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a
Universidade do Estado do Rio de janeiro, Brasil; bUniversidade do Minho, Portugal.
e-mail: ana.pereira@uerj.br, jvieira@civil.uminho.pt
Resumo
No presente artigo, apresenta-se uma análise comparativa do enquadramento regulatório de reúso de água
do Brasil e de Portugal, inserido nos seus cenários de gestão de saneamento ambiental e recursos hídricos.
Verifica-se que os índices de atendimento em serviços de água e esgotos são bastante distintos nos dois
países, sendo semelhantes, no entanto, as respetivas taxas de reúso de água em relação ao esgoto total
tratado (1,5% no Brasil e 1,2% em Portugal). A água de reuso vem se tornando uma importante fonte
alternativa de aumento da disponibilidade hídrica para o desenvolvimento sustentável. Apesar dos aspectos
de regulamentação de ambos os países apresentarem instrumentos de gestão similares, o Brasil tende a ser
mais flexível em relação aos padrões de indicadores de contaminação fecal para o reúso de água para
irrigação/rega de ambientes urbanos, combate a incêndio e lavagem de ruas. No caso de reúso para
irrigação/rega de ambientes agrícolas e descarga de vaso sanitário, os padrões legais são igualmente
restritivos. Padrões para usos na construção civil e na desobstrução de galerias de águas residuais somente
constam no documento regulador brasileiro.
Palavras-chave: Contaminação fecal; Enquadramento legal; Rega / irrigação; Reúso agrícola; Reúso urbano.
Abstract
In this research work, a comparative analysis of the legal framework for water reuse in Brazil and Portugal
within their scenarios of sanitation and water resources management is presented. It appears that the coverage
in drinking water and sanitation services is quite different between the two countries. However, the respective
rates of reuse of effluents in relation to the total wastewater treated are similar (1.5% in Brazil and 1.2% in
Portugal). Water reuse has become an important alternative source of increasing water availability for
sustainable development. Despite the legal aspects of both countries presenting similar management
instruments, Brazil tends to be more flexible in relation to the standards of fecal contamination indicators for
the reuse of water for irrigation of urban environments, firefighting, and street washing. In the case of reuse
for irrigation of agricultural environments and flushing the toilet, legal standards are equally restrictive.
Standards for use in civil construction and clearing wastewater galleries are only included in the Brazilian
regulatory document.
Keywords: Fecal contamination; Legal framework; Irrigation; Agricultural reuse; Urban reuse.
Em relação à cobertura em serviços de água, estimando-se que este número suba para
abastecimento de água no ano de 2018, apesar de 73,7 milhões de pessoas no horizonte de 2035
o índice em relação à população urbana ser (ANA, 2019).
relativamente alto, o mesmo distribuía-se de forma No caso da coleta de esgoto, o estado do
diversa ao longo dos vários estados: abaixo de Amapá apresenta-se em pior situação, juntamente
40% para o Amapá; abaixo de 60% para o Pará; com Rondônia e Pará, com índices de atendimento
abaixo de 80% para Acre, Rondônia, Maranhão, inferiores a 10%. Os demais estados apresentam
Ceará e Alagoas; e abaixo de 90% para Amazonas índices entre 10% e 70%, exceto, Paraná, São
(Figura 1) (BRASIL, 2019). Realça-se que, em Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal, com índices
2017, 60,9 milhões de brasileiros viviam em acima de 70% (Figura 2) (BRASIL, 2019). Essa
cidades com menor garantia de abastecimento de realidade faz com que a maioria dos leitos em
hospitais públicos do país sejam ocupados por baixo índice de atendimento observado é
doenças relacionadas com o saneamento distribuído em 2.768 unidades em operação (2.657
ambiental inadequado (DRSAI) (FERREIRA et al., com informações sobre desempenho) em 1.598
2016; HELLER; COLOSIMO e ANTUNES, 2003). cidades, com população atendida estimada em
No que respeita ao tratamento de esgotos, o 71,7 milhões de habitantes (ANA, 2017).
