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Emmanuelle Arsan - Emmanuelle

Emmanuelle Arsan

Emmanuele

A publicação de Emmanuelle provocou desde


logo um enorme escândalo e curiosidade, e ao
sucesso do livro veio juntar-se o do filme,
protagonizado pela inesquecível Sylvia Kristel.
Agora, trinta anos decorridos sobre a sua
publicação, o livro aparece de novo na sua
primeira edição integral, mais de acordo com as
intenções originais da autora.
A bordo de um avião, a jovem Emmanuelle
inicia uma viagem que a conduzirá até Banguecoque, onde se reunirá ao seu
marido. Mas
este é também o início de uma outra viagem, em
que Emmanuelle parte .à descoberta dos limites da arte de amar, intregando-se
totalmente ao
culto do prazer dos sentidos. Com a complacência do
marido, ela irá multiplicar as suas
experiências eróticas, numa febril e insólita
celebração da volúpia carnal, livre de quaisquer
pudores ou interdições moralistas.
Um clássico da literatura erótica mundial, que
escapa admiravelmente às armadilhas de
vulgaridade.

Capa dura de papel Couché brilhante, impressa a cores

256 pág.
EmmanuelleArsan

Emmanuelle

PRIMEIRA EDIÇÃO INTEGRAL

Tradução de MARIA EMÍLIA FERROS MOURA

CÍRCULO DE LEITORES
Título original:
EMMANUELLE
Capa: JOSÉ ANTUNES
Ilustração:
Sylvia Kristel intérprete da versão cinematográfica dirigida por Just Jaeckin em
1973

Ou se as mulheres que glosas


Representassem um desejo dos teus fabulosos sentidos... MALLARMÉ, «A Tarde
de Um Fauno»

Ainda não estamos no mundo Pois o mundo não existe ainda As coisas ainda não
estão feitas Não se descobriu a razão de ser.
ANTONIN ARTAUD

® Robert Laffont, S.A., 1988 e


Jean-Jacques Pauvert, 1988

Impresso e encadernado por Printer Portuguesa


para Círculo de Leitores no mês de Setembro de 1991

N° de edição: 2972
Depósito legal número 48 642/91
ISBN 972-42-0344-1
PRIMEIRO CAPÍTULO
O «UNICÓRNIO VOADOR»
Vénus tem mil maneiras de se divertir mas a mais simples, a menos cansativa, é
ficar semi-inclinada sobre o lado direito.
OVÍDIO, «A Arte de Amar»

Emmanuelle apanha em Londres o avião que a levará a Banguecoque. O odor a


cabedal novo, semelhante ao que conservam os automóveis britânicos depois de
anos de uso, a espessura e o silêncio das alcatifas, o brilho de um mundo
diferente são, inicialmente, tudo o que apreende deste cenário onde se introduz
pela primeira vez.
Não compreende o que lhe diz o sorridente indivíduo que lhe serve de guia, mas
não se preocupa. Talvez o coração lhe bata com mais força no peito, mas não por
apreensão, decerto pela novidade. O uniforme azul, os gestos atentos, a
autoridade do pessoal encarregado de a receber e de a encaminhar contribuem
para lhe inculcar um sentimento de segurança e de euforia. Está consciente de
que todos os rituais que a fizeram cumprir diante dos guichés, cujo mistério não
procurou desvendar, tiveram por objectivo dar-lhe acesso a um universo que lhe
pertencerá durante doze horas da sua vida; um universo com leis diferentes dos
códigos conhecidos, mais rígidas mas, por esse mesmo motivo, talvez mais
interessantes. Esta construção metálica e com asas, de formato curvo e fechado,
sobre o límpido começo de tarde do Verão inglês, representa um travão
simultaneamente aos gestos e à vontade habituais. Ao «Viva a Liberdade!»,
sucedem-se os prazeres e a quietude da submissão.
Indicam-lhe um lugar: o mais próximo da janela. Mas esta está completamente
forrada de pano, ocultando as vigias; a passageira nada divisará para além desta
parede acetinada. Que lhe interessa! O seu único desejo consiste
em entregar-se aos poderes dessas fundas cadeiras, amolecer entre os seus
braços forrados de lã, de encontro ao espaldar de espuma e sobre as suas longas
pernas de sereia.
Ainda não ousa, no entanto, esticar-se tal como o comissário de bordo lhe sugere,
mostrando-lhe os botões que deve pressionar para inclinar o assento. Carrega
num botão e um minúsculo feixe de luz delineia uma elipse luminosa nos joelhos
da passageira.
Aparece uma hospedeira que ergue as mãos ágeis para arrumar, num
compartimento por cima dos lugares, o leve estojo cor de mel, no qual
Emmanuelle acondicionou toda a bagagem de mão, pois não pensa mudar de
toilette durante o voo, nem tenciona escrever, ou mesmo ler. A hospedeira fala
francês e a sensação de um certo atordoamento, experimentada após dois dias no
estrangeiro (só chegou a Londres na véspera), dissipa-se.
A jovem inclina-se agora sobre ela e os seus cabelos louros conferem um tom
ainda mais escuro aos cabelos compridos de Emmanuelle. Ambas estão vestidas
quase da mesma forma: saia de tecido de gabardina azul e camiseiro branco, saia
justa de seda natural e blusa de xantungue. O soutien, que se percebe através da
fina camisa da inglesa, basta, apesar de reduzido, para privar a sua silhueta da
mobilidade que permite adivinhar a nudez de Emmanuelle por baixo da blusa que
veste. E, enquanto o regulamento da companhia obriga a primeira a fechar os
botões até quase ao pescoço, o decote da segunda está suficientemente aberto
para que um espectador atento consiga divisar um pouco do seio mediante um
gesto mais largo ou a cumplicidade de uma corrente de ar.
Emmanuelle sente-se contente por a hospedeira ser jovem e ter uns olhos
parecidos com os dela - polvilhados de minúsculas pintas douradas.
Ouve-a dizer que a cabina é a última do avião, a mais próxima da cauda. Este
lugar exporia Emmanuelle a solavancos em qualquer outro avião, mas (e a voz da
jovem adquire um tom de orgulho) a bordo do Unicórnio Voador o conforto é o
mesmo em todo o lado - pelo menos
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(emenda) nos compartimentos de luxo pois os passageiros da classe turística não
beneficiam, obviamente, nem de tanto espaço em redor, nem de cadeiras tão
confortáveis, ou da intimidade dos reposteiros de veludo entre cada fila de
cadeiras.
Emmanuelle não se envergonha, todavia, destes privilégios, nem da fortuna que
foi necessário gastar para os obter. Experimenta, pelo contrário, uma languidez
quase física ante a ideia das atenções excessivas de que é alvo.
A hospedeira elogia agora as instalações das casas de banho, que mostrará à
passageira, assim que o avião levantar voo. Existem em número suficiente e em
vários pontos do aparelho, pelo que Emmanuelle não deve recear ser
importunada com as idas e vindas. Se quiser, poderá encontrar-se somente com
as três pessoas que vão partilhar a sua cabina. Se, no entanto, preferir um pouco
de convívio, ser-lhe-á fácil entabular conhecimento com outros passageiros,
passeando pelos corredores ou sentando-se no bar. Será que deseja algo para ler?
, - Não - responde Emmanuelle. - Agradeço-lhe. É muito amável, mas de
momento não me apetece ler.
Procura, mentalmente, qualquer pergunta para se mostrar simpática. Interessar-
se pelo avião? Qual a velocidade a que voa?
- A uma média superior a mil quilómetros à hora; e o seu raio de acção permite-
lhe aterrar somente de seis em seis horas. A sua viagem, com uma única escala,
durará pouco mais de metade de um dia. Na medida, porém, em que perderá,
aparentemente, tempo ao girar no mesmo sentido da Terra, não chegará antes
das nove horas locais do dia seguinte, de manhã, a Banguecoque. Ao todo,
gastará esse tempo a jantar, a dormir e a acordar.
Duas crianças, um rapaz e uma rapariga, tão parecidos que de imediato se vê
serem gémeos, afastam a cortina. Emmanuelle apercebe-se, com um olhar, do
vestuário convencional e sem jeito dos estudantes ingleses, do cabelo louro quase
avermelhado, da expressão de frieza petulante e da superioridade com que se
dirigem à funcionária da companhia, mediante palavras breves, e
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cuspidas dos lábios. Embora não tenham, aparentemente, mais de doze a treze
anos, a segurança dos gestos delimita entre a hospedeira e eles uma distância
que a primeira jamais pensa em reduzir. Sentam-se, empertigadamente, nos
assentos que o corredor separa de Emmanuelle. Antes que esta possa examiná-
los em pormenor, entra o último dos quatro passageiros aos quais esta cabina se
destina e a atenção da jovem mulher incide sobre esse passageiro.
Mais alto do que ela pelo menos dois palmos, com um nariz e um queixo
resolutos, um bigode e cabelos negros, ele sorri a Emmanuelle, inclinando-se um
pouco por cima dela, a fim de arrumar uma pasta de cabedal macio e escuro que
cheira bem. O fato cor de mostarda e a camisa de seda agradam a Emmanuelle.
Acha-o elegante e educado, o que constitui, resumindo, o essencial das
qualidades que se esperam de um vizinho de cabina.
Tenta calcular a idade: quarenta, cinquenta anos? Deve ter tido uma vida cheia, a
julgar pelas rugas finas nos cantos dos olhos... «A sua presença agrada-lhe mais»,
pensa, «do que a dos pretensiosos colegiais.» No entanto, ri-se intimamente desta
imediata simpatia e aversão. Inúteis, também: por uma noite!...
Não tarda a esquecer as crianças e o homem, e isso basta para que a invada a
sensação de irritabilidade que, há um momento, flutuava nas profundezas do seu
inconsciente, estragando-lhe em parte o prazer da partida. A hospedeira,
aproveitando-se do movimento gerado pelos recém-chegados, afastou-se e
Emmanuelle apercebe-se, através da cortina entreaberta, das ancas revestidas de
azul encostadas a um passageiro invisível. Critica-se pelo sentimento de ciúme e
tenta desviar os olhos. Uma frase vinda ignora de onde apodera-se-lhe da mente,
semelhante a uma triste melodia: «Na solidão e no abandono.» Afasta a obsessão e
os cabelos negros fustigam-lhe as faces, cobrem-lhe o rosto... No entanto, a jovem
inglesa regressa; dirige-se para a cauda do avião; surge entre as cortinas, que
afasta com as duas mãos, envolvendo as pregas preguiçosas; encontra-se de novo
junto a Emmanuelle.
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- Quer que lhe apresente os seus companheiros de viagem? - pergunta, após o
que pronuncia o nome do indivíduo, sem esperar pela resposta.
Emmanuelle julga ter ouvido «Eisenhower», o que a diverte e a leva a passar por
cima do nome dos gémeos.
Nesse instante, o homem dirige-lhe a palavra. Como saber o que ele lhe diz? A
hospedeira apercebe-se da atrapalhação de Emmanuelle, interroga os seus
compatriotas, e ri, mostrando a ponta da língua.
- Mas que aborrecimento! - diz, brincando. - Nenhum destes três passageiros
percebe uma palavra de francês. Tem uma boa oportunidade de relembrar o seu
inglês!
Emmanuelle dispõe-se a protestar, mas a hospedeira já se afastou, com um
gesto, em simultâneo hermético e gracioso, na direcção dos passageiros.
Emmanuelle regressa ao seu descanso. Apetece-lhe amuar, desinteressar-se de
tudo.
O seu vizinho obstina-se e aplica-se, pronunciando frases, cuja inútil boa vontade
a faz sorrir. Ela esboça um meio sorriso de pena e confessa num tom de voz
infantil: «Não compreendo», levando-o a resignar-se ao silêncio.
Nesse momento um altifalante, dissimulado em qualquer dobra do cortinado,
adquire vida. Depois do anúncio em inglês, Emmanuelle reconhece, quando as
palavras ecoam em francês (para ela, pensa), a voz da sua hospedeira, um pouco
alterada pelo amplificador. Dá as boas-vindas aos passageiros do Unicórnio.,
indica a hora, a lista dos membros da tripulação, informa que o avião descolará,
dentro de alguns minutos, que os cintos de segurança devem ser apertados (um
comissário de bordo aparece, nesse momento, para se ocupar de Emmanuelle) e
pede aos passageiros que não fumem nem saiam dos seus lugares, enquanto a
luz vermelha se mantiver acesa.
Pouco mais do que um murmúrio, um vibrar das janelas à prova de som, acusa o
funcionamento dos reactores. Emmanuelle nem mesmo se dá conta de que o
avião rola ao longo da pista. Decorrerá bastante tempo, antes de compreender
que está a voar.
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Somente o verifica, de facto, quando a luz vermelha se apaga e o homem, que se
levantou, se oferece, por gestos, para pendurar o casaco do taUleur, que
Emmanuelle conservou, ignora porquê, sobre os joelhos. Ela entrega-Iho. O
companheiro esboça-lhe um sorriso, abre um livro e não a olha mais. Um
hospedeiro aparece com um carrinho de bebidas. Emmanuelle escolhe um
aperitivo que julga reconhecer pela cor, mas que não corresponde ao que
esperava e se revela mais forte.
O que, para lá das cortinas em seda, deveria ser uma tarde, decorreu sem que
Emmanuelle tivesse tempo para outras coisas que não mordiscar doces, beber
chá e folhear, sem ler, uma revista que a hospedeira lhe tinha trazido (recusou
aceitar a segunda, a fim de não se distrair da novidade de «voar»).
Um pouco mais tarde, instalaram na sua frente uma mesinha e serviram-lhe
numerosos pratos, difíceis de identificar, em recipientes de formas insólitas.
Numa das cavidades da bandeja havia uma pequena garrafa de champanhe e
Emmanuelle encheu, por várias vezes, a sua taça em miniatura. Esta refeição
pareceu-lhe durar horas, mas não tinha qualquer pressa de que acabasse, a tal
ponto as descobertas deste jogo lhe agradavam. Seguiram-se sobremesas
variadas, café em chávenas de bonecas e licores em copos enormes. Quando
retiraram a mesa, Emmanuelle começava a sentir-se segura de estar a tirar o
máximo partido da aventura, saboreando os prazeres da vida.
Sentia-se muito leve e um pouco sonolenta. Constatou que perdera mesmo os
preconceitos relativos aos gémeos. A hospedeira andava de um lado para o outro,
dirigindo-lhe sempre, de passagem, uma palavra simpática. Na ausência dela,
Emmanuelle não se impacientava.
Interrogou-se sobre que horas seriam e se chegara a altura de dormir. Mas não se
possuía, afinal, a liberdade de dormir, a qualquer hora, neste berço com asas, tão
longe já da superfície da Terra, atingida aquela parte do espaço onde deixam de
existir o vento e as nuvens, e on-
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de Emmanuelle nem sequer tinha a certeza de ser de dia ou de noite?
Os joelhos de Emmanuelle estão expostos sob a luz dourada emanada pelos
difusores. A saia pô-los a descoberto e os olhos do indivíduo não os abandonam.
Ela tem consciência de que os joelhos estão erguidos na direcção desse olhar
deleitado. Mas irá submeter-se ao ridículo de os tapar - além disso, como o faria?
A saia não estica. E porquê, aliás, iria agora envergonhar-se dos seus joelhos, ela
que, por hábito, gosta de os mostrar para além da saia? Sob o nylon invisível, os
movimentos das covinhas dos joelhos inundam de sombras fugidias a pele cor de
pão torrado. Emmanuelle sabe a perturbação que eles conseguem provocar. À
força de os contemplar, mais expostos por estarem apertados um de encontro ao
outro como ao sair de um banho ao luar sob o foco de um projector, ela própria
sente nesse momento o pulsar mais forte das têmporas e um aflorar de sangue
aos lábios. As pálpebras não tardam a fechar-se e Emmanuelle vê-se, não parcial
mas completamente nua, entregue à tentação deste contemplar narcisista, ante o
qual sabe que uma vez mais não terá defesa.
Emmanuelle resistiu, mas apenas para poder saborear melhor e gradualmente as
delícias do abandono. Este fez-se anunciar por uma ténue languidez, uma espécie
de morna consciência de todo o seu corpo, um desejo de descontracção, de oferta,
de plenitude, ainda sem qualquer fantasia delineada ou emoção identificável;
nada que em muito diferisse da satisfação física que a invadiria ao estender-se ao
sol numa praia de areia quente. Em seguida, e, pouco a pouco, ao mesmo tempo
que a superfície dos lábios se humedecia, os seios aumentavam de volume e as
pernas estendiam-se, atentas ao mínimo contacto, o cérebro começou a delinear
imagens, de começo quase sem contornos, muito tempo sem ligação, mas que
bastaram para lubrificar-lhe as mucosas e arquear-lhe os rins.
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Quase imperceptíveis, mas sem falhas, as vibrações amortecidas da construção
metálica sintonizavam Emmanuelle na sua frequência, procurando uma
harmonia com o ritmo do seu corpo. Uma onda de calor subia-lhe ao longo das
pernas, partindo dos joelhos (epicentros quiméricos deste tremor de sensações
sem contornos), repercutindo-se, inexoravelmente, pela superfície das coxas, cada
vez mais acima, envolvendo Emmanuelle numa doce agitação.
Os fantasmas começaram a surgir com carácter obsessivo: lábios que lhe
pousavam na pele, órgãos sexuais de homens e mulheres (cujos rostos se
mantinham ambíguos), falos, ansiando tocar-lhe, esfregar-se nela, conseguir
passagem entre os seus joelhos, apartando-lhe as pernas e penetrando-lhe o sexo
com esforço, que a inundavam de prazer. Os movimentos definiam-se por um
avanço permanente; não voltavam atrás; enterravam-se, uns após os outros, no
corpo desconhecido de Emmanuelle, pelo estreito caminho que não se cansavam
de explorar, dando a sensação de jamais encontrarem uma barreira ao percurso
efectuado, avançando infinitamente no interior dela, saciando-a de carne e
inundando-a de sucos com sabor a eternidade.
A hospedeira julgou que Emmanuelle tinha adormecido e reclinou, com cuidado,
o encosto, transformando o assento em cama. Tapou com um cobertor de
caxemira as longas pernas estendidas e que o movimento da cadeira revelara até
meio das coxas. Nesse momento, o homem levantou-se e ele próprio se
encarregou da manobra, que colocou o seu assento ao mesmo nível do da sua
vizinha de cabina.
As crianças tinham adormecido. A hospedeira desejou boa noite e apagou as
luzes. Apenas dois difusores pequenos impediam que os objectos e as pessoas
perdessem as formas.
Sem abrir os olhos, Emmanuelle tinha-se abandonado ao cuidado que lhe
dispensavam. No entanto, as suas fantasias nada haviam perdido a nível de
intensidade e premência, com tais movimentos. A mão direita desliza-
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vá agora, muito devagar, ao longo do ventre, detendo-se ao alcançar a altura do
púbis, sob o cobertor leve, que tal percurso fazia ondular. Mas quem poderia vê-la
nessa penumbra? com as pontas dos dedos explorava, pressionava a seda macia
da saia que, de tão justa, impedia que as pernas se abrissem; estas foram
esticando o tecido no esforço para se separar, até que, por fim, concederam a
passagem suficiente para que os dedos sentissem, através do tecido delicado, o
botão de carne em erecção, que eles procuravam e que apertaram docemente.
Durante alguns segundos, Emmanuelle deixou que a ovação do seu corpo se
acalmasse. Tentava retardar o final. Mas, em breve, não o conseguindo, começou
com um gemido abafado, a imprimir ao dedo médio o impulso, cuidadoso e suave,
que deveria levá-la ao orgasmo. Quase imediatamente, a mão do indivíduo
pousou sobre a sua.
Perdido o fôlego, Emmanuelle sentiu os nervos e os músculos retesarem-se como
se um jacto de água gelada a tivesse fustigado em pleno ventre. Ficou imóvel, de
forma alguma vazia de sensações, mas com todas estas e todos os pensamentos
suspensos, como num filme em que a acção se imobiliza, sem que a imagem
desapareça do ecrã. Não teve medo, nem, de facto, se sentiu propriamente
chocada. Não experimentou, tão-pouco, a impressão de ter sido apanhada em
falta. Na verdade, vivia um momento em que era incapaz de formular um
julgamento, quer sobre o gesto do homem, quer sobre a própria conduta.
Registara o acontecimento, após o que o consciente congelara. Agora e
obviamente, esperava o desenrolar das suas fantasias caídas por terra.
A mão do homem não se movia. Mas não se mantinha inactiva. O seu simples
peso exercia uma pressão no clitóris sobre o qual a mão de Emmanuelle se
apoiava. Nada mais aconteceu durante um largo espaço de tempo.
Depois, Emmanuelle apercebeu-se de que uma outra mão levantava o cobertor e
o afastava, para agarrar firmemente um dos seus joelhos, apalpando-lhe as
reentrâncias e as saliências. No entanto, não passou muito tempo an-
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tes de subir, com um movimento lento, ao longo da coxa, transpondo a orla da
meia.
Quando a mão tocou a pele nua, Emmanuelle teve, pela primeira vez, um
sobressalto, e tentou furtar-se ao sortilégio. Mas, quer porque não sabia
exactamente o que desejava, quer porque as duas mãos do homem lhe pareciam
demasiado fortes para que ela tivesse a mínima possibilidade de lhes escapar,
limitou-se a soerguer desajeitadamente o busto e a aproximar do ventre, como
que para protegê-lo, a mão livre, ao mesmo tempo que se virava um pouco de
lado. Deu-se conta de que teria sido tão simples e mais eficaz fechar as pernas,
mas, sem que pudesse explicar porquê, esse gesto pareceu-lhe em simultâneo tão
despropositado e ridículo, que não ousou fazê-lo e acabou por renunciar,
voluntariamente, a uma situação que a perturbava, deixando-se, de novo,
subjugar pela paralisia que apenas conseguira vencer por um breve instante e de
forma bem insignificante.
Como se pretendessem dar a entender a Emmanuelle a lição dessa inútil revolta,
as mãos do homem abandonaram-na imediatamente... Mas nem sequer teve
tempo para se interrogar quanto ao significado desta súbita reviravolta, pois logo
elas estavam de novo sobre si, desta vez na cintura, seguras, rápidas,
desabotoando o cós da saia, correndo o fecho éclair, fazendo deslizar o tecido ao
longo das ancas, até aos joelhos. Depois voltaram a subir. Uma enfiou-se por
baixo das cuequinhas de Emmanuelle (leves e transparentes, como toda a roupa
interior que usa habitualmente - pouco numerosa, de facto: um cinto de ligas, às
vezes um saiote debaixo das saias mais largas, nunca soutien ou cinta, embora,
nas boutiques de Saint-Honoré onde compra a sua roupa interior, ela peça para
provar a uma ou outra das empregadas louras, morenas, bonitas, quase irreais,
que se lhe ajoelham aos pés destapando as suas longas pernas, vários modelos
de soutien, cintas, calcinhas ou biquinis, que dedos graciosos ajeitam sobre os
seus seios ou coxas, acariciando-os pacientemente, com gestos repetidos e
suaves, até os olhos de Emmanuelle se fecharem e ela se dobrar, lentamente,
sobre os joelhos até ao chão juncado de peças de nylon, qual vela amainada,
aberta, quente e entregue à perfeita e embriagante habilidade das mãos e dos
lábios).
O corpo de Emmanuelle retomou a posição que abandonara, momentaneamente,
devido ao seu esboço de resistência. com a palma da mão e tal como se afaga o
pescoço de um puro-sangue, o homem acariciou o ventre liso e musculoso de
Emmanuelle, até acima da intumescência do púbis. Os dedos deslizaram ao longo
das virilhas, acompanharam depois a penugem, traçando os contornos do
triângulo, como se o avaliassem. O ângulo inferior era muito aberto, uma
característica bastante rara, contudo, perpetuada pelos escultores gregos.
Depois de estar bem a par das proporções, a mão que percorria o ventre de
Emmanuelle forçou a entrada das coxas; a saia enrolada à volta dos joelhos
dificultava-lhe os movimentos, mas elas em breve obedeceram, abrindo-se o
máximo que podiam. A mão fechada em concha apreendeu o sexo quente e
carnudo, acariciando-o como que para acalmá-lo, sem pressas, com um
movimento que seguia o sulco dos lábios, mergulhando - inicialmente ao de leve -
entre eles, para passar sobre o clitóris erecto e repousar no tufo espesso e
encaracolado do púbis. Em seguida, a cada nova passagem entre as pernas que,
afastando a saia, se abriram ainda mais, os dedos do homem foram retomar mais
atrás, o ponto de partida, mergulhando mais profundamente entre as mucosas
húmidas. Durante uns momentos, por capricho ou cálculo, abrandaram o
avanço, parecendo hesitar, à medida que a tensão de Emmanuelle crescia.
Mordendo os lábios para conter o soluço que lhe subia da garganta, os rins
arqueados, ofegava no desejo do espasmo do qual o homem parecia querer
aproximá-la incessantemente, mas sem a deixar atingi-lo.
Apenas com uma mão, ele brincava no seu corpo ao ritmo e no tom que lhe
agradava, desdenhando os seios, a boca, aparentemente desinteressado do
abraço, mantendo-se no meio da volúpia incompleta que prodigalizava,
indiferente e distante. Emmanuelle abanava a cabeça
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para a direita e para a esquerda, emitindo uma série de gemidos abafados, sons
semelhantes a uma prece. Os olhos entreabriram-se e procuraram o rosto do
homem. Denotavam um brilho de lágrimas.
Então, a mão imobilizou-se, conservando agarrada toda a parte do corpo de
Emmanuelle, que tinha inflamado. O homem inclinou-se um pouco sobre a
passageira e, com a outra mão, tomou uma das dela, que puxou para si,
metendo-a no interior das calças. Ajudou-a a cerrar-se sobre a verga rígida e
guiou-lhe os movimentos, regulando a amplitude e a cadência a seu bel-prazer,
moderando-os ou acelerando-os segundo o grau da sua excitação, até que teve a
certeza de poder entregar-se à intuição e à habilidade de Emmanuelle, deixando-a
terminar a seu modo a manipulação à qual ela havia dedicado inicialmente um
espírito absorto e uma certa docilidade infantil, mas que, a pouco e pouco,
aperfeiçoou com inesperada solicitude.
Emmanuelle tinha ressaltado o busto, de forma a que o braço cumprisse melhor
a tarefa e o homem, por seu turno, aproximou-se para que ela pudesse receber os
salpicos do esperma, que sentia brotar do fundo das suas glândulas. Contudo e
ainda durante bastante tempo, foi capaz de controlar-se, enquanto os dedos
fechados de Emmanuelle subiam e desciam, menos tímidos à medida que a
carícia se prolongava, já não se limitando a um elementar vaivém, mas
entreabrindo-se, de súbito experientes no modo de deslizarem ao longo da grossa
veia inchada, sobre a curva da verga, mergulhando (arranhando
imperceptivelmente a pele com as suas unhas limadas) o mais abaixo possível -
tão próximo dos testículos quanto o permitiam as calças, e regressando, em
seguida, com uma torção lasciva, até que os refegos da pele móvel contra a palma
da mão húmida recobrissem a cabeça do membro, que parecia não atingirem
nunca, de tanto que ele crescia. Ali, apertando de novo com muita força, a mão
voltava até à base do membro, distendendo o prepúcio, ora apertando a carne
intumescida, ora afrouxando a pressão, aflorando ao de leve a mucosa ou
macerando-a,
massajando com grandes movimentos de punho ou excitando-a com pequenos
golpes sem piedade... A glande, duplicando o tamanho, abrasava, ameaçando
explodir a cada instante, pensava ela.
Foi com uma estranha exaltação que Emmanuelle recebeu, ao longo dos braços,
no ventre nu, no pescoço, no rosto, na boca e nos cabelos, os longos jactos
brancos e odorosos derramados, finalmente, pelo membro satisfeito. Dir-se-iam
provir de uma fonte inesgotável. Ela tinha a sensação de que lhe escorriam pela
garganta, que os bebia... Uma embriaguez desconhecida apoderou-se de todo o
seu ser. Um deleite sem pudor. E quando ela deixou cair o braço, o homem
agarrou no clitóris de Emmanuelle com as pontas dos dedos e fê-la vir-se.
Um zumbido anunciou que o altifalante ia ser utilizado. A voz da hospedeira,
abafada de propósito para que os passageiros não fossem bruscamente
acordados, informou que o avião pousaria no Bahrein, durante vinte minutos.
Voltaria a descolar à meia-noite, hora local. Uma refeição ligeira seria servida no
aeroporto.
A luz voltava a inundar progressivamente a cabina, imitando o lento nascer do
dia. Emmanuelle serviu-se do cobertor (que lhe tinha escorregado para os pés)
para limpar o esperma que a alagara. Levantou a saia e ajustou-a às ancas.
Quando a hospedeira entrou, Emmanuelle, sentada na cadeira, cujo encosto não
levantara, ainda estava a compor-se.
- Dormiu bem? - perguntou a jovem num tom alegre.
- Tenho a blusa amarrotada - respondeu Emmanuelle, acabando de abotoar a
saia.
Fixava as manchas húmidas que tingiam as bandas da blusa. Virou-as para fora
e pôs a nu o bico vermelho de um dos seios. A gola continuava aberta e os
olhares dos quatro ingleses grudaram-se no perfil saliente do seio nu. Não tem
outra roupa para mudar? - perguntou a hospedeira.
-- Não - respondeu Emmanuelle.
Esboçou um trejeito, contendo ostensivamente o riso.
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Os olhos das duas mulheres encontraram-se e admitiram uma cumplicidade


mútua; ambas estavam perturbadas. O homem observava-as. O seu fato não
apresentava uma ruga, tinha a camisa tão limpa como quando entrara no avião,
a gravata no devido lugar.
- Venha comigo - disse a hospedeira.
Emmanuelle levantou-se, passou diante do vizinho (espaço não faltava) e seguiu a
jovem inglesa até à casa de banho, forrada de espelhos, almofadada, com
guarnições de couro branco e mesinhas repletas de frascos e loções.
- Espere um momento!
A hospedeira desapareceu para regressar uns minutos depois com uma pequena
mala. Levantou a tampa, tirou de um compartimento minúsculo um pulôver cor
de folha seca, em orlon de lã e seda, tão leve que lhe cabia todo na mão fechada,
mas que, depois de sacudido, pareceu subitamente inchar como uma bola de
borracha, ante os olhos maravilhados de Emmanuelle.
- Empresta-mo? - perguntou.
- Não. É um presente que lhe dou. Tenho a certeza de que lhe ficará muito bem. É
o seu género.
- Mas...
A hospedeira pousou um dedo sobre aqueles lábios que se arredondavam diante
dela num protesto. Os seus olhos meigos cintilavam. Emmanuelle não conseguia
desfitá-los. Aproximou o rosto deles, mas a hospedeira já se virara e estendia-lhe,
agora, um frasco da água-de-colónia.
- Ponha isto. É um perfume masculino. Emmanuelle refrescou o rosto, os braços
e o pescoço,
mergulhou entre os seios o pedaço de algodão que tinha impregnado do líquido
perfumado, e depois abriu rapidamente os últimos botões da blusa.
com os dois braços para trás, deixou cair na alcatifa branca a blusa de seda e
respirou fundo, subitamente atordoada pela própria seminudez. Voltou-se para a
hospedeira e contemplou-a com um prazer inocente. Ela baixou-se para apanhar
a blusa amarrotada, que apertou de encontro ao rosto.
- Oh! Como cheira bem! - exclamou a hospedeira com um riso malicioso.
Emmanuelle perdeu o controlo. A recordação da incrível cena da hora anterior
pareceu-lhe deslocada neste momento. O único pensamento, que lhe esvoaçava
na cabeça como numa gaiola, era o de desembaraçar-se da saia, das meias - ficar
inteiramente nua diante desta bonita jovem. Os dedos brincavam com o fecho da
saia.
- Que cabelos tão fartos e negros! - elogiou a hospedeira, fazendo deslizar uma
escova ao longo da cabeleira de Emmanuelle, que lhe cobria as costas nuas, até
abaixo da cintura. - Que brilho! E como são sedosos! Gostaria muito de ter uns
cabelos assim tão belos!
- Mas eu gosto dos seus! - redarguiu Emmanuelle.
Oh! Se ao menos a sua companheira também quisesse tirar a roupa! Desejava-a
tanto que a voz lhe enrouquecera.
- Não se pode tomar banho neste avião? - perguntou Emmanuelle num tom
implorativo.
- Claro que sim, mas acho preferível que espere: as casas de banho do aeroporto,
onde vamos fazer escala, são ainda mais confortáveis. E, aliás, não haveria
tempo, pois vamos aterrar dentro de cinco minutos.
Emmanuelle não conseguia resignar-se. Os lábios tremiam-lhe. Puxou o fecho da
saia.
- Vista depressa a minha camisola - aconselhou a jovem inglesa, estendendo-a a
Emmanuelle.
Ajudou-a a passar a cabeça pela gola estreita. A malha elástica era tão aderente e
fina, que os bicos dos seios ressaltavam, tão visíveis como se, em lugar de terem
sido revestidos pelo tecido, estivessem pintados de vermelho. A hospedeira
pareceu notá-los pela primeira vez.
- Como você é bonita! - exclamou.
E, rindo, apoiou a ponta do dedo indicador sobre um dos mamilos pontiagudos,
como se premisse o botão de uma campainha.
- E verdade que as hospedeiras do ar são todas virgens? - inquiriu Emmanuelle
com os olhos a brilhar.
A jovem soltou uma sonora gargalhada. Em seguida e
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antes que Emmanuelle tivesse tempo de reagir, abriu a porta e fez passar
Emmanuelle.
- Depressa! Volte para o seu lugar. A luz vermelha acendeu-se. Vamos aterrar.
Emmanuelle estava, porém, de muito mau humor. Não sentia o menor desejo de
se reencontrar, lado a lado, com o seu vizinho de cabina.
A escala pareceu-lhe fastidiosa. O que adianta saber que se está num deserto
árabe, se nada se vê? O aeroporto, asséptico e cromado, excessiva e cruamente
iluminado, refrigerado, hermético, à prova de som, assemelhava-se
estranhamente ao interior do satélite artificial que, nesse preciso momento, podia
ver-se no Telejornal, transmitido pelos aparelhos de TV instalados na sala de
espera. Emmanuelle tomou banho; bebeu chá; mordiscou alguns doces na
companhia de quatro ou cinco passageiros, entre os quais se encontrava o «seu».
Olhava-o com surpresa, tentando compreender o que se tinha passado entre eles,
uma hora antes. Este episódio não se enquadrava no resto da história de
Emmanuelle. Tinha mesmo a certeza de que acontecera? Ora! Pensar nisso era
demasiado complicado! E, além disso, muito arriscado. A atitude mais simples e
mais prudente seria a de recusar-se a reflectir. Aplicou-se, pois, a estabelecer um
vazio naquele sector do cérebro, que persistia em formular perguntas.
Quando o movimento dos outros, mais do que a voz incompreensível do
altifalante, lhe indicou que era altura de regressar a bordo, já conseguira não
saber, ao certo, o que tanto se havia empenhado em esquecer.
Quando os passageiros voltaram ao avião, aperceberam-se de que tinha sido
limpo, arrumado e ventilado. Um perfume fresco pairava na atmosfera das
cabinas. As cadeiras tinham coberturas novas. Alguns almofadões, de um branco
imaculado, cheios de penas, tornavam ainda mais convidativo o veludo azul sobre
o qual se encontravam. O comissário de bordo perguntou se desejavam be-
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bidas. «Não? Então, muito boa noite!» A hospedeira formulou, por sua vez, votos
de um bom sono. Todo este cerimonial encantava Emmanuelle. Sentia-se, de
novo, feliz - de uma forma positiva, com entusiasmo e certezas. Desejava o
mundo tal qual ele era. Tudo corria, definitivamente, pelo melhor.
Deitou-se de costas. Desta vez, não receava mostrar as pernas; apetecia-lhe
mexê-las. Ergueu uma, depois a outra, dobrando e desdobrando os joelhos,
descontraindo os músculos das coxas, esfregando, com um suave fremir do
nylon, os tornozelos um contra o outro. Saboreou gostosamente o prazer físico
que este exercício lhe provocava. Para se mexer melhor, levantou ainda mais a
saia, de propósito, sem qualquer precaução, puxando o tecido com as duas mãos.
«Afinal», pensou intimamente, «não são apenas os meus joelhos que vale a pena
contemplar, mas as pernas todas. Convenhamos que são verdadeiramente
bonitas; parecem dois ribeiros cobertos de folhas secas e plenos de más
intenções, que se divertem a passar um por cima do outro. E isto não é a única
coisa que tenho de belo. Gosto igualmente da minha pele que se bronzeia ao sol
como um bago de milho, sem nunca avermelhar; e gosto ainda das minhas
nádegas. E das pequenas framboesas na ponta dos meus seios, com a sua
auréola de açúcar vermelho. Como me agradaria lambê-las.»
As luzes do tecto diminuíram de intensidade e, com um suspiro agradado, puxou
para si o cobertor impregnado de um odor de agulhas de pinheiro, que a
companhia de aviação lhe oferecia para proteger os sonhos.
Quando somente ficaram acesos os pequenos difusores, Emmanuelle virou-se de
lado e tentou distinguir o companheiro de cabina, o qual não se tinha atrevido a
encarar directamente, desde que se sentara de novo ao seu lado. Verificou,
surpreendida, que o homem a fixava, numa expectativa que nem a escuridão
quase total dissimulava. Durante algum tempo permaneceram assim, olhos nos
olhos, com uma expressão de absoluta tranquilidade. Emmanuelle apercebia-se
da centelha de afecto,
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um pouco divertida, um pouco protectora, que já tinha notado quando se


encontraram pela primeira vez (quando, ao certo?, apenas sete horas antes?) e
pensou de si para si que era isso o que mais lhe agradava nele.
Porque esta vizinhança se tornara, imprevistamente, tão agradável, sorriu,
fechando os olhos. Invadiu-a um confuso desejo de qualquer coisa - mas não
sabia de quê. E apenas encontrou como solução recomeçar a regozijar-se com o
facto de ser bela: a sua própria imagem rodopiava-lhe na mente, como um refrão
favorito. com o coração a bater mais depressa, fez convergir o pensamento para a
fenda invisível que sabia oculta sob o seu promontório de ervas pretas, na
confluência dos dois ribeiros; e sentiu que a corrente começava a lamber-lhe as
margens. Quando o homem se soergueu, apoiado num dos cotovelos, e se
inclinou sobre ela, abriu os olhos e deixou-se beijar. O gosto dos lábios nos seus
tinha a frescura e o sal do mar.
Ergueu o busto e levantou os braços para facilitar a tarefa, quando ele quis
despir-lhe a camisola. Saboreou o prazer de ver saírem, de sob a lã, os seus seios,
que a penumbra fazia parecer ainda mais redondos e volumosos que de dia. Para
não lhe estragar o gozo de despi-la, não o ajudou até ao momento em que ele
procurou o fecho da saia; ergueu, contudo, as nádegas para que a tirasse sem
dificuldade. Desta vez, a saia justa não ficou enrodilhada nos joelhos; foi
simplesmente posta de lado.
As mãos eficientes do homem desembaraçaram-na das reduzidas calcinhas. E
depois de lhe soltarem também o cinto de ligas, a própria Emmanuelle enrolou as
meias, atirando-as para junto da saia e da camisola, aos pés do assento.
Quando ela ficou assim, inteiramente nua, o homem atraiu-a a si, começando a
acariciá-la, desde os cabelos aos tornozelos, sem nada esquecer. Emmanuelle
tinha já tanto desejo de fazer amor, que sentia um aperto no coração e um nó na
garganta; invadia-a a sensação de jamais conseguir respirar, de jamais regressar.
Tinha medo e desejaria gritar, mas o homem abraçava-a com demasiada
força, uma das mãos no sulco das nádegas, dilatando a pequena racha trémula,
um dedo inteiro engolido. E, ao mesmo tempo, beijava-a avidamente, lambendo-
lhe a língua, bebendo-lhe a saliva.
Emmanuelle soltava pequenos gemidos, sem lhe conhecer exactamente o motivo.
Estaria a reagir assim pelo dedo que a remexia, chegando tão fundo? Ou pela
boca que dela se alimentava, engolindo cada suspiro, cada soluço? Ou seria o
tormento do desejo ou a vergonha da sua luxúria? A recordação da longa forma
recurva que tivera na concha da mão perseguia-a, magnífica e erecta, fogosa,
dura, vermelha, abrasando até aos limites do suportável. Soltou um gemido tão
forte, que o homem teve pena. Sentiu, finalmente, o membro nu, rijo como
esperava, pousar-lhe no ventre e apertou-se contra ele com toda a doçura do seu
corpo.
Durante um largo momento conservaram-se assim, imóveis. Em seguida, o
homem ergueu-a, bruscamente, nos braços, e fê-la passar por cima do corpo, de
modo a que era ela agora quem se encontrava estendida no assento do lado do
corredor. Menos de um metro separava-a das crianças inglesas.
Até então havia esquecido a sua existência. Apercebeu-se, subitamente, de que
elas não dormiam e a olhavam. O rapaz estava mais próximo, mas a rapariguinha
colara-se a ele para ver melhor. Imóveis e sustendo a respiração, fixavam
Emmanuelle, as pupilas dilatadas, onde podia ler-se uma curiosidade fascinante.
Ante a ideia de vir a ser possuída sob aqueles olhos, de se entregar, ela,
Emmanuelle, a esse excesso de deboche, sentiu uma espécie de vertigem. Mas, ao
mesmo tempo, tinha pressa em que isso acontecesse e eles pudessem ver tudo.
Estava deitada sobre o lado direito, as coxas e os joelhos flectidos, as ancas em
oferta. O homem agarrava-a por trás, pelos quadris. Meteu uma perna entre as de
Emmanuelle e penetrou-a com uma estocada rectilínea, irresistível, facilitada não
só pela rigidez do seu pénis, mas também pela carne húmida de Emmanuelle. Só
depois de ter atingido o ponto mais fundo da vagina e aí se
26

