Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A repetição e a transferência
na teoria e na clínica psicanalíticas
Arlindo Carlos Pimenta
Resumo
O autor faz um estudo da repetição tanto em Freud quanto em Lacan, desenvolvendo os cami-
nhos relativamente paralelos na obra desses autores. Ressalta em Freud o trajeto da recordação
(reproduzir) à repetição (agir) e, em Lacan, do simbólico ao real. A virada freudiana com o Além
do princípio do prazer (1920) corresponderia à viragem lacaniana de 1964 (Seminário 11) e seus
desenvolvimentos posteriores (do fenômeno à estrutura).
Figura 1
AFigura
Repetição Duplamente
1 - A repetição Vinculada
duplamente vinculada
FiguraRecalque originário
2 - Recalque originário
↓
$◊a
Morte (Freud)
A na
A identidade repetição e a transferência
era teológica e na eranalinguística
teoria e na clínica psicanalíticas
1. Na teológica:
Sendonopura
A=A=A, estamos diferença,
princípio como(A=A),
da identidade se dáque
essa O Um
é garantido pelo Outro.da exceção é o traço distintivo
unidade?
Em Descartes do sujeito
por exemplo: a identidade ser e pensamento é garantida e
por Deus. o representa para outros sig-
Essa
2. Na era linguística: unidade não tem por função nificantes (S 2
).
a dependendo
A ≠ A, unificação, por que
da posição exemplo, fazersignificante.
ocupa na cadeia Um O S1 no campo do gozo é o corres-
ou coletivizar, ou seja, fazer conjunto. pondente
Então, como já foi dito, o significante se define por ser pura diferença, tendo a
ao traço unário no campo da
Trata-se da unidade em questão como
propriedade de não ser idêntico a si mesmo.
linguagem e comemora a irrupção do
distinção. gozo, ou seja, um equivalente à marca
Sendo pura diferença, como se dá essa unidade?
Vemos, então, a Unidade com duas primeira da satisfação. Portanto, o que
Essa unidade não tem por função a unificação, por exemplo, fazer Um ou coletivizar, ou
funções: uma de unificação e outra de marca a irrupção do gozo é a primeira
seja, fazer conjunto. Trata-se da unidade em questão como distinção.
distinção (Quinet, 2000). inscrição.
Vemos, então, a Unidade com duas
Em Freud tomamos como exemplo o funções: uma de unificação eO outra
S1 deé odistinção
significante mestre, orien-
(QUINET, 2000).
segundo tipo de identificação – a tosse de tador da cadeia significante. Ele se inclui
Doratomamos
Em Freud – conhecido comosegundo
como exemplo o traço tipounário na cadeia,
de identificação – a tosse masde Doratem– também uma posição
(Einsig
conhecido como o traço Zug ). (Einsig Zug ).
unário externa. Isso mostra que temos um S1 na
posição única mas implicando sua plura-
I (A) S1S1 lização (enxame).
S1S1 Sempre buscamos a repetição da
primeira experiência de satisfação e fra-
Lacanesse
Lacan generaliza generaliza
conceito e o esse conceito
torna muito e o e abrangente
mais amplo cassamos em ,alcançá-la.
(QUINET 2000).
É a identificação ao traço, que constitui a base do Ideal do eu. E que pelo efeito do
torna muito mais amplo e abrangente A repetição de S1, esse traço da expe-
(Qfaz
imaginarização uinet com, 2000).
que eu meÉsinta
a identificação
igual ao Outro ao (soutraço, riência
igual meu pai, minha demãe) satisfação,
etc. já não é o S1, mas o
É na que constitui
realidade um traço a base do Ideal
de distinção doimaginariza.
que se eu. E queO sujeito S2. Enãoquando
percebe quevaiestá
se repetir, a repetição é a
pelo efeito de imaginarização faz com que repetição
se identificando com um traço de distinção, que acaba dando a impressão de unificação. 1 do S ➝ S2. A repetição, então
eu me sinta igual ao Outro (sou igual meu é uma repetição de gozo.
Há aí um paradoxo sobre esse traço da diferença, ou seja, se vários sujeitos se identificam
pai, minha mãe) etc. Repetimos a irrupção daquele gozo,
a um mesmo traço de caráter distintivo, isso pode se tornar um traço de igualdade e unificação
É na realidade um traço de distinção mas ao mesmo tempo não o atingimos. A
(grupos de Black de adolescentes, por exemplo). Temos, então, traço de reunião ≠ traço de
que se imaginariza. O sujeito não percebe repetição constitui a própria rede de sig-
distinção.
que está se identificando com um traço de nificantes, que faz parte do inconsciente.
Para distingui-los Lacan encontrará no Seminário 9, duas palavras em alemão: Einheit e
distinção, que acaba dando a impressão É essa repetição que se organiza como o
Einsigkeit. de unificação. saber inconsciente (S2).
Einheit - SHá
1 : aí um paradoxo sobre esse traço
Unidade, lei, norma, regra universal / discurso do mestre. Partindo da repetição, o que é
da diferença,
Einsigkeit - S 1 - ou seja, se vários sujeitos
Unicidade, traço distintivo, exceção. o mais-de-gozar? Há um gozo nessa
se identificam
Passamos, então, das virtudesa umdamesmo
norma para traço de ca-
as virtudes busca,
da exceção (QUINET em que o sujeito está sempre
, 2000).
O Um ráter distintivo,
da exceção é o traçoisso podedosesujeito
distintivo tornar um
e o representa procurando repetir aquela experiência
para outros significantes
(S2). traço de igualdade e unificação (grupos primeira, e o S 1 comemora um gozo
de Black de adolescentes, por exemplo). fracassado.
Temos, então, traço de reunião ≠ traço E é a energia perdida, que cai dessa
de distinção. repetição que constitui o objeto a.
Para distingui-los Lacan encontrará O objeto a vem nomear o gozo fra-
no Seminário 9, duas palavras em alemão: cassado.
Einheit e Einsigkeit. Em francês o termo rattage como
Einheit - S1: Unidade, lei, norma, regra Lacan usa não é propriamente fra-
universal / discurso do mestre. cassado, mas não atingido (Q uinet ,
Einsigkeit - S1 - Unicidade, traço dis- 2000).
tintivo, exceção. Então o objeto a é isso que cai, que
Passamos, então, das virtudes da nor- fracassa, quando não se atinge a meta.
ma para as virtudes da exceção (Quinet, Algo de gozo que excede e ao mesmo
2000). tempo não é contabilizado.
68 Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 80 • p. 63 – 72 • dez. 2020
Arlindo Carlos Pimenta