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Emmanuelle Arsan
Emmanuele
256 pág.
EmmanuelleArsan
Emmanuelle
CÍRCULO DE LEITORES
Título original:
EMMANUELLE
Capa: JOSÉ ANTUNES
Ilustração:
Sylvia Kristel intérprete da versão cinematográfica dirigida por Just Jaeckin em
1973
Ainda não estamos no mundo Pois o mundo não existe ainda As coisas ainda não
estão feitas Não se descobriu a razão de ser.
ANTONIN ARTAUD
N° de edição: 2972
Depósito legal número 48 642/91
ISBN 972-42-0344-1
PRIMEIRO CAPÍTULO
O «UNICÓRNIO VOADOR»
Vénus tem mil maneiras de se divertir mas a mais simples, a menos cansativa, é
ficar semi-inclinada sobre o lado direito.
OVÍDIO, «A Arte de Amar»
para a direita e para a esquerda, emitindo uma série de gemidos abafados, sons
semelhantes a uma prece. Os olhos entreabriram-se e procuraram o rosto do
homem. Denotavam um brilho de lágrimas.
Então, a mão imobilizou-se, conservando agarrada toda a parte do corpo de
Emmanuelle, que tinha inflamado. O homem inclinou-se um pouco sobre a
passageira e, com a outra mão, tomou uma das dela, que puxou para si,
metendo-a no interior das calças. Ajudou-a a cerrar-se sobre a verga rígida e
guiou-lhe os movimentos, regulando a amplitude e a cadência a seu bel-prazer,
moderando-os ou acelerando-os segundo o grau da sua excitação, até que teve a
certeza de poder entregar-se à intuição e à habilidade de Emmanuelle, deixando-a
terminar a seu modo a manipulação à qual ela havia dedicado inicialmente um
espírito absorto e uma certa docilidade infantil, mas que, a pouco e pouco,
aperfeiçoou com inesperada solicitude.
Emmanuelle tinha ressaltado o busto, de forma a que o braço cumprisse melhor
a tarefa e o homem, por seu turno, aproximou-se para que ela pudesse receber os
salpicos do esperma, que sentia brotar do fundo das suas glândulas. Contudo e
ainda durante bastante tempo, foi capaz de controlar-se, enquanto os dedos
fechados de Emmanuelle subiam e desciam, menos tímidos à medida que a
carícia se prolongava, já não se limitando a um elementar vaivém, mas
entreabrindo-se, de súbito experientes no modo de deslizarem ao longo da grossa
veia inchada, sobre a curva da verga, mergulhando (arranhando
imperceptivelmente a pele com as suas unhas limadas) o mais abaixo possível -
tão próximo dos testículos quanto o permitiam as calças, e regressando, em
seguida, com uma torção lasciva, até que os refegos da pele móvel contra a palma
da mão húmida recobrissem a cabeça do membro, que parecia não atingirem
nunca, de tanto que ele crescia. Ali, apertando de novo com muita força, a mão
voltava até à base do membro, distendendo o prepúcio, ora apertando a carne
intumescida, ora afrouxando a pressão, aflorando ao de leve a mucosa ou
macerando-a,
massajando com grandes movimentos de punho ou excitando-a com pequenos
golpes sem piedade... A glande, duplicando o tamanho, abrasava, ameaçando
explodir a cada instante, pensava ela.
Foi com uma estranha exaltação que Emmanuelle recebeu, ao longo dos braços,
no ventre nu, no pescoço, no rosto, na boca e nos cabelos, os longos jactos
brancos e odorosos derramados, finalmente, pelo membro satisfeito. Dir-se-iam
provir de uma fonte inesgotável. Ela tinha a sensação de que lhe escorriam pela
garganta, que os bebia... Uma embriaguez desconhecida apoderou-se de todo o
seu ser. Um deleite sem pudor. E quando ela deixou cair o braço, o homem
agarrou no clitóris de Emmanuelle com as pontas dos dedos e fê-la vir-se.
Um zumbido anunciou que o altifalante ia ser utilizado. A voz da hospedeira,
abafada de propósito para que os passageiros não fossem bruscamente
acordados, informou que o avião pousaria no Bahrein, durante vinte minutos.
Voltaria a descolar à meia-noite, hora local. Uma refeição ligeira seria servida no
aeroporto.
A luz voltava a inundar progressivamente a cabina, imitando o lento nascer do
dia. Emmanuelle serviu-se do cobertor (que lhe tinha escorregado para os pés)
para limpar o esperma que a alagara. Levantou a saia e ajustou-a às ancas.
Quando a hospedeira entrou, Emmanuelle, sentada na cadeira, cujo encosto não
levantara, ainda estava a compor-se.
- Dormiu bem? - perguntou a jovem num tom alegre.
- Tenho a blusa amarrotada - respondeu Emmanuelle, acabando de abotoar a
saia.
Fixava as manchas húmidas que tingiam as bandas da blusa. Virou-as para fora
e pôs a nu o bico vermelho de um dos seios. A gola continuava aberta e os
olhares dos quatro ingleses grudaram-se no perfil saliente do seio nu. Não tem
outra roupa para mudar? - perguntou a hospedeira.
-- Não - respondeu Emmanuelle.
Esboçou um trejeito, contendo ostensivamente o riso.
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bidas. «Não? Então, muito boa noite!» A hospedeira formulou, por sua vez, votos
de um bom sono. Todo este cerimonial encantava Emmanuelle. Sentia-se, de
novo, feliz - de uma forma positiva, com entusiasmo e certezas. Desejava o
mundo tal qual ele era. Tudo corria, definitivamente, pelo melhor.
Deitou-se de costas. Desta vez, não receava mostrar as pernas; apetecia-lhe
mexê-las. Ergueu uma, depois a outra, dobrando e desdobrando os joelhos,
descontraindo os músculos das coxas, esfregando, com um suave fremir do
nylon, os tornozelos um contra o outro. Saboreou gostosamente o prazer físico
que este exercício lhe provocava. Para se mexer melhor, levantou ainda mais a
saia, de propósito, sem qualquer precaução, puxando o tecido com as duas mãos.
«Afinal», pensou intimamente, «não são apenas os meus joelhos que vale a pena
contemplar, mas as pernas todas. Convenhamos que são verdadeiramente
bonitas; parecem dois ribeiros cobertos de folhas secas e plenos de más
intenções, que se divertem a passar um por cima do outro. E isto não é a única
coisa que tenho de belo. Gosto igualmente da minha pele que se bronzeia ao sol
como um bago de milho, sem nunca avermelhar; e gosto ainda das minhas
nádegas. E das pequenas framboesas na ponta dos meus seios, com a sua
auréola de açúcar vermelho. Como me agradaria lambê-las.»
As luzes do tecto diminuíram de intensidade e, com um suspiro agradado, puxou
para si o cobertor impregnado de um odor de agulhas de pinheiro, que a
companhia de aviação lhe oferecia para proteger os sonhos.
Quando somente ficaram acesos os pequenos difusores, Emmanuelle virou-se de
lado e tentou distinguir o companheiro de cabina, o qual não se tinha atrevido a
encarar directamente, desde que se sentara de novo ao seu lado. Verificou,
surpreendida, que o homem a fixava, numa expectativa que nem a escuridão
quase total dissimulava. Durante algum tempo permaneceram assim, olhos nos
olhos, com uma expressão de absoluta tranquilidade. Emmanuelle apercebia-se
da centelha de afecto,
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SEGUNDO CAPÍTULO
O PARAÍSO VERDE
Aconselho-vos, por acaso, a matar os
sentidos?
Aconselho-vos a inocência dos sentidos.
NIETZSCHE, «Assim Falava Zaratustra»
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- Acho que ele fez muito bem em não lhe pedir que viesse na mesma altura -
interferiu a dona de O.
- Passou quase todos os últimos meses no Norte; ainda não tinha casa e era
forçado a hospedar-se no hotel, sempre que vinha a Banguecoque. Não teria sido
vida para si. O que acha da sua casa? - acrescentou, em seguida. - Ouvi dizer que
é uma maravilha.
- Oh! Ainda não está pronta; faltam alguns móveis. Mas o que mais me encanta é
o jardim com as suas árvores enormes. Gostaria que a visitasse - concluiu
delicadamente Emmanuelle.
- Mas não vai ficar, de qualquer maneira, sozinha em Banguecoque, durante três
quartos do ano? - quis saber alguém do grupo de Ariane.
- Nem pensar nisso! - retorquiu Emmanuelle, um tanto irritada. - Agora que os
engenheiros se instalaram, Jean não precisará de ir a Varn Hee; terá bastante
que fazer na sede. Ficará todo o tempo comigo.
- Bah!... A cidade é grande! - ripostou a condessa, com uma risada
tranquilizadora.
E como Emmanuelle não parecia ter compreendido o objectivo deste comentário,
Ariane entrou em explicações.
- O trabalho vai absorver-lhe a maior parte dos dias
- disse ela. - Terá espaço e tempo de sobra para poder manobrar os seus
conquistadores. É ainda uma sorte que os homens válidos deste país não estejam
todos tão ocupados como os nossos maridos. Tem carta?
- Tenho, mas não me atrevo a conduzir neste labirinto de ruas impossíveis. Jean
deixa-me o motorista, até eu aprender a orientar-me.
- Depressa aprenderá o essencial. Eu mesma tenciono ensiná-la.
- Ou por outras palavras: Ariane encarregar-se-á de a perverter!
- Que disparate! Emmanuelle não precisa de mim para isso. Prefiro que me conte
as suas próprias travessuras. Minou te tem toda a razão: só em Paris se podem
praticar loucuras à vontade.
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- Mas eu nada tenho para contar! - objectou Emmanuelle, num tom de voz quase
inaudível.
Aquela forma de falar de Ariane divertia-a um pouco; caso contrário, ter-se-ia
sentido quase miserável.
- Pode ficar tranquila! - garantiu a que se mostrava mais ansiosa por conhecer os
seus segredos. - Pode fazer-nos as confissões mais impudicas: somos verdadeiros
túmulos!
- Que é que vocês querem que eu diga? Durante todo o tempo que estive em
França, nunca enganei o meu marido - afirmou Emmanuelle com súbita força e
serenidade.
Por um instante, o silêncio reinou entre as mulheres. Pareciam avaliar o alcance
desta declaração. O tom de sinceridade de Emmanuelle tinha-as impressionado.
A condessa fitava a recém-chegada com um certo desagrado. Seria esta jovem
uma moralista? No entanto, a avaliar pela forma de vestir...
- Há quanto tempo está casada? - inquiriu.
- Quase um ano - respondeu Emmanuelle. E acrescentou para as tornar
ciumentas da sua juventude: - Casei-me com dezoito anos. - E disse ainda, num
impulso, com medo de as deixar tomar vantagem:
- Um ano de casamento, do qual metade foi de separação! Decerto podem
imaginar como me sinto feliz por estar de novo com Jean.
E, para própria surpresa, antes sequer de ter tempo de desviar os olhos, estes
encheram-se de lágrimas.
Todas aquelas mulheres abanaram as cabeças, tentando expressar simpatia.
«Esta está deslocada entre nós», era, na realidade, o que pensavam.
- Gostaria de vir a minha casa tomar um batido? Emmanuelle ainda não tinha
reparado, até aí, nessa
que acabava de se levantar de um salto. Mas logo, o ar de firmeza, a segurança
quase protectora do novo rosto divertem-na, pois esse rosto é, também, o de uma
rapariga muito jovem. «Não tão rapariga como isso», corrige-se intimamente,
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enquanto a adolescente se exibe com ar de quem quer protegê-la. Terá,
provavelmente, treze anos, mas é quase tão alta como Emmanuelle. A diferença
reside na maturidade dos corpos: o dela tem ainda algo de incompleto, de
imaturo. Talvez este facto se deva, aliás, a um tipo de pele mais próximo da
infância: uma pele que se recusa a absorver o sol, que não tem a marca quente,
civilizada, elegante da de Ariane. Emmanuelle acha-a mesmo, à primeira vista,
um pouco rugosa... Mas não é bem assim: está antes em causa uma pele
pintalgada, como uma pele de galinha. Sobretudo nos braços. As pernas parecem
mais lisas. Umas bonitas pernas de rapaz - devido aos tornozelos de tendões
salientes, aos joelhos e aos músculos rijos, às coxas nervosas. Agradáveis à vista,
mais pelas proporções perfeitas e pela agilidade do que pela emoção um pouco
perturbadora que as pernas femininas costumam despertar. Estas, Emmanuelle
imagina-as mais facilmente correndo na areia ou saltando da prancha de uma
piscina do que enlanguescidas pela carícia de uma mão, abrindo a um corpo
impaciente a porta de um corpo dócil.
A mesma impressão lhe desperta o ventre de desportista, côncavo, cavado pelo
exercício, palpitando como um coração ao longo dos músculos e que a exiguidade
do triângulo de pano - não maior do que o usado no palco por uma bailarina nua
- não consegue tornar indecente.
Nem o são também os pequenos seios pontiagudos, tão pouco dissimulados sob a
tira simbólica do biquini. «Que beleza!», pensa Emmanuelle. «Mas não
compreendo porque não se põe de tronco nu! Seria ainda mais bela e estou certa
de que não provocaria os maus pensamentos de ninguém.» (Após uma pausa para
reflexão já não tem tantas certezas neste aspecto.) Interroga-se sobre qual pode
ser a sensualidade de uns seios tão jovens, e, em seguida, recorda-se dos seus e
do prazer que lhe davam quando apenas marcavam o perfil, mas «não de forma
tão saliente como estes», reconhece, pois à medida que os vai observando melhor,
lhe parecem menos negligenciáveis. Pensa que talvez o contraste com os de
Ariane lhe
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Aqui, e até anoitecer. A rosa das sombras envolverá os muros. A rosa das horas
deixará cair as pétalas sem ruído. As lajes claras guiarão a seu bel-prazer estes
passos apaixonados do dia.
YVES BONNEFOY, «Hier Régnant Désert»
Emmanuelle quer ir ao clube para nadar e não para ouvir mexericos. Decide, por
conseguinte, ocupar nisso a manhã. Faz dez piscinas, calmamente, sem se
preocupar com o tempo gasto, nem com os olhares dos poucos homens presentes
àquela hora. O movimento repetido dos braços acima da cabeça fez sair os seios
do fato de banho sem alças. A cada viragem nos extremos da piscina, o cachão da
água salienta-lhe os contornos, suavizando a pele. Um fino traço circular cava-se
em torno dos bicos; as bordas da auréola parecem, assim, dado o relevo,
desenhar uma ilhota. Sem este detalhe que lembra a vulnerabilidade da polpa e
evoca na boca o gosto sumarento, a curva seria talvez demasiado perfeita para
causar emoção, conferindo-lhe uma semelhança igual aos seios de uma estátua.
Quando, ofegante após o exercício, Emmanuelle se agarra com as duas mãos ao
corrimão cromado da escada, apercebe-se de que está a ser observada. Ariane de
Saynes, inclinada para si, de pé no rebordo da piscina, ri a plenos pulmões.
- Passagem proibida! - exclama. - Mostre-me a sua licença!
Emmanuelle sentiu-se contrariada ao ser apanhada por
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uma daquelas «idiotas». Esboça, no entanto, o melhor sorriso que lhe é possível.
- Estamos, então, brincando às náiades à hora a que as mulheres honestas vão
às compras - insistiu Ariane.
- Que mistério é este?
- Mas você também está aqui - observou Emmanuelle, tentando sair da água.
A importuna continuou a barrar-lhe a passagem.
- Ah, comigo é diferente! - disse, com um secretismo fictício.
Emmanuelle não lhe pediu esclarecimentos. A condessa analisava
tranquilamente e em pormenor os encantos da sua prisioneira.
- Você é divinamente bem feita! - elogiou.
Pronunciara a frase com um toque de convicção e Emmanuelle pensou que,
afinal, não a achava mal de todo. Talvez fosse um pouco louca, mas também era,
incontestavelmente, tónica, fortificante. Emmanuelle não necessitou de se
esforçar mais por ser amável.
Ariane acabou por se afastar da escada. A nadadora içou-se para a borda da
piscina. Pausadamente e com as pontas dos dedos, fez entrar os seios, ou melhor,
a metade inferior dos seios no fato de banho (os bicos mantinham-se visíveis) e
sentou-se perto de Ariane. Dois rapazes altos de tipo nórdico aproximaram-se e
entabularam conversa em inglês. A condessa respondeu-lhes bem-humorada.
Emmanuelle pouco se importou por nada entender.
- Estes dois interessam-lhe? - inquiriu Ariane, virando-se bruscamente na sua
direcção.
Emmanuelle esboçou um trejeito negativo e Ariane encarregou-se de avisar os
pretendentes do fracasso da sua candidatura. Eles soltaram uma gargalhada,
aparentemente sem qualquer rancor. Mas, mesmo assim, não pareciam dispostos
a irem-se embora. Emmanuelle achava-os com um ar incrivelmente ingénuo. Ao
fim de algum tempo, a sua companheira, levantando-se com determinação,
puxou-a pelo braço.
- Eles estão a aborrecer-nos - declarou. - Venha comigo até à prancha de saltos.
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As duas subiram os oito metros e deitaram-se de barriga para baixo, lado a lado,
na plataforma coberta por um tapete de corda. Ariane desembaraçou-se, com
presteza, das duas peças do fato de banho.
- Pode pôr-se nua - anunciou. - Daqui de cima temos tempo de ver se alguém se
aproximar.
Mas, naquele momento, Emmanuelle não desejava ficar nua diante de Ariane.
Inventou uma desculpa pouco convincente: que o seu fato de banho não era
prático de tirar e pôr; que o sol estava demasiado forte...
- Tem razão - concordou Ariane. - É melhor que vá treinando aos poucos.
Depois, deixaram-se invadir por uma semiletargia, Emmanuelle achou que,
apesar de tudo, a condessa tinha o seu lado bom. Ela gostava da companhia de
pessoas com quem pudesse ficar, assim, em silêncio. Mas acabou por ser ela
própria a quebrá-lo ao fim de algum tempo.
- O que é que há para fazer aqui, além da piscina, dos cocktails e das reuniões
em casa de cada um? Não acaba por se tornar um pouco monótono?
Ariane emitiu um assobio, como se tivesse acabado de escutar uma barbaridade.
- Oh! Distracções não faltam. Não me refiro aos cinemas, boítes e insignificâncias
dessas. Mas pode montar-se a cavalo, jogar golfe, ténis, praticar squash ou esqui
aquático no rio; ou desanuviar o espírito, navegando nos canais; e visitar os
pagodes, porque não? Há mil e uma coisas; à média de uma por dia, terá com que
se ocupar durante três anos. É pena que o mar, quero dizer, o verdadeiro mar,
aquele onde se pode tomar banho, fique a cento e cinquenta quilómetros. Mas
vale a pena a viagem. As praias são extraordinariamente compridas e largas a
perder de vista, orladas de coqueirais, desertas e juncadas de conchas. A água é
maravilhosamente fosforescente, à noite, e repleta de pequenas preciosidades. Os
corais fazem cócegas nos pés e os esqualos vêm comer à mão.
- Gostaria de ver isso! - entusiasmou-se Emmanuelle.
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- Eles até cantam serenatas a quem faz amor nos seus domínios. De dia, ao sol,
com a areia acariciando o corpo, ou à sombra das árvores. E, por um tical, há
sempre um miúdo pronto a abanar-nos, enquanto um sedutor nos presta
homenagem. E, à noite, deitada na praia, junto da rebentação, com os ombros
acariciados pela sua língua e os olhos protegidos das estrelas por um rosto
enamorado. Ah! É, então, que se aprecia a sorte de se ser mulher.
- Se bem entendo, esse é ainda o desporto favorito neste país? - inquiriu
Emmanuelle sem rodeios.
