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O CORTIÇO

EM QUADRINHOS ALUÍSIO AZEVEDO

RODRIGO ROSA (ARTE) • IVAN JAF (ROTEIRO)

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ALUÍSIO AZEVEDO
RODRIGO ROSA IVAN JAF
ARTE ROTEIRO

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O CORTIÇO L
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EM QUADRINHOS
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1a edição, 2021
O cortiço
© Rodrigo Rosa, 2008
© Ivan Jaf, 2008

Presidência Paulo Serino


Direção editorial Lauri Cericato
Gestão de projeto editorial Heloisa Pimentel
Coordenação editorial Claudia Morales
Edição Lavínia Fávero
Consultoria Amara Moira (paratextos e Material Digital do Professor),

D
Davi Fazzolari (Material Digital do Professor),
William Taciro (roteiro do videotutorial do estudante) e
Cibele Lorenzoni (roteiro dos videotutoriais do professor I e II)
Planejamento e controle de produção Vilma Rossi e Camila Cunha

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Revisão Alexandra Costa da Fonseca, Ana Maria Herrera, Ana Paula C. Malfa,
Carlos Eduardo Sigrist, Gabriela M. Andrade, Kátia S. Lopes Godoi,
Luiz Gustavo Bazana, Patrícia Cordeiro, Patrícia Travanca,
Sandra Fernandez, Sueli Bossi e Vanessa P. Santos
Arte

Iconografia e tratamento de imagens


N
Claudio Faustino (ger.), Erika Tiemi Yamauchi (coord.) e
Daniele Fátima Oliveira (edição de arte)
Roberto Silva (coord.), Carlos Luvizari e
Jade Del Grossi Defacio (pesquisa iconográfica) e
P
Emerson de Lima (tratamento de imagens)
Licenciamento de conteúdos de terceiros Fernanda Carvalho (coord.) e Erika Ramires (analista adm.)
Design Flavia Dutra (capa)
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


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Angélica Ilacqua - CRB-8/7057


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ISBN 978-65-89625-02-5 (aluno)


ISBN 978-65-89625-03-2 (professor)
Código da obra CL 720107
CAE 759709 (AL) / 759707 (PR)

2021
1a edição
1a impressão
Impressão e acabamento:

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Eugênio de Mello – CEP 12247-004 – São José dos Campos – SP
UMA HISTÓRIA DE
MUITAS HISTÓRIAS

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Considerada a melhor obra de Aluísio Azevedo e a
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principal representante do movimento literário deno-
minado Naturalismo, O cortiço nos leva para o Rio de
Janeiro de fins do século XIX, quando proliferavam as
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habitações coletivas, ocupadas pelas pessoas menos fa-
vorecidas da sociedade. Pela primeira vez na nossa li-
teratura, uma obra enfoca a gente mais pobre do povo
brasileiro e dá a ela o papel central. E esses personagens
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profundamente humanos (por isso mesmo, muitas vezes


imperfeitos) ganham ainda mais vida nesta adaptação
para os quadrinhos feita por Rodrigo Rosa e Ivan Jaf.
No cortiço do inescrupuloso João Romão, desfilam per-
sonagens de todo tipo: empregados e operários, pequenos
profissionais liberais, lavadeiras, malandros, capoeiras,
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prostitutas... São pessoas desfavorecidas e, às vezes, mar-


ginalizadas, que sofrem com as agruras do cotidiano. Mas
que também sabem festejar a vida nas noitadas de pagode
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ou resolver as desavenças nos golpes de capoeira. Aliás, o


cortiço é ele próprio um personagem, que vemos nascer,
crescer e influir na vida dos que nele habitam.
Acompanhe os dramas cotidianos e os conflitos pes-
soais dos personagens de O cortiço. Além de se como-
ver e rir com várias histórias surpreendentes, aqui você
mergulha no passado do Brasil e tem um retrato vivo de
seu povo!

Bônus: depois dos quadrinhos, você encontrará infor-


mações sobre o clássico, curiosidades sobre a época em
que a história se passa e importantes discussões que a
obra suscita. E, de quebra, um making-of imperdível.
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RIO DE JANEIRO, MIL OITOCENTOS E SETENTA E POUCO...
João Romão trabalhou, dos treze aos vinte Sua vizinha era uma escrava chamada
e cinco anos, numa taverna no bairro de Bertoleza, amigada com um português,
Botafogo. Acabou recebendo a venda como dono de uma carroça de frete.
pagamento dos salários atrasados.

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Por quatrocentos réis por dia, ele comprava as refeições na
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vizinha. Depois que virara proprietário, João Romão FIcara
possuído do delírio de enriquecer, e afrontava resignado
as mais duras privações.
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Bertoleza também trabalhava forte. Um dia seu homem, depois de meia légua puxando
Precisava pagar ao seu dono, um velho uma carga superior às suas forças, caiu morto
cego que morava em Minas Gerais, vinte na rua.
mil-réis por mês, e ainda juntar para
sua alforria.
Acabaram amigados.
João Romão mostrou Tornou-se o caixa, procurador e
grande interesse pela conselheiro da negra escrava.
desgraça da vizinha, e Agora era ele quem administrava
acabou como guardião seu dinheiro, e mandava os vinte
de suas economias. mil-réis para Minas Gerais todo mês.

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Com o dinheiro da amiga, João Romão levantou uma
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casinha para morarem juntos.
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Aqui está! Com tuas A carta de alforria era falsa. João Romão
economias, comprei-te FIcara com o dinheiro de Bertoleza. Não
a carta de alforria! gastara nem com o selo, aproveitado de um
Acabou-se o cativeiro! documento antigo.
Dias depois João Romão mandou uma dali a Três
carta para o dono de Bertoleza, mentindo, meses, por sorte,
avisando-o de que sua escrava fugira para o velho cego
a Bahia depois da morte do amigo carroceiro. morria, deixando
Bertoleza de
herança para
os FIlhos, que não
se interessaram
em procurá-la.

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Ela agora era empregada e amante. Desde
as quatro da madrugada já estava no
batente. Cuidava da venda e da quitanda,
cozinhava, fornecia café e almoço para os
trabalhadores da pedreira dos fundos,
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varria, limpava, lavava roupa, costurava...


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Nunca passeavam, nem iam à missa. Tudo que


ganhavam João romão economizava. Acabou
comprando alguns poucos metros de terra,
e ali ergueu três casinhas para alugar.

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Que milagres de economia não ... que roubavam
realizou nessa construção! Servia à noite na
de pedreiro, quebrava pedras... pedreira.

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das obras ali por perto.
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Na verdade, roubavam todo o material
Nada lhes escapava. Roubavam até as escadas
e as ferramentas dos pedreiros. Sem domingo
nem dia santo, não perdiam nunca a ocasião de
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assenhorear-se do alheio.
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Hoje oito metros, amanhã doze, foi João Romão Deixando de pagar todas as vezes
comprando o terreno e reproduzindo quartos. que podia e nunca deixando de
receber, enganando os fregueses,
roubando no peso, privando-se de
tudo, aFInal comprou a própria
pedreira.

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E começou a ganhar
tanto dinheiro
com lajotas e
paralelepípedos...

... que em um ano


e meio já era
dono de todo o
terreno entre a

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rua e a pedreira.

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Só não Comprou-o um tal Miranda, rico


conseguiu negociante português de tecidos
comprar o por atacado, com uma grande loja
sobrado ao na rua do Hospício.
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lado.

mudava-se para o sobrado com


sua mulher, Dona Estela, e a
FIlha, Zulmirinha, porque a menina
precisava de mais espaço e ar puro.

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E também para
afastar Dona Os dois odiavam-se. Sentiam um profundo
Estela dos desprezo um pelo outro, uma repugnância
caixeiros- completa. Dormiam em quartos separados.
-viajantes que
pernoitavam na
cidade.

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O que não impedia que Miranda
a procurasse para trocarem
as pernas de vez em quando.
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A casa era boa. seu único defeito estava na escassez


do quintal. Mas para isso Miranda podia por muito pouco
comprar o terreno dos fundos, até a pedreira, e mais
uns poucos metros do lado esquerdo...

Não vendo nem Pois não


uma polegada construo muro
do meu Ceda-me ao Então FIcará
menos uns enquanto você
terreno. com o quintal
vinte metros não se decidir!
do fundo. para sempre
sem muro.

Nem
meio
palmo.

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Miranda logo iria descobrir por que o vizinho não
vendia o terreno. Há muito tempo João Romão vivia
exclusivamente para seu projeto: construir o
maior cortiço do Rio de Janeiro!

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ã
Para se prevenir dos ladroes Mas não podemos mais
como ele, João Romão comprou um
sair de casa à noite
cachorro bravo.
sem correr o risco de
IA

sermos trucidados pelo


seu cão!

É só
fazer o
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muro!
G

Não
faço!

Faça um Deixa estar que


Olha que seus ainda lhe hei de
muro no seu
escravos estão galinheiro! tomar o próprio
a roubar minhas quintal, com casa
galinhas! e tudo...

Não comia nem os ovos,


tudo queria converter
em dinheiro. Aquilo já
não era ambição, era uma
moléstia nervosa, loucura,
desespero de acumular.

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E João Romão conseguiu!
O maior cortiço do Rio de Janeiro!

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E o miserável do Romão ainda
Nem ter de Um cortiço! Maldito
está a fazer fortuna! E sem
criar uma FIlha vendeiro dos
precisar usar chifres! Não
que nem sabe diabos! Fazer-
tem de aturar uma mulher
se é sua! -me um cortiço
adúltera por causa de seu
debaixo da janela!
dote de oitenta contos
Estragou-me a
de réis!
casa!

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Um sujo... que Nada! Meu crédito na
nunca pôs um praça depende do dote da
paletó e vive com minha maldita esposa! Não
uma negra... posso me livrar dela! Um
IA

FIcar mais rico vendeiro ignorante três


do que eu! vezes mais rico do que
Sou uma besta! eu! Eu... que se quisesse
O que tenho? poderia ser até barão!
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Com a ideia FIxa de


Um barão! comprar um título de
Claro! barão, empertigou-se,
Barão! e passou a disfarçar
a inveja pelo vizinho
com um desdenhoso
ar de superioridade
condescendente.

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Além da família, Miranda abrigava alguns agregados...

Henrique, FIlho de seu As


melhor cliente, um escravas
fazendeiro de Isaura...
Minas Gerais,
preparando-se
para entrar na
Academia de
Medicina.

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... e leonor.

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oia que
eu me
queixo
ao juiz!
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E o Botelho, um completo
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parasita. Antigo empregado


de comércio e vendedor de
escravos, agora arruinado
e cheio de hemorroidas,
vivia à custa do amigo.
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Sem nada
para fazer da
própria vida,
vivia para se
G

meter na dos Umm... ummm...


outros.

Ai,
Jesus!

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Não conto nada ao Miranda. Com tantos quartos Ei, O que
Escovar a esposa, deixando-a na casa, para que se é isso,
mais macia, é até um serviço arriscar, henrique? botelho?
que você presta ao marido. Só Falo porque sou seu Pare!
não faça demais de pé, pois se amigo... e o acho
estropia, garoto. Olha como lhe muito bonito...
tremem as pernas.

