignificar as carreiras universitárias,
acabando com um enquadramento normativo
arcaico, no actual Estatuto da Carreira Docente
Universitária, que prejudica o mérito, os ideais e
institui o carreirismo. Só assim haverá dedicação
plena à causa universitária.
8. No princípio de mais um século, restará à
universidade portuguesa e ao país retomarem o
sentido da aventura conscientemente assumido.
Com a História e a inerente responsabilidade por
estímulo, e nunca como paliativo.
9. A contemporaneidade deve ser um valor para a
universidade. Nunca, como hoje, os povos de todo
o mundo viveram em condições tão discrepantes.
É preciso disponibilizar o saber universal
desenvolvido nas universidades a todas as
comunidades. Temos, por isso, que desenvolver a
cooperação entre os povos por forma a eliminar as
gritantes assimetrias tão visíveis no mundo actual
e que a globalização tende a agravar.

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 2 [83–87] 87


Revista Portuguesa de Ciências do Desporto

NORMAS DE PUBLICAÇÃO

Tipos de publicação normas de publicação, – Especificação do tipo de estudo; deverão ser


Investigação original: RPCD relação do tópico tratado trabalho (cf. Tipos de replicáveis e com elevado
publica artigos originais com as ciências do desporto publicação); grau de fidelidade;
relativos a todas as áreas das e mérito científico. Depois – Título conciso mas – Quando utilizados
ciências do desporto; desta análise, o artigo, se for suficientemente humanos deverá ser
Revisões da investigação: A considerado previamente informativo; indicado que os
RPCD publica artigos de aceite, será avaliado por 2 – Nomes dos autores, com a procedimentos utilizados
síntese da literatura que “referees” independentes e primeira e a inicial média respeitam as normas
contribuam para a sob a forma de análise (não incluir graus internacionais de
generalização do “duplamente cega”. A académicos) experimentação com
conhecimento em ciências aceitação de um e a rejeição – “Running head” concisa humanos (Declaração de
do desporto. Artigos de de outro obrigará a uma 3ª não excedendo os 45 Helsínquia de 1975);
meta-análise e revisões consulta. caracteres; – Quando utilizados animais
críticas de literatura são dois – Nome e local da instituição deverão ser utilizados
possíveis modelos de Preparação dos manuscritos onde o trabalho foi todos os princípios éticos
publicação. Aspectos gerais: realizado; de experimentação animal
Comentários: Comentários Cada artigo deverá ser – Nome e morada do autor e, se possível, deverão ser
sobre artigos originais e acompanhado por uma carta para onde toda a submetidos a uma
sobre revisões da de rosto que deverá conter: correspondência deverá ser comissão de ética;
investigação são, não só – Título do artigo e nomes enviada; – Todas as drogas e químicos
publicáveis, como são dos autores; Página de resumo utilizados deverão ser
francamente encorajados – Declaração de que o artigo – Resumo deverá ser designados pelos nomes
pelo corpo editorial; nunca foi previamente informativo e não deverá genéricos, princípios
Estudos de caso: A RPCD publicado; referir-se ao texto do artigo; activos, dosagem e
publica estudos de caso que Formato – Se o artigo for em dosagem;
sejam considerados – Os manuscritos deverão ser português o resumo deverá – A confidencialidade dos
relevantes para as ciências escritos em papel A4 com ser feito em português e sujeitos deverá ser
do desporto. O controlo 3 cm de margem, letra 12 e em inglês estritamente mantida;
rigoroso da metodologia é com duplo espaço; – Deve incluir os resultados – Os métodos estatísticos
aqui um parâmetro – As páginas deverão ser mais importantes que utilizados deverão ser
determinante. numeradas suportem as conclusões do cuidadosamente referidos;
Revisões de publicações. A sequencialmente, sendo a trabalho; Resultados
RPCD tem uma secção onde página de título a nº1; Deverão ser incluídas 3 a 6 – Os resultados deverão
são apresentadas revisões de – É obrigatória a entrega de 4 palavras-chave; apenas conter os dados que
obras ou artigos publicados e cópias; – Não deverão ser utilizadas sejam relevantes para a
que sejam considerados – Uma das cópias deverá ser abreviaturas; discussão;
relevantes para as ciências original onde deverá incluir – O resumo não deverá – Os resultados só deverão
do desporto. as ilustrações também exceder as 200 palavras; aparecer uma vez no texto:
originais; Introdução ou em quadro ou em figura;
Regras gerais de publicação Dimensões e estilo: – Deverá ser suficientemente – O texto só deverá servir
Os artigos submetidos à – Os artigos deverão ser o compreensível, para relevar os dados mais
RPCD deverão conter dados mais sucintos possível; A explicitando claramente o relevantes e nunca duplicar
originais, teóricos ou especulação deverá ser objectivo do trabalho e informação;
experimentais, na área das apenas utilizada quando os relevando a importância do – A relevância dos resultados
ciências do desporto. A parte dados o permitem e a estudo face ao estado deverá ser suficientemente
substancial do artigo não literatura não confirma; actual do conhecimento; expressa;
deverá ter sido publicada em – Os artigos serão rejeitados – A revisão da literatura não – Unidades, quantidades e
mais nenhum local. Se parte quando escritos em deverá ser exaustiva; fórmulas deverão ser
do artigo foi já apresentada português ou inglês de Material e métodos utilizados pelo Sistema
publicamente deverá ser feita fraca qualidade linguística; – Nesta secção deverá ser Internacional (SI units).
referência a esse facto na – As abreviaturas deverão ser incluída toda a informação – Todas as medidas deverão
secção de Agradecimentos. as referidas que permite aos leitores ser referidas em unidades
Os artigos submetidos à internacionalmente; realizarem um trabalho com métricas;
RPCD serão, numa primeira Página de título a mesma metodologia sem Discussão
fase, avaliados pelos – A página de título deverá contactarem os autores; – Os dados novos e os
editores-chefe e terão como conter a seguinte – Os métodos deverão ser aspectos mais importantes
critérios iniciais de aceitação: informação: ajustados ao objectivo do do estudo deverão ser
relevados de forma clara e – Apenas artigos ou obras compreensão do texto; Endereço para envio de artigos
concisa; em situação de “in press” As figuras deverão ser Revista Portuguesa de
– Não deverão ser repetidos poderão ser citados. Dados numeradas em numeração Ciências do Desporto
os resultados já não publicados deverão ser árabe na sequência em que Faculdade de Ciências do
apresentados; utilizados só em casos aparecem no texto; Desporto e de Educação
– A relevância dos dados excepcionais sendo Cada figura deverá ser Física da Universidade do
deverá ser referida e a assinalados como “dados impressa numa folha Porto
comparação com outros não publicados”; separada com uma legenda Rua Dr. Plácido Costa, 91
estudos deverá ser – Utilização de um número curta e concisa; 4200.450 Porto
estimulada; elevado de resumos ou de Cada folha deverá ter na Portugal
– As especulações não artigos não “peer- parte posterior a
suportadas pelos métodos reviewed” será uma identificação do autor, título
estatísticos não deverão condição de não aceitação; do artigo. Estas informações
ser evitadas; Exemplos de referências deverão ser escritas a lápis e
– Sempre que possível, ARTIGO DE REVISTA de forma suave;
deverão ser incluídas 1 Pincivero DM, Lephart As figuras e ilustrações
recomendações; SM, Karunakara RA deverão ser submetidas
– A discussão deverá ser (1998). Reliability and com excelente qualidade
completada com um precision of isokinetic gráfico, a preto e branco e
parágrafo final onde são strength and muscular com a qualidade necessária
realçadas as principais endurance for the para serem reproduzidas
conclusões do estudo. quadriceps and ou reduzidas nas suas
Agradecimentos hamstrings. Int J Sports dimensões;
Se o artigo tiver sido Med 18: 113-117 As fotos de equipamento
parcialmente apresentado LIVRO COMPLETO ou sujeitos deverão ser
publicamente deverá aqui Hudlicka O, Tyler KR evitadas;
ser referido o facto; (1996). Angiogenesis. The QUADROS
Qualquer apoio financeiro growth of the vascular Os quadros deverão ser
deverá ser referido; system. London: Academic utilizados para apresentar
Referências Press Inc. Ltd. os principais resultados da
– As referências deverão ser CAPÍTULO DE UM LIVRO investigação.
citadas no texto por Balon TW (1999). Deverão ser acompanhados
número e compiladas Integrative biology of nitric de um título curto;
alfabeticamente e oxide and exercise. In: Os quadros deverão ser
ordenadas numericamente; Holloszy JO (ed.). Exercise apresentados com as
– Os nomes das revistas and Sport Science Reviews mesmas regras das
deverão ser abreviados vol. 27. Philadelphia: referidas para as legendas e
conforme normas Lippincott Williams & figuras;
internacionais (ex: Index Wilkins, 219-254 Uma nota de rodapé do
Medicus); FIGURAS quadro deverá ser utilizada
– Todos os autores deverão Figuras e ilustrações para explicar as
ser nomeados (não utilizar deverão ser utilizadas abreviaturas utilizadas no
et al.) quando auxiliam na melhor quadro.