ter detido o tempo de um suspiro de prazer, começou a movimentar o membro


com um vaivém intenso e ritmado.
Emmanuelle, entregue à sua angústia, ofegava, mais húmida e mais quente a
cada investida do falo, que, como se se alimentasse dela, aumentava de tamanho
e os seus movimentos de amplitude e de ímpeto. Através de uma bruma de
felicidade, surprendia-se ao dar-se conta de como o avanço deste aríete podia ser
tão longo no seu ventre. Os seus órgãos, pensou divertida, não pareciam ter-se
atrofiado, durante os vários meses em que não haviam sido estimulados por um
aguilhão masculino. Emmanuelle desejava, agora, aproveitar ao máximo e o mais
longamente possível esta volúpia reencontrada.
Por seu lado, o passageiro não parecia cansado de encavar o corpo de
Emmanuelle. A dado momento, Emmanuelle teria gostado de saber há quanto
tempo ele estava dentro de si; mas não possuía qualquer ponto de referência que
lhe permitisse avaliá-lo.
Emmanuelle procurava retardar o orgasmo, sem que isso lhe custasse esforço ou
frustração, pois treinara-se, desde a infância, para prolongar o prazer da espera
e, ainda mais do que o espasmo, agradava-lhe esta sensitividade crescente, esta
extrema tensão do ser que ela sabia perfeitamente obter sozinha às mil
maravilhas, quando os seus dedos acariciavam, durante horas, com uma leveza
de arco, a corda trémula do seu clitóris, recusando entregar-se à súplica da sua
própria carne, até que, por fim, a pressão da sua sensualidade a transportava a
um êxtase que se traduzia em fluxos tão assustadores como as convulsões da
morte, mas dos quais Emmanuelle renascia mais desperta.
Perscrutou as crianças. Os seus rostos tinham perdido o ar fúnebre e adquirido
um toque de humanidade. Nem excitados, nem trocistas, mas atentos e quase
respeitosos. Tentou imaginar o que se passaria nas suas cabeças, a perturbação
que lhes deveria ter causado o acontecimento de que eram testemunhas, mas as
suas ideias baralhavam-se, o cérebro parecia oco e sentia-se demasiado feliz para
se importar realmente com os outros.
28
Quando, pela aceleração dos movimentos, por uma certa crispação das mãos que
lhe agarravam as nádegas e, também, por um brusco intumescimento e um
latejar do membro que a trespassava, compreendeu que o seu companheiro ia
ejacular, foi ela própria a deixar-se arrastar. O jacto de esperma elevou o seu
prazer ao paroxismo. Durante todo o tempo em que se veio dentro dela, o homem
manteve-se todo bem encavado no fundo da vagina, chegando à matriz. E, mesmo
no meio do espasmo, Emmanuelle conservou a dose de imaginação suficiente
para se deleitar com a visão do esperma explodindo em jactos cremosos, que a
abertura oblonga do seu útero aspirava, activa e gulosa, como uma boca.
O homem chegou ao final do orgasmo e Emmanuelle também se acalmou por seu
turno, invadida por um bem-estar sem remorsos, para o qual tudo contribuía: o
deslizar do macho que se retirava de dentro dela, o contacto com o cobertor que
ele lhe estendia sobre o corpo, o conforto do assento e a opacidade crescente e
morna do sono que a invadia.
O avião transpusera a noite como uma ponte, cego aos desertos da índia, aos
golfos, aos estuários, aos arrozais. Quando Emmanuelle abriu os olhos, um
amanhecer, que lhe era impossível divisar, irisava os contornos das cordilheiras
birmanesas, enquanto, no interior da cabina, a falsa claridade dos pequenos
difusores não deixava adivinhar a paisagem nem a hora do dia.
O cobertor branco tinha escorregado do assento e Emmanuelle estava deitada,
nua, sobre o lado esquerdo, enroscada como uma criança friorenta. O seu
vencedor dormia.
Emmanuelle retomou, progressivamente, a consciência. Mantinha-se imóvel e o
rosto nada deixava transparecer do que lhe ia no íntimo. Ao fim de bastante
tempo, esticou lentamente as pernas, arqueou os rins e virou-se de costas,
tacteando com a mão para se cobrir. O gesto ficou, contudo, suspenso: um
homem, de pé, no corredor, olhava-a.
29
Devido à posição em que se encontrava em relação a ela, o desconhecido pareceu-
lhe enorme e a jovem achou-o também inacreditavelmente belo. Foi, sem dúvida,
essa beleza que a fez esquecer a nudez, ou, pelo menos, que não se sentisse
constrangida. «É uma estátua grega», pensou. «Uma tal obra de arte não pode ser
viva.» Ocorreu-lhe um fragmento de um poema que não era grego: «Divindade do
templo em ruínas...» Teria gostado de ver primaveras, trigo dourado, às braçadas,
aos pés do deus, folhagem envolvendo o seu pedestral e um sopro de vento
agitando aqueles curtos cabelos de cordeiro que formavam caracóis nas têmporas
e na testa. O olhar de Emmanuelle seguiu a aresta rectilínea do nariz, pousou
nos lábios finos, no queixo de mármore. Dois firmes tendões esculpiam a linha do
pescoço, até à camisa entreaberta sobre um peito sem pêlos. Os olhos da mulher
prosseguiram o estudo. Uma protuberância enorme esticava a flanela branca das
calças, próximo do rosto de Emmanuelle.
A aparição baixou-se e apanhou do chão a saia e a camisola. Também não
esqueceu as calcinhas e o cinto de ligas, as meias e os sapatos atirados ao acaso.
- Vem - convidou, erguendo-se.
Emmanuelle sentou-se, pousou os pés na alcatifa e aceitou a mão que se lhe
estendia. Depois, levantando-se com um ligeiro esforço, avançou, nua, como se
tivesse mudado de mundo na altitude e na noite.
O desconhecido levou-a até à casa de banho, onde ela já estivera com a
hospedeira. Encostou-se à vigia forrada de seda e colocou Emmanuelle na sua
frente. Esta quase soltou um grito ao deparar com o réptil hercúleo, que se erguia
diante de si, no meio da mata doirada. Como era sensivelmente mais baixa do
que o homem, a glande trigonocéfala chegava-lhe aos seios.
O herói agarrou Emmanuelle pela cintura e levantou-a sem dificuldade. A jovem
cruzou os dedos atrás da nuca máscula, cujos músculos sentiu endurecerem-se
sob as palmas das mãos e abriu as pernas para que o membro
30
vermelho, sobre a qual o seu sedutor a deixara cair, pudesse penetrá-la. Lágrimas
corriam-lhe pelo rosto, enquanto o homem a penetrava com cuidado, mas
dilacerando-lhe a carne. Apoiando-se com os joelhos contra a parede e nos
quadris do companheiro, Emmanuelle tentava ajudar a fabulosa serpente a
chegar-lhe bem ao fundo das entranhas. Torcia-se, arranhando o pescoço ao qual
se pendurava, soluçando, pronunciando palavras sufocadas e ininteligíveis.
Naquele êxtase, nem sequer se apercebeu de que o homem se vinha, rápido, com
um golpe tão selvagem de rins que dir-se-ia pretender rasgá-la até ao coração.
Quando se retirou, manteve-a em pé, com o rosto iluminado, num abraço forte. O
falo molhado refrescava a pele dorida de Emmanuelle.
- Gostaste? - perguntou.
Emmanuelle encostou a face ao peito daquele deus grego. Sentia o seu sémen
mover-se dentro dela.
- Amo-o - murmurou ela. E logo em seguida perguntou-lhe: - Quer possuir-me
outra vez?
- Daqui a pouco - respondeu ele com um sorriso. - Voltarei. Agora, veste-te.
Inclinou-se e depositou nos seus cabelos um beijo tão casto que a privou de
palavras. Viu-se só, antes mesmo de tomar consciência de que ele a deixava.
com gestos vagarosos, como se cumprisse um ritual (ou por não ter ainda
regressado completamente ao mundo do real), pôs-se debaixo do duche, cobriu-se
de espuma, banhou-se com cuidado, esfregou a pele com toalhas quentes e
perfumadas que tirou de um distribuidor eléctrico. Vaporizou a nuca, a garganta,
as axilas e os pêlos do púbis com um perfume que lembrava a verdura de um
bosque e escovou os cabelos. A sua imagem era-lhe devolvida por longos espelhos
de três ângulos diferentes: pareceu-lhe que jamais estivera tão fresca e
esplendorosa. O desconhecido iria voltar, como tinha prometido?
Esperou até que o altifalante anunciou a aproximação de Banguecoque. Em
seguida, com um gesto de desapontamento e um pouco confusa, vestiu-se e
regressou à cabina. Retirou o saco e o casaco do fato de saia e casaco
31
da rede destinada às bagagens e pousou-os nos joelhos, depois de se ter sentado
na cadeira, que uma mão previdente havia novamente endireitado e perto da qual
tinham colocado uma chávena de chá e uma bandeja com brioches. O vizinho,
que fitou distraidamente, teve uma reacção de surpresa.
- But... aren 't you going on to Tokyo? * - inquiriu com uma leve sombra de
contrariedade na voz.
Emmanuelle compreendeu facilmente o que ele estava a dizer e sacudiu a cabeça
numa negativa. O rosto do homem ensombrou-se. Fez outra pergunta que ela não
entendeu e à qual, aliás, nem sequer estava interessada em responder. Olhava
em frente com uma expressão triste.
O viajante tirou uma agenda do bolso e estendeu-a a Emmanuelle, fazendo-lhe
sinal para escrever. Pretendia, sem dúvida, que ela lhe deixasse o nome, ou uma
morada onde pudesse voltar a contactá-la. Mas ela recusou, abanando de novo a
cabeça, a testa franzida. Interrogava-se sobre se o desconhecido de rosto de hera
e fragrância a pedra quente, se esse génio fantástico do templo em ruínas,
deixaria, como ela, o avião em Banguecoque, ou se prosseguiria viagem até ao
Japão... Mesmo que assim fosse, voltaria a vê-lo na escala...
Procurou-o com o olhar entre os passageiros que, após descerem do avião,
aguardavam, em grupos perto das asas, na manhã do aeroporto tropical, que os
conduzissem até aos edifícios de cimento e vidro, cuja silhueta futurista se
recortava num céu já branco de calor. Não avistou, contudo, ninguém que tivesse
a sua altura, nem os seus cabelos outonais. A hospedeira sorriu-lhe, mas ela mal
a viu. Empurravam-na na direcção da barreira alfandegária. Alguém a transpôs,
mostrando um salvo-conduto e chamou Emmanuelle. Ela começou a correr e
lançou-se, com um grito de alegria, nos braços abertos do marido.
1 Em inglês no original: «- Mas... não vai para Tóquio?» (N. da T.)
32

SEGUNDO CAPÍTULO
O PARAÍSO VERDE
Aconselho-vos, por acaso, a matar os
sentidos?
Aconselho-vos a inocência dos sentidos.
NIETZSCHE, «Assim Falava Zaratustra»

O pequeno lago de mosaico preto e água rosa, onde dançam os tornozelos de


Emmanuelle, é o do Royal Bangkok Sports Club. As esposas e as filhas aceites
neste círculo masculino vêm aos sábados e aos domingos à tarde mostrar pernas
e seios através da transparência dos vestidos na zona de pesagem do campo das
corridas de cavalos e, abertamente, nos outros dias da semana, na beira da
piscina.
com o rosto entre os braços dobrados, deitada próximo de Emmanuelle (que
sente, de vez em quando, a carícia de cabelos curtos no flanco da coxa) uma
jovem, de corpo vigoroso como um poldro, cujos músculos ressaltam sob a pele
cobreada e a tornam semelhante ao esboço de um escultor, conversa. O riso feliz
ecoa à superfície da água. A beleza da voz adorna-lhe as confidências.
- Gilbert acha de bom tom fazer o papel de ultrajado, desde o aparecimento do
Flibusteiro; amuou por causa das minhas três noites de fuga. Mas Deus é
testemunha de que regressei modestamente a casa na quarta, depois de o
Flibusteiro ter partido!
Emmanuelle sabia que aquela era Ariane, mulher do conde Saynes, conselheiro
da Embaixada de França e que tinha vinte e seis anos.
- Mas que mosca mordeu, então, ao teu marido?
- inquiriu uma outra que, deitada numa cadeira de repouso de lona vermelha, se
ocupava a pentear uma cadelinha sofisticada a que chamava O. - Os seus
princípios estão em decadência?
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- O que lhe desagradou não foi o facto de eu ter passado as noites na cabina do
comandante, mas de não o ter avisado. Acha que se pôs a ridículo ao procurar-
me por toda a parte, inclusive na Polícia.
As jovens riram. Estiradas nas lajes, num torpor quase estupidificado (por mais
que gostassem de suportar a torreira do sol), formavam uma estrela de carne
ardente em torno de Ariane, deitada de bruços, e de Emmanuelle, sentada. Esta
escutava-as mais do que as via. Os reflexos movediços da água tépida, que lhe
envolvia as pernas, interessavam-lhe muito mais nesse momento do que o
espectáculo de todos aqueles corpos queimados do sol.
- Onde é que ele queria que tu estivesses? Não era preciso ser bruxo para
adivinhar.
- E quando este país oferecia, finalmente, uma hipótese de distracção!
- E ainda por cima confessa que me viu, pela última vez, no fim daquela festa a
bordo, sem armadura e sem defesa, entre dois garbosos marinheiros, que
pareciam decididos a partilhar os meus despojos.
- E conseguiram-no?
- Como hei-de saber?
Ergueu o busto para interpelar Emmanuelle. Esta não pôde impedir-se de
admirar, uma vez mais, a facilidade e a descontracção com que estas banhistas
de cerâmica desapertavam nas costas as fitas da parte de cima do biquini,
alegando querer evitar a lista branca na pele queimada, mas, na verdade, com o
objectivo deliberado de tirarem partido das leis da gravidade, sempre que, com
aparente inocência, se soerguiam nos cotovelos para cumprimentar um amigo
que passasse perto.
- Perdeu a oportunidade do século, minha querida
- retorquiu Ariane -, pois, em Banguecoque, não aparecem duas por século, como
acaba de observar Chouffie. Um pequeno barco de guerra veio ancorar no rio, no
fim-de-semana passado com o pretexto de prestar não sei que gentileza à
Marinha siamesa. Gostaria que tivesse visto: uma tripulação de deuses! O
comandante... dionisíaco! Durante três dias verificou-se um não acabar de
recepções, jantares, bailes... e o resto!
A indiscrição, o tom desenvolto, o riso agudo das jovens francesas que a
rodeavam intimidavam Emmanuelle: surpreendia-se por verificar que a sua
experiência de parisiense de pouco lhe servia frente a esta sociedade desregrada.
O ócio e o luxo que denotavam pareciam-lhe superiores ao tempo mal aproveitado
e à fortuna de Auteuil e de Passy. Viviam intensamente a própria ociosidade, num
exibicionismo sem improvisações nem pausas. E tudo, aparentemente, indicava
que não tinham outra preocupação ao longo dos dias, qualquer que fosse a idade,
o aspecto e a condição, para além de seduzirem ou de serem seduzidas.
Uma delas, cuja cabeleira ruiva caía com exuberância de miragem sobre os
ombros e até à cintura, levantou-se com indolência, abeirou-se da piscina e aí
ficou de pé, espreguiçando-se e bocejando, as pernas em V, entre as quais o
biquini branco e exíguo deixava escapar tufos dourados e fartos, e que, aos olhos
subitamente atentos de Emmanuelle, fazia salientar a moldura do sexo: um sexo
forte, exercitado, tornado mais impudico pela pureza do rosto e pelas linhas
esbeltas da jovem.
- Jean não é assim tão tolo! - declarou. - Informou-se da partida do Flibusteiro,
antes de mandar vir a mulher!
- Foi pena! - redarguiu Ariane, num tom de mágoa sincera. - Ela teria feito um
enorme sucesso.
- E, todavia, não percebo muito bem como Jean podia achar que Emmanuelle
estava mais segura em Paris
- ironizou uma das jovens seminuas. - Não a devem ter negligenciado por lá!
Ariane fitou Emmanuelle, aparentemente com maior interesse.
- E verdade! - comentou uma das acólitas com fleuma- - O marido não deve ser
ciumento para a ter deixado, assim, sozinha durante um ano!
- Um ano, não, seis meses! - rectificou Emmanuelle.
Perscrutava o relevo orlado daquela vulva tão perto de si que, se quisesse, poderia
tocar-lhe com os lábios, bastando-lhe pôr-se de lado.

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- Acho que ele fez muito bem em não lhe pedir que viesse na mesma altura -
interferiu a dona de O.
- Passou quase todos os últimos meses no Norte; ainda não tinha casa e era
forçado a hospedar-se no hotel, sempre que vinha a Banguecoque. Não teria sido
vida para si. O que acha da sua casa? - acrescentou, em seguida. - Ouvi dizer que
é uma maravilha.
- Oh! Ainda não está pronta; faltam alguns móveis. Mas o que mais me encanta é
o jardim com as suas árvores enormes. Gostaria que a visitasse - concluiu
delicadamente Emmanuelle.
- Mas não vai ficar, de qualquer maneira, sozinha em Banguecoque, durante três
quartos do ano? - quis saber alguém do grupo de Ariane.
- Nem pensar nisso! - retorquiu Emmanuelle, um tanto irritada. - Agora que os
engenheiros se instalaram, Jean não precisará de ir a Varn Hee; terá bastante
que fazer na sede. Ficará todo o tempo comigo.
- Bah!... A cidade é grande! - ripostou a condessa, com uma risada
tranquilizadora.
E como Emmanuelle não parecia ter compreendido o objectivo deste comentário,
Ariane entrou em explicações.
- O trabalho vai absorver-lhe a maior parte dos dias
- disse ela. - Terá espaço e tempo de sobra para poder manobrar os seus
conquistadores. É ainda uma sorte que os homens válidos deste país não estejam
todos tão ocupados como os nossos maridos. Tem carta?
- Tenho, mas não me atrevo a conduzir neste labirinto de ruas impossíveis. Jean
deixa-me o motorista, até eu aprender a orientar-me.
- Depressa aprenderá o essencial. Eu mesma tenciono ensiná-la.
- Ou por outras palavras: Ariane encarregar-se-á de a perverter!
- Que disparate! Emmanuelle não precisa de mim para isso. Prefiro que me conte
as suas próprias travessuras. Minou te tem toda a razão: só em Paris se podem
praticar loucuras à vontade.
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- Mas eu nada tenho para contar! - objectou Emmanuelle, num tom de voz quase
inaudível.
Aquela forma de falar de Ariane divertia-a um pouco; caso contrário, ter-se-ia
sentido quase miserável.
- Pode ficar tranquila! - garantiu a que se mostrava mais ansiosa por conhecer os
seus segredos. - Pode fazer-nos as confissões mais impudicas: somos verdadeiros
túmulos!
- Que é que vocês querem que eu diga? Durante todo o tempo que estive em
França, nunca enganei o meu marido - afirmou Emmanuelle com súbita força e
serenidade.
Por um instante, o silêncio reinou entre as mulheres. Pareciam avaliar o alcance
desta declaração. O tom de sinceridade de Emmanuelle tinha-as impressionado.
A condessa fitava a recém-chegada com um certo desagrado. Seria esta jovem
uma moralista? No entanto, a avaliar pela forma de vestir...
- Há quanto tempo está casada? - inquiriu.
- Quase um ano - respondeu Emmanuelle. E acrescentou para as tornar
ciumentas da sua juventude: - Casei-me com dezoito anos. - E disse ainda, num
impulso, com medo de as deixar tomar vantagem:
- Um ano de casamento, do qual metade foi de separação! Decerto podem
imaginar como me sinto feliz por estar de novo com Jean.
E, para própria surpresa, antes sequer de ter tempo de desviar os olhos, estes
encheram-se de lágrimas.
Todas aquelas mulheres abanaram as cabeças, tentando expressar simpatia.
«Esta está deslocada entre nós», era, na realidade, o que pensavam.
- Gostaria de vir a minha casa tomar um batido? Emmanuelle ainda não tinha
reparado, até aí, nessa
que acabava de se levantar de um salto. Mas logo, o ar de firmeza, a segurança
quase protectora do novo rosto divertem-na, pois esse rosto é, também, o de uma
rapariga muito jovem. «Não tão rapariga como isso», corrige-se intimamente,
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enquanto a adolescente se exibe com ar de quem quer protegê-la. Terá,
provavelmente, treze anos, mas é quase tão alta como Emmanuelle. A diferença
reside na maturidade dos corpos: o dela tem ainda algo de incompleto, de
imaturo. Talvez este facto se deva, aliás, a um tipo de pele mais próximo da
infância: uma pele que se recusa a absorver o sol, que não tem a marca quente,
civilizada, elegante da de Ariane. Emmanuelle acha-a mesmo, à primeira vista,
um pouco rugosa... Mas não é bem assim: está antes em causa uma pele
pintalgada, como uma pele de galinha. Sobretudo nos braços. As pernas parecem
mais lisas. Umas bonitas pernas de rapaz - devido aos tornozelos de tendões
salientes, aos joelhos e aos músculos rijos, às coxas nervosas. Agradáveis à vista,
mais pelas proporções perfeitas e pela agilidade do que pela emoção um pouco
perturbadora que as pernas femininas costumam despertar. Estas, Emmanuelle
imagina-as mais facilmente correndo na areia ou saltando da prancha de uma
piscina do que enlanguescidas pela carícia de uma mão, abrindo a um corpo
impaciente a porta de um corpo dócil.
A mesma impressão lhe desperta o ventre de desportista, côncavo, cavado pelo
exercício, palpitando como um coração ao longo dos músculos e que a exiguidade
do triângulo de pano - não maior do que o usado no palco por uma bailarina nua
- não consegue tornar indecente.
Nem o são também os pequenos seios pontiagudos, tão pouco dissimulados sob a
tira simbólica do biquini. «Que beleza!», pensa Emmanuelle. «Mas não
compreendo porque não se põe de tronco nu! Seria ainda mais bela e estou certa
de que não provocaria os maus pensamentos de ninguém.» (Após uma pausa para
reflexão já não tem tantas certezas neste aspecto.) Interroga-se sobre qual pode
ser a sensualidade de uns seios tão jovens, e, em seguida, recorda-se dos seus e
do prazer que lhe davam quando apenas marcavam o perfil, mas «não de forma
tão saliente como estes», reconhece, pois à medida que os vai observando melhor,
lhe parecem menos negligenciáveis. Pensa que talvez o contraste com os de
Ariane lhe
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tenha influenciado a avaliação. Ou talvez as ancas estreitas, ou a cintura de