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Vem cá...
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Você é tão
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desconFIado...

Então, dona
Isabel, sua
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FIlha Pombinha,
com dezoito
anos, ainda não
menstruou?
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G

Não, Marciana. E
olha que é só o que
peço a Deus todas
as noites. AFInal é
uma graça que Ele
concede a qualquer
rapariga.

Por que não casa a e resolvia nossa vida...


menina logo com o noivo, mas não se pode dar
o João da Costa? homem a uma moça que
Garanto que apressa ainda não foi visitada
a coisa. pelas regras.

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POMBINHA ERA A FLOR DO CORTIÇO. TODOS Todo o cortiço sabia de seu problema.
GOSTAVAM DELA. ERA QUEM FAZIA O ROL DAS
LAVADEIRAS, LIA OS JORNAIS E ESCREVIA AS Então?
CARTAS PARA OS MORADORES DO CORTIÇO. Já veio?

... com um Não é melhor


abraço escrever só Por que não
para todos, Augusta? tenta os
Augusta banhos de
Carne-Mole. mar?

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Vá a
outro
médico.

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experimentou
chá de arruda?

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mas também havia outros assuntos... Está na Aquela
cama do não
Faz oito FIrmo, endireita Tem fogo
Alguém
dias que não aquele mais. no rabo.
sabe da Rita
Baiana? aparece, torneiro
IA

Machona. mulato.
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Venho da parte do Espere acabar


Machuca. Sou o o movimento
Jerônimo. O homem que já lhe falo.
'
que lasca fogo. Senta ai e come,
homem.

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É um Não é qualquer um
Setenta Vamos ver
disparate. que dirige a broca,
mil-réis. a pedreira,
pesa a pólvora
Não Jerônimo.
e lasca fogo
trabalho
sem estragar a
por menos.
pedra nem causar
desastre.

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O senhor aqui Houvesse mais Nunca nos entrou
tem muita cem quartos e cá a polícia.
gente, seu todos estariam É tudo gente
João Romão! cheios. séria. Diabo de
galego!
IA

Eu não te
quero!
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Sossega, FIlha,
ou ele não
nos vende
mais FIado.

O serviço todo Vens morar no


O diabo são
está malfeito e cortiço, e fazer
os setenta
mal dirigido. compras no meu
mil-réis...
armazém?

Pois
Então
claro.
estamos
entendidos.

Nem um real a
menos. Sou um
contra-mestre.

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Viu que pedaço Têm bons
de homem, Carne- móveis.
-Mole? Chama-se São gente
Jerônimo. arranjada.

Vão
morar
no 35.

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O 35
tem mau
agouro,
Machona.
Não o

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queria nem
de graça.

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Esse Jerônimo já me dobrou
a produção da pedreira. É um
homem sério e trabalhador.
É da casa para o trabalho,
e missa aos domingos. E seu
IA

ordenado me volta no lucro


que tiro das compras que
sua mulher faz no armazém.
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O que eu queria Quando o salário


era uma cômoda de soldado de
igual à da mulher polícia chegar a
do Jerônimo, e setenta mil-réis
não este traste! eu te dou uma.

A Piedade Ele é um homem de respeito e


e o marido prestígio, isso é. E a esposa Certas noites a saudade de Portugal levava
é que é honesta e trabalhadeira Jerônimo a tocar fados, expressando com a
vivem bem. como poucas. música a melancolia de sua alma desterrada.

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Até que em um certo domingo de abril...

Olha quem
chegou! Rita
Baiana!

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tira a mão! Oi, gente!


Como
oia que eu Rita estão?
me queixo Baiana?
ao juiz!
Depois de
três meses!

Opa! Agora
me acerta o
aluguel!

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DESTA VEZ ENTÃO, JACAREPAGUÁ.
A FARRA COISA-RUIM... COM O FIRMO.
FOI BOA! POR ONDE
ANDASTE?

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E AINDA
N DURA
ISSO?

A COISA
P
AGORA É
SÉRIA.

E POR QUE CASAR PRA A MENSTRUAÇÃO Ó, LIBÓRIO, ESTÁS CADA VEZ MAIS DURO!
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NÃO TE QUÊ? PRA DA POMBINHA QUANDO É QUE A GENTE SE CASA E ME


CASAS ARRANJAR CHEGOU? DÁS A CHAVE DO TEU COFRE?
COM ELE? CATIVEIRO?
MARIDO PENSA
LOGO QUE
A GENTE É
ESCRAVA!
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NÃO.

AGORA VOU QUEM É AQUELE HOMÃO É O JERÔNIMO


PREPARAR OS E A MULHER JURURU QUE E A PIEDADE.
COMES E BEBES. EU VI ENTRANDO NO 35, BOA GENTE,
FIRMO VEM CÁ LEOCÁDIA? COITADOS.
À NOITE. VAMOS
TER PAGODE!

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mais tarde... TRAGAM OS COPOS! VAMOS
RITA!
O FIRMO COMEÇAR OS SERVIÇOS!
CHEGOU!

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VÃO GRITAR
NO INFERNO!
COM UM
MILHÃO DE
RAIOS! VOU
CHAMAR A
POLÍCIA!
CANALHAS!

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NINGUÉM O PROVOCOU, SENHOR O QUE EU DEVIA PARA COM ISSO,
MIRANDA. ESTAMOS DANDO UM FAZER ERA DAR MIRANDA. QUE
JANTAR. O SENHOR TAMBÉM. ESCÂNDALO.
UNS TIROS!

OLHA QUE TE
ATIRAM UMA
PEDRA, PAPAI.

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CALA A
BOCA, BOI
MANSO!

ESSE LIBÓRIO SÓ
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VIVE COMO POR QUE SILÊNCIO...
MENDIGO, MAS PARASTE? DEIXA
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SAI DA TOCA PRA
COMER DE GRAÇA. TEM O COFRE QUE TENS? OUVIR...
CHEIO DE MOEDAS. VAMOS LÁ?
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OLHA QUE FOME DE


CÃO SEM DONO.
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AAAAAH!!!

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QUE FOI?!

COMO? ELE
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ACORDOU CHUMBADO FOI A
ESTÁ BEM.
NÃO VAI AO À CAMA. O SENHOR FRIAGEM DA
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DEIXE AÍ QUE
TRABALHO? TEM AÍ CHÁ PRETO? NOITE. VOU
EU TOMO,
LÁ REZAR.
JURO!
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BONS DIAS! O QUE É ISSO, VIZINHO? CHÁ É ÁGUA QUENTE.


CAIU DOENTE COM A MINHA TOME ESTA CANECA
CHEGADA? SE SOUBESSE, NÃO DE CAFÉ FORTE COM
VOLTAVA PRA CASA. CACHAÇA, PRA SUAR.

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E TEU HOMEM, SIM. O SUADOURO VOU LÁ VER ENTÃO, QUE
PIEDADE? FOI GRANDE. COMO ELE ME DIZ?
MELHOROU? NÃO ESTÁ ESTÁ. MELHORZINHO?
ACOSTUMADO
COM CACHAÇA.

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EI! O QUE OLHE QUE PESTE!
É ISSO?! FAÇA-SE DE TOLO
QUE CONTO À
PIEDADE, VIU?
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enquanto isso, no matagal... VOCÊ VAI ME JÁ DISSE, VÊ SE ME FAZ UM FILHO, AÍ


DAR ESSE LEOCÁDIA. DOU, POSSO ALUGAR MEU LEITE. UMA
COELHINHO, MAS SE VOCÊ AMA ESTÁ GANHANDO SETENTA
HENRIQUE? ME DEIXAR MIL-RÉIS POR MÊS. CUIDADO
FAZER AQUILO... COM O COELHINHO.

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AH! COM QUEM AGORA EU POIS VOU!
TE ESFREGAS, VI! ARRUME IMPRESTÁVEL!
SUA VACA!? A TROUXA NÃO SERVE NEM
E RUA! PRA ME FAZER
UM FILHO!

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NÃO HÁS DE ME NÃO PRECISO DE NADA
QUE É SEU, CORNO! AGORA
LEVAR NADA DE TENHO UM FILHO NO VENTRE!
CASA! VOU ME ALUGAR DE
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AMA DE LEITE!
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É SEMPRE
SE A MULHER RESPEITA SE TODAS AS VEZES
UMA FORMA
O MARIDO, ELES SE QUE A LEOCÁDIA TRAIR
DE TER DE
ENJOAM. SE PULAM A O BRUNO ELE SUJAR
RENOVAR A
CERCA, ELES DÃO POR TODO O PÁTIO COM AS
MOBÍLIA.
PAUS E PEDRAS... COISAS DELA, NÃO SE
VAI PODER MAIS
VIVER AQUI.

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AÍ VEM O NÃO PODE! LARGA
GARRAFÃO O PAU! VOLTOU
DELE! BÊBADO!

SEGURA ELE!
A GAIOLA!
TOMA O
PORRETE!

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o violão!

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ORDEM! CONTENHA-SE, MAS APANHEI
ORDEM!... BRUNO, OU O A GALINHA COM
EI!? LEVO PRESO! A BOCA NA
IA

BOTIJA!
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QUEM ERA NÃO PUDE VER É MENTIRA! PARA MINHA NEM EU QUERO!
ELE? AS FUÇAS! CASA ESSA PREFIRO MORAR
MENTIRA! VADIA NÃO
COM UM CAVALO!
VOLTA!

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HEI DE ESPERA!
MAS PARA
NÃO SEI. ENCONTRAR SEI DE UM
ONDE TU VAIS,
MAS NÃO TENS ALGO. OS LUGAR.
LEOCÁDIA? POR AÍ.
MAIS NADA, CÃES NÃO NÃO
FILHA. VIVEM? FICARÁS
À TOA.

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P
AS SEMANAS PASSARAM... BOAS TARDES,
RITA. TEM ELA ESTÁ BEM,
Ó FILHA, POR QUE NÃO FALADO COM COM UMAS
FAZES UM CAMARÃO LEOCÁDIA? AMIGAS MINHAS.
IA

MAS É QUE
À BAIANA? NÃO SEI.

A SENHORA É
PEDE À RITA MUITO BOA. O MUNDO É
QUE TE LARGO. TEM
ENSINE. LUGAR PRO
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GORDO E PRO
MAGRO.
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NUNCA ME ELE TEM A TOME BANHO


ACONTECEU ANTES. CABEÇA VIRADA DE ASSENTO,
ACHO QUE FOI O POR MULHER AI, MEU RICO RECOLHA A
CHEIRO. AQUI NO TRIGUEIRA. HOMEM! COMO ÁGUA DA
BRASIL SUA-SE FAÇO PARA LAVAGEM E DÊ
MUITO. DEVIAS SEGURÁ-LO? A ELE PARA
TOMAR BANHO ELE ESTÁ NA BEBER.
TODOS OS DIAS, CASA DELA.
PIEDADE.

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IA

DE MANHÃ, NA CASA DE MARCIANA...