E para agravar a situação, ANA (2017) indica fonte alternativa para garantia da segurança
que do total de 2.657 estações de tratamento de hídrica em regiões com demanda superior à
esgotos (ETE) com informações sobre disponibilidade hídrica ou com a intensificação dos
desempenho, 53,7% alcançam eficiência de eventos de seca (MUKHERJEE e JENSEN, 2020;
remoção de matéria orgânica entre 60% e 80% e RICART e RICO, 2019).
somente 970 unidades (36,5%) são capazes de Em 2018, foram registrados no Brasil 2.516
alcançar eficiências de remoção de matéria eventos de seca, afetando 43 milhões de pessoas,
orgânica acima de 80%. As demais, que dentre as quais 90% se encontram na região
representam quase 10% das unidades em Nordeste (ANA, 2019). Nesta situação, muitos
operação, alcançam somente 60% de eficiência de municípios recorrem ao abastecimento
remoção de matéria orgânica. Ainda, segundo emergencial por carros-pipa, após haverem
BRASIL (2019), 1.531 municípios (30%), nem esgotado soluções alternativas, nomeadamente
sequer apresentam sistema de esgotamento perfuração emergencial de poços. No ano de 2018,
sanitário e somente 10% da totalidade de 718 municípios (2,41 milhões de habitantes) foram
municípios brasileiros tratam acima de 80% os atendidos pela “Operação Carro-Pipa” do governo
seus esgotos gerados. federal, com um custo total de 680 milhões de reais
Considerando este cenário de afastamento da (ANA, 2019).
meta da universalização do esgotamento sanitário A perda de água nos sistemas de
no Brasil, Araújo et al. (2019) evidenciam a abastecimento público constitui um dos temas
necessidade de a atingir, não somente no sentido mais relevantes face aos cenários de escassez
de minimizar a poluição dos meios hídricos e hídrica nos países em desenvolvimento, aliado aos
proteger a saúde pública, mas também em altos custos de energia elétrica (BRASIL, 2019;
proporcionar efluentes tratados para a prática de MUTIKANGA; SHARMA e VAIRAVAMOORTHY,
reúso. É importante referir que esta prática vem-se 2009; OVIEDO-OCAÑA et al., 2020; LOUREIRO et
destacando atualmente como uma importante al., 2016).
De acordo com ERSAR (2019), o elevado universalização daqueles serviços, dotando o país
índice de atendimento com abastecimento de água das infraestruturas indispensáveis para a
em Portugal considera 5.896 captações de água prestação destes serviços com qualidade.
subterrânea e 295 captações de água superficial. É importante destacar que os altos índices de
Entretanto, 68,18% da água aduzida aos atendimento em relação ao abastecimento
consumidores são provenientes de captações doméstico em Portugal, para além da
superficiais. Em relação ao número de unidades de infraestrutura e da gestão eficiente, são garantidos
tratamento de água, o país conta com 3.601 pela disponibilidade média de água, considerada
instalações em operação, das quais 269 são suficiente para as necessidades dos diferentes
estações de tratamento de água completas e 3.332 usos (ERSAR, 2019). No entanto, há uma elevada
são simplificadas, considerando principalmente a assimetria regional e temporal da disponibilidade
desinfecção. de água, tendo como consequência, a
Actualmente, praticamente a totalidade da necessidade de criar reservas que permitam
população portuguesa é abastecida por sistemas ultrapassar os períodos de escassez (SANTOS et
de redes de distribuição pública. A sua grande al., 2019).
maioria é constituída por sistemas de pequena Assim, de forma a minimizar a pressão sobre
dimensão (93%), que representam apenas 19% do as massas de água no país, a implantação de
total da população servida (Figura 3). sistemas de produção de água para reutilização
Em termos de qualidade da água verifica-se assume uma importância cada vez maior.