Ariane fitou-a com um sorriso enigmático e só se pronunciou decorrido algum
tempo:
- Diga-me, minha querida... - interrompeu-se, parecendo avaliar qualquer
probabilidade misteriosa.
- O que quer que eu lhe diga? - redarguiu Emmanuelle, virando-se para ela com
uma risada.
Ariane reflectiu em silêncio, após o que resolveu, subitamente, que a recém-
chegada era digna de confiança. A voz perdeu o tom de superficialidade mundana
que a caracterizara até então e brindou a sua vizinha com uma momice de
amizade.
- Estou certa de que você tem temperamento - disse. - Nada tem a ver com a
santinha hipócrita que finge ser. Para ser franca, interessou-me desde o primeiro
momento.
Emmanuelle não sabia o que pensar desta declaração. Apesar de tudo, preferiu
manter-se na defensiva; mais constrangida do que lisonjeada, pois não gostava
que duvidassem da sua sinceridade. E que direito tinha esta gente de a
considerar pretensiosa? De início, achara graça, mas agora começava a sentir-se
irritada.
- Não quer divertir-se, aqui? - prosseguiu Ariane, com uma intenção que ia mais
longe do que as palavras.
- Claro - respondeu Emmanuelle, que tinha consciência de estar a aventurar-se
num terreno perigoso, mas, pior do que isso, receava ser tomada como uma
virtuosa.
O sorriso de compreensão de Ariane somente a recompensou um pouco.
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- Então, acompanhe-me numa destas noites, queridinha. Diga ao seu marido que
tem um jantar de mulheres. Verá o que lhe reservo! Não há, em cinquenta anos-
luz em redor, mais galantes e ousados garanhões do que os cavaleiros de Ariane.
Cheios de espírito, jovens, bem constituídos e tão hábeis no estoque como no
calibre. Nada tem a recear. De acordo?
- Mas você mal me conhece - retorquiu Emmanuelle num tom evasivo. - Você
não...
- Conheço-a o bastante! - interrompeu-a Ariane, encolhendo os ombros. - Não
preciso de a submeter a uma observação prolongada para me aperceber que é
uma beleza de atordoar raparigas e rapazes. E aqueles de que lhe falo são
entendidos em beleza. Nunca me passaria pela cabeça pô-los em contacto, caso
não estivesse tão segura deles e de você. É tudo.
- E... - questionou Emmanuelle com uma leve hesitação - ...o seu marido? Não se
escandaliza com esses encontros?
Ariane riu com gosto.
- Só um marido vulgar odiaria os amantes da sua dama - declarou.
- Quanto ao Jean, ignoro se achará isso assim tão normal!
- Então não o ponha ao corrente do assunto - redarguiu Ariane com bonomia.
Aproximou-se, subitamente, de Emmanuelle, rodeou-Ihe a cintura com o braço e
apertou-a de encontro a si.
- Jura que me diz a verdade?
Emmanuelle pestanejou, sem se comprometer. Os seios firmes e quentes contra o
seu ombro desnorteavam-na um pouco.
- Não vai continuar a querer que eu acredite que nunca recebeu neste corpo
divinal outro homem que não fosse o seu marido, não é verdade? bom. E
confessou-lho de todas as vezes?
Emmanuelle estava a passar por um verdadeiro suplício. Eis que recomeçava a
demanda das confissões! Mas de que lhe servia defender-se? E deveria mostrar
uma
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ingenuidade que não tinha? Sacudiu a cabeça para responder negativamente à
pergunta de Ariane. Esta beijou-a jovialmente na orelha.
- Estás a ver! - exclamou, triunfante e contemplando-a com orgulho. - Prometo
que não vais arrepender-te de ter vindo para Banguecoque!
O tom com que se expressava parecia implicar que Emmanuelle acabava de
assinar um pacto. Tentou escapar-se às consequências, pelo menos num futuro
muito próximo:
- Não, espere. Isto constrange-me. - E num assomo de súbita coragem
acrescentou: - Não pense que se trata de pudor ou de razões morais. Nada disso.
Mas... deixe-me ao menos um tempo para me habituar à ideia. Progressivamente.
- Claro! - concordou Ariane. - Nada de pressas.
Pareceu, em seguida, tomada de uma repentina inspiração. Nos lábios desenhou-
se-lhe um sorriso furtivo e sentou-se.
- Vem - ordenou. - Vamos massajar-nos. - Vestiu o biquini e, em seguida, num
tom um pouco superior, como se se dirigisse a um bebé, acrescentou: - Não
tenhas medo, virgenzinha. Só há mulheres. Emmanuelle deixou o automóvel no
clube e acompanhou Ariane no descapotável. Rodaram, durante uma meia hora,
pelo meio das bicicletas e mototáxis, que enchiam de fumo as ruas ladeadas de
tabuletas chinesas. Pararam diante de um edifício novo, de um único piso,
rodeado de mercadores de seda, restaurantes e agências de viagens. Uma
inscrição em caracteres desconhecidos para Emmanuelle ornava a fachada.
Empurraram uma porta de vidro grosso e viram-se no átrio da recepção de uma
sauna, que pouco se diferenciava das que se encontram na Europa. Uma
japonesa de quimono às flores acolheu-as com delicadeza, executando várias
vénias, de mãos cruzadas sobre o peito, antes de as conduzir ao longo de
corredores que cheiravam a vapor e a água-de-colónia. Deteve-se em frente de
uma porta e inclinou-se novamente. Emmanuelle interrogava-se sobre se ela seria
muda.
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- Podes entrar aqui - indicou Ariane. - Todas as massagistas são competentes. Eu
vou para a cabina ao lado. Encontramo-nos daqui a uma hora - acrescentou.
Emmanuelle não esperava que Ariane a deixasse só. Sentiu-se um pouco
desamparada. A porta que a japonesa tinha entreaberto dava para uma sala de
banhos, pequena e asseada, de tecto muito baixo, onde uma jovem asiática, com
uma bata branca de enfermeira, esperava de pé, entre uma banheira e uma mesa
de massagens. Tinha um rosto de pássaro regressado de muitas viagens.
Também ela fez uma mesura, pronunciou algumas palavras, sem parecer dar
importância ao facto de ser ou não compreendida, avançou para Emmanuelle e,
com movimentos precisos, começou a despi-la.
Assim que Emmanuelle ficou nua, fez-lhe sinal para entrar na banheira, cheia de
uma água azulada, perfumada e quente. Passou uma toalha húmida no rosto da
cliente, depois ensaboou-lhe metodicamente os ombros, as costas, o peito e o
ventre. Emmanuelle estremeceu quando sentiu a esponja cheia de espuma
movendo-se entre as suas pernas.
Depois de acabar de lhe dar banho e de a enxugar com uma grande toalha tépida,
a siamesa convidou Emmanuelle a deitar-se na mesa acolchoada. Aplicou-lhe, em
primeiro lugar, pequenos golpes rápidos com a mão em cunha, em seguida,
beliscou-lhe os músculos, exerceu pressão sobre as pernas e os rins, distendeu-
lhe os dedos dos pés, massajou-lhe demoradamente a nuca e golpeou-a, muito ao
de leve, na cabeça. Meio adormecida, Emmanuelle sentia-se, apesar de tudo,
relaxada e satisfeita.
A massagista tirou, então, do armário dois aparelhos do tamanho de um maço de
cigarros, que fixou às palmas das mãos e que emitiram, de imediato, o som
idêntico ao de um pião girando. As mãos vibrantes subiram lentamente, pela
superfície do corpo nu, introduzindo-se onde quer que houvesse uma cavidade ou
uma prega, deslizando nas reentrâncias do pescoço, sob as axilas, entre os seios
e as nádegas, com uma eficiência inegável. Procuraram depois os lugares mais
sensíveis na superfície
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interior das coxas. Emmanuelle estremecia da cabeça aos pés. As pernas
separaram-se e ergueu ligeiramente o púbis com um movimento de graciosidade
inimitável, que estendeu os lábios do sexo como que para um beijo de criança.
Mas as mãos afastaram-se e voltaram a subir na direcção dos seios, indo e vindo,
conhecedoras, passando sobre os contornos do corpo, como se se tratasse de um
ferro engomando um tecido. Quando Emmanuelle começou a gemer, num tom de
voz quase inaudível, as mãos vibratórias subiram até aos bicos dos seios,
rodaram sobre eles, ora acariciando apenas as extremidades, ora apoiando-se
neles e obrigando-os a reentrar no volume carnudo. Ondas de calor
atravessavam-na e envolviam-lhe os rins. Arqueou-se e gemeu queixosamente
durante longos minutos. As mãos prosseguiram o seu trabalho sobre as
extremidades pontiagudas dos seios, até que o orgasmo decresceu, acalmando-a,
deixando Emmanuelle inerte e lassa.
De pálpebras cerradas, escutava, agora, o bater do seu coração. A batida
lembrava-lhe a de um tambor de África, cuja pele esticada teria devolvido beijo
por beijo. «Mas que beijos, afinal?», reflectiu, despeitada. «Todo o meu corpo foi
tratado como se não passasse de uma vulva, excepto a vulva em si! De que serve,
pois, que ela seja tão bem desenhada e perfeita? De que servem as saliências e as
concavidades? Porque é que esta jovem não me toca mais abaixo do tufo de pêlos
do meu ventre? Os lábios do meu sexo são tão longos e feitos para beijar como os
da minha boca; e, no entanto, a boca fechada desta mulher muda não parece ter
qualquer desejo de os beijar! Pois bem, já que não quer aproveitar a oportunidade
que lhe dou, eu própria me acariciarei. Diante dela. E vou mostrar-lhe o que se
deve fazer a uma mulher, quando essa mulher nua fecha os olhos.»
Um som estranho, de que os seus ouvidos se apercebem progressivamente,
obriga-a a desviar o pensamento, antes que tenha tempo de pôr o projecto em
execução: ao ntmo acelerado do seu coração responde um eco vindo detrás de um
dos tabiques; não são pancadas, mas sim
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uma voz, um gemido abafado, uma respiração ofegante. E não se trata de Ariane,
mas de um homem. Um homem que, nesse instante, grita suficientemente alto
para que o som ultrapasse a barreira constituída pelo material isolante que
separa as cabinas e protege os ocupantes de distracções inoportunas.
Depois de haver apurado um pouco o ouvido, Emmanuelle deixa de ter a certeza
de que se possa adequadamente falar de gritos. Na sua qualidade de condutora
experiente pensa no martelar de uma biela, num cilindro mal oleado, cujo mau
funcionamento tivesse sido incrivelmente amplificado. «Não», corrige-se de novo.
«Do outro lado da parede, não há decerto um motor que gripa, mas antes um
homem que asfixia. Estarão a estrangulá-lo? Quem comete o crime? A vítima será
um cliente do salão de massagens? A menos que seja, pelo contrário, este cliente,
ou esta cliente, que esteja a violar um massagista. Mas também haverá, aqui,
massagistas do sexo masculino? Ariane garantiu que esta tarefa somente era
executada por mulheres. Mas que garantia de crédito merece Ariane?»
Emmanuelle interrogou a jovem siamesa sobre tudo isto, sem qualquer esperança
de se fazer entender. Esta havia, entretanto, dirigido os seus cuidados para os
ombros, as coxas e os tornozelos. Respondeu ao interrogatório da cliente com um
sorriso, e em seguida pronunciou, na sua língua, o que parecia ser uma
pergunta. Avançou, ao mesmo tempo, os dedos longos para o baixo-ventre de
Emmanuelle, fitando-a, de sobrancelhas erguidas, como que aguardando o seu
consentimento. com alívio, excitação e felicidade, Emmanuelle esboçou um aceno
afirmativo. A mão, tornada mais pesada pelo vibrador, executou minuciosamente,
à superfície e nas pregas do sexo, os movimentos em que era experimentada,
sabendo exactamente como transmitir o máximo prazer. Não tomava qualquer
precaução de suavidade, nem dava o mínimo descanso, segura do resultado,
acrescentando o virtuosismo das suas palpitações, das suas esfregadelas e das
suas unhadas, ao poder das vibrações eléctricas.
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Emmanuelle continha-se, fazendo apelo a todas as suas forças, mas a resistência
foi de curta duração. Veio-se de novo e tão violentamente, que o rosto da
massagista reflectiu surpresa. Mesmo muito tempo depois de as mãos se terem
retirado dela, Emmanuelle continuou a torcer-se, arquejante, apertando entre os
dedos crispados as bordas da mesa branca.
- Ainda que as paredes sejam à prova de som - declarou Ariane, quando voltaram
a encontrar-se à saída -, no momento em que te entregas, passas através delas.
Agora, não voltes a dizer-me que preferes as matemáticas.
Durante quatro tardes seguidas, Marie-Anne voltou a casa de Emmanuelle. E, em
cada uma delas, submeteu-a a um interrogatório mais cerrado, exigente, obtendo
novos pormenores, tanto sobre o que a sua amiga fazia com o marido, como no
que respeitava ao despudor dos seus sonhos quotidianos.
- Se te tivesses entregue, realmente, a todos os homens com que pensaste fazê-lo
- comentou um dia serias uma mulher realizada.
- O que queres dizer é que estaria morta - replicou Emmanuelle, rindo.
- Como assim?
- Achas, então, que o amor com os homens se pode fazer tantas vezes como se faz
sozinha?
- E porque não?
- Escuta-me bem! É fatigante ser possuída por um homem!
- E nunca te cansas ao acariciar-te?
- Nunca.
- Quantas vezes por dia o fazes, agora?
- Ontem, fi-lo muito, sabes? - respondeu Emmanuelle, esboçando um sorriso
pudico. - Creio bem que foram, pelo menos, quinze vezes.
- Há mulheres que o fazem assim com os homens. Emmanuelle abanou a cabeça.
- Sim, eu sei - disse ela, mas não parecia muito con-
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vencida. - No fundo, com os homens nem sempre é tão excitante - argumentou. -
É pesado, duro e, por vezes, chega a provocar dor. E eles nem sempre sabem a
maneira como as mulheres gostam mais de gozar...
Paradoxalmente, havia apenas um tipo de confidências que Emmanuelle não se
atrevia a fazer francamente à sua amiga. Limitava-se a uma alusão desajeitada e
extemporânea, mas sem conseguir adivinhar se Marie-Anne a compreendia ou
não. Ela própria mal conseguia explicar essa timidez e discrição que nada, no
comportamento da amiga, parecia justificar. Assim que chegava, Marie-Anne
despia-se; nem sequer havia esboçado qualquer objecção quando Emmanuelle
lhe sugerira que tirasse também a blusa, e as duas acostumaram-se a passar as
tardes, completamente nuas, deitadas no terraço rodeado pela folhagem do
arvoredo. No entanto, a emoção que invadia Emmanuelle apenas se traduzia pela
multiplicidade de carícias que praticava em si mesma; não ousava tocar na
amiga, nem convidá-la a tocar-lhe, embora o desejasse ao ponto de perder o sono.
Um estranho pudor, um estranho impudor debatiam-se no seu íntimo. Acabava
interrogando-se - confusamente, todavia, e recusando-se a pensar demasiado a
sério - se esta insólita reserva não seria, na verdade, um refinamento superior e
novo, inventado pela intuição dos seus sentidos e se a privação do corpo de
Marie-Anne, contra todo o instinto e toda a razão, não tinha, afinal, um sabor
mais subtil, um fascínio mais perverso do que teria talvez um amplexo físico. Se
bem que Emmanuelle descobrisse nessa situação, que deveria normalmente fazê-
la sofrer - onde uma rapariguinha dispunha dela segundo o seu capricho, sem
nada conceder aos gostos da sua parceira -, uma fonte inesperada de deleite
sensual.
Ao mesmo tempo que uma volúpia desconhecida brotava da frustração daquele
que, entre todos os desejos carnais, sempre lhe havia parecido o mais natural e
ao qual atribuía maior significado, um outro valor erótico era-lhe revelado pelo
sigilo notável que a sua amiga mantinha sobre a sua própria vida sexual.
Emmanuelle dava-
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-se conta, ao verificar a facilidade com que se resignava a nada - ou quase nada -
saber de Marie-Anne, que tinha mais prazer psíquico e físico em oferecer à outra
o espectáculo da luxúria do que teria sendo espectadora. E se todos os dias
esperava, impaciente, o momento de se encontrar com a amiga era decerto menos
pela excitação de contemplá-la nua ou ser testemunha das suas brincadeiras
lascivas do que pela excitação infinitamente mais escandalosa e, por
consequência, mais deliciosa, de acariciar-se, deitada na cadeira de repouso, sob
o olhar atento de Marie-Anne. E mesmo quando esta a deixava, o encantamento
não caía por terra: Emmanuelle revia em pensamento aqueles olhos verdes
pregados no seu sexo e continuava a masturbar-se até à noite.
Na quarta-feira seguinte àquele primeiro encontro, Emmanuelle foi convidada
para tomar chá em casa da mãe de Marie-Anne. No salão pretenciosamente
mobilado, deparou com uma dezena de «senhoras», que lhe pareceram, no
conjunto, bem insignificantes. Já lamentava não poder estar a sós com a sua
confidente, que via circunspectamente sentada no tapete, entregue aos deveres de
uma menina modelo, quando o seu interesse foi despertado pela chegada de uma
jovem muito elegante, à primeira vista tão deslocada quanto ela se sentia nessa
reunião.
A recém-chegada lembrava a Emmanuelle os manequins parisienses de que tanto
gostava. Tinha o mesmo corpo esguio, a imponderável lassidão, a distância
ilusória e a silhueta de pedra. A boca entreaberta «como uma rosa», as
sobrancelhas de âmbar erguidas sobre uns olhos enormes, a curva terna dos
cílios modelavam-lhe no rosto uma ingenuidade tão improvável, que mais parecia
uma bravata. Emmanelle pensou, com intolerância, que ela era, sem dúvida, a
única neste local que, pelo que designava a sua «experiência», podia compreender
o que tinha na realidade de modesto uma procura tão absoluta, de meritório uma
concepção tão exigente do dever de beleze, de fascínio tanta paixão oculta no
distante olhar na-
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carado. Lembrava-se de ter também descoberto, sob a máscara das suas amigas,
«julgadas orgulhosas obras de arte», o que Baudelaire pretendia dizer ao condenar
«o movimento que desloca as linhas». As deusas de alabastro tornaram-se carne,
mas o homem conservou o desejo pelas estátuas, o homem que só acredita nos
paraísos inacessíveis, nos deuses inanimados, e a carne adorada voltou a ser
pedra.
Esta evocação surgia a Emmanuelle impregnada de uma emoção ambígua, onde
existia igualmente parte do gosto ainda próximo dos seus entusiasmos de
estudante e das vertigens mais adultas experimentadas nos gabinetes de provas.
Pensava que gostaria ela própria de se tornar uma obra de arte que, chegada a
Banguecoque como barro, seria bom encontrar forma (preocupava-se menos com
a forma do corpo - de que não tinha motivos para querer mudar - do que com a
do espírito). E, embora não conseguisse definir concretamente em que consistiria
essa forma, desejava que a sua vida se tornasse um dia em qualquer coisa de
precioso e realizado, como o eram o corte complicado destes cabelos de bronze, de
triunfante como estes olhos cinzentos, e de desdenhoso da apreciação das
massas como este tailleur, cujo corte desafiava as linhas do corpo e cujo decote
parecia manter-se fechado somente por força de um difícil gesto do braço, mas
que era tentador imaginar sem outro significado que não o de atestar, por um
arrepio de frio neste clima tórrido, a derrota dos elementos e o malogro das
convenções face à soberana fantasia do desejo das mulheres.
Antes que a mãe tivesse tido tempo de apresentar a recém-chegada, Marie-Anne
levantou-se e conduziu Emmanuelle para um canto do salão, onde não poderiam
ser ouvidas.
- Tenho um homem para ti - anunciou-lhe com a expressão satisfeita do dever
cumprido.