ESTÁS DE EU JÁ TE
QUE É ISSO,
NÃO SINTO
BARRIGA!! MOSTRO!
FLORINDA? QUEM FOI?!
U

NADA, MÃE!
QUE SENTES?
QUEM FOI?! NÃO
QUERES DIZER
POR BEM?!
G

O QUE É ISSO, ESSA MAS ENTÃO FOI O AQUELE


O DOMINGOS
MARCIANA?! ASSANHADA NÃO LHE BATA, DOMINGOS. CARA DE
DA VENDA?
COITADA! NABO?
ESTÁ
GRÁVIDA!

QUEM FOI, POIS VAMOS


MISERÁVEL?! LÁ TODAS!

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CORRE AQUI, SEU VENHO ENTREGAR NÃO FIZ
JOÃO, QUE NÃO SEI ESTA PERDIDA AO SEU NADA, NÃO
O QUE VAI HAVER! EMPREGADO! ELE A SENHOR...
COBRIU, AGORA DEVE
TOMAR CONTA DELA!

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N FEZ SIM! NO
CAPINZAL! DEBAIXO
DA MANGUEIRA!
P
POLÍCIA! CHEGA! VOLTEM PRO
ESTÁ NÃO QUER TRABALHO! O RAPAZ
FUGINDO! CASAR! POLÍCIA!
CASA! E SE NÃO CASAR,
FLORINDA TERÁ UM DOTE!
IA

EU GARANTO O DINHEIRO!
U
G

ENTÃO O O TEU SALDO NÃO CHEGA


NINGUÉM MAIS SE TENTAR QUE SAIA PRA PAGAR O DOTE DA
SENHOR ME
PODE CONTAR ESCAPAR, O O CANALHA, DESPEDE E NÃO RAPARIGA. QUANDO VIER A
COM A HONRA MOEMOS DE PARA VER. RECEBO NADA? MADRUGADA, RUA! FOGE!
DE SUA FILHA. PAULADA. SE NÃO QUISER ASSIM,
SAIA AGORA PRA VER O
QUE TE ESPERA LÁ FORA.

FUGIR
ELE NÃO
VAI!

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ENTÃO QUER NÃO SE POR ISSO ... MORANDO
DIZER QUE A PODE CRIAR NOSSA FILHINHA COM A SENHORA,
FLORINDA DEU UM UMA MENINA JUJU ESTÁ COMADRE
MAU PASSO, FOI? DE FAMÍLIA MUITO MELHOR... LÉONIE.
NUM LUGAR
DESTES.

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IA

ENTÃO, POMBINHA, QUERO QUE


MINHA FLOR... COMO NÃO, JANTE NA MINHA
ESTÁ ESSA LINDEZA? SENHORA. CASA, SEM
E AQUILO... JÁ VEIO? FALTA, VIU?
U
G

NÃO TIRASTE O OLHO DAQUELA OLHA O QUE TRAZ AQUI...


BISCATEIRA. ELA É QUE TEM RAZÃO... PELO DESPACHO IMPERIAL
É SENHORA DO SEU CORPO, QUE SÓ DE ONTEM, O MIRANDA AÍ AO
ENTREGA A QUEM MUITO LHE DER. LADO FOI AGRACIADO COM O
É PRECISO SER BEM ESPERTA PARA TÍTULO DE BARÃO DO FREIXAL!
ARRANCAR DOS HOMENS AQUELA
PORÇÃO DE JOIAS...

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ESCORRAM ESSA OS GARRAFÕES DE
ÁGUA SUJA PARA O VINHO ESTÃO CHEGANDO!
QUINTAL, IMPRESTÁVEIS! O FOGUETEIRO JÁ
OLHA QUE ME MANCHAM APRONTOU OS FOGOS?
AS PAREDES! DEIXEM AS BARRICAS DE
CERVEJA NA DESPENSA!

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SEI LÁ! EU NÃO PODIA TRAZER O QUE DOTE?
COMO POIS ENTÃO
RAPAZ AMARRADO PELO PESCOÇO! ANDE COM O ESTÁ BÊBADA?
IA

FUGIU?!
DOTE! NÃO AMOLE!
VOCÊ
DISSE QUE FUGIU! O QUE
RESPONDIA EU POSSO
POR ELE! FAZER?
PACIÊNCIA!
U
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MARCIANA! TUA FILHA MEU PAI A CULPA É DESSE NÃO QUERO ESSA
FUGIU! SAIU CORRENDO DO CÉU! GALEGO! MALDITO BERRARIA AQUI!
PELA RUA! SEJAS, LADRÃO! CHAMO A POLÍCIA!
BOTO-TE FOGO TE DOU SÓ MAIS
NA CASA! UM DIA. AMANHÃ,
RUA!

POIS DESDE ONTEM QUE BATE MINHA FILHA!


NA MENINA! BEM FEITO! MINHA FILHA!

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HOJE ESTÁS CHEIO ORA, E TU
DE REPELÕES. TAMBÉM VÁ
NUNCA TE VI TÃO À
FORA DE SI.

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P
BARÃO... BARÃO! OIA QUE EU ME
ORA, COM BARÃO! QUEIXO AO JUIZ!
ESSA
EU NÃO
IA

CONTAVA...

BARÃO!
U

BARÃO!

O JUIZ
G

AGORA É MEU
AMIGO.

BARÃO...
ORA...
BARÃO...
venha cá,
baronesa.

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ACORDA,
HOMEM. VAI
COMPRAR O
PEIXE!

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IA
U
G
JOÃO ROMÃO PASSOU AQUELA MANHÃ DE DOMINGO NA PRAIA TERIA GASTO DEU PRA
DE BOTAFOGO, COM O CORAÇÃO MOÍDO. MAIS, É CONVERSAR
VERDADE... COM AS ALMAS
PECHINCHAR NA COMPRA DA SARDINHA, TEMER MAS SERIA ENQUANTO
QUE MEUS EMPREGADOS ME ROUBEM... JUNTAR UM HOMEM BATIZA O VINHO
DINHEIRO E MAIS DINHEIRO, PRA QUÊ? COM QUE FIM? CIVILIZADO! COM ÁGUA?
SOU UMA GRANDE BESTA! POR QUE NÃO APRENDI A
DANÇAR? POR QUE NÃO VOU AO TEATRO NEM
TENHO BENGALA, COMO OS OUTROS
PATRÍCIOS? MALDITA ECONOMIA!

D
L
N
P
VOCÊS TRATEM DE VIGIAR SEUS SAI DA FRENTE,
NÃO AMOLE! CREDO!
MALDITOS GATOS QUE VIVEM ME MOLEQUE! QUE PRAGA
NÃO ESTOU ROUBANDO SARDINHAS! DAQUI EM DE PIOLHOS! NUNCA
BOM HOJE! DIANTE VOU COBRAR EM DOBRO VI GENTE PRA PARIR
CADA UMA QUE ME SUMIR! TANTO! PARECEM
IA

RATOS!
U
G

AQUI O BARÃO
SOU EU! BOTEM AS
COISAS DA
MARCIANA NO MEIO
DA RUA!

MINHA FILHA...

FLORINDA...

34
O TRABALHO DA PEDREIRA ESTÁ JERÔNIMO É UM HOMEM
QUASE PARADO, SEUS INÚTEIS!
HONESTO E TRABALHADOR!
E O JERÔNIMO É O PRIMEIRO
A DAR MAU EXEMPLO! PERDE TENS DE RETIRAR O QUE
NOITES NO SAMBA, EMBEIÇADO DISSE, GALEGO
PELA RITA BAIANA!

D
L
N
P
ORA BOLAS, PRA QUE ME QUE É,
TRAZEM ESSA MALUCA?! PESTE?
SOLDADO, MANDE ESSA
MULHER PRO XADREZ, E
IA

OS CACARECOS DELA AO
DEPÓSITO PÚBLICO!
U
G

FLORINDA...

E ENTÃO
VAI TER HOJE NÃO É
FORROBODÓ? DOMINGO?

35
D
L
N
P
IA
U
G

O QUE GALEGO
QUER DE ORDINÁRIO!
MIM?!

36
D
L
LEVANTA,
QUE NÃO
BATO EM
DEFUNTO!
N
P
IA
U
G

CANALHA!

MEU
MARIDO!
SEGURA!

NÃO
DEIXA!

37
D
L
N
P
IA
U
G

MATOU!
MATOU!

TÁ FUGINDO!
PEGA! PEGA!

38
É PRECISO
DOUTOR!

OLHA, A
POLÍCIA!
A POLÍCIA!

D
L
N
P
NÃO DEIXA
IA

ENTRAR!
AGUENTA!
AGUENTA!
U
G

NÃO DEIXA!
NÃO DEIXA!

39
D
L
N FORA OS
MORCEGOS!
P
FORA!
IA
U
G

FOGO! FOGO!
NA CASA DA
MARCIANA!
G
U
IA
P
N
L
D
D
L
N
P
NO DIA SEGUINTE
TIVERAM QUE PRESTAR
DEPOIMENTO. TODOS
FALARAM AO MESMO
TEMPO, RECLAMANDO
IA

DA INVASÃO DA POLÍCIA.
U

SOBRE OS
TUMULTOS...
G

NINGUÉM
SABIA DE
NADA.

JÁ DISSE... NÃO A POLÍCIA!


FOI NINGUÉM... EU
ESTAVA A BRINCAR
COM UMA NAVALHA E
NÃO SEI COMO...
NÃO DEIXA
ENTRAR!

AGUENTA!
AGUENTA!

NINGUÉM
CONSEGUIU
DESCOBRIR
O AUTOR DO
INCÊNDIO.

42
AS ÚNICAS QUE NÃO HAVIAM PARTICIPADO DOS TUMULTOS DA VÉSPERA
FORAM DONA ISABEL E POMBINHA. ESTAVAM NA CASA DE LÉONIE. DESCANSE
À VONTADE,
COMADRE.
EU GOSTARIA DE AJUDAR NO NÃO ESTOU ACOSTUMADA MAIS TARDE A
FUTURO DE POMBINHA, DONA ISABEL. COM CHAMPANHE... TENHO A ACORDAMOS.
ESSA MENINA LINDA É UMA PÉROLA. CABEÇA A RODAR...

D
L
N
P
VAMOS DESCANSAR ME DESPIR?
UM POUCO TAMBÉM, PRA QUÊ?
QUERIDA. DEIXA.
IA

O QUE É ISSO,
DONA LÉONIE!

QUE MAL
FAZ?
U

OH! OH!
G

NA MANHÃ SEGUINTE... ISSO VAI LHES CUSTAR CARO! AUMENTO


O QUE TENS,
POMBINHA? DESDE O ALUGUEL E OS PREÇOS DO ARMAZÉM,
ONTEM ANDAS E AINDA COBRO UM IMPOSTO POR FORA,
AUSENTE. PARA OS REPAROS!

NADA.
NÃO TENHO
FOME.

43
D
L
N
P
BENDITO E
LOUVADO SEJA
IA

NOSSO SENHOR
JESUS CRISTO!
U
G

NEM QUE NÃO


MINHA FILHA AGORA QUE
FOSSE O APANHE
É MULHER! É ELAS ADORAÇÃO!
SANGUE DE UMIDADE
MULHER! MUDAM
CRISTO... NEM BEBA
DE VIDA.
GELADO.