que em 2018, tal como nos anos anteriores, foi Segundo ERSAR (2019), em Portugal continental,
atingido praticamente o pleno (99,97%) em termos são poucos os sistemas que produzem água para
da percentagem de análises realizadas. reutilização, mas já representam 8,5 X 106 m3/ano
Relativamente ao cumprimento dos valores (cerca de 1,2% do total da água residual tratada).
paramétricos, verifica-se que a percentagem de Desse volume produzido de água para
água controlada e de boa qualidade é de 99,0%. reutilização, 12% é exportado e 88% é destinada a
Na Figura 4 apresenta-se a evolução, desde 1993, uso próprio da EG.
do controlo de qualidade da água de consumo Assim como no Brasil, o reúso de água faz
humano em Portugal (VIEIRA, 2018). parte do planeamento de recursos hídricos em
Em relação aos serviços de saneamento de Portugal. No PENSAAR 2020 (Plano Estratégico
águas residuais, Portugal continental conta com Nacional para o Setor de Abastecimento de Água
4.370 instalações de tratamento, das quais 2.759 e Saneamento de Águas Residuais), instrumento
(63%) correspondem a estações de tratamento de estratégico para o setor das águas em Portugal,
águas residuais (ETAR) e 1.611 (37%) a fossas para o período de 2014 a 2020, foram definidos
sépticas coletivas (ERSAR, 2019). O índice de cinco objetivos estratégicos (também designados
coleta é muito próximo do índice de tratamento de por eixos) e 19 objetivos operacionais (OP). Assim,
águas residuais. Neste caso, observa-se que, para o reúso de água é abordado de maneira direta no
a grande maioria da população atendida, é Eixo 3 – Otimização e Gestão Eficiente dos
adotado o sistema completo de saneamento, Recursos, em seu OP 3.5 (valorização de reúso e
desde a coleta nas edificações até ao lançamento subprodutos); e de maneira indireta no Eixo 5 –
adequado no meio hídrico receptor. Condições Básicas e Transversais, em seu OP 5.4
Nas últimas duas décadas, os serviços de (alterações climáticas, desastres naturais, riscos,
abastecimento de água e de saneamento de águas mitigação e adaptação). Na medida M.3.5.1 da OP
residuais em Portugal tem registado significativas 3.5, destacam-se ações de intervenção com vista
evoluções, tanto em modelos de gestão como em ao aumento da utilização da água residual tratada,
metodologias de controlo de qualidade que, com viabilidade do ponto de vista técnico-
beneficiando de instrumentos de planeamento econômico e ambiental. Nesse sentido, a utilização
associados a planos de investimento, atingiram de águas residuais tratadas para fins múltiplos é
excelentes indicadores de atendimento e de presentemente encarada como um eixo central da
qualidade. A implementação dos Planos gestão sustentável dos recursos hídricos, não
Estratégicos de Abastecimento de Água e de havendo, no entanto, uma prática generalizada de
Saneamento de Águas Residuais, os PEAASAR I aproveitamento das águas residuais urbanas em
(2000-2006) e PEAASAR II (2007-2013), permitiu Portugal, mesmo em contextos regionais de maior
uma evolução na concretização de objectivos de escassez hídrica (ERSAR, 2019).
3.500 3,5
3029 2,992
3.000 3,0
2.500 2,5
1,952
1,839 1,859 2,0
2.000
1.500 1,5
1,018
1.000 1,0
592
500 0,347 0,5
180
61 26 10
0 0,0
0 – 500 501–5.000 5.001–20.000 20.001–50.000 50.001–100.000 ≥ 100.000
De acordo com o ERSAR (2019), a utilização outro lado, é importante estabelecer um balanço
de águas residuais tratadas deve basear-se, por entre os riscos associados à prática de reúso com
um lado, no conhecimento científico e tecnológico regulamentação adequada e ações de combate à
do tratamento e, por outro, num adequado reação de aversão ou de repulsa que influencia
enquadramento institucional e de regulamentação. diretamente a aceitabilidade de produtos
Segundo Ricart e Rico (2019), a Organização das relacionados com a água de reúso.