menina...
Ou talvez, também, as longas tranças que baloiçam sobre o seio rosado. Estas
tranças, eis o que fascina Emmanuelle. Nunca viu uns cabelos assim. Tão louros,
tão finos, quase invisíveis - nem palha, nem linho, nem areia, nem ouro, nem
platina, nem prata, nem cinzas... com que compará-los? com certas meadas de
seda crua, mas ainda não completamente brancas, usadas para bordar. Ou ao
céu da aurora. Ou à pele de um lince-nórdico... Emmanuelle encontra os olhos
verdes e esquece tudo o mais.
Oblíquos, alongados, erguidos para as têmporas num traçado tão invulgar que
parecem deslocados naquelas feições claras de europeia - mas tão verdes, na
realidade! Tão luminosos! Emmanuelle vê-os atravessados - como o acender e o
apagar de um farol - por reflexos de ironia, de seriedade, de confiança, de
extraordinária autoridade e, em seguida e subitamente, de solicitude, mesmo de
compaixão, e ainda de risonha malícia, de fantasia, de ingenuidade, de
cumplicidade: dois fogos que enfeitiçam.
«Os olhos de Lilithi*!, pensa Emmanuelle.
Não revê, obviamente, nesta jovem, o ser belo e demoníaco, a ave da noite
difamada, mas a mulher que antecedeu Eva na história da origem da criação. Mal
foi criada, levantou voo. O obediente, o devoto e o ingénuo Adão tinha-a
desiludido. Desde essa altura que passou a renascer no coração dos mortais. A
própria Emmanuelle encontra-a, agora, como a inventavam as suas divagações
de infância - erguendo os ombros angelicais com uma risada. E o céu de Sião, por
cima de Emmanuelle e à sua volta, anima-se secretamente com um bater de
asas. Será a Maravilha renascida que trespassa repentinamente a atmosfera
opaca com um olhar de folhas vivas? Terá sido assim que, às primeiras manhãs
de sol, a árvore do conhecimento do Bem e do Mal floresceu e derrubou as
*Nome dado pelo Talmude à primeira mulher de Adão (N. do E.)
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defesas? Será que formas andróginas e uma voz revoltada irão perturbar de novo
o paraíso terrestre? Uma promessa jamais cumprida servirá, finalmente, para
justificar os desejos?
- Chamo-me Marie-Anne.
E, sem dúvida, porque Emmanuelle, ocupada em contemplá-la, se esqueceu de
responder, repete o convite:
- Quer vir a minha casa?
Desta vez, Emmanuelle sorri-lhe e, por seu turno, levanta-se. Explica que, hoje,
não pode aceitar, porque Jean virá buscá-la ao clube e levá-la a fazer algumas
visitas de cortesia. Só se despachará muito tarde. Mas gostaria muito que Marie-
Anne a fosse ver no dia seguinte. Sabe onde ela mora?
- Sim - apressa-se Marie-Anne a responder. - De acordo, então, até amanhã, à
tarde.
Emmanuelle aproveita a ocasião para se livrar do grupo, justificando-se que não
quer fazer esperar o marido. Dirige-se apressadamente para o balneário.
- Achas que o quarto de hóspedes poderá estar pronto dentro de alguns dias? -
perguntou a Emmanuelle o seu marido, quando se sentaram à mesa.
As paredes corrediças, nesse momento corridas, davam para um rectângulo de
água, onde os lótus, de manhã rosados, lilases, brancos ou azuis, baloiçavam à
noite os seus cálices verdes sobre as águas.
- Pode ser usado já, se for preciso. Faltam apenas as cortinas e as almofadas de
várias cores que quero pôr em cima da cama. Ah, é verdade! Falta também um
candeeiro.
- Gostaria que estivesse pronto deste domingo a oito dias.
- Mas, claro que estará! Não preciso de dez dias para instalar o resto. Esperas
alguém?
- Sim, o Christopher. Sabes... Está na Malásia há um mês. Convidei-o antes de
chegares. Acaba de responder-me. Tudo se arranjou pelo melhor: a própria
empresa quer que ele faça esta viagem à Tailândia. Assim, poderá passar
algumas semanas connosco. Vai fazer três anos que não o vejo. Garanto-te que é
uma excelente pessoa.
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- Não foi ele que ficou contigo em Assuão, depois de concluída a barragem?
- Ele mesmo. O único que não desanimou.
- Lembro-me, agora. Contaste-me como ele é sisudo... Jean solta uma risada ante
a expressão da mulher.
- Sisudo, sim, mas não sinistro! - exclama ele. Gosto muito dele. E tenho a
certeza de que serás da mesma opinião.
- Que idade tem?
- Seis ou sete anos menos do que eu. Quando o conheci acabava de sair de
Oxford.
- E inglês?
- Não. Quer dizer, sim, metade. Pelo lado da mãe. O pai é um dos fundadores da
companhia. Mas não penses que ele é um menino do papá. Trabalha, muito pelo
contrário, bem no duro. Um indivíduo em quem se pode confiar.
Emmanuelle sentia-se um pouco decepcionada por ter de partilhar uma
intimidade que acabava de reencontrar. Estava, contudo, decidida a receber o
melhor possível esse visitante, tão da estima do marido. Recordava-se de
fotografias em que Christopher se exibia como um explorador, atlético e
bronzeado, de sorriso tranquilo, e pensou que, afinal de contas, era bem melhor
tê-lo por hóspede do que aos velhos e barrigudos inspectores que, mais tarde,
teria decerto de conduzir através dos pontos turísticos da cidade, protegendo-os
da insolação e dos mosquitos.
Inteirou-se de outros pormenores, ávida de imagens dos anos perigosos, do tempo
em que ainda não conhecia Jean. Se ele tivesse sido morto nessa época, nunca se
teria tornado sua mulher: este pensamento provocou-lhe um aperto no coração. E
não conseguiu comer mais.
O criado circulava em redor da mesa, trazendo nozes de coco recheadas de pudim
de ovo e caramelo, depois arroz gelado e filhoses que a velha cozinheira de
gengivas vermelhas levara três dias a preparar em honra da nova Patroa. Ele
movia-se com segurança, elevando-se alternadamente nos bicos dos pés, como
que a preparar um impulso para saltar. Emmanuelle sentiu-se um pouco
receosa.
41
. Ele parecia-lhe excessivamente silencioso, forte e ao mesmo tempo ginasticado,
demasiado eficiente, uma presença constante que se assemelhava a um gato.
Marie-Anne chegou num carro americano branco, conduzido por um motorista
indiano de turbante e barba negra, que partiu mal a deixou no sítio desejado.
- Depois podes levar-me a casa, Emmanuelle? perguntou Marie-Anne.
Emmanuelle ficou surpreendida com aquele tratamento familiar. Apercebeu-se
também, mais do que na véspera, como a voz se harmonizava com as tranças e a
pele. Um desejo, com base num impulso, quase a levou a beijar a jovem nas duas
faces, mas qualquer coisa a deteve. Talvez os seios pontiagudos por baixo da
blusa azul? Era absurdo! Marie-Anne mantinha-se muito próximo dela.
- Não ligues ao que contam aquelas idiotas - disse ela. - E tudo garganta. Não é
verdade um décimo daquilo que querem fazer crer.
- Claro! - concordou Emmanuelle, após uma breve hesitação. Marie-Anne devia
referir-se, sem dúvida, às companheiras mais velhas da piscina. - Quer vir até ao
terraço?
Logo se arrependeu, no entanto, do tratamento por «você» que, instintivamente,
utilizara. Marie-Anne aceitou o convite com um movimento de cabeça. Subiram
ao andar superior. Ao passarem diante da porta do quarto, Emmanuelle lembrou-
se, de súbito, da enorme fotografia que a mostrava completamente nua e que
Jean tinha à cabeceira da cama. Apressou o passo, mas Marie-Anne já estava
parada diante da grande rede-mosquiteiro que se» parava o aposento do corredor.
- É o teu quarto? - inquiriu. - Posso ver? Afastou a rede, sem esperar pela
resposta. Emmanuelle seguiu-a. A visitante soltou uma risada sonora.
- Que cama tão grande! Quantos cabem lá dentro?
- Trata-se, na verdade, de duas camas gémeas - respondeu Emmanuelle, corando
- Estão encostadas uma à outra.
42
Marie-Anne pousou os olhos na fotografia.
- Estás muito bonita! - elogiou. - Quem a tirou? Emmanuelle teria preferido
mentir, dizer que fora
Jean, mas não o conseguiu.
- Um artista, um amigo do meu marido - confessou.
- Tens mais fotografias? Decerto não tirou apenas esta. Não tens nenhuma onde
estejas a fazer amor?
Emmanuelle ficou um pouco perturbada. Que espécie de rapariguinha era
aquela, que a fitava com os seus grandes olhos claros, com um sorriso gaiato e
lhe fazia, num tom de camaradagem e sem qualquer visível emoção, perguntas
tão surpreendentes? E o pior era que, talvez por causa desse olhar, Emmanuelle
sentia que somente podia dizer a verdade e que esta criança tinha o poder, se
quisesse, para lhe arrancar as confissões mais secretas. Abriu bruscamente a
porta, como se este gesto lhe servisse de defesa.
- Vem? - perguntou. Esquecera uma vez mais o «tu».
Marie-Anne esboçou um sorriso furtivo. Desembocaram num terraço, abrigado do
sol por um toldo com riscas amarelas e brancas. Do rio próximo, chegava-lhes
uma ligeira brisa.
- Que sorte a tua! - exclamou Marie-Anne. - Não há outra casa em Banguecoque
tão bem situada. Que vista maravilhosa e como se está bem aqui!
Conservou-se uns momentos imóvel, de olhos fixos na paisagem de coqueiros e
outras árvores de folhas avermelhadas. Depois, com um gesto natural, soltou o
largo cinto de ráfia que lhe apertava a cintura e atirou-o para uma das cadeiras
de junco. Sem hesitar, correu o fecho da saia colorida que lhe caiu aos pés. A
jovem saltou para fora do círculo que o tecido desenhava no ladrilho. A blusa ia
até às ancas, mais abaixo do limite lateral das calcinhas, de forma que, destas,
apenas se via, tanto à frente como atrás, uma fina banda vertical carmesim,
debruada a rendas. Deitou-se numa das cadeiras e, sem perder um minuto,
pegou numa revista.
43
- Há séculos que não vejo revistas francesas. De onde veio esta?
Acomodou-se ao seu jeito, com as pernas cuidadosamente esticadas, uma ao lado
da outra. Emmanuelle soltou um suspiro, afastou os pensamentos confusos que
a assaltavam e instalou-se diante de Marie-Anne. Esta soltou uma gargalhada.
- Que história é esta: O Óleo do Mocho? Não te importas que a leia agora?
- Claro que não, Marie-Anne.
Mergulhou na leitura. A revista aberta escondia-lhe o rosto.
Não se manteve, contudo, imóvel por muito tempo; depressa o corpo se agitou
com sacudidelas rápidas, como os de um poldro. Ergueu um joelho e a coxa
esquerda, deixando o enquadramento onde estivera até então, junto da outra,
veio apoiar-se, com indolência, no braço da cadeira. Emmanuelle deitou um olhar
furtivo na direcção da abertura das calcinhas. Uma das mãos de Marie-Anne
abandonou a revista e, sem hesitações, meteu-se entre as pernas abertas para
afastar o nylon e procurou, bem abaixo, um ponto que pareceu encontrar e sobre
o qual se manteve por um instante. Em seguida, subiu, descobrindo, após a
passagem, o entalhe das carnes. Brincou com a saliência que esticava o pano,
tornou a descer, escorregou sob as nádegas e recomeçou o seu périplo. No
entanto e desta vez, somente o dedo médio se baixara; os outros, levantados com
graciosidade, enquadravam-no, quais asas abertas; acariciou a pele, até que o
pulso, subitamente dobrado, deixou de se mover. Emmanuelle sentia o coração
bater-lhe com tanta força, que receava que o ouvissem. A língua surgiu-lhe entre
os lábios.
Marie-Anne continuou aquele jogo. O dedo principal apoiou-se até mais fundo,
afastando a carne. Parou de novo, desenhou um círculo, hesitou, exerceu uma
leve pressão e vibrou num movimento quase imperceptível. Um som incontrolado
saiu da garganta de Emmanuelle. Marie-Anne baixou a revista e sorriu-lhe.
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- Não te acaricias? - surpreendeu-se, inclinando a cabeça sobre o ombro, com um
olhar malicioso. - Eu faço-o, sempre que leio.
Emmanuelle esboçou um aceno de cabeça afirmativo, incapaz de falar. Marie-
Anne abandonou a leitura, arqueou os rins, levou as mãos às ancas e, num gesto
rápido, baixou as calcinhas vermelhas até às coxas. Agitou as pernas no ar, até
se libertar daquela peça de roupa. Depois, espreguiçou-se, fechou os olhos e
apartou, com dois dedos, as mucosas rosadas.
- E bom neste sítio - disse. - Não achas? Emmanuelle voltou a concordar com a
cabeça.
- Gosto de levar muito tempo - prosseguiu Marie-Anne, num tom de conversa
banal. - É por isso que não me toco demasiado em cima. Prefiro o vaivém na
racha.
O gesto ilustrou a afirmação. Por fim, a cintura arqueou-se e Marie-Anne emitiu
um leve gemido.
- Oh! - exclamou. - Não aguento mais!
O dedo estremeceu-lhe sobre o clitóris, como uma libélula. O gemido
transformou-se num grito. As coxas apartaram-se violentamente, para logo se
fecharem, de um golpe, sobre a mão prisioneira. Gritou de uma forma quase
aflitiva e deixou-se cair, ofegante. Depois de alguns segundos, recuperou o fôlego
e abriu os olhos.
- É realmente estupendo! - disse, divertida.
E, com a cabeça inclinada, introduziu o dedo médio no sexo, cuidadosa e
delicadamente. Emmanuelle mordia os lábios. Quando o dedo ficou todo
enterrado, Marie-Anne soltou um prolongado suspiro. Resplandecia de saúde, de
bem-estar, de satisfação do dever cumprido.
- Acaricia-te também - encorajou. Emmanuelle hesitou, como que buscando uma
saída.
Mas a indecisão não durou muito. Levantou-se bruscamente e abriu o calção, que
fez deslizar ao longo das pernas. Não usava mais nada por baixo. A camisa cor de
laranja fazia sobressair o brilho do púbis negro.
Assim que Emmanuelle voltou a deitar-se, Marie-Anne veio sentar-se a seus pés,
numa almofada de pelúcia.
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Ambas tinham, agora, um aspecto idêntico: o busto tapado, o baixo-ventre e as
nádegas expostas. Marie-Anne fitava de muito perto o sexo da amiga.
- Como é que gostas de te acariciar? - perguntou.
- Como toda a gente! - respondeu Emmanuelle, excitada pela respiração de Marie-
Anne sobre as suas coxas.
Se a mão da jovem pousasse nela, libertá-la-ia da tensão e também do
constrangimento. Contudo, Marie-Anne não a tocou.
- Mostra-me - limitou-se a pedir.
Pelo menos, a masturbação foi para Emmanuelle um alívio imediato. Teve a
sensação de que uma cortina a separava do mundo e, à medida que os seus
dedos cumpriam entre as pernas aquela missão familiar, invadiu-a uma enorme
calma. Nem sequer procurou prolongar o prazer da espera. Tinha necessidade de
encontrar rapidamente uma base, um terreno conhecido; e nenhuma lhe parecia
melhor do que o refúgio deslumbrante do orgasmo.
- Como é que aprendeste a vir-te, Emmanuelle?
- quis saber Marie-Anne, assim que a amiga voltou à realidade.
- Sozinha. As minhas mãos descobriram por si próprias - elucidou Emmanuelle,
com uma risada.
Sentia-se de bom humor e, agora, com vontade de conversar.
- Já sabias fazê-lo aos treze anos? - duvidou Marie-Anne.
- Claro. Muito tempo antes! E tu, não? Marie-Anne não lhe deu resposta e
prosseguiu o interrogatório.
- E em que sítio preferes acariciar-te?
- Oh, em vários. A sensação é diferente na ponta, no centro ou perto da base:
aqui. Não se passa o mesmo contigo?
Marie-Anne voltou a ignorar a pergunta.
- Só acaricias o clitóris? - continuou o seu interrogatório.
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- Não, que ideia! Toda a pequena abertura, logo abaixo, a uretra. Também é
muito sensível. Basta tocar-Ihe com a ponta dos dedos para me vir
imediatamente.
- Que mais fazes ainda?
- Gosto de acariciar o lado de dentro dos lábios, onde está mais molhado.
- com os dedos?
- E também com bananas. - A voz de Emmanuelle deixava transparecer uma
ponta de orgulho. - Meto-as até ao fim. Mas, primeiro, descasco-as. Não devem
estar maduras. As compridas e verdes, que se vendem aqui no mercado
ambulante, são óptimas!
Sentia-se desfalecer, só de evocar esta volúpia. Estava tão fascinada pelas
imagens dos seus prazeres solitários, que quase se esquecera da presença da
amiga. Os seus dedos castigavam a vulva. Nesse momento, o que mais queria era
que qualquer coisa a penetrasse. Virou-se, de lado, para Marie-Anne, de olhos
fechados, as pernas bem afastadas. Precisava mesmo de se vir mais uma vez.
com os dedos bem unidos esfregou a vertente interior dos lábios do sexo, com
grandes movimentos rápidos, muito regulares, durante alguns minutos, até ficar
satisfeita.
- Como vês, posso acariciar-me várias vezes seguidas, uma após outra!
- Fazes isso muitas vezes?
- Sim.
- Quantas por dia?
- Depende. Em Paris, estava fora a maior parte do tempo: na Faculdade ou
percorrendo as lojas. Quase nunca podia gozar mais do que uma ou duas vezes
de manhã: ao acordar e durante o banho. E, depois, duas ou três vezes, à noite,
antes de adormecer. E ainda durante a noite, se acordasse. Mas quando estou de
férias, não tenho outra coisa para fazer: posso acariciar-me muito mais. E aqui
vou estar todo o tempo de férias!
Ficaram em silêncio, próximas uma da outra, saboreando a amizade que nascia
daquela franqueza. Emmanuelle sentia-se feliz por ter podido falar destas coisas,
Por ter conseguido superar a timidez. Feliz, sobretudo,
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sem, no entanto, se atrever a confessá-lo, por se ter masturbado diante daquela
jovem que gostava de olhar, que sabia gozar. No íntimo, já lhe atribuía todos os
méritos! E achava-a tão bonita! Aqueles olhos de elfo... E a fenda sonhadora que
desenhava no «rosto» de baixo um trejeito tão expressivo, distante e carnudo
como o outro! E as coxas abertas, sem pudor, indiferentes à sua nudez...
- Em que pensas, Marie-Anne? - quis saber. - Estás com um ar tão sério!
E puxou-lhe uma das tranças num gesto brincalhão.
- Penso nas bananas - respondeu Marie-Anne. Franziu o nariz e ambas riram até
ficar sem fôlego.
- É a vantagem de não se ser virgem - comentou a mais velha. - Senão, nada de
bananas! Não sabia o que estava a perder.
- Como foi que começaste com os homens? - interessou-se Marie-Anne.
- Foi o Jean que me desflorou - redarguiu Emmanuelle.
- Não tiveste mais ninguém antes? - quis saber Marie-Anne, tão visivelmente
escandalizada que a interlocutora se expressou num tom de desculpa.
- Não. Quer dizer, não verdadeiramente. É claro que alguns rapazes me
acariciaram. Mas eram todos muito desajeitados. O Jean possuiu-me logo -
prosseguiu, readquirindo a segurança. - Por isso o amei.
- Logo?
- Sim. No segundo dia após nos termos conhecido. No primeiro, veio à minha
casa; era amigo dos meus pais. Olhou-me todo o tempo com um ar divertido,
como se quisesse irritar-me. Arranjou forma de ficarmos sozinhos e fez-me
perguntas sobre tudo: quantos namoros tinha tido, se gostava de fazer amor. Eu
estava terrivelmente embaraçada, mas não consegui ocultar-lhe a verdade. Um
pouco como contigo! E também ele queria saber todos os pormenores. No dia
seguinte, à tarde, convidou-me para dar um passeio no seu belo carro. Disse-me
para me sentar bem junto dele e começou imediatamente a acariciar-me os
ombros, depois os seios, en-
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quanto conduzia. Por fim, parou o automóvel num atalho da floresta de
Fontainebleau e beijou-me pela primeira vez. Num tom que, ignoro porquê, me
tranquilizou em absoluto sobre o que ia acontecer, disse: «És virgem. vou possuir-
te.» E ficámos muito tempo quietos, sem falar, apertados um contra o outro. O
meu coração começou a bater com menos força. Estava feliz. E tudo aconteceu
exactamente da forma como tinha sonhado, se bem que, na realidade, eu nunca o
tivesse sonhado. Jean mandou-me tirar as calcinhas. Apressei-me a obedecer,
pois queria cooperar na minha desfloração e não assumir um comportamento
passivo. Mandou-me deitar no banco do carro, cuja capota estava descida:
avistava a copa verde das árvores. Ele ficou de pé, entre a porta do carro. Nem
sequer se deteve a acariciar-me. Entrou em mim de imediato e de tal maneira que
nem me lembro de ter sentido dor. Gozei, pelo contrário, tanto que perdi a
consciência, ou adormeci, não sei bem. De qualquer modo, não me lembro de
mais nada, até chegarmos ao restaurante da floresta, onde jantámos. Foi
maravilhoso! Depois, Jean pediu um quarto e continuámos a fazer amor até à
meia-noite. Aprendi depressa.
- E o que disseram os teus pais?
- Oh, nada! No dia seguinte, eu repetia a toda a gente que já não era virgem e que
estava apaixonada. Pareceram achar que era uma coisa natural.
- E o Jean pediu-te em casamento?
- Claro que não! Nem ele nem eu tínhamos a menor intenção de casar. Eu nem
dezassete anos fizera ainda. Acabara precisamente o liceu. E sentia-me muito
feliz por ter um amante, por ser a «amante» de um homem.
- Então, porque casaste?
- Um belo dia, Jean anunciou-me calmamente, como sempre, que a sua empresa
ia mandá-lo para o Sião. Julguei que ia desmaiar de dor. Mas ele não me deu
tempo. Acrescentou, sem mais preâmbulos: «vou casar contigo, antes de partir.
Irás ter comigo, mais tarde, quando tiver uma casa para te instalar.»
- O que sentiste?
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- Pareceu-me um conto de fadas, bom de mais para ser verdade. Ri como uma
louca. Um mês depois, estávamos casados. Os meus pais tinham achado muito
natural que eu fosse a amante de Jean, mas puseram-se aos gritos quando ele
falou em casar comigo. Tentaram provar-lhe que era velho de mais, que eu era
muito jovem, «muito inocente», mesmo. Que te parece? Mas ele convenceu-os e
gostaria de saber que argumentos usou. O meu pai deve ter oferecido grande
resistência: não podia resignar-se a que eu deixasse Mat Sup.
- Deixasses o quê? - perguntou Marie-Anne.
- O ano de Matemática Superior que acabava de começar na Faculdade.
- Que ideia! - comentou Marie-Anne, com uma sonora gargalhada.
- Não percebo onde está a graça! - ripostou Emmanuelle, parecendo contrariada.
- Queria ser astrónoma.
Um sonhar acordado transportou-a, por alguns instantes, até ao céu físico, cujo
estudo abandonara para seguir um outro apelo. Quando retomou a palavra, a voz
revelava a nostalgia desses espaços futuros, mas também a sua determinação de
não os abandonar para sempre.
- Ainda o quero. Mal esteja instalada, continuarei a estudar as estrelas. Deve
haver um observatório neste país. E professores que me ensinem a manobrar os
aparelhos.
Marie-Anne deu a entender com um gesto vago que esse assunto não fazia parte
da sua agenda do dia e fez regressar a aluna distraída às aulas terrestres.
- Como foram os teus primeiros dias de casada?
- O Jean devia partir logo após o nosso casamento. Mas, por sorte, a viagem foi
adiada por seis meses. Graças a isso não nos separámos de imediato. Pude ser
sua mulher legítima tanto tempo quanto tinha sido sua amante. E verifiquei que
era tão divertido ser casada como ser pecadora. Embora, a princípio, me
parecesse bizarro fazer amor à noite.
- E depois? Onde moraste durante a sua ausência? Em casa dos teus pais?
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- Claro que não! No seu apartamento, quero dizer, no nosso apartamento, na Rua
Docteur-Blanche.
- Ele não teve medo de te deixar assim, completamente só?
- Medo? De quê?
- Como assim? De que tu o enganasses! Emmanuelle fez uma expressão, como se
achasse a hipótese ridícula.
- Acho que não - respondeu, por fim. - Nunca falámos do assunto. Nunca lhe deve
ter passado essa ideia pela cabeça. Nem a mim.
- Mas foi precisamente o que fizeste, não?
- Não. Tive uma porção de homens atrás de mim, mas achava-os ridículos...
- Não é então mentira o que nos disseste?
- O que vos disse?
- Ontem, já não te lembras? Afirmaste que nunca dormiste com outro homem, à
excepção do teu marido.
Emmanuelle hesitou durante uma fracção de segundo. Foi, no entanto, o
suficiente para que Marie-Anne ficasse em estado de alerta. A jovem virou-se, e
pôs-se de joelhos, debruçou-se sobre o braço da cadeira, arremessando a
suspeita.
- Não há uma palavra de verdade em tudo isso - denunciou, justiceira. - Basta
olhar para a tua cara. Devias ver o teu ar de fingimento.
Emmanuelle tentou esquivar-se, mas sem convicção.
- Começa por que eu nunca disse tal coisa...
- O quê?! Não disseste a Ariane que não enganavas o teu marido? Foi por isso
mesmo que te quis falar. Porque não te acreditava. Felizmente!
- Pois bem! Estás a ser injusta! - insistiu Emmanuelle. - E repito-te que a tua
versão não corresponde exactamente ao que eu disse. Apenas afirmei que me
mantive fiel a Jean todo o tempo que permaneci em Paris. Só isso.
- O que significa esse «Só isso»?
Marie-Anne perscrutou o rosto de Emmanuelle, que forçava um comportamento
desenvolto. Bruscamente, a jovem mudou de táctica. Adoptou um tom de voz
amigo.
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- E porque havias, aliás, de te manter fiel? Não tinhas razão nenhuma para te
privares.
- Não me privei; apenas não desejei ninguém. É simples.
Marie-Anne esboçou um trejeito, reflectiu e, em seguida, fez uma pergunta:
- Nesse caso, se tivesses desejado alguém, terias feito amor com ele?
- Claro!
- Que provas me dás disso? - desafiou Marie-Anne, num tom de voz acre, como
uma criança brigona.
- Foi isso o que fiz - respondeu Emmanuelle subitamente, após um primeiro olhar
de indecisão.
Marie-Anne ficou como electrizada. Ergueu-se de um salto, tornou a sentar-se,
cruzou as pernas e pousou as mãos nos joelhos.
- Estás a ver? - redarguiu num tom moralista, com um ar ofendido e a voz
magoada. - E estavas a fingir que não!
- Não o fiz em Paris - explicou Emmanuelle, pacientemente. - Foi no avião. No
avião que me trouxe para cá. Entendes?
- E com quem? - pressionou Marie-Anne, que parecia desconfiada de mais para
acreditar.
- com dois homens, cujo nome desconheço - retorquiu Emmanuelle, demorando
algum tempo antes desta confissão.
Se esperava causar sensação, enganou-se, pois Marie-Anne nem pestanejou.
Limitou-se a prosseguir o interrogatório:
- Vieram-se dentro de ti?
- Sim.
- Mas bem dentro de ti?
- Oh! Sim.
Emmanuelle levou, instintivamente, a mão ao ventre.
- Acaricia-te, enquanto me contas - ordenou Marie-Anne.
Mas Emmanuelle sacudiu a cabeça numa negativa. De súbito, pareceu emudecer
e Marie-Anne examinou-a com um olhar crítico.
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- Então - incitou. - Fala!
Emmanuelle obedeceu, de início contrariada e com algum embaraço, mas logo
excitada pela sua própria história, sem que precisasse de ser instada e, bem pelo
contrário, esforçando-se por não esquecer um único detalhe. Só parou, depois de
ter relatado como havia sido seduzida pela estátua grega. Marie-Anne escutara-a
com um ar pensativo, mudando frequentes vezes de posição... Não parecia
especialmente impressionada.
- Contaste ao Jean? - perguntou.
- Não.
- Voltaste a ver esses dois homens?
- Claro que não!
Tudo indicava que, de momento, Marie-Anne nada mais tinha a perguntar.
Emmanuelle chamou uma criadita - dir-se-ia saída de um quadro de Gauguin,
com flores nos cabelos negros, corpo de ocre e sarongue vermelho - para que
servisse o chá. Vestiu novamente os calções e Marie-Anne as calcinhas. A saia
multicolorida ficou no chão. Em seguida, a jovem exigiu ver todas as fotografias
de Emmanuelle nua e esta foi procurá-las. Entretanto, Marie-Anne havia
recuperado a mordacidade anterior.
- Não vais, por acaso, dizer-me que nada aconteceu com o fotógrafo?
- Mas ele nem sequer me tocou! - protestou Emmanuelle. E, logo acrescentou,
com desprezo: - Aliás, não havia a mínima hipótese. Era homossexual.
Marie-Anne franziu a testa. Continuava céptica. Estudou, de novo, as provas.
- Na minha opinião - declarou -, um artista deveria sempre fazer amor com o seu
modelo, antes de o retratar. Foi uma ideia absurda escolheres um que não
gostava de mulheres.
- Não escolhi - ripostou Emmanuelle, que começava a sentir-se vexada com o
rumo da conversa. - Foi ele mesmo que se ofereceu para me fotografar. Já te disse
que se trata de um amigo do Jean.
53
Marie-Anne esboçou um gesto, como que para afastar esse passado.
- Deverias, realmente, ser retratada por alguém normal. Quando fores velha, será
tarde de mais.
A imagem daquilo que Marie-Anne devia considerar «alguém normal», bem como a
da iminência da sua própria decrepitude, provocaram o riso em Emmanuelle.
- Mas eu não gosto de posar. Nem sequer para uma fotografia. Quanto mais para
um quadro!
- E desde que cá estás, nunca tiveste nada com homens?
- És doida! - indignou-se Emmanuelle. Marie-Anne parecia preocupada, quase
desencorajada.
- É, no entanto, preciso que encontres um amante, mais cedo ou mais tarde -
suspirou.
- É assim tão indispensável? - replicou Emmanuelle, que começava a sentir-se
divertida.
A sua interlocutora não parecia, contudo, com disposição para brincar. Encolheu
os ombros, irritada.
- És estranha, Emmanuelle - comentou. E depois de um silêncio: - com certeza
não fazes tenção de continuar a viver como solteirona? - E repetiu, de súbito,
quase irritada: - És realmente muito estranha!
- Mas não sou uma solteirona. Tenho um marido! argumentou Emmanuelle
timidamente.
Desta vez, Marie-Anne limitou-se a responder com um olhar frio. Tudo indicava
que aquela argumentação a incomodava. Parecia decidida a colocar ponto final na
conversa. Mas agora era Emmanuelle que recusava mudar de assunto. E tentou
desanuviar a atmosfera:
- Não queres despir as calcinhas, Marie-Anne? Esta sacudiu as tranças numa
negativa.
- Não. Tenho de me ir embora. - Levantou-se. Levas-me?
- Tens assim tanta pressa? - alarmou-se Emmanuelle. No entanto, já tinha
compreendido que as decisões de
Marie-Anne eram irreversíveis. No carro, a jovem fitou-a preocupada:
- Não quero que desperdices a vida, sabes? És bonita de mais para isso. Esse teu
recato é uma estupidez.
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Emmanuelle soltou uma enorme gargalhada. Marie-Anne não lhe deu tempo a
que ironizasse.
- E incrível que tenhas chegado a essa idade, sem outra coisa para além dessas
aventurazinhas insignificantes nesse teu avião sem janelas. Portaste-te, na
verdade, como uma tonta. - Sacudiu a cabeça com tristeza. - Asseguro-te que não
é normal.
- Marie-Anne...
- Oh, não! Enfim, não vale a pena lamentares o que já passou.
A «luz verde» emitiu um brilho de autoridade:
- A partir de agora farás, ao menos, o que eu disser?
- Mas o quê exactamente?
- Tudo o que eu disser.
- Oh!... - exclamou Emmanuelle, fascinada.
- Juras?
- Bem... se isso te dá prazer.
Continuava a rir, mas Marie-Anne parecia levar o assunto muito a sério.
- Queres que te dê um conselho?
- Não, obrigada!
O olhar de elfo analisou a gravidade do caso. Emmanuelle mostrava-se
impertinente, sem se iludir quanto às possibilidades de enfrentar Marie-Anne.
Quando o carro parou em frente ao prédio do banco de que o seu pai era
presidente, ela disse:
- Hoje, à meia-noite em ponto, acaricia-te. Farei o mesmo a essa hora.
Emmanuelle pestanejou, em sinal de conivência. Debruçou-se para enviar um
beijo à amiga. Esta, já de longe, gritou-lhe:
- Não te esqueças.
Só depois de ela se ter ido embora é que Emmanuelle se deu conta de que não
fizera uma única pergunta a Marie-Anne. Ao passo que aquela rapariguinha de
tranças ficara ao corrente de tudo sobre a vida íntima da sua nova amiga. Esta
ignorava completamente o que seria a sua. Esquecera-se mesmo de lhe perguntar
se era virgem.
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Nessa noite, quando, após o duche, o marido entra no quarto, encontra
Emmanuelle esperando-o, sentada sobre os calcanhares, completamente nua, à
beira da grande cama baixa. Ela enlaça-o pelos quadris e mete a verga dele na
boca. Basta chupá-la uns segundos para que o pau endureça e se entese.
Emmanuelle esfrega-o entre os lábios até o sentir bem rijo. Em seguida, lambe-o
a todo o comprimento, inclinando a cabeça, exercendo pressão sobre a veia
azulada que corre à flor da pele e cuja congestão e relevo aumentam com os seus
beijos. Jean diz-Ihe que ela parece estar a roer uma espiga de milho e, para
completar a semelhança, ela mordisca-o com os pequenos dentes. Baixa-se, de
imediato, para aspirar, suavemente, na boca a pele acetinada dos testículos.
Toma-os nas mãos e faz deslizar a ponta da língua por baixo deles. Acaricia outra
veia, sacia-se do sangue quente que sente correr com mais força ao contacto dos
lábios, explora cada vez mais intimamente, esquadrinha, vai, vem, sobe de
repente até à cabeça do pénis, engole-o até ao fundo da garganta, tão longe que
quase sufoca; e lá, sem o retirar, suga irresistivelmente com movimentos
vagarosos, enquanto a língua vai envolvendo e massajando.
Os braços enlaçam a cintura do marido, com uma paixão que aumenta à medida
que chupa mais regularmente na verga e que a excitação dos seus lábios e da sua
língua se vai comunicando aos seios e ao sexo. Sente correr entre as coxas
apertadas um líquido abundante, como a saliva com que vai humedecendo, na
sua boca quente, o membro apopléctico. Para poder gemer de volúpia e deixar
que um orgasmo parcial a alivie e lhe permita prosseguir o broche, retira,
momentaneamente, o pénis da boca, mas continua a acariciar o meato
entreaberto com subtis toques de língua. Depois engole de novo a ponta da carne
latejante que os une.
Jean aperta com as mãos a cabeça da mulher, mas não para lhe guiar os
movimentos ou controlar o ritmo. Sabe que mais vale confiar nela e deixá-la
refinar, à sua maneira,
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o prazer comum. O estilo que conferirá a este acto distngui-la-á uma vez mais de
todas as outras. Há dias em que Emmanuelle gosta de fazer sofrer o marido: não
se fixa em parte alguma, passa de um ponto sensível a outro, arranca da
garganta da sua vítima lamentos, súplicas que ignora, fazendo-a estremecer,
ofegar, conduzindo-a ao delírio, até ao momento em que, com um último gesto,
preciso e exacto, completa a sua obra. Hoje, porém, quer proporcionar-lhe uma
satisfação mais calma. Sem apertar demasiado o membro latejante, acrescenta a
pressão dos dedos e o movimento regular da mão à sucção dos lábios - aplicada
em libertar docemente o órgão da sua semente, a esvaziá-lo ao máximo. Quando
Jean se rende, ela engole com sorvos lentos a gostosa substância que conseguiu
arrancar-lhe das entranhas; deixa, no entanto, escorrer o último jacto,
ronronando, pela língua apaixonada.
Ela própria está já tão próxima do orgasmo, que basta que o marido lhe aperte o
clitóris entre os lábios para se vir.
- Vou possuir-te já - diz ele.
- Não, não! Quero beber-te de novo! Promete! Promete que voltas para a minha
boca! Oh! Correrás uma vez mais na minha boca. Diz que sim, diz, peço-te! É tão
bom! Gosto tanto!
- As tuas amigas acariciavam-te assim tão bem, enquanto eu não estava? -
pergunta-lhe ela, mais tarde, quando os dois repousam.
- Como seria possível? Não há uma mulher que se te compare.
- Nem mesmo as Siamesas?
- Nem mesmo elas.
- Não dizes isso para me agradar?
- Sabes bem que não. Se não fosses a melhor das amantes, confessar-te-ia... para
te ajudar a sê-lo. Mas não vejo que mais possas aprender. De qualquer maneira,
devem existir limites mesmo para a arte de amar.
Emmanuelle parece pensativa:
- Não sei...
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Franze o sobrolho. O tom de voz testemunha que a dúvida não é simulada.
- Em todo o caso, ainda estou certamente longe!
- O que te leva a fazeres essa afirmação? - protesta Jean.
Ela não responde. Ele insiste:
- Não me consideras um bom juiz?
- Claro que sim!
- Não sou um bom professor, então? Dir-se-ia, ao escutar-te, que não te sentes
satisfeita com a tua educação amorosa. Talvez não devesses ter-te limitado às
minhas aulas.
Ela apressa-se a tranquilizá-lo.
- Meu querido! Ninguém no mundo poderia ensinar melhor do que tu. Mas é
difícil explicar... Tenho a impressão de que, no amor, deve existir algo de mais
importante, de mais inteligente do que apenas sabê-lo fazer bem.
- Referes-te à devoção, à simpatia, à ternura?
- Não, não! Estou certa de que esta coisa importante se prende com o amor físico.
Tal não significa, porém, que se trate de conhecimentos suplementares, nem de
mais habilidade, nem de mais fogosidade: é talvez, antes, um estado de espírito,
uma mentalidade. - Retoma o fôlego antes de prosseguir: - Ignoro, no fundo, se é
uma questão de limite. Não será, pelo contrário, uma questão de perspectiva, de
maneira de ver?
- Uma outra forma de encarar o amor?
- Não só o amor. Tudo!
- Não consegues ser mais explícita? Emmanuelle passa o dedo pelos lábios, um
tanto
apreensiva, enquanto vai enrolando nas longas unhas naracadas os pêlos
encaracolados do púbis, como para se ajudar naquela reflexão.
- Não - concluiu. - Não está definido na minha mente. Há certamente um
progresso que preciso fazer, algo que necessito encontrar e que ainda me falta
para ser uma verdadeira mulher, realmente a tua mulher. Mas não sei o quê!
Julgava conhecer tantas coisas, mas que
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são elas ao lado das que ignoro? - prossegue, mostrando-se desolada. Franze a
testa com impaciência. O que preciso, antes do mais, é tornar-me mais inteligente
- diz ainda. - Como vês, não sei nada. Sou demasiado inocente. Sou muito
virgem. É inacreditável como esta noite me sinto virgem! Completamente virgem,
eriçada de virgindade: chego a ter vergonha!
- Meu anjo puro!
- Oh, não! Puro, não! Uma virgem não é forçosamente pura. Mas é forçosamente
idiota. - Jean beija-a, encantado. Ela persiste: - E cheia de preconceitos.
- Como é adorável ouvir-te falar de inocência, depois de ter sido enfeitiçado pelos
teus lábios castos!
Ela sente-se mais feliz. Mas está convencida?
- Ah! Se é realmente por aí que a inteligência deve chegar às raparigas - afirma
com um enorme suspiro -, não deixarei passar nem mais um minuto sem tirá-la
de ti.
A sugestão produz em Jean um efeito que Emmanuelle não tarda em descobrir:
tenta executar a sua promessa. Levanta-se e enfia a língua entre os seus dentes
húmidos... Mas ele detém-na.
- Quem te disse que era apenas por essa boca que entrava a inteligência? Não te
esqueças: ela sopra, onde quiser.
Deita-se sobre ela, que logo sente um desejo tão grande de ser possuída como o
dele de a posuir. Ela própria abre o sexo com a ponta dos dedos. Guia a glande,
ajuda-a a penetrar. Os joelhos erguem-se para rodear o corpo masculino, abrem-
se, enquanto o órgão rijo mergulha no seu ventre como, ainda há pouco,
mergulhara na sua garganta. Para ela que, ao mesmo tempo, gostaria de o sentir
na boca, a exuberância da imaginação suplanta a realidade e os lábios, molhados
pela língua, idealizam saborear a doçura do esperma; sonha que o bebe e o prazer
do ventre sobe-lhe à garganta.
- Vem-te dentro de mim! - suplica.
Sente que o orifício da sua matriz, no fundo da vagina, se grudou ao falo e suga-
o. Quer que Jean ejacule, tenta
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com toda a persuasão do seu ventre e das suas nádegas arrancar-lhe o licor; cada
músculo do corpo contribui para a transformar num animal flexível e ágil, que se
cola ao homem e o faz estremecer de gozo. Contudo, Jean quer vencê-la, fazê-la
vir-se antes dele; ataca-a com estocadas rápidas, violentas, apelando a todo o
comprimento e a toda a grossura do membro, sem hesitações, os dentes cerrados,
ávido de lhe escutar a respiração ofegante, de a sentir perfumada e quente, e de
vê-la debater-se, contorcendo-se como que chicoteada, cravando-lhe as unhas
nas costas, gritando, enfim, gritando tão longamente, que a voz e a respiração
acabam por lhe faltar e se acalma e sossega repentinamente, aturdida,
enfraquecida, serena, mal sentindo o corpo, mas já desejosa de que a excitação
renasça no seu íntimo e de que o seu cérebro se congestione e lateje de novo
como um sexo.
Por um momento, ela apenas deseja que ele não se mexa. Jean sabe-o e fica
imóvel.
- Gostaria de adormecer assim, contigo dentro de mim - murmura Emmanuelle.
Os dois rostos encostam-se. A farta cabeleira negra acaricia os lábios dele. Ficam
assim, ignoram por quanto tempo.
- Estou morta? - ouve-a murmurar ao seu ouvido.
- Não. Vives de mim.
Ele abraça-a e ela estremece.
- Oh, meu amor! É verdade que fazemos um só. Sou o teu corpo de mulher. Tu és
o homem saído de mim.
Ela pousa os lábios nos dele, beija-o com todo o ímpeto e ternura que lhe brota
da boca.
- Quero ser tua outra vez! Mais fundo! Rasga-me... Vem-te no meu coração!
Emmanuelle implora e ri ao mesmo tempo da sua própria loucura:
- Desvirgina-me! Oh, amo-te! Desvirgina-me! Ele entra no jogo:
- Então, toma a iniciativa. É a tua vez. Ensina-me. Quero saber vir-me como tu.
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Ela murmura um «Sim», mas logo se desdiz:
- Mais tarde! Primeiro, faz tudo o que te apetecer. Não me peças licença, nem me
perguntes como. Fá-lo apenas.
Emmanuelle queria poder entregar-se ainda mais, ter mais plenamente
consciência de ser possuída a bel-prazer de quem o fazia, estar ao seu dispor, não
ser consultada, ser fraca, ser fácil, limitar-se a obedecer activamente e a abrir-
se... Existirá, interroga-se em segredo, maior felicidade do que consentir? Este
pensamento basta para ter um orgasmo.
Em seguida, encontra-se de cabeça baixa, costas alquebradas, pernas mortas,
destino consumado, um trofeu feliz no ombro vitorioso do caçador.
- Achas que eu sou a mulher que desejas? - pergunta. Jean limita-se a beijá-la.
- Mas quero sê-lo mais ainda!
- Assim acontece em cada dia!
- Tens a certeza?
Ele sorri-lhe com confiança. Emmanuelle deixa de se inquietar. Uma corrente
nocturna circula nas suas veias, envolve-a, fecha-lhe os lábios. Tenta libertar-se
do prazer que lhe confunde o espírito.
- Deve ser Marie-Anne que me meteu estas coisas na cabeça - ouve-se dizer,
surpreendida, pois não era isso que queria contar a Jean.
E ele, de facto, admira-se:
- Porquê Marie-Anne?
- Ela é incrivelmente despudorada.
Emmanuelle não sente mais desejo de falar. Esta planta que continua a crescer
dentro dela, com as suas raízes, os seus ramos infinitos, a sua seiva, mais
premente do que o pensamento... Mas o marido insiste, enquanto recomeça,
lentamente, a mexer-se dentro dela, preparando-se para ejacular.
- Achas que ela vai revelar-te, de um momento para o outro, os mistérios da vida?
- E porque não?
- Já tiveste ocasião de apreciar os seus talentos? interessa-se Jean, divertido.
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Emmanuelle hesita um pouco, acabando por se refugiar num outro mundo, sem
qualquer preocupação de ser ou não convincente:
- Não.
Depois sorri ante uma imagem que não se encontra deslocada nas margens onde
aborda o seu sonho:
- Mas bem gostaria! Jean parece indulgente.
- Compreendi - diz ele. Embala-a nos braços.
- A minha virgenzinha quer fazer amor com Marie-Anne, certo? É o que a
atormenta?
Emmanuelle abana a cabeça de alto a baixo, metodicamente, com o exagero que
se põe nos gestos e nas palavras quando se quer ser entendido, sem se ser
obrigado a abrir os olhos.
- Não é só isso, mas é seguramente também isso admite.
- com aquela garotinha! - exclama Jean, num tom de galhofa.
Mas ela faz um trejeito de criança mimada, já esboço do seu rosto nocturno e a
voz protesta, longínqua, abafada, como que enrolada numa rebentação de vaga:
- Tenho direito de querer, não?
Jean vem-se dentro dela, maravilhado por ter tanto para lhe dar, por penetrá-la
tão profundamente e gozar tanto.
Ficam deitados, lado a lado, tocando-se nos ombros e nas ancas. Emmanuelle
não se mexe para que nenhuma gota escorra de si.
- Dorme - convida Jean.
- Espera...
De um qualquer aposento distante, chegam os sons compassados de um
carrilhão. Devagar, a mão de Emmanuelle desce até ao ventre, os dedos tocam o
clitóris, mergulham, no seu sexo repleto de esperma. As coxas de Marie-Anne
abrem-se diante dos olhos fechados de Emmanuelle que, a cada gesto divisado
em sonho, responde com uma carícia idêntica. Ao aperceber-se de que a amiga
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vai entregar-se, grita com mais força do que o fez nos braços do marido. Este,
soerguido num dos cotovelos, sorri por vê-la gozar, nua e resplandecente de
prazer, uma mão aprisionada no ventre, a outra apertando, ora um seio ora o
outro, as pernas, ainda durante muito tempo sacudidas por espasmos, após o
que a fronte, as pálpebras e os lábios deixam transparecer a doce imobilidade do
sono.
TERCEIRO CAPÍTULO
SEIOS, DEUSAS E ROSAS

No meio dos meus braços tornei-me outra.


PAUL VALÉRY, «La Jeune Parque»

Aqui, e até anoitecer. A rosa das sombras envolverá os muros. A rosa das horas
deixará cair as pétalas sem ruído. As lajes claras guiarão a seu bel-prazer estes
passos apaixonados do dia.
YVES BONNEFOY, «Hier Régnant Désert»

Emmanuelle quer ir ao clube para nadar e não para ouvir mexericos. Decide, por
conseguinte, ocupar nisso a manhã. Faz dez piscinas, calmamente, sem se
preocupar com o tempo gasto, nem com os olhares dos poucos homens presentes
àquela hora. O movimento repetido dos braços acima da cabeça fez sair os seios
do fato de banho sem alças. A cada viragem nos extremos da piscina, o cachão da
água salienta-lhe os contornos, suavizando a pele. Um fino traço circular cava-se
em torno dos bicos; as bordas da auréola parecem, assim, dado o relevo,
desenhar uma ilhota. Sem este detalhe que lembra a vulnerabilidade da polpa e
evoca na boca o gosto sumarento, a curva seria talvez demasiado perfeita para
causar emoção, conferindo-lhe uma semelhança igual aos seios de uma estátua.
Quando, ofegante após o exercício, Emmanuelle se agarra com as duas mãos ao
corrimão cromado da escada, apercebe-se de que está a ser observada. Ariane de
Saynes, inclinada para si, de pé no rebordo da piscina, ri a plenos pulmões.
- Passagem proibida! - exclama. - Mostre-me a sua licença!
Emmanuelle sentiu-se contrariada ao ser apanhada por
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uma daquelas «idiotas». Esboça, no entanto, o melhor sorriso que lhe é possível.
- Estamos, então, brincando às náiades à hora a que as mulheres honestas vão
às compras - insistiu Ariane.
- Que mistério é este?
- Mas você também está aqui - observou Emmanuelle, tentando sair da água.
A importuna continuou a barrar-lhe a passagem.
- Ah, comigo é diferente! - disse, com um secretismo fictício.
Emmanuelle não lhe pediu esclarecimentos. A condessa analisava
tranquilamente e em pormenor os encantos da sua prisioneira.
- Você é divinamente bem feita! - elogiou.
Pronunciara a frase com um toque de convicção e Emmanuelle pensou que,
afinal, não a achava mal de todo. Talvez fosse um pouco louca, mas também era,
incontestavelmente, tónica, fortificante. Emmanuelle não necessitou de se
esforçar mais por ser amável.
Ariane acabou por se afastar da escada. A nadadora içou-se para a borda da
piscina. Pausadamente e com as pontas dos dedos, fez entrar os seios, ou melhor,
a metade inferior dos seios no fato de banho (os bicos mantinham-se visíveis) e
sentou-se perto de Ariane. Dois rapazes altos de tipo nórdico aproximaram-se e
entabularam conversa em inglês. A condessa respondeu-lhes bem-humorada.
Emmanuelle pouco se importou por nada entender.
- Estes dois interessam-lhe? - inquiriu Ariane, virando-se bruscamente na sua
direcção.
Emmanuelle esboçou um trejeito negativo e Ariane encarregou-se de avisar os
pretendentes do fracasso da sua candidatura. Eles soltaram uma gargalhada,
aparentemente sem qualquer rancor. Mas, mesmo assim, não pareciam dispostos
a irem-se embora. Emmanuelle achava-os com um ar incrivelmente ingénuo. Ao
fim de algum tempo, a sua companheira, levantando-se com determinação,
puxou-a pelo braço.
- Eles estão a aborrecer-nos - declarou. - Venha comigo até à prancha de saltos.
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As duas subiram os oito metros e deitaram-se de barriga para baixo, lado a lado,
na plataforma coberta por um tapete de corda. Ariane desembaraçou-se, com
presteza, das duas peças do fato de banho.
- Pode pôr-se nua - anunciou. - Daqui de cima temos tempo de ver se alguém se
aproximar.
Mas, naquele momento, Emmanuelle não desejava ficar nua diante de Ariane.
Inventou uma desculpa pouco convincente: que o seu fato de banho não era
prático de tirar e pôr; que o sol estava demasiado forte...
- Tem razão - concordou Ariane. - É melhor que vá treinando aos poucos.
Depois, deixaram-se invadir por uma semiletargia, Emmanuelle achou que,
apesar de tudo, a condessa tinha o seu lado bom. Ela gostava da companhia de
pessoas com quem pudesse ficar, assim, em silêncio. Mas acabou por ser ela
própria a quebrá-lo ao fim de algum tempo.
- O que é que há para fazer aqui, além da piscina, dos cocktails e das reuniões
em casa de cada um? Não acaba por se tornar um pouco monótono?
Ariane emitiu um assobio, como se tivesse acabado de escutar uma barbaridade.
- Oh! Distracções não faltam. Não me refiro aos cinemas, boítes e insignificâncias
dessas. Mas pode montar-se a cavalo, jogar golfe, ténis, praticar squash ou esqui
aquático no rio; ou desanuviar o espírito, navegando nos canais; e visitar os
pagodes, porque não? Há mil e uma coisas; à média de uma por dia, terá com que
se ocupar durante três anos. É pena que o mar, quero dizer, o verdadeiro mar,
aquele onde se pode tomar banho, fique a cento e cinquenta quilómetros. Mas
vale a pena a viagem. As praias são extraordinariamente compridas e largas a
perder de vista, orladas de coqueirais, desertas e juncadas de conchas. A água é
maravilhosamente fosforescente, à noite, e repleta de pequenas preciosidades. Os
corais fazem cócegas nos pés e os esqualos vêm comer à mão.
- Gostaria de ver isso! - entusiasmou-se Emmanuelle.
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- Eles até cantam serenatas a quem faz amor nos seus domínios. De dia, ao sol,
com a areia acariciando o corpo, ou à sombra das árvores. E, por um tical, há
sempre um miúdo pronto a abanar-nos, enquanto um sedutor nos presta
homenagem. E, à noite, deitada na praia, junto da rebentação, com os ombros
acariciados pela sua língua e os olhos protegidos das estrelas por um rosto
enamorado. Ah! É, então, que se aprecia a sorte de se ser mulher.
- Se bem entendo, esse é ainda o desporto favorito neste país? - inquiriu
Emmanuelle sem rodeios.
Ariane fitou-a com um sorriso enigmático e só se pronunciou decorrido algum
tempo:
- Diga-me, minha querida... - interrompeu-se, parecendo avaliar qualquer
probabilidade misteriosa.
- O que quer que eu lhe diga? - redarguiu Emmanuelle, virando-se para ela com
uma risada.
Ariane reflectiu em silêncio, após o que resolveu, subitamente, que a recém-
chegada era digna de confiança. A voz perdeu o tom de superficialidade mundana
que a caracterizara até então e brindou a sua vizinha com uma momice de
amizade.
- Estou certa de que você tem temperamento - disse. - Nada tem a ver com a
santinha hipócrita que finge ser. Para ser franca, interessou-me desde o primeiro
momento.
Emmanuelle não sabia o que pensar desta declaração. Apesar de tudo, preferiu
manter-se na defensiva; mais constrangida do que lisonjeada, pois não gostava
que duvidassem da sua sinceridade. E que direito tinha esta gente de a
considerar pretensiosa? De início, achara graça, mas agora começava a sentir-se
irritada.
- Não quer divertir-se, aqui? - prosseguiu Ariane, com uma intenção que ia mais
longe do que as palavras.
- Claro - respondeu Emmanuelle, que tinha consciência de estar a aventurar-se
num terreno perigoso, mas, pior do que isso, receava ser tomada como uma
virtuosa.
O sorriso de compreensão de Ariane somente a recompensou um pouco.
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- Então, acompanhe-me numa destas noites, queridinha. Diga ao seu marido que
tem um jantar de mulheres. Verá o que lhe reservo! Não há, em cinquenta anos-
luz em redor, mais galantes e ousados garanhões do que os cavaleiros de Ariane.
Cheios de espírito, jovens, bem constituídos e tão hábeis no estoque como no
calibre. Nada tem a recear. De acordo?
- Mas você mal me conhece - retorquiu Emmanuelle num tom evasivo. - Você
não...
- Conheço-a o bastante! - interrompeu-a Ariane, encolhendo os ombros. - Não
preciso de a submeter a uma observação prolongada para me aperceber que é
uma beleza de atordoar raparigas e rapazes. E aqueles de que lhe falo são
entendidos em beleza. Nunca me passaria pela cabeça pô-los em contacto, caso
não estivesse tão segura deles e de você. É tudo.
- E... - questionou Emmanuelle com uma leve hesitação - ...o seu marido? Não se
escandaliza com esses encontros?
Ariane riu com gosto.
- Só um marido vulgar odiaria os amantes da sua dama - declarou.
- Quanto ao Jean, ignoro se achará isso assim tão normal!
- Então não o ponha ao corrente do assunto - redarguiu Ariane com bonomia.
Aproximou-se, subitamente, de Emmanuelle, rodeou-Ihe a cintura com o braço e
apertou-a de encontro a si.
- Jura que me diz a verdade?
Emmanuelle pestanejou, sem se comprometer. Os seios firmes e quentes contra o
seu ombro desnorteavam-na um pouco.
- Não vai continuar a querer que eu acredite que nunca recebeu neste corpo
divinal outro homem que não fosse o seu marido, não é verdade? bom. E
confessou-lho de todas as vezes?
Emmanuelle estava a passar por um verdadeiro suplício. Eis que recomeçava a
demanda das confissões! Mas de que lhe servia defender-se? E deveria mostrar
uma
68
ingenuidade que não tinha? Sacudiu a cabeça para responder negativamente à
pergunta de Ariane. Esta beijou-a jovialmente na orelha.
- Estás a ver! - exclamou, triunfante e contemplando-a com orgulho. - Prometo
que não vais arrepender-te de ter vindo para Banguecoque!
O tom com que se expressava parecia implicar que Emmanuelle acabava de
assinar um pacto. Tentou escapar-se às consequências, pelo menos num futuro
muito próximo:
- Não, espere. Isto constrange-me. - E num assomo de súbita coragem
acrescentou: - Não pense que se trata de pudor ou de razões morais. Nada disso.
Mas... deixe-me ao menos um tempo para me habituar à ideia. Progressivamente.
- Claro! - concordou Ariane. - Nada de pressas.
Pareceu, em seguida, tomada de uma repentina inspiração. Nos lábios desenhou-
se-lhe um sorriso furtivo e sentou-se.
- Vem - ordenou. - Vamos massajar-nos. - Vestiu o biquini e, em seguida, num
tom um pouco superior, como se se dirigisse a um bebé, acrescentou: - Não
tenhas medo, virgenzinha. Só há mulheres. Emmanuelle deixou o automóvel no
clube e acompanhou Ariane no descapotável. Rodaram, durante uma meia hora,
pelo meio das bicicletas e mototáxis, que enchiam de fumo as ruas ladeadas de
tabuletas chinesas. Pararam diante de um edifício novo, de um único piso,
rodeado de mercadores de seda, restaurantes e agências de viagens. Uma
inscrição em caracteres desconhecidos para Emmanuelle ornava a fachada.
Empurraram uma porta de vidro grosso e viram-se no átrio da recepção de uma
sauna, que pouco se diferenciava das que se encontram na Europa. Uma
japonesa de quimono às flores acolheu-as com delicadeza, executando várias
vénias, de mãos cruzadas sobre o peito, antes de as conduzir ao longo de
corredores que cheiravam a vapor e a água-de-colónia. Deteve-se em frente de
uma porta e inclinou-se novamente. Emmanuelle interrogava-se sobre se ela seria
muda.
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- Podes entrar aqui - indicou Ariane. - Todas as massagistas são competentes. Eu
vou para a cabina ao lado. Encontramo-nos daqui a uma hora - acrescentou.
Emmanuelle não esperava que Ariane a deixasse só. Sentiu-se um pouco
desamparada. A porta que a japonesa tinha entreaberto dava para uma sala de
banhos, pequena e asseada, de tecto muito baixo, onde uma jovem asiática, com
uma bata branca de enfermeira, esperava de pé, entre uma banheira e uma mesa
de massagens. Tinha um rosto de pássaro regressado de muitas viagens.
Também ela fez uma mesura, pronunciou algumas palavras, sem parecer dar
importância ao facto de ser ou não compreendida, avançou para Emmanuelle e,
com movimentos precisos, começou a despi-la.
Assim que Emmanuelle ficou nua, fez-lhe sinal para entrar na banheira, cheia de
uma água azulada, perfumada e quente. Passou uma toalha húmida no rosto da
cliente, depois ensaboou-lhe metodicamente os ombros, as costas, o peito e o
ventre. Emmanuelle estremeceu quando sentiu a esponja cheia de espuma
movendo-se entre as suas pernas.
Depois de acabar de lhe dar banho e de a enxugar com uma grande toalha tépida,
a siamesa convidou Emmanuelle a deitar-se na mesa acolchoada. Aplicou-lhe, em
primeiro lugar, pequenos golpes rápidos com a mão em cunha, em seguida,
beliscou-lhe os músculos, exerceu pressão sobre as pernas e os rins, distendeu-
lhe os dedos dos pés, massajou-lhe demoradamente a nuca e golpeou-a, muito ao
de leve, na cabeça. Meio adormecida, Emmanuelle sentia-se, apesar de tudo,
relaxada e satisfeita.
A massagista tirou, então, do armário dois aparelhos do tamanho de um maço de
cigarros, que fixou às palmas das mãos e que emitiram, de imediato, o som
idêntico ao de um pião girando. As mãos vibrantes subiram lentamente, pela
superfície do corpo nu, introduzindo-se onde quer que houvesse uma cavidade ou
uma prega, deslizando nas reentrâncias do pescoço, sob as axilas, entre os seios
e as nádegas, com uma eficiência inegável. Procuraram depois os lugares mais
sensíveis na superfície
70
interior das coxas. Emmanuelle estremecia da cabeça aos pés. As pernas
separaram-se e ergueu ligeiramente o púbis com um movimento de graciosidade
inimitável, que estendeu os lábios do sexo como que para um beijo de criança.
Mas as mãos afastaram-se e voltaram a subir na direcção dos seios, indo e vindo,
conhecedoras, passando sobre os contornos do corpo, como se se tratasse de um
ferro engomando um tecido. Quando Emmanuelle começou a gemer, num tom de
voz quase inaudível, as mãos vibratórias subiram até aos bicos dos seios,
rodaram sobre eles, ora acariciando apenas as extremidades, ora apoiando-se
neles e obrigando-os a reentrar no volume carnudo. Ondas de calor
atravessavam-na e envolviam-lhe os rins. Arqueou-se e gemeu queixosamente
durante longos minutos. As mãos prosseguiram o seu trabalho sobre as
extremidades pontiagudas dos seios, até que o orgasmo decresceu, acalmando-a,
deixando Emmanuelle inerte e lassa.
De pálpebras cerradas, escutava, agora, o bater do seu coração. A batida
lembrava-lhe a de um tambor de África, cuja pele esticada teria devolvido beijo
por beijo. «Mas que beijos, afinal?», reflectiu, despeitada. «Todo o meu corpo foi
tratado como se não passasse de uma vulva, excepto a vulva em si! De que serve,
pois, que ela seja tão bem desenhada e perfeita? De que servem as saliências e as
concavidades? Porque é que esta jovem não me toca mais abaixo do tufo de pêlos
do meu ventre? Os lábios do meu sexo são tão longos e feitos para beijar como os
da minha boca; e, no entanto, a boca fechada desta mulher muda não parece ter
qualquer desejo de os beijar! Pois bem, já que não quer aproveitar a oportunidade
que lhe dou, eu própria me acariciarei. Diante dela. E vou mostrar-lhe o que se
deve fazer a uma mulher, quando essa mulher nua fecha os olhos.»
Um som estranho, de que os seus ouvidos se apercebem progressivamente,
obriga-a a desviar o pensamento, antes que tenha tempo de pôr o projecto em
execução: ao ntmo acelerado do seu coração responde um eco vindo detrás de um
dos tabiques; não são pancadas, mas sim
71
uma voz, um gemido abafado, uma respiração ofegante. E não se trata de Ariane,
mas de um homem. Um homem que, nesse instante, grita suficientemente alto
para que o som ultrapasse a barreira constituída pelo material isolante que
separa as cabinas e protege os ocupantes de distracções inoportunas.
Depois de haver apurado um pouco o ouvido, Emmanuelle deixa de ter a certeza
de que se possa adequadamente falar de gritos. Na sua qualidade de condutora
experiente pensa no martelar de uma biela, num cilindro mal oleado, cujo mau
funcionamento tivesse sido incrivelmente amplificado. «Não», corrige-se de novo.
«Do outro lado da parede, não há decerto um motor que gripa, mas antes um
homem que asfixia. Estarão a estrangulá-lo? Quem comete o crime? A vítima será
um cliente do salão de massagens? A menos que seja, pelo contrário, este cliente,
ou esta cliente, que esteja a violar um massagista. Mas também haverá, aqui,
massagistas do sexo masculino? Ariane garantiu que esta tarefa somente era
executada por mulheres. Mas que garantia de crédito merece Ariane?»
Emmanuelle interrogou a jovem siamesa sobre tudo isto, sem qualquer esperança
de se fazer entender. Esta havia, entretanto, dirigido os seus cuidados para os
ombros, as coxas e os tornozelos. Respondeu ao interrogatório da cliente com um
sorriso, e em seguida pronunciou, na sua língua, o que parecia ser uma
pergunta. Avançou, ao mesmo tempo, os dedos longos para o baixo-ventre de
Emmanuelle, fitando-a, de sobrancelhas erguidas, como que aguardando o seu
consentimento. com alívio, excitação e felicidade, Emmanuelle esboçou um aceno
afirmativo. A mão, tornada mais pesada pelo vibrador, executou minuciosamente,
à superfície e nas pregas do sexo, os movimentos em que era experimentada,
sabendo exactamente como transmitir o máximo prazer. Não tomava qualquer
precaução de suavidade, nem dava o mínimo descanso, segura do resultado,
acrescentando o virtuosismo das suas palpitações, das suas esfregadelas e das
suas unhadas, ao poder das vibrações eléctricas.
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Emmanuelle continha-se, fazendo apelo a todas as suas forças, mas a resistência
foi de curta duração. Veio-se de novo e tão violentamente, que o rosto da
massagista reflectiu surpresa. Mesmo muito tempo depois de as mãos se terem
retirado dela, Emmanuelle continuou a torcer-se, arquejante, apertando entre os
dedos crispados as bordas da mesa branca.
- Ainda que as paredes sejam à prova de som - declarou Ariane, quando voltaram
a encontrar-se à saída -, no momento em que te entregas, passas através delas.
Agora, não voltes a dizer-me que preferes as matemáticas.
Durante quatro tardes seguidas, Marie-Anne voltou a casa de Emmanuelle. E, em
cada uma delas, submeteu-a a um interrogatório mais cerrado, exigente, obtendo
novos pormenores, tanto sobre o que a sua amiga fazia com o marido, como no
que respeitava ao despudor dos seus sonhos quotidianos.
- Se te tivesses entregue, realmente, a todos os homens com que pensaste fazê-lo
- comentou um dia serias uma mulher realizada.
- O que queres dizer é que estaria morta - replicou Emmanuelle, rindo.
- Como assim?
- Achas, então, que o amor com os homens se pode fazer tantas vezes como se faz
sozinha?
- E porque não?
- Escuta-me bem! É fatigante ser possuída por um homem!
- E nunca te cansas ao acariciar-te?
- Nunca.
- Quantas vezes por dia o fazes, agora?
- Ontem, fi-lo muito, sabes? - respondeu Emmanuelle, esboçando um sorriso
pudico. - Creio bem que foram, pelo menos, quinze vezes.
- Há mulheres que o fazem assim com os homens. Emmanuelle abanou a cabeça.
- Sim, eu sei - disse ela, mas não parecia muito con-
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vencida. - No fundo, com os homens nem sempre é tão excitante - argumentou. -
É pesado, duro e, por vezes, chega a provocar dor. E eles nem sempre sabem a
maneira como as mulheres gostam mais de gozar...
Paradoxalmente, havia apenas um tipo de confidências que Emmanuelle não se
atrevia a fazer francamente à sua amiga. Limitava-se a uma alusão desajeitada e
extemporânea, mas sem conseguir adivinhar se Marie-Anne a compreendia ou
não. Ela própria mal conseguia explicar essa timidez e discrição que nada, no
comportamento da amiga, parecia justificar. Assim que chegava, Marie-Anne
despia-se; nem sequer havia esboçado qualquer objecção quando Emmanuelle
lhe sugerira que tirasse também a blusa, e as duas acostumaram-se a passar as
tardes, completamente nuas, deitadas no terraço rodeado pela folhagem do
arvoredo. No entanto, a emoção que invadia Emmanuelle apenas se traduzia pela
multiplicidade de carícias que praticava em si mesma; não ousava tocar na
amiga, nem convidá-la a tocar-lhe, embora o desejasse ao ponto de perder o sono.
Um estranho pudor, um estranho impudor debatiam-se no seu íntimo. Acabava
interrogando-se - confusamente, todavia, e recusando-se a pensar demasiado a
sério - se esta insólita reserva não seria, na verdade, um refinamento superior e
novo, inventado pela intuição dos seus sentidos e se a privação do corpo de
Marie-Anne, contra todo o instinto e toda a razão, não tinha, afinal, um sabor
mais subtil, um fascínio mais perverso do que teria talvez um amplexo físico. Se
bem que Emmanuelle descobrisse nessa situação, que deveria normalmente fazê-
la sofrer - onde uma rapariguinha dispunha dela segundo o seu capricho, sem
nada conceder aos gostos da sua parceira -, uma fonte inesperada de deleite
sensual.
Ao mesmo tempo que uma volúpia desconhecida brotava da frustração daquele
que, entre todos os desejos carnais, sempre lhe havia parecido o mais natural e
ao qual atribuía maior significado, um outro valor erótico era-lhe revelado pelo
sigilo notável que a sua amiga mantinha sobre a sua própria vida sexual.
Emmanuelle dava-
74
-se conta, ao verificar a facilidade com que se resignava a nada - ou quase nada -
saber de Marie-Anne, que tinha mais prazer psíquico e físico em oferecer à outra
o espectáculo da luxúria do que teria sendo espectadora. E se todos os dias
esperava, impaciente, o momento de se encontrar com a amiga era decerto menos
pela excitação de contemplá-la nua ou ser testemunha das suas brincadeiras
lascivas do que pela excitação infinitamente mais escandalosa e, por
consequência, mais deliciosa, de acariciar-se, deitada na cadeira de repouso, sob
o olhar atento de Marie-Anne. E mesmo quando esta a deixava, o encantamento
não caía por terra: Emmanuelle revia em pensamento aqueles olhos verdes
pregados no seu sexo e continuava a masturbar-se até à noite.
Na quarta-feira seguinte àquele primeiro encontro, Emmanuelle foi convidada
para tomar chá em casa da mãe de Marie-Anne. No salão pretenciosamente
mobilado, deparou com uma dezena de «senhoras», que lhe pareceram, no
conjunto, bem insignificantes. Já lamentava não poder estar a sós com a sua
confidente, que via circunspectamente sentada no tapete, entregue aos deveres de
uma menina modelo, quando o seu interesse foi despertado pela chegada de uma
jovem muito elegante, à primeira vista tão deslocada quanto ela se sentia nessa
reunião.
A recém-chegada lembrava a Emmanuelle os manequins parisienses de que tanto
gostava. Tinha o mesmo corpo esguio, a imponderável lassidão, a distância
ilusória e a silhueta de pedra. A boca entreaberta «como uma rosa», as
sobrancelhas de âmbar erguidas sobre uns olhos enormes, a curva terna dos
cílios modelavam-lhe no rosto uma ingenuidade tão improvável, que mais parecia
uma bravata. Emmanelle pensou, com intolerância, que ela era, sem dúvida, a
única neste local que, pelo que designava a sua «experiência», podia compreender
o que tinha na realidade de modesto uma procura tão absoluta, de meritório uma
concepção tão exigente do dever de beleze, de fascínio tanta paixão oculta no
distante olhar na-
75