NA MESMA NOITE DONA ISABEL MATOU


DUAS GALINHAS E MARCOU O CASAMENTO.

44
DEPOIS DO CONFLITO, A TRISTEZA MINOU O CORTIÇO...

E FAZIAM
JÁ NÃO S
AIS O .
NUNCA M PAGODES
B O TA OS
Ó, PIEDADE.
.. FIRMO
I, OU
TENS FALADO PÉS AQU !
COM A RITA ND O P R ENDÊ-LO
? MA
COMO ELA ES
TÁ?

D
L
N
E BRUNO
RALAVA
P
DE SAU -SE
DADES.

LEOCÁD
IA
AINDA
TE
AMA.
IA
U

OR
O MAU HUM
DE JOÃO
G

ROMÃO SÓ
PIORAVA.

SÓ POMBINHA E DONA ISABEL ESTAVAM SATISFEITAS.


A MENSTRUAÇÃO DA MENINA AS TIRARIA DALI.

“LEOCÁDIA, ACHO QUE TU ÉS MAIS DOIDA QUE “SE QUISER


RUIM, POR ISSO NÃO TE QUERO MAL. SEI QUE VOLTAR PRA MINHA
ESTÁS DEVENDO O ALUGUEL DO BARRACO ONDE COMPANHIA... PODE
VIVES. MANDA CÁ O SENHORIO QUE EU PAGO. VIR... EU ESQUEÇO
ÁGUAS PASSADAS NÃO MOVEM MOINHO...” TUDO.”

POMBINHA, QUE JÁ ESCREVERA TANTAS CARTAS


COMO AQUELA, DE REPENTE DESCOBRIU QUE OS
HOMENS ERAM UMAS BESTAS, E QUE AS MULHERES
PODIAM FAZER O QUE QUISESSEM COM ELES.

45
A CASA DE DONA ISABEL FOI ALUGADA POR
UMA VIÚVA E CINCO FILHAS.

ESTÃO A SUBDIVIDIR AS
CASAS EM CUBÍCULOS DO
TAMANHO DE SEPULTURAS.
DESPEJAM CRIANÇAS NO
MUNDO COMO COELHOS!

D
L
N
E FOI COM ESSES
P
PENSAMENTOS
QUE ELA CASOU E
SAIU DO CORTIÇO.
IA
U
G

FÁBRICAS ABRINDO, GENTE CHEGANDO... SURGIU UM CONCORRENTE DE JOÃO ROMÃO NA MESMA RUA.

JOÃO ROMÃO AS LAVADEIRAS OS MORADORES LOGO COMEÇARAM


COMPROU OS COMEÇARAM A BRIGAR DO SÃO ROMÃO AS BRIGAS ENTRE
FISCAIS PARA QUE POR FREGUESIA. FORAM APELIDADOS “CABEÇAS DE GATO”
DIFICULTASSEM A DE “CARAPICUS”, O E “CARAPICUS”.
VIDA DO RIVAL. NOME DO PEIXE, MAIS
BARATO, QUE JOÃO
ROMÃO VENDIA DIZENDO
SER SARDINHA.

46
POR PROVOCAÇÃO,
JOÃO ROMÃO
FIRMO FOI MORAR
TINHA OUTROS
NO CORTIÇO RIVAL, E
PROBLEMAS.
TORNOU-SE O LÍDER
A INVEJA QUE
DOS “CABEÇAS
SENTIA DO
DE GATO”.
VIZINHO, POR
EXEMPLO.

D
L
N
P
IA

DEPOIS QUE MIRANDA VIROU BARÃO, ELE RESOLVEU CIVILIZAR-SE.


U
G

CONTRATOU MAIS EMPREGADOS. JÁ NÃO QUERIA O “BARÃO DO FREIXAL” JÁ O


ATENDER PESSOALMENTE ATRÁS DO BALCÃO. AGORA TRATAVA DE OUTRO MODO.
COMPRAVA AÇÕES DE COMPANHIAS INGLESAS E FAZIA
AMIZADE COM OS BANQUEIROS DA RUA DIREITA.

47
A MENINA É UM FOI CRIADA PARA
EXCELENTE PARTIDO. MAS ELA OBEDECER. NÃO TEM
A FORTUNA DE PODE NÃO VONTADE PRÓPRIA.
MIRANDA É SÓLIDA. QUERER, O PAI MANDANDO,
PRÉDIOS E AÇÕES! BOTELHO. ELA FAZ.

A PRIMEIRA VEZ QUE PISOU NO


SALÃO DE MIRANDA SENTIU COMO

D
SE SEUS PÉS FOSSEM UM PAR DE
TARTARUGAS.

L
N
DEPOIS DE MUITA DISCUSSÃO, FICOU ACERTADO QUE POR VINTE
CONTOS DE RÉIS BOTELHO ARRANJARIA O CASAMENTO DE JOÃO
ROMÃO COM ZULMIRINHA.
P
SE TEM CALOR, VENHA AQUI PELA PRIMEIRA VEZ METIA-SE EM TAIS FUNDURAS.
PARA A JANELA. NÃO FAÇA ATRAPALHOU-SE. MAS NÃO SE SAIU DE TODO MAL.
CERIMÔNIA, HOMEM. Ó, LEONOR!
TRAZ UM COPO DE CERVEJA!
IA
U
G

E ESSE TRASTE? E SE ELA


SERÁ UM ESTORVO MORRESSE?
PARA O MEU
CASAMENTO.

48
RITA MARCOU COMIGO DONA RITA ESTAVA COM
E NÃO APARECEU. A PIEDADE, RECEBENDO O
TU É CARAPICU, JERÔNIMO, QUE CHEGOU DO
MOLEQUE... SABE HOSPITAL HOJE, SEU FIRMO.
ONDE ELA SE METEU?

D
L
N
P
VAI INDO, MULHER. RITA SE PEGO E DESTA VEZ ELA
NÃO AQUELE GALEGO
VAI ME PREPARAR UM TAMBÉM ENTRA
CUSTA ORDINÁRIO, FERRO-
DAQUELE CAFÉ FORTE, NA DANÇA!
NADA! -LHE DE NOVO
NÃO VAI?
IA

A SARDINHA NO
PANDULHO!
U
G

'
AQUELA PREFERÊNCIA PELO CAFÉ DA OUTRA DOIA
MAIS EM PIEDADE DO QUE UMA INFIDELIDADE.

' AQUI NÃO. TUA Ó, JERÔNIMO!


VEM CA.
MULHER PODE O ZÉ CARLOS
VER. E O PATACA
ESTÃO AQUI
PRA FALAR
CONTIGO!

QUANDO?
LOGO
MAIS.

ONDE?

SEI LÁ!

49
ENTÃO É NO TODA NOITE. O MELHOR É PÃO DE UM
BÊBADO COMO POIS FEITO.
GARNISÉ, PATACA? LIQUIDAR A DIA PRO
UM GAMBÁ. QUARENTA MIL-
COISA HOJE OUTRO FICA
-RÉIS PRA CADA
MESMO! DURO.
UM. E MAIS O
VINHO TINTO.

D
L
É UM
BOTEQUIM DE
N CABEÇAS
DE GATO.
P
ELES NÃO TÊM OUTRO VISTE O LÁ ATRÁS,
IDEAL NA VIDA SENÃO FIRMO POR AÍ, JOGANDO.
COMER, DORMIR E FLORINDA?
PROCRIAR...
IA
U
G

E TUA HOSPÍCIO,
MÃE? COITADA.

RITA! NA CONFIO NOS MEUS


PRAIA? DENTES, MAS ÀS
COM OUTRO VEZES ELES ME
HOMEM?! MORDEM A LÍNGUA.

TEM POLÍCIA DISFARÇADA.


ME DÁ A NAVALHA OU TE
PRENDEM. CONFIA EM MIM.

50
PRONTO!
ESTÁ
DESARMADO!

D
L
N
P
IA
U
G

ESTA MENINA É UM ANJO, MEU


AMIGO. FALA FRANCÊS, TOCA
PIANO, CANTA, DESENHA E
TEM UM GÊNIO DE POMBA!

51
D
L
N
P
IA
U
G

JERÔNIMO NÃO NÃO DORMIU EM ENCONTRARAM FIRMO MORTO


DORMIU EM CASA. CASA? OLHA NA PRAIA DE BOTAFOGO! OS
SABE DELE, O DEMO! CABEÇAS DE GATO ACHAM QUE
MACHONA? FOMOS NÓS! VEM GUERRA AÍ!

MALDITA
HORA EM
'
QUE SAI DE
PORTUGAL!

52
VI ELE DE MANHÃZINHA, SIM. POR ACASO
SAINDO PELOS FUNDOS ENCONTREI COM ELE HÁ
DO CAPINZAL, COMO POUCO, NA ESQUINA
QUEM FUGIA. DA RUA BAMBINA.

D
L
N
ESTÁ DE META-SE COM
P
MUDANÇA?! A SUA VIDA!
IA
U
G

REPETE,
ROUBASTE-ME O
PERUA
HOMEM! ORDINÁRIA!
CHOCA!

'
NÃO DA-LHE, ACERTA NA
DEIXA! PIEDADE!
ISCA! APARTA! PORTUGUESA!

'
DA CABO DA
MULATA! ACABA
COM A
GALEGA,
RITA!

53
TOMA, NÃO GALEGO
NÃO
GALINHA TIRA! É A MÃE!
PODE!
PODRE!
TOMA, DEIXA,
NÃO
BAIACU! GALEGO!
DEIXA!

D
L
N
P
IA
U
G

BOTA ÁGUA PARA


FERVER, BERTOLEZA!
SE FOR PRECISO,
JOGA NELES!

54
D
L
N
P
IA
U
G

AGUENTA,
CARAPICUS!
AVANTE!
G
U
IA

FOGO!
P
N

56
L
D
QUE ISSO,
IHHH! FOGO!
FILHA?
FOGO!

VAMOS VOLTAR
PRO CABEÇA DE
GATO, GENTE!

D
L
N
P
IA
U
G

A BRUXA AFINAL REALIZARA SEU SONHO DE LOUCA.

57
FOGO! MAS QUE ESTÁ
DIABO TEM PRECISANDO
FOGO! CASAR.
ESSA MENINA?
INFERNO!

D
L
N
P
IA
U
G
D
L
N
P
IA
U
G

AAaaAHH!

LIBÓRIO...?!

59
NÃÃÃOOO...
MISE...
RÁVEL...
AHHH...

D
L
N
P
IA
U
G

PREJUÍZO NÃO, BARÃO. LUCRO. DEPOIS ESSES


GRANDE, DO PRIMEIRO INCÊNDIO, BOTEI COITADOS É
JOÃO TUDO NO SEGURO. AGORA É QUE SOFREM.
ROMÃO... RECONSTRUÍ-LO, E MUITO MAIOR.

É... MAS
NÃO TÊM
MUITO A
PERDER.

60
RITA FUGIU DURANTE
O INCÊNDIO. ESTAR PIEDADE CAIU DOENTE, COM UM FEBRÃO DE
DE MALAS PRONTAS QUARENTA GRAUS.
FACILITOU.