- Ora aí está uma novidade! - exclamou Emmanuelle num tom que não
dissimulava a surpresa recebida. E não tens outra maneira de dizer isso? Que
história é essa de «um homem para mim»?
76
- É um italiano, muito bonito. Conheço-o há muito tempo, mas não estava segura
ainda de que fosse o que necessitas. Estive a pensar e é mesmo ele que te
convém. Precisas de conhecê-lo sem perda de tempo.
Esta nota de urgência, bem característica de Marie-Anne, desnorteou uma vez
mais Emmanuelle. Não tinha a certeza de que o candidato, fosse ele quem fosse,
seria «o que ela precisava», mas não queria decepcionar a sua tutora. Esforçou-se,
assim, por denotar interesse no projecto, na falta de reconhecimento pela
solicitude que o envolvia:
- E como é ele, esse teu belo exemplar? - questionou.
- Um perfeito marquês florentino. Tenho a certeza de que nunca conheceste
ninguém tão bonito. Magro, alto, com um nariz aquilino, olhos negros,
penetrantes e profundos, tez morena, rosto ossudo...
- Muito bem!
- O quê? Não me acredites, se preferes. Mas estou certa de que modificarás a tua
opinião quando o vires. Também ele nasceu sob o signo do Leão.
- E quem mais?
- Ariane e eu.
- Ah! Então...
- Tem cabelos pretos e brilhantes como os teus. com aquelas madeixas grisalhas
que dão um toque de elegância.
- Cabelos grisalhos! Então é um velho!
- Claro. Tem a idade que te convém: exactamente o dobro da tua, trinta e oito
anos. É o que me leva a dizer-te que precisas de te despachar: para o ano que
vem já estarás muito velha. Aliás, para o ano que vem já ele não estará em
Banguecoque.
- O que é que ele faz em Banguecoque?
- Nada. É um homem muito inteligente. Viaja pelo país, conhece tudo. Vasculha
as ruínas, estuda a idade dos budas. Chegou mesmo a encontrar nos museus
coisas que os cicerones nem sequer tinham visto. Acho que anda a escrever um
livro sobre tudo isso. Mas, como te disse, o que ele faz é, sobretudo, nada.
77
- Diz-me, quem é aquela mulher fantástica? - perguntou Emmanuelle,
interrompendo bruscamente o discurso de Marie-Anne.
- Mulher fantástica?
- Sim, essa que acaba de chegar.
- De chegar onde?
- Aqui, Marie-Anne! Estás parva? Ali, olha, bem na tua frente...
- É da Bi que estás a falar?
- Que dizes?
- Digo Bi! Parece-me que se há aqui alguém que seja parva, és tu.
- Ela chama-se Bi? Que nome tão estranho!
- Oh! Não é um nome. Em inglês, significa abelha. Escreve-se com bê e dois és.
Eu prefiro escrever bê, i. É mais simples.
- E ela como escreve?
- Como te disse.
- Acho que fiquei na mesma, Marie-Anne!
- Não penses que é o seu verdadeiro nome. Fui eu que lho pus. Agora, toda a
gente esqueceu o anterior.
- Mas diz qual é, mesmo assim.
- Em que é que isso pode interessar-te? Nunca conseguirás repeti-lo, é uma coisa
impronunciável, um nome inglês perfeitamente grotesco.
- Não you decerto chamar-lhe Bi?
- Não precisas de a chamar.
Emmanuelle fitou Marie-Anne com uma expressão surpreendida, hesitou e depois
contentou-se em perguntar:
- E inglesa?
- Não, americana. Mas tranquiliza-te, pois fala francês como tu ou eu. Nem
sequer tem sotaque, o que lhe dá uma certa falta de pitoresco.
- Tenho a sensação de que não gostas dela.
- Parece-te? É a minha melhor amiga!
- A sério? E porque nunca me falaste dela?
- Não posso falar-te de todas as raparigas que conheço.
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- Mas se gostas tanto dessa, podias, ao menos, ter-lhe feito qualquer referência.
- Ó que te leva a pensar que eu goste assim tanto? É minha amiga e é tudo. Não
forçosamente alguém de quem eu goste.
- Marie-Anne!... Como queres que se entenda alguma coisa do que estás para aí a
dizer? A verdade é que não queres contar nada do que te diz respeito. E não
queres que eu conheça as tuas amigas. Tens ciúmes, ou quê? Tens medo que tas
roube?
- Não vejo o que poderias lucrar em perder tempo com um bando de raparigas!
- Só tu me farias rir! O meu tempo não é assim tão precioso. Quem te ouvisse
falar, pensaria que tenho os dias contados!
- Eh!
Marie-Anne parecia a tal ponto convencida que Emmanuelle ficou perturbada.
- Ainda não me sinto decrépita - protestou.
- Oh! Sabes bem que isso chega depressa!
- E essa Bi, essa Bee, acho mais bonita a ortografia inglesa, pois quer, pelo
menos, dizer alguma coisa, também tem os pés para a cova, segundo os teus
cálculos?
- Ela tem vinte e dois anos e oito meses.
- E casada? - perguntou ainda Emmanuelle.
- Não.
- Nesse caso, é ainda mais solteirona do que eu. O que ela deve ouvir!
Marie-Anne nem fez comentários.
- Se bem entendi, não fazes tenção de nos apresentar? - acrescentou
Emmanuelle.
- Basta que me acompanhes, em vez de estares para aí a dizer disparates.
Marie-Anne fez um sinal a Bee, que avançou ao seu encontro.
- Esta é Emmanuelle - declarou Marie-Anne, como se estivesse a denunciar o
autor de uma má acção.
Os grandes olhos cinzentos, vistos de perto, transmitiam um brilho de
inteligência e liberdade. Bee parecia
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menos preocupada em dominar os outros do que em fazer o que muito bem lhe
apetecia. Emmanuelle pensou que Marie-Anne devia ter alguns problemas com
ela e sentiu-se vingada.
Trocaram inofensivas banalidades. A voz da recém-chegada ia bem com o seu
olhar. Expressava-se calmamente e sem hesitações, aquecida por uma alegria
íntima. Emmanuelle pensou que esta mulher possuía o rosto e o toque da
felicidade.
Quis saber como Bee preenchia os seus dias. Sobretudo a passear pela cidade, ao
que parecia. Vivia sozinha em Banguecoque? Não, viera há um ano atrás visitar o
irmão, que era adido naval na Embaixada americana. Tencionara, de início, ficar
apenas um mês, mas, afinal de contas, ainda permanecia ali. E nem tinha pressa
em se ir embora.
- Quando estiver farta destas férias prolongadas afirmou -, caso e regresso aos
Estados Unidos. Não estou interessada em trabalhar. Adoro não ter nada para
fazer.
- Está noiva? - perguntou Emmanuelle.
Esta pergunta provocou o riso em Bee. Era muito franco e atraente.
- No meu país fica-se noiva na véspera do casamento, sabe? E na antevéspera
ainda não se sabe de quem. Como não é amanhã, nem depois de amanhã que
tenciono partir, sinto-me deveras embaraçada para lhe indicar qual será a minha
escolha.
- Mas casar-se não significa, forçosamente, partir argumentou Emmanuelle.
Bee esboçou um sorriso indulgente. Pronunciou simplesmente um «Oh!» com uma
entoação de dúvida. Em seguida, acrescentou:
- Afastar-se não é um mal.
Emmanuelle esteve prestes a questionar «Afastar-se de quê?», mas teve receio de
ser indiscreta. Foi Bee quem tomou a palavra:
- Está contente por se ter casado tão jovem?
- Oh, sim! - respondeu Emmanuelle. - Foi, decerto, o que de melhor fiz na minha
vida.
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Bee sorriu novamente. Emmanuelle sentiu-se invadida pela bondade que dela
emanava. A beleza de esmalte do rosto (que se diria sem maquilhagem, mas para
conseguir um tão perfeito simulacro do natural, Emmanuelle sabia quanta
aplicação e paciência eram necessárias, e quantas horas de sábio manejo dos
pincéis e dos cremes), com o que tinha de quase incómodo dado o excesso de
perfeição, era esquecida no preciso instante em que a alegria o atravessava, como
o Sol a um vitral. Deixava de se sentir vontade de lhe dizer: «Como esta mulher é
bonita!», mas: «Como esta mulher é simpática!» Emmanuelle, todavia, preferia
ainda pensar: «Como ela parece feliz!» Sentia que este estado de coisas as
aproximava, pois tinha consciência de que também ela própria era feliz. E a
infelicidade assustava-a ao ponto de torná-la incapaz de amar sinceramente
alguém que sofresse, fosse doente ou pobre. Envergonhava-se, por vezes, deste
traço da sua personalidade, embora o mesmo não significasse dureza de coração,
mas apenas uma paixão suspeitosa, quase obsessiva, da beleza.
Enquanto Marie-Anne fazia as honras da casa, Emmanuelle não largou Bee. Não
falaram de nada de importante, mas tornou-se visível que sentiam prazer na
companhia uma da outra. Emmanuelle ficou mesmo bastante satisfeita pelo facto
de a sua amiguinha as negligenciar. Quando Jean a veio buscar, lamentou ter de
se ir embora. Marie-Anne, atarefada, disse-lhe, à despedida:
- Depois telefono.
Emmanuelle pensou, tarde de mais, que deveria ter pedido a Bee o seu número
de telefone. E ficou tão consternada com este esquecimento que nem conseguiu
responder às perguntas do marido.
Sem poder explicar exactamente porquê, Emmanuelle receava voltar a ver Ariane.
Para não se arriscar a encontrá-la no Sports Club, abdicou das sessões matinais
de natação. Tinha perguntado a Jean o que ele pensava da jovem condessa e ele
respondera que a achava muito bonita. Gostava da sua fogosidade e da sua
ausência de pre-
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conceitos. Tinha feito amor com ela?, quisera saber Emmanuelle. Não, mas se a
ocasião para tal se tivesse proporcionado, não desejaria melhor. Emmanuelle que,
regra geral, se orgulhava do sucesso do marido junto das outras mulheres, sentiu
desta vez - contra toda a lógica, pois, de facto, ele não o tivera junto de Ariane -
uma violenta aguilhoada de ciúmes, que se esforçou por ocultar de Jean, mas
que lhe envenenou o resto do dia.
Pouco tempo depois desta conversa, recebe um telefonema de Ariane. Esta diz-lhe
que está aborrecidíssima com a chuva que cai há dois dias, mas que acaba de ter
«uma ideia genial»: ensinar squash a Emmanuelle. De que se trata? Uma espécie
de ténis que, justamente, se pode jogar mesmo quando chove, já que se pratica
em recinto coberto. Emmanuelle vai adorar. Ariane levará as raquetas e as bolas;
Emmanuelle precisará somente de vestir uns calções, calçar umas sapatilhas e
encontrar-se com ela no Sports Club dentro de meia hora.
A condessa desligou, antes que Emmanuelle tivesse tido tempo de inventar uma
desculpa. Pensou que, no fim de contas, este desporto de que nunca tinha ouvido
falar poderia ser divertido e preparou-se com bastante bom humor.
Ao encontrarem-se no clube, as duas mulheres desataram a rir ao aperceberem-
se que estavam vestidas de igual: camisolas de algodão amarelo e calções pretos.
- Traz soutien? - indagou Ariane.
- E coisa que nem sequer tenho - indignou-se Emmanuelle.
- Bravo! - entusiasmou-se a companheira que, colocando as mãos em volta da
cintura de uma Emmanuelle algo surpreendida, a levantou um pouco do chão;
ela não pensava que Ariane fosse assim tão forte.
Esta última declarou:
- Não acredite nos boatos dessas idiotas, que querem fazer crer que o ténis e a
equitação fazem descair os seios se não estiverem bem presos nesses sacos de
malícia. É precisamente o contrário. O desporto fortalece-os e, quanto mais duros
forem os exercícios, mais firmes eles se tornarão. Basta ver os meus.
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Levantou a camisola, ali mesmo no meio do clube, onde circulavam outros
jogadores. Emmanuelle não foi, por conseguinte, a única a poder admirar aquele
busto de caçadora.
Descobriu que um recinto de squash era, à primeira vista, a coisa mais banal do
mundo: um estrado, quatro tabiques de madeira e um tecto. Da galeria de onde o
olhava, parecia-lhe uma espécie de fosso. Desceram por uma escada, que girou
em redor do degrau superior, colando-se ao tecto, erguida automaticamente por
molas mal pisaram o chão. Para sair do fosso, seria preciso fazer baixar a escada,
puxando uma corda. Ariane explicou que o jogo consistia em lançarem cada uma
por seu turno uma bola de borracha dura contra o tabique, utilizando uma
raqueta de pequeno diâmetro, mas de cabo bem longo.
Sob as pancadas de Ariane, a pequena bola preta movimentava-se tão depressa,
que Emmanuelle precisava correr como uma louca, de um lado ao outro, rindo à
gargalhada, enquanto os cabelos soltos lhe fustigavam o rosto. Ao cabo de uma
meia hora já conseguia devolver habilmente as bolas, mas as pernas tremiam-lhe
e começava a ficar sem fôlego. O suor escorria-lhe por todo o corpo. Ariane fez
sinal para que descansassem e puxou a escada. Tirou duas toalhas de um saco,
que havia deixado amarrado aos degraus, despiu a camisola e friccionou-se
energicamente. Depois aproximou-se de Emmanuelle e, com a toalha seca,
enxugou-lhe as costas e os seios. Ela não levantou qualquer objecção e respirava
com dificuldade. Tinha a camisola enrolada até às axilas e não tinha sequer
coragem de levantar os braços para a despir. Ariane encostou-a à escada, contra
a qual Emmanuelle, brincando, fingiu deixar-se crucificar, braços e pernas
afastados.
A companheira esfregava-lhe os seios suavemente, e continuou, mesmo depois de
estarem secos. Às sensações de asfixia, de fadiga e de sede que queimavam a
laringe de Emmanuelle, veio juntar-se um afluxo de sangue, que tinha o seu quê
de agradável. De súbito, Ariane deixou
83
cair a toalha e, passando os braços sob os da aluna, encostou-se a ela com todo o
peso do seu corpo. Emmanuelle sentiu os bicos dos seios procurarem os seus (e
quando os encontraram, abandonou-se ao prazer, demasiado forte para que
pudesse resistir-lhe) e um púbis activo pressionando-a através do tecido dos
calções. A posição inclinada compensava os escassos centímetros de altura que
tinha a menos, de tal forma que as duas bocas estavam exactamente ao mesmo
nível. Ariane beijou-a como Emmanuelle nunca o tinha sido: profundamente,
explorando-lhe, à vez, sem descurar a mínima superfície, os lábios, a língua,
todas as reentrâncias e saliências da boca, o palato, os dentes, e durante tanto
tempo que ela nunca soube se esse beijo se prolongara por minutos ou horas.
Deixara de sentir a sede que, há pouco, lhe irritava a garganta. Movia-se
suavemente, para que o seu clitóris pudesse crescer, endurecer e procurar refúgio
na solidez do outro ventre. Quando a erecção se tornou tão forte que Emmanuelle
mais não era do que um enorme borbulhão prestes a rebentar, apertou entre as
pernas, sem mesmo disso se aperceber, uma das coxas de Ariane, contra a qual
começou a roçar o sexo, num doce movimentar de toda a bacia. Ariane deixou-a
proceder assim durante alguns minutos, pois sabia que Emmanuelle precisava de
dar vazão à excessiva tensão dos seus sentidos. Em seguida, descolou os lábios e
olhou a amiga com aquele sorriso que lhe era tão peculiar e que parecia traduzir
a alegria de ter pregado uma boa partida. Emmanuelle ficou constrangida por
este olhar mas, em simultâneo, tranquilizada por verificar que Ariane punha tão
pouco sentimento nos seus abraços. Desejava ser beijada novamente; não queria
que os seios de Ariane a deixassem. Mas esta agarrou-a, bruscamente, pela
cintura como o tinha feito antes e, com um atlético golpe de rins, levantou-a
contra a escada. Os calcanhares de Emmanuelle apoiaram-se num degrau.
Pensou que Ariane quisesse beijar-lhe os seios, mas a líder daquele jogo
mantinha a cabeça afastada, enquanto os olhos trocistas não desfitavam os da
sua vítima. Antes que Emmanuelle ti-
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vesse tido tempo de fazer ideia do que lhe ia acontecer, já a mão de Ariane se
insinuara pela perna dos calções, para se apossar do seu sexo húmido.
Os dedos de Ariane eram tão dextros, exercitados e eficazes como a sua língua.
Afloraram o clitóris, e depois, dois deles, juntos, afundaram-se resolutamente na
carne, esticando as membranas da mucosa, comprimindo a protuberância
resistente do útero, desenvolvendo uma enorme actividade e com um
discernimento espantoso. Emmanuelle deixou-se arrastar para o orgasmo sem
resistência, reunindo apenas forças para gozar o mais possível, abrindo-se e
oferecendo-se à mão que a revolvia. Teve a sensação de que uma lava
transbordava de si e corria, espessa e quente, ao longo de Ariane. Quando, por
fim, deslizou pela escada, inconsciente, a amiga recebeu-a nos braços e apertou-a
contra si. Se, nesse momento, Emmanuelle pudesse ver os olhos de Ariane, talvez
ficasse surpreendida por não divisar o brilho trocista.
Mas quando Emmanuelle voltou à realidade, a sua parceira recuperara a
expressão maliciosa e a jovialidade habituais. Segurava-a pelos ombros, na
extremidade dos braços.
- Ainda tens pernas para subir a escada? - perguntou, com uma gargalhada mas
num tom suave.
Emmanuelle sentiu-se repentinamente muito confusa e baixou o rosto de criança
amuada. A outra tomou-lhe o queixo entre as mãos e ergueu-o. Estava, de novo,
muito próximo.
- Diz-me se outras mulheres já te fizeram isto murmurou num tom grave,
estrangulado, desconhecido para Emmanuelle.
Esta conservou-se exteriormente impassível, mas, na realidade, do seu espírito
apossara-se uma incompreensível perturbação. Optou por ignorar a pergunta.
Mas Ariane insistia, imperiosa e ao mesmo tempo sedutora:
- Responde! Ainda não tinhas feito amor com mulheres?
-
85
Emmanuelle persistia no seu silêncio. Ariane aproximou-se e os seus lábios
moveram-se sobre os da amiga.
- Vem a minha casa - sussurrou. - Queres?
No entanto, Emmanuelle sacudiu a cabeça numa negativa.
Ariane manteve ainda por algum tempo o queixo rebelde na mão, mas nada mais
disse. Quando, finalmente, se afastou, nada no seu olhar alegre e no beicinho de
menina mimada revelava o mínimo traço de decepção ou ofensa ante a recusa de
Emmanuelle.
- Sobe - convidou, depois de lhe ter beliscado a ponta do nariz.
Emmanuelle virou-se e subiu a escada. Ariane seguiu-a. Emmanuelle baixou até
à cintura a camisola, ainda molhada.
- Oh!, deixaste a tua camisola lá em baixo! - observou. E ofereceu-se de imediato:
- Queres que ta vá buscar?
(Apercebeu-se, tarde de mais, que acabava de tratar Ariane por «tu» pela primeira
vez.) Mas esta esboçou um gesto de soberano desdém:
- Deixa lá! Não vale a pena! Já não se aproveita! Pôs uma toalha sobre os ombros,
sem se preocupar em
a traçar no peito. Balouçando numa mão as raquetas e o saco colorido, tomou o
caminho da garagem. com a mão livre, apertava a de Emmanuelle. De passagem,
várias pessoas acenaram-lhe e ela retribuiu-lhes alegremente as saudações,
descobrindo ainda mais a nudez dos seus seios. Emmanuelle teve a súbita
impressão de que todos as olhavam. Sentia pudor e alarme. Tinha pressa em se
separar de Ariane e estava decidida, uma vez mais, a não voltar a vê-la.