carado. Lembrava-se de ter também descoberto, sob a máscara das suas amigas,
«julgadas orgulhosas obras de arte», o que Baudelaire pretendia dizer ao condenar
«o movimento que desloca as linhas». As deusas de alabastro tornaram-se carne,
mas o homem conservou o desejo pelas estátuas, o homem que só acredita nos
paraísos inacessíveis, nos deuses inanimados, e a carne adorada voltou a ser
pedra.
Esta evocação surgia a Emmanuelle impregnada de uma emoção ambígua, onde
existia igualmente parte do gosto ainda próximo dos seus entusiasmos de
estudante e das vertigens mais adultas experimentadas nos gabinetes de provas.
Pensava que gostaria ela própria de se tornar uma obra de arte que, chegada a
Banguecoque como barro, seria bom encontrar forma (preocupava-se menos com
a forma do corpo - de que não tinha motivos para querer mudar - do que com a
do espírito). E, embora não conseguisse definir concretamente em que consistiria
essa forma, desejava que a sua vida se tornasse um dia em qualquer coisa de
precioso e realizado, como o eram o corte complicado destes cabelos de bronze, de
triunfante como estes olhos cinzentos, e de desdenhoso da apreciação das
massas como este tailleur, cujo corte desafiava as linhas do corpo e cujo decote
parecia manter-se fechado somente por força de um difícil gesto do braço, mas
que era tentador imaginar sem outro significado que não o de atestar, por um
arrepio de frio neste clima tórrido, a derrota dos elementos e o malogro das
convenções face à soberana fantasia do desejo das mulheres.
Antes que a mãe tivesse tido tempo de apresentar a recém-chegada, Marie-Anne
levantou-se e conduziu Emmanuelle para um canto do salão, onde não poderiam
ser ouvidas.
- Tenho um homem para ti - anunciou-lhe com a expressão satisfeita do dever
cumprido.
- Ora aí está uma novidade! - exclamou Emmanuelle num tom que não
dissimulava a surpresa recebida. E não tens outra maneira de dizer isso? Que
história é essa de «um homem para mim»?
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- É um italiano, muito bonito. Conheço-o há muito tempo, mas não estava segura
ainda de que fosse o que necessitas. Estive a pensar e é mesmo ele que te
convém. Precisas de conhecê-lo sem perda de tempo.
Esta nota de urgência, bem característica de Marie-Anne, desnorteou uma vez
mais Emmanuelle. Não tinha a certeza de que o candidato, fosse ele quem fosse,
seria «o que ela precisava», mas não queria decepcionar a sua tutora. Esforçou-se,
assim, por denotar interesse no projecto, na falta de reconhecimento pela
solicitude que o envolvia:
- E como é ele, esse teu belo exemplar? - questionou.
- Um perfeito marquês florentino. Tenho a certeza de que nunca conheceste
ninguém tão bonito. Magro, alto, com um nariz aquilino, olhos negros,
penetrantes e profundos, tez morena, rosto ossudo...
- Muito bem!
- O quê? Não me acredites, se preferes. Mas estou certa de que modificarás a tua
opinião quando o vires. Também ele nasceu sob o signo do Leão.
- E quem mais?
- Ariane e eu.
- Ah! Então...
- Tem cabelos pretos e brilhantes como os teus. com aquelas madeixas grisalhas
que dão um toque de elegância.
- Cabelos grisalhos! Então é um velho!
- Claro. Tem a idade que te convém: exactamente o dobro da tua, trinta e oito
anos. É o que me leva a dizer-te que precisas de te despachar: para o ano que
vem já estarás muito velha. Aliás, para o ano que vem já ele não estará em
Banguecoque.
- O que é que ele faz em Banguecoque?
- Nada. É um homem muito inteligente. Viaja pelo país, conhece tudo. Vasculha
as ruínas, estuda a idade dos budas. Chegou mesmo a encontrar nos museus
coisas que os cicerones nem sequer tinham visto. Acho que anda a escrever um
livro sobre tudo isso. Mas, como te disse, o que ele faz é, sobretudo, nada.
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- Diz-me, quem é aquela mulher fantástica? - perguntou Emmanuelle,
interrompendo bruscamente o discurso de Marie-Anne.
- Mulher fantástica?
- Sim, essa que acaba de chegar.
- De chegar onde?
- Aqui, Marie-Anne! Estás parva? Ali, olha, bem na tua frente...
- É da Bi que estás a falar?
- Que dizes?
- Digo Bi! Parece-me que se há aqui alguém que seja parva, és tu.
- Ela chama-se Bi? Que nome tão estranho!
- Oh! Não é um nome. Em inglês, significa abelha. Escreve-se com bê e dois és.
Eu prefiro escrever bê, i. É mais simples.
- E ela como escreve?
- Como te disse.
- Acho que fiquei na mesma, Marie-Anne!
- Não penses que é o seu verdadeiro nome. Fui eu que lho pus. Agora, toda a
gente esqueceu o anterior.
- Mas diz qual é, mesmo assim.
- Em que é que isso pode interessar-te? Nunca conseguirás repeti-lo, é uma coisa
impronunciável, um nome inglês perfeitamente grotesco.
- Não you decerto chamar-lhe Bi?
- Não precisas de a chamar.
Emmanuelle fitou Marie-Anne com uma expressão surpreendida, hesitou e depois
contentou-se em perguntar:
- E inglesa?
- Não, americana. Mas tranquiliza-te, pois fala francês como tu ou eu. Nem
sequer tem sotaque, o que lhe dá uma certa falta de pitoresco.
- Tenho a sensação de que não gostas dela.
- Parece-te? É a minha melhor amiga!
- A sério? E porque nunca me falaste dela?
- Não posso falar-te de todas as raparigas que conheço.
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- Mas se gostas tanto dessa, podias, ao menos, ter-lhe feito qualquer referência.
- Ó que te leva a pensar que eu goste assim tanto? É minha amiga e é tudo. Não
forçosamente alguém de quem eu goste.
- Marie-Anne!... Como queres que se entenda alguma coisa do que estás para aí a
dizer? A verdade é que não queres contar nada do que te diz respeito. E não
queres que eu conheça as tuas amigas. Tens ciúmes, ou quê? Tens medo que tas
roube?
- Não vejo o que poderias lucrar em perder tempo com um bando de raparigas!
- Só tu me farias rir! O meu tempo não é assim tão precioso. Quem te ouvisse
falar, pensaria que tenho os dias contados!
- Eh!
Marie-Anne parecia a tal ponto convencida que Emmanuelle ficou perturbada.
- Ainda não me sinto decrépita - protestou.
- Oh! Sabes bem que isso chega depressa!
- E essa Bi, essa Bee, acho mais bonita a ortografia inglesa, pois quer, pelo
menos, dizer alguma coisa, também tem os pés para a cova, segundo os teus
cálculos?
- Ela tem vinte e dois anos e oito meses.
- E casada? - perguntou ainda Emmanuelle.
- Não.
- Nesse caso, é ainda mais solteirona do que eu. O que ela deve ouvir!
Marie-Anne nem fez comentários.
- Se bem entendi, não fazes tenção de nos apresentar? - acrescentou
Emmanuelle.
- Basta que me acompanhes, em vez de estares para aí a dizer disparates.
Marie-Anne fez um sinal a Bee, que avançou ao seu encontro.
- Esta é Emmanuelle - declarou Marie-Anne, como se estivesse a denunciar o
autor de uma má acção.
Os grandes olhos cinzentos, vistos de perto, transmitiam um brilho de
inteligência e liberdade. Bee parecia
79
menos preocupada em dominar os outros do que em fazer o que muito bem lhe
apetecia. Emmanuelle pensou que Marie-Anne devia ter alguns problemas com
ela e sentiu-se vingada.
Trocaram inofensivas banalidades. A voz da recém-chegada ia bem com o seu
olhar. Expressava-se calmamente e sem hesitações, aquecida por uma alegria
íntima. Emmanuelle pensou que esta mulher possuía o rosto e o toque da
felicidade.
Quis saber como Bee preenchia os seus dias. Sobretudo a passear pela cidade, ao
que parecia. Vivia sozinha em Banguecoque? Não, viera há um ano atrás visitar o
irmão, que era adido naval na Embaixada americana. Tencionara, de início, ficar
apenas um mês, mas, afinal de contas, ainda permanecia ali. E nem tinha pressa
em se ir embora.
- Quando estiver farta destas férias prolongadas afirmou -, caso e regresso aos
Estados Unidos. Não estou interessada em trabalhar. Adoro não ter nada para
fazer.
- Está noiva? - perguntou Emmanuelle.
Esta pergunta provocou o riso em Bee. Era muito franco e atraente.
- No meu país fica-se noiva na véspera do casamento, sabe? E na antevéspera
ainda não se sabe de quem. Como não é amanhã, nem depois de amanhã que
tenciono partir, sinto-me deveras embaraçada para lhe indicar qual será a minha
escolha.
- Mas casar-se não significa, forçosamente, partir argumentou Emmanuelle.
Bee esboçou um sorriso indulgente. Pronunciou simplesmente um «Oh!» com uma
entoação de dúvida. Em seguida, acrescentou:
- Afastar-se não é um mal.
Emmanuelle esteve prestes a questionar «Afastar-se de quê?», mas teve receio de
ser indiscreta. Foi Bee quem tomou a palavra:
- Está contente por se ter casado tão jovem?
- Oh, sim! - respondeu Emmanuelle. - Foi, decerto, o que de melhor fiz na minha
vida.
80
Bee sorriu novamente. Emmanuelle sentiu-se invadida pela bondade que dela
emanava. A beleza de esmalte do rosto (que se diria sem maquilhagem, mas para
conseguir um tão perfeito simulacro do natural, Emmanuelle sabia quanta
aplicação e paciência eram necessárias, e quantas horas de sábio manejo dos
pincéis e dos cremes), com o que tinha de quase incómodo dado o excesso de
perfeição, era esquecida no preciso instante em que a alegria o atravessava, como
o Sol a um vitral. Deixava de se sentir vontade de lhe dizer: «Como esta mulher é
bonita!», mas: «Como esta mulher é simpática!» Emmanuelle, todavia, preferia
ainda pensar: «Como ela parece feliz!» Sentia que este estado de coisas as
aproximava, pois tinha consciência de que também ela própria era feliz. E a
infelicidade assustava-a ao ponto de torná-la incapaz de amar sinceramente
alguém que sofresse, fosse doente ou pobre. Envergonhava-se, por vezes, deste
traço da sua personalidade, embora o mesmo não significasse dureza de coração,
mas apenas uma paixão suspeitosa, quase obsessiva, da beleza.
Enquanto Marie-Anne fazia as honras da casa, Emmanuelle não largou Bee. Não
falaram de nada de importante, mas tornou-se visível que sentiam prazer na
companhia uma da outra. Emmanuelle ficou mesmo bastante satisfeita pelo facto
de a sua amiguinha as negligenciar. Quando Jean a veio buscar, lamentou ter de
se ir embora. Marie-Anne, atarefada, disse-lhe, à despedida:
- Depois telefono.
Emmanuelle pensou, tarde de mais, que deveria ter pedido a Bee o seu número
de telefone. E ficou tão consternada com este esquecimento que nem conseguiu
responder às perguntas do marido.
Sem poder explicar exactamente porquê, Emmanuelle receava voltar a ver Ariane.
Para não se arriscar a encontrá-la no Sports Club, abdicou das sessões matinais
de natação. Tinha perguntado a Jean o que ele pensava da jovem condessa e ele
respondera que a achava muito bonita. Gostava da sua fogosidade e da sua
ausência de pre-
81
conceitos. Tinha feito amor com ela?, quisera saber Emmanuelle. Não, mas se a
ocasião para tal se tivesse proporcionado, não desejaria melhor. Emmanuelle que,
regra geral, se orgulhava do sucesso do marido junto das outras mulheres, sentiu
desta vez - contra toda a lógica, pois, de facto, ele não o tivera junto de Ariane -
uma violenta aguilhoada de ciúmes, que se esforçou por ocultar de Jean, mas
que lhe envenenou o resto do dia.
Pouco tempo depois desta conversa, recebe um telefonema de Ariane. Esta diz-lhe
que está aborrecidíssima com a chuva que cai há dois dias, mas que acaba de ter
«uma ideia genial»: ensinar squash a Emmanuelle. De que se trata? Uma espécie
de ténis que, justamente, se pode jogar mesmo quando chove, já que se pratica
em recinto coberto. Emmanuelle vai adorar. Ariane levará as raquetas e as bolas;
Emmanuelle precisará somente de vestir uns calções, calçar umas sapatilhas e
encontrar-se com ela no Sports Club dentro de meia hora.
A condessa desligou, antes que Emmanuelle tivesse tido tempo de inventar uma
desculpa. Pensou que, no fim de contas, este desporto de que nunca tinha ouvido
falar poderia ser divertido e preparou-se com bastante bom humor.
Ao encontrarem-se no clube, as duas mulheres desataram a rir ao aperceberem-
se que estavam vestidas de igual: camisolas de algodão amarelo e calções pretos.
- Traz soutien? - indagou Ariane.
- E coisa que nem sequer tenho - indignou-se Emmanuelle.
- Bravo! - entusiasmou-se a companheira que, colocando as mãos em volta da
cintura de uma Emmanuelle algo surpreendida, a levantou um pouco do chão;
ela não pensava que Ariane fosse assim tão forte.
Esta última declarou:
- Não acredite nos boatos dessas idiotas, que querem fazer crer que o ténis e a
equitação fazem descair os seios se não estiverem bem presos nesses sacos de
malícia. É precisamente o contrário. O desporto fortalece-os e, quanto mais duros
forem os exercícios, mais firmes eles se tornarão. Basta ver os meus.
82
Levantou a camisola, ali mesmo no meio do clube, onde circulavam outros
jogadores. Emmanuelle não foi, por conseguinte, a única a poder admirar aquele
busto de caçadora.
Descobriu que um recinto de squash era, à primeira vista, a coisa mais banal do
mundo: um estrado, quatro tabiques de madeira e um tecto. Da galeria de onde o
olhava, parecia-lhe uma espécie de fosso. Desceram por uma escada, que girou
em redor do degrau superior, colando-se ao tecto, erguida automaticamente por
molas mal pisaram o chão. Para sair do fosso, seria preciso fazer baixar a escada,
puxando uma corda. Ariane explicou que o jogo consistia em lançarem cada uma
por seu turno uma bola de borracha dura contra o tabique, utilizando uma
raqueta de pequeno diâmetro, mas de cabo bem longo.
Sob as pancadas de Ariane, a pequena bola preta movimentava-se tão depressa,
que Emmanuelle precisava correr como uma louca, de um lado ao outro, rindo à
gargalhada, enquanto os cabelos soltos lhe fustigavam o rosto. Ao cabo de uma
meia hora já conseguia devolver habilmente as bolas, mas as pernas tremiam-lhe
e começava a ficar sem fôlego. O suor escorria-lhe por todo o corpo. Ariane fez
sinal para que descansassem e puxou a escada. Tirou duas toalhas de um saco,
que havia deixado amarrado aos degraus, despiu a camisola e friccionou-se
energicamente. Depois aproximou-se de Emmanuelle e, com a toalha seca,
enxugou-lhe as costas e os seios. Ela não levantou qualquer objecção e respirava
com dificuldade. Tinha a camisola enrolada até às axilas e não tinha sequer
coragem de levantar os braços para a despir. Ariane encostou-a à escada, contra
a qual Emmanuelle, brincando, fingiu deixar-se crucificar, braços e pernas
afastados.
A companheira esfregava-lhe os seios suavemente, e continuou, mesmo depois de
estarem secos. Às sensações de asfixia, de fadiga e de sede que queimavam a
laringe de Emmanuelle, veio juntar-se um afluxo de sangue, que tinha o seu quê
de agradável. De súbito, Ariane deixou
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cair a toalha e, passando os braços sob os da aluna, encostou-se a ela com todo o
peso do seu corpo. Emmanuelle sentiu os bicos dos seios procurarem os seus (e
quando os encontraram, abandonou-se ao prazer, demasiado forte para que
pudesse resistir-lhe) e um púbis activo pressionando-a através do tecido dos
calções. A posição inclinada compensava os escassos centímetros de altura que
tinha a menos, de tal forma que as duas bocas estavam exactamente ao mesmo
nível. Ariane beijou-a como Emmanuelle nunca o tinha sido: profundamente,
explorando-lhe, à vez, sem descurar a mínima superfície, os lábios, a língua,
todas as reentrâncias e saliências da boca, o palato, os dentes, e durante tanto
tempo que ela nunca soube se esse beijo se prolongara por minutos ou horas.
Deixara de sentir a sede que, há pouco, lhe irritava a garganta. Movia-se
suavemente, para que o seu clitóris pudesse crescer, endurecer e procurar refúgio
na solidez do outro ventre. Quando a erecção se tornou tão forte que Emmanuelle
mais não era do que um enorme borbulhão prestes a rebentar, apertou entre as
pernas, sem mesmo disso se aperceber, uma das coxas de Ariane, contra a qual
começou a roçar o sexo, num doce movimentar de toda a bacia. Ariane deixou-a
proceder assim durante alguns minutos, pois sabia que Emmanuelle precisava de
dar vazão à excessiva tensão dos seus sentidos. Em seguida, descolou os lábios e
olhou a amiga com aquele sorriso que lhe era tão peculiar e que parecia traduzir
a alegria de ter pregado uma boa partida. Emmanuelle ficou constrangida por
este olhar mas, em simultâneo, tranquilizada por verificar que Ariane punha tão
pouco sentimento nos seus abraços. Desejava ser beijada novamente; não queria
que os seios de Ariane a deixassem. Mas esta agarrou-a, bruscamente, pela
cintura como o tinha feito antes e, com um atlético golpe de rins, levantou-a
contra a escada. Os calcanhares de Emmanuelle apoiaram-se num degrau.
Pensou que Ariane quisesse beijar-lhe os seios, mas a líder daquele jogo
mantinha a cabeça afastada, enquanto os olhos trocistas não desfitavam os da
sua vítima. Antes que Emmanuelle ti-
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vesse tido tempo de fazer ideia do que lhe ia acontecer, já a mão de Ariane se
insinuara pela perna dos calções, para se apossar do seu sexo húmido.
Os dedos de Ariane eram tão dextros, exercitados e eficazes como a sua língua.
Afloraram o clitóris, e depois, dois deles, juntos, afundaram-se resolutamente na
carne, esticando as membranas da mucosa, comprimindo a protuberância
resistente do útero, desenvolvendo uma enorme actividade e com um
discernimento espantoso. Emmanuelle deixou-se arrastar para o orgasmo sem
resistência, reunindo apenas forças para gozar o mais possível, abrindo-se e
oferecendo-se à mão que a revolvia. Teve a sensação de que uma lava
transbordava de si e corria, espessa e quente, ao longo de Ariane. Quando, por
fim, deslizou pela escada, inconsciente, a amiga recebeu-a nos braços e apertou-a
contra si. Se, nesse momento, Emmanuelle pudesse ver os olhos de Ariane, talvez
ficasse surpreendida por não divisar o brilho trocista.
Mas quando Emmanuelle voltou à realidade, a sua parceira recuperara a
expressão maliciosa e a jovialidade habituais. Segurava-a pelos ombros, na
extremidade dos braços.
- Ainda tens pernas para subir a escada? - perguntou, com uma gargalhada mas
num tom suave.
Emmanuelle sentiu-se repentinamente muito confusa e baixou o rosto de criança
amuada. A outra tomou-lhe o queixo entre as mãos e ergueu-o. Estava, de novo,
muito próximo.
- Diz-me se outras mulheres já te fizeram isto murmurou num tom grave,
estrangulado, desconhecido para Emmanuelle.
Esta conservou-se exteriormente impassível, mas, na realidade, do seu espírito
apossara-se uma incompreensível perturbação. Optou por ignorar a pergunta.
Mas Ariane insistia, imperiosa e ao mesmo tempo sedutora:
- Responde! Ainda não tinhas feito amor com mulheres?
-
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Emmanuelle persistia no seu silêncio. Ariane aproximou-se e os seus lábios
moveram-se sobre os da amiga.
- Vem a minha casa - sussurrou. - Queres?
No entanto, Emmanuelle sacudiu a cabeça numa negativa.
Ariane manteve ainda por algum tempo o queixo rebelde na mão, mas nada mais
disse. Quando, finalmente, se afastou, nada no seu olhar alegre e no beicinho de
menina mimada revelava o mínimo traço de decepção ou ofensa ante a recusa de
Emmanuelle.
- Sobe - convidou, depois de lhe ter beliscado a ponta do nariz.
Emmanuelle virou-se e subiu a escada. Ariane seguiu-a. Emmanuelle baixou até
à cintura a camisola, ainda molhada.
- Oh!, deixaste a tua camisola lá em baixo! - observou. E ofereceu-se de imediato:
- Queres que ta vá buscar?
(Apercebeu-se, tarde de mais, que acabava de tratar Ariane por «tu» pela primeira
vez.) Mas esta esboçou um gesto de soberano desdém:
- Deixa lá! Não vale a pena! Já não se aproveita! Pôs uma toalha sobre os ombros,
sem se preocupar em
a traçar no peito. Balouçando numa mão as raquetas e o saco colorido, tomou o
caminho da garagem. com a mão livre, apertava a de Emmanuelle. De passagem,
várias pessoas acenaram-lhe e ela retribuiu-lhes alegremente as saudações,
descobrindo ainda mais a nudez dos seus seios. Emmanuelle teve a súbita
impressão de que todos as olhavam. Sentia pudor e alarme. Tinha pressa em se
separar de Ariane e estava decidida, uma vez mais, a não voltar a vê-la.
Chegadas junto dos automóveis, Ariane soltou a mão da companheira e
permaneceu diante dela, enquanto amarrava, finalmente, as pontas da toalha.
Fitava-a com um olhar de interrogação e expectativa, cuja eloquência irónica
dispensava quaisquer palavras. Emmanuelle baixou, de novo, a cabeça; o
embaraço, a desordem dos pensamentos não eram simulados. Ariane não insistiu
mais. Inclinou-se e beijou a amiga, ao de leve, na face.
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- Até breve, minha cabrinha - disse, alegremente. Saltou para dentro do
automóvel e arrancou, esboçando um gesto de despedida.
Depois de ela se ter ido embora, Emmanuelle lamentou nada ter feito para a
reter. Teria querido ver uma vez mais os seus seios. Sobretudo, teria desejado
voltar a senti-los contra os seus. Tinha, de súbito, vontade de estar nua e que
Ariane o estivesse também, e estendida a todo o comprimento sobre si; ambas
muito nuas, mais do que alguma vez haviam estado. Ansiava pelos seios dela
contra os seus; pelo sexo dela contra o seu. E apetecia-lhe ser acariciada por
mãos de mulher, pelas pernas, pelos lábios, um corpo de mulher... Se Ariane
regressasse naquele momento, ah!, como Emmanuelle se lhe teria entregue!
Christopher chegou nesse mesmo dia. Era muito melhor do que nas fotografias.
Tinha o porte e o riso aberto de um jogador de râguebi anglo-saxónico; os cabelos
louros, grosseiramente penteados, pareciam lutar contra uma rajada de vento.
Emmanuelle sentiu-se, de imediato, confiante, como se estivesse perto de um
amigo de longa data. Fazendo as honras do jardim, deu um braço ao marido e
outro a Christopher. Disputava com Jean a companhia do recém-chegado.
- Não vais pôr Christopher a trabalhar todo o tempo! Quero levá-los aos khlongs,
mostrar-lhe o mercado dos ladrões...
- Mas eu não estou aqui de férias - protestava Christopher, encantado.
O duplo prazer de reencontrar Jean e descobri-lo assim tão bem casado, dava-
lhe, nesse domingo, um certo toque de vaidade. Não escondia a admiração que
Emmanuelle lhe inspirava:
- Este pirata do Jean tem, de facto, muita sorte! exclamava, envolvendo a sua
anfitriã com um olhar entusiasmado. - Nada fez para merecer isso!
- Felizmente - gracejou ela. - Teria horror a um marido merecedor!
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Ficaram levantados até tarde, ruidosos e barulhentos. Só se deitaram quando o
sono venceu Emmanuelle, fechando-lhe os olhos na poltrona onde se aninhara,
sob a bungavília que cobria o terraço do rés-do-chão. Já não chovia. As rãs
tinham-se calado. As estrelas tinham a cor da estação seca. A segunda metade de
Agosto oferece, muitas vezes, estas pausas enganadoras.
Emmanuelle dorme nua. Mas para tomar o pequeno-almoço com Jean, no amplo
terraço em frente do quarto, veste uma das pequenas camisas de noite, muito
curtas, que comprou em grande quantidade (em parte pelo prazer de
experimentá-las), antes de partir de Paris. A que veste nessa manhã é
transparente e plissada, de cor quase idêntica à sua pele. A bainha não desce
abaixo das virilhas e aperta na cintura com três botões. A brisa mais ligeira
ergue-a. Emmanuelle solta uma gargalhada repentina.
- Deus do céu! Esqueci-me de que tínhamos um convidado. Será melhor ir vestir
qualquer coisa que me cubra mais.
Dispõe-se a ir mudar-se, quando Jean interfere:
- Nem pensar. Estás muito melhor assim.
No fundo, ela não tem qualquer objecção em mostrar-se dessa maneira,
habituada desde há muito a ser contemplada nua por todo o tipo de pessoas.
Deste modo, a atitude do marido apenas prolonga a da sua infância. Tanto os
pais como ela própria teriam achado absurda a ideia de vestir um robe para
aparecer diante deles. Foi por uma questão de coqueteria e não de pudor que
cornprou camisas de noite depois do casamento.
Christopher, esse, está menos à vontade do que os seus anfitriões. Sentado
diante de Emmanuelle, não consegue desviar os olhos daqueles seios, que o sol
faz ressaltar através do plissado: os bicos atravessam-no, qual mancha de
sangue. Quando ela se levanta para lhe servir os bolos, fruta e mel, a brisa
matinal entreabre, até ao umbigo, a roupa interior de renda e o triângulo de
astracã aproxima-se dele, fica tão próximo do seu rosto, que pode aspirar o
perfume de junquilho.
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Não ousa levar aos lábios a chávena de chá, com medo de que as mãos lhe
tremam. Pensa, aflito: «Ó que acontecerá, se tiver de me levantar? Ou se alguém
vier tirar a toalha da mesa?»
Por sorte, Emmanuelle volta para o quarto, antes que os homens acabem de
comer. Christopher tem, assim, tempo para se recompor.
Eles só deviam regressar à hora de jantar. Emmanuelle não tem o mínimo desejo
de ficar sozinha em casa o dia todo. Pega no carro e parte na direcção do centro
da cidade. Durante uma hora, rodou sem objectivo definido, enganando-se
frequentemente, parando algumas vezes para entrar numa loja, ou perdendo-se
na contemplação horrorizada de um leproso sentado na calçada, deslocando-se
aos sacões, procurando apoio sobre os punhos carcomidos e arrastando pelo
chão sujo dois cotos de coxas amputadas. Emmanuelle estava tão perturbada
com este espectáculo que não conseguiu pôr o motor a funcionar. Ficou ali,
paralisada, esquecida de para onde queria ir e das manobras que precisava de
fazer com os seus pés inteiros e as suas mãos sãs e frágeis. Ao mesmo tempo
envergonhava-se, intimamente, daquela perturbação: «Ao ter medo deste homem,
estou a excluí-lo», admitiu. «Comporto-me tão cruelmente como as pessoas do
meu país que, outrora, encerravam os leprosos, os encaravam como se já
estivessem mortos, os obrigavam a usar insígnias vergonhosas. Os Siameses são
menos injustos: não tratam um doente como se ele fosse culpado. Cuidam dele.
Não fogem, nem o apontam a dedo. Não se escandalizam quando o encontram na
rua. Dão-lhe de comer e de beber. Deixam-no andar por onde lhe apetece viver os
poucos dias de vida que lhe restam.»
Mas estas críticas não a tranquilizaram. Nesse momento, avistou, a pouca
distância, saindo de uma boutique chinesa, uma silhueta que reconheceu. E
soltou um grito que se assemelhou a um pedido de auxílio:
- Bee!
A jovem virou-se e esboçou um gesto de alegre surpresa. Aproximou-se do carro.
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- Andava à sua procura - disse Emmanuelle.
E apercebeu-se, de imediato, que era essa mesmo a verdade.
- Pois bem! Teve sorte em me encontrar - gracejou Bee. - Não costumo vir muitas
vezes para estas bandas.
«Claro que não me acreditou», pensou tristemente Emmanuelle.
- Quer almoçar comigo? - sugeriu com um tom de súplica tão premente, que Bee,
por momentos, não conseguiu responder-lhe. E foi Emmanuelle a retomar a
palavra: - Tenho uma ideia! Venha até minha casa. Há imenso que comer. E você
ainda não a conhece.
- Mas não prefere provar as especialidades locais? ofereceu-se Bee. - Muito
próximo daqui há um pequeno restaurante siamês muito pitoresco. Eu convido-a.
- Não, não! - teimou Emmanuelle. - Fica para outra vez. Agora que a encontrei,
quero levá-la a minha casa.
- Se assim o quer!
Bee abriu a porta do automóvel e sentou-se ao lado dela.
Emmanuelle estava radiante. Teve a súbita sensação de se haver reencontrado,
segura dos seus desejos, orgulhosa do que amava e tão incapaz de simular como
de esperar. Pouco faltou para que gritasse a plenos pulmões a sua felicidade,
enquanto conduzia, menosprezando toda a prudência, através do formigueiro da
cidade. Soltava gargalhadas sem qualquer pretexto. Parecia emitir raios
luminosos. Um cântico de esperança ecoava-lhe no cérebro. «Oh, minha terra
firme! Oh, minha bela do apelo alado, minha bela, minha doce beleza! Minha baía
prometida do apelo alado, minha bela, minha doce beleza! Bela, minha terra,
minha baía, minha casa!»
Estendia os braços com uma ansiedade de náufraga, sacudindo os pesados
cabelos molhados pelas vagas, beijando com soluços de felicidade a linda margem
da doce terra. Enfim, enfim! Tão doce era a terra onde a vaga a depositava,
vestida com seus cabelos molhados, tão doce no seu peito sedento e nas suas
pernas nuas, tão acolhe-
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dora no seu corpo liberto. Tudo estava esquecido do que tinha aprendido e
desaprendido, depois que tombara, de um mundo para o outro, nos sortilégios da
noite de Agosto. A aurora de sempre dourava-lhe os lábios.
Bee fitava-a com admiração e um tanto perplexa.
A elegância e o modernismo da decoração agradaram à visitante. Elogiou os
arranjos de flores, talento japonês que Emmanuelle adquirira em Paris; os móveis
de cerâmica; as taças de pedra transparente, ornadas de corais e de conchas
marinhas; e o grande móvel forjado, no meio da casa, um estorvo provocante,
cuja insólita folhagem de ferro tilintava.
Almoçaram rapidamente. Emmanuelle perdera a voz. O seu olhar de júbilo não
abandonava Bee.
Em seguida, visitaram o jardim, apesar do sol tórrido. Emmanuelle conduzia a
amiga pela mão por entre as plantações de estacas, a fim de a fazer adivinhar o
que seria a beleza daquela paisagem quando os arbustos florissem.
Colheu uma rosa de caule comprido e ofereceu-a a Bee. Esta rodeou com os
dedos a corola vermelha e levou-a ao rosto, Emmanuelle aproximou os lábios e
beijou a rosa.
Quando voltaram para dentro, o suor escorria-lhes pela cara e pelo pescoço.
- E se tomássemos um duche? - sugeriu Emmanuelle.
Bee achou que era uma boa ideia.
Mal chegaram ao quarto, Emmanuelle arrancou a roupa com toda a precipitação,
como se ela estivesse a arder. Bee apenas começara a despir-se quando
Emmanuelle retirara a última peça.
- Que belo corpo você tem! - elogiou Bee. Depois, quando entreabriu lentamente a
blusa, que
usava em cima da pele tal como Emmanuelle, esta não conseguiu suster uma
exclamação: o busto de Bee era semelhante ao de um rapaz.
- Veja como sou lisa - disse a jovem.
Não parecia de modo algum humilhada. Saboreava a
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surpresa de Emmanuelle, que inspeccionava aqueles bicos rosados, tão pequenos
e pálidos, que pareciam impúberes.
- Acha-os feios? - perguntou Bee, não muito séria.
- Oh, não! São, pelo contrário, maravilhosos! - exclamou Emmanuelle com um tal
fervor, que a sua interlocutora esboçou um sorriso terno..
- No entanto, você tinha todo o direito de estranhar. Possui uns seios belíssimos -
observou Bee. - Fazemos um contraste espantoso, não é verdade?
Mas Emmanuelle estava convertida e fanática:
- O que há de interessante em ter os seios grandes?
- perguntou. - E o que mais se vê nas capas de revistas. Por outro lado, você é de
tal maneira diferente das outras mulheres. E tão bonito isso! - A voz
enrouqueceu-lhe um pouco: - Nunca vi nada de tão excitante, sabe? E não o digo
para que se ria.
- Confesso que isso me diverte muito - redarguiu Bee, fazendo deslizar a saia ao
longo das pernas. - Não gostaria, é claro, de ter um peito muito pequeno; mas
não ter peito nenhum é engraçado, não acha? - Ela parecia de repente mais
faladora. Emmanuelle não se lembrava de a ter ouvido manter uma conversa tão
longa. Durante bastante tempo vivi até com o receio de ver crescerem-me os
seios. Isso ter-me-ia dado a impressão de perder toda a personalidade. E rezava
todas as noites! «Meu Deus, façai com que eu nunca tenha seios normais!» Devo
ter sido tão fervorosa, que o bom Deus ouviu-me!
- Que sorte! - exclamou Emmanuelle. - Seria horrível que os seus seios tivessem
crescido. Gosto tanto de si como é!
Achava igualmente admiráveis as pernas de Bee, tão compridas e de linhas tão
puras, que pareciam saídas dos desenhos de um estilista e, assim, de forma
alguma reais. As ancas estreitas e a flexibilidade da cintura delgada conjugavam-
se para dar uma impressão de elegância. Mas o que mais chocou Emmanuelle foi
a visão, logo que Bee despiu as calcinhas, da extraordinária protuberância
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do púbis rapado. Nunca tinha visto um assim, com o relevo a destacar-se
paralelamente ao plano do ventre, nem mesmo, como era o caso, intumescido de
sexualidade feminina. Dizia para si própria que não conhecia neste mundo nada
de mais aristocrático ou sensual. A ausência de pêlos libertava o entalhe do sexo,
que subia alto e se cavava, profundo e nítido, numa oferta inequívoca ao olhar. O
contraste desta feminilidade, orgulhosamente exibida, com o busto de efebo,
aliado ao facto de o corpo de Bee estar uniformemente queimado (e de tal forma
que se tornava impossível afastar a imagem de que estivera todo exposto ao sol e
que outros tinham podido contemplar a seu bel-prazer esta nudez hermafrodita)
tinham algo de desafio. E, apesar da beleza distante de Bee, o inchaço liso e
fendido do seu baixo-ventre era tão sensual, projectava-se com um tal movimento
de convite, que Emmanuelle sentiu o seu próprio sexo pesquisado como por uma
mão. Precisava, decidiu, que Bee lhe pertencesse de imediato, que lhe fosse
aberto este sulco voluptuoso, esta fenda... Oh!, esta fenda! Esta fenda, cuja visão
a fazia tremer. Esta fenda orlada de um cristal vivo, esta beleza! A parte mais
bonita de todos os corpos inventados pelo Universo. Esta obra-prima do que a
vida esculpiu sobre a terra. Nada e em parte alguma deve ser mais amado!...
Abriu a boca para dizer a Bee o que desejava, mas, no mesmo instante, a jovem
encaminhou-se para a casa de banho:
- Então, esse duche? - recordou.
O artifício parecia já supérfluo a Emmanuelle. Ordenou cortando cerce o
movimento de Bee:
- Venha para a cama.
A visitante deteve-se diante da porta, com um ar hesitante, mas optou por rir:
- Mas apetece-me refrescar-me e não dormir - contrapôs.
Emmanuelle interrogou-se sobre se Bee pensava, de facto, que se tratava de um
convite para fazer a sesta, ou se não estaria a simular inocência. Cruzou o olhar
com o
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da amiga nua e desesperou-se por não lhe detectar qualquer mal-entendido.
Foi ao encontro de Bee e abriu a porta.
- Nesse caso, faremos amor debaixo do chuveiro disse, em tom firme.
QUARTO CAPÍTULO

#CAVATINA, OU O AMOR DE BEE


Pára, instante: tu és tão belo!
GOETHE, «Fausto»

Deixarei o leito como ela o deixou, desfeito e em desordem, os lençóis enrolados, a


fim de que a forma do seu corpo permaneça impressa ao lado do meu.
Até amanhã, não tomarei banho, não usarei roupas e não pentearei os meus
cabelos, receosa de apagar as suas carícias.
Esta manhã, não comerei, nem esta noite, e, nos meus lábios, não passarei
carmim, nem pó, para que o seu beijo permaneça.
Deixarei as persianas fechadas e não abrirei a porta, receosa de que a recordação
se vá com o vento.
PIERRE LOUYS, «As Canções de Bilitis»