D
L
N
P
O VELHO LIBÓRIO. HAVIA MAIS DE 15 O GOVERNO
EU SABIA QUE ELE CONTOS DE RÉIS NAS É QUE É O
ESCONDIA DINHEIRO GARRAFAS... MAS LADRÃO!
EM ALGUM LUGAR. 8 ERAM DE NOTAS
IA

E VIVIA PEDINDO QUE O GOVERNO


ESMOLA... TINHA TIRADO DE
CIRCULAÇÃO...
U
G

O TEMPO, COMO SEMPRE, FOI O CORTIÇO LOGO METEU-SE EM OBRAS.


ARRANJANDO AS COISAS...

BRUNO E LEOCÁDIA VOLTARAM A


SE ENTENDER...

61
PIEDADE NÃO SE RECUPEROU DA
PERDA DE JERÔNIMO.

D
L
N
P
JÁ A VIDA DELE AGORA ERA UMA
FELICIDADE CONTÍNUA, RESUMIDA
EM OITO PALMOS DE COLCHÃO.
IA
U
G

O SOBRADO DEVE ESTAR


QUE JOÃO PENSANDO EM
ROMÃO ESTÁ A ARRANJAR
CONSTRUIR... SÓ ESPOSA,
MATERIAL DE BARÃO.
PRIMEIRA.

MAS NÃO É
NÃO HÁ DE
AMIGADO
SER COM
COM AQUELA
ELA QUE VAI
NEGRA?
CASAR...

62
NÃO POSSO FICAR
COM ELA NEM COMO
ESCRAVA. BOTAFOGO
INTEIRO SABE QUE
DIVIDIMOS A CAMA.
MALDITA DOS DIABOS!

D
L
N TODOS FICAVAM A IMAGINAR QUE SAÍDA JOÃO ROMÃO
ACHARIA PARA AQUELA SITUAÇÃO.
P
IA
U
G

FAÇA O PEDIDO. É A EA
OCASIÃO. JÁ FALEI COM MENINA?
MIRANDA. ELE ACEITA.

ATIRE-SE, HOMEM!
ATIRE-SE ENQUANTO O
ANGU ESTÁ QUENTE!

63
GASTAVA MAIS DO QUE GANHAVA. DEIXOU
A MOQUECA DE PAGAR O COLÉGIO INTERNO DA FILHA E A
TÁ SAINDO! PENSÃO DA MULHER.

D
L
JERÔNIMO ABRASILEIROU-SE.
N
P
ISSO JÁ NÃO SÃO PASSO A FAZER PARTE DE UMA FAMÍLIA
HORAS, PIEDADE! ARISTOCRÁTICA, GANHO O DOTE DA
VAMOS! CADA UM PRA NOIVA E MAIS TARDE AINDA HERDO O QUE
É DO MIRANDA. E MAIS ADIANTE, TOME
SUA CASA!
IA

LÁ UNS PARES DE CONTOS DE RÉIS, E


PASSEM-ME CÁ O TÍTULO DE VISCONDE!
U
G

O QUE NÃO FALTA BEM TOLO


VISCONDE! O DIABO
SÃO HOMENS, É QUEM SE
É BERTOLEZA. O QUE
PIEDADE. O MATA... HIC!
FAÇO COM ESSA
MUNDO É GRANDE!
PESTE? QUE FERRO!

64
ESTORVO! É PRECISO
DESPACHÁ-LA! VISCONDE!
SÓ MATANDO! ESGANÁ-LA!

D
L
N
P
JOÃO? NADA. VIM TE OLHA LÁ, CARNE- NÃO SABIAS,
QUE É? VER. PASSOU- -MOLE. NÃO É MACHONA? AGORA
-TE A DOR NAS POMBINHA E LÉONIE!? FAZEM A VIDA
COSTAS? JUNTAS.
IA
U
G

COM DOIS ANOS DE CASADA, POMBINHA, ACABOU SEM MARIDO E SEM AMANTE, E FOI
QUE JÁ ACHAVA O MARIDO UM PALERMA... PROCURAR LÉONIE. DONA ISABEL QUASE MORRE DE
CAIU NOS BRAÇOS DE UM ATOR. DESGOSTO, MAS ACABOU CONFORMANDO-SE.

NÃO ME DIGA! NESTE MUNDO UMA CRIATURA SE


ACOSTUMA A TUDO, MACHONA!

65
PROSPERAVA TAMBÉM O CORTIÇO. AGORA,
PARA ENTRAR, ERA PRECISO CARTA DE
FIANÇA E RECOMENDAÇÃO ESPECIAL.

D
L
JOÃO ROMÃO TORNARA-SE IMPORTADOR, E FORNECEDOR
DE TODAS AS TABERNAS E ARMARINHOS DE BOTAFOGO. ELE
N
AGORA TINHA GUARDA-LIVROS, DESPACHANTES, CAIXAS,
CORRESPONDIA-SE COM O ESTRANGEIRO, ASSINAVA
GRANDES CONTRATOS E EMPRESTAVA A JUROS ALTOS.
P
OS NOVOS MORADORES
ERAM ESTUDANTES,
FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS,
PEQUENOS COMERCIANTES...
IA
U
G

O CABEÇA DE GATO FOI VENCIDO PARA SEMPRE.


À MEDIDA QUE O SÃO ROMÃO PROSPERAVA, O
OUTRO DECAÍA. PIEDADE SE MUDOU PARA LÁ, E
POMBINHA AGORA “AJUDAVA” NA
CRIAÇÃO DE SUA FILHA...

66
NÃO SE PODE ADIAR MAS E A NEGRA? NÃO ARRANJE-LHE UMA QUITANDA
MAIS. MIRANDA QUER A POSSO PÔR NA RUA EM OUTRO BAIRRO, DÊ-LHE
MARCAR O CASAMENTO. ASSIM, SEM MAIS ALGUM DINHEIRO E BOA
AQUELAS! VIAGEM! O DENTE QUE NÃO
PRESTA SE ARRANCA!

D
L
N
VOCÊ TÁ ENGANADO SE ACHA FICAR AO SEU LADO!
P
MAS AFINAL
QUE CASA E ME ATIRA À TOA! QUE DIABO QUERO DESFRUTAR O QUE
NÃO HEI DE SER QUITANDEIRA QUERES TU?! NÓS DOIS GANHAMOS
ATÉ MORRER! QUERO DESCANSO! JUNTOS! PARA ISSO DEI
MEU CORPO E MEU SUOR!
IA
U
G

VISTE O TAMANHO DA VOCÊ ME CONTOU QUE


A MIM VÁ PARA O ENCRENCA, BOTELHO?! A CARTA DE ALFORRIA
NÃO ME DIABO QUE A É PRECISO DESPACHÁ- DELA É FALSA... QUER
CEGAM! CARREGUE! -LA, SEJA COMO QUE EU RESOLVA A
FOR! SITUAÇÃO?

QUANTO?
DUZENTOS
MIL-RÉIS.
CEM...
CENTO E
CINQUENTA.

CALMA,
HOMEM DE
DEUS! CALMA!

67
D
L
N
P
IA
U
G

O HOMEM VAI LÁ
HOJE, NO FINAL
DA TARDE.

68
HÁ UM HOMEM LÁ EMBAIXO,
ACOMPANHADO POR DOIS
SOLDADOS, QUERENDO FALAR
COM O DONO DA CASA.

D
L
N
P
ORA ESSA! ENTÃO É MINHA ESCRAVA. É AQUELA!
ELA FALSIFICOU A HERANÇA DE MEU
CARTA DE ALFORRIA? PAI. TEM DE ME
PENSEI QUE FOSSE ENTREGÁ-LA.
IA

LIVRE...
U
G

CLARO.
IMEDIATAMENTE.

PRENDAM-NA!
É ESCRAVA
MINHA!

69
G
U
IA
P
N

70
L
D
D
L
N UM
SENHOR,
P
HÁ MAIS O QUE É PRESENTE DE
QUATRO AGORA? CASAMENTO,
HOMENS LÁ “VISCONDE”.
FORA. LEVE-OS PARA
O SALÃO. EU
CUIDO DISSO
IA

POR AQUI.
U
G

SENHOR JOÃO ROMÃO, MUITO OBRIGADO, SENHORES. CREIO QUE


SOMOS DA COMISSÃO É UMA OBRIGAÇÃO DE TODO HOMEM
ABOLICIONISTA E DE BEM LUTAR PELA LIBERDADE DOS
VIEMOS TRAZER-LHE ESCRAVOS. ELES TÊM DIREITO A UMA
RESPEITOSAMENTE VIDA DIGNA. ENTREM, VAMOS AO SALÃO,
O DIPLOMA DE SÓCIO TOMAR UM VINHO DO PORTO. VENHAM.
BENEMÉRITO.

71
G
U
IA
P
N

72
L
D
D
BIBLIOGRAFIA
L
N
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. Apresentação de
Paulo Franchetti. Notas de Leila Guenther. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2012.
P
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura
Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2012. p. 212.
IA

FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos:


decadências do patriarcado rural e desenvolvimento
urbano. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 635.
U

JAF, Ivan. Aluísio Azevedo e O cortiço. São Paulo:


Saraiva, 2019.
G

PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE


JANEIRO. Memória da destruição – Rio: uma
história que se perdeu (1889-1965). Rio de Janeiro:
Secretaria das Culturas/Arquivo da Cidade,
2002. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/
dlstatic/10112/4204430/4101439/memoria_da_
destruicao.pdf. Acesso em: 15 dez. 2020.

73
D
BÔNUS L
N
CONFIRA A SEGUIR:
P
IA

CONHEÇA OS AUTORES
U

O CORTIÇO E O GÊNERO ROMANCE


ALUÍSIO AZEVEDO E A
G

TRADIÇÃO LITERÁRIA
NO TEMPO DE O CORTIÇO
POR QUE LER O CORTIÇO HOJE?
SEGREDOS DA ADAPTAÇÃO

74
AUTORES
Dois trabalhos são essenciais na criação de uma narrativa em quadrinhos, seja ela uma história original

D
ou uma adaptação: o roteiro e a arte. Neste romance gráfico, a obra clássica inspirou o roteirista, que
organizou a história em quadros. Esses quadros foram, então, transformados em ilustrações pelo
desenhista. Aliás, você sabe o que diferencia um romance gráfico de uma história em quadrinhos, já

L
que os dois gêneros usam recursos de linguagem bem parecidos? A grande diferença está na narrativa:
os romances gráficos costumam ser mais longos, falar de temas mais adultos. Em relação à arte, o
desenhista utiliza os recursos de linguagem com um pouco mais de liberdade. Por exemplo: pode fazer
N
uma página inteira com um único quadro, em vez de dividi-la em vários. Descubra a seguir um pouco
mais sobre a vida de cada autor de O cortiço.
P
ALUÍSIO AZEVEDO nasceu em São Luís, no Maranhão, em 14 de abril
de 1857. Ainda jovem foi morar no Rio de Janeiro, com seu irmão, o
teatrólogo Artur Azevedo. Para se sustentar, Aluísio publicava caricaturas
em jornais. Mais tarde passou a escrever romances de folhetim, também
IA

publicados nos jornais e com o mesmo intuito de garantir o sustento.