Chegadas junto dos automóveis, Ariane soltou a mão da companheira e
permaneceu diante dela, enquanto amarrava, finalmente, as pontas da toalha.
Fitava-a com um olhar de interrogação e expectativa, cuja eloquência irónica
dispensava quaisquer palavras. Emmanuelle baixou, de novo, a cabeça; o
embaraço, a desordem dos pensamentos não eram simulados. Ariane não insistiu
mais. Inclinou-se e beijou a amiga, ao de leve, na face.
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- Até breve, minha cabrinha - disse, alegremente. Saltou para dentro do
automóvel e arrancou, esboçando um gesto de despedida.
Depois de ela se ter ido embora, Emmanuelle lamentou nada ter feito para a
reter. Teria querido ver uma vez mais os seus seios. Sobretudo, teria desejado
voltar a senti-los contra os seus. Tinha, de súbito, vontade de estar nua e que
Ariane o estivesse também, e estendida a todo o comprimento sobre si; ambas
muito nuas, mais do que alguma vez haviam estado. Ansiava pelos seios dela
contra os seus; pelo sexo dela contra o seu. E apetecia-lhe ser acariciada por
mãos de mulher, pelas pernas, pelos lábios, um corpo de mulher... Se Ariane
regressasse naquele momento, ah!, como Emmanuelle se lhe teria entregue!
Christopher chegou nesse mesmo dia. Era muito melhor do que nas fotografias.
Tinha o porte e o riso aberto de um jogador de râguebi anglo-saxónico; os cabelos
louros, grosseiramente penteados, pareciam lutar contra uma rajada de vento.
Emmanuelle sentiu-se, de imediato, confiante, como se estivesse perto de um
amigo de longa data. Fazendo as honras do jardim, deu um braço ao marido e
outro a Christopher. Disputava com Jean a companhia do recém-chegado.
- Não vais pôr Christopher a trabalhar todo o tempo! Quero levá-los aos khlongs,
mostrar-lhe o mercado dos ladrões...
- Mas eu não estou aqui de férias - protestava Christopher, encantado.
O duplo prazer de reencontrar Jean e descobri-lo assim tão bem casado, dava-
lhe, nesse domingo, um certo toque de vaidade. Não escondia a admiração que
Emmanuelle lhe inspirava:
- Este pirata do Jean tem, de facto, muita sorte! exclamava, envolvendo a sua
anfitriã com um olhar entusiasmado. - Nada fez para merecer isso!
- Felizmente - gracejou ela. - Teria horror a um marido merecedor!
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Ficaram levantados até tarde, ruidosos e barulhentos. Só se deitaram quando o
sono venceu Emmanuelle, fechando-lhe os olhos na poltrona onde se aninhara,
sob a bungavília que cobria o terraço do rés-do-chão. Já não chovia. As rãs
tinham-se calado. As estrelas tinham a cor da estação seca. A segunda metade de
Agosto oferece, muitas vezes, estas pausas enganadoras.
Emmanuelle dorme nua. Mas para tomar o pequeno-almoço com Jean, no amplo
terraço em frente do quarto, veste uma das pequenas camisas de noite, muito
curtas, que comprou em grande quantidade (em parte pelo prazer de
experimentá-las), antes de partir de Paris. A que veste nessa manhã é
transparente e plissada, de cor quase idêntica à sua pele. A bainha não desce
abaixo das virilhas e aperta na cintura com três botões. A brisa mais ligeira
ergue-a. Emmanuelle solta uma gargalhada repentina.
- Deus do céu! Esqueci-me de que tínhamos um convidado. Será melhor ir vestir
qualquer coisa que me cubra mais.
Dispõe-se a ir mudar-se, quando Jean interfere:
- Nem pensar. Estás muito melhor assim.
No fundo, ela não tem qualquer objecção em mostrar-se dessa maneira,
habituada desde há muito a ser contemplada nua por todo o tipo de pessoas.
Deste modo, a atitude do marido apenas prolonga a da sua infância. Tanto os
pais como ela própria teriam achado absurda a ideia de vestir um robe para
aparecer diante deles. Foi por uma questão de coqueteria e não de pudor que
cornprou camisas de noite depois do casamento.
Christopher, esse, está menos à vontade do que os seus anfitriões. Sentado
diante de Emmanuelle, não consegue desviar os olhos daqueles seios, que o sol
faz ressaltar através do plissado: os bicos atravessam-no, qual mancha de
sangue. Quando ela se levanta para lhe servir os bolos, fruta e mel, a brisa
matinal entreabre, até ao umbigo, a roupa interior de renda e o triângulo de
astracã aproxima-se dele, fica tão próximo do seu rosto, que pode aspirar o
perfume de junquilho.
88
Não ousa levar aos lábios a chávena de chá, com medo de que as mãos lhe
tremam. Pensa, aflito: «Ó que acontecerá, se tiver de me levantar? Ou se alguém
vier tirar a toalha da mesa?»
Por sorte, Emmanuelle volta para o quarto, antes que os homens acabem de
comer. Christopher tem, assim, tempo para se recompor.
Eles só deviam regressar à hora de jantar. Emmanuelle não tem o mínimo desejo
de ficar sozinha em casa o dia todo. Pega no carro e parte na direcção do centro
da cidade. Durante uma hora, rodou sem objectivo definido, enganando-se
frequentemente, parando algumas vezes para entrar numa loja, ou perdendo-se
na contemplação horrorizada de um leproso sentado na calçada, deslocando-se
aos sacões, procurando apoio sobre os punhos carcomidos e arrastando pelo
chão sujo dois cotos de coxas amputadas. Emmanuelle estava tão perturbada
com este espectáculo que não conseguiu pôr o motor a funcionar. Ficou ali,
paralisada, esquecida de para onde queria ir e das manobras que precisava de
fazer com os seus pés inteiros e as suas mãos sãs e frágeis. Ao mesmo tempo
envergonhava-se, intimamente, daquela perturbação: «Ao ter medo deste homem,
estou a excluí-lo», admitiu. «Comporto-me tão cruelmente como as pessoas do
meu país que, outrora, encerravam os leprosos, os encaravam como se já
estivessem mortos, os obrigavam a usar insígnias vergonhosas. Os Siameses são
menos injustos: não tratam um doente como se ele fosse culpado. Cuidam dele.
Não fogem, nem o apontam a dedo. Não se escandalizam quando o encontram na
rua. Dão-lhe de comer e de beber. Deixam-no andar por onde lhe apetece viver os
poucos dias de vida que lhe restam.»
Mas estas críticas não a tranquilizaram. Nesse momento, avistou, a pouca
distância, saindo de uma boutique chinesa, uma silhueta que reconheceu. E
soltou um grito que se assemelhou a um pedido de auxílio:
- Bee!
A jovem virou-se e esboçou um gesto de alegre surpresa. Aproximou-se do carro.
89
- Andava à sua procura - disse Emmanuelle.
E apercebeu-se, de imediato, que era essa mesmo a verdade.
- Pois bem! Teve sorte em me encontrar - gracejou Bee. - Não costumo vir muitas
vezes para estas bandas.
«Claro que não me acreditou», pensou tristemente Emmanuelle.
- Quer almoçar comigo? - sugeriu com um tom de súplica tão premente, que Bee,
por momentos, não conseguiu responder-lhe. E foi Emmanuelle a retomar a
palavra: - Tenho uma ideia! Venha até minha casa. Há imenso que comer. E você
ainda não a conhece.
- Mas não prefere provar as especialidades locais? ofereceu-se Bee. - Muito
próximo daqui há um pequeno restaurante siamês muito pitoresco. Eu convido-a.
- Não, não! - teimou Emmanuelle. - Fica para outra vez. Agora que a encontrei,
quero levá-la a minha casa.
- Se assim o quer!
Bee abriu a porta do automóvel e sentou-se ao lado dela.
Emmanuelle estava radiante. Teve a súbita sensação de se haver reencontrado,
segura dos seus desejos, orgulhosa do que amava e tão incapaz de simular como
de esperar. Pouco faltou para que gritasse a plenos pulmões a sua felicidade,
enquanto conduzia, menosprezando toda a prudência, através do formigueiro da
cidade. Soltava gargalhadas sem qualquer pretexto. Parecia emitir raios
luminosos. Um cântico de esperança ecoava-lhe no cérebro. «Oh, minha terra
firme! Oh, minha bela do apelo alado, minha bela, minha doce beleza! Minha baía
prometida do apelo alado, minha bela, minha doce beleza! Bela, minha terra,
minha baía, minha casa!»
Estendia os braços com uma ansiedade de náufraga, sacudindo os pesados
cabelos molhados pelas vagas, beijando com soluços de felicidade a linda margem
da doce terra. Enfim, enfim! Tão doce era a terra onde a vaga a depositava,
vestida com seus cabelos molhados, tão doce no seu peito sedento e nas suas
pernas nuas, tão acolhe-
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dora no seu corpo liberto. Tudo estava esquecido do que tinha aprendido e
desaprendido, depois que tombara, de um mundo para o outro, nos sortilégios da
noite de Agosto. A aurora de sempre dourava-lhe os lábios.
Bee fitava-a com admiração e um tanto perplexa.
A elegância e o modernismo da decoração agradaram à visitante. Elogiou os
arranjos de flores, talento japonês que Emmanuelle adquirira em Paris; os móveis
de cerâmica; as taças de pedra transparente, ornadas de corais e de conchas
marinhas; e o grande móvel forjado, no meio da casa, um estorvo provocante,
cuja insólita folhagem de ferro tilintava.
Almoçaram rapidamente. Emmanuelle perdera a voz. O seu olhar de júbilo não
abandonava Bee.
Em seguida, visitaram o jardim, apesar do sol tórrido. Emmanuelle conduzia a
amiga pela mão por entre as plantações de estacas, a fim de a fazer adivinhar o
que seria a beleza daquela paisagem quando os arbustos florissem.
Colheu uma rosa de caule comprido e ofereceu-a a Bee. Esta rodeou com os
dedos a corola vermelha e levou-a ao rosto, Emmanuelle aproximou os lábios e
beijou a rosa.
Quando voltaram para dentro, o suor escorria-lhes pela cara e pelo pescoço.
- E se tomássemos um duche? - sugeriu Emmanuelle.
Bee achou que era uma boa ideia.
Mal chegaram ao quarto, Emmanuelle arrancou a roupa com toda a precipitação,
como se ela estivesse a arder. Bee apenas começara a despir-se quando
Emmanuelle retirara a última peça.
- Que belo corpo você tem! - elogiou Bee. Depois, quando entreabriu lentamente a
blusa, que
usava em cima da pele tal como Emmanuelle, esta não conseguiu suster uma
exclamação: o busto de Bee era semelhante ao de um rapaz.
- Veja como sou lisa - disse a jovem.
Não parecia de modo algum humilhada. Saboreava a
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surpresa de Emmanuelle, que inspeccionava aqueles bicos rosados, tão pequenos
e pálidos, que pareciam impúberes.
- Acha-os feios? - perguntou Bee, não muito séria.
- Oh, não! São, pelo contrário, maravilhosos! - exclamou Emmanuelle com um tal
fervor, que a sua interlocutora esboçou um sorriso terno..
- No entanto, você tinha todo o direito de estranhar. Possui uns seios belíssimos -
observou Bee. - Fazemos um contraste espantoso, não é verdade?
Mas Emmanuelle estava convertida e fanática:
- O que há de interessante em ter os seios grandes?
- perguntou. - E o que mais se vê nas capas de revistas. Por outro lado, você é de
tal maneira diferente das outras mulheres. E tão bonito isso! - A voz
enrouqueceu-lhe um pouco: - Nunca vi nada de tão excitante, sabe? E não o digo
para que se ria.
- Confesso que isso me diverte muito - redarguiu Bee, fazendo deslizar a saia ao
longo das pernas. - Não gostaria, é claro, de ter um peito muito pequeno; mas
não ter peito nenhum é engraçado, não acha? - Ela parecia de repente mais
faladora. Emmanuelle não se lembrava de a ter ouvido manter uma conversa tão
longa. Durante bastante tempo vivi até com o receio de ver crescerem-me os
seios. Isso ter-me-ia dado a impressão de perder toda a personalidade. E rezava
todas as noites! «Meu Deus, façai com que eu nunca tenha seios normais!» Devo
ter sido tão fervorosa, que o bom Deus ouviu-me!
- Que sorte! - exclamou Emmanuelle. - Seria horrível que os seus seios tivessem
crescido. Gosto tanto de si como é!
Achava igualmente admiráveis as pernas de Bee, tão compridas e de linhas tão
puras, que pareciam saídas dos desenhos de um estilista e, assim, de forma
alguma reais. As ancas estreitas e a flexibilidade da cintura delgada conjugavam-
se para dar uma impressão de elegância. Mas o que mais chocou Emmanuelle foi
a visão, logo que Bee despiu as calcinhas, da extraordinária protuberância
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do púbis rapado. Nunca tinha visto um assim, com o relevo a destacar-se
paralelamente ao plano do ventre, nem mesmo, como era o caso, intumescido de
sexualidade feminina. Dizia para si própria que não conhecia neste mundo nada
de mais aristocrático ou sensual. A ausência de pêlos libertava o entalhe do sexo,
que subia alto e se cavava, profundo e nítido, numa oferta inequívoca ao olhar. O
contraste desta feminilidade, orgulhosamente exibida, com o busto de efebo,
aliado ao facto de o corpo de Bee estar uniformemente queimado (e de tal forma
que se tornava impossível afastar a imagem de que estivera todo exposto ao sol e
que outros tinham podido contemplar a seu bel-prazer esta nudez hermafrodita)
tinham algo de desafio. E, apesar da beleza distante de Bee, o inchaço liso e
fendido do seu baixo-ventre era tão sensual, projectava-se com um tal movimento
de convite, que Emmanuelle sentiu o seu próprio sexo pesquisado como por uma
mão. Precisava, decidiu, que Bee lhe pertencesse de imediato, que lhe fosse
aberto este sulco voluptuoso, esta fenda... Oh!, esta fenda! Esta fenda, cuja visão
a fazia tremer. Esta fenda orlada de um cristal vivo, esta beleza! A parte mais
bonita de todos os corpos inventados pelo Universo. Esta obra-prima do que a
vida esculpiu sobre a terra. Nada e em parte alguma deve ser mais amado!...
Abriu a boca para dizer a Bee o que desejava, mas, no mesmo instante, a jovem
encaminhou-se para a casa de banho:
- Então, esse duche? - recordou.
O artifício parecia já supérfluo a Emmanuelle. Ordenou cortando cerce o
movimento de Bee:
- Venha para a cama.
A visitante deteve-se diante da porta, com um ar hesitante, mas optou por rir:
- Mas apetece-me refrescar-me e não dormir - contrapôs.
Emmanuelle interrogou-se sobre se Bee pensava, de facto, que se tratava de um
convite para fazer a sesta, ou se não estaria a simular inocência. Cruzou o olhar
com o
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da amiga nua e desesperou-se por não lhe detectar qualquer mal-entendido.
Foi ao encontro de Bee e abriu a porta.
- Nesse caso, faremos amor debaixo do chuveiro disse, em tom firme.
QUARTO CAPÍTULO
A sala de banho está equipada com várias espécies de chuveiros. Um está fixo no
tecto, outro na parede, um terceiro, mais pequeno, na extremidade de um longo
tubo anelado, para se poder segurar e orientar à vontade. Ao lado uma da outra,
sob as chuvas cruzadas, as duas mulheres soltam gritos friorentos. Para proteger
os cabelos, Emmanuelle prendeu-os no alto da cabeça, o que a faz parecer da
mesma altura da companheira.
Anuncia a Bee que lhe vai mostrar para que serve o chuveiro flexível. Prende o
tubo na mão direita, rodeia a cintura da amiga com a mão esquerda e ordena-lhe
que abra as pernas.
Bee obedece. Emmanuelle dirige, obliquamente, de
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baixo para cima, o jacto tépido para o sexo da companheira. Depois, aproxima-o,
pouco a pouco, ora imprimindo-lhe um ritmo experiente e imoderado como o dos
seus dedos, quando acariciam o clitóris, ora um movimento em espiral. Conhece
a fundo as regras do jogo. A água tomba em cascata entre as pernas de Bee.
Emmanuelle ergue os olhos.
- É bom? - pergunta.
Bee parece achar a pergunta incongruente; hesita por um momento, faz menção
de pronunciar qualquer comentário, reconsidera e, por fim, contenta-se em
inclinar afirmativamente a cabeça. No entanto, um instante depois, confessa:
- Sim. É muito bom.
Sem deixar de dirigir o jacto de água com mão segura, Emmanuelle inclina o
busto e prende um dos biquinhos dos seios na boca. Sente que uma das mãos de
Bee lhe pousa nos cabelos. Será para a repelir? Será para a aproximar ainda
mais? Emmanuelle cerra entre os lábios o mamilo de boneca, excita-o com a
ponta da língua, chupa-o. Ele endurece de imediato e aumenta para mais do
dobro. Endireita-se, triunfante:
- Estás a ver...
Mas cala-se; a fisionomia de Bee perdeu a máscara de serenidade. Os belos olhos
cinzentos estão ainda maiores, os lábios aumentaram de espessura e de brilho. O
rosto quase infantil, purificado, de uma Bee que Emmanuelle desconhecia até
então, transbordante de expressividade e de beleza, gozou sem um grito, sem um
estremecimento, sem que o ritmo do corpo traduzisse a violência do prazer.
O êxtase prolonga-se por tanto tempo que Emmanuelle se interroga se a amiga
está ainda consciente da sua presença. Depois e a pouco e pouco, a expressão
maravilhosa apaga-se e Emmanuelle fica triste por esta volúpia não ter carácter
de eternidade. Sente-se tão intimidada com a transfiguração que testemunhou,
que nem ousa falar. Bee sorri-lhe.
Emmanuelle passa o braço à volta do pescoço da amiga e beija-a nos lábios.
Geme de prazer, quando o corpo de Bee se cola ao seu; a frescura inebriante das
duas peles
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constitui, por si só, uma carícia. Enlaça firmemente Bee, esfregando devagar o
seu púbis contra o dela.
Bee adivinha o prazer que Emmanuelle procura; pousa-lhe a mão sobre os rins,
apoia-se docemente sobre as suas nádegas, cola-se ao seu ventre. Na boca que se
abre, penetra um sabor singular, sumarento e doce como o de um fruto exótico.
Sente o espasmo que sobe naquele belo corpo que aperta contra o seu. E ajuda-o
com todas as suas forças. E ouve sobre os seus lábios murmúrios de palavras
que têm o som do amor.
- Emmanuelle é inteligente, interessa-se por tudo e está sempre de bom humor.
Mas não foi por isso que me casei com ela - diz Jean a Christopher, no jipe, que
avança pela estrada orlada de tons vermelhos.
O suor cobre-lhes as peles, o peso do ar irrita-lhes as gargantas. Atravessam uma
pequena ponte: rapazes e raparigas brincam na água, nus, salpicando-se de lama
entre risadas e gritos.
- Olha ali. Não é mesmo o Oriente que se vê no cinema?
Jean desliga o motor. Descem até ao ribeiro e refrescam a cara. As crianças
pulam de entusiasmo, apontando-os com o dedo, chilreando em coro:
- Farang! Farang!
- O que é que eles dizem? - inquieta-se Christopher.
- Apenas: «Europeus! Europeus!» Tal como os nossos garotos gritam: «Chineses!
Chineses».
Uma rapariguinha, cujos cabelos molhados acariciavam os ombros como duas
compridas línguas negras, aproxima-se deles. Apanhara do chão um sarongue
azul-vivo, traçou-o sobre a pele cor de âmbar, apertou-o com um nó na cintura,
enquanto avançava.
- Than yâk su som-ô mai ria? - perguntou, com um sorriso encantador dirigido
aos estrangeiros.