A sala de banho está equipada com várias espécies de chuveiros. Um está fixo no
tecto, outro na parede, um terceiro, mais pequeno, na extremidade de um longo
tubo anelado, para se poder segurar e orientar à vontade. Ao lado uma da outra,
sob as chuvas cruzadas, as duas mulheres soltam gritos friorentos. Para proteger
os cabelos, Emmanuelle prendeu-os no alto da cabeça, o que a faz parecer da
mesma altura da companheira.
Anuncia a Bee que lhe vai mostrar para que serve o chuveiro flexível. Prende o
tubo na mão direita, rodeia a cintura da amiga com a mão esquerda e ordena-lhe
que abra as pernas.
Bee obedece. Emmanuelle dirige, obliquamente, de
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baixo para cima, o jacto tépido para o sexo da companheira. Depois, aproxima-o,
pouco a pouco, ora imprimindo-lhe um ritmo experiente e imoderado como o dos
seus dedos, quando acariciam o clitóris, ora um movimento em espiral. Conhece
a fundo as regras do jogo. A água tomba em cascata entre as pernas de Bee.
Emmanuelle ergue os olhos.
- É bom? - pergunta.
Bee parece achar a pergunta incongruente; hesita por um momento, faz menção
de pronunciar qualquer comentário, reconsidera e, por fim, contenta-se em
inclinar afirmativamente a cabeça. No entanto, um instante depois, confessa:
- Sim. É muito bom.
Sem deixar de dirigir o jacto de água com mão segura, Emmanuelle inclina o
busto e prende um dos biquinhos dos seios na boca. Sente que uma das mãos de
Bee lhe pousa nos cabelos. Será para a repelir? Será para a aproximar ainda
mais? Emmanuelle cerra entre os lábios o mamilo de boneca, excita-o com a
ponta da língua, chupa-o. Ele endurece de imediato e aumenta para mais do
dobro. Endireita-se, triunfante:
- Estás a ver...
Mas cala-se; a fisionomia de Bee perdeu a máscara de serenidade. Os belos olhos
cinzentos estão ainda maiores, os lábios aumentaram de espessura e de brilho. O
rosto quase infantil, purificado, de uma Bee que Emmanuelle desconhecia até
então, transbordante de expressividade e de beleza, gozou sem um grito, sem um
estremecimento, sem que o ritmo do corpo traduzisse a violência do prazer.
O êxtase prolonga-se por tanto tempo que Emmanuelle se interroga se a amiga
está ainda consciente da sua presença. Depois e a pouco e pouco, a expressão
maravilhosa apaga-se e Emmanuelle fica triste por esta volúpia não ter carácter
de eternidade. Sente-se tão intimidada com a transfiguração que testemunhou,
que nem ousa falar. Bee sorri-lhe.
Emmanuelle passa o braço à volta do pescoço da amiga e beija-a nos lábios.
Geme de prazer, quando o corpo de Bee se cola ao seu; a frescura inebriante das
duas peles
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constitui, por si só, uma carícia. Enlaça firmemente Bee, esfregando devagar o
seu púbis contra o dela.
Bee adivinha o prazer que Emmanuelle procura; pousa-lhe a mão sobre os rins,
apoia-se docemente sobre as suas nádegas, cola-se ao seu ventre. Na boca que se
abre, penetra um sabor singular, sumarento e doce como o de um fruto exótico.
Sente o espasmo que sobe naquele belo corpo que aperta contra o seu. E ajuda-o
com todas as suas forças. E ouve sobre os seus lábios murmúrios de palavras
que têm o som do amor.
- Emmanuelle é inteligente, interessa-se por tudo e está sempre de bom humor.
Mas não foi por isso que me casei com ela - diz Jean a Christopher, no jipe, que
avança pela estrada orlada de tons vermelhos.
O suor cobre-lhes as peles, o peso do ar irrita-lhes as gargantas. Atravessam uma
pequena ponte: rapazes e raparigas brincam na água, nus, salpicando-se de lama
entre risadas e gritos.
- Olha ali. Não é mesmo o Oriente que se vê no cinema?
Jean desliga o motor. Descem até ao ribeiro e refrescam a cara. As crianças
pulam de entusiasmo, apontando-os com o dedo, chilreando em coro:
- Farang! Farang!
- O que é que eles dizem? - inquieta-se Christopher.
- Apenas: «Europeus! Europeus!» Tal como os nossos garotos gritam: «Chineses!
Chineses».
Uma rapariguinha, cujos cabelos molhados acariciavam os ombros como duas
compridas línguas negras, aproxima-se deles. Apanhara do chão um sarongue
azul-vivo, traçou-o sobre a pele cor de âmbar, apertou-o com um nó na cintura,
enquanto avançava.
- Than yâk su som-ô mai ria? - perguntou, com um sorriso encantador dirigido
aos estrangeiros.
- Não compreendo o que quer de nós - confessou Jean.
com um gesto, a rapariguinha apontou para um cesto cheio de toranjas enormes,
sob a sombra de uma árvore de fruta-pão.
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- Ah!, já sei! Está a oferecer-nos frutas. Não me parece má ideia!
- Ao ko daí! - articula Jean com um aceno afirmativo de cabeça.
A criança correu para o cesto e regressou com um fruto tão grande como a sua
cabeça. Levantou uma das mãos com os cinco dedos afastados:
- Há baht.
- De acordo, miúda - disse Jean. Estendeu-lhe uma nota de cinco ticales, que ela
examinou com cuidado.
- As nossas contas estão regularizadas? - perguntou Jean.
- Kha!
Ela não parecia nada embaraçada com esta conversação bilingue. Christopher
mostrava-se surpreendido.
- Ela compreende o francês?
- Nem mesmo em sonho. Mas isso não impede, em nada, a nossa conversa.
A pequena ergueu o fruto até à altura do rosto, com uma expressão interrogativa:
- Pok haí maí t já?
Jean afastou os braços em sinal de incompreensão. A mão livre da criança
descreveu, em torno da casca grani tada, órbitas imaginárias, depois fez o gesto
de descascá-la.
- Ah, sim! Porque não? - acedeu Jean. - Isso seria muito gentil da tua parte.
Ela encaminhou-se de novo para o cesto, desta vez a fim de tirar uma pequena
faca de lâmina de bronze, curva e afiada. Depois sentou-se, com a toranja
colocada sobre a saia, que lhe cobria as pernas cruzadas.
Os dois homens instalaram-se na relva, em frente dela.
- Já que não casaste com Emmanuelle pelo seu espírito, como dizes, suponho
que terá sido pela sua beleza? - disse Christopher, voltando à carga. -
Compreende-se.
- Talvez, mas isso não seria o bastante para me seduzir.
- Então? O que te conquistou? Os seus talentos domésticos?
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- Não. O seu génio carnal. Não conheço ninguém no mundo que goste tanto de
fazer amor como ela. Nem que o faça tão bem.
Christopher ficou chocado. Este género de confidência parecia-lhe de mau gosto.
Contudo, ansiava ouvir mais.
- Tens sorte, claro - replicou com algum esforço. Mas não corres também os teus
riscos? Esse... como lhe chamas?... esse dom que ela tem... há outros que o
podem adivinhar... ser tentados... procurar aproveitar-se dela. Querer roubar-ta.
- Não me podem roubar uma coisa que não me pertence - redarguiu Jean, num
tom convicto. - Ela não é um objecto meu. Ela não é a minha beleza. - O rosto de
Christopher reflectia incompreensão, e Jean acrescentou:
- Não a desposei para a privar do que quer que fosse. com as duas mãos
estendidas, a garota ofereceu-lhes
fatias de toranja. Jean aceitou uma, após um ligeiro aceno de cabeça, e saboreou-
a com manifesto prazer.
- Não comes? - perguntou a Christopher.
Este agarrou, maquinalmente, o fruto oferecido. Fixava a cena com um ar
ausente.
- Emmanuelle e eu estamos interessados no mundo
- prosseguiu Jean. - Temos o prazer de conhecer mais.
- E riu, observando com entusiasmo: - Há muito para fazer! - Tirou mais uma
fatia das mãos da miúda. O suficiente para justificar o trabalho em equipa -
concluiu.
Christopher achava insuficientes as respostas de Jean. Voltou à carga:
- Antes de falares das suas qualidades amorosas, mencionaste a inteligência de
Emmanuelle. Na tua opinião o que significa, grosso modo, ser inteligente?
Jean deu a sensação de se pôr a juntar os elementos de uma resposta
improvisada:
- bom, admitamos que seja procurar outra coisa que outros não tenham ainda
descoberto - respondeu. Saber, no momento exacto, opor-se aos argumentos de
autoridade. Resistir ao tipo de pensamento feito. Não se ater em demasia aos
padrões e modas. A inteligência é
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aquilo que nos leva a fugir aos chavões, às palavras de ordem, às proibições, às
máquinas, aos desfiles, às cruzadas. E aquilo que nos aconselha a pesar os
aplausos, e os apupos.
- Sim... muito empírico, tudo isso! Mas prefiro que me expliques como se detecta
cientificamente uma mulher inteligente. A tua, por exemplo.
- Ela não vê apenas o que eu vejo. Ela não acredita em tudo o que eu acredito.
Christopher emitiu um grunhido pouco amável e Jean somente conseguiu
perceber:
- Deixemos o assunto de lado! Vens-me com o feminismo quando te estou a pedir
que sejas objectivo.
Ele sabia que a palavra «feminismo» enervava Jean. E este explicou-lhe porquê:
- A desigualdade dos homens e das mulheres, que conheço de ouvir falar, não
constitui o fulcro da questão. A guerra dos sexos é apenas um aspecto parcial,
local, episódico, de um conflito que vem de mais longe e tem uma origem mais
dolorosa do que a repartição de tarefas domésticas no lar. Um conflito mais do
que nunca actual e que continuará, indubitavelmente, acalorado até que as leis
da termodinâmica se cansem da nossa raça.
- bom, nesse caso, vai directo ao que interessa - incitou Christopher.
- O problema reside na divisão dos bípedes em dois mundos tão incompatíveis e
distantes como um volume de negócios difere da teoria dos números ordinários
transfinitos. Existe, de um lado, o mundo da autoridade, do outro, os homens e
as mulheres inventados. No mundo da autoridade, utiliza-se a antiguidade e a
força para impor ideias recebidas e conservar imutável uma ordem moral
preestabelecida. Preestabelecida, ignora-se por quem: isto possibilita ao
pretensiosismo dominante simular tratar-se de uma ordem eterna. Os pontífices
assumiram à conta disso o papel de deuses.
- Os deuses eram uma minoria condenada - redarguiu Christopher. - Os seus
substitutos modernos também. A sua quantidade é mínima, face ao número de
herejes. O e face ao conjunto infinito.
100
- Errado! - protestou Jean. - Não te esqueças de que os submissos aos mestres do
pensamento formam um conjunto superior ao de todos os resistentes
imagináveis. É surpreendente a quantidade dos que adoram obedecer, que se
extasiam por marchar em fileiras, que somente exigem conformar-se, imitar,
conservar. Se, ao menos, estes adeptos não entoassem cânticos tão lúgubres!
Mas a diferença e a independência dos outros aborrecem-nos. O poder dos líderes
assenta na tristeza dos disciplinados. Os crédulos entristeceram de tanto ouvirem
dizer que tudo era melhor noutros tempos do que hoje. Consegues explicar-me
porque é que esses milhares de lamechas preferem acreditar nisso do que tentar
descobrir?
Christopher mordiscou, distraído, a última fatia de toranja, o que não o impediu
de se expressar audivelmente:
- Pouco me interessam os infortúnios daqueles que não querem saber. Ninguém é
obrigado a morrer mais estúpido do que nasceu.
- Claro! - suspirou Jean. - Mas deixemo-nos de política no meio do campo. E não
te alambazes com toda a toranja.
Christopher engoliu um bocado, antes de regressar ao assunto:
- Emmanuelle pertence, assim, à categoria das mulheres que gostam de
compreender? Por outras palavras, ela é como tu e eu. Nada de muito especial.
- Nada realmente - troçou Jean que pareceu, subitamente, tentado a mostrar-se
arrogante e altivo. - com a excepção de que, como tu e eu, não acha que o
conhecimento lhe chegou, ou chegará, de um outro mundo. Também não espera
que este conhecimento lhe seja dispensado, como uma sopa dos pobres, através
de padres, propagandistas ou militares. Ela é, contrariamente a nós os dois, que
lamentamos os bons velhos tempos em que quase nos matámos a discutir, pouco
dada à nostalgia. Tem tendência a pensar que não é forçosamente mais imoral do
que os seus antepassados, condecorados na guerra. E acha que, de qualquer
maneira, é mesmo pro-
101
vavelmente mais feliz. E sobretudo não duvida estar numa posição inferior a nível
das relações que virão a existir entre os homens e as mulheres do futuro. Pelo
menos fará o possível por aprender qualquer coisa dos filhos que talvez venha a
ter. Inclusive sobre o amor. - Jean retomou o fôlego e o tom trocista para
acrescentar: - Uma questão na qual ela já é, todavia, muito experiente!
Christopher continuava a mostrar-se estranhamente nervoso.
- Fico com a impressão de que se tivesses estado no lugar de Adão, não terias
agido melhor do que ele - resmungou.
- Teria estado do lado de Eva - redarguiu Jean. Uma mulher que aprecia os frutos
proibidos e detesta os guardiões de jardins públicos não pode ser inteiramente
má.
As crianças estavam agachadas em círculo em redor de ambos e fitavam-nos em
silêncio, acotovelando-se, de vez em quando, antes de soltarem gargalhadas que
lhes provocavam lágrimas.
- Parece que estão a troçar de nós - observou Christopher.
A polpa açucarada tinha-lhe refrescado a língua, mas a garganta continuava
estranhamente apertada. Enraivecia-se intimamente por ter sido demasiado
tímido. «Sou mesmo estúpido! Não interroguei Jean sobre a única coisa que me
interessa. Estou-me completamente nas tintas para o que Emmanuelle pensa da
inteligência e da filosofia; apenas quero saber como é que ela faz amor. E este
idiota do Jean apenas me fez crescer água na boca para me provocar mais sede.
Competia-me forçá-lo a dar-me pormenores: como é que Emmanuelle o faz vir-se;
como é que ela se vem. Em vez de permitir que me engodasse com as belezas
espirituais da mulher, devia forçá-lo a dizer que sabor tem a sua rata! A
descrever-me como ela se serve dos dedos e dos seios para bater uma punheta! E
como é que ela se masturba? Fá-lo diante dele? Diante de outros? Muitas vezes?
Porque é que este estúpido não
102
me fala do eu da mulher, céus?! Da sua língua. Será que o chupa? com os lábios,
com a garganta? Engole muito do seu esperma? Quantas vezes por semana?
Quantas vezes por dia? O sabor agrada-lhe? Ele perguntou-lhe se todos os
espermas têm um gosto diferente? Qual, de todos os que provou até agora,
preferiu? Ele devia sugerir-lhe que provasse o meu. Permitir-lhe que me
masturbasse. E me chupasse. Sabe perfeitamente que não me aproveitaria do
ensejo para foder a sua mulher. De qualquer forma, nunca na vagina. Ou então,
não completamente. Apenas lhe entreabriria a vulva. Introduzir-me-ia apenas um
pouco. Apenas lhe meteria a cabeça. Não mergulharia no interior. Não de
imediato. Não até mais fundo do que lho faria na boca. Somente avançaria no
interior com pequenas estocadas. Até metade do meu caralho. Nunca mais do que
dois terços. Ou um pouco mais apenas. Como quando a enrabasse. Enrabá-la-ia
no mesmo dia em que a fodesse. De qualquer maneira, se lhe encavar o meu
caralho até ao fundo da sua rata, quando a tiver feito gozar, retirar-me-ia a
tempo. Tomaria cuidado para não ejacular no fundo do seu sexo. E, aliás, porque
não? Que interessa, afinal, que Emmanuelle tenha um filho de Jean ou meu? Se
ele e eu fizermos amor com ela todos os dias, mais tarde ou mais cedo ficará
grávida, sem que nenhum de nós três possa jurar de quem. E isto é importante.
Para ela não, evidentemente. Para Jean, ainda menos. No fim de contas, só é
importante para mim. Gostaria que ela engravidasse com o meu esperma. Até
termos essa certeza, Jean pode perfeitamente vir-se apenas na boca da mulher.
Eu, no seu útero, de manhã e à noite. Vou fazê-lo, hoje mesmo, quando
regressarmos.» As imagens cada vez mais definidas que evocava, impunham-se
com uma tão premente suavidade, que ele não tentava de forma alguma, nem
mental nem fisicamente, combatê-las. Não conservava nenhum dos seus antigos
escrúpulos de consciência, ou tão-pouco o mínimo receio de definhar com
remorsos. «E bom pensar, assim, na mulher do meu amigo», dizia para si próprio.
Sabia que não teria sido tão bom se imaginasse tornar-se amante de uma outra
mulher.
103
Também se sentia comovido relativamente a Jean. Este ficaria contente por
Christopher fazer amor com Emmanuelle, o fazer mais vezes e mais
audaciosamente do que ele. «Apostaria em como ele não a sodomiza», pensava
intimamente. Ele, que tão raramente o fizera com outras, praticá-lo-ia muito com
ela. Jean zelaria para que a sua mulher desse o máximo prazer ao seu amigo e
tivesse um enorme gozo com ele. E sentir-se-ia orgulhoso por anunciar, onde
quer que fosse, que Christopher disfrutava da beleza, da sensualidade e do amor
de Emmanuelle, de maneira a provocar uma explosão da mente e do sexo.
Christopher não duvidava de que esta admirável harmonia elevaria à perfeição as
relações até esse momento incompletas. A sua camaradagem, pensando bem,
tinha-se baseado na desordem. Tudo agora entraria na ordem, a ordem absoluta
e soberba da amizade.
«Aquele que não estiver disposto a partilhar a sua mulher com o amigo,
desconhece a amizade!», reflectia, inebriado pela lógica. «E também não saberá
ser pai aquele que não quiser que os seus filhos sejam gerados no corpo da
mulher pelo corpo do seu amigo!» Mas que homem admirável era Jean! Que sorte
que os dois se tivessem conhecido! O facto de Christopher sentir neste momento
um desejo tão enlouquecedor de fazer amor com Emmanuelle não seria (acabava
de se interrogar) por amor a Jean, pelo menos tanto como por atracção por ela?
E, contudo, mal escutou Jean ao sugerir que comprassem mais uma toranja. E,
em seguida, falar de barragens e de quilovátios. A pequena siamesa aplicava-se,
colocando a língua vermelha entre os dentes, a descascar artisticamente mais um
fruto. Christopher fitava-a como se não a visse. Ela e Jean haviam perdido toda a
consistência física, presença e identidade diante dos seus olhos. Nesta vertente
tórrida, apenas divisava os seios redondos de Emmanuelle, as suas nádegas
nervosas, a nudez tentadora do seu ventre. Apenas sentia o seu membro
entesado.
Jean levantou-se de um salto, anunciando que era tempo de se porem a caminho.
Só então se apercebeu da emoção de Christopher, espectacular sob o reduzido
cal-
104
ção de linho branco. Entreabriu os lábios, surpreso, e soltou uma enorme
gargalhada.
- bom! - regozijou-se. - Não te conhecia esse gosto. Não te apresentarei a mais
meninas.
Brincando, evocou como testemunha a pequena siamesa, que, nem de longe,
parecia ter a menor ideia da situação.
- Escuta! - continuou Jean. - Espera que elas estejam um pouco mais maduras.
Esta aqui nem sequer tem oito anos!

Emmanuelle ensaboa o corpo da sua convidada. Sabe executar tão habilmente a


tarefa, deslizando a mão entre as pernas de Bee, que esta tem de passar à defesa:
- Não, não tanto tempo, Emmanuelle! É demasiado fatigante. Deixe-me recuperar
forças.
A amiga permite-lhe que tire o sabonete e se enxugue.
- Venha para a minha cama! - convida-a depois com meiguice.
Bee cala-se e Emmanuelle perde, de imediato, a cabeça. A jovem beija-a nas
pálpebras.
- Vamos para o seu quarto - diz.
Emmanuelle derruba Bee, de costas, deixando-a atravessada, na cama enorme.
Estende-se sobre ela, cobre-lhe de beijos a testa, as maçãs do rosto, o pescoço,
mordisca-lhe os lóbulos das orelhas e o peito. Desliza para o tapete, ajoelha-se,
afunda o rosto no ventre nu.
- Oh, como é bom! - geme.
Esfrega as faces, uma após outra, o nariz, os lábios, contra a protuberância
elástica do púbis.
- Querida! Querida!
Bee não se mexe e conserva-se em silêncio.
- Está bem assim? - inquieta-se Emmanuelle.
- Sim.
- Você quer muito, não é verdade, você deseja muito ser minha amante?
- Mas, Emmanuelle...
Ela pára, acaricia os cabelos soltos, aguarda. Emmanuelle afasta as longas
pernas de Bee, esfrega a
105
abertura que as separa. Bee suspira, deixa cair os braços ao longo do corpo,
fecha os olhos. Emmanuelle aflora com a ponta da língua a greta estreita e pura,
como um sexo de virgem. Humedece a todo o comprimento as bordas da vulva,
lambe o interior, depois procura o clitóris, aspira-o, estimula-o com vibrações,
adoça-o com saliva, mete-o e tira-o da boca, como se se tratasse de um falo
minúsculo. Ela própria penetra a sua própria vagina com o dedo médio dobrado.
Introduz a mão livre no sexo da amiga. Todos os seus dedos estão húmidos.
Percorre-os pelas nádegas. Estas levantam-se para que Emmanuelle possa
penetrar mais facilmente no orifício mais estreito. Só então Bee grita. E continua
a gritar durante todo o tempo em que Emmanuelle a lambe, a chupa e viaja com
a mão de uma à outra das aberturas do seu corpo. Emmanuelle é a primeira a
confessar-se fatigada. Deita-se, de novo, sobre o corpo da amiga. Nem uma nem
outra parecem ter forças para falar.
Mais tarde, quando Bee, apesar das súplicas da amante, já está vestida,
Emmanuelle rodeia-lhe o pescoço com os braços.
- Quero que me diga uma coisa. Mas jure-me que será a verdade!
Bee contenta-se em sorrir afirmativamente.
- Amo-te - diz Emmanuelle.
Bee procura no fundo dos olhos dourados o sentido para uma resposta, a verdade
que dela se espera. Mas já a expressão grave, quase patética de Emmanuelle,
cedeu lugar a um carinhoso amuo.
- Tens a certeza de que te agrado? Quero dizer... Não, espera. Escuta-me
primeiro. Será que te agrado, tanto ou mais, que qualquer das tuas outras
amigas? Consegui dar-te tanto prazer?
Desta vez Bee ri francamente. Emmanuelle fica irritada.
- Porque troça de mim? - queixa-se.
- Ouça, pequena Emmanuelle - murmura Bee, aproximando muito os lábios dos
da sua companheira.
106
- Vou contar-lhe um grande segredo. Nunca tinha feito com ninguém o que
fizemos hoje.
- Quer dizer o duche, o...
- Tudo! Nunca havia feito amor, como você lhe chama, com outra mulher.
- Oh! - protesta Emmanuelle, franzindo o sobrolho. - Não acredito.
- Mas tem de acreditar, pois é essa a verdade. E já agora vou confessar-lhe outra
coisa. Até esta tarde, até a ter conhecido, achava isso mesmo um pouco ridículo.
- Mas... - balbucia Emmanuelle. - Quer dizer que não gostava de o fazer?
- Nunca tinha experimentado.
- É impossível! - replica Emmanuelle com uma tal entoação que Bee não
consegue conter uma gargalhada.
- Porquê? Pareci-te, então, muito experiente? - pergunta Bee, em voz baixa, num
tom de cumplicidade quase brincalhona, completamente novo nos seus lábios e
que desconcerta Emmanuelle.
Nota também que Bee a tratou por «tu».
- Você... tu não parecias admirada.
- E não estava. Porque era você.
- Ah! - exclama Emmanuelle.
Reflecte e depois interroga-se, como se saísse de um sonho, como se tivesse
esquecido toda a conversa anterior:
- Não me ama, Bee? Esta olha-a, sem sorrir.
- Sim. Gosto de si.
Emmanuelle faz uma nova pergunta, mais para romper o silêncio do que por a
considerar importante:
- E... a experiência agradou-lhe? Está contente? Bee assume uma expressão
subitamente resoluta.
- Agora, sou eu que vou acariciar-te - diz ela. Emmanuelle nem sequer tem tempo
de responder. Bee
agarrou-a, com firmeza, pela cintura e obrigou-a a deitar-se. Beija-lhe o sexo
como lhe beijaria a boca. Põe a cabeça de lado, para que os próprios lábios
fiquem paralelos a esses outros lábios. Avança a língua, esfrega-a no sulco
107
dócil, tão fundo quanto lhe é possível. Emmanuelle sente-se submersa, ao mesmo
tempo, de amor e de volúpia. Surpreendida pela rapidez deste orgasmo, Bee
esboça, de início, um movimento de recuo. Mas, ao ver que Emmanuelle continua
a ser sacudida por frémitos incontidos, aplica de novo a boca e chupa,
meticulosamente, o suco que escorre da sua amante.
- Nunca teria imaginado que um dia pudesse gostar de beber dessa fonte -
observa, a rir, quando se endireita.
A campainha do telefone interrompe esta confissão. É Marie-Ãnne que anuncia a
sua visita. Em circunstâncias normais, Emmanuelle ficaria satisfeita; mas, neste
momento, a notícia deixa-a consternada. Foi preciso toda a boa disposição de Bee
para a animar. Tanto uma como outra não estão muito interessadas em ser vistas
juntas por Marie-Anne. Assim, combinam novo encontro para o dia seguinte. Bee
virá ter com Emmanuelle logo de manhã. O motorista levou-a.
Emmanuelle esperou a visitante, sem se dar sequer ao trabalho de se vestir. O
surpreendente é que não tinha, todavia nesse momento, a menor ideia de
corromper a sua jovem amiga.
Estava incapaz de disfarçar as suas emoções para que a perspicácia de Marie-
Anne não ficasse desde logo alerta.
- O que se passa contigo? - inquiriu. - Estás com um ar de rapariguinha que
acaba de ser pedida em casamento.
Emmanuelle tentou fugir às confissões, mas foi sol de pouca dura.
- Tenho uma grande novidade a dar-te e que te vai interessar - acabou por
anunciar. - Estás preparada?
- Estás grávida?
- Não sejas parva. Tenta adivinhar.
- Não. Diz tu. O que é que estás a tramar?
- Absolutamente nada. O que tenho para te contar é que acabo de fazer amor com
Bee.
Emmanuelle fizera a confidência, sem estar no mínimo
108
segura quanto ao efeito que ela iria produzir. Não esperava, porém, que a reacção
de Marie-Anne fosse tão desencorajadora:
- É tudo o que tinhas para me dizer? - perguntou a jovem, com um ar enfastiado.
- Isso nem sequer merecia toda esta expectativa. O que tem de extraordinário?
- Mas, enfim... -replicou Emmanuelle, desconcertada. - A Bee é fascinante! Será
que tu própria não a achas a teu gosto, por acaso?
- Como podes ser ridícula, minha pobre Emmanuelle! - ripostou Marie-Anne, com
um encolher de ombros. - Não vejo qual é a glória em se ir para a cama com uma
rapariga. Anuncias o facto como o golpe de mestre. Fazes-me rir!
Emmanuelle sentia-se vexada. Por outro lado, quase começava a sentir-se
culpada. Mas de quê? Tentou ver mais claro.
- Pergunto a mim própria que mosca te mordeu. O que tens contra o facto de eu e
Bee fazermos amor?
A resposta de Marie-Anne soou a definitivo:
- Não se faz amor com uma mulher - declarou.
- Ah! - exclamou Emmanuelle.
- O amor é coisa que se faz com um homem. E acrescentou com um tom de
autoridade enfastiada: - Se ainda o não sabes, já te disse que conheço um que é
capaz de te ensinar. E como já percebi que contigo os discursos não resultam, o
melhor é meter-te nas mãos de Mário sem tardar. - Pareceu consultar,
mentalmente, um calendário. - Estamos hoje a dezasseis. Ao que suponho, estás
convidada para a Embaixada, a dezoito. Aproveitarei esta recepção para te
apresentar a ele. Se vocês não arranjarem as coisas, de modo a fazerem amor
nessa mesma noite, impõe-se que o façam no dia seguinte.

Aquela espera endoidecia-a. Estava ajoelhada sobre uma poltrona e debruçada no


corrimão da varanda do quarto, o queixo entre as mãos, perscrutando o espaço
de rua, deixado a descoberto pela folhagem do jardim. Os
109
lábios tremiam-lhe de ansiedade. Bee iria aparecer? Talvez encontrasse uma
desculpa para não ver Emmanuelle; esta receava que a campainha do telefone
tocasse.
Foi, no entanto, ela a tomar a iniciativa de telefonar, quando as horas haviam
passado e não conseguia dominar a impaciência. Era quase meio-dia. Uma voz de
homem respondeu do número que Bee lhe dera. Sem dúvida, um criado. E só,
nesse momento, Emmanuelle compreendeu que não sabia como se informar, não
só pelo desconhecimento das línguas, mas porque não sabia sequer o nome
verdadeiro da sua amiga. Poderia designá-la por uma alcunha a um empregado?
Contudo, arriscou, mas não soube se tinha sido compreendida. Desistiu.
Uma vez que não fora a própria Bee a atender, quereria isso significar que vinha a
caminho? Então, iria chegar de um momento para o outro. Emmanuelle
regressou à anterior situação de expectativa. E se Bee tivesse tido um acidente?
Uma outra ideia ocorreu a Emmanuelle: talvez Bee não conseguisse encontrar a
casa e andasse, por conseguinte, a procurá-la, desde há horas, através do
labirinto dos bairros residenciais? Todas as ruas pareciam iguais, os seus nomes
eram impronunciáveis, escritos, além disso, em caracteres siameses: não seria de
espantar que Bee se tivesse perdido.
Apesar de tudo, objectava uma voz mais forte do que a esperança de
Emmanuelle, Bee habitava em Banguecoque há mais de um ano e decerto
aprendera a movimentar-se; não começava ela própria, após duas escassas
semanas na cidade, a orientar-se com razoável facilidade? Não era provável que
Bee se tivesse confundido. Quando muito chegaria com algum atraso. E há mais
de duas horas que deveria ter chegado. O que a impedia, caso tivesse esquecido a
morada de Emmanuelle, de telefonar a preveni-la, a pedir-lhe para sair à sua
procura?
E, de facto, porque não ir ela a casa de Bee? Apercebeu-se, nesse momento, de
que se esquecera de perguntar a morada à jovem. Irmã do adido naval americano,
dissera Marie-Anne. Era um pouco vago. De qualquer
110
maneira, Emmanuelle não iria telefonar para a Embaixada dos Estados Unidos
para se informar. E porque não, afinal? Mas, uma vez mais, qual o nome a
mencionar? Podia até haver vários adidos navais. E em que língua se
expressaria?
O motorista que, no dia anterior, levara Bee a casa!... Emmanuelle, trémula de
nervosismo, mandou-o chamar. Não o encontraram em lado algum. Fora, sem
dúvida, almoçar. Ou jogar aos dados.
Como era estúpida! Porque não tinha pensado nisso mais cedo? Bastava-lhe
telefonar a Marie-Anne. No entanto, recusou a ideia, mal lhe aflorou à mente: iria
confessar à jovenzinha, tão hábil a ironizar, que Bee está atrasada para o
encontro, que o fervor amoroso de Emmanuelle talvez não seja correspondido e
que a terna amante da véspera já era inconstante?
Emmanuelle tem agora a certeza de que Bee não virá. Não virá atrasada nessa
tarde, nem amanhã. Ontem, cedera a um encantamento mais forte do que ela,
mas, longe da presença de Emmanuelle, recompusera-se; não a ama, não gosta
de mulheres, este jogo parece-lhe absurdo e enfadonho, julgou-se, após tudo o
que se passou, para utilizar as suas próprias palavras, «ridícula». Ou então tem
vergonha de se deixar arrastar pelos prazeres da carne. Possui, sem dúvida,
crenças religiosas, um conceito de moral que a leva a arrepender-se, hoje, da
luxúria a que se entregou. No fim de contas, Emmanuelle nada sabe dela; vive só,
provavelmente sem amante, já que mora com o irmão; e, o que é mais que certo,
sem mulheres na sua vida.
A menos que... A hipótese inversa ganha forma no espírito de Emmanuelle: Bee
não terá, na realidade, uma outra amante? Terá mentido, ontem? Mas não,
Emmanuelle não consegue, decididamente, acreditar em tal coisa... Um amante,
então, a quem tenha confessado a sua «falta» e que é ciumento, que lhe fez uma
cena e exigiu que renunciasse a encontrar-se, de novo, com a sua cúmplice? É
isso! Emmanuelle está convencida de que assim é.
111