Embora tenha conseguido algum sucesso com essas obras,
o reconhecimento viria com O mulato, de 1881. Depois se consolidaria
com Casa de pensão, de 1884, e principalmente com O cortiço, de 1890,
obras nas quais se evidencia seu maior talento: o de observar e analisar
U

agrupamentos humanos. Aluísio também seguiu carreira diplomática.


Em 1897 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Faleceu em
Buenos Aires, na Argentina, em 20 de janeiro de 1913.
G

RODRIGO ROSA nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.


Jornalista formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUC-RS), já aos 14 anos atuava profissionalmente, publicando
tiras de quadrinhos em um jornal local. Ilustrou inúmeras obras
infantis e juvenis e colaborou, como cartunista e chargista, em vários
jornais e revistas nacionais. Com mais de vinte prêmios em salões
de humor no Brasil e no exterior, é um dos desenhistas mais
requisitados pelas editoras do país.

O carioca IVAN JAF é autor de mais de sessenta livros,


principalmente voltados para o público juvenil, várias peças
teatrais e roteiros para o cinema. Como roteirista de HQs,
começou sua carreira em 1979, criando histórias de terror
em parceria com alguns dos mais consagrados desenhistas
nacionais. Na década de 1990, com o renomado desenhista
argentino Solano López, publicou histórias de ficção científica
e de terror na revista italiana Skorpio.

75
GÊNERO ROMANCE
Publicado em livro por Aluísio Azevedo em 1890, O cortiço é um dos romances mais

D
importantes da literatura brasileira. O que isso significa?

O romance é entendido como o mais elástico dos gêneros O cortiço apresenta esses elementos todos, mas o
literários, porque consegue incorporar fragmentos de qual- modo como aparecem é bem peculiar, principalmente

L
quer outro tipo de obra sem perder suas características. Nas em relação ao enredo e aos personagens.
páginas de um romance, podemos encontrar desde textos É possível dizer que a história principal é a da ascensão
jornalísticos (como o começo de Capitães da areia, de Jorge de João Romão, o dono do cortiço que dá nome ao livro,
N
Amado), cartas (como a famosa “Carta pras icamiabas” em
Macunaíma, de Mário de Andrade) até trechos em versos e
partes que reproduzem marcações teatrais.
mas são tantos os personagens da obra e tantas as histó-
rias, que dá a impressão de que não existe um verdadeiro
protagonista. Ou, se ele existe, é o próprio cortiço, con-
P
Isso sem contar as obras que, pela linguagem, ficam siderado pelo crítico Alfredo Bosi o “personagem mais
na fronteira entre a poesia e a prosa, como Iracema, de convincente do nosso romance naturalista”.
José de Alencar. Ou as que reinventam os elementos com O próprio Aluísio Azevedo lança mão do recurso da
os quais uma história é contada, como o Capítulo LV de antropomorfização, conferindo ao cortiço características
IA

Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, humanas. Veja este trecho do Capítulo III do clássico:
escrito quase que apenas com sinais de pontuação. Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrin-
Apesar dessa capacidade de se transformar e de incor- do, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas
porar elementos de praticamente qualquer outro gênero, alinhadas [...].
algumas características se fazem presentes em quase to-
Quanto às outras características do romance, O cortiço
dos os romances:
U

já é mais convencional. O local em que a trama se de-


1. O enredo: a sequência de acontecimentos e a ma-
senvolve é o Rio de Janeiro, mas com foco nesse cortiço
neira como eles se ligam uns aos outros. fictício. Em nenhum momento é revelado o ano da his-
2. O espaço: onde se passa a obra, podendo ser um tória. Mas, com certeza, a narrativa se passa antes do 13
G

lugar que existe ou completamente imaginado ou até de maio de 1888, pois a escravidão ainda não havia sido
mesmo nem ser especificado. abolida. Importante: nos quadrinhos, optou-se por man-
3. O tempo: pode ser cronológico (o do relógio) ou ter o termo “escravo”, como no texto original de Aluísio
psicológico (o dos pensamentos, quando se passam ho- Azevedo. Na época, os negros eram vistos como merca-
ras ou dias e temos a impressão de que foram poucos dorias. Hoje, prefere-se o termo “escravizado”, palavra
minutos e vice-versa). que denuncia a violência sofrida pelas pessoas negras.
4. Os personagens: não há um número máximo, mas é O narrador é em terceira pessoa e onisciente, uma carac-
preciso de no mínimo dois, ainda que existam romances terística recorrente dos romances naturalistas, mas com a
em que um deles é apenas imaginado. peculiaridade de, ao longo do romance, aproximar-se da
5. O narrador: pode ser um personagem que participa perspectiva de diferentes personagens. Ao usar o discurso
da história em primeira pessoa, um observador ou uma indireto livre, o narrador não só reproduz o que os perso-
presença onisciente, em terceira pessoa. nagens falam, mas também o que pensam e sentem.

76
ALUÍSIO AZEVEDO
E A TRADIÇÃO LITERÁRIA
Gilberto Freyre, um dos principais sociólogos brasileiros, considerava O cortiço um “romance que é menos

D
ficção literária que documentação sociológica de uma fase e de um aspecto da formação brasileira”. Isso
porque Aluísio Azevedo se preocupou muito em documentar o que ele entendia como a realidade da
época na então capital brasileira (o Rio de Janeiro foi capital do Brasil até a criação de Brasília, em 1960).

Acervo Iconographia/Reminiscências
Mas essa preocupação não foi exclusiva de Azevedo.
Era uma característica comum do romance realista/na-
N
turalista. Os escritores desses movimentos buscavam
agir mais como cientistas, analisando e descrevendo
com rigor a sociedade ao seu redor. Isso os diferencia-
va dos romancistas do Romantismo, que deixavam a
P
imaginação guiar a construção da obra.
Para os autores do Realismo/Naturalismo, o papel
da literatura era servir de espelho para a sociedade,
IA

o que só seria possível se ela retratasse os costumes,


comportamentos e modos de pensar de sua época com
o máximo de objetividade e impessoalidade.
Reprodução/Coleção particular

U
G

Rua do Ouvidor, na época de O cortiço. Fotografia de Marc


Ferrez (1843-1923). No final do século XIX, a rua era o ponto
de encontro da sociedade e dos intelectuais cariocas.

Escravo de ganho barbeiro, por volta de 1865,


Rio de Janeiro. Fotografia de Christiano Júnior
(1832-1902). Quando O cortiço foi publicado,
em 1890, essa ainda era uma prática comum:
os escravos de ganho trabalhavam em certas
profissões, como a de barbeiro e a de vendedor
de rua, para garantir renda aos seus donos.

77
D
Augusto Malta/Museu da Imagem e do Som/Femurj

L
Cortiço no Rio de Janeiro,
N cerca de 1906. Fotografia de
Augusto Malta (1864-1957).
Os cortiços também eram
chamados de “casas de
P
cômodos” ou “estalagens”.
Uma de suas principais
características era o pátio
central, que servia de área
de lazer e de trabalho para
IA

os moradores.

O Naturalismo é um desdobramento do Realismo, mo- admitir tabus, ele investiga a realidade sem tentar maquiá-
vimento que teve início na França, com a publicação do -la. Sua única preocupação é a verdade. Por isso, escritores
romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert (1821- que seguem esse ideal científico não podem ter receio de
-1880), em 1857. Em Portugal, seu maior expoente foi Eça explorar os lados mais obscuros da existência.
U

de Queiroz (1845-1900), autor de O primo Basílio. Para exemplificar melhor a diferença entre esses dois mo-
No Brasil, o Realismo e o Naturalismo ocorreram em vimentos (e entre eles e o Romantismo), costuma-se dizer
simultâneo e têm vários pontos em comum. Só que o Na- que, para o escritor romântico, o casamento é o final feliz e,
G

turalismo é mais apegado ao determinismo e a uma visão para o realista, o adultério é o ponto de partida, como em
mecanicista da existência humana. Nas obras desse mo- O primo Basílio. Só que o realista se contenta com apenas
vimento, há uma obsessão em retratar o ser humano de revelar a traição, e o naturalista invade o quarto, levanta as
forma animalizada e em focar aspectos considerados mais cobertas e mostra o que se passa debaixo delas. Na prática,
degradantes e abjetos, como se fossem mais reveladores da é como se a vida humana fosse retratada no estilo de um
natureza humana do que os demais. O cientista não pode documentário sobre a vida animal na selva.

O escritor francês Gustave


Wikipedia/Wikimedia Commons 1.0

Reprodução/Editora São Paulo


Flaubert (1821-1880),
em retrato de Félix Nadar.
Seu romance Madame Bovary,
publicado em 1857, deu início
ao Realismo na literatura.

A publicação de O mulato,
de Aluísio Azevedo, em 1881,
marca o início do Naturalismo
na literatura brasileira. Nesse
romance, Azevedo denuncia
o preconceito contra os
negros na sociedade
do Maranhão e critica a
corrupção do clero da época.

78
Wikipedia/Wikimedia Commons 1.0

O francês Auguste Comte (1798-1857),

D
criador da doutrina do positivismo.
Comte também é considerado o fundador
da Sociologia, e suas ideias exerceram
grande influência nos intelectuais e

L
políticos brasileiros da segunda metade do
século XIX. A frase “Ordem e progresso”,
estampada na bandeira nacional, reflete
N
Nessa época, o positivismo (corrente filosófica que afir-
essa filosofia.

bou, com o tempo, se revelando profundamente equivoca-


mava que a metodologia científica era a única maneira de do, sobretudo a compreensão determinista que se criou a
P
se alcançar a verdade) estava no auge, e a literatura nesse respeito das diferenças raciais e entre homens e mulheres.
período foi profundamente afetada por esse ideal. As obras Daí que, hoje, boa parte da literatura produzida com olhos
pretendiam, à sua maneira, produzir um conhecimento en- nesse “conhecimento” tenha se tornado bastante proble-
tendido como verdadeiro, daí o esforço para acompanhar mática, e isso se percebe em O cortiço.
IA

os debates científicos da época e trazer, nas narrativas, Em diversas páginas, o narrador tenta demonstrar que
tanto esse método de investigação (o hábito de descrever fatores como a biologia, a geografia e a cultura definem o
com minúcias e a preocupação em apresentar hipóteses só- comportamento dos personagens, que acabam se tornando
lidas sobre as motivações do comportamento humano, por meros marionetes nas mãos desses elementos. Por isso, a crí-
exemplo) quanto os próprios conhecimentos que, naquele tica costuma afirmar que falta complexidade a boa parte dos
momento, eram tidos como verdadeiros. personagens realistas/naturalistas. E, por isso também, o cor-
U

Só que tem um problema: parte do que a ciência da se- tiço onde se passa a história é, muitas vezes, tratado como o
gunda metade do século XIX entendia como verdade aca- personagem mais verossímil do Naturalismo brasileiro.
G
Wikipedia/Wikimedia Commons 1.0

Reprodução/Deutsche Film Union

Cartaz de 1928 anunciando a adaptação


de Thérèse Raquin para o cinema mudo.
Publicado em 1867, na França, o romance
de Zola marcou o início do Naturalismo e
foi um escândalo na época. Só que
o escândalo dos críticos acabou por tornar
a obra (e o Naturalismo) um sucesso.