- Não compreendo o que quer de nós - confessou Jean.
com um gesto, a rapariguinha apontou para um cesto cheio de toranjas enormes,
sob a sombra de uma árvore de fruta-pão.
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- Ah!, já sei! Está a oferecer-nos frutas. Não me parece má ideia!
- Ao ko daí! - articula Jean com um aceno afirmativo de cabeça.
A criança correu para o cesto e regressou com um fruto tão grande como a sua
cabeça. Levantou uma das mãos com os cinco dedos afastados:
- Há baht.
- De acordo, miúda - disse Jean. Estendeu-lhe uma nota de cinco ticales, que ela
examinou com cuidado.
- As nossas contas estão regularizadas? - perguntou Jean.
- Kha!
Ela não parecia nada embaraçada com esta conversação bilingue. Christopher
mostrava-se surpreendido.
- Ela compreende o francês?
- Nem mesmo em sonho. Mas isso não impede, em nada, a nossa conversa.
A pequena ergueu o fruto até à altura do rosto, com uma expressão interrogativa:
- Pok haí maí t já?
Jean afastou os braços em sinal de incompreensão. A mão livre da criança
descreveu, em torno da casca grani tada, órbitas imaginárias, depois fez o gesto
de descascá-la.
- Ah, sim! Porque não? - acedeu Jean. - Isso seria muito gentil da tua parte.
Ela encaminhou-se de novo para o cesto, desta vez a fim de tirar uma pequena
faca de lâmina de bronze, curva e afiada. Depois sentou-se, com a toranja
colocada sobre a saia, que lhe cobria as pernas cruzadas.
Os dois homens instalaram-se na relva, em frente dela.
- Já que não casaste com Emmanuelle pelo seu espírito, como dizes, suponho
que terá sido pela sua beleza? - disse Christopher, voltando à carga. -
Compreende-se.
- Talvez, mas isso não seria o bastante para me seduzir.
- Então? O que te conquistou? Os seus talentos domésticos?
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- Não. O seu génio carnal. Não conheço ninguém no mundo que goste tanto de
fazer amor como ela. Nem que o faça tão bem.
Christopher ficou chocado. Este género de confidência parecia-lhe de mau gosto.
Contudo, ansiava ouvir mais.
- Tens sorte, claro - replicou com algum esforço. Mas não corres também os teus
riscos? Esse... como lhe chamas?... esse dom que ela tem... há outros que o
podem adivinhar... ser tentados... procurar aproveitar-se dela. Querer roubar-ta.
- Não me podem roubar uma coisa que não me pertence - redarguiu Jean, num
tom convicto. - Ela não é um objecto meu. Ela não é a minha beleza. - O rosto de
Christopher reflectia incompreensão, e Jean acrescentou:
- Não a desposei para a privar do que quer que fosse. com as duas mãos
estendidas, a garota ofereceu-lhes
fatias de toranja. Jean aceitou uma, após um ligeiro aceno de cabeça, e saboreou-
a com manifesto prazer.
- Não comes? - perguntou a Christopher.
Este agarrou, maquinalmente, o fruto oferecido. Fixava a cena com um ar
ausente.
- Emmanuelle e eu estamos interessados no mundo
- prosseguiu Jean. - Temos o prazer de conhecer mais.
- E riu, observando com entusiasmo: - Há muito para fazer! - Tirou mais uma
fatia das mãos da miúda. O suficiente para justificar o trabalho em equipa -
concluiu.
Christopher achava insuficientes as respostas de Jean. Voltou à carga:
- Antes de falares das suas qualidades amorosas, mencionaste a inteligência de
Emmanuelle. Na tua opinião o que significa, grosso modo, ser inteligente?
Jean deu a sensação de se pôr a juntar os elementos de uma resposta
improvisada:
- bom, admitamos que seja procurar outra coisa que outros não tenham ainda
descoberto - respondeu. Saber, no momento exacto, opor-se aos argumentos de
autoridade. Resistir ao tipo de pensamento feito. Não se ater em demasia aos
padrões e modas. A inteligência é
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aquilo que nos leva a fugir aos chavões, às palavras de ordem, às proibições, às
máquinas, aos desfiles, às cruzadas. E aquilo que nos aconselha a pesar os
aplausos, e os apupos.
- Sim... muito empírico, tudo isso! Mas prefiro que me expliques como se detecta
cientificamente uma mulher inteligente. A tua, por exemplo.
- Ela não vê apenas o que eu vejo. Ela não acredita em tudo o que eu acredito.
Christopher emitiu um grunhido pouco amável e Jean somente conseguiu
perceber:
- Deixemos o assunto de lado! Vens-me com o feminismo quando te estou a pedir
que sejas objectivo.
Ele sabia que a palavra «feminismo» enervava Jean. E este explicou-lhe porquê:
- A desigualdade dos homens e das mulheres, que conheço de ouvir falar, não
constitui o fulcro da questão. A guerra dos sexos é apenas um aspecto parcial,
local, episódico, de um conflito que vem de mais longe e tem uma origem mais
dolorosa do que a repartição de tarefas domésticas no lar. Um conflito mais do
que nunca actual e que continuará, indubitavelmente, acalorado até que as leis
da termodinâmica se cansem da nossa raça.
- bom, nesse caso, vai directo ao que interessa - incitou Christopher.
- O problema reside na divisão dos bípedes em dois mundos tão incompatíveis e
distantes como um volume de negócios difere da teoria dos números ordinários
transfinitos. Existe, de um lado, o mundo da autoridade, do outro, os homens e
as mulheres inventados. No mundo da autoridade, utiliza-se a antiguidade e a
força para impor ideias recebidas e conservar imutável uma ordem moral
preestabelecida. Preestabelecida, ignora-se por quem: isto possibilita ao
pretensiosismo dominante simular tratar-se de uma ordem eterna. Os pontífices
assumiram à conta disso o papel de deuses.
- Os deuses eram uma minoria condenada - redarguiu Christopher. - Os seus
substitutos modernos também. A sua quantidade é mínima, face ao número de
herejes. O e face ao conjunto infinito.
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- Errado! - protestou Jean. - Não te esqueças de que os submissos aos mestres do
pensamento formam um conjunto superior ao de todos os resistentes
imagináveis. É surpreendente a quantidade dos que adoram obedecer, que se
extasiam por marchar em fileiras, que somente exigem conformar-se, imitar,
conservar. Se, ao menos, estes adeptos não entoassem cânticos tão lúgubres!
Mas a diferença e a independência dos outros aborrecem-nos. O poder dos líderes
assenta na tristeza dos disciplinados. Os crédulos entristeceram de tanto ouvirem
dizer que tudo era melhor noutros tempos do que hoje. Consegues explicar-me
porque é que esses milhares de lamechas preferem acreditar nisso do que tentar
descobrir?
Christopher mordiscou, distraído, a última fatia de toranja, o que não o impediu
de se expressar audivelmente:
- Pouco me interessam os infortúnios daqueles que não querem saber. Ninguém é
obrigado a morrer mais estúpido do que nasceu.
- Claro! - suspirou Jean. - Mas deixemo-nos de política no meio do campo. E não
te alambazes com toda a toranja.
Christopher engoliu um bocado, antes de regressar ao assunto:
- Emmanuelle pertence, assim, à categoria das mulheres que gostam de
compreender? Por outras palavras, ela é como tu e eu. Nada de muito especial.
- Nada realmente - troçou Jean que pareceu, subitamente, tentado a mostrar-se
arrogante e altivo. - com a excepção de que, como tu e eu, não acha que o
conhecimento lhe chegou, ou chegará, de um outro mundo. Também não espera
que este conhecimento lhe seja dispensado, como uma sopa dos pobres, através
de padres, propagandistas ou militares. Ela é, contrariamente a nós os dois, que
lamentamos os bons velhos tempos em que quase nos matámos a discutir, pouco
dada à nostalgia. Tem tendência a pensar que não é forçosamente mais imoral do
que os seus antepassados, condecorados na guerra. E acha que, de qualquer
maneira, é mesmo pro-
101
vavelmente mais feliz. E sobretudo não duvida estar numa posição inferior a nível
das relações que virão a existir entre os homens e as mulheres do futuro. Pelo
menos fará o possível por aprender qualquer coisa dos filhos que talvez venha a
ter. Inclusive sobre o amor. - Jean retomou o fôlego e o tom trocista para
acrescentar: - Uma questão na qual ela já é, todavia, muito experiente!
Christopher continuava a mostrar-se estranhamente nervoso.
- Fico com a impressão de que se tivesses estado no lugar de Adão, não terias
agido melhor do que ele - resmungou.
- Teria estado do lado de Eva - redarguiu Jean. Uma mulher que aprecia os frutos
proibidos e detesta os guardiões de jardins públicos não pode ser inteiramente
má.
As crianças estavam agachadas em círculo em redor de ambos e fitavam-nos em
silêncio, acotovelando-se, de vez em quando, antes de soltarem gargalhadas que
lhes provocavam lágrimas.
- Parece que estão a troçar de nós - observou Christopher.
A polpa açucarada tinha-lhe refrescado a língua, mas a garganta continuava
estranhamente apertada. Enraivecia-se intimamente por ter sido demasiado
tímido. «Sou mesmo estúpido! Não interroguei Jean sobre a única coisa que me
interessa. Estou-me completamente nas tintas para o que Emmanuelle pensa da
inteligência e da filosofia; apenas quero saber como é que ela faz amor. E este
idiota do Jean apenas me fez crescer água na boca para me provocar mais sede.
Competia-me forçá-lo a dar-me pormenores: como é que Emmanuelle o faz vir-se;
como é que ela se vem. Em vez de permitir que me engodasse com as belezas
espirituais da mulher, devia forçá-lo a dizer que sabor tem a sua rata! A
descrever-me como ela se serve dos dedos e dos seios para bater uma punheta! E
como é que ela se masturba? Fá-lo diante dele? Diante de outros? Muitas vezes?
Porque é que este estúpido não
102
me fala do eu da mulher, céus?! Da sua língua. Será que o chupa? com os lábios,
com a garganta? Engole muito do seu esperma? Quantas vezes por semana?
Quantas vezes por dia? O sabor agrada-lhe? Ele perguntou-lhe se todos os
espermas têm um gosto diferente? Qual, de todos os que provou até agora,
preferiu? Ele devia sugerir-lhe que provasse o meu. Permitir-lhe que me
masturbasse. E me chupasse. Sabe perfeitamente que não me aproveitaria do
ensejo para foder a sua mulher. De qualquer forma, nunca na vagina. Ou então,
não completamente. Apenas lhe entreabriria a vulva. Introduzir-me-ia apenas um
pouco. Apenas lhe meteria a cabeça. Não mergulharia no interior. Não de
imediato. Não até mais fundo do que lho faria na boca. Somente avançaria no
interior com pequenas estocadas. Até metade do meu caralho. Nunca mais do que
dois terços. Ou um pouco mais apenas. Como quando a enrabasse. Enrabá-la-ia
no mesmo dia em que a fodesse. De qualquer maneira, se lhe encavar o meu
caralho até ao fundo da sua rata, quando a tiver feito gozar, retirar-me-ia a
tempo. Tomaria cuidado para não ejacular no fundo do seu sexo. E, aliás, porque
não? Que interessa, afinal, que Emmanuelle tenha um filho de Jean ou meu? Se
ele e eu fizermos amor com ela todos os dias, mais tarde ou mais cedo ficará
grávida, sem que nenhum de nós três possa jurar de quem. E isto é importante.
Para ela não, evidentemente. Para Jean, ainda menos. No fim de contas, só é
importante para mim. Gostaria que ela engravidasse com o meu esperma. Até
termos essa certeza, Jean pode perfeitamente vir-se apenas na boca da mulher.
Eu, no seu útero, de manhã e à noite. Vou fazê-lo, hoje mesmo, quando
regressarmos.» As imagens cada vez mais definidas que evocava, impunham-se
com uma tão premente suavidade, que ele não tentava de forma alguma, nem
mental nem fisicamente, combatê-las. Não conservava nenhum dos seus antigos
escrúpulos de consciência, ou tão-pouco o mínimo receio de definhar com
remorsos. «E bom pensar, assim, na mulher do meu amigo», dizia para si próprio.
Sabia que não teria sido tão bom se imaginasse tornar-se amante de uma outra
mulher.
103
Também se sentia comovido relativamente a Jean. Este ficaria contente por
Christopher fazer amor com Emmanuelle, o fazer mais vezes e mais
audaciosamente do que ele. «Apostaria em como ele não a sodomiza», pensava
intimamente. Ele, que tão raramente o fizera com outras, praticá-lo-ia muito com
ela. Jean zelaria para que a sua mulher desse o máximo prazer ao seu amigo e
tivesse um enorme gozo com ele. E sentir-se-ia orgulhoso por anunciar, onde
quer que fosse, que Christopher disfrutava da beleza, da sensualidade e do amor
de Emmanuelle, de maneira a provocar uma explosão da mente e do sexo.
Christopher não duvidava de que esta admirável harmonia elevaria à perfeição as
relações até esse momento incompletas. A sua camaradagem, pensando bem,
tinha-se baseado na desordem. Tudo agora entraria na ordem, a ordem absoluta
e soberba da amizade.
«Aquele que não estiver disposto a partilhar a sua mulher com o amigo,
desconhece a amizade!», reflectia, inebriado pela lógica. «E também não saberá
ser pai aquele que não quiser que os seus filhos sejam gerados no corpo da
mulher pelo corpo do seu amigo!» Mas que homem admirável era Jean! Que sorte
que os dois se tivessem conhecido! O facto de Christopher sentir neste momento
um desejo tão enlouquecedor de fazer amor com Emmanuelle não seria (acabava
de se interrogar) por amor a Jean, pelo menos tanto como por atracção por ela?
E, contudo, mal escutou Jean ao sugerir que comprassem mais uma toranja. E,
em seguida, falar de barragens e de quilovátios. A pequena siamesa aplicava-se,
colocando a língua vermelha entre os dentes, a descascar artisticamente mais um
fruto. Christopher fitava-a como se não a visse. Ela e Jean haviam perdido toda a
consistência física, presença e identidade diante dos seus olhos. Nesta vertente
tórrida, apenas divisava os seios redondos de Emmanuelle, as suas nádegas
nervosas, a nudez tentadora do seu ventre. Apenas sentia o seu membro
entesado.
Jean levantou-se de um salto, anunciando que era tempo de se porem a caminho.
Só então se apercebeu da emoção de Christopher, espectacular sob o reduzido
cal-
104
ção de linho branco. Entreabriu os lábios, surpreso, e soltou uma enorme
gargalhada.
- bom! - regozijou-se. - Não te conhecia esse gosto. Não te apresentarei a mais
meninas.
Brincando, evocou como testemunha a pequena siamesa, que, nem de longe,
parecia ter a menor ideia da situação.
- Escuta! - continuou Jean. - Espera que elas estejam um pouco mais maduras.
Esta aqui nem sequer tem oito anos!
Instantes depois, Emmanuelle sente que também esta convicção esfria e regressa
à suposição anterior, que lhe parece mais natural e que lhe agrada mais: Bee é
mantida por uma mulher.
Agora que Emmanuelle esclareceu o mistério, reconhece que não tem mais razões
para se inquietar: que melhor desculpa pode encontrar para a ausente do que
imaginá-la a fazer amor com uma bela rapariga? Se um golpe de sorte desse
género se lhe tivesse apresentado, será que Emmanuelle teria hesitado um
minuto em chegar atrasada a um encontro? Oportunamente excitada por esta
ideia, mais ainda do que movida por uma indulgência incondicional para com
Bee, dispõe-se a receber ternamente a inconstante e a partilhar as descobertas
que a sua escapada possibilitou: «Sem que eu precise de lhe perguntar nada, a
minha querida, a minha queridinha, contar-me-á tudo!»
Uma ideia mais precisa ocorre-lhe à queima-roupa: desconcertante e, contudo,
tão lógica, que Emmanuelle ri a bandeiras despregadas, por não a ter tido antes.
«É isso mesmo! Sei com quem ela está! Aquelas duas espertinhas que me levaram
com toda aquela conversa mole!» O rosto deixa transparecer uma ternura infinita,
enquanto murmura, como se falasse ao ouvido da fugitiva: «Mas claro! É nos
braços da minha Marie-Anne que te encontras neste instante, minha princesa
das Amazonas!»
Sente-se, repentinamente, cada vez mais compreensiva. Uma vez que as ama,
tudo é permitido a Bee e a Marie-Anne, até mesmo fazê-la sofrer tão
perversamente. Mas o que sobretudo a conforta e fascina é o facto de poder,
enfim, dizer de si para si que o desdém pelo amor entre mulheres, denotado por
ambas, era puro fingimento. «O que estarão a fazer juntas, hoje?» Talvez tivessem
começado por reconstituir a cena do duche - quanto mais não fosse pelo prazer
de falar de Emmanuelle? «E aproveitar as minhas lições!» Por muito avançados
que sejam os conhecimentos destas amantes clandestinas, decerto resta-lhes
mais algumas pequenas coisas para aprender... Um orgulho de aluna que sabe
mais do que a
112
professora torna proeminentes os lábios que, ainda há pouco, mordia com
ansiedade. Os olhos que a desilusão tinha obscurecido, emitem reflexos
dourados, enquanto vêem desenrolar-se na sua frente as fantasias
desencadeadas por Marie-Anne e Bee, depois desse duche imaginado.
«O mais espantoso», rejubila a espectadora, «é que com treze anos, Marie-Anne
tenha os seios mais desenvolvidos do que Bee, com vinte e três! Tenho a certeza
de que, neste momento, ela introduz um dos seus seios na greta de Bee. Ele está
tão endurecido e pontiagudo, que chega tão fundo como uma língua. Os meus
são demasiado redondos; não poderiam chegar tão longe. E seria eu, sem dúvida,
a vir-me em primeiro lugar. Não seria justo. De qualquer maneira, talvez
experimente com Bee, quando ela chegar dentro em pouco. Poderá comparar as
sensações que lhe provocarei com as que recebeu de Marie-Anne.»
A mente de Emmanuelle enriquece-se de lembranças: «Os bicos dos seios de
Marie-Anne ficam carmesim, quando ela se masturba. Dois rubis quentes na
racha fresca de Bee.»
A preocupação de compor o quadro provoca-lhe um enrugar da testa. «O que faz
Marie-Anne com a mão que não acaricia o clitóris? Aperta os rubis mais
pequenos de Bee? Não. Já sei! Conserva a mão que tem livre dentro da sua boca e
chupa-a. Pouco antes, introduziu-a no sexo de Bee e retirou-a tão molhada de
suco, que tem com que se deliciar durante uma hora. Também, aliás, se serviu
primeiro da outra mão para a meter, dedo a dedo, dentro de Bee, a fim de, agora,
poder humedecer o seu clitóris com os sucos da amante. Tenho, assim, a certeza
de que ocupa as duas mãos consigo própria. Se não tivesse seios para fazer gozar
Bee, ver-se-ia obrigada a chamar-me como auxiliar.»
O facto de as duas jovens não a terem convidado a que se lhes juntasse estraga
um pouco o prazer que Emmanuelle sente em imaginá-las enlaçadas. Luta,
corajosamente, contra esta tentação de mergulhar na tristeza,
113
através de um reforço imaginativo, de acordo com o axioma que forjou: «Somente
os que possuem imaginação sabem amar de uma forma feliz.» Feliz para ela,
decerto, mas também para aquele ou aquela que ela ama.
Na fusão a três que concebe, a felicidade não se deve tanto à troca dos gestos das
amantes, como à equivalência arrebatadora dos lugares do amor? «Uma vez que o
sexo de Bee está ocupado, chuparei a sua boca como se se tratasse do seu sexo.
Explorarei a sua garganta com a língua, como se ela fosse o fundo latejante da
vagina. Beberei a saliva da sua boca como bebi a do seu sexo.»