Instantes depois, Emmanuelle sente que também esta convicção esfria e regressa
à suposição anterior, que lhe parece mais natural e que lhe agrada mais: Bee é
mantida por uma mulher.
Agora que Emmanuelle esclareceu o mistério, reconhece que não tem mais razões
para se inquietar: que melhor desculpa pode encontrar para a ausente do que
imaginá-la a fazer amor com uma bela rapariga? Se um golpe de sorte desse
género se lhe tivesse apresentado, será que Emmanuelle teria hesitado um
minuto em chegar atrasada a um encontro? Oportunamente excitada por esta
ideia, mais ainda do que movida por uma indulgência incondicional para com
Bee, dispõe-se a receber ternamente a inconstante e a partilhar as descobertas
que a sua escapada possibilitou: «Sem que eu precise de lhe perguntar nada, a
minha querida, a minha queridinha, contar-me-á tudo!»
Uma ideia mais precisa ocorre-lhe à queima-roupa: desconcertante e, contudo,
tão lógica, que Emmanuelle ri a bandeiras despregadas, por não a ter tido antes.
«É isso mesmo! Sei com quem ela está! Aquelas duas espertinhas que me levaram
com toda aquela conversa mole!» O rosto deixa transparecer uma ternura infinita,
enquanto murmura, como se falasse ao ouvido da fugitiva: «Mas claro! É nos
braços da minha Marie-Anne que te encontras neste instante, minha princesa
das Amazonas!»
Sente-se, repentinamente, cada vez mais compreensiva. Uma vez que as ama,
tudo é permitido a Bee e a Marie-Anne, até mesmo fazê-la sofrer tão
perversamente. Mas o que sobretudo a conforta e fascina é o facto de poder,
enfim, dizer de si para si que o desdém pelo amor entre mulheres, denotado por
ambas, era puro fingimento. «O que estarão a fazer juntas, hoje?» Talvez tivessem
começado por reconstituir a cena do duche - quanto mais não fosse pelo prazer
de falar de Emmanuelle? «E aproveitar as minhas lições!» Por muito avançados
que sejam os conhecimentos destas amantes clandestinas, decerto resta-lhes
mais algumas pequenas coisas para aprender... Um orgulho de aluna que sabe
mais do que a
112
professora torna proeminentes os lábios que, ainda há pouco, mordia com
ansiedade. Os olhos que a desilusão tinha obscurecido, emitem reflexos
dourados, enquanto vêem desenrolar-se na sua frente as fantasias
desencadeadas por Marie-Anne e Bee, depois desse duche imaginado.
«O mais espantoso», rejubila a espectadora, «é que com treze anos, Marie-Anne
tenha os seios mais desenvolvidos do que Bee, com vinte e três! Tenho a certeza
de que, neste momento, ela introduz um dos seus seios na greta de Bee. Ele está
tão endurecido e pontiagudo, que chega tão fundo como uma língua. Os meus
são demasiado redondos; não poderiam chegar tão longe. E seria eu, sem dúvida,
a vir-me em primeiro lugar. Não seria justo. De qualquer maneira, talvez
experimente com Bee, quando ela chegar dentro em pouco. Poderá comparar as
sensações que lhe provocarei com as que recebeu de Marie-Anne.»
A mente de Emmanuelle enriquece-se de lembranças: «Os bicos dos seios de
Marie-Anne ficam carmesim, quando ela se masturba. Dois rubis quentes na
racha fresca de Bee.»
A preocupação de compor o quadro provoca-lhe um enrugar da testa. «O que faz
Marie-Anne com a mão que não acaricia o clitóris? Aperta os rubis mais
pequenos de Bee? Não. Já sei! Conserva a mão que tem livre dentro da sua boca e
chupa-a. Pouco antes, introduziu-a no sexo de Bee e retirou-a tão molhada de
suco, que tem com que se deliciar durante uma hora. Também, aliás, se serviu
primeiro da outra mão para a meter, dedo a dedo, dentro de Bee, a fim de, agora,
poder humedecer o seu clitóris com os sucos da amante. Tenho, assim, a certeza
de que ocupa as duas mãos consigo própria. Se não tivesse seios para fazer gozar
Bee, ver-se-ia obrigada a chamar-me como auxiliar.»
O facto de as duas jovens não a terem convidado a que se lhes juntasse estraga
um pouco o prazer que Emmanuelle sente em imaginá-las enlaçadas. Luta,
corajosamente, contra esta tentação de mergulhar na tristeza,
113
através de um reforço imaginativo, de acordo com o axioma que forjou: «Somente
os que possuem imaginação sabem amar de uma forma feliz.» Feliz para ela,
decerto, mas também para aquele ou aquela que ela ama.
Na fusão a três que concebe, a felicidade não se deve tanto à troca dos gestos das
amantes, como à equivalência arrebatadora dos lugares do amor? «Uma vez que o
sexo de Bee está ocupado, chuparei a sua boca como se se tratasse do seu sexo.
Explorarei a sua garganta com a língua, como se ela fosse o fundo latejante da
vagina. Beberei a saliva da sua boca como bebi a do seu sexo.»
Emmanuelle escuta as batidas irregulares do coração. O ritmo acelera-se. Larga o
rebordo do corrimão a que se agarrava. As duas mãos deslizam, lado a lado, ao
longo do ventre. O suspiro, que lhe escapa dos lábios, não se assemelha ao do
nervosismo das horas anteriores.
Mas os abraços com que agora sonha já não distinguem, com absoluta certeza, o
corpo de Marie-Anne do de Bee. «Respirarei o teu hálito e humedecerei as tuas
faces, minha beleza! Sufocarei os meus gritos nas tuas tranças cor de água e
prenderei o teu pescoço nos meus braços. Afundarei as narinas no cheiro do teu
ventre. Comerei a carne do teu púbis desnudo. Morderei o sal dos teus pêlos e o
açúcar da tua nuca. Comprimirei a boca contra as tuas nádegas; farei com que se
diluam sob o meu palato. O seu sabor de pêssego correrá entre os meus dentes
entreabertos. Beberei as pequenas gotas que brotarem dos teus rins arqueados.
Arranhar-te-ei as costas com as unhas e apertarei as tuas ancas entre os meus
punhos cerrados. Cavalgar-te-ei. Meterei as tuas pernas no interior das minhas.
Esfregar-me-ei nas tuas coxas. Ah! Esfregarei tão bem e durante tanto tempo, um
após outro, todos os meus órgãos sugadores nos músculos que se retesam e me
esperam sob a tua pele de criança, que te esvaziarei de ti própria e te encherei de
mim, até deixar de compreender o que desejo amar e o que desejo ser!»
Um deslumbramento interior deixa-a aturdida por momentos; em seguida, abre
os olhos e sorri às folhas e às
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flores que redescobre. Tem sede. Mas apenas se saciará com a bebida única que
espera obter, dar, trocar. Antes do mais, diz para si própria que deverá reordenar
mais lucidamente a sua visão, atribuir a cada uma das figuras a sua identidade,
a sua posição e o seu papel inicial, de maneira a que a cena final será
irrepreensível: harmoniosa e lógica.
«Quando tiver bebido tudo de Bee, dar-lhe-ei, por sua vez, a beber da minha boca
e do meu sexo. A sua boca chupará o meu sexo como o seu sexo chupa o seio de
Marie-Anne. Vir-me-ei na sua boca, ao mesmo tempo que Marie-Anne se virá no
seu sexo. Engolirá o meu esperma imaginário, ao mesmo tempo que na sua
vagina escorrerá o leite de virgem de Marie-Anne. Os licores misturados dos
nossos corpos serão componentes de um cocktail super-humano. Apenas
saciaremos a sede com esta mistura, tanto entre nós como nas festas às quais
passaremos a assistir juntas, inseparáveis, e formando um contraste. Produzi-la-
emos em quantidade suficiente para que todos os convidados possam analisar o
mistério. Ninguém mais em Banguecoque aceitará encher publicamente o seu
corpo com outra bebida, excepto a recolhida dos beijos trocados por Eva, Lilith1 e
Pentesileia2.
Emmanuelle não quer que este poder de antecipação se esgote, antes que os seus
dedos tenham saciado o seu desejo de orgasmo, com tanta perfeição como já o
fizeram ao princípio da manhã. Durante todo o pequeno-almoço, Christopher, à
semelhança do dia anterior e sem pronunciar uma palavra nem esboçar um
gesto, não tirou os olhos do púbis de Emmanuelle. Este olhar despertou-a com
tanta suavidade como se de lábios se tratasse. No entanto, mal se sentou, não
ousou entreabrir as pernas para que o vigia pudesse divisar os seus lábios
interiores e, apesar da sua lealdade a Jean e da sua timidez, os quisesse beijar.
Procurou compensação para a virtude do
1 Nome dado pelo Talmude à primeira mulher de Adão (N. do E.)
2 Rainha das Amazonas, filha de Marte; combateu os Gregos no cerco
Tróia e foi morta por Aquiles. (N. do E.)
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amigo e o seu próprio pudor, imaginando cenas mais ardentes do que o habitual,
quando os dois homens saíram.
Ficou mergulhada durante tanto tempo neste embevecimento que desejava que
Bee a encontrasse nessa posição: o corpo arqueado contra as grandes costas
flexíveis da sua cadeira tropical, as mãos decifrando o sonho no teclado negro e
branco do seu sexo, os calcanhares apoiados na protecção de madeira que a
impedia de uma queda nos canteiros de flores, debaixo do nariz do jovem
jardineiro, ocupado a regar os seus jasmins e os seus bouddha-raksa. O que faria
ele de toda esta nudez, espalhada no meio de uma vegetação tão cuidada?
Na ausência de Bee, pensa: «Se ao menos Christopher estivesse no lugar do
jardineiro!» Suspirou: «É pena... Bah! Estará lá um destes dias.» Por hoje,
conservar-se-ia entre mulheres...
Já era tempo, na verdade, que Bee viesse ao seu encontro! Emmanuelle estava
disposta a permitir-lhe que se saciasse, primeiro, com o sabor de Marie-Anne,
mas, o dia inteiro, era de mais!
Esperou, contudo, muito tempo ainda, com todo o ímpeto e paciência do amor.
Depois, tudo o que nela até esse momento a havia impedido de se render
desvaneceu-se, a pouco e pouco, deixando, apenas e finalmente, lugar para a
fraqueza e o sofrimento. Uma amargura desconhecida submergiu-a. Toda a
confiança que lhe dera forças foi substituída por uma amargura tão grande, que o
pensamento mais não era do que um presságio sinistro, um abismo, uma paixão,
uma vertigem. «Bee não voltará mais. Não quer voltar a ver-me!» Que importam as
razões! Só contam o abandono e a solidão de Emmanuelle. Amava-a tanto! Tinha
a impressão de ter vindo até esta região do fim do mundo apenas para a
encontrar. Desde o primeiro instante que a considerava como aquela por quem
esperava desde sempre. Tê-la-ia seguido até onde ela a quisesse levar. Por ela
teria deixado tudo, se fosse essa a sua vontade. Mas Bee nada pedirá. E
Emmanuelle nunca mais voltará a oferecer-lhe o que estava preparada para lhe
dar. Oh! Apagá-la-á da sua lembrança! Esquecerá
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o rosto de vitral e os cabelos de fogo, esquecerá a voz sufocada que lhe dizia:
«Sim. Gosto de si.»
Pela primeira vez, desde que deixara de ser criança, lágrimas verdadeiras,
lágrimas grossas correm pelo rosto de Emmanuelle, molhando os lábios e pondo
um gosto a sal na língua; caem sobre a balaustrada do terraço, que não se decide
a abandonar. Emmanuelle chora como se estendesse os braços - virada,
inutilmente, para a clareira de folhagem onde, dali a instantes, nessa tarde,
talvez amanhã, não importa quando, quando lhe apetecer, Bee aparecerá,
acenando...
À noite, Jean e Christopher levaram-na ao teatro. Emmanuelle não prestou
atenção ao espectáculo. O rosto transmitia a mágoa que a invadia. O marido não
lhe fez perguntas. Christopher, que não compreendia nada do que se passava,
tinha uma cara quase tão consternada como a de Emmanuelle. Quando se
encontrou, na cama, nos braços de Jean, chorou de novo toda a sua dor. Sentiu-
se um pouco aliviada. E foi já com menos tristeza que lhe confessou o seu amor
infeliz.
Jean expressou a opinião de que Emmanuelle levava esta aventura muito para o
trágico. Em primeiro lugar, nada provava que o desaparecimento de Bee, nesse
dia, não tivesse sido devido a um impedimento insuperável e de que ela se
justificaria no dia seguinte. Se, contudo, viesse a acontecer que não desejava
tornar a ver Emmanuelle, pois muito bem!, era porque não merecia o elevado
conceito em que ela a tinha. Era preferível que essa ligação cessasse
imediatamente, pois a Emmanuelle decerto estariam apenas reservados desgostos
e decepções mais graves. De qualquer maneira, Emmanuelle devia pensar em si
própria como alguém que se corteja e não que corre atrás dos outros. Por mais
bonita que pudesse ser essa Bee, que Jean, aliás, nunca vira e de quem nunca
ouvira falar até então, estava seguro de que ela não podia ter sequer uma quarta
parte da graciosidade nem das qualidades da sua mulher. Ele não permitiria,
portanto, que esta se humilhasse diante dela. A única resposta que
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a infiel merecia, se acreditava poder regatear os seus favores a Emmanuelle, era
que esta se desforrasse noutros braços. Emmanuelle não teria dificuldade em
encontrar parceiras mais dignas de si. E devia prová-lo a Bee sem tardar.
Emmanuelle escutou docilmente. «Tem razão», pensava, sem que sentisse a sua
dor na verdade aplacada. Na medida, porém, em que aceitava ouvir outra pessoa
falar-Ihe de consolo e de vingança, distraía-se um pouco da sua angústia. Esta já
lhe parecia menos confusa. Talvez fosse simplesmente efeito do sono. E nunca
chegou a saber se o seu último pensamento, antes de perder a consciência, tinha
sido para a amante fugitiva ou para aquelas, ainda sem rosto, que, um dia, a
substituiriam.
Nenhum dos vestidos que Emmanuelle mandara fazer em França era
suficientemente decotado para o gosto de Jean.
- Mas eu sou a mulher parisiense que mais mostra os seios! - protestou ela,
rindo.
- O que Paris chama mostrar os seios é ainda pouco para Banguecoque -
esclareceu o marido. - É preciso que toda a gente saiba que tens o peito mais belo
do mundo: a maneira mais segura de as convencer é, ainda, fazer com que o
vejam.
O vestido que Emmanuelle envergou para ir à recepção da Embaixada satisfazia
perfeitamente essa pretensão. O decote redondo que se aconchegava ao declive
dos ombros, sublinhando, graças à sua larga curva, a beleza do pescoço de
Emmanuelle, era assimétrico. Cortava o seio esquerdo em diagonal através de
uma linha direita que tapava o bico do peito, mas deixava a descoberto uma parte
da auréola. Do outro lado, uma concavidade, em forma de quarto crescente,
mostrava a plenitude do seio sem mostrar o bico. Mas bastava, evidentemente,
que Emmanuelle se inclinasse um pouco para a frente ou que se sentasse, para
que o peito aparecesse por inteiro.
Por outro lado, o tecido era tão fino e aderia tão perfeitamente à pele que toda a
roupa interior teria transparecido
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como desenhada em relevo; Emmanuelle não trazia, pois, nada sob o vestido,
nem sequer uma das suas cuequinhas, quase invisíveis e minúsculas, que usava
durante o dia. Mesmo em Paris, depois do casamento, era muito raro pôr
calcinhas, quando se vestia para sair à noite: sentir-se nua provocava-lhe um
prazer tão físico como uma carícia. Esta sensação era ainda mais viva quando
dançava, ou quando usava uma saia muito curta e rodada.
Nessa noite, o seu vestido era estreito como uma luva, da cintura às virilhas, mas
abria-se bruscamente para baixo, num género de espiral, cuja amplitude
surpreendia. Emmanuelle deixou-se cair numa poltrona para mostrar como a
saia subia sozinha, revelando as coxas douradas. O espectáculo assim oferecido
era tão graciosamente impudico que, de repente, Jean se debruçou sobre a
mulher, e procurou, sob a axila, o invisível fecho de nylon que, com mão segura,
fez correr até à altura da anca. com a outra esforçou-se por livrar o corpo nu de
Emmanuelle do seu subtil invólucro de seda.
- O que estás a fazer, Jean? - protestou ela. - és doido! Vamos chegar atrasados.
Temos de ir já.
Ele renunciou a despi-la, levantou-a do chão e estendeu-a sobre o tampo verde-
mar da mesa da sala de jantar.
- Não! Oh, não! O meu vestido vai ficar todo amarrotado. Estás a magoar-me. Se o
Christopher desce? E os criados vão ver-nos!
Jean pô-la de costas, de modo a que as nádegas aflorassem a borda da mesa; ela
mesmo puxou a roupa o mais acima possível para descobrir o ventre. As pernas,
meio dobradas, pendiam no ar. Jean, de pé, penetrou-a, com uma só estocada,
até ao fundo. Riram-se ambos, divertidos com esta situação inesperada. A pressa
de Jean provocou em Emmanuelle um prazer novo que lhe surgia na garganta
com aquele ardor que se se sente no termo de uma longa corrida. com as mãos
ela apertava a polpa dos seios, como para fazer jorrar o néctar; a própria carícia
provocou-lhe um delírio tão grande quanto os assaltos do marido. Aos seus
primeiros gritos, acorreu um criado,
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pensando que o tinham chamado. Parou, hesitante, à entrada da porta, as mãos
deferentemente cruzadas sobre o peito. A sua expressão mantinha-se
impenetrável. Os gritos de Emmanuelle deviam ouvir-se a distância superior à
das casas vizinhas.
Quando Jean voltou a colocá-la no chão, o criado aproximou-se para limpar a
mesa que eles tinham manchado. Ea, a pequena criada de quarto de
Emmanuelle, ajudou a patroa a recompor o vestido. Chegaram à Embaixada com
um ligeiro atraso.
A assistência, entretanto, já era numerosa. O embaixador, que chegara ao fim da
sua comissão de serviço, dava esta recepção para se despedir.
- Encantadora! - comentou, antes de beijar a mão de Emmanuelle. - Os meus
cumprimentos, meu caro!
- acrescentou, virando-se para Jean. - Espero que o seu trabalho lhe deixe algum
tempo livre?
Uma senhora de cabelos brancos, que ela se lembrava de já ter visitado, encarava
a recém-chegada com um ar de furibunda reprovação. Ariane de Saynes chegou
no momento exacto para agravar as coisas.
- Mas se não me engano - exclamou ela, estendendo as mãos -, eis a imagem viva
do atentado público ao pudor! Depressa, é preciso mostrá-la a todos os nossos
bons espadachins! - Chamou a atenção de um homem elegante que conversava
com um bispo: - Gilbert, olha! Que tal te parece?
Emmanuelle viu-se obrigada a enfrentar, ao mesmo tempo, a avaliação do
conselheiro e do prelado. Sentiu que se saía melhor da primeira prova do que da
segunda. Esperava mais ou menos que o marido de Ariane fosse uma espécie de
idiota presumido e pomposo. Em vez disso, as primeiras palavras do conde
despertaram-lhe sonoras gargalhadas e achou-o, fisicamente, muito a seu gosto.
Entretanto, viu-se cercada por homens de diferentes idades, que a brindavam
com galanteios e olhares aprovadores. Mas estava distraída: perscrutava, à
distância, os rostos desconhecidos, desejando e temendo, em simultâ-
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neo, descobrir o de Bee. O corpo diplomático em peso devia estar presente e
teriam convidado o irmão sem ela? Talvez sim, apesar de tudo. Emmanuelle não
sabia que atitude tomaria, caso se visse, subitamente, diante da jovem
americana. No íntimo desejava com todas as suas forças que isso não
acontecesse. Cada grupo parecia-lhe esconder uma armadilha. O que tinha ela
vindo fazer ali? Quando poderia escapar-se, ou, ao menos, reencontrar a
protecção do marido?
Este havia sido, contudo, engolido por aquela multidão. Ariane apoderou-se
novamente de Emmanuelle e arrastou-a para um turbilhão de apresentações. A
admiração dos homens envolvia-a. Esta corte colectiva, onde cada pretendente
fazia frente aos outros, este pseudo torneio onde ninguém esperava, de facto, que
ela designasse um vencedor, dava-lhe uma certa segurança. O rosto aparentava
indiferença, mas todos estes olhos que a desnudavam aqueciam-na quase tanto
como os cocktails, que a condessa a obrigava a beber. Esta observava-a em
silêncio, por entre um grupo de aviadores, avançando ligeiramente os ombros e
inclinando o busto. Puxou-a, bruscamente, para o lado.
- Estás magnífica! - exclamou. Os olhos cintilavam-Ihe. Pegou, delicadamente,
entre dois dedos, no bico de um dos seios pontiagudos. - Vem comigo - insistiu.
No salão, lá atrás, não há ninguém.
- Não, não! - opôs-se Emmanuelle.
Antes que Ariane pudesse impedi-la, fugiu e reuniu-se ao grosso dos convidados,
apenas se sentindo em segurança quando um dos homens, já meio caduco, a
conduziu até à balaustrada do terraço, sob o pretexto de lhe mostrar as lâmpadas
chineses tremulando dentro de bexigas de porco. Marie-Anne foi descobri-la
nesse tête-à-rêre.
- Desculpe-me, comendador - disse ela com a arrogância habitual. - Preciso de
falar com a minha amiga.
Agarrou no braço de Emmanuelle, sem se preocupar com os protestos da
veneranda personagem.
- O que
estavas ali a fazer com esse velho gaga? -
121
perguntou, indignada, mal se afastaram uns passos. Procurei-te por todo o lado.
Há uma boa meia hora que o Mário te espera.
Emmanuelle tinha esquecido este encontro. E não sentia a mínima disposição
para o mesmo. Enquanto o velho lhe fazia a corte, pudera, pelo menos com toda a
calma, pensar noutra coisa. Tentou ainda lutar pela sua liberdade.
- É mesmo necessário?...
- Ora, Emmanuelle! - A voz da jovem traduzia cansaço. - Espera até veres, antes
de te fazeres difícil. E escuta, sobretudo, o que este homem tem para te dizer.
A expressão soava tão comicamente recheada de promessas, que devolveu a
Emmanuelle a boa disposição. Antes que tivesse tido tempo de consolidar a
confiança que a sua amiguinha depositava nos encantos do seu herói, este
encontrava-se na sua frente.
Esboçou uma ligeira vénia diante das duas mulheres, brindando cada uma delas
com um olhar penetrante. Em seguida, dirigiu-se a Emmanuelle, como se tivesse
sido esta a pronunciar as últimas palavras de Marie-Anne. Uma inflexão de
dúvida - ou uma pseudomodéstia adoçava a sonoridade um tanto rouca e o
arrebatamento fervoroso da voz.
- Um homem ou uma mulher têm a dizer algo mais do que os outros? Para o
saber, seria necessário que nos conhecêssemos todos. Um desejo utópico, não
acha? Mas o aparecimento do pensamento, que inspirou à nossa espécie tanto
arrojo, dotou-nos igualmente de um poder maravilhoso de comunhão: uma
linguagem que alguns de nós falam em nome de todos, a fim de que todos
possam encontrar-lhe o sentido, que eles próprios quereriam apaixonadamente
expressar; uma linguagem de sons e de formas, de ouvido, vista, tacto, que se
designa com uma palavra muito curta: arte. Esta palavra é tão curta que cada
um deve prolongá-la, segundo os recursos do seu espírito e dos seus desejos. São
estas pequenas adendas que, à força de milhares e milhões de anos, transformam
o nosso mundo de acaso num mundo criado.
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Esta abordagem de questões fora do comum desconcerta por momentos
Emmanuelle, mas não ao ponto de lhe inculcar de imediato uma disposição séria.
A sua atitude continua a reflectir a alegria despreocupada que lhe trouxe a
presença de Marie-Anne. O recém-chegado observa os olhos brilhantes, os lábios
esboçando um traçado feliz.
- Que bonito sorriso! - aprecia. - Como eu gostaria que ele pudesse ter servido de
modelo aos pintores do meu país. Não acha que esses sorrisos velados, esses
subentendidos criados pelos mestres florentinos são, no fundo, esgares? Reprovo
tudo o que contêm. Há menos arte numa estátua que nos regateia os seus favores
do que num rosto que se abre.
Emmanuelle tenta pisar um terreno firme.
- Marie-Anne acha que me devem pintar o retrato. Reflecte no facto de a jovem
nem se ter dado sequer ao trabalho de os apresentar. - É você o artista que ela
julgou digno dessa tarefa?
Mário sorri. Emmanuelle reconhece que o sorriso tem uma invulgar graciosidade.
- Não possuísse sequer um centésimo do talento que me permito contestar aos
outros, madame, oferecer-me-ia: o talento do modelo faria o resto. Infelizmente
nem mesmo detenho esse pouco. Sou apenas rico com a arte dos outros.
- Ele é um coleccionador, como verás! - interferiu Marie-Anne. - Em sua casa não
tem somente esculturas daqui, mas coisas antigas que trouxe do México, de
África, da Grécia. Quadros...
- Os quais não têm outro valor que não seja servirem-me de lembranças imóveis
da arte verdadeira, cujo traço e o movimento desafiam as figuras mortas. Marie-
Anne, mia - acrescenta -, não acredito nessas cascas caídas da árvore da
sabedoria. Guardo-as apenas como recordação daqueles que sofreram e se
destruíram para as arrancar do tronco ou da ramagem, até ao limite vertiginoso
dos seus mais frágeis galhos, até aos seus loucos rebentos, daqueles que se
esvaziaram de fôlego e de razão, da
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sua honra e do seu sangue: às vezes o pintor, mas na maior parte das vezes, o
que ele pintava. A arte é feita do desperdício do ser. O que conta não é o Retrato
Oval, é a mulher do pintor.
- Uma vez morta? - pergunta Emmanuelle.
- Não, enquanto morre.
- Mas o quadro tornou-se vivo?
- Fantasia! Uma curiosidade de pacotilha, não mais do que uma máquina ou um
jogo de magia. A arte apenas existiu no que se perdeu; na mulher que se desfazia.
A arte era a queda do seu corpo. Não espere encontrar beleza no que se guarda
nem no que subsiste. Todo o objecto concebido nasce morto.
- Ensinaram-me o contrário - replica Emmanuelle.
- Que «apenas a arte sólida possui a eternidade»...
- E quem se preocupa com a eternidade, pergunto-lhe eu? - interrompe-a
violentamente Mário. - A eternidade nada tem de artístico, é feia: o seu rosto é o
dos monumentos aos mortos. O busto é o cadáver da cidade.
Limpa com um lenço de seda as gotas de suor que lhe escorrem das fontes e
retorna a palavra, num tom mais suave:
- Você conhece o grito de Goethe: «Pára, instante: tu és tão belo!» Mas logo que o
instante se imobiliza, perdeu a sua beleza! Por mais que se tente eternizar a
beleza, a beleza morre. O que é belo não é o que é nu, mas o que se desnuda. Não
o som do riso, mas a garganta que ri. Não o traço sobre o papel, mas o momento
em que o coração do artista se dilacerou.
- Estava a dizer, há pouco, que o artista era menos importante do que o modelo.
- Aquele que eu chamo o artista não é forçosamente o escultor ou o pintor. Este
pode sê-lo algumas vezes; quando se apodera do seu motivo e o desfaz. Mas o que
é mais frequente é o modelo cumprir esse destino por si só e o pintor não passa
de mais uma testemunha.
- E onde está a obra-prima? - interroga Emmanuelle com súbita ansiedade.
- A obra-prima é o que se passa. Mas não! Faço-me
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compreender mal. A obra-prima é o que passou. Prende nas suas uma das mãos
de Emmanuelle. - Permita-me que responda à sua citação de há pouco com uma
outra. Pertence a Miguel de Unamuno: «A maior das obras de arte não vale a
menor das vidas humanas.» A única arte que não é fútil é a história da sua carne.
- Quer dizer que o importante é a forma como se vence? Que é preciso ascender à
qualidade de obra de arte para sobreviver?
- Não - replica Mário -, não acredito em nada disso. O que quer que se tente fazer
de si, perde-se tempo, caso se pretenda construir no concreto e não em frágil
matéria de sonho. - Deixa cair a mão de Emmanuelle.
- Se tivesse o mínimo direito de lhe dar um conselho pronuncia num tom de
delicadeza um tanto forçada -, não seria a sobreviver, mas a viver que eu a
aconselharia.
Mário afastou-se. Parecia dar a conversa por terminada. Emmanuelle teve a
impressão de que a sua presença não era requerida por mais tempo. Era bastante
desagradável. Dirigiu-se a Marie-Anne, numa tentativa de mudar de disposição:
- Não viste o Jean, por acaso? Desapareceu logo que chegámos.
Outras mulheres monopolizaram o italiano. Emmanuelle aproveitou para se
eclipsar. Mas Marie-Anne veio rapidamente ao seu encontro.
- Então, sequestraste a Bee? - indagou ela sem dar a sensação de atribuir
demasiada importância ao assunto.
- Sempre que tento telefonar-lhe, respondem-me que está em tua casa. - Deixou
escapar um sorriso gentil: E como não quero perturbar as vossas distracções...
Emmanuelle caiu das nuvens. Marie-Anne troçava dela? Não, a jovem tinha o ar
de quem acreditava no que dizia. Que ironia! Não deveria, futuramente, confiar
nos seus fantasmas para saber a realidade? Emmanuelle estava prestes a
explodir. Uma vez mais o respeito humano impediu-a. Poderia confessar a Marie-
Anne que ela própria fora abandonada pela sua amante de um dia? Mais valia
acalentar as ilusões que a jovem das tranças mantinha
125
sobre o poder da sua amiga mais velha. Infelizmente, Emmanuelle, ao calar-se,
privava-se de um meio de reencontrar Bee. Decidiu que, em vez disso,
interrogaria Ariane. Mas não via em parte alguma os seus cabelos curtos, nem
ouvia as suas gargalhadas. Teria encontrado uma outra vítima a quem dar a
conhecer o pequeno salão? Marie-Anne falava de novo da inacessível americana.
- Queria, pelo menos, dizer-lhe adeus. Pior para ela: apresenta-lhe as despedidas
da minha parte.
- O quê? Ela vai-se embora?
- Não. Vou eu.
- Tu? Não me disseste nada. Para onde vais?
- Oh, tranquiliza-te! Não para muito longe. Vou passar um mês junto ao mar. A
minha mãe alugou um bangaló em Pattaya. Não te esqueças de nos fazer uma
visita. É simples, apesar das estradas atravancadas: cento e cinquenta
quilómetros. Tens de conhecer as praias: uma maravilha.
- Eu sei: um desses lugares abençoados, onde os esquilos vêm comer à mão. Não
te verei mais.
- Onde vais tu inventar esses disparates?
- Aborrecer-te-ás sozinha.
Emmanuelle verificou, surpreendida, que sentia um aperto no coração. Marie-
Anne, por muito insuportável que fosse, ia fazer-lhe falta. Não queria, contudo,
que ela se apercebesse da sua tristeza. E forçou-se a rir.
- Nunca me aborreço em parte alguma - redarguiu a amiga. - Tomarei banhos de
sol durante horas e farei esqui aquático. Levo, aliás, uma mala cheia de livros;
preciso trabalhar para o recomeço do ano lectivo.
-É verdade - gracejou Emmanuelle. - Já me esquecia que terás de voltar ao liceu.
- Nem todos se podem dar ao luxo de ter a tua ciência infusa.
- Tens algumas amigas em Pattaya?
- Não, obrigada. Tenho muita vontade de estar tranquila.
- És muito amável! Esperemos que a tua mãe te man-
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tenha debaixo de olho e não te deixe andar demasiado com os filhos dos
pescadores.
Os olhos verdes limitaram-se a reflectir um sorriso enigmático.
- E tu, o que é que vais fazer sem mim? - perguntou a jovem. - Recairás nas
parvoíces do costume.
- Claro que não. Sabes bem que vou entregar-me ao Mário - brincou Emmanuelle.
Marie-Anne pareceu perder de imediato todo o desejo de gracejar.
- Quanto a isso, não podes retroceder - advertiu. Não te esqueças de que
prometeste! Já não és livre!
- Nisso, enganas-te. Farei o que quiser.
- De acordo, desde que cuides de Mário. Não tens intenção de te afastar agora,
espero?
Marie-Anne tinha um ar tão desanimado, que Emmanuelle quase se
envergonhava de si própria. Não queria, porém, render-se.
- Ele não é assim tão irresistível como o definiste. Acho-o um tanto pedante. Atira
frases para o ar e fica a ouvi-las; não precisa de auditório suplementar.
- Em vez de te fazeres rogada, devias considerar-te satisfeita que um homem
como ele se interesse por ti. Posso garantir-te que é bem difícil!
- Ah, é? E interessa-se por mim? Mas que honra!
- Exacto. E fiquei muito contente por ver que lhe causaste uma boa impressão.
Posso confessar-te que antes não estava assim tão segura.
- Mais uma vez, obrigada. E o que achas, podes dizer-me, do efeito que lhe
causei? Fiquei com a impressão que ele só se preocupa consigo.
- Imagino que admites que o conheço melhor do que tu, não?
- Naturalmente! Presumo, aliás, que há muito tempo que lhe tens concedido os
teus favores? Poderás, assim, confiar-me as notas que tiveste nos exercícios
práticos, já que isso me ajudará a não parecer tão embaraçada na hora do
sacrifício.
- Farias melhor se te mostrasses um pouco menos
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idiota, se não queres que te ignore. Mário tem horror à estupidez. - Bruscamente
conciliadora, Marie-Anne acrescentou: - Mas eu sei que, na realidade, é apenas
um comportamento que gostas de assumir. Caso contrário, não te teria
apresentado a ele. - Depois, afectuosa e apressada: - Tenho a certeza de que
vocês se entenderão muito bem. Vais ser feliz. E estarás ainda mais bonita,
quando te voltar a ver. Quero que sejas sempre mais bonita.
O olhar de verde-jade adquirira uma tal doçura, que Emmanuelle se sentiu
perturbada.
- E uma pena que te vás embora, Marie-Anne murmurou.
- Voltaremos a encontrar-nos muito em breve. Não te esquecerei! Fica tranquila!
Trocaram um sorriso de amizade, quase de intimidade. Depois, Marie-Anne
voltou à carga, como que em busca de um terreno menos propício ao
enternecimento.
- Promete-me uma vez mais que te comportarás como te disse com o Mário, está
bem?
- Oh, claro! Se isso te dá tanto prazer.
Pela primeira vez desde que se conheciam, Marie-Anne aproximou o rosto do de
Emmanuelle e deu um beijo rápido na face da amiga. Esta esboçou um gesto
para reter contra si a cabeça apetecível, mas ela já se afastara.
- Até breve, mocho-gata! Telefono-te amanhã, antes de partir. E irás visitar-me à
praia.
- Sim - acedeu Emmanuelle num fio de voz. Voarei ao teu encontro.
- Agora, vamos ter com os outros.
Tinham-se mantido afastadas do centro da multidão. Voltaram a juntar-se-lhe.
Emmanuelle passou de grupo em grupo, sem se deixar prender. Procurava
Ariane. Foi esta que a descobriu primeiro.
- Eis de volta a imaculada Virgínia1! - exclamou.
1 Jovem plebeia romana morta pelo próprio pai, para a não deixar vender como
escrava pelo decênviro Ápio Cláudio. (N. do E.)
128
- Pensava que estivesse entregue a macerações, num qualquer retiro de
penitência.
- Bem pelo contrário - ripostou Emmanuelle no mesmo tom. - Um príncipe das
trevas esteve a aconselhar-me a fazer carreira na arte do strip-tease.
- Quem é o conhecedor?
- Apenas me disseram o primeiro nome: Mário.
- II marchese Serghini? - inquiriu Ariane, marcando o tom trocista. - As
galanterias dele em nada a comprometem. A sua virtude correria mais perigo se
fosse um bonito rapaz...
- Quer dizer que ele é...
- Teria escrúpulos em dizer mal, se o próprio fizesse segredo. Ele ainda não lhe
expôs as suas teorias favoritas? Vejo que ainda não a honra com a sua confiança:
para mim tem menos segredos. É, aliás, um homem requintado e adoro-o.
- Talvez me oculte alguns dos seus gostos porque eu lhe inspiro outros -
argumentou Emmanuelle, despeitada.
Não gostou que Marie-Anne lhe tivesse omitido essa preferência do seu herói.
Seria de acreditar que o ignorasse - ela que sabia tudo?
- «Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate!» - declarou Ariane. - O nosso esteta é um
homem de princípios: jamais se deixará desviar das suas virtudes e dos seus
caminhos.
- Oh, não me diga! E eu que tenho causado a depravação de outros! - vangloriou-
se Emmanuelle.
Estava furiosa, mas a sua agressividade encantava Ariane, que se divertiu a
atiçá-la:
- Quanto a este, receio bem que se mostre incorruptível.
- É o que veremos.
- Bravo! Aquela que converter Mário merecerá um príapo em ouro. - Baixou a voz.
- Mas se estivesse no teu lugar, não perderia o meu tempo ao serviço de causas
perdidas; há tantos meios mais cómodos de uma pessoa se divertir. Repito-te que
conheço cem homens todos tão
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sedutores como esse e que não pedem mais do que ir para a cama. Queres que te
apresente alguns?
- Não - respondeu Emmanuelle. - Gosto das vitórias difíceis.
- Então, boa sorte! - concluiu Ariane, jocosamente. Depois fitou Emmanuelle com
o mesmo olhar com que a brindara no clube. - Tens tido prazer nestes últimos
dias? - perguntou, num murmúrio.
- Sim - respondeu Emmanuelle.
Ariane perscrutou-a por um momento, sem pronunciar palavra.
- com quem?
- Não digo.
- Mas fizeste amor com alguém, não é verdade?
- Sim.
Ariane sorriu-lhe com amizade.
- Esta noite tenho um presente para ti.
- O que é? - interessou-se Emmanuelle curiosa, embora sem o querer
demonstrar.
- Não digo.
Emmanuelle amuou e Ariane enterneceu-se:
- Três parisienses, que estão aqui só por um dia. Deixo-tos para ti, para começar.
O número certo.
- E tu?
- Oh! Reservar-me-ás uma pequena sobremesa. Emmanuelle riu, conquistada
pelo gracejo. Ariane interrogou-a:
- Estás nua debaixo do vestido?
- Sim.
- Mostra.
Desta vez, Emmanuelle estava demasiado perturbada para conseguir resistir.
Tinham-se afastado, a pouco e pouco, do resto dos convidados. Pegou na ponta
da saia e levantou-a.
- Que beleza! - extasiou-se Ariane, os olhos fixos no ventre negro e ocre.
Emmanuelle sentiu o sexo em oferta, como se estes olhos a tocassem, como se
fossem dedos ou uma língua. Colocou o corpo de forma a que o olhar de Ariane
pudesse lambê-la.
130
- Mostra-me mais! - ordenou Ariane. Emmanuelle esforçou-se por obedecer, mas
o vestido bloqueou a intenção.
- Despe-o - disse Ariane.
Emmanuelle abanou a cabeça afirmativamente. Ansiava por se pôr nua. Os bicos
dos seios exigiam oferecer-se, tal como o seu sexo. Fez descair as alças, puxou o
fecho do vestido debaixo da axila.
- Oh! - exclamou Ariane. - Eis os importunos! O encanto desvaneceu-se:
Emmanuelle encontrou-se a
sair de um sonho. Voltou a fechar o vestido. Ariane pegou-lhe por um braço e
levou-a para mais longe. Um criado surgiu com uma bandeja: ambas beberam
uma taça de champanhe de um só trago.
Ariane voltou a chamar o criado e trocaram as taças vazias por outras cheias.
Não sabiam muito bem o que dizer, enquanto olhavam diante delas e fixavam,
sem as ver claramente, todas essas pessoas que tagarelavam em tom gritante e se
desfaziam em mesuras. Parecia-lhes que a temperatura tinha subido. Talvez se
aproximasse uma tempestade.
- Não achas que vamos ter uma tempestade?
- Sem dúvida.
- Que calor! Cada vez tenho mais sede!
«Este vestido é muito quente», pensou Emmanuelle. Alguém fez um sinal a Ariane
e Emmanuelle recordou-se subitamente do que lhe queria perguntar.
- Escuta - disse, retendo-a por uma dobra da saia.
- Conheces uma americana ruiva, de um ruivo-escuro, quase cobre? É irmã de
um adido naval. Ela...
- Bee? - interrompeu Ariane.
Emmanuelle sentiu um baque no coração. Teria achado mais normal que
ninguém conhecesse a estrangeira e, embora pretendesse exactamente
informações sobre ela, ficou, devido a uma contradição que revelava a desordem
dos seus pensamentos nesse momento, contrariada por ouvir o seu nome dos
lábios da condessa.
- Sim - admitiu. - Ela está aqui, esta noite?
- Deveria estar, mas não aqui.
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- Porque não teria vindo, se foi convidada?
- Ignoro.
Ariane pareceu subitamente evasiva e como que desejosa de mudar de assunto,
uma atitude que nela era pouco habitual. Emmanuelle insistiu:
- Que género de mulher é ela, na tua opinião?
- Como é que a conheceste?
- Encontrei-a num chá, em casa de Marie-Anne.
- Ah, sim? Não é para admirar: é uma das suas amigas.
- E tu vê-la muitas vezes?
- Bastantes.
- Que faz ela em Banguecoque?
- O mesmo que tu e eu: desperta desejos!
- Porque é que o irmão a mantém assim, sem nada que a ocupe?
- Não me parece que a mantenha. Ela tem muito dinheiro. Não precisa de
ninguém.
A frase ressoou lugubremente no coração de Emmanuelle. Não precisava de
ninguém? Disso, ela não duvidava.
Ignorava o que mais perguntar. Não encontrou explicação para o facto de não se
atrever a perguntar a morada de Bee, como se uma tal pergunta fosse
inconveniente.
- Então? - inquiriu Ariane.
Emmanuelle sabia no que ela estava a pensar, mas fez-se desentendida. A sua
interlocutora precisou:
- Vens comigo esta noite?
- Não posso por causa do meu marido.
- Ele confiar-te-á à minha guarda.
Mas a tentação passara e Ariane tomou consciência dessa realidade.
- bom. Ficarei com as três partes do bolo! - retorquiu.
Mas o seu bom humor soava a falso: também ela parecia ter perdido o desejo
libidinoso. Emmanuelle tinha quase a certeza de que, acabada a recepção, Ariane
iria dormir.
- Ali está o teu Mário! - exclamou Ariane. - Vejo
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que tem o ar de quem procura alguém: a ti, certamente! Não o deixes fugir!
Empurrou Emmanuelle pelo braço.
O italiano, contudo, dirigiu-se a um siamês de idade, vestido com um
chongkrabên vermelho e que lhe manifestou grande cordialidade.
- Se o teu marquês começa a dissertar sobre os falsos Chieng Sen e os
verdadeiros Sukhothai com o príncipe Dhana, têm conversa no mínimo para uma
hora - declarou Ariane num tom enfadado. - Procuremos noutro sítio... Vou
buscar-te uma bebida.
Soltou o braço da amiga e deixou-a sozinha. Emmanuelle pensou uma vez mais
que o melhor seria ir-se embora. Onde estaria Jean? Tentou descobri-lo, mas foi
distraída da sua busca ao avistar uma jovem que logo achou dotada de uma
beleza e descaro extremamente provocantes. «Ainda está mais despida do que eu!»
(Mas esta comparação não lhe provocou qualquer sentimento de inveja: bem pelo
contrário.) Pensou também: «Ela acaba de chegar, senão já a teria notado antes.»
Consideraria imperdoável da sua parte ter deixado escapar um assunto tão
interessante: este era capaz, por si só, de eliminar o tédio daquele party.
Á desconhecida era tão loura como Marie-Anne, mas tinha os caracóis compridos
e obedecendo a uma simetria precisa; formavam uma única moldura de cristal
dourado à volta do rosto, ombros, costas e busto. E este toucado era
praticamente a única opacidade que a aparição lhe oferecia, na medida em que a
teia de aranha que lhe servia de vestido nada lhe escondia das partes do seu
corpo que a sua cabeleira de guerreira ou de santa não protegia.
Emmanuelle aproximou-se para desfrutar melhor este quadro surpreendente
numa recepção oficial. Não tardou a aperceber-se do motivo por que a assistência
não se perturbava com esta nudez: tratava-se de uma nudez fictícia. Sob a túnica
impalpável, a jovem usava uns collants cor de carne: um maillot de uma só peça,
indubitavelmente muito fino, mas que não deixava o mínimo pedacinho de pele a
descoberto. Nem os bicos dos seios, o
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umbigo, ou os pêlos do púbis eram visíveis, com excepção do seu relevo marcado
sob este disfarce.
Emmanuelle sentiu que a sua excitação se desvanecia. Detestava os artifícios, a
maquilhagem; bocejava nos espectáculos de bailado. Sentia-se irritada com a
pseudonudez e os orgasmos de cisne das bailarinas. «Que se enfeitem de belas
plumas, ou então que se apresentem verdadeiramente nuas!», criticava. Voltou as
costas, decepcionada, da batoteira. Ou melhor, sem disso tomar consciência,
seguiu o olhar que ela, indiferente à admiração dos que a rodeavam e sem lhes
prestar atenção, dirigia para o centro de um outro grupo. Ali, no meio de homens
e mulheres, aos quais, por seu lado, não prestava qualquer atenção, uma alta e
esbelta morena correspondia na íntegra aos seus olhares.
Emmanuelle comoveu-se ao detectar entre estas duas mulheres uma troca de
desejos e uma conivência sensual, que lhe eram familiares. Logo perdoou à
rapariga loura o embuste da roupa: esta sereia vestia mal, mas sabia escolher as
parceiras amorosas! Os olhos violeta e os lábios de nácar da morena agradavam
tanto a Emmanuelle que esteve prestes a ir-lho dizer. Apenas se reteve no último
instante, com medo que Marie-Anne surgisse da sua toca para a censurar ou que
Ariane viesse espicaçá-la com um dos seus gracejos trocistas.
Este ímpeto de respeito humano fez com que perdesse o ensejo de declarar, a
tempo, a sua admiração à beldade morena; esta libertara-se, subitamente, do
grupo dos seus admiradores. Nesse momento ela deslizou (era este o termo com
que Emmanuelle designava mentalmente o seu avanço fluido e rápido) na
direcção da beldade loura, agarrou-a pela mão, arrastou-a para fora do seu
próprio círculo e levou-a para o exterior, com uma determinação que transformou
numa nuvem luminosa desenhada no ar, a cabeleira loura na qual Emmanuelle,
astrónoma fascinada, julgou ver cintilar estrelas.
E tudo isto sem que uma única palavra tivesse sido trocada.
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Um mutismo tão eficaz, aliado à expressão de alegria fogosa que iluminava o
rosto das duas protagonistas, cativou Emmanuelle com muito mais força do que
o teria conseguido o mais ousado dos diálogos eróticos. A harmonia, que unia
estas duas mulheres, dataria de uma longa data, ou aquela mútua sedução
reportava-se ao próprio instante? A espectadora preferia, naturalmente, optar
pela hipótese de um irresistível impulso amoroso; mas, após uma pausa de
reflexão, disse de si para si que o espaço de tempo, mais ou menos longo, gasto
pelas apaixonadas para chegar a um tal entendimento, pouco interessava. De
qualquer modo, a forma perfeita de comunicação, que acabava de testemunhar,
provinha daquela arte definida por Mário: uma arte mais expressiva do que
qualquer palavra articulada. A linguagem de sinais praticada pela mão da
morena dissera o bastante, dissera tudo o que era necessário quando pegar na
mão da loura - a única parte do seu corpo, salvo o rosto, que não se encontrava
cunhada de falsidade mediante um exasperante preservativo de látex. As palavras
de amor são pobres, comparativamente ao génio de uma mão.
Emmanuelle recusou-se a perder de vista estas duas activistas da beleza. Não se
atreveu, no entanto, a acompanhá-las, quando as viu descer, dois a dois, os
degraus da enorme escadaria que levava aos jardins. Dado não pretender ser
apanhada em flagrante delito, encostou-se, com uma expressão entediada, à
balaustrada do terraço. Debruçou-se, porém, sobre o corrimão em mármore, a
fim de colher uma última imagem da graciosidade das fugitivas.
Não foi obrigada a procurá-las longe. Encontravam-se banhadas pela luz, mesmo
por baixo de Emmanuelle. Tudo indicava que o arrebatamento havia sido detido
por um encontro inesperado. Ambas examinavam, agora, com uma enorme
curiosidade, um homem novo que lhes barrava o caminho. Emmanuelle ouviu
uma delas (ignorava qual) perguntar: «Quem é você?» Não ouviu a resposta. As
duas jovens prolongaram o seu comportamento intrigante. A loura estendeu um
braço na direcção da testa do jovem e afastou-lhe uma madeixa com colorações
outonais.
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«Ele parece-se com o semideus que me encantou no avião» pensou Emmanuelle.
Admitiu que, à distância onde estava, imaginava mais do que via as feições do
indivíduo. Esta imagem continuou, porém, a emocioná-la, enquanto se esforçava
por não deixar escapar um só detalhe dos factos que se desenrolavam, com toda
a realidade, sob os seus olhos.
Observou, todavia, que contrariamente ao herói das altitudes, este não tomava a
iniciativa. Contentava-se em fitar as jovens que tinha na frente. Durante um
longo momento, elas também nada mais fizeram, além de o perscrutarem
pensativamente, ocupadas a pesar as suas qualidades e defeitos. Ninguém emitia
um som. Emmanuelle pensou que, após terem dado as mãos, cada uma destas
duas mulheres sabia sempre o que a outra pensava e sentia. Nem um som, tão-
pouco um pestanejar, era necessário para traduzir a telepatia mineral dos seus
circuitos.
Mas será normal um computador beijar o objecto do seu estudo? A loura
aproximou o seu rosto do rosto do homem, pousou os lábios nos dele e manteve-
os ali a seu bel-prazer. E quase em simultâneo com esse gesto, abriu a mantilha
formada pelos seus cabelos, pegou nas mãos que o jovem conservava ociosas e
guiou-as até aos seus seios.
Emmanuelle notou que eles se haviam tornado mais proeminentes. Distinguia,
agora, o contraste rosado dos bicos, quase as suas pregas. Seria que o maillot
aderia mais ao corpo, quando os bicos não estavam excitados e apenas os
moldava mais sugestivamente, ou teriam os mesmos furado o tecido? «A não ser
que o maillot seja feito de uma substância dissolvente, um material sensível que o
desejo funda no momento preciso. Ainda bem, porque me sentia inquieta!» Ter-
lhe-ia desagradado que a jovem se visse forçada a gestos desajeitados para se
libertar da roupa e, pior ainda, que o maillot impedisse o acesso a um tão belo
corpo.
Sentiu-se, repentinamente, tão desejosa de assistir à penetração deste corpo pelo
jovem, que qualquer preli-
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minar lhe parecia nocivo. «Não esperes!», impacientou-se num fio de voz. «Entra
depressa nela, como eu o faria, se fosse um homem!»
Tomou igualmente a resolução de fazer, um dia, amor como homem a uma
mulher: mais precisamente a esta.. Não examinou em pormenor a hipótese e os
meios de concretizar esta inovação física. A bonita loura inspirava-Ihe essa
tentação, eis tudo! Tal bastava para a intensidade do momento.
Quase tinha esquecido a morena.
Não ficou, porém, contrariada quando esta se pôs a desfazer o nó da gravata do
rapaz, desabotoou um a um os botões do casaco e depois os da camisa, expondo-
lhe o peito, que começou a explorar. Decorrido algum tempo, a loura despregou
os lábios daqueles que beijava e pousou-os nos lábios da morena. O avanço das
nucas, a inclinação dos pescoços, o menear das ancas possibilitaram a
Emmanuelle deduzir o percurso das línguas, as suas cavalgadas e encontros, à
vez, na boca de uma e depois na da outra, num anteceder da descoberta de
outros orifícios e outras reciprocidades. Emmanuelle deixara, agora, de prestar
atenção ao homem..
A amante loura recordou-se dele. Furtou-se aos beijos da morena e, apoiando
uma das mãos nos cabelos da amante, obrigou-a a virar a cabeça e a aproximar
os lábios na direcção dos do rapaz. Forçou este, em seguida, a abandonar-lhe os
seus seios e guiou-lhe os dedos, apertando-os nos dela, ao nível do sexo da
morena, empurrando-os para que eles cavassem com as unhas e rebuscassem as
gretas que o tecido da saia tapava.
Quando concluiu que estes dedos se entregavam convenientemente à sua tarefa e
quando os mesmos deixaram de se ver por entre o linho amarfanhado
(Emmanuelle sentiu um novo tipo de excitação ao imaginar que género de tecido
fora arrancado por estes dedos; perversa, envolveu-os suavemente, humedeceu-se
com eles, à medida que ela e eles iam avançando entre as mucosas da morena), a
loura ajoelhou-se, desapertou calmamente o cinto e abriu a braguilha das calças
do homem. com uma