Nações Unidas, através da sua Agenda 2030 para
o Desenvolvimento Sustentável, vem incentivando 1.3 Enquadramento de eventos excepcionais e
a adoção de tecnologias de dessalinização e de alterações climáticas
reutilização de águas em todo o mundo, como um
instrumento essencial para o alcance dos A ocorrência cada vez mais frequente de
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Por eventos extremos (secas e inundações) e os
segura e adaptada a cada uso concreto e por isso respectivas tipologias de reúso. Ainda cabe
suportada numa análise de custo-eficácia destacar que a análise foi realizada em relação à
equilibrada e competitiva (APA, 2019). Esse rega/irrigação e aos usos urbanos, por se
quadro regulatório de Portugal, comtempla as apresentarem comuns a ambos os países. O uso
seguintes opções de reúso: rega, urbano e industrial, apesar de comum a ambos, apresenta
industrial. abordagens distinta: no caso de Portugal, aborda-
Diante dos distintos padrões de qualidade de se o contato humano com a água em ambiente
água que envolvem as diferentes tipologias de industrial; no caso do Brasil, a tipologia envolve, de
reúso nos respectivos documentos estudados, fato, os usos industriais.
optou-se por ressaltar no presente trabalho,
somente os padrões de contaminação fecal por 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
estarem diretamente relacionados à principal
questão envolvida com a prática de reúso: saúde Inicialmente, estão apresentados de maneira
pública. O documento brasileiro refere-se à resumida, os principais padrões de qualidade de
contaminação fecal a partir do parâmetro água para as diferentes tipologias de reuso,
“Coliformes termotolerantes” e o documento adotados nos documentos reguladores de ambos
português, a partir do parâmetro “Escherichia coli”. os países. A Tabela 3 refere-se aos padrões
Assim, em função dessa tênue diferença, a adotados no Brasil, para todas as tipologias de
comparação foi feita de maneira indireta, de modo reúso envolvidas em seu documento regulador.
a não confrontar diretamente os valores Para os padrões portugueses, nas Tabelas 4, 5 e
estabelecidos pelos documentos. 6 podem ser observados, os principais padrões de
O fluxograma referente à metodologia qualidade de água para as tipologias de reúso
adotada para a análise dos dados pode ser definidas como rega, urbano e industrial,
observado na Figura 5, considerando os respectivamente.
documentos reguladores dos dois países e suas
Figura 5: Fluxograma da metodologia adotada para a análise dos documentos reguladores para a
reutilização de águas no Brasil e em Portugal
Brasil Portugal
Foram analisados e comparados os padrões de contaminação fecal (Coliformes termotolerantes para o Brasil e Escherichia coli para
Portugal) por estarem diretamente relacionados à principal questão envolvida com a prática: saúde pública
Ovos(1)
E. Coli Turvação CBO SST
Classe de qualidade de rega Helmintos
UFC/100 mL un/L UTN mg/L mg/L
Classe A. Sem restrição de acesso (usos
urbanos e agrícolas): culturas
consumidas em cru em que a parte
10 - 5 10 10
consumível está em direto contato com a
água; jardins públicos sem restrição de
acesso; jardins privados.
Classe B. Com restrição de acesso (usos
urbanos e agrícolas): culturas consumidas
em cru, que crescem acima do solo, e em
que a parte consumível não está em direto
contato com a água; culturas agrícolas
destinadas a processamento e de culturas
100 - - 25 35
agrícolas não destinadas ao consumo
humano, incluindo culturas destinadas ao
consumo animal (produção de leite ou
carne), exceto suínos; jardins com
restrição de acesso, incluindo áreas de
lazer e desportivas.