Emmanuelle escuta as batidas irregulares do coração. O ritmo acelera-se. Larga o
rebordo do corrimão a que se agarrava. As duas mãos deslizam, lado a lado, ao
longo do ventre. O suspiro, que lhe escapa dos lábios, não se assemelha ao do
nervosismo das horas anteriores.
Mas os abraços com que agora sonha já não distinguem, com absoluta certeza, o
corpo de Marie-Anne do de Bee. «Respirarei o teu hálito e humedecerei as tuas
faces, minha beleza! Sufocarei os meus gritos nas tuas tranças cor de água e
prenderei o teu pescoço nos meus braços. Afundarei as narinas no cheiro do teu
ventre. Comerei a carne do teu púbis desnudo. Morderei o sal dos teus pêlos e o
açúcar da tua nuca. Comprimirei a boca contra as tuas nádegas; farei com que se
diluam sob o meu palato. O seu sabor de pêssego correrá entre os meus dentes
entreabertos. Beberei as pequenas gotas que brotarem dos teus rins arqueados.
Arranhar-te-ei as costas com as unhas e apertarei as tuas ancas entre os meus
punhos cerrados. Cavalgar-te-ei. Meterei as tuas pernas no interior das minhas.
Esfregar-me-ei nas tuas coxas. Ah! Esfregarei tão bem e durante tanto tempo, um
após outro, todos os meus órgãos sugadores nos músculos que se retesam e me
esperam sob a tua pele de criança, que te esvaziarei de ti própria e te encherei de
mim, até deixar de compreender o que desejo amar e o que desejo ser!»
Um deslumbramento interior deixa-a aturdida por momentos; em seguida, abre
os olhos e sorri às folhas e às
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flores que redescobre. Tem sede. Mas apenas se saciará com a bebida única que
espera obter, dar, trocar. Antes do mais, diz para si própria que deverá reordenar
mais lucidamente a sua visão, atribuir a cada uma das figuras a sua identidade,
a sua posição e o seu papel inicial, de maneira a que a cena final será
irrepreensível: harmoniosa e lógica.
«Quando tiver bebido tudo de Bee, dar-lhe-ei, por sua vez, a beber da minha boca
e do meu sexo. A sua boca chupará o meu sexo como o seu sexo chupa o seio de
Marie-Anne. Vir-me-ei na sua boca, ao mesmo tempo que Marie-Anne se virá no
seu sexo. Engolirá o meu esperma imaginário, ao mesmo tempo que na sua
vagina escorrerá o leite de virgem de Marie-Anne. Os licores misturados dos
nossos corpos serão componentes de um cocktail super-humano. Apenas
saciaremos a sede com esta mistura, tanto entre nós como nas festas às quais
passaremos a assistir juntas, inseparáveis, e formando um contraste. Produzi-la-
emos em quantidade suficiente para que todos os convidados possam analisar o
mistério. Ninguém mais em Banguecoque aceitará encher publicamente o seu
corpo com outra bebida, excepto a recolhida dos beijos trocados por Eva, Lilith1 e
Pentesileia2.
Emmanuelle não quer que este poder de antecipação se esgote, antes que os seus
dedos tenham saciado o seu desejo de orgasmo, com tanta perfeição como já o
fizeram ao princípio da manhã. Durante todo o pequeno-almoço, Christopher, à
semelhança do dia anterior e sem pronunciar uma palavra nem esboçar um
gesto, não tirou os olhos do púbis de Emmanuelle. Este olhar despertou-a com
tanta suavidade como se de lábios se tratasse. No entanto, mal se sentou, não
ousou entreabrir as pernas para que o vigia pudesse divisar os seus lábios
interiores e, apesar da sua lealdade a Jean e da sua timidez, os quisesse beijar.
Procurou compensação para a virtude do
1 Nome dado pelo Talmude à primeira mulher de Adão (N. do E.)
2 Rainha das Amazonas, filha de Marte; combateu os Gregos no cerco
Tróia e foi morta por Aquiles. (N. do E.)
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amigo e o seu próprio pudor, imaginando cenas mais ardentes do que o habitual,
quando os dois homens saíram.
Ficou mergulhada durante tanto tempo neste embevecimento que desejava que
Bee a encontrasse nessa posição: o corpo arqueado contra as grandes costas
flexíveis da sua cadeira tropical, as mãos decifrando o sonho no teclado negro e
branco do seu sexo, os calcanhares apoiados na protecção de madeira que a
impedia de uma queda nos canteiros de flores, debaixo do nariz do jovem
jardineiro, ocupado a regar os seus jasmins e os seus bouddha-raksa. O que faria
ele de toda esta nudez, espalhada no meio de uma vegetação tão cuidada?
Na ausência de Bee, pensa: «Se ao menos Christopher estivesse no lugar do
jardineiro!» Suspirou: «É pena... Bah! Estará lá um destes dias.» Por hoje,
conservar-se-ia entre mulheres...
Já era tempo, na verdade, que Bee viesse ao seu encontro! Emmanuelle estava
disposta a permitir-lhe que se saciasse, primeiro, com o sabor de Marie-Anne,
mas, o dia inteiro, era de mais!
Esperou, contudo, muito tempo ainda, com todo o ímpeto e paciência do amor.
Depois, tudo o que nela até esse momento a havia impedido de se render
desvaneceu-se, a pouco e pouco, deixando, apenas e finalmente, lugar para a
fraqueza e o sofrimento. Uma amargura desconhecida submergiu-a. Toda a
confiança que lhe dera forças foi substituída por uma amargura tão grande, que o
pensamento mais não era do que um presságio sinistro, um abismo, uma paixão,
uma vertigem. «Bee não voltará mais. Não quer voltar a ver-me!» Que importam as
razões! Só contam o abandono e a solidão de Emmanuelle. Amava-a tanto! Tinha
a impressão de ter vindo até esta região do fim do mundo apenas para a
encontrar. Desde o primeiro instante que a considerava como aquela por quem
esperava desde sempre. Tê-la-ia seguido até onde ela a quisesse levar. Por ela
teria deixado tudo, se fosse essa a sua vontade. Mas Bee nada pedirá. E
Emmanuelle nunca mais voltará a oferecer-lhe o que estava preparada para lhe
dar. Oh! Apagá-la-á da sua lembrança! Esquecerá
116
o rosto de vitral e os cabelos de fogo, esquecerá a voz sufocada que lhe dizia:
«Sim. Gosto de si.»
Pela primeira vez, desde que deixara de ser criança, lágrimas verdadeiras,
lágrimas grossas correm pelo rosto de Emmanuelle, molhando os lábios e pondo
um gosto a sal na língua; caem sobre a balaustrada do terraço, que não se decide
a abandonar. Emmanuelle chora como se estendesse os braços - virada,
inutilmente, para a clareira de folhagem onde, dali a instantes, nessa tarde,
talvez amanhã, não importa quando, quando lhe apetecer, Bee aparecerá,
acenando...
À noite, Jean e Christopher levaram-na ao teatro. Emmanuelle não prestou
atenção ao espectáculo. O rosto transmitia a mágoa que a invadia. O marido não
lhe fez perguntas. Christopher, que não compreendia nada do que se passava,
tinha uma cara quase tão consternada como a de Emmanuelle. Quando se
encontrou, na cama, nos braços de Jean, chorou de novo toda a sua dor. Sentiu-
se um pouco aliviada. E foi já com menos tristeza que lhe confessou o seu amor
infeliz.
Jean expressou a opinião de que Emmanuelle levava esta aventura muito para o
trágico. Em primeiro lugar, nada provava que o desaparecimento de Bee, nesse
dia, não tivesse sido devido a um impedimento insuperável e de que ela se
justificaria no dia seguinte. Se, contudo, viesse a acontecer que não desejava
tornar a ver Emmanuelle, pois muito bem!, era porque não merecia o elevado
conceito em que ela a tinha. Era preferível que essa ligação cessasse
imediatamente, pois a Emmanuelle decerto estariam apenas reservados desgostos
e decepções mais graves. De qualquer maneira, Emmanuelle devia pensar em si
própria como alguém que se corteja e não que corre atrás dos outros. Por mais
bonita que pudesse ser essa Bee, que Jean, aliás, nunca vira e de quem nunca
ouvira falar até então, estava seguro de que ela não podia ter sequer uma quarta
parte da graciosidade nem das qualidades da sua mulher. Ele não permitiria,
portanto, que esta se humilhasse diante dela. A única resposta que
117
a infiel merecia, se acreditava poder regatear os seus favores a Emmanuelle, era
que esta se desforrasse noutros braços. Emmanuelle não teria dificuldade em
encontrar parceiras mais dignas de si. E devia prová-lo a Bee sem tardar.
Emmanuelle escutou docilmente. «Tem razão», pensava, sem que sentisse a sua
dor na verdade aplacada. Na medida, porém, em que aceitava ouvir outra pessoa
falar-Ihe de consolo e de vingança, distraía-se um pouco da sua angústia. Esta já
lhe parecia menos confusa. Talvez fosse simplesmente efeito do sono. E nunca
chegou a saber se o seu último pensamento, antes de perder a consciência, tinha
sido para a amante fugitiva ou para aquelas, ainda sem rosto, que, um dia, a
substituiriam.
Nenhum dos vestidos que Emmanuelle mandara fazer em França era
suficientemente decotado para o gosto de Jean.
- Mas eu sou a mulher parisiense que mais mostra os seios! - protestou ela,
rindo.
- O que Paris chama mostrar os seios é ainda pouco para Banguecoque -
esclareceu o marido. - É preciso que toda a gente saiba que tens o peito mais belo
do mundo: a maneira mais segura de as convencer é, ainda, fazer com que o
vejam.
O vestido que Emmanuelle envergou para ir à recepção da Embaixada satisfazia
perfeitamente essa pretensão. O decote redondo que se aconchegava ao declive
dos ombros, sublinhando, graças à sua larga curva, a beleza do pescoço de
Emmanuelle, era assimétrico. Cortava o seio esquerdo em diagonal através de
uma linha direita que tapava o bico do peito, mas deixava a descoberto uma parte
da auréola. Do outro lado, uma concavidade, em forma de quarto crescente,
mostrava a plenitude do seio sem mostrar o bico. Mas bastava, evidentemente,
que Emmanuelle se inclinasse um pouco para a frente ou que se sentasse, para
que o peito aparecesse por inteiro.
Por outro lado, o tecido era tão fino e aderia tão perfeitamente à pele que toda a
roupa interior teria transparecido
118
como desenhada em relevo; Emmanuelle não trazia, pois, nada sob o vestido,
nem sequer uma das suas cuequinhas, quase invisíveis e minúsculas, que usava
durante o dia. Mesmo em Paris, depois do casamento, era muito raro pôr
calcinhas, quando se vestia para sair à noite: sentir-se nua provocava-lhe um
prazer tão físico como uma carícia. Esta sensação era ainda mais viva quando
dançava, ou quando usava uma saia muito curta e rodada.
Nessa noite, o seu vestido era estreito como uma luva, da cintura às virilhas, mas
abria-se bruscamente para baixo, num género de espiral, cuja amplitude
surpreendia. Emmanuelle deixou-se cair numa poltrona para mostrar como a
saia subia sozinha, revelando as coxas douradas. O espectáculo assim oferecido
era tão graciosamente impudico que, de repente, Jean se debruçou sobre a
mulher, e procurou, sob a axila, o invisível fecho de nylon que, com mão segura,
fez correr até à altura da anca. com a outra esforçou-se por livrar o corpo nu de
Emmanuelle do seu subtil invólucro de seda.
- O que estás a fazer, Jean? - protestou ela. - és doido! Vamos chegar atrasados.
Temos de ir já.
Ele renunciou a despi-la, levantou-a do chão e estendeu-a sobre o tampo verde-
mar da mesa da sala de jantar.
- Não! Oh, não! O meu vestido vai ficar todo amarrotado. Estás a magoar-me. Se o
Christopher desce? E os criados vão ver-nos!
Jean pô-la de costas, de modo a que as nádegas aflorassem a borda da mesa; ela
mesmo puxou a roupa o mais acima possível para descobrir o ventre. As pernas,
meio dobradas, pendiam no ar. Jean, de pé, penetrou-a, com uma só estocada,
até ao fundo. Riram-se ambos, divertidos com esta situação inesperada. A pressa
de Jean provocou em Emmanuelle um prazer novo que lhe surgia na garganta
com aquele ardor que se se sente no termo de uma longa corrida. com as mãos
ela apertava a polpa dos seios, como para fazer jorrar o néctar; a própria carícia
provocou-lhe um delírio tão grande quanto os assaltos do marido. Aos seus
primeiros gritos, acorreu um criado,
119
pensando que o tinham chamado. Parou, hesitante, à entrada da porta, as mãos
deferentemente cruzadas sobre o peito. A sua expressão mantinha-se
impenetrável. Os gritos de Emmanuelle deviam ouvir-se a distância superior à
das casas vizinhas.
Quando Jean voltou a colocá-la no chão, o criado aproximou-se para limpar a
mesa que eles tinham manchado. Ea, a pequena criada de quarto de
Emmanuelle, ajudou a patroa a recompor o vestido. Chegaram à Embaixada com
um ligeiro atraso.
A assistência, entretanto, já era numerosa. O embaixador, que chegara ao fim da
sua comissão de serviço, dava esta recepção para se despedir.
- Encantadora! - comentou, antes de beijar a mão de Emmanuelle. - Os meus
cumprimentos, meu caro!
- acrescentou, virando-se para Jean. - Espero que o seu trabalho lhe deixe algum
tempo livre?
Uma senhora de cabelos brancos, que ela se lembrava de já ter visitado, encarava
a recém-chegada com um ar de furibunda reprovação. Ariane de Saynes chegou
no momento exacto para agravar as coisas.
- Mas se não me engano - exclamou ela, estendendo as mãos -, eis a imagem viva
do atentado público ao pudor! Depressa, é preciso mostrá-la a todos os nossos
bons espadachins! - Chamou a atenção de um homem elegante que conversava
com um bispo: - Gilbert, olha! Que tal te parece?
Emmanuelle viu-se obrigada a enfrentar, ao mesmo tempo, a avaliação do
conselheiro e do prelado. Sentiu que se saía melhor da primeira prova do que da
segunda. Esperava mais ou menos que o marido de Ariane fosse uma espécie de
idiota presumido e pomposo. Em vez disso, as primeiras palavras do conde
despertaram-lhe sonoras gargalhadas e achou-o, fisicamente, muito a seu gosto.
Entretanto, viu-se cercada por homens de diferentes idades, que a brindavam
com galanteios e olhares aprovadores. Mas estava distraída: perscrutava, à
distância, os rostos desconhecidos, desejando e temendo, em simultâ-
120
neo, descobrir o de Bee. O corpo diplomático em peso devia estar presente e
teriam convidado o irmão sem ela? Talvez sim, apesar de tudo. Emmanuelle não
sabia que atitude tomaria, caso se visse, subitamente, diante da jovem
americana. No íntimo desejava com todas as suas forças que isso não
acontecesse. Cada grupo parecia-lhe esconder uma armadilha. O que tinha ela
vindo fazer ali? Quando poderia escapar-se, ou, ao menos, reencontrar a
protecção do marido?
Este havia sido, contudo, engolido por aquela multidão. Ariane apoderou-se
novamente de Emmanuelle e arrastou-a para um turbilhão de apresentações. A
admiração dos homens envolvia-a. Esta corte colectiva, onde cada pretendente
fazia frente aos outros, este pseudo torneio onde ninguém esperava, de facto, que
ela designasse um vencedor, dava-lhe uma certa segurança. O rosto aparentava
indiferença, mas todos estes olhos que a desnudavam aqueciam-na quase tanto
como os cocktails, que a condessa a obrigava a beber. Esta observava-a em
silêncio, por entre um grupo de aviadores, avançando ligeiramente os ombros e
inclinando o busto. Puxou-a, bruscamente, para o lado.
- Estás magnífica! - exclamou. Os olhos cintilavam-Ihe. Pegou, delicadamente,
entre dois dedos, no bico de um dos seios pontiagudos. - Vem comigo - insistiu.
No salão, lá atrás, não há ninguém.
- Não, não! - opôs-se Emmanuelle.
Antes que Ariane pudesse impedi-la, fugiu e reuniu-se ao grosso dos convidados,
apenas se sentindo em segurança quando um dos homens, já meio caduco, a
conduziu até à balaustrada do terraço, sob o pretexto de lhe mostrar as lâmpadas
chineses tremulando dentro de bexigas de porco. Marie-Anne foi descobri-la
nesse tête-à-rêre.
- Desculpe-me, comendador - disse ela com a arrogância habitual. - Preciso de
falar com a minha amiga.
Agarrou no braço de Emmanuelle, sem se preocupar com os protestos da
veneranda personagem.
- O que
estavas ali a fazer com esse velho gaga? -
121
perguntou, indignada, mal se afastaram uns passos. Procurei-te por todo o lado.
Há uma boa meia hora que o Mário te espera.
Emmanuelle tinha esquecido este encontro. E não sentia a mínima disposição
para o mesmo. Enquanto o velho lhe fazia a corte, pudera, pelo menos com toda a
calma, pensar noutra coisa. Tentou ainda lutar pela sua liberdade.
- É mesmo necessário?...
- Ora, Emmanuelle! - A voz da jovem traduzia cansaço. - Espera até veres, antes
de te fazeres difícil. E escuta, sobretudo, o que este homem tem para te dizer.
A expressão soava tão comicamente recheada de promessas, que devolveu a
Emmanuelle a boa disposição. Antes que tivesse tido tempo de consolidar a
confiança que a sua amiguinha depositava nos encantos do seu herói, este
encontrava-se na sua frente.
Esboçou uma ligeira vénia diante das duas mulheres, brindando cada uma delas
com um olhar penetrante. Em seguida, dirigiu-se a Emmanuelle, como se tivesse
sido esta a pronunciar as últimas palavras de Marie-Anne. Uma inflexão de
dúvida - ou uma pseudomodéstia adoçava a sonoridade um tanto rouca e o
arrebatamento fervoroso da voz.
- Um homem ou uma mulher têm a dizer algo mais do que os outros? Para o
saber, seria necessário que nos conhecêssemos todos. Um desejo utópico, não
acha? Mas o aparecimento do pensamento, que inspirou à nossa espécie tanto
arrojo, dotou-nos igualmente de um poder maravilhoso de comunhão: uma
linguagem que alguns de nós falam em nome de todos, a fim de que todos
possam encontrar-lhe o sentido, que eles próprios quereriam apaixonadamente
expressar; uma linguagem de sons e de formas, de ouvido, vista, tacto, que se
designa com uma palavra muito curta: arte. Esta palavra é tão curta que cada
um deve prolongá-la, segundo os recursos do seu espírito e dos seus desejos. São
estas pequenas adendas que, à força de milhares e milhões de anos, transformam
o nosso mundo de acaso num mundo criado.
122
Esta abordagem de questões fora do comum desconcerta por momentos
Emmanuelle, mas não ao ponto de lhe inculcar de imediato uma disposição séria.
A sua atitude continua a reflectir a alegria despreocupada que lhe trouxe a
presença de Marie-Anne. O recém-chegado observa os olhos brilhantes, os lábios
esboçando um traçado feliz.
- Que bonito sorriso! - aprecia. - Como eu gostaria que ele pudesse ter servido de
modelo aos pintores do meu país. Não acha que esses sorrisos velados, esses
subentendidos criados pelos mestres florentinos são, no fundo, esgares? Reprovo
tudo o que contêm. Há menos arte numa estátua que nos regateia os seus favores
do que num rosto que se abre.
Emmanuelle tenta pisar um terreno firme.
- Marie-Anne acha que me devem pintar o retrato. Reflecte no facto de a jovem
nem se ter dado sequer ao trabalho de os apresentar. - É você o artista que ela
julgou digno dessa tarefa?
Mário sorri. Emmanuelle reconhece que o sorriso tem uma invulgar graciosidade.