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elegância muito mais romanesca (convenceu-se Emmanuelle, tendenciosa) do que
denotaria uma bailarina no mais terno dos adágios, introduziu-se na brecha que
fizera e apenas retirou as mãos quando libertou uma verga tão rija e latejante
como aquela, recordou Emmanuelle, que a havia trespassado, de pé, no
Unicórnio Voador.
A fim de apreciar, de ângulo mais favorável, a obra das suas mãos, a jovem
recuou o busto, ao mesmo tempo que, com um gesto da nuca, atirava para trás a
farta cabeleira, cujo brilho nesse momento se assemelhava ao do luar.
Emmanuelle teve a ilusão de que estas duas fontes de luz se haviam aliado para
moldar, cada uma segundo o seu humor e o poder da sua carícia, a plástica deste
falo erguido para o céu. O fulgor de um branco-pálido, ora atenuava, ora
acentuava a sua brutalidade, tal como, numa aguarela de Leonor Fini, a
flexibilidade esbranquiçada de alguns nus revela a impaciência dos corpos
masculinos ou femininos quanto a fazerem brotar os sucos do amor.
A loura não tinha abandonado a pressão na verga. Colocava à prova a resistência
e o seu controlo, imprimindo-lhe, com um misto de suavidade e de força,
movimentos tão amplos e de uma regularidade tão imperiosa, que já deveria ter
recebido nos cabelos os longos jactos de esperma que - com os olhos pensativos
fixos neste prodígio iminente - parecia esperar.
Iria cansar-se, por fim, deste estímulo sem resultados ou pretendia, pelo
contrário, recompensar o herói por uma tal resistência? Inclinou repentinamente
a cabeça para diante, tapando, com a sua cabeleira tornada aureolada de
miragem, o sexo que fizera surgir da escuridão. Emmanuelle deixou de ver o que
acontecia por baixo deste véu de um brilho inultrapassável.
Talvez para eliminar a feição incómoda deste segredo, a morena, sem interromper
a carícia que os seus lábios ensinavam aos do kouros, libertou-o, por completo,
da roupa que entreabrira para lhe desnudar o peito e atirou-a para o chão. com
mãos misteriosas sob o manto dos seus cabelos, a loura deveria, por seu lado, e
entre outros
138
actos, ter libertado o jovem do resto do vestuário, pois, quando de um novo
sobressalto, tão violento como os anteriores, ela voltou a afastar-se, ele surgiu
como a estátua de pedra viva junto às águas antigas que Emmanuelle pretendia
que ele fosse. Como era belo o seu sexo erecto e reluzente de beijos; esculpido de
sombras e brilhos selvagens, como o eram as águas do ribeiro próximo, ora
fendidas pelos remos, ora erguidas pelas nassas dos barqueiros.
A loura encontrava-se, de novo, em pé. com um gesto extraordinariamente seguro
e breve, levantou o vestido semelhante a uma teia de aranha e atirou-o para o
ruído das águas. A rede planou, antes de cair sobre uma presa desconhecida.
Aplausos de aprovação vindos de pescadores invisíveis saudaram a actuação.
Nenhum dos três personagens admirados por Emmanuelle parecia escutar estas
vozes. A morena envolveu, com os braços, as cinturas dos seus parceiros e
atraiu-os a si, dissimulando em parte a sua nudez enluarada com a longa túnica
plissada. Os três rostos diluíram-se igualmente na farta cabeleira da loura. O
homem e as suas conquistadoras mantiveram-se, assim, durante um tempo
incalculável. Só de tanto perscrutar, Emmanuelle conseguia aperceber-se do
meneio orgíaco dos seus rins, ao ritmo da pressão dos ventres das mulheres
sobre o falo que partilhavam.
A única falha, que Emmanuelle achava neste quadro, residia no facto de a
morena não estar nua. Porque se obstinava em ocultar as formas sob este quíton
de Amazona, deslocado num local tão distante de Tróia?
Emmanuelle sentiu-se trespassada por um pensamento tão afiado como uma
espada grega, tão súbito e violento que quase lhe provocou um grito. E se esta
beleza desconhecida fosse Bee?
A silhueta esguia, o busto sem relevo, o porte de raça e sereno eram os mesmos.
Tal não acontecia, de facto, com a cor dos olhos nem com o penteado. Mas talvez
estas íris violetas fossem lentes de contacto. E o penteado ao alto da cabeleira,
segundo um estilo marcadamente africano, poderia ser o de uma peruca.
139
Emmanuelle tentou chamar-se à razão: «Não posso estar sempre a vê-la por todo
o lado. Já me escaldei...»
Passou a crivo o absurdo da sua alucinação: «Bee jamais se disfarçaria para
assistir a um convite do embaixador. Não teria seduzido esta loura, como acabo
de a ver fazê-lo. Não se meteria com um homem de passagem. E o amor a três
não se enquadra nos gostos que lhe conheço.»
Conheceria, de facto, os gostos de Bee? Viu-se forçada a admitir que nada sabia,
absolutamente nada, a respeito dela. Como podia, então, imaginar que a
reconhecia? Ou, também negar estupidamente que qualquer mulher pudesse
representá-la?
Este exercício de lógica e de obsessão, no qual Emmanuelle se via envolvida como
num círculo vicioso, fatigou-a mais do que a sua espreita prolongada. Optou por
renunciar e preparava-se para dar meia volta, quando o grupo voltou a animar-
se. Mais uma vez a acção partiu das mulheres. Afastaram-se bruscamente uma
da outra e do herói nu, deixando-o sozinho, à distância, pelo espaço de um
segundo. Ambas o fitavam, surpreendidas, como se tivessem acabado de o
descobrir. Um príapo feito estátua neste jardim perdido nos confins do mundo,
em espera de idólatras ou de iconoclastas. Pareciam tomadas de uma jovial
indecisão: o que fazer da sua virilidade?
Decidiram-se pela mesma escolha. Agarraram juntas o molde antigo; levaram-no,
prisioneiro, até um maciço de flores vermelhas de elevados caules e iluminado
por projectores; abriram passagem entre as hastes cerradas, desaparecendo entre
os ramos luxuriantes. A morena avançava em primeiro lugar, agarrando no
homem pelo sexo. A loura fechava o cortejo, acariciando-lhe as costas.
Desapareceram, engolidos pela folhagem.
Esquecendo as resoluções tomadas, Emmanuelle conservou-se, durante muito
tempo, como que imobilizada junto à balaustrada. Descobriu uma nova
linguagem de sinais, cuja possibilidade não pressentira até então. A indiscrição
deste idioma vegetal era ainda mais lasciva do que a das mãos que falam.
Emmanuelle aprendeu, assim,
140
a ler na sugestiva ondulação do agrupamento de flores os sopros de prazer que
lhe chegavam, vindos debaixo. As sucções de ar e os sorvos, que provocavam um
diálogo das coroas nas suas elevadas hastes e que esvaziavam os estames do seu
pólen, anunciavam, com um silencioso impudor, a audácia carnívora dos
amantes escondidos.
Ò bosque inteiro tinha-se transformado numa grande flor geométrica, medindo a
capacidade sexual dos corpos humanos que Émmanuelle via mentalmente
inclinar-se, fender-se, dividir-se em partes iguais e reconstituir-se, vezes sem
conto num jogo sem limites de imaginária fantasia.
...Chegava!... Iria embora. Para deixar a tríade livre
- livre igualmente de não a iniciar nos seus amores isósceles - apagaria da
memória a marca destes mistérios. Não se recordaria dos corpos, nem dos
cabelos, nem do rouge, nem do pó-de-arroz. Os seus lábios deixariam que os
beijos se perdessem no vento. Não faria perguntas inúteis. Não...
«Admitamos que a morena não é Bee. Mas quem é a loura?»
Mário apercebeu-se, de longe, que ela não se afastava do seu posto de observação
e dirigiu-se-lhe.
- Marie-Anne falou-me muito de si - declarou. Aquelas palavras em nada
contribuíram para tranquilizar Émmanuelle.
- E que foi que ela lhe disse?
- O bastante para que deseje conhecê-la melhor. E impossível falarmos à vontade
no meio desta confusão. Dar-me-ia um grande prazer se aceitasse, um destes
dias, jantar na calma da minha casa.
- Obrigada - agradeceu Émmanuelle. - Mas neste momento temos um amigo
connosco. Só muito dificilmente...
- Mas qual é o problema de o deixar uma noite à guarda do seu marido. Tem
licença para sair sozinha, presumo?
- Claro - respondeu Émmanuelle.
141
Interrogou-se sobre o que pensaria Jean. E depois acrescentou com certa malícia:
- Mas não prefere que leve também o meu marido?
- Não - respondeu Mário. - Convido-a apenas a si.
Aqui estava a imagem da franqueza. Emmanuelle- sentia-se, no entanto, um
pouco admirada. O tom deste convite não se enquadrava bem com a reputação
que Ariane atribuía a Mário. Gostaria de clarificar a situação.
- Não é muito conveniente para uma mulher casada
- redarguiu num tom despreocupado - jantar em casa de um homem solteiro. O
que pensa disso?
- Conveniente? - articulou Mário, como se ouvisse uma tal palavra pela primeira
vez, e desde logo a achasse difícil de pronunciar. - Acha que é preciso ser
conveniente? É uma das suas regras?
- Não, não! - protestou Emmanuelle, alarmada. E, contudo, voltou a tentar
apalpar terreno: - Mas para uma mulher é mais picante ser advertida,
previamente, dos riscos que corre.
- Tudo depende do que você considera risco. Qual é, afinal, o seu conceito de
perigo?
Emmanuelle encontrava-se uma vez mais entre a espada e a parede. Quer se
referisse aos deveres do casamento, às práticas tradicionais ou aos bons
costumes, era fácil de prever a resposta de Mário. Não tinha, por outro lado,
coragem ou à-vontade suficientes para confessar, em termos correctos, o que a
preocupava. Assim, apenas conseguiu dizer e com bastante dificuldade:
- Não sou medrosa.
- Nada mais lhe peço. Quer aparecer, então, amanhã, à noite?
- Mas nem sei onde mora.
- Dê-me a sua direcção: um táxi irá buscá-la. - Esboçou um sorriso encantador. -
Não tenho carro.
- Poderei levar o meu?
- Não, perder-se-ia de certeza. O táxi estará em sua casa às oito horas.
Combinado?
- Combinado.
Emmanuelle indicou-lhe o bairro, a rua e o número.
142
Mário fitou-a demoradamente e, por fim, declarou sem dar ênfase à frase:
- É muito bonita.
- É o mínimo que pode dizer - replicou delicadamente Emmanuelle.
SEXTO CAPÍTULO
O SAM-LO
A cidade que é minha, disponho dela.
ECLESIASTES, VIII, 12

Semeia de manhã a tua semente, E de tarde não deixes as tuas mãos ociosas...
ECLESIASTES, XI, 6

A árvore da sabedoria envolvia-a com a sua folhagem, que era os meus braços.
MONTHERLANT, «Don Juan»