Classe C. Com restrição de acesso (usos
agrícolas): culturas consumidas em cru,
que crescem acima do solo, e em que a
parte consumível não está em direto
contato com a água; culturas agrícolas
1000 1 - 25 35
destinadas a processamento e culturas
agrícolas não destinadas ao consumo
humano, incluindo culturas destinadas ao
consumo animal (produção de leite ou
carne), exceto suínos.
Classe D. Com restrição de acesso (usos
agrícolas): produção de sementes,
10.000 1 - 25 35
incluindo sementes para uso industrial ou
produção de energia.
Classe E (2). Com restrição de acesso
(usos agrícolas): produção de sementes; 10.000 - - 40 60
rega de áreas de uso naturalmente restrito.
Fonte: Portugal (2019).
Legenda: CBO (Carência Bioquímica de Oxigênio); SST (sólidos em suspensão totais).
Notas: (1) aplicável na rega de culturas agrícolas destinadas ao consumo animal; (2) Aplicável somente a sistemas descentralizados (que
fazem reutilização para uso próprio).
Obs.: Os parâmetros Azoto Amoniacal (10mg/L), Azoto Total (15mg/L) e Fósforo Total (5mg/L) são facultativos podendo ser aplicáveis
para minimização dos riscos de formação de biofilme e obstrução dos sistemas de rega; para proteção das culturas agrícolas, florestais
e dos solos, há norma de qualidade referente aos metais Al, Be, Co, Fe, Li, Mn, Mo, Se, Va, Bo, além de fluoretos, SAR (razão de
adsorção de sódio) e salinidade.
Azoto
Tipo de uso E. Coli pH Turvação CBO Ptotal
amoniacal
urbano
UFC/100 mL - UTN mg/L mgNH4/L mg/L
Recreativo e
enquadramento 10 6,0 a 9,0 5 25 5 2 (3)
paisagístico
Lavagem de
- 6,0 a 9,0 - 25 - -
ruas (5)
Água de controle
10 6,0 a 9,0 5 25 - -
a incêndios (1)
Água de
200 6,5 a 8,5 (2) - 25 5 (6) -
arrefecimento
Autoclismos (1) 10 6,0 a 9,0 5 25 10 -
Lavagem de
10 6,0 a 9,0 5 - - -
veículos (4) (5)
Fonte: Portugal (2019).
Legenda: CBO (Carência Bioquímica de Oxigênio); Azoto (nitrogênio); P (fósforo)
Notas: (1) características similares à “Rega Classe A” em função da consideração de máxima importância da possibilidade de
ingestão (não intencional); (2) possibilidade de crescimento microbiano com valores superiores ou inferiores ao intervalo proposto;
(3)
quando utilizado em locais sujeitos a eutrofização; (4) poderão ser controlados alguns metais e compostos iónicos tais como ferro,
manganês, cloretos, sulfatos, alcalinidade e sílica para minimização da ocorrência de calcificação ou corrosão; (5) Características
similares à “Rega Classe A” em função da consideração de máxima importância da possibilidade de ingestão (não intencional) em
sistemas de lavagem manual a alta pressão; (6) deve ser ≤ 1,0mg/L em presença de cobre.
Obs.: No caso do uso destinado ao “suporte de ecossistemas”, devem-se determinar caso a caso os parâmetros CBO, pH, turvação,
azoto amoniacal e fósforo total, em função do estado ecológico e respectivos parâmetros de suporte; o parâmetro E. Coli não se
aplica neste caso.
Turvação E. Coli
Classe de qualidade
UTN UFC/100mL
Em circuitos com risco direto de
5 10
ingestão (incluindo ingestão acidental)
Em circuitos com risco de contato
5 1000
dérmico
Fonte: Portugal (2019).