- Não possuísse sequer um centésimo do talento que me permito contestar aos
outros, madame, oferecer-me-ia: o talento do modelo faria o resto. Infelizmente
nem mesmo detenho esse pouco. Sou apenas rico com a arte dos outros.
- Ele é um coleccionador, como verás! - interferiu Marie-Anne. - Em sua casa não
tem somente esculturas daqui, mas coisas antigas que trouxe do México, de
África, da Grécia. Quadros...
- Os quais não têm outro valor que não seja servirem-me de lembranças imóveis
da arte verdadeira, cujo traço e o movimento desafiam as figuras mortas. Marie-
Anne, mia - acrescenta -, não acredito nessas cascas caídas da árvore da
sabedoria. Guardo-as apenas como recordação daqueles que sofreram e se
destruíram para as arrancar do tronco ou da ramagem, até ao limite vertiginoso
dos seus mais frágeis galhos, até aos seus loucos rebentos, daqueles que se
esvaziaram de fôlego e de razão, da
123
sua honra e do seu sangue: às vezes o pintor, mas na maior parte das vezes, o
que ele pintava. A arte é feita do desperdício do ser. O que conta não é o Retrato
Oval, é a mulher do pintor.
- Uma vez morta? - pergunta Emmanuelle.
- Não, enquanto morre.
- Mas o quadro tornou-se vivo?
- Fantasia! Uma curiosidade de pacotilha, não mais do que uma máquina ou um
jogo de magia. A arte apenas existiu no que se perdeu; na mulher que se desfazia.
A arte era a queda do seu corpo. Não espere encontrar beleza no que se guarda
nem no que subsiste. Todo o objecto concebido nasce morto.
- Ensinaram-me o contrário - replica Emmanuelle.
- Que «apenas a arte sólida possui a eternidade»...
- E quem se preocupa com a eternidade, pergunto-lhe eu? - interrompe-a
violentamente Mário. - A eternidade nada tem de artístico, é feia: o seu rosto é o
dos monumentos aos mortos. O busto é o cadáver da cidade.
Limpa com um lenço de seda as gotas de suor que lhe escorrem das fontes e
retorna a palavra, num tom mais suave:
- Você conhece o grito de Goethe: «Pára, instante: tu és tão belo!» Mas logo que o
instante se imobiliza, perdeu a sua beleza! Por mais que se tente eternizar a
beleza, a beleza morre. O que é belo não é o que é nu, mas o que se desnuda. Não
o som do riso, mas a garganta que ri. Não o traço sobre o papel, mas o momento
em que o coração do artista se dilacerou.
- Estava a dizer, há pouco, que o artista era menos importante do que o modelo.
- Aquele que eu chamo o artista não é forçosamente o escultor ou o pintor. Este
pode sê-lo algumas vezes; quando se apodera do seu motivo e o desfaz. Mas o que
é mais frequente é o modelo cumprir esse destino por si só e o pintor não passa
de mais uma testemunha.
- E onde está a obra-prima? - interroga Emmanuelle com súbita ansiedade.
- A obra-prima é o que se passa. Mas não! Faço-me
124
compreender mal. A obra-prima é o que passou. Prende nas suas uma das mãos
de Emmanuelle. - Permita-me que responda à sua citação de há pouco com uma
outra. Pertence a Miguel de Unamuno: «A maior das obras de arte não vale a
menor das vidas humanas.» A única arte que não é fútil é a história da sua carne.
- Quer dizer que o importante é a forma como se vence? Que é preciso ascender à
qualidade de obra de arte para sobreviver?
- Não - replica Mário -, não acredito em nada disso. O que quer que se tente fazer
de si, perde-se tempo, caso se pretenda construir no concreto e não em frágil
matéria de sonho. - Deixa cair a mão de Emmanuelle.
- Se tivesse o mínimo direito de lhe dar um conselho pronuncia num tom de
delicadeza um tanto forçada -, não seria a sobreviver, mas a viver que eu a
aconselharia.
Mário afastou-se. Parecia dar a conversa por terminada. Emmanuelle teve a
impressão de que a sua presença não era requerida por mais tempo. Era bastante
desagradável. Dirigiu-se a Marie-Anne, numa tentativa de mudar de disposição:
- Não viste o Jean, por acaso? Desapareceu logo que chegámos.
Outras mulheres monopolizaram o italiano. Emmanuelle aproveitou para se
eclipsar. Mas Marie-Anne veio rapidamente ao seu encontro.
- Então, sequestraste a Bee? - indagou ela sem dar a sensação de atribuir
demasiada importância ao assunto.
- Sempre que tento telefonar-lhe, respondem-me que está em tua casa. - Deixou
escapar um sorriso gentil: E como não quero perturbar as vossas distracções...
Emmanuelle caiu das nuvens. Marie-Anne troçava dela? Não, a jovem tinha o ar
de quem acreditava no que dizia. Que ironia! Não deveria, futuramente, confiar
nos seus fantasmas para saber a realidade? Emmanuelle estava prestes a
explodir. Uma vez mais o respeito humano impediu-a. Poderia confessar a Marie-
Anne que ela própria fora abandonada pela sua amante de um dia? Mais valia
acalentar as ilusões que a jovem das tranças mantinha
125
sobre o poder da sua amiga mais velha. Infelizmente, Emmanuelle, ao calar-se,
privava-se de um meio de reencontrar Bee. Decidiu que, em vez disso,
interrogaria Ariane. Mas não via em parte alguma os seus cabelos curtos, nem
ouvia as suas gargalhadas. Teria encontrado uma outra vítima a quem dar a
conhecer o pequeno salão? Marie-Anne falava de novo da inacessível americana.
- Queria, pelo menos, dizer-lhe adeus. Pior para ela: apresenta-lhe as despedidas
da minha parte.
- O quê? Ela vai-se embora?
- Não. Vou eu.
- Tu? Não me disseste nada. Para onde vais?
- Oh, tranquiliza-te! Não para muito longe. Vou passar um mês junto ao mar. A
minha mãe alugou um bangaló em Pattaya. Não te esqueças de nos fazer uma
visita. É simples, apesar das estradas atravancadas: cento e cinquenta
quilómetros. Tens de conhecer as praias: uma maravilha.
- Eu sei: um desses lugares abençoados, onde os esquilos vêm comer à mão. Não
te verei mais.
- Onde vais tu inventar esses disparates?
- Aborrecer-te-ás sozinha.
Emmanuelle verificou, surpreendida, que sentia um aperto no coração. Marie-
Anne, por muito insuportável que fosse, ia fazer-lhe falta. Não queria, contudo,
que ela se apercebesse da sua tristeza. E forçou-se a rir.
- Nunca me aborreço em parte alguma - redarguiu a amiga. - Tomarei banhos de
sol durante horas e farei esqui aquático. Levo, aliás, uma mala cheia de livros;
preciso trabalhar para o recomeço do ano lectivo.
-É verdade - gracejou Emmanuelle. - Já me esquecia que terás de voltar ao liceu.
- Nem todos se podem dar ao luxo de ter a tua ciência infusa.
- Tens algumas amigas em Pattaya?
- Não, obrigada. Tenho muita vontade de estar tranquila.
- És muito amável! Esperemos que a tua mãe te man-
126
tenha debaixo de olho e não te deixe andar demasiado com os filhos dos
pescadores.
Os olhos verdes limitaram-se a reflectir um sorriso enigmático.
- E tu, o que é que vais fazer sem mim? - perguntou a jovem. - Recairás nas
parvoíces do costume.
- Claro que não. Sabes bem que vou entregar-me ao Mário - brincou Emmanuelle.
Marie-Anne pareceu perder de imediato todo o desejo de gracejar.
- Quanto a isso, não podes retroceder - advertiu. Não te esqueças de que
prometeste! Já não és livre!
- Nisso, enganas-te. Farei o que quiser.
- De acordo, desde que cuides de Mário. Não tens intenção de te afastar agora,
espero?
Marie-Anne tinha um ar tão desanimado, que Emmanuelle quase se
envergonhava de si própria. Não queria, porém, render-se.
- Ele não é assim tão irresistível como o definiste. Acho-o um tanto pedante. Atira
frases para o ar e fica a ouvi-las; não precisa de auditório suplementar.
- Em vez de te fazeres rogada, devias considerar-te satisfeita que um homem
como ele se interesse por ti. Posso garantir-te que é bem difícil!
- Ah, é? E interessa-se por mim? Mas que honra!
- Exacto. E fiquei muito contente por ver que lhe causaste uma boa impressão.
Posso confessar-te que antes não estava assim tão segura.
- Mais uma vez, obrigada. E o que achas, podes dizer-me, do efeito que lhe
causei? Fiquei com a impressão que ele só se preocupa consigo.
- Imagino que admites que o conheço melhor do que tu, não?
- Naturalmente! Presumo, aliás, que há muito tempo que lhe tens concedido os
teus favores? Poderás, assim, confiar-me as notas que tiveste nos exercícios
práticos, já que isso me ajudará a não parecer tão embaraçada na hora do
sacrifício.
- Farias melhor se te mostrasses um pouco menos
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idiota, se não queres que te ignore. Mário tem horror à estupidez. - Bruscamente
conciliadora, Marie-Anne acrescentou: - Mas eu sei que, na realidade, é apenas
um comportamento que gostas de assumir. Caso contrário, não te teria
apresentado a ele. - Depois, afectuosa e apressada: - Tenho a certeza de que
vocês se entenderão muito bem. Vais ser feliz. E estarás ainda mais bonita,
quando te voltar a ver. Quero que sejas sempre mais bonita.
O olhar de verde-jade adquirira uma tal doçura, que Emmanuelle se sentiu
perturbada.
- E uma pena que te vás embora, Marie-Anne murmurou.
- Voltaremos a encontrar-nos muito em breve. Não te esquecerei! Fica tranquila!
Trocaram um sorriso de amizade, quase de intimidade. Depois, Marie-Anne
voltou à carga, como que em busca de um terreno menos propício ao
enternecimento.
- Promete-me uma vez mais que te comportarás como te disse com o Mário, está
bem?
- Oh, claro! Se isso te dá tanto prazer.
Pela primeira vez desde que se conheciam, Marie-Anne aproximou o rosto do de
Emmanuelle e deu um beijo rápido na face da amiga. Esta esboçou um gesto
para reter contra si a cabeça apetecível, mas ela já se afastara.
- Até breve, mocho-gata! Telefono-te amanhã, antes de partir. E irás visitar-me à
praia.
- Sim - acedeu Emmanuelle num fio de voz. Voarei ao teu encontro.
- Agora, vamos ter com os outros.
Tinham-se mantido afastadas do centro da multidão. Voltaram a juntar-se-lhe.
Emmanuelle passou de grupo em grupo, sem se deixar prender. Procurava
Ariane. Foi esta que a descobriu primeiro.
- Eis de volta a imaculada Virgínia1! - exclamou.
1 Jovem plebeia romana morta pelo próprio pai, para a não deixar vender como
escrava pelo decênviro Ápio Cláudio. (N. do E.)
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- Pensava que estivesse entregue a macerações, num qualquer retiro de
penitência.
- Bem pelo contrário - ripostou Emmanuelle no mesmo tom. - Um príncipe das
trevas esteve a aconselhar-me a fazer carreira na arte do strip-tease.
- Quem é o conhecedor?
- Apenas me disseram o primeiro nome: Mário.
- II marchese Serghini? - inquiriu Ariane, marcando o tom trocista. - As
galanterias dele em nada a comprometem. A sua virtude correria mais perigo se
fosse um bonito rapaz...
- Quer dizer que ele é...
- Teria escrúpulos em dizer mal, se o próprio fizesse segredo. Ele ainda não lhe
expôs as suas teorias favoritas? Vejo que ainda não a honra com a sua confiança:
para mim tem menos segredos. É, aliás, um homem requintado e adoro-o.
- Talvez me oculte alguns dos seus gostos porque eu lhe inspiro outros -
argumentou Emmanuelle, despeitada.
Não gostou que Marie-Anne lhe tivesse omitido essa preferência do seu herói.
Seria de acreditar que o ignorasse - ela que sabia tudo?
- «Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate!» - declarou Ariane. - O nosso esteta é um
homem de princípios: jamais se deixará desviar das suas virtudes e dos seus
caminhos.
- Oh, não me diga! E eu que tenho causado a depravação de outros! - vangloriou-
se Emmanuelle.
Estava furiosa, mas a sua agressividade encantava Ariane, que se divertiu a
atiçá-la:
- Quanto a este, receio bem que se mostre incorruptível.
- É o que veremos.
- Bravo! Aquela que converter Mário merecerá um príapo em ouro. - Baixou a voz.
- Mas se estivesse no teu lugar, não perderia o meu tempo ao serviço de causas
perdidas; há tantos meios mais cómodos de uma pessoa se divertir. Repito-te que
conheço cem homens todos tão
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sedutores como esse e que não pedem mais do que ir para a cama. Queres que te
apresente alguns?
- Não - respondeu Emmanuelle. - Gosto das vitórias difíceis.
- Então, boa sorte! - concluiu Ariane, jocosamente. Depois fitou Emmanuelle com
o mesmo olhar com que a brindara no clube. - Tens tido prazer nestes últimos
dias? - perguntou, num murmúrio.
- Sim - respondeu Emmanuelle.
Ariane perscrutou-a por um momento, sem pronunciar palavra.
- com quem?
- Não digo.
- Mas fizeste amor com alguém, não é verdade?
- Sim.
Ariane sorriu-lhe com amizade.
- Esta noite tenho um presente para ti.
- O que é? - interessou-se Emmanuelle curiosa, embora sem o querer
demonstrar.
- Não digo.
Emmanuelle amuou e Ariane enterneceu-se:
- Três parisienses, que estão aqui só por um dia. Deixo-tos para ti, para começar.
O número certo.
- E tu?
- Oh! Reservar-me-ás uma pequena sobremesa. Emmanuelle riu, conquistada
pelo gracejo. Ariane interrogou-a:
- Estás nua debaixo do vestido?
- Sim.
- Mostra.
Desta vez, Emmanuelle estava demasiado perturbada para conseguir resistir.
Tinham-se afastado, a pouco e pouco, do resto dos convidados. Pegou na ponta
da saia e levantou-a.
- Que beleza! - extasiou-se Ariane, os olhos fixos no ventre negro e ocre.
Emmanuelle sentiu o sexo em oferta, como se estes olhos a tocassem, como se
fossem dedos ou uma língua. Colocou o corpo de forma a que o olhar de Ariane
pudesse lambê-la.
130
- Mostra-me mais! - ordenou Ariane. Emmanuelle esforçou-se por obedecer, mas
o vestido bloqueou a intenção.
- Despe-o - disse Ariane.
Emmanuelle abanou a cabeça afirmativamente. Ansiava por se pôr nua. Os bicos
dos seios exigiam oferecer-se, tal como o seu sexo. Fez descair as alças, puxou o
fecho do vestido debaixo da axila.
- Oh! - exclamou Ariane. - Eis os importunos! O encanto desvaneceu-se:
Emmanuelle encontrou-se a
sair de um sonho. Voltou a fechar o vestido. Ariane pegou-lhe por um braço e
levou-a para mais longe. Um criado surgiu com uma bandeja: ambas beberam
uma taça de champanhe de um só trago.
Ariane voltou a chamar o criado e trocaram as taças vazias por outras cheias.
Não sabiam muito bem o que dizer, enquanto olhavam diante delas e fixavam,
sem as ver claramente, todas essas pessoas que tagarelavam em tom gritante e se
desfaziam em mesuras. Parecia-lhes que a temperatura tinha subido. Talvez se
aproximasse uma tempestade.
- Não achas que vamos ter uma tempestade?
- Sem dúvida.
- Que calor! Cada vez tenho mais sede!
«Este vestido é muito quente», pensou Emmanuelle. Alguém fez um sinal a Ariane
e Emmanuelle recordou-se subitamente do que lhe queria perguntar.
- Escuta - disse, retendo-a por uma dobra da saia.
- Conheces uma americana ruiva, de um ruivo-escuro, quase cobre? É irmã de
um adido naval. Ela...
- Bee? - interrompeu Ariane.
Emmanuelle sentiu um baque no coração. Teria achado mais normal que
ninguém conhecesse a estrangeira e, embora pretendesse exactamente
informações sobre ela, ficou, devido a uma contradição que revelava a desordem
dos seus pensamentos nesse momento, contrariada por ouvir o seu nome dos
lábios da condessa.
- Sim - admitiu. - Ela está aqui, esta noite?
- Deveria estar, mas não aqui.
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- Porque não teria vindo, se foi convidada?
- Ignoro.
Ariane pareceu subitamente evasiva e como que desejosa de mudar de assunto,
uma atitude que nela era pouco habitual. Emmanuelle insistiu:
- Que género de mulher é ela, na tua opinião?
- Como é que a conheceste?
- Encontrei-a num chá, em casa de Marie-Anne.
- Ah, sim? Não é para admirar: é uma das suas amigas.
- E tu vê-la muitas vezes?
- Bastantes.
- Que faz ela em Banguecoque?
- O mesmo que tu e eu: desperta desejos!
- Porque é que o irmão a mantém assim, sem nada que a ocupe?
- Não me parece que a mantenha. Ela tem muito dinheiro. Não precisa de
ninguém.
A frase ressoou lugubremente no coração de Emmanuelle. Não precisava de
ninguém? Disso, ela não duvidava.
Ignorava o que mais perguntar. Não encontrou explicação para o facto de não se
atrever a perguntar a morada de Bee, como se uma tal pergunta fosse
inconveniente.
- Então? - inquiriu Ariane.
Emmanuelle sabia no que ela estava a pensar, mas fez-se desentendida. A sua
interlocutora precisou:
- Vens comigo esta noite?
- Não posso por causa do meu marido.
- Ele confiar-te-á à minha guarda.
Mas a tentação passara e Ariane tomou consciência dessa realidade.
- bom. Ficarei com as três partes do bolo! - retorquiu.
Mas o seu bom humor soava a falso: também ela parecia ter perdido o desejo
libidinoso. Emmanuelle tinha quase a certeza de que, acabada a recepção, Ariane
iria dormir.
- Ali está o teu Mário! - exclamou Ariane. - Vejo
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que tem o ar de quem procura alguém: a ti, certamente! Não o deixes fugir!
Empurrou Emmanuelle pelo braço.
O italiano, contudo, dirigiu-se a um siamês de idade, vestido com um
chongkrabên vermelho e que lhe manifestou grande cordialidade.
- Se o teu marquês começa a dissertar sobre os falsos Chieng Sen e os
verdadeiros Sukhothai com o príncipe Dhana, têm conversa no mínimo para uma
hora - declarou Ariane num tom enfadado. - Procuremos noutro sítio... Vou
buscar-te uma bebida.
Soltou o braço da amiga e deixou-a sozinha. Emmanuelle pensou uma vez mais
que o melhor seria ir-se embora. Onde estaria Jean? Tentou descobri-lo, mas foi
distraída da sua busca ao avistar uma jovem que logo achou dotada de uma
beleza e descaro extremamente provocantes. «Ainda está mais despida do que eu!»
(Mas esta comparação não lhe provocou qualquer sentimento de inveja: bem pelo
contrário.) Pensou também: «Ela acaba de chegar, senão já a teria notado antes.»
Consideraria imperdoável da sua parte ter deixado escapar um assunto tão
interessante: este era capaz, por si só, de eliminar o tédio daquele party.
Á desconhecida era tão loura como Marie-Anne, mas tinha os caracóis compridos
e obedecendo a uma simetria precisa; formavam uma única moldura de cristal
dourado à volta do rosto, ombros, costas e busto. E este toucado era
praticamente a única opacidade que a aparição lhe oferecia, na medida em que a
teia de aranha que lhe servia de vestido nada lhe escondia das partes do seu
corpo que a sua cabeleira de guerreira ou de santa não protegia.