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INVESTIGAÇÃO REVISÃO

revista portuguesa de ciências do desporto


Capacidade aeróbia em futebolistas de elite A importância da depilação no rendimento
em função da posição específica no jogo desportivo em natação
P.J. Santos, J.M. Soares J.P. Vilas-Boas
Avaliação isocinética da força muscular Miopatia do Exercício. Anatomopatologia e Fisiopatologia
de atletas em função do desporto praticado, J.A. Duarte, M.P. Mota, M.J. Neuparth,
idade, sexo e posições específicas H.J. Appell, J.M.C. Soares
J.Magalhães, J.Oliveira, A.Ascensão, J.M.C. Soares
Crescimento, maturação, aptidão física,
força explosiva e habilidades motoras específicas.
Estudo em jovens futebolistas e não futebolistas
do sexo masculino dos 12 aos 16 anos de idade
Seabra, J.A. Maia, R.Garganta
O jogo como fonte de stress no basquetebol infanto-juvenil
D. De Rose Jr., S.R. Deschamps, P. Korsakas
Desporto de crianças e jovens
– um estudo sobre as idades de iniciação
Francisco M. Silva, Larissa Fernandes, Flórida O. Celani
As actividades desportivas no Porto de 1900
J.V. Ferreira, A.G. Ferreira

Janeiro·Junho

revista portuguesa de
Vol. 1, Nº 2

Publicação semestral
Vol. 1, Nº 2, Janeiro·Junho 2001
ISSN 1645–0523, Dep. Legal 161033/01 A RPCD é subsidiada pelo

ciências do desporto Volume 1 · Nº 2


Janeiro·Junho 2001
2001

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