Reprodução/Editora Hemus

O francês Émile Zola (1840-1902)


foi uma grande influência na obra
de Aluísio Azevedo. É considerado
o fundador do Naturalismo, que, Germinal, publicado em 1885,
em suas palavras, exprime é considerado a obra máxima
“a necessidade de realizar de Émile Zola. No romance, o autor
uma análise científica minuciosa descreve as péssimas condições de
da alma humana, sem trabalho de mineradores da França,
idealizações morais”. em toda a sua crueza, desenvolvendo
a crítica social que se tornou uma das
marcas do Naturalismo.

79
NO TEMPO DE
O CORTIÇO
A história de O cortiço se passa no Rio de Janeiro, nas décadas de 1870 e 1880. Naquela época, o Brasil

D
vivia o final do Segundo Império, quando o governo de Dom Pedro II enfrentava questões sociais e
problemas políticos. Embora a maior parte da população brasileira ainda morasse no campo, as grandes
cidades sofriam um rápido crescimento no número de seus habitantes. Com isso, na capital do Império,

L
cortiços e outros aglomerados humanos multiplicavam-se, sendo uma das únicas opções de moradia
para os mais pobres, pouco beneficiados pelo desenvolvimento do país.

N
UMA VIDA NADA FÁCIL
P
Na época de O cortiço, a vida não era fácil para
os trabalhadores brasileiros mais modestos. Não havia
direitos como o salário mínimo, a aposentadoria
ou a licença-maternidade. As condições de vida eram
IA

precárias, e quando os mais pobres reivindicavam


alguns direitos, eles eram tratados pelas autoridades
como “caso de polícia”. Por isso mesmo, havia uma
predisposição dessa parcela da população em reagir
violentamente à chegada de policiais.
U
G

TINHA ALEGRIA E FESTA TAMBÉM


Mas nem tudo era tristeza e dor. Também havia
alegria e festa! Em ocasiões especiais, armava-se
um pagode, com animado batuque, muita dança,
comida e bebida à vontade. Com forte presença
de elementos da cultura negra, a periferia do Rio
de Janeiro tornou-se o berço do samba como o
conhecemos hoje. Uma música e uma expressão
cultural brasileira que mistura cavaquinho e tambor,
ritmo e sensualidade, liberdade e alegria.

UM OUTRO TIPO DE FESTA


Enquanto os pagodes animavam os terreiros da gente
humilde, nas casas e nos salões da burguesia acontecia
um outro tipo de festa. Ao som de violino e piano,
embaladas por valsas e outros estilos estrangeiros,
as classes mais privilegiadas também celebravam a
vida. No lugar da cachaça, champanhe; em vez da
feijoada, canapés. Era um outro lado daquele Brasil
imperial, que queria se parecer com a Europa.

80
VELAS, LAMPARINAS E LAMPIÕES
Imagine seu dia a dia sem energia elétrica. Nada
de televisão, geladeira ou lâmpadas que acendem
com um simples toque. Pois a vida nos tempos de
O cortiço era assim. Nas casas, à noite, a única forma
de iluminação eram as velas e lamparinas. Já nas ruas,
a iluminação pública era feita com lampiões de óleo

D
de baleia, que foram substituídos por luminárias a gás.
A luz podia não ser das mais fortes, mas não deixavam
de ter seu charme aquelas noites à luz de velas,
lamparinas e lampiões.

L
N
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A FERRO E FOGO
Como não havia energia elétrica, a rotina das
mulheres que ganhavam a vida como lavadeiras
era bem puxada. As máquinas de lavar ainda
IA

não existiam, nem em sonhos. O jeito era lavar


as roupas à mão, e no maior capricho. E, para
engomá-las, usava-se um pesado utensílio de ferro
em que se colocava brasa incandescente. De fato,
era um ferro de passar bem precário, mas também
U

uma arma e tanto contra a invasão da polícia,


como se vê na página 40.
G

EM PESSOA OU POR ESCRITO


No Brasil, na época de O cortiço, talvez só
Dom Pedro II tivesse um telefone, inventado por
Graham Bell em 1876. Para se comunicar, se não
fosse pessoalmente, só era possível por escrito.
Como os moradores do cortiço de João Romão
não sabiam escrever, Pombinha prestava esse
serviço a eles.

CAVALOS, BURROS OU GENTE MESMO


Não havia veículos motorizados no tempo
de O cortiço. Quando as forças permitiam, as carroças
eram puxadas por homens mesmo, os chamados
“burros sem rabo”. Os veículos mais pesados tinham
a tração feita por burros ou cavalos. Inclusive
os carros dos bombeiros, que deviam levar uma
eternidade para chegar aos focos de incêndio.

81
NEM TÃO DIFERENTE ASSIM...
Algumas coisas não mudaram desde os tempos do
Império. Nos trabalhos braçais, ainda hoje as pessoas
precisam empregar muita força física, a exemplo dos
trabalhadores daquela época, como os puxadores
de carroça (que vemos na página 5), os operários
da construção civil (página 61), alguns vendedores

D
ambulantes (página 53) e as pessoas que, a exemplo
das lavadeiras de O cortiço (página 16), não dispõem
de uma máquina de lavar roupas. Sem contar que
ainda persiste o trabalho infantil.

L
N
P
SOFISTICAÇÃO “À FRANCESA”
Naqueles tempos, o chique era falar francês,
ir à ópera e seguir “a última moda de Paris”. Assim,
damas e cavalheiros vestiam-se elegantemente
IA

para passear à tarde ou reunir-se nos requintados


cafés e confeitarias da Rua do Ouvidor, um dos
símbolos da sofisticação da capital do Império e ponto
de encontro da elite econômica e intelectual do país.
U

UM CAFEZINHO COM OS IMORTAIS...


G

Numa dessas tardes do século XIX, num passeio pela


Rua do Ouvidor, não seria difícil deparar,
em alguma confeitaria, com figuras como
Artur Azevedo — dramaturgo e irmão do autor
de O cortiço —, o próprio Aluísio Azevedo, o grande
escritor Machado de Assis e o jurista Rui Barbosa,
que seriam imortalizados como membros
da Academia Brasileira de Letras.

... E COM AS FERAS DAS


HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
Seria possível também encontrar Angelo Agostini,
criador da Revista Ilustrada e considerado o primeiro
desenhista de histórias em quadrinhos no Brasil.
Foi o que fizeram os autores desta HQ — Rodrigo Rosa
à sua esquerda e Ivan Jaf à sua direita.

82
POR QUE LER
O CORTIÇO HOJE?
Muitos dos problemas sociais retratados por Aluísio Azevedo continuam fazendo parte da realidade

D
brasileira, quase um século e meio depois. As questões do racismo estrutural, da condição da mulher na
sociedade e da meritocracia se destacam em função de debates que ganharam força nos últimos anos.
E não são poucas as semelhanças entre os cortiços da época do romance e as favelas de hoje...

L
CICATRIZES DA ESCRAVIDÃO
Bertoleza, mulher negra escravizada, e João Romão, ho-
N É importante destacar a ironia do final de O cortiço: pouco
mem branco português, começam um relacionamento e depois da morte de Bertoleza, João Romão recebe um prêmio
vão morar juntos. Nesse momento, Romão se apossa das por seus esforços em favor da causa abolicionista. Isso serve
economias da companheira, prometendo inteirar o que para exemplificar o quanto o próprio movimento abolicionis-
P
faltava para a compra da liberdade dela. Só que, em vez ta poderia mascarar comportamentos racistas e hipócritas.
disso, o homem falsifica uma carta de alforria para fingir Hoje, você pode ter a impressão de que as pessoas com-
que Bertoleza estava livre e usa o dinheiro e o trabalho dela prometidas com essa causa estavam preocupadas com a li-
para expandir cada vez mais seu negócio. berdade da população negra escravizada e com o combate
IA

ao racismo. Mas, para alguns participantes do movimento


Mais para o final do livro, quando a ascensão social de João
abolicionista, esse comprometimento era motivado ape-
Romão já está consolidada e ele começa a articular um ca-
nas pelo desejo de associar o próprio nome a uma luta que
samento com a filha do vizinho barão, Bertoleza se torna
ganhava destaque na época. Algo parecido acontece hoje:
um obstáculo para os planos do dono do cortiço. Para
muitas pessoas se dizem preocupadas com o racismo es-
resolver o impasse, o homem a denuncia para os antigos
trutural brasileiro, mas pouco ou nada fazem para mudar
U

donos como escravizada fugida, e quando Bertoleza se dá


essa realidade. Não foi o caso de Aluísio Azevedo, que foi
conta de que sua alforria era uma fraude, comete suicídio.
um militante muito sincero do abolicionismo.
Com a história de Bertoleza, O cortiço revela como a con- Porém, O cortiço poder ser interpretado dessa maneira,
G

quista da liberdade poderia ser facilmente revertida em um pois, por mais que denuncie o absurdo da escravidão, há
contexto escravocrata como o do Brasil da segunda metade passagens em que o narrador afirma, por exemplo, que
do século XIX. Algo muito parecido com o que relata a obra mulheres negras e indígenas buscariam “instintivamente”
autobiográfica Doze anos de escravidão, publicada em 1853. estabelecer relações com homens brancos, para “apuração”
Seu autor, o escritor negro estadunidense Solomon Northup, (ou seja, “melhoria”) da raça. O curioso, no entanto, é que
nasceu livre, mas acabou sendo escravizado e só obteve a li- a obra revela apenas tragédias decorrendo dessas relações,
bertação doze anos depois. Em 2013, esse livro foi adaptado como as de Bertoleza e Rita Baiana. Mas vale lembrar que
para o cinema e se tornou mundialmente conhecido. Aluísio Azevedo também foi militante da causa feminista.

FELIZES PARA SEMPRE?


A condição da mulher é outra questão importante discutida no clássico.
Perceba, por exemplo, que a mulher é criada para acreditar que o casamento
é a principal realização em sua vida. Isso fica nítido na história de
Pombinha, que se casa para sair do cortiço.
Aluísio Azevedo também retrata quanto a mulher pode estar vulnerável
apesar de casada. Como no caso de Piedade, que, abandonada pelo marido
quando este se apaixona por outra, fica completamente desamparada. O
casamento, então, poderia ser visto como mais um elemento de opressão na
vida da mulher.
Em O livro de uma sogra, publicado em 1895, Aluísio Azevedo denuncia o
E FOI COM ESSES mal que a repressão paterna causa nas mulheres e até chega a propor um
PENSAMENTOS
QUE ELA CASOU E novo modelo de casamento, no qual marido e mulher só seriam felizes para
SAIU DO CORTI‚O.
sempre se morassem em casas separadas

83
O HOMEM E O MEIO
Outro tema relevante é o da meritocracia, a crença de sileiros, acaba se tornando preguiçoso, desestruturan-
que quem se esforça consegue subir na vida. No clássi- do completamente a vida que vinha construindo. É ele
co, você vê dois homens brancos, ambos portugueses e quem se apaixona por Rita Baiana e, sem pensar duas ve-
pobres, mas com trajetórias opostas. De um lado, está zes, abandona a esposa, Piedade. A conclusão implícita
João Romão, que consegue enriquecer trabalhando duro, no clássico é que, em uma sociedade corrupta, é preciso
sendo doentiamente pão-duro e se valendo de inúmeros se adaptar, ou seja, o crime pode acabar compensando.
golpes e crimes. Mas também é possível concluir que, para transformar

D
Do outro, está Jerônimo: em princípio, um trabalhador essa sociedade, antes é preciso descobrir quão corrom-
exemplar que, por influência da cultura e do clima bra- pida ela está.