Brasil Portugal
Coliformes
Classe de rega/irrigação E. Coli
termotolerantes
NMP/100mL UFC/100mL
Brasil (Agrícola irrestrito) e Portugal (Classe A)
• Sem restrição de acesso;
• Culturas consumidas cruas com a parte comestível 10 10
em contato direto com a água ou com crescimento
Agrícola
rente ao solo;
Brasil (Agrícola restrito) e Portugal (Classe C)
• Com restrição de acesso;
• Culturas consumidas cruas com crescimento acima 103 103
do solo onde a parte comestível não está em
contato direto com a água;
Brasil (Urbano restrito) e Portugal (Classe B)
• Com restrição de acesso;
103 102
• Rega de jardins, incluindo áreas de lazer e
Urbano
desportivas.
Brasil (Urbano irrestrito) e Portugal (Classe A)
• Sem restrição de acesso; 102 10
• Jardins paisagísticos públicos e privados
Fonte: INTERÁGUAS (2018); Portugal (2019).
Apesar de não ser possível a comparação 10% das ETEs em operação no Brasil se
direta entre os padrões de contaminação fecal dos enquadram no nível primário com eficiência de
dois países, observa-se que o documento remoção de matéria orgânica de até 60%; nos
brasileiro é ligeiramente mais flexível do que o de níveis primário avançado e secundário, se
Portugal. Esse fato pode constituir um incentivo enquadram 53,7% com eficiência de remoção de
para uma utilização generalizada de água de reúso matéria orgânica entre 60% e 80%; e 36,5% no
na irrigação no Brasil. A experiência adquirida nível secundário com eficiências de remoção de
pode, no futuro, proporcionar uma evolução no matéria orgânica acima de 80%. Dessa última
sentido de uma maior exigência de qualidade da categoria, somente 7% apresentam algum tipo de
água de reuso e, consequentemente, nos padrões desinfecção.
estabelecidos. Diferentes qualidades de efluente Para a produção de água de reúso para
são alcançadas em função do nível de tratamento irrigação, Tsagarakis et al. (2013) afirmam, de
adotado (primário, secundário e terciário). maneira simplificada, que: o tratamento primário
Conforme já mencionado, segundo ANA (2017), remove 30-40% de matéria orgânica e
Tabela 8: Padrões de contaminação fecal para o reúso de água para ambientes urbanos no
Brasil e em Portugal
Brasil Portugal
Coliformes
Classe de rega/irrigação E. Coli
termotolerantes
NMP/100mL UFC/100mL
Recreativo e enquadramento paisagístico - 10
Lavagem de ruas 10 - (1)
Combate a incêndio 103 10
Descarga (autoclismo) de vaso sanitário 10 10
Lavagem de veículos 103 10
Arrefecimento - 200
Desobstrução de galerias de esgotos e águas pluviais 10 -
Construção civil 10 -
Lagoas urbanas, manutenção de wetlands e aumento da
103 -
disponibilidade hídrica para fins ambientais
Fonte: INTERÁGUAS (2018); Portugal (2019).
Nota: (1) O documento regulador português assume a lavagem de ruas como um uso possível para água de reúso. No entanto, não
define padrão para indicadores de contaminação fecal.
Os usos para lavagem de veículos e para podem assumir-se objetivos comuns nos dois
combate a incêndio apresentam abordagens documentos reguladores para estes usos, com a
distintas entre os dois países. Em Portugal, o risco imposição de indicadores microbiológicos. Em
associado à prática dessas duas tipologias de decorrência de o documento regulador português
reúso urbano é considerado elevado e o seu abranger nesse uso a possibilidade de recreação,
documento regulador determina um padrão para E. o seu padrão de contaminação fecal é mais
Coli de até 10 UFC/100mL. Já no caso do Brasil, restritivo (10 UFC/100mL para E. Coli) do que o
os mesmos usos são considerados de menor risco brasileiro (103 NMP/100mL para coliforme
dentre os demais, estabelecendo-se um valor para termotolerantes).