Emmanuelle aproximou-se para desfrutar melhor este quadro surpreendente
numa recepção oficial. Não tardou a aperceber-se do motivo por que a assistência
não se perturbava com esta nudez: tratava-se de uma nudez fictícia. Sob a túnica
impalpável, a jovem usava uns collants cor de carne: um maillot de uma só peça,
indubitavelmente muito fino, mas que não deixava o mínimo pedacinho de pele a
descoberto. Nem os bicos dos seios, o
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umbigo, ou os pêlos do púbis eram visíveis, com excepção do seu relevo marcado
sob este disfarce.
Emmanuelle sentiu que a sua excitação se desvanecia. Detestava os artifícios, a
maquilhagem; bocejava nos espectáculos de bailado. Sentia-se irritada com a
pseudonudez e os orgasmos de cisne das bailarinas. «Que se enfeitem de belas
plumas, ou então que se apresentem verdadeiramente nuas!», criticava. Voltou as
costas, decepcionada, da batoteira. Ou melhor, sem disso tomar consciência,
seguiu o olhar que ela, indiferente à admiração dos que a rodeavam e sem lhes
prestar atenção, dirigia para o centro de um outro grupo. Ali, no meio de homens
e mulheres, aos quais, por seu lado, não prestava qualquer atenção, uma alta e
esbelta morena correspondia na íntegra aos seus olhares.
Emmanuelle comoveu-se ao detectar entre estas duas mulheres uma troca de
desejos e uma conivência sensual, que lhe eram familiares. Logo perdoou à
rapariga loura o embuste da roupa: esta sereia vestia mal, mas sabia escolher as
parceiras amorosas! Os olhos violeta e os lábios de nácar da morena agradavam
tanto a Emmanuelle que esteve prestes a ir-lho dizer. Apenas se reteve no último
instante, com medo que Marie-Anne surgisse da sua toca para a censurar ou que
Ariane viesse espicaçá-la com um dos seus gracejos trocistas.
Este ímpeto de respeito humano fez com que perdesse o ensejo de declarar, a
tempo, a sua admiração à beldade morena; esta libertara-se, subitamente, do
grupo dos seus admiradores. Nesse momento ela deslizou (era este o termo com
que Emmanuelle designava mentalmente o seu avanço fluido e rápido) na
direcção da beldade loura, agarrou-a pela mão, arrastou-a para fora do seu
próprio círculo e levou-a para o exterior, com uma determinação que transformou
numa nuvem luminosa desenhada no ar, a cabeleira loura na qual Emmanuelle,
astrónoma fascinada, julgou ver cintilar estrelas.
E tudo isto sem que uma única palavra tivesse sido trocada.
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Um mutismo tão eficaz, aliado à expressão de alegria fogosa que iluminava o
rosto das duas protagonistas, cativou Emmanuelle com muito mais força do que
o teria conseguido o mais ousado dos diálogos eróticos. A harmonia, que unia
estas duas mulheres, dataria de uma longa data, ou aquela mútua sedução
reportava-se ao próprio instante? A espectadora preferia, naturalmente, optar
pela hipótese de um irresistível impulso amoroso; mas, após uma pausa de
reflexão, disse de si para si que o espaço de tempo, mais ou menos longo, gasto
pelas apaixonadas para chegar a um tal entendimento, pouco interessava. De
qualquer modo, a forma perfeita de comunicação, que acabava de testemunhar,
provinha daquela arte definida por Mário: uma arte mais expressiva do que
qualquer palavra articulada. A linguagem de sinais praticada pela mão da
morena dissera o bastante, dissera tudo o que era necessário quando pegar na
mão da loura - a única parte do seu corpo, salvo o rosto, que não se encontrava
cunhada de falsidade mediante um exasperante preservativo de látex. As palavras
de amor são pobres, comparativamente ao génio de uma mão.
Emmanuelle recusou-se a perder de vista estas duas activistas da beleza. Não se
atreveu, no entanto, a acompanhá-las, quando as viu descer, dois a dois, os
degraus da enorme escadaria que levava aos jardins. Dado não pretender ser
apanhada em flagrante delito, encostou-se, com uma expressão entediada, à
balaustrada do terraço. Debruçou-se, porém, sobre o corrimão em mármore, a
fim de colher uma última imagem da graciosidade das fugitivas.
Não foi obrigada a procurá-las longe. Encontravam-se banhadas pela luz, mesmo
por baixo de Emmanuelle. Tudo indicava que o arrebatamento havia sido detido
por um encontro inesperado. Ambas examinavam, agora, com uma enorme
curiosidade, um homem novo que lhes barrava o caminho. Emmanuelle ouviu
uma delas (ignorava qual) perguntar: «Quem é você?» Não ouviu a resposta. As
duas jovens prolongaram o seu comportamento intrigante. A loura estendeu um
braço na direcção da testa do jovem e afastou-lhe uma madeixa com colorações
outonais.
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«Ele parece-se com o semideus que me encantou no avião» pensou Emmanuelle.
Admitiu que, à distância onde estava, imaginava mais do que via as feições do
indivíduo. Esta imagem continuou, porém, a emocioná-la, enquanto se esforçava
por não deixar escapar um só detalhe dos factos que se desenrolavam, com toda
a realidade, sob os seus olhos.
Observou, todavia, que contrariamente ao herói das altitudes, este não tomava a
iniciativa. Contentava-se em fitar as jovens que tinha na frente. Durante um
longo momento, elas também nada mais fizeram, além de o perscrutarem
pensativamente, ocupadas a pesar as suas qualidades e defeitos. Ninguém emitia
um som. Emmanuelle pensou que, após terem dado as mãos, cada uma destas
duas mulheres sabia sempre o que a outra pensava e sentia. Nem um som, tão-
pouco um pestanejar, era necessário para traduzir a telepatia mineral dos seus
circuitos.
Mas será normal um computador beijar o objecto do seu estudo? A loura
aproximou o seu rosto do rosto do homem, pousou os lábios nos dele e manteve-
os ali a seu bel-prazer. E quase em simultâneo com esse gesto, abriu a mantilha
formada pelos seus cabelos, pegou nas mãos que o jovem conservava ociosas e
guiou-as até aos seus seios.
Emmanuelle notou que eles se haviam tornado mais proeminentes. Distinguia,
agora, o contraste rosado dos bicos, quase as suas pregas. Seria que o maillot
aderia mais ao corpo, quando os bicos não estavam excitados e apenas os
moldava mais sugestivamente, ou teriam os mesmos furado o tecido? «A não ser
que o maillot seja feito de uma substância dissolvente, um material sensível que o
desejo funda no momento preciso. Ainda bem, porque me sentia inquieta!» Ter-
lhe-ia desagradado que a jovem se visse forçada a gestos desajeitados para se
libertar da roupa e, pior ainda, que o maillot impedisse o acesso a um tão belo
corpo.
Sentiu-se, repentinamente, tão desejosa de assistir à penetração deste corpo pelo
jovem, que qualquer preli-
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minar lhe parecia nocivo. «Não esperes!», impacientou-se num fio de voz. «Entra
depressa nela, como eu o faria, se fosse um homem!»
Tomou igualmente a resolução de fazer, um dia, amor como homem a uma
mulher: mais precisamente a esta.. Não examinou em pormenor a hipótese e os
meios de concretizar esta inovação física. A bonita loura inspirava-Ihe essa
tentação, eis tudo! Tal bastava para a intensidade do momento.
Quase tinha esquecido a morena.
Não ficou, porém, contrariada quando esta se pôs a desfazer o nó da gravata do
rapaz, desabotoou um a um os botões do casaco e depois os da camisa, expondo-
lhe o peito, que começou a explorar. Decorrido algum tempo, a loura despregou
os lábios daqueles que beijava e pousou-os nos lábios da morena. O avanço das
nucas, a inclinação dos pescoços, o menear das ancas possibilitaram a
Emmanuelle deduzir o percurso das línguas, as suas cavalgadas e encontros, à
vez, na boca de uma e depois na da outra, num anteceder da descoberta de
outros orifícios e outras reciprocidades. Emmanuelle deixara, agora, de prestar
atenção ao homem..
A amante loura recordou-se dele. Furtou-se aos beijos da morena e, apoiando
uma das mãos nos cabelos da amante, obrigou-a a virar a cabeça e a aproximar
os lábios na direcção dos do rapaz. Forçou este, em seguida, a abandonar-lhe os
seus seios e guiou-lhe os dedos, apertando-os nos dela, ao nível do sexo da
morena, empurrando-os para que eles cavassem com as unhas e rebuscassem as
gretas que o tecido da saia tapava.
Quando concluiu que estes dedos se entregavam convenientemente à sua tarefa e
quando os mesmos deixaram de se ver por entre o linho amarfanhado
(Emmanuelle sentiu um novo tipo de excitação ao imaginar que género de tecido
fora arrancado por estes dedos; perversa, envolveu-os suavemente, humedeceu-se
com eles, à medida que ela e eles iam avançando entre as mucosas da morena), a
loura ajoelhou-se, desapertou calmamente o cinto e abriu a braguilha das calças
do homem. com uma
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elegância muito mais romanesca (convenceu-se Emmanuelle, tendenciosa) do que
denotaria uma bailarina no mais terno dos adágios, introduziu-se na brecha que
fizera e apenas retirou as mãos quando libertou uma verga tão rija e latejante
como aquela, recordou Emmanuelle, que a havia trespassado, de pé, no
Unicórnio Voador.
A fim de apreciar, de ângulo mais favorável, a obra das suas mãos, a jovem
recuou o busto, ao mesmo tempo que, com um gesto da nuca, atirava para trás a
farta cabeleira, cujo brilho nesse momento se assemelhava ao do luar.
Emmanuelle teve a ilusão de que estas duas fontes de luz se haviam aliado para
moldar, cada uma segundo o seu humor e o poder da sua carícia, a plástica deste
falo erguido para o céu. O fulgor de um branco-pálido, ora atenuava, ora
acentuava a sua brutalidade, tal como, numa aguarela de Leonor Fini, a
flexibilidade esbranquiçada de alguns nus revela a impaciência dos corpos
masculinos ou femininos quanto a fazerem brotar os sucos do amor.
A loura não tinha abandonado a pressão na verga. Colocava à prova a resistência
e o seu controlo, imprimindo-lhe, com um misto de suavidade e de força,
movimentos tão amplos e de uma regularidade tão imperiosa, que já deveria ter
recebido nos cabelos os longos jactos de esperma que - com os olhos pensativos
fixos neste prodígio iminente - parecia esperar.
Iria cansar-se, por fim, deste estímulo sem resultados ou pretendia, pelo
contrário, recompensar o herói por uma tal resistência? Inclinou repentinamente
a cabeça para diante, tapando, com a sua cabeleira tornada aureolada de
miragem, o sexo que fizera surgir da escuridão. Emmanuelle deixou de ver o que
acontecia por baixo deste véu de um brilho inultrapassável.
Talvez para eliminar a feição incómoda deste segredo, a morena, sem interromper
a carícia que os seus lábios ensinavam aos do kouros, libertou-o, por completo,
da roupa que entreabrira para lhe desnudar o peito e atirou-a para o chão. com
mãos misteriosas sob o manto dos seus cabelos, a loura deveria, por seu lado, e
entre outros
138
actos, ter libertado o jovem do resto do vestuário, pois, quando de um novo
sobressalto, tão violento como os anteriores, ela voltou a afastar-se, ele surgiu
como a estátua de pedra viva junto às águas antigas que Emmanuelle pretendia
que ele fosse. Como era belo o seu sexo erecto e reluzente de beijos; esculpido de
sombras e brilhos selvagens, como o eram as águas do ribeiro próximo, ora
fendidas pelos remos, ora erguidas pelas nassas dos barqueiros.
A loura encontrava-se, de novo, em pé. com um gesto extraordinariamente seguro
e breve, levantou o vestido semelhante a uma teia de aranha e atirou-o para o
ruído das águas. A rede planou, antes de cair sobre uma presa desconhecida.
Aplausos de aprovação vindos de pescadores invisíveis saudaram a actuação.
Nenhum dos três personagens admirados por Emmanuelle parecia escutar estas
vozes. A morena envolveu, com os braços, as cinturas dos seus parceiros e
atraiu-os a si, dissimulando em parte a sua nudez enluarada com a longa túnica
plissada. Os três rostos diluíram-se igualmente na farta cabeleira da loura. O
homem e as suas conquistadoras mantiveram-se, assim, durante um tempo
incalculável. Só de tanto perscrutar, Emmanuelle conseguia aperceber-se do
meneio orgíaco dos seus rins, ao ritmo da pressão dos ventres das mulheres
sobre o falo que partilhavam.
A única falha, que Emmanuelle achava neste quadro, residia no facto de a
morena não estar nua. Porque se obstinava em ocultar as formas sob este quíton
de Amazona, deslocado num local tão distante de Tróia?
Emmanuelle sentiu-se trespassada por um pensamento tão afiado como uma
espada grega, tão súbito e violento que quase lhe provocou um grito. E se esta
beleza desconhecida fosse Bee?
A silhueta esguia, o busto sem relevo, o porte de raça e sereno eram os mesmos.
Tal não acontecia, de facto, com a cor dos olhos nem com o penteado. Mas talvez
estas íris violetas fossem lentes de contacto. E o penteado ao alto da cabeleira,
segundo um estilo marcadamente africano, poderia ser o de uma peruca.
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Emmanuelle tentou chamar-se à razão: «Não posso estar sempre a vê-la por todo
o lado. Já me escaldei...»
Passou a crivo o absurdo da sua alucinação: «Bee jamais se disfarçaria para
assistir a um convite do embaixador. Não teria seduzido esta loura, como acabo
de a ver fazê-lo. Não se meteria com um homem de passagem. E o amor a três
não se enquadra nos gostos que lhe conheço.»
Conheceria, de facto, os gostos de Bee? Viu-se forçada a admitir que nada sabia,
absolutamente nada, a respeito dela. Como podia, então, imaginar que a
reconhecia? Ou, também negar estupidamente que qualquer mulher pudesse
representá-la?
Este exercício de lógica e de obsessão, no qual Emmanuelle se via envolvida como
num círculo vicioso, fatigou-a mais do que a sua espreita prolongada. Optou por
renunciar e preparava-se para dar meia volta, quando o grupo voltou a animar-
se. Mais uma vez a acção partiu das mulheres. Afastaram-se bruscamente uma
da outra e do herói nu, deixando-o sozinho, à distância, pelo espaço de um
segundo. Ambas o fitavam, surpreendidas, como se tivessem acabado de o
descobrir. Um príapo feito estátua neste jardim perdido nos confins do mundo,
em espera de idólatras ou de iconoclastas. Pareciam tomadas de uma jovial
indecisão: o que fazer da sua virilidade?
Decidiram-se pela mesma escolha. Agarraram juntas o molde antigo; levaram-no,
prisioneiro, até um maciço de flores vermelhas de elevados caules e iluminado
por projectores; abriram passagem entre as hastes cerradas, desaparecendo entre
os ramos luxuriantes. A morena avançava em primeiro lugar, agarrando no
homem pelo sexo. A loura fechava o cortejo, acariciando-lhe as costas.
Desapareceram, engolidos pela folhagem.
Esquecendo as resoluções tomadas, Emmanuelle conservou-se, durante muito
tempo, como que imobilizada junto à balaustrada. Descobriu uma nova
linguagem de sinais, cuja possibilidade não pressentira até então. A indiscrição
deste idioma vegetal era ainda mais lasciva do que a das mãos que falam.
Emmanuelle aprendeu, assim,
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a ler na sugestiva ondulação do agrupamento de flores os sopros de prazer que
lhe chegavam, vindos debaixo. As sucções de ar e os sorvos, que provocavam um
diálogo das coroas nas suas elevadas hastes e que esvaziavam os estames do seu
pólen, anunciavam, com um silencioso impudor, a audácia carnívora dos
amantes escondidos.
Ò bosque inteiro tinha-se transformado numa grande flor geométrica, medindo a
capacidade sexual dos corpos humanos que Émmanuelle via mentalmente
inclinar-se, fender-se, dividir-se em partes iguais e reconstituir-se, vezes sem
conto num jogo sem limites de imaginária fantasia.
...Chegava!... Iria embora. Para deixar a tríade livre
- livre igualmente de não a iniciar nos seus amores isósceles - apagaria da
memória a marca destes mistérios. Não se recordaria dos corpos, nem dos
cabelos, nem do rouge, nem do pó-de-arroz. Os seus lábios deixariam que os
beijos se perdessem no vento. Não faria perguntas inúteis. Não...
«Admitamos que a morena não é Bee. Mas quem é a loura?»
Mário apercebeu-se, de longe, que ela não se afastava do seu posto de observação
e dirigiu-se-lhe.
- Marie-Anne falou-me muito de si - declarou. Aquelas palavras em nada
contribuíram para tranquilizar Émmanuelle.
- E que foi que ela lhe disse?
- O bastante para que deseje conhecê-la melhor. E impossível falarmos à vontade
no meio desta confusão. Dar-me-ia um grande prazer se aceitasse, um destes
dias, jantar na calma da minha casa.
- Obrigada - agradeceu Émmanuelle. - Mas neste momento temos um amigo
connosco. Só muito dificilmente...
- Mas qual é o problema de o deixar uma noite à guarda do seu marido. Tem
licença para sair sozinha, presumo?
- Claro - respondeu Émmanuelle.
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Interrogou-se sobre o que pensaria Jean. E depois acrescentou com certa malícia:
- Mas não prefere que leve também o meu marido?
- Não - respondeu Mário. - Convido-a apenas a si.
Aqui estava a imagem da franqueza. Emmanuelle- sentia-se, no entanto, um
pouco admirada. O tom deste convite não se enquadrava bem com a reputação
que Ariane atribuía a Mário. Gostaria de clarificar a situação.
- Não é muito conveniente para uma mulher casada
- redarguiu num tom despreocupado - jantar em casa de um homem solteiro. O
que pensa disso?
- Conveniente? - articulou Mário, como se ouvisse uma tal palavra pela primeira
vez, e desde logo a achasse difícil de pronunciar. - Acha que é preciso ser
conveniente? É uma das suas regras?
- Não, não! - protestou Emmanuelle, alarmada. E, contudo, voltou a tentar
apalpar terreno: - Mas para uma mulher é mais picante ser advertida,
previamente, dos riscos que corre.
- Tudo depende do que você considera risco. Qual é, afinal, o seu conceito de
perigo?
Emmanuelle encontrava-se uma vez mais entre a espada e a parede. Quer se
referisse aos deveres do casamento, às práticas tradicionais ou aos bons
costumes, era fácil de prever a resposta de Mário. Não tinha, por outro lado,
coragem ou à-vontade suficientes para confessar, em termos correctos, o que a
preocupava. Assim, apenas conseguiu dizer e com bastante dificuldade:
- Não sou medrosa.
- Nada mais lhe peço. Quer aparecer, então, amanhã, à noite?
- Mas nem sei onde mora.
- Dê-me a sua direcção: um táxi irá buscá-la. - Esboçou um sorriso encantador. -
Não tenho carro.
- Poderei levar o meu?
- Não, perder-se-ia de certeza. O táxi estará em sua casa às oito horas.
Combinado?
- Combinado.
Emmanuelle indicou-lhe o bairro, a rua e o número.
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Mário fitou-a demoradamente e, por fim, declarou sem dar ênfase à frase:
- É muito bonita.
- É o mínimo que pode dizer - replicou delicadamente Emmanuelle.
SEXTO CAPÍTULO
O SAM-LO
A cidade que é minha, disponho dela.
ECLESIASTES, VIII, 12
Semeia de manhã a tua semente, E de tarde não deixes as tuas mãos ociosas...
ECLESIASTES, XI, 6
A árvore da sabedoria envolvia-a com a sua folhagem, que era os meus braços.
MONTHERLANT, «Don Juan»