L
HAVIA MAIS DE 15 O GOVERNO A MOQUECA
CONTOS DE RÉIS NAS É QUE É O TÁ SAINDO!
GARRAFAS... MAS LADRÃO!
8 ERAM DE NOTAS
QUE O GOVERNO
TINHA TIRADO DE
CIRCULAÇÃO...
N
P
IA

JERÔNIMO ABRASILEIROU-SE.
U

OUTRA SITUAÇÃO, O MESMO PROBLEMA


G

A dura realidade dos moradores dos cortiços, que in- de proliferação de doenças. Essa reforma, que ficou co-
clui o descaso das autoridades com as condições de vida nhecida como “bota abaixo”, deixou as pessoas das clas-
dessas pessoas, permanece nas favelas dos dias de hoje. ses mais pobres sem ter onde morar.
Entre 1902 e 1906, o então prefeito do Rio de Janeiro, o Expulsas do centro da cidade, migraram para a perife-
engenheiro Francisco Pereira Passos (1836-1913), orde- ria ou para os morros do Rio de Janeiro. Essa é uma das
nou a demolição dos cortiços para dar lugar a grandes raízes do problema da moradia na cidade, cuja face mais
avenidas. A justificativa era que os cortiços seriam focos conhecida são as favelas.

84
SEGREDOS DA
ADAPTAÇÃO

Manuela Eichner/acervo pessoal


A criação de um romance gráfico é um trabalho mui-
to detalhado, ainda mais quando envolve a adaptação de
um clássico literário. Primeiro, é preciso conhecer a fundo

L
a obra a ser adaptada. E é essa compreensão profunda do
original, e das intenções de seu autor, que vai permitir que
o roteirista e o desenhista possam recriá-lo com seguran-
N
ça, vertendo-o para a linguagem dos quadrinhos sem des-
virtuá-lo. Como se pode perceber, a primeira etapa exige
leituras e releituras muito atentas do original. E antes de
começar a produção do romance gráfico, é necessária uma
P
pesquisa exaustiva para recriar a época em que se passa a
narrativa do clássico. Para adaptar O cortiço, Rodrigo Rosa
viajou de Porto Alegre para o Rio de Janeiro. Lá, ele e Ivan
Jaf localizaram cenários e construções que foram muito
IA

úteis para a reconstituição da época.


Ivan Jaf e Rodrigo Rosa em Botafogo, em frente à pedreira de João Romão.
U

O curioso é que, para escrever O cortiço, Aluísio Azevedo


G

utilizou um método bem semelhante. Ele começou a fazer


apontamentos para a obra em 1884, a partir de pesquisas de
campo que incluíam incursões nos cortiços e nas bodegas dos
bairros de Botafogo, para analisar os costumes da gente menos
favorecida. Para não ser notado, disfarçava-se de trabalhador
pobre e se misturava aos moradores da região. É por isso que
vemos, em uma das cenas dos quadrinhos, o escritor obser-
vando o que acontece na venda de João Romão.

A pesquisa de Rodrigo Rosa e Ivan Jaf para a reconstitui-


ção da época de O cortiço incluiu consultas a publicações e
fotos relacionadas ao tempo em que se passa a narrativa. A
reconstituição de época foi levada tão a sério que nenhum
detalhe escapou à dupla de criadores deste romance gráfi-
co. Veja o quadro ao lado, por exemplo. Seria esperado que
a indicação de que a Bruxa teve uma ideia súbita ao ouvir a
fala de Marciana (“botar fogo”) fosse representada por uma
lâmpada acesa acima de sua cabeça. Como na época ainda
não havia energia elétrica, veja como Rodrigo Rosa fez essa
representação.

85
Ao transporem a obra original para os quadrinhos, os melhor combinaria com essa intenção. Veja, neste exem-
adaptadores definem que aspectos do clássico querem plo, como esse entendimento se materializou no romance
valorizar e que estilo de desenho será o mais apropriado. gráfico e observe como a capacidade de síntese é funda-
Como Ivan Jaf havia decidido destacar o humor, Rodri- mental para um bom roteiro. A passagem diz respeito aos
go Rosa entendeu que o traço mais caricato seria o que esforços de João Romão para se sofisticar socialmente.

TEXTO ORIGINAL DE ALUÍSIO AZEVEDO:

D
Desde que o vizinho surgiu com o baronato, o vendeiro transformava-se por dentro e por fora a causar pasmo. Mandou
fazer boas roupas e aos domingos refestelava-se de casaco branco e de meias, assentado defronte da venda, a ler jornais.
Depois deu para sair a passeio, vestido de casimira, calçado e de gravata. Deixou de tosquiar o cabelo à escovinha; pôs a

L
barba abaixo, conservando apenas o bigode, que ele agora tratava com brilhantina todas as vezes que ia ao barbeiro. Já
não era o mesmo lambuzão! E não parou aí: fez-se sócio de um clube de dança e, duas noites por semana, ia aprender
a dançar; começou a usar relógio e cadeia de ouro; correu uma limpeza no seu quarto de dormir, mandou soalhá-lo,
N
forrou-o e pintou-o; comprou alguns móveis em segunda mão; arranjou um chuveiro ao lado da retrete; principiou a
comer com guardanapo e a ter toalha e copos sobre a mesa; entrou a tomar vinho, não do ordinário que vendia aos
trabalhadores, mas de um especial que guardava para seu gasto. Nos dias de folga atirava-se para o Passeio Público
depois do jantar ou ia ao teatro São Pedro de Alcântara assistir aos espetáculos da tarde; do “Jornal do Comércio”,
P
que era o único que ele assinava havia já três anos e tanto, passou a receber mais dois outros e a tomar fascículos de
romances franceses traduzidos, que o ambicioso lia de cabo a rabo, com uma paciência de santo, na doce convicção de
que se instruía. O cortiço, capítulo XIII
IA

ROTEIRO DE IVAN JAF (PARA OS QUADRINHOS CENTRAIS DA PÁGINA 47)


U

Quatro quadros. Uma legenda só.


João bem vestido, aprendendo a dançar.
G

João comendo numa mesa da venda, com guardanapo, toalha, copos finos e vinho
de rótulo.
João saindo do teatro São Pedro.
Um chuveiro, aspecto de novo, ao lado da privada velha e suja.
Legenda: DEPOIS QUE MIRANDA VIROU BARÃO, ELE RESOLVEU CIVILIZAR-SE.

DESENHOS FINALIZADOS DE RODRIGO ROSA:

86
Note que Rodrigo Rosa não seguiu à risca as orientações um contando com o outro na busca do melhor resultado.
do roteiro: preferiu fazer só três quadros, em vez de quatro, Veja um exemplo de como o roteirista também pode inter-
para valorizar o humor nas cenas. As intervenções de um no ferir no trabalho do desenhista nesta cena da página 52, em
trabalho do outro são muito frequentes na produção de um que Jerônimo encontra Rita depois de dar cabo de Firmo.
romance gráfico. Por isso, a parceria tem de ser bem afinada, Rodrigo Rosa assim havia feito o esboço do desenho:

D
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Ivan Jaf comentou: “Rodrigo, a navalha podia cair meio lizando canetas ou pincéis com tinta nanquim. Por fim, é
aberta na mesa. Como está, parece um cachorro-quente”. a vez das cores, que podem ser feitas utilizando-se várias
E Rodrigo Rosa aceitou a sugestão, na boa. Pode con- técnicas, como a colorização por computador, usada nes-
ferir no desenho definitivo: a navalha não pode ser con- ta adaptação.
U

fundida com um sanduíche. Já que falamos em esboço de No momento em que o desenhista vai finalizar os qua-
desenho, é hora de comentar como se dá o processo de dros, com canetas ou pincéis, é comum ele fazer uma ou
ilustração. São três etapas. A primeira é a fase do dese- outra alteração. Veja que Rodrigo Rosa alterou substancial-
nho a lápis, na qual o artista faz e refaz as linhas básicas mente o terceiro quadro: inseriu Machado de Assis na cena
G

dos quadros, cenários e personagens. A segunda etapa é a e, por causa da descrição do Botelho na legenda, mudou o
arte-final, em que o desenhista finaliza os desenhos, uti- jeito de o personagem sentar.

87
Veja este outro exemplo, no episódio da briga entre bra- navalha no terceiro quadrinho. Rodrigo deu um jeito de
sileiros e portugueses no cortiço de João Romão. A passa- suavizar a cena, substituindo o golpe por um outro, bastan-
gem estava excessivamente violenta, por causa do golpe de te inusitado. Certamente nem a vítima esperava por essa.

D
L
N
P
IA
U
G

A história de O cortiço comove pelo destino de alguns de


seus personagens, principalmente o fim trágico de Bertole-
za. Mas é inegável que o humor presente em algumas cenas
o torna uma narrativa bastante divertida também. Ao lado,
vemos uma capa que Rodrigo Rosa havia feito, de acordo
com o estilo das publicações da época, imaginando como
seria este romance gráfico se fosse publicado no tempo em
que ocorre a história. Aproveitamos para imaginar qual
seria a reação de um de seus personagens ao ver as cenas
engraçadas de O cortiço.

88
G
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IA
P
N
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No cortiço de João Romão tem de tudo: golpes de capoeira
na disputa por uma mulher e tabefes e puxões de cabelo
na briga por um homem, marido traído que perdoa o
deslize, menina-anjo que se perde na vida, trabalhador BÔNUS
esforçado que vira vagabundo, esmoleiro esganado que Tudo sobre
o clássico e
esconde uma fortuna no colchão, lavadeira que de tanta

D
making-of da
desgraça fica louca... Tem também o próprio dono do adaptação para
cortiço, um grande canalha que só quer se dar bem. E tem os quadrinhos

L
ainda outras histórias, de apertar o coração ou de soltar o
riso. Olhos grudados nas páginas: as emoções fervilham
nesta primorosa recriação, fiel e à altura da monumental
N
obra de Aluísio Azevedo.
P
IA
U

Rodrigo Rosa, talento dos


G

quadrinhos premiado no Brasil


e no exterior, ilustrou inúmeros
livros infantojuvenis e colaborou Ivan Jaf, autor de mais de 60 livros,
em alguns dos principais jornais várias peças teatrais e roteiros
e revistas do país. para o cinema, cria roteiros
para HQs há mais de 20 anos
e é especialista na adaptação
de clássicos literários.

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