coliformes termotolerantes de até 1000
NMP/100mL. Kotouc e Krocova (2020) indicam 4. CONCLUSÃO
que o problema relacionado com estes usos está
associado ao acúmulo dessas águas a longo No presente trabalho foi realizada uma
prazo, ao fenômeno de conexão cruzada, e à análise comparativa entre os aspectos reguladores
elevada probabilidade de contato da população relacionados com o reúso de água no Brasil e em
com a água de reúso, levando ao maior risco de Portugal, diante dos cenários de gestão de
contaminação. recursos hídricos e de saneamento ambiental dos
No caso da lavagem de ruas, o documento dois países. Nesses cenários, como seria de
regulador do Brasil demonstra grande esperar, foram observadas significativas
preocupação com o risco de contaminação, pois diferenças entre Brasil e Portugal, considerando os
define um critério demasiado restritivo (Coliformes índices de atendimento em relação ao
termotolerantes < 10 NMP/100 mL). Essa prática abastecimento de água e ao esgotamento
assume grande importância para limpeza de sanitário, além da disponibilidade hídrica. Apesar
ambientes externos após feiras livres e eventos das diferenças, as taxas de reúso de água em
populares no Brasil. Segundo Silva Jr. et al. (2019), relação ao esgoto total tratado são similares no
a maioria das prestadoras de serviços de água e Brasil (1,5%) e em Portugal (1,2%). Pese embora
esgoto na região Sudeste do país que adotam a o índice de tratamento de esgotos no Brasil (46%)
prática de reúso, a fazem para fins de limpeza de ser inferior ao de Portugal (85%), o volume anual
ruas. Por outro lado, o documento regulador de água de reúso no Brasil (63 X 106 m3/ano) é, em
português apresenta padrões para este uso, valores absolutos, substancialmente superior ao
porém não estabelece valores para indicadores de de Portugal (8,5 X 106 m3/ano), que decorre da
contaminação fecal. óbvia observação das respetivas magnitudes
Para ambos os documentos reguladores populacionais.
analisados, a descarga de vaso sanitário O documento regulador do Brasil não tem
representa risco elevado. No âmbito do uso caráter de lei e, portanto, não é mandatório. No
doméstico, o vaso sanitário é o maior consumidor entanto, apresenta padrões para o reúso agrícola,
de água, representando aproximadamente 40% do urbano, ambiental, industrial e aquícola, além de
consumo total (SOUZA et al. 2016). Em geral, a diretrizes para a sua aplicação, considerando
água de reúso destinada a esta utilização é um tipo ainda: i) indicação de tecnologias de tratamento de
de uso urbano não potável descentralizado, onde esgotos para alcance da qualidade desejada; ii)
muitas vezes se adota a água cinza tratada in loco aspectos de licenciamento; e iii) seguro contra
(GONÇALVES; SIMÕES e WANKE, 2010; incidentes.
LAZAROVA; HILLS e BIRKS, 2003). Porém, Em Portugal, o documento regulador, por se
Lazarova; Hills e Birks (2003) indicam sistemas à tratar de um documento com força legal,
escala municipal em operação no Japão e nos apresenta-se bem estruturado e é acompanhado
Estados Unidos da América em que os padrões por um guia de reutilização publicado pela APA,
microbiológicos apresentam elevada variação. com o objetivo de institucionalizar a prática e todos
Embora não haja uma correspondência direta os seus instrumentos. A ferramenta de gestão de
entre os padrões previstos em Portugal para os risco apresenta-se, de forma destacada, no
usos recreativos e enquadramento paisagístico, e enquadramento legal de Portugal, além dos
no Brasil, para os usos em lagoas urbanas, mecanismos para o processo de licenciamento, o
manutenção de wetlands e aumento da seguro contra incidentes e a obrigatoriedade de
disponibilidade hídrica para fins ambientais, depósito de caução para pagamento de
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