O bairro que Emmanuelle agora descobre não se assemelha em nada às avenidas


ladeadas de prédios de cimento ou de vivendas dissimuladas na verdura dos
jardins e no abraço de flores, que desconhecia antes da sua chegada a
Banguecoque. Sonha, talvez! A lua cheia confere ao cenário uma palidez e um
relevo animado que se enquadram na espécie de bailado que ela executa para que
tudo isso seja real. Cenário é bem a palavra com o que evoca de perspectivas
instáveis, de andaimes. Seguindo Mário e seguida por Quentin, vai pousando,
com alguma apreensão, um atrás do outro, os seus sapatos de salto fino sobre
uma passarela feita de uma pequena prancha com dez metros de comprido e
trinta centímetros de largo, lançada entre dois tabuleiros, aos quais chega a água
imóvel e viscosa de um canal que mais parece um esgoto. O peso dos passeantes
verga a madeira, flexionando-a como um trampolim. Emmanuelle não tem a
menor dúvida de que, mais cedo ou mais tarde, será projectada na vasa.
Quando se chega ao tabuleiro para avançar torna-se necessário passar, numa
pernada oblíqua, à prancha que se segue e que parece ainda mais carunchosa e
oscilante do que a que se acaba de deixar. Há várias centenas de metros que o
trio segue aquele processo e nada indica que
210
este estranho caminho esteja próximo do fim. À medida que avança, Emmanuelle
tem a impressão de se afastar para sempre do mundo conhecido. O próprio ar
que aí se respira tem uma consistência diferente e um outro odor. A noite oferece
um silêncio tão absoluto que a estrangeira sustém a respiração e, mais ainda, a
fala, com receio de cometer um sacrilégio. Apercebe-se, em dado momento, de
que esse silêncio é feito, na realidade, do grito uniforme, ininterrupto e estridente
dos ralos.
Emmanuelle e os seus guias deixaram, uma meia hora antes, a casa de troncos
de árvore, numa pequena barca que, ao chamamento de Mário, um barqueiro se
apressou a acostar ao embarcadouro flutuante. Subiram de novo o khlong
durante algum tempo. Depois, sem que a jovem compreendesse se Mário se
decidia no momento ou se, pelo contrário, já o programara, passaram da
embarcação para essa ponte em madeira, orientada perpendicularmente ao eixo
do grande canal, por cima de um caneiro mais estreito e, sem dúvida, muito
pouco profundo, já que nem mesmo as leves pirogas siamesas o podiam cruzar.
O canal é ladeado, quer numa margem quer na outra, de cabanas baixas, de
paredes de lata enferrujada ou de bambu enegrecido e telhados de folhas de
palmeira, ligados à passarela por pontes levadiças mais frágeis ainda: um barrote
carcomido, ou até mesmo um tronco em bruto. Portas e janelas estão
cuidadosamente barricadas, fechadas como para defesa da peste. «Como será que
eles respiram?», interroga-se Emmanuelle. Compreende melhor o modo de vida
dos que habitam as sampanas, as casas flutuantes ao longo das margens do
canal, com as quais ainda há pouco se cruzaram: aproveitando a noite sem
chuva, homens, mulheres e crianças dormiam ao ar livre, sob as estrelas, corpos
apertados, a boca cerrada e, por vezes, o olho aberto. Mas, aqui, que mistério
envolve esta gente, levando-a a resguardar-se da menor corrente de ar, nesses
cárceres húmidos?
O fantástico acentua-se à medida que a paisagem se prolonga. É quase
inacreditável que esta insociável rua
211
de água estagnada e madeira apodrecida, onde se progride como na corda bamba,
possa ser tão longa e não conduzir a parte alguma. E, em pleno dia, quando a
gente que ali vive sai dos seus antros, como se cruza, sobre essa única via de
acesso ao seu território? Só de pensá-lo Emmanuelle teme as acrobacias que
precisaria de fazer, caso outros noctívagos se encontrassem com o seu grupo. Na
realidade, duvida que isso suceda, pois o país para onde a arrastam os seus
companheiros é demasiado lunar para que seres vivos tenham oportunidade de
nele figurarem.
No entanto, de imediato, um homem surgiu de uma das barracas. Muito alto, o
tronco musculoso, cor de fogo. Um pano vermelho tapa-lhe os rins. Desprende-o,
pensativamente, ao mesmo tempo que olha os três estrangeiros que se
aproximam. Está, agora, completamente nu e urina para a água. Emmanuelle
nunca vira, mesmo em gravuras, um membro viril em repouso, que fosse tão
comprido como aquele: o tamanho assim murcho, que teria o do seu marido em
erecção. «Que beleza!», exclama de si para si. E o homem oferece, todo ele, uma
imagem bela. Quando chegam perto, ele encara-a a menos de um metro.
Emmanuelle só pensa numa coisa: nesse pénis. Se ele se entesa... mas o siamês
permanece de gelo. Olha os seios seminus de Emmanuelle e o seu membro nem
mexe. Os estrangeiros passam e afastam-se.
Durante os minutos seguintes, Emmanuelle perde de vista os acasos que a
rodeiam. Ou talvez esta ausência apenas durasse um segundo, já que os seus
pensamentos de sunâmbula saltam da noite para o luar, do trampolim para o
vazio, a um ritmo diverso do do quotidiano: surgem com mais rapidez, sucedem-
se a espaços, dissolvem-se com a fugacidade de brilhos - olhos de gato, pirilampo,
estrela cadente, reflexo no canavial - que, mal aparecido, se eclipsam.
Durante este jogo de luzes, marionetas cor de carne desfilam na sua frente, num
cenário ordenado e imaginário. Mas não reconhece, entre elas, nenhuma das
figuras habituais da commedia: Polichinelo, Arlequim, Pierrot, Colombina. Um
único tipo de personagem se oferece à apreciação crítica da espectadora: falos.
212
Comportam-se como se fossem actores, rivalizando em veracidade e
profissionalismo; dispostos a tudo para se fazerem amar. São em maior número
do que Emmanuelle viu alguma vez na vida. Porque, afinal e feitas bem as contas,
reflectiu, viu muito poucos! Esforça-se por fazer o recenseamento de todos os
falos que conheceu. Conheceu de perto... com uma rapidez de resposta que não a
surpreende, o ecrã imaterial que a antecede mostra-os de imediato em grandeza
real. Os contornos nítidos, impossíveis de confundir, substituem os perfis
contidos dos falos teatrais.
Surge em primeiro lugar, evidentemente, o falo de Jean, tal como o armazenou na
memória, no dia em que a desflorou e como ainda se mantém, congratula-se.
«Minha vedeta incomparável sem rival! Mesmo que, um dia, me afaste para outras
estrelas, jamais elas me desviarão do meu gosto pelo primeiro falo, que me abriu
a verdadeira vida: a vida onde se goza. Continua a desempenhar o seu papel
como gosto que seja desempenhado: sem gesticulações, nem esgares. A
declamação, o melodramático, os clichés, as réplicas, provocam-me sono. Este
falo é, sem dúvida, um actor, mas de forma alguma um reles comediante. Nem
trágico. Nem um bobo. Não se vangloria por me levar a esquecer
momentaneamente o mundo exterior, a fim de, logo em seguida, fazer com que o
entenda melhor. E não me canso de o observar. Como é belo! Porque é que, então,
fica embaraçado e cora, quando lhe elogio a forma? É um artista que detesta a
publicidade. Suponho que esta sua modéstia também me agrada. E, no entanto,
aprovaria que impasse orgulhoso, sempre que as suas entradas em cena me
cortam o fôlego. E não exijo ser eu o seu único público. Sentir-me-ia até
orgulhosa dele, se não me reservasse o exclusivo dos saltos, das piruetas, em
pontas, de todos os passos de dança de que é capaz o seu físico de bailarina.
Acho preferível empregar o feminino no caso de um membro. É tudo muito mais
bonito e definido. Pelo menos, quanto a uma rata coreógrafa.»
Mesmo ao lado, empertiga-se o falo do vizinho de ca-
213
bina de Emmanuelle, no Unicórnio Voador. «Bastante cabotino, este!», admite.
Mas trata-se daqueles aos quais se perdoa, complacentemente, este pequeno
desvio: aos saltimbancos de barraca, aos cavaleiros que atiram mais depressa do
que a sua própria sombra e a outros sobreviventes das épocas de grande
conquista. Têm, no fim de contas, fortes motivos para se mostrarem orgulhosos
de si mesmos: quanto mais não fosse o de serem capazes de dar a partilhar este
contentamento à sua companheira de cavalgada.
A escultura clássica, a coluna viva onde se enrola uma hera, o calor de mármore
do sexo que Emmanuelle reencontra igualmente neste desfile, aceleram-lhe as
batidas do coração. Não esperava estar ainda tão ligada à divindade do templo em
ruínas que, nesse mesmo voo, a tinha metamorfoseado em ninfa, a uma distância
infinita da terra, pelo espaço de um abraço. Será que o seu retorno consta no
futuro dos anais do tempo?
Não fica admirada quando o seu olhar identifica, sem dificuldade, um quarto sexo
que tem, contudo, menos cabimento neste espectáculo. Relaciona-o, visualmente,
com o do efebo, arrastado pelas amorosas errantes dos príapos da Embaixada. É
de acreditar que a polpa quase feminina deste membro, cuja rigidez agressiva
choca como um paradoxo, a sua pele branca sob o acetinado das lâmpadas, a
sua verticalidade, o formato maciço e desproporcionado da glande, longe e bem
acima do tufo de pêlos, todas estas anomalias de uma recepção diplomática
nocturna causaram uma forte impressão em Emmanuelle, já que as recorda com
muita nitidez. Será que este falo teve a intuição de que ela lamentava tê-lo apenas
entreolhado? Terá reaparecido por essa razão? Mas de que serve? Continua sem
poder tocar-lhe.
Do sexo de Christopher, do qual nada viu, também nada, como é lógico, aparece
no ecrã. Nem o de Mário ou o de Quentin. E os relevos debaixo das calças, as
bossas que se encostavam ao seu púbis, quando dançava em Paris, também não
têm lugar nesta parada de fidelidade. Emmanuelle somente acredita e dá
importância ao que avança de cara descoberta.
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O sexo do siamês, que acaba de observar, ainda que a tenha desdenhado, não
causa dúvidas. Não pode muito simplesmente colocá-lo ao lado das gravuras dos
livros, das fotografias clandestinas ou das fantasias pornográficas, que
comentava dantes com as suas amiguinhas. «Pois, na verdade, se poucos falos vi
"em carne e osso", ouvi, por outro lado, falar muito do tema!», pensa, divertida.
Recorda-se do que as companheiras no liceu, na faculdade, na piscina ou no
campo de ténis diziam a esse respeito. Mal, por regra. Consideravam este órgão
como inadaptado, feio, bárbaro, pretensioso. «Os homens», asseveravam, «estão
obcecados pelas suas dimensões e complexados pelos seus limites. Mas não têm
razão. As mulheres não se interessam, tanto quanto eles acreditam, sobre este
aspecto de coisas. Sonham mais com beijos do que com abraços sexuais.»
Emmanuelle escolhe mentalmente, como testemunha da sua abordagem diferente
deste problema, os seus companheiros equilibristas da passarela oscilante (eles
ainda a intimidam demasiado para que se atreva a professar as suas convicções
em voz alta): «É-me impossível concordar, obviamente, com estas rapariguinhas
insensíveis à beleza de um sexo em erecção. A rigidez, a doçura, o sabor deste
sexo são desconhecidos que quero conhecer. O seu comprimento, a sua cor, a
textura, a sua mobilidade e a sua grossura motivam tanto a minha paixão, como
lábios que se humedecem ou uma toada de amor. Eu, que ainda poderia ser
virgem, presto homenagem à fraqueza e à força que, através de uma fascinante
mutação, transformam o corpo dos homens que me desejam. Adivinho o que eles
sentem, quando o seu desejo de estar em mim se torna alma e arte. Gosto que
eles sejam maiores do que a passagem que lhes ofereço. Não considero selvagem
o seu excesso, nem bárbaro o seu arrebatamento. Não lhes quero mal pelo facto
de o seu infinito comprimento me trespassar como um pensamento e ecoar num
grito através da minha boca.»
Ocorreu-lhe, todavia, uma suspeita: «Ou sou eu que me transformo, como um
falo que anseia por um novo
215
orgasmo? Será este já o resultado do discurso que me fizeram durante metade da
noite?» Vai de encontro a um obstáculo do percurso, dá uma guinada às cegas e
apoia-se nas costas de Mário. Ele não se vira para a ajudar. Ela própria nesse
momento apenas tem espaço mental para o sexo do siamês. Exercita-se a dar
vida à imagem, já que não experimentou a realidade. Eis que consegue! Ó ângulo
obtuso que a verga sombria fazia com o ventre tinto de índigo pela noite,
transforma-se, por vontade da espectadora, em ângulo agudo. A cabeça do pénis
que, no espaço real, era somente a continuação adelgaçada do seu corpo
cilíndrico, deixa de ter a flacidez e a forma de curva descendente. A linha original
era ilusória e inerte. Ela recriou-a irónica e feliz, expansiva e terna. De tanto se
aplicar nesta sua obra imaginativa, Emmanuelle transforma-se ela própria em
falo. Sente-se latejante de possibilidades e ansiosa por testar a sua potência.
Desde que o queira, quando os dois sexos presentes acharem que chegou o
momento, Emmanuelle-falo penetrará em Emmanuelle-vulva. Esse decalque
preencherá as grutas suaves com que sonha. Permanecerá aí, velando e sem
jamais morrer.
Rever o sexo do homem que sonhava, nu, na margem da água parada. Revê-lo -
agora que Emmanuelle o tornou consciente do seu sonho, ou seja, de passar na
sua companhia para o outro lado... Emmanuelle estaca. Decidiu retroceder.
Na sua frente, Mário continua a avançar. Silenciosa, a sombra de Quentin
aguarda. Mas como se uma bruma se tivesse, insidiosamente, erguido do leito do
canal para obscurecer o luar, o desejo exacto que, um momento antes, invadia a
exploradora, perde, gradualmente, a sua clareza e vai-se desvanecendo. As
aparições nascidas do seu desejo começam a fundir-se com o ar, após o que
desaparecem quais amantes utilizadas e, por fim, lhes escapam. Emmanuelle
deixa de saber, ao certo, o que tanto admirava. As suas certezas nocturnas são
esquecidas num despertar após uma festa, deixando-lhe a vaga tristeza de
fósforos apagados.
216
Um cruzamento. A pista fantasmagórica ramifica-se. Mário hesita. Consulta
Quentin, escolhe finalmente um dos desvios. Emmanuelle receia que não seja o
certo, pois caminham ainda por muito tempo. Mas não se atreve a fazer
comentários. Não tinha pronunciado uma palavra, desde que deixaram a barca.
De repente, porém, solta um grito. A estrada de pranchas descreveu uma curva e
desembocou, subitamente, numa espécie de pátio (Emmanuelle cedeu a um
pensamento: uma clareira, tentada como estava a julgar-se perdida na selva!).
Diante deles, com um altura de vinte metros, fabulosa, ergue-se uma silhueta, de
que ela já se tinha apercebido de longe, por cima dos telhados, mas que tomara
por uma árvore. De perto, é Gengiscão, bigode espesso, olhos impiedosos,
punhais à cintura e mãos nas ilhargas, músculos salientes e suavizados pelo
luar. Sem dúvida alguma, são os sortilégios que começam. Dali a pouco, mongóis,
de rostos distorcidos em esgares, vão sair do seu antro: Emmanuelle será
entregue aos ritos de uma magia sanguinária. Ao mesmo tempo que a sua
imaginação, mais rápida do que a razão, constrói um mundo de quimeras, um
riso nervoso atesta que ela conserva ainda o sangue-frio: baloiçando ao meio,
bem de encontro à anca do conquistador, uma bailarina clássica, que parece uma
miniatura ao lado do gigante, dirige um sorriso reservado às estrelas. Outros
personagens de cartão mosqueado amontoam-se, em desordem, uns de pé, a
maior parte deitados por terra.
- Isto é impressionantemente bizarro, estes cartazes de cinema num lugar assim -
observa ela, para que o som da própria voz a acalme. - Pergunto-me como foi
possível trazê-los até aqui? Há outro meio de acesso, sem ser por esta passarela
incrível?
(Teve a leve impressão de que o seu guia a submeteu a uma prova inútil.)
- Não - respondeu Mário.
E não julgou necessário acrescentar qualquer outro comentário.
217
Atravessaram o depósito de cartazes, passando entre as pernas do grande cão,
contornam uma paliçada de chapa ondulada, e desembocam num pequeno pátio,
onde uma porta entreaberta deixa escapar uma luz amarelada. Mário detém-se
no patamar, chama e depois entra, sem esperar pela resposta. Emmanuelle
sente-se cada vez menos tranquila. O local é hostil. Impregnado de um odor difícil
de definir. Algo semelhante a uma mistura de poeira, de fumo, de alcaçuz e de
chá. No compartimento sem janelas onde entraram, o único móvel é uma
banqueta forrada de cretone rasgado. Um cortinado sujo, de um azul horrível,
oculta os fundos. Quase de imediato, uma mão afasta-o e uma mulher aparece.
A sua presença conforta um pouco Emmanuelle. É uma velha chinesa (tem
seguramente cem anos, pensa a visitante), cujo rosto, de um oval perfeito, está
tão engelhado, que mais parece um pergaminho. A cor é a do marfim antigo,
quase alaranjado. Os cabelos brancos, brilhantes, estão cuidadosamente puxados
para as fontes e presos num carrapito. As ranhuras dos olhos e dos lábios são tão
finas, que mal se distinguem entre as rugas da pele. E apenas quando, com uma
voz estrangulada, a velha começa a falar, revelando dentes laçados de negro, que
Emmanuelle se certifica do local exacto da sua boca. Conserva as mãos ocultas
nas mangas da túnica engomada, que a seda reluzente das largas calças negras
faz parecer, por contraste, ainda mais leitosa.
Terminado um longo discurso, ao qual Mário pareceu não ter prestado a mínima
atenção, a dona da casa dobra-se em duas com uma flexibilidade que
surpreende, já que se era tentado a acreditar ser ela feita de madeira carunchosa,
gira sobre os calcanhares e desaparece nas entranhas da barraca. Eles seguem-
na, sem pronunciarem palavra. O primeiro compartimento que atravessam
encontra-se mergulhado na obscuridade. Emmanuelle tem a impressão de que
nele se movem sombras. Sente realmente medo. Em seguida, entram num
pequeno quarto, onde ela descobre, com desagrado, dois homens bastante velhos,
como múmias, estirados e completamente nus sobre um estrado de madeira
envernizado. Os seus olhos
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cintilam e ela tem tempo de divisar costelas espetadas sob aquelas peles
morenas, manchadas de branco, as pupilas dilatadas e sonhadoras, parecendo
olhá-la sem a ver. Apressadamente, também, deita um olhar para os pénis
enrugados e os testículos secos, mas já o grupo passa para uma outra divisão,
pouco diferente da anterior, mas desocupada. A velha chinesa detém-se; é para
aqui que os traz. Faz um novo sermão, após o que se eclipsa por um alçapão.
- O que se passa? - inquieta-se Emmanuelle. O que disse ela com toda aquela
algaraviada? E o que fazemos neste sítio suspeito? Tudo isto tem um aspecto
nojento!
- É o que lhe parece! - replica Mário. - Concordo que está tudo bastante velho,
mas é limpo.
Surge uma outra mulher, muito mais nova do que a primeira, mas bastante mais
feia. Numa bandeja redonda traz uma lamparina de álcool, que suporta um vidro
alongado, com a espessura de um dedo (Emmanuelle nunca tinha visto um vidro
assim tão grosso, mesmo numa lupa), minúsculas caixas redondas de estanho,
compridas agulhas de aço, bastante semelhantes às que se usam para fazer
meias, folhas de palmeira secas e cortadas em rectângulos e um instrumento que
Emmanuelle não conseguiu, de início, identificar: um canudo de bambu escuro,
muito polido, pouco mais ou menos do comprimento de um braço e comparável,
pelo diâmetro, a uma flauta. À primeira vista, parece que este tubo é fechado nas
duas extremidades, por belos tampões de jade, mas ela apercebe-se de que um
deles está, de facto, furado por um orifício, não mais grosso do que um pau de
fósforo. Incrustações de prata doirada adornam-no a todo o comprimento. Em
dois terços deste, a partir da extremidade perfurada, uma espécie de poliedro de
madeira, tão polido que a chama da lamparina aí se reflecte em mutações de cor,
e tão plano, quase do tamanho do punho de Emmanuelle, parece em equilíbrio
sobre o canudo, ao qual se liga apenas por um estreito ponto de contacto: um
cadinho em prata, do tamanho de metade de
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uma noz, formando um todo com uma placa de marfim adornada, escurecida pelo
tempo, onde se desenham dragões criselefantinos e tigres saciados. A face
exterior apresenta no centro uma concavidade do tamanho de uma pérola e, no
seu fundo, distingue-se um pequeno orifício. Mário antecipou-se às perguntas da
aluna.
- Tem diante dos olhos um cachimbo de ópio, minha querida - disse. - Não é um
belo objecto?
- Um cachimbo! - exclamou ela. - Não parece nada. Onde se mete o tabaco? Nesse
buraquinho insignificante? Deve acabar depressa.
- Não se põe tabaco, mas uma bolinha de ópio. E só se dá uma única fumaça.
Depois, carrega-se de novo. Mas será melhor que o verifique você mesma.
- Não tem intenção de me pôr a fumar essa droga?
- Porque não? Quero que saiba em que consiste este jogo, ou esta arte. Porque é
preciso nada ignorar.
- E... se lhe tomo o gosto?
- Onde estaria o mal? - Mário ri. - Mas esteja tranquila - acrescentou Mário, com
uma risada. - Não foi para a converter ao ópio que a trouxe aqui. Isto é apenas
um prelúdio.
- E o que se passará, em seguida?
- A seu tempo o saberá. Não seja impaciente, cara. A cerimónia do ópio requer
uma perfeita lisura de alma.
- E poderei voltar, caso me agrade? - perguntou Emmanuelle, dando uma
reviravolta à conversa.
- Claro - prometeu Mário.
As perguntas de Emmanuelle pareciam diverti-lo. Contemplava-a com
indulgência, quase com enternecimento.
- Julgava que era proibido fumar ópio - retorquiu ela, ainda.
- E é. E também fazer amor extraconjugal.
- E se a Polícia aparecer por aqui, que faremos?
- Iremos para a cadeia. - Mário franziu o sobrolho, acrescentando: - Mas não sem
ter tentado primeiro comprar os polícias, negociando com os seus encantos.
Emmanuelle sorriu, céptica.
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- Mas como sou casada, não sou negociável senão pelo preço de outro crime? -
rebateu-o.
- Esse crime, você e os representantes da lei, com a ajuda de Deus, cometê-lo-ão.
Mário repetiu o gesto já praticado em sua casa, descobrindo um dos ombros de
Emmanuelle e todo um seio.
- Não é? - questionou, ao mesmo tempo que agarrava esse seio.
O rosto de Emmanuelle expressou a dúvida, mas também a satisfação, pois
agradava-lhe que Mário a despisse e lhe tocasse.
- Recusar-se-ia a prestar esse serviço aos três? - interrogou, escandalizado.
Ela tranquilizou-o.
- Claro que não! Bem o sabe... - Depois, com uma hesitação: - E... quantos são os
polícias que participam neste género de rusgas?
- Oh! Nunca mais de vinte. Emmanuelle soltou nova risada.
A criada tinha colocado os utensílios no centro do estrado. Mário largou o seio de
Emmanuelle (que ela deixou descoberto), envolveu-lhe a cintura com um braço e
fê-la avançar um passo:
- Estenda-se aqui! - convidou.
- Eu? Mas está limpo? E isso não tem um aspecto nada confortável!
- Porque é que o estabelecimento havia de fazer despesa com um colchão, já que
este fumo basta para suavizar todas as arestas, para tornar macia a cama mais
ingrata? Além de que não existe qualquer motivo de queixa: um colchão lavar-se-
ia menos facilmente do que a madeira. Este pensamento deverá servir para pôr
cobro às suas inquietações.
Emmanuelle sentou-se, com repugnância, mesmo na ponta da plataforma polida,
enquanto os seus dois companheiros se instalaram à vontade, estirando-se um
de cada lado dele, de maneira a que os três formavam um círculo em redor da
lamparina. Ao cabo de um momento, ela venceu o nojo e imitou-os, apoiando-se,
tal como eles,
221
sobre um cotovelo, a cabeça na concha da mão. Era incapaz de desviar os olhos
da chama oblonga que subia, sem vacilar, no interior da espessa chaminé de
vidro. Um fascínio emanava de tudo aquilo.
A chinesa ajoelhara-se ao pé do estrado e abrira uma das pequenas caixas. Um
mel opaco, escuro, quase sólido, enchia-a. com a ponta de uma das longas
agulhas, a mulher colheu uma gota do tamanho de um grão de trigo, manteve-a,
um instante, em cima da lamparina, rolou-a sobre um dos fragmentos da folha
fibrosa que segurava na outra mão, depois expô-la novamente à chama. A gota
crepitou, inchou, dobrou de tamanho, tingiu-se de reflexos admiráveis, tornou-se
tão pura e brilhante que os objectos vizinhos se reflectiam nela, embelezados de
fogo; transbordava de vida.
- Que beleza! - murmurou Emmanuelle.
Agora, ela pensava que este espectáculo valia bem, por si só, ter vindo aqui. «Não
me cansarei de olhar esta bolinha. Assemelha-se a uma pedra preciosa, ansiando
por dizer qualquer coisa. Mas nenhuma pedra é tão bela.»
«Vinte polícias», reflectiu. Era demasiado... Mas decerto que o faria para salvar
Mário da prisão.
Sentiu pena, quando a criada, que tinha acabado por dar à gota de ópio a forma
de um minúsculo cilindro translúcido, exactamente proporcionado às dimensões
do cachimbo, o introduziu nele, com um gesto rápido, retirando a agulha que o
atravessava. Sem perder tempo, virou o cachimbo, com o fornilho para baixo,
sobre a lamparina, quase tocando o orifício de vidro candente. Estendeu o bocal a
Mário, que o aplicou aos lábios e aspirou. A chama subiu, calcinando a pérola de
âmbar. A inalação de Mário, puxando a baforada misteriosa, pareceu inesgotável
a Emmanuelle.
- É a sua vez - disse ele. - Não deixe sair o fumo pelo nariz, não se engasgue, não
tussa, mas aspire devagar e de modo contínuo.
- Nunca o conseguirei!
- Isso não tem importância; é apenas para se divertir! A criada preparou um outro
cachimbo; de novo, o sol
222
acastanhado tornou-se brilhante na extremidade da varinha mágica, inchando e
ofegando, como que subjugado pelo desejo. Emmanuelle viu nele uma imagem de
sexo, chamando com os seus lábios inchados o aríete de fogo, que a trespassaria,
que a deixaria macerada, queimada, saciada. Era agradável, pensava, sentir a
sua vulva tornar-se mais húmida, à medida que a gotinha cintilante inchava de
voluptuosidade ao calor da chama. Este rito agradava-lhe, como se, seguindo-o,
ela se preparasse, pública e cerimonialmente, para fazer amor. Segurava o seio
nu na concha da mão; estava feliz. Àquele quadro somente faltava um toque de
perfeição: que a assistente fosse muito bela, muito jovem e muito dócil, de resto
inocente e o corpo em oferta, que Mário, Quentin e ela despiriam peça a peça e
com que gozariam, juntos ou à vez, cada um segundo as suas preferências e até
ao limite do prazer. Uma pena que o seu mentor não tivesse previsto isso! Esteve
quase a reprovar-lho, mas depois não ousou fazê-lo. No entanto e por um
momento, teve tanto desejo de pernas femininas enroscadas nas suas e de um
sexo de rapariga para o penetrar com os dedos, que a chinesa quase lhe pareceu
bela.
Quando lhe ofereceram o tubo, ela deixou queimar o ópio, sem aspirar. De súbito,
a absorção não se fazia: foi preciso que a mulher atravessasse, de novo, a pérola
doirada com a agulha de aço. À segunda tentativa, a iniciada conseguiu absorver
uma pequena fumaça. Riu, com prazer.
- Gosto do sabor e ainda mais do cheiro - declarou. - Assemelha-se um pouco ao
do caramelo. Mas arranha a garganta.
- E necessário beber chá.
Mário deu uma ordem à criada, que se levantou, para regressar, daí a pouco, com
três pequenas taças bojudas e sem asa, uma chaleira de barro do mesmo
tamanho que as taças e um samovar com água a ferver. A chaleira liliputiana
estava cheia até às bordas de um chá verde. A criada introduziu nela, com
precisão, um jacto de água a ferver e despejou, imediatamente, o conteúdo numa
taça:
223
a beberagem adquirira já uma coloração acobreada. O perfume que se evolava
era penetrante: mais de jasmim do que de chá. Emmanuelle queimou a língua e
soltou um grito.
- Deve aspirar uma porção de ar, com os lábios, ao mesmo tempo que bebe, para
refrescar o chá - disse Mário. - Ou, mais exactamente, para o poder beber assim a
ferver, sem que lhe faça mal. Veja.
Emitiu um ruído semelhante a um gargarejo.
- Mas isso é má educação! - indignou-se a sua companheira.
- Na China é prova de delicadeza.
Era agora Quentin que aspirava uma cachimbada. Não se mostrava tão hábil
como o amigo.
- Quero recomeçar - impacientou-se Emmanuelle, deveras excitada com a
novidade da experiência. - Estou certa de que, agora, terei sensações formidáveis.
com o que será que irei sonhar?
- com nada de nada. Em primeiro lugar, o ópio não faz sonhar, mas confere
lucidez e liberta a pessoa das misérias corporais e das barreiras mentais. Em
segundo lugar, antes de sentir qualquer efeito, será preciso que fume várias
doses.
- Pois bem. Vou fumá-las!
- Terá mais uma e acabou-se. Se for além disso, o máximo prazer que conseguiria
esta noite seria o de que eu lhe segurasse a cabeça, enquanto o seu estômago se
virava do avesso.
Emmanuelle não ficou muito aborrecida com a proibição de Mário, pois a nova
cachimbada provocou-lhe um ataque de tosse e não a achou com tanto sabor
como a primeira. Quanto a Mário e a Quentin, nem um nem outro aceitaram
sequer uma segunda experiência.
- Têm, por conseguinte, medo de se intoxicar? - escarneceu a sua companheira.
- vou confiar-lhe um segredo muito importante, minha querida - replicou Mário. -
É que o ópio, ingerido em excesso, retira aos apreciadores uma boa parte dos
seus ardores masculinos. E nós não viemos aqui, como sabe, para os prazeres do
espírito, mas para os da carne.
224
- Ah, claro! - exclamou Emmanuelle, mais uma vez perturbada.
Ela achava que este quadro miserável pouco se prestava aos jogos do amor (agora
que o seu próprio desejo tinha passado!). Interrogava-se também sobre qual o
papel que neles teria.
- Não se esqueça - retorquiu o seu conselheiro de que nos perguntou como nos
portávamos com os rapazes. Pois bem! A excelente pessoa que reina, com a
majestade que você viu, sobre esta clandestina casa de fumo, educa igualmente,
para repouso dos clientes, rapazinhos bem torneados, dos quais vamos pedir-lhe
que nos apresente uma variedade.
Dirigiu algumas palavras à criada, que os deixou, para reaparecer um instante
depois, acompanhada pela chinesa da máscara plissada, que fez as suas
mesuras... Mário não manteve uma longa conversa. A velha inclinou-se de novo,
depois soltou um silvo agudo. A mulher feia, que tinha preparado os cachimbos,
acercou-se.
- A proprietária fala apenas chinês. E ainda por cima um chinês que ninguém
conhece - explicou Mário. Chamou a outra para lhe servir de intérprete.
- E você em que língua lhes fala?
- Em siamês.
Dirigiu-se, de novo, às duas anfitriãs. As frases seguiram o circuito complicado e
sofreram as metamorfoses que a situação impunha. Depois de alguns minutos
passados nessa troca de palavras, Mário relatou:
- Ela responde ao meu pedido com uma outra oferta. Segundo as regras.
- O que oferece ela?
- Raparigas, claro está. Fiz-lhe o discurso que se impunha. Agora, ela sugere
mostrar-nos filmes eróticos.
- Ah! - exclamou Emmanuelle. - Porque não?
- Não viemos aqui por tão pouco. Propõe igualmente organizar para nós um
espectáculo ao vivo: duas raparigas, amando-se à nossa frente, ternamente. Não
há nada nisso que possa interessá-la, certo Emmanuelle?
Ela contentou-se em fazer um trejeito, que se podia interpretar como se quisesse.
225
Mário retomou as negociações que, em seguida, esclareceu:
- Disse-lhe que queríamos rapazes de doze a quinze anos, hábeis de língua, de
nádegas elegantes, bem potentes e fornecidos.
Emmanuelle voltou a cobrir o seio. A velha fitava-a com insistência, e falava de
novo, num tom lancinante que produzia uma impressão estranha na jovem
francesa. A criada traduziu e Mário replicou com uma única palavra.
- O que disse ela? - interessou-se Emmanuelle.
- Queria saber se os rapazes eram para mim ou para si.
- E... o que lhe respondeu?
- Para os dois.
Emmanuelle teve a impressão de que as paredes giravam um pouco na sua
frente: seria já o efeito do ópio? Mas não, Mário tinha dito...
A avó prosseguia a ladainha. Parecia lamentar-se com a potência de fôlego de um
Jeremias, multiplicava as vénias e rematou, por fim, com um som pungente,
erguendo os braços para o céu.
- Pressinto que as coisas não se vão arranjar - declarou Mário, antes mesmo que
a criada começasse a traduzir.
- Na verdade - confirmou, pouco depois -, esta velha louca teima em que não tem
nenhum poldro disponível para esta noite. Garante que alguns nobres
estrangeiros estiveram aqui e dizimaram-lhe a coudelaria. O que ela quer, sem
dúvida, é que lhe paguemos um pouco mais.
Ele voltou à discussão. Seguiram-se novas gesticulações de desespero. Mário
insistia, mas, ao cabo de um momento, disse:
- Ela não desfaz a farsa. Só nos resta, portanto, ir tentar a sorte noutro lugar.
Conferenciou demoradamente com Quentin.
- Ele insiste em ficar aqui - relatou a Emmanuelle. - Tem a certeza de que
acabará por conseguir o que
226
pretende. Duvido, mas o problema é dele. Proponho que o deixemos e retomemos
o nosso passeio. O que acha?
Emmanuelle não desejava outra coisa. A atmosfera daquela barraca começava a
pesar-lhe. Sentiu, no entanto, uma dor inesperada, quase uma ponta de remorso,
no momento de se separar de Quentin. «Mas que coisa estranha!», censurou-se.
«Acolhi-o como um intruso, como um importuno. Passei a noite a debater-me
contra a sua presença, salvo quando o esquecia por completo! Não trocámos
umas duas palavras ao todo. E agora sinto-me comovida e frágil por sua causa. E
o cúmulo. Não devo ter a cabeça no lugar...»
O que não impediu que tivesse sentido um peso no coração, ao deixá-lo ali.
Tornaram a passar diante dos esqueletos de olhos em alvo.
- Estes dois aí não lhe dizem nada? - sugeriu, agridoce.
Não perdoava a Mário nem ao seu amigo a insistência na procura de homens.
Não podiam, por uma noite, contentar-se com ela? Se não gostavam
verdadeiramente de mulheres, então porque é que, tanto um como o outro,
fingiam dispensar-lhe interesse? E aquela idiota da Marie-Anne! Estaria assim
tão falha de juízo, ao ponto de a recomendar aos bons ofícios de pederastas?
Quando lhe voltasse a pôr as mãos em cima, iria obrigá-la a engolir as tranças!
- O que é que este Quentin encontra de tão apaixonante nos rapazes? - atacou
ela. - Não é muito elegante da sua parte deixar-nos assim.
Ia acrescentar, com certo ressentimento, que ele nem sequer parecia muito
desagradado de raparigas, quando lhe acariciara as pernas, mas Mário não lhe
deu tempo:
- O amor dos rapazes terá sempre para o homem de gosto requintado uma
qualidade que o das mulheres apenas excepcionalmente possui: a qualidade de
ser anormal. Por outras palavras, ele responde à definição de obra de arte, tal
como lhe lembrei no começo desta noite. Fazer amor com um rapaz é para mim
erótico na medida
227
em que é, como o proclamam com justa razão os imbecis, contranatura.
- Tem a certeza de que não está, pelo contrário, muito simplesmente na sua
natureza?
- Absoluta - garantiu Mário. - Amo as mulheres. Ir para a cama com um homem
pareceu-me, durante muito tempo, difícil de conceber. Chamei-me à razão. Fiz a
experiência, pela primeira vez, o ano passado. Inútil acrescentar que apenas tive
motivo de satisfação. Como vê, até para mim, o espírito demorou tempo a ocupar
o seu espaço!
Emmanuelle sentia-se presa de emoções contraditórias. Perguntava-se, no
íntimo, quais as alegações de Mário em que deveria acreditar.
- E após essa primeira experiência, praticou muito mais vezes essa... arte?
- Tenho sempre o cuidado de preservar a raridade das coisas: bis repetíta... Como
sabe, é o contrário!
- Mas também amou mulheres desde há um ano a esta parte? - insistiu
Emmanuelle.
- Que pergunta! - exclamou Mário com uma sonora gargalhada. - Tenho ar de
modelo de castidade?
- Muitas? - interessou-se ela.
- Menos, decerto, do que teria tido amantes, caso me houvesse sido oferecida a
sorte de ser uma bela mulher.
- Acrescentou com um sorriso de homenagem à sua companheira: - Belos
amantes... e belas amantes!
Esta resposta não satisfez Emmanuelle, que se enervava:
- O que prefere? - inquiriu, quase colérica.
Mário deteve-se; tinham chegado ao local onde a clareira cedia lugar à ponte de
pranchas. Agarrou Emmanuelle pelos ombros e atraiu-a a si; ela pensou que ia
beijá-la.
- Amo o que é belo! - afirmou num tom veemente. - E o que é belo nunca se define
por qualquer coisa já feita e não é qualquer coisa fácil. E o que, pela primeira vez,
se fabrica de vida, com um gesto de si e o gesto de um outro, e que se lança no
infinito antes que haja
228
tempo de tomar a sua forma morta. («O homem e a mulher, um outro mundo no
meio do mundo criado.») O que é belo é o que não existia antes de si, não teria
existido sem si e deixará de estar em seu poder, quando a injustiça da morte a
vier abater sobre esta terra que você ama. («Orgulhosos do seu solitário saber.
Cientes dos seus exemplares desígnios.») O que é belo é o momento que não era
nada e que você tornou inolvidável. É o ser que não era nada e a que você deu
forma singular, contra a multidão e o destino amorfos. («Perdidos, transviados,
abolindo o mapa dos caminhos já percorridos.») O que é belo é superar a piedade
sentida em relação à sua nação e ao seu século, o medo do seu escândalo e do
seu descrédito, a fim de que uma nova espécie nasça da sua recusa em ser
semelhante aos seus pais sem ousadia, às suas mães sem rosto, aos seus irmãos
hipócritas e às suas irmãs indolentes. («Diferentes, mas de qual fealdade?
Desencaminhados, mas de que idiotice? Estrangeiros, mas em qual rebanho?
Batidos, mas por qual vingança? Exilados, mas para qual futuro?») O que é belo é
apressar-se a descobrir, a entregar-se ao seu entusiasmo, sem pesar os riscos e
sem se recordar das delícias passadas; é fazer o que ainda não tentou e que não
experimentará de novo, porque os dias e as noites da sua vida serão somente
aqueles e aquelas que terá enriquecido com um acto extraordinário. E quem,
então, no céu ou na terra, lhe devolverá os dias e as noites que tiver perdido? («A
claridade da Lua petrifica-os; a estátua de Mário tem nas suas mãos uma imagem
de mulher.») O que é belo, disse a pedra, é tudo tentar e nada recusar, é ser capaz
de conhecer tudo. Corpos inumeráveis à nossa semelhança, homens ou
mulheres, «inferno ou céu que importa... no fundo do desconhecido para
encontrar o novo!» («Nos quatro cantos da encruzilhada, passarelas vazias,
direitas, irreais, todas semelhantes.») O que é belo é o que nunca tem o mesmo
gosto e o que não tem gosto de qualquer outra coisa. («Os cabelos negros sobre os
ombros nus entre os dedos do condottiere.») O que é belo é ser o contrário do
animal gregário, amedrontado e preguiçoso que todos so-
229
mós à nascença. («A largura dos ombros do herói tártaro esconde a Lua.») O que é
belo é não se deter, não se sentar, nem se deixar adormecer e nunca olhar para
trás. («As horas da noite passaram, os astros de aço gravitam fora do alcance
visual no céu iluminado.») O que é belo é dizer não à tentação que a imobiliza,
que a amarra e a limita. E dizer sim, sempre sim, por mais fatigada que se sinta,
àquela que a multiplica e empurra para diante e forçar-se a fazer mais do que é
suficiente ou necessário, e mais do que os outros se contentam em fazer. («A
porta entreaberta sobre a luz amarela; as sombras entram, as sombras saem.
Noite sem sono.») O que é belo é encontrar em cada dia um motivo para nova
admiração, uma razão para se maravilhar, um pretexto de esforço e de vitória
sobre a tentação do adquirido e sobre a saciedade e a tristeza da idade. («O meu
coração abre-se à tua voz...») O que é belo é, infatigavelmente, mudar. Porque
toda a mudança é um progresso, toda a permanência um túmulo. Contentamento
e resignação não passam de um único e o mesmo desespero e aquele que se
detém e renuncia a tornar-se outra coisa já optou pela morte. («O gongo de um
templo, que ensurdece o ruído dos insectos.») Certamente que lhe é lícito, a todo o
momento, preferir a paz das estrelas, embalsamar-se na mediocridade de uma
existência sem desejos, qual virgem de cera no seu relicário de gemas. («Surgidas
da sombra, duas crianças passam, de mãos dadas.») Mas eu que tento conquistá-
la, não à morte mas à vida, digo então que seria melhor que nunca tivesse
nascido. Porque cada vida humana que se congela é um peso morto no nosso
planeta e o progresso da nossa espécie sofre um atraso. («Eles são irmão e irmã.
Eles vão fazer amor.») Fique ciente de uma coisa, Emmanuelle: os amanhãs da
Terra serão o resultado do poder de invenção do seu corpo. No caso de o seu
sonho se obscurecer e as suas asas voltarem a fechar-se, se a infelicidade quiser
que a sua curiosidade se fatigue, que falhem a sua clarividência e a sua
constância e vacile a sua vontade de descoberta e de renovação, o que acontecerá
às esperanças e às oportunidades dos homens?
230
O futuro será eternamente idêntico ao passado. («A bailarina branca entre as
pernas do guerreiro.») O amor de amar é o que faz de si a noiva do mundo. O
destino de todos depende, assim, da sua paixão e da sua coragem, e se você
renunciar a conquistar um só homem ou uma só mulher que seja, oh!, isso será
suficiente para que a sua raça renuncie a conquistar os anos-luz e as nebulosas.
(«A voz de Mário fez silenciar o canto dos ralos.») compreende? Não é o prazer do
instante que lhe trago, mas o prazer do mais longínquo. A felicidade não tem
lugar onde você está; e está onde você sonha esperá-la. («Entre braços sempre
mais numerosos.») Ah, sim, Emmanuelle! Não é de ilusões que a sacio, mas de
realidade que a queimo! («No centro do triângulo formado pelas estrelas Alfa do
Touro, Alfa da Balança e Alfa da Virgem.») Não lhe ensino o mais cómodo, ensino-
lhe o mais temerário.
- Possua-me - convidou Emmanuelle. - Você ainda não me conhece. Terei para si
um sabor novo.
Ficou surpresa por encontrar tanta estima no olhar de Mário.
- Seria demasiado fácil - replicou ele, abanando a cabeça. - Quero mais do que
isso: deixe-me guiá-la.
- Indicou-lhe o caminho em frente. - Vá. Retome a acrobacia.
Dócil, ela avançou primeiro. Quando chegaram à encruzilhada, Mário decidiu que
tomariam uma via diferente daquela por onde tinham vindo.
- you mostrar-lhe uma coisa fora do vulgar - prometeu ele.
Depressa chegaram à beira de um largo khlong- ou seria um riacho natural?
Parecia serpentear. As suas margens estavam cobertas de ervas.
- Ainda estamos em Banguecoque?
- Em plena cidade. Mas os estrangeiros desconhecem este lugar.
Avançavam, agora, ao longo de um prado e, como os saltos de Emmanuelle se
enterravam na terra amolecida, ela descalçou-se.
231
- Vai rasgar as meias - disse Mário. - Não acha melhor tirá-las também?
Mostrou-se sensível a essa atenção. Sentou-se num cepo de árvore que se
encontrava no local. Levantou a saia. O ar fresco fez-lhe recordar que as suas
calcinhas estavam no bolso de Mário. A claridade da Lua era tão viva, que se lhe
divisava perfeitamente o ventre enquanto desapertava o cinto de ligas.
- Não me canso da beleza das suas pernas - declarou Mário. - Das suas coxas
longas e dóceis...
- Julguei que tudo o fatigava depressa!
Ele limitou-se a sorrir. Ela não sentia vontade de reagir.
- Porque não tira também a saia? - sugeriu Mário. - Ficaria mais à vontade para
andar. E eu teria prazer em vê-la sem ela.
Emmanuelle nem sequer hesitou. Levantou-se e desapertou-a na cintura.
- Que faço dela? - perguntou, segurando a saia na ponta dos dedos.
- Deixe-a na árvore, apanhá-la-emos no regresso. De qualquer maneira, teremos
de voltar a passar por aqui.
- E se alguém a rouba?
- Que importância teria? Decerto não tem qualquer objecção em voltar a casa sem
ela, suponho?
Emmanuelle evitou discutir. Retomaram a caminhada. Logo abaixo da camisola
de seda negra, as suas nádegas e pernas, apesar de queimadas pelo sol, pareciam
estranhamente claras nessa noite. Mário conservava-se ao seu lado; pegou-lhe na
mão.
- Cá estamos - anunciou, decorrido um momento. Um muro baixo, meio
desmoronado, erguia-se diante
deles. Mário ajudou a companheira a trepar sobre os tijolos e a saltar para o
outro lado. Quando Emmanuelle levantou a cabeça, estremeceu. Uma forma
humana estava agachada perto de si. A mão crispou-se na de Mário.
- Não tenha medo. É gente pacífica.
Ela quis dizer: «Mas e a minha saia!» Uma vez mais reprimiu-se com medo do
sarcasmo de Mário. Estava,
232
contudo, tão envergonhada, que se sentia incapaz de dar um passo. Ficaria
menos acanhada, se estivesse inteiramente nua. Mário arrastou-a,
inexoravelmente: passaram bem perto do homem, que os fitou com um olhar
ardente. Emmanuelle não conseguia parar de tremer.
- Olhe! - convidou Mário, estendendo o dedo. - Já alguma vez viu coisa
semelhante?
Ela seguiu a direcção do gesto. De uma árvore, de tronco enorme, raiado de
inúmeras raízes e lianas adventícias, pendiam estranhos frutos. Fixando o olhar,
Emmanuelle viu que eram falos. Soltou uma exclamação admirativa. Seria a visão
das horas anteriores que ali se materializava? Ou estaria, novamente, a sonhar
de pé?
- Uns são ex-votos e outros dádivas com a finalidade de obter potência sexual -
explicou Mário. - A grossura depende da riqueza do fiel, ou da urgência da sua
prece. Estamos aqui, devo dizer-lhe, num templo.
A alusão lembrou a Emmanuelle a indecência do seu trajo.
- Se um padre me encontra neste propósito...
- Não a acho nada deslocada num santuário dedicado a Príapo - redarguiu Mário
com uma gargalhada. Tudo o que se liga com o seu culto é lícito neste lugar e,
mais ainda: recomendado.
- É a isto que chamam lingam? - inquiriu Emmanuelle, cuja curiosidade se
sobrepunha à confusão.
- Não precisamente. O lingam é hindu e o seu desenho geralmente estilizado:
encontra-se, sobretudo, sob forma de pilar plantado verticalmente na terra e é
preciso, na maioria das vezes, os olhos da fé para identificar do que se trata.
Aqui, como pode ver, a feitura do objecto nada deixa à imaginação. São réplicas
da natureza, mais do que obras de arte: os santos-sepulcros da Cidade dos Anjos.
É este, devem tê-la informado, o verdadeiro nome de Banguecoque. Mais
precisamente, o seu nome abreviado. Para que se seja de uma correcção
protocolar, há que chamar a esta cidade: Krungthep Phra-Maha-Nakhorn Amorn
Ratanakosindr Mahinthara Boromaradjathani... Boromnivet... Maha Sathan
Burirom lá.
233
Trata-se de um resumo que significa: «Venerável Cidade Capital dos Anjos (ou dos
Deuses, talvez uma questão na totalidade etimológica e sem valer a pena expor-se
a uma polémica inutilmente metafísica), Tesouro de Jóias de Indra, Grandeza do
Deus Indra, Suprema Megapole Real, Santuário de Augusto, Soberanas Paragens,
Lugar Importante, Cidade da Alegria.» Ou mais ou menos isto... O lá final, que
interrompe jocosamente estes arrebatamentos, significa muito simplesmente
«etc.», na medida em que o estado civil autêntico e completo da urbe ocupa, de
facto, três ou quatro páginas. Pelo menos é o que consta.
Os falos suspensos das ramagens iam do tamanho de uma banana ao de uma
bazuca, mas o realismo dos pormenores era, em todos eles, idêntico. Eram feitos
de madeira esculpida e estavam iluminados. Uma pequena mancha rubra ornava
o meato. O prepúcio era figurado por pregas profundas, contraídas à volta da
glande. A curvatura do membro em erecção estava expressa com surpreendente
vitalidade.
Pendiam, assim, de várias árvores: de centenas delas. Velas de cera estavam
dispersas, aqui e ali, em castiçais de madeira através deste pomar de pénis: a
maior parte deles apagada, mas, em compensação, ardiam nos jardins inúmeros
paus de incenso, semelhantes aos que se queimam diante da imagem de Buda ou
no altar dos ancestrais, e cujo penetrante odor se infiltra por todo o lado. A
extremidade bruxuleante ponteava a noite de vermelho.
Emmanuelle verificou, angustiada, que vários destes pavios se agitavam. Nem
precisou fazer grande esforço, tão clara estava a noite, para distinguir que eram
mãos humanas que os seguravam. Não era um, mas quatro, cinco, seis, dez
homens, pelo menos, os que ali estavam. Sentados sobre os calcanhares, como o
primeiro que ela tinha encontrado. Um deles levantou-se. Ela viu-o aproximar-se.
Depois de ter dado alguns passos, voltou a agachar-se. O olhar expressava um
interesse firme e tranquilo. Quase ao mesmo tempo, dois, depois quatro outros
234
juntaram-se-lhe, instalando-se a seu lado. Um dos recém-chegados parecia ser
muito jovem, quase uma criança. Os outros eram mais velhos. Um deles parecia
mesmo um velho. Nenhum pronunciava palavra. Continuavam a segurar os paus
de incenso odoríferos entre os dedos unidos.
- Eis uma plateia simpática - brincou Mário. A que iremos jogar?
Mário desprendeu um dos falos de proporções relativamente modestas.
- Não sei se cometo um sacrilégio - declarou -, mas cometo-o sem vergonha. Em
todo o caso, eles não têm o ar de quem se impressione com isso. - Estendeu o
pedaço de madeira a Emmanuelle. - Não é agradável de tocar? - Ela apalpou-o. -
Mostre-lhes, neste simulacro, a maneira como se serviria das suas mãos para o
honrar, se ele fosse vivo.
Emmanuelle acedeu sem protestos, e mesmo com um certo alívio, pois, por
breves instantes, tivera receio que Mário lhe pedisse para introduzir aquele
objecto nela. A ideia da sua aspereza e da sua sujidade repugnava-a.
Os dedos de Emmanuelle acariciaram o artigo de fé, como se esperassem fazê-lo
gozar de verdade. Acabou por se entregar à farsa. E depressa lamentou não poder
servir-se também dos lábios; mas, na realidade, o instrumento estava demasiado
poeirento.
Teve consciência de que os olhares dos homens se tornavam abrasadores. Os
seus rostos evidenciavam uma natural tensão. Mário esboçou um movimento.
Quase de imediato, ele avistou o seu sexo erguido, mais grosso e mais vermelho
do que o pénis da madeira.
- Convém, agora, que a ilusão ceda lugar à realidade - disse Mário. - Que as suas
mãos se mostrem tão ternas na carne, como o foram na matéria inanimada.
Emmanuelle depositou o objecto de culto numa das concavidades do tronco (não
ousara deixá-lo cair no chão) e agarrou, obedientemente, o membro de Mário.
Este voltou-se, de frente, para os homens agachados, a fim de que eles pudessem
vê-lo melhor.
235
O tempo parou. Ninguém deixava escapar um som. Emmanuelle lembrava-se do
«humanismo» do qual Mário lhe tinha enunciado os princípios no salão, à beira
do khlong, e aplicou-se, a ponto de ter uma vertigem. Deixara de saber se as
pulsações que sentia na mão eram as de Mário ou as do seu próprio coração.
Recordava-se, também, do seu preceito: até nunca mais acabar! E esforçava-se
até ao impossível para fazer durar. No entanto, finalmente vencido pelos
requintes desta carícia que Emmanueile reinventava a cada instante, Mário
pediu-lhe que o fizesse gozar com um vaivém mais poderoso, um último sacão
que ela soube tornar suave, irresistível e prolongado, arrancando-lhe uma
convulsão de volúpia. E, mesmo nessa altura e para que ela não abandonasse o
esforço inicial, ele murmurou num dominar do gemido que lhe subia na garganta:
- Vamos!
E virou-se, em simultâneo, na direcção da árvore de onde pendiam os frutos
priápicos. Um jacto com um comprimento e uma densidade pouco vulgares
atravessou a noite, aspergindo os falos de madeira, que oscilaram com o choque e
baloiçaram na ponta da sua liana.
- Agora, há que fazer qualquer coisa pelos nossos espectadores - disse Mário de
imediato. - Qual deles lhe agrada mais?
O pavor emudeceu Emmanuelle. Não, não! Ela era incapaz de tocar nestes
homens, não queria que eles lhe tocassem...
- O bambino não é adorável? - perguntou Mário. Por ele, até eu mesmo, de bom
grado, teria fraquezas. Mas, esta noite, quero deixá-lo para si.
Sem consultar mais detalhadamente Emmanuelle, fez um sinal ao jovem e
dirigiu-lhe algumas palavras. Ele levantou-se, lenta e dignamente, e acercou-se
deles, nada intimidado; parecia, mesmo, bastante desdenhoso.
Mário acrescentou mais qualquer coisa e o rapaz despiu os calções. Nu, era mais
bonito, o que reconfortou Emmanuelle no meio da perturbação que sentia. Um
membro juvenil mantinha-se estendido, na horizontal, diante dela.
236
- Sugue e beba - ordenou Mário, num tom perfeitamente banal.
Emmanuelle não pensou em se esquivar. Estava, de resto, num tal estado de
confusão e de desordem, que os próprios gestos não lhe pareciam ter grande
importância. Disse somente para consigo que preferia que tudo aquilo se
passasse com o homem nu que haviam encontrado, pouco tempo antes, no
caminho das pranchas...
Deixou-se cair de joelhos, na relva densa e macia. Agarrou no membro entre os
dedos, repuxando a pele que cobria parte da cabeça. Esta aumentou
imediatamente de volume. Emmanuelle introduziu-a entre os lábios, como se
desejasse primeiro saboreá-la. Conservou-a, assim, um instante, ao mesmo
tempo que, com a mão, afagava todo o membro. Depois, com uma súbita
resolução, fez mergulhar a verga até ao fundo da sua boca, tão profundamente
que os lábios tocaram o ventre nu e o nariz se afundou na penugem dispersa. Por
um momento, ficou assim; depois, conscientemente e com arte, sem procurar
enganar nem precipitar, começou a fazer ir e vir a sua boca.
Esta prova, contudo, era para ela um suplício e, durante o primeiro minuto da
felação, teve de lutar contra a náusea que lhe subia à garganta. Não que
considerasse degradante, em si, o facto de se entregar aos gestos de amor com
um rapazinho desconhecido. O mesmo jogo, se Mário a tivesse impelido para um
lourinho abonecado, tresandando a água-de-colónia, no salão burguês de uma
amiga parisiense, ter-lhe-ia agradado, sem dúvida, muito mais. Pouco aliás
faltara para que enganasse pela primeira vez o marido (sem ter a impressão de o
fazer, porque, justamente, com uma criança, isso lhe parecia divertido), antes de
deixar Paris, cedendo às investidas do irmãozinho, muito desenvolto, de uma das
suas próprias amantes! Foi por uma questão de um minuto e se não os tivessem
incomodado: o consentimento de Emmanuelle já fora, de qualquer maneira, dado,
não somente em espírito, mas fisicamente... A ocasião não se voltara a
proporcionar. Era nisso que pensava naquele momento, dizendo
237
de si para si que, bem vistas as coisas, ela era por natureza bastante impudica.
com esse rapazinho, que dela conhecera um sexo em oferta e húmido e que tinha
começado a penetrá-la, havia feito amor dez vezes em imaginação, desde esse dia.
com este, porém, não era a mesma coisa. Não a excitava nada. Metia-lhe, pelo
contrário, medo. Além do mais tinha, de início, ficado repugnada com a ideia de
que ele podia não estar limpo: felizmente, quanto a isso, estava agora sossegada e
lembrava-se, embora um pouco tarde e com alívio, das abluções minuciosas às
quais os Siameses se entregam, várias vezes ao dia. Seja como for, esta
experiência não lhe causou nenhum prazer. Entregava-se-lhe com complacência
para ser agradável a Mário, mas os seus sentidos e o seu gosto recusavam-na...
«Que ao menos», dizia para consigo, quase com violência, «executasse bem o seu
trabalho!» Uma espécie de orgulho levava-a a tratar esse rapaz de maneira a
deixar-lhe uma lembrança imperecível. Não lhe dissera o marido que nenhuma
mulher no mundo sabia, como ela, servir-se da boca para o amor?
Pouco a pouco, deixou-se enlear no seu próprio jogo, esqueceu a quem pertencia
esse pénis de que começava a amar a força e o calor e do qual deixava a glande
rebuscar-lhe a garganta, procurar, a seu gosto, o lugar onde ia findar o seu gozo.
Emmanuelle sentiu os lábios e o clitóris tornarem-se sensíveis; acabou por fechar
os olhos e deixar que as sensações se apoderassem dela. No momento em que as
carícias atingiam o limite, o jacto de esperma na sua língua proporcionou-lhe
tanto prazer, como se tivesse sido o de Jean. O gosto era diferente: achou-o muito
bom. Pouco importava que todos esses homens a olhassem; tinha desejado gozar,
por sua vez. Antes que o membro saísse da sua boca, aflorou com os dedos o seu
sexo túmido e abandonou-se ao orgasmo nos braços de Mário, que a beijava nos
lábios pela primeira vez.
- Não é verdade que prometi que a daria em detalhe?
- disse ele, após terem franqueado, em sentido inverso, o muro em ruínas. - Está
contente?
238
Ela estava. Mas, por outro lado, ainda não se sentia liberta do acanhamento.
Ficou silenciosa.
- É muito importante para uma mulher - comentou Mário num tom sonhador -
beber muito esperma e das mais diversas fontes. - A voz adquiriu um súbito tom
ardente: - Deve fazer tudo isto, porque é bela - insistiu ele.
- Não é possível ser bonita e ser honesta? - suspirou Emmanuelle.
- Para algumas pessoas, sim, mas às suas próprias custas. Será perdoável não
utilizar o poder da beleza para obter o que tantas mulheres sem graça pedem
durante toda a vida, mas em vão, nas suas orações?
- Parece julgar que todas as mulheres apenas pensam na luxúria.
- Existe outro bem?
Ninguém tinha roubado a saia. Emmanuelle vestiu-a e lamentou perder o
conforto anterior. Tomaram, de novo, uma direcção diferente da que ela conhecia.
Perguntava-se se iam caminhar por muito tempo ainda. No momento em que se
preparava para protestar, desembocaram numa rua digna desse nome.
- Vamos apanhar um sam-lo, se encontrarmos um disse Mário.
Emmanuelle não tinha ainda utilizado esse meio de transporte, actualmente raro,
e a ideia de o experimentar agradou-lhe. Era mais tentador deixar-se conduzir ao
ritmo indolente de um triciclo, sob o céu luminoso, do que arriscar-se à morte em
cada curva, dentro de um táxi. Percorreram a rua durante algumas centenas de
metros, antes que encontrassem um veículo livre. O seu condutor (que se chama,
também ele, sam-lo, «três rodas», por ser «peça» indispensável do veículo, explicou
Mário) estava sentado no chão, meditativo. Ao avistá-los, indicou, com um gesto
convidativo, a estreita banqueta forrada de pele vermelha.
Mário trocou algumas palavras, combinando, provavelmente, o preço da corrida,
após o que fez sinal a Emma-
239
nuelle para que se instalasse; ele próprio sentou-se ao lado dela. Embora fossem
ambos notavelmente esbeltos, a verdade é que ficaram esmagados um contra o
outro. O triciclo moveu-se. Mário passou um braço em torno dos ombros da
companheira e esta apertou-se ainda mais contra ele, feliz. Ao sentar-se, tinha
levantado a saia até ao cimo das pernas, já que ele dissera que lhe agradavam.
Subitamente, ocorreu-lhe uma ideia, que considerou fantástica e louca. Jamais
fizera, por sua iniciativa, coisa semelhante e, pior ainda, em plena rua! Mas
estava decidida. Apelou para toda a sua coragem.
Voltou-se um pouco de lado, para Mário. com uma das mãos, que se esforçava
por tornar firme, desapertou um botão. Depois, apressadamente, os outros,
descendo. Introduziu a mão e tomou entre os dedos o sexo adormecido. Somente,
então, respirou.
- É assim mesmo, Emmanuelle! - exclamou Mário.
- Sinto-me, deveras, orgulhoso de si.
- Sinceramente?
- Sim. O seu gesto tem direito de cidadania no reino do erotismo, porque a
tradição quer que os homens tenham a iniciativa e as mulheres se remetam à
passividade. Uma mulher que passe à acção, num momento que um homem
menos o espera, cria uma situação erótica do mais alto preço. Bravo! Ou, mais
exactamente, na minha língua natal: Brava!
Emmanuelle sentiu na própria mão que a aprovação de Mário não era puramente
moral.
- Recorde-se desta fórmula noutras circunstâncias prosseguiu ele - e dar-se-á
bem. Inútil será dizer que fica, segundo a regra, submetida à cláusula da
novidade.
- Como assim? - interrogou ela.
E começou a acariciar suavemente Mário.
- Se você é a amante titular de um senhor e tira as suas roupas diante dele,
mesmo sem que seja convidada a fazê-lo, onde está o imprevisto? E, portanto,
onde está o erotismo? Mas se o seu embaixador, à hora do almoço, lhe apresentar
um diplomata de passagem, para que o acompanhe numa visita ao templo de
Buda Deitado, e
240
tendo-o você convidado a tomar chá no seu pequeno salão, para se recompor das
fadigas dessas voltas pela cidade, e, estando você sentada a seu lado no seu
melhor sofá de seda branca, desnude então, muito simplesmente, o busto, e
sacuda, com toda a naturalidade, os cabelos. Este gesto espontâneo deixará uma
marca indelével na memória do seu hóspede. No seu leito de morte, será a sua
imagem que lhe ocorrerá, a última, para o encantar e consolar. Depois desse
começo, toda uma gama de possibilidades ficará, naturalmente, ao seu dispor.
Ou, então, limite provisoriamente aí a sua iniciativa e, com os seios nus, sirva-lhe
o chá com toda a cerimónia, sem se esquecer de lhe perguntar se ele costuma
toma-lo com um ou dois torrões de açúcar. Há fortes possibilidades de que ele
seja incapaz de se lembrar disso, nesse momento. E, aliás, nesse pormenor, que
você destrinçará qual a medida ulterior mais apropriada: se ficou perturbado, a
ponto de dizer: oito, ou catorze, ou um metro não espere de modo nenhum que
seja ele a dar o passo seguinte: opte por dois torrões e aproxime-se. Proceda,
então, como acaba de fazer comigo e pergunte-lhe o que é que ele prefere: gozar
antes ou depois de ter bebido o seu chá e de que maneira, se na sua mão, na sua
boca ou na sua vagina. A partir desse instante, o resto pouca importância tem. O
clima está criado. E a obra-prima, como você gosta de dizer, no caminho certo.
Se, pelo contrário, o seu visitante conservar um semblante reflectindo sangue-
frio, deixe-o ser ele mesmo a agir, isto é, deitar-se sobre si e comportar-se como o
fauno que despertou nele; você somente colherá vantagens. Uma outra vez, para
variar, não tire somente a blusa, fique inteiramente nua, sem deixar por um
minuto de ser mundana e sem denotar a mais leve emoção. Quando, prendendo a
saia com a sua mão esquerda, tiver com as suas longas pernas de bailarina
saltado o círculo, deixando-a cair, com decência, sobre um banco estofado;
quando tiver tirado, se as usar, as suas calcinhas e as tiver colocado em lugar
seguro no vaso das orquídeas, sente-se, de novo, à esquerda do visitante,
virando-se ligeiramente sobre as almofadas do so-
241
fá, com um sorriso de boa companheira. Caso o seu convidado se mostre
paralisado pela surpresa, conte-lhe, para o pôr à vontade, como na véspera foi
violada por dois negros armados de catanas e o prazer que, então, sentiu.
Descreva-lhe, em pormenor, o sexo dos seus carrascos e as liberdades que se
permitiram tomar com o seu corpo. Se ele se mantiver imóvel, masturbe-se na
sua frente. Enfim, quando de uma terceira experiência com um outro convidado
de categoria, não se dispa, mas, após ter erguido o bule do chá, e antes de o
interrogar sobre a questão do açúcar, pergunte-lhe muito simplesmente: «Quando
acabarmos de tomar chá, deseja que façamos amor? O meu marido só estará de
volta daqui a uma hora.» Se, porventura, o indivíduo se esquivar, pretextando
uma antiga ferida, um voto pronunciado à cabeceira da sua madrinha carmelita
ou uma disposição do Código de Hamurabi que o proíbe de gozar antes do pôr do
Sol, você deve replicar no tom de voz exacto e sem manifestar despeito: «Tem
razão: onde tinha a minha cabeça? Eu própria, quando me casei, prometi ser fiel
e, já que nunca enganei o meu marido, será mais conveniente que não comece
hoje.» O imbecil não se conformará em ter deixado escapar a pérola rara que você
é. Se ele reconsiderar, torne-se intratável, a partir desse momento. Que ele tente
abusar da sua inocência e você chamará a Polícia, fazendo-o condenar à pena
máxima. Nenhum juiz fará fé nas alegações insensatas que ele apresentará para
a sua defesa: a verdade!
Emmanuelle estava fascinada com a dimensão que tinha tomado, devido aos seus
cuidados, o membro de Mário. E disse-lhe, sem procurar esconder o sarcasmo:
- Senhor professor, as palavras que me recomenda que pronuncie são
exactamente, caso a memória não me engane, as mesmas que lhe dirigi há menos
de uma hora. Já que injuriosamente me repeliu, you entregá-lo ao primeiro
polícia que encontrar.
Mário sorria, com bonomia.
- Adoro a sua mão - declarou. - Não mude o seu estilo. Não tente passar por tola,
minha querida. Sabe
242
perfeitamente que não existe nenhum ponto comum entre a situação que lhe
descrevi e as nossas relações.
Emmanuelle não via, sinceramente, onde residia a diferença, excepto no que se
referia à ausência do chá. Não estava, porém, com disposição nem em condições
para argumentar; a carícia que proporcionava inflamava-lhe os sentidos; até os
solavancos do triciclo, mal suspenso sobre o chão irregular, contribuíram para
lhe aumentar o prazer.
- Este sam-Io não sabe o espectáculo que está a perder - observou Mário.
Assobiou e o homem virou, de imediato, a cabeça; os seus olhos viajaram de um
para outro passageiro e iluminaram-se com um sorriso.
- Nós agradamos-lhe - constatou Emmanuelle.
- Sim, encontrámos um cúmplice - concordou Mário. - Nada de espantar, até
porque ele é belo. Existe uma franco-maçonaria internacional da beleza. Um certo
número de coisas só é permitida àqueles que são belos. Montherland, escrevendo
a Pierre Brasseur, observava muito justamente, um dia, que «a malícia não é, de
todo, uma vulgaridade; é o recato que é a vulgaridade».
- Courteline1 dissera antes dele - citou Emmanuelle, para não ficar atrás: - «O
verdadeiro pudor consiste em ocultar o que não é belo.»
- Tem, então, vergonha dos seus seios?
- Oh, não!
com a mão que não acariciava o membro de Mário, ela tirou a camisola para fora
da saia e tentou fazê-la passar sobre a cabeça. Mário ajudou-a. Por um momento,
ela teve de libertar o sexo erecto, mas isso não foi mais do que um breve
interlúdio.
- Agora, gostaria que encontrássemos alguém - disse Mário.
- O sam-lo não basta como testemunha? - argumentou Emmanuelle.
1 Georges Courteline (1858-1929). Pseudónimo do coroediógrafo francês Georges
Moineaux. Satirizou em inúmeras peças de teatro as convenções da burguesia.
(N. do E.)
243
- Ele já não é testemunha, mas participante. Mário chamou-o de novo e o siamês
voltou-se sobre o
selim. Parecia vivamente impressionado ante a quase nudez da sua passageira e
o triciclo deu uma guinada. Riram os três, estrepitosamente. Emmanuelle tinha a
impressão de estar um pouco embriagada. No entanto, já era bem tarde para que
fossem ainda efeitos do chianti. O desejo de Mário foi ouvido. Um automóvel
ultrapassou-os e travou bruscamente. Emmanuelle julgou que ele ia parar e o
coração quase deixou de bater. A viatura voltou, contudo, a arrancar. Tinha sido
impossível distinguir os rostos dos seus ocupantes.
- Talvez algum dos seus amigos? - sugeriu Mário, cruelmente.
Ela nem replicou. Sentia um nó na garganta e preferia concentrar-se apenas em
acariciá-lo. Um outro sam-lo, onde se empilhavam dois marinheiros americanos,
vinha ao seu encontro; estes soltaram gritos de pavão, ao depararem com o
espectáculo. Mário e Emmanuelle fingiram não os ver nem os ouvir. Os outros
gesticularam desesperadamente, tentando fazer parar os dois veículos, mas os
respectivos condutores não se impressionaram, continuando, tanto um com o
outro, a pedalar com igual ritmo.
- Onde prefere gozar? - perguntou Emmanuelle. Na minha mão, na minha boca
ou na minha vagina?
Ele não respondeu de imediato. Dobrando-se pela cintura, Emmanuelle tomou o
membro entre os lábios e fê-lo mergulhar profundamente na boca. Ouviu-o
recitar:
- «Até que eu te diga: Cansado, não posso mais, vida minha! Cansado, meu Deus,
não posso mais! Então a tua boquinha retira, a fim de que morto eu suspire, e
dá-me depois o resto.»
A curiosidade levou-a a interromper a tarefa; endireitou-se e perguntou:
- É de sua autoria, esse poema galante?
- Certamente que não - protestou Mário. - É extraído de La Première Journée de
Ia Bergerie, de um dos seus compatriotas do século dezasseis, Rémy Belleau.
244
- Muito bem! - exclamou ela.
Antes que Emmanuelle tivesse tido tempo de retomar a anterior posição,
encontraram-se frente a frente ao gradeamento do jardim de Mário.
Este, escapando das mãos da sua companheira, saltou do triciclo e compôs o
fato. Emmanuelle desceu, por sua vez, mas não achou necessário vestir a
camisola, que balouçava numa das mãos, juntamente com a bolsa. Ao luar, a
curva dos seios era um quadro admirável.
Mário abriu a cancela. O sam-lo saltara para o chão e, sem emoção visível,
esperava aparentemente o que lhe era devido. O italiano pulou tão depresssa
para o selim, que o homem não teve tempo de esboçar um gesto; já o seu veículo
ia jardim fora, com Mário pedalando a toda a velocidade. O siamês e Emmanuelle
ficaram frente a frente. E desataram ao mesmo tempo a rir à gargalhada. O rapaz
encarava, pois, de bom humor, a brincadeira do seu cliente. Naquele momento,
para dizer a verdade, parecia mais preocupado em observar os contornos de
Emmanuelle do que em recuperar o que era seu. Foi ela que, primeiro, iniciou a
perseguição ao fugitivo. Encontrou-o diante da escada de troncos de árvores,
exultante. Estava de pé, segurando o veículo pelo guiador.
- Que louco que você é! - repreendeu-o ternamente.
- Amo igualmente os seus seios - anunciou ele, como se esta fosse uma decisão
longamente amadurecida.
- Sou uma mulher de sorte!
Emmanuelle sentia-se mais lisonjeada do que queria admitir. O sam-lo juntou-
se-lhes, sorridente e sem pressas. Mário falou-lhe: um verdadeiro discurso, com
as entoações, os silêncios, os efeitos da eloquência. Emmanuelle interrogava-se
sobre o que ele estaria a dizer. O rosto do siamês nada reflectia que lhe permitisse
extrair hipóteses. De súbito, replicou ao mesmo tempo que pousava o olhar nela.
Mário retomou a sua exposição. O rapaz abanou afirmativamente a cabeça.
- Eis que está tudo combinado e encontrei o meu herói! - exclamou Mário. - Para
quê ir procurar longe o que é fácil de encontrar aqui à porta!
245
- O quê? Quer dizer...
- Mas claro! Não o considera digno dos meus favores?
Desta vez, Emmanuelle sentiu-se quase à beira das lágrimas. As gentilezas de
Mário, durante o percurso, tinham-na feito esquecer as grosseiras recusas
anteriores. Esperava, mais ou menos conscientemente, que, uma vez em sua
casa, ele a tomaria nos seus braços. Estava disposta a passar aí o resto da noite,
se ele o desejasse, e não pensava mesmo regressar a casa. Ele teria podido fazer
dela o que quisesse. E aí estava! Ele não queria nada. A única coisa que tinha em
mente era encontrar um rapaz que fosse para a cama com ele! Emmanuelle
dirigiu a este último um olhar turvado de lágrimas; deixara de o ver com nitidez.
Ele era, na verdade, assim tão bonito? Lembrava-se de ter notado um rosto de
pugilista...
- Cara! Não recomece a atormentar-se antecipadamente - declarou Mário num
tom alegre, interrompendo, como era seu hábito, as sombrias reflexões de
Emmanuelle. - Vai ver. Tenho uma ideia mirabolante. Uma vez mais me
agradecerá. Entre depressa.
Abriu a porta, atraiu-a a si, agarrando-a pela cintura. Ela consentiu, mas com
um ar de enfado. Estava farta das ideias de Mário. Ainda assim, sentiu-se feliz
por reencontrar o salão com as suas zonas de sombra e de claridade, o sofá de
coiro vermelho e o odor característico do khlong. Ao que parecia, naquele
momento não passavam muitos barcos. Era tão tarde - ou tão cedo! Sentiu-se,
repentinamente, invadida pelo sono. Que noite!
Mário trouxe copos enormes, onde cristais cintilavam num licor verde.
- Menta apimentada on the rocks - anunciou ele. Aqui está o que dará novo
alento à minha bem-amada.
A sua bem-amada? Emmanuelle esboçou um sorriso amargo. O sam-lo
conservava-se, no meio da sala, um pouco embaraçado. Pegou, com visível
acanhamento, na bebida que Mário lhe estendia. Os três beberam em silêncio.
Ela tinha tanta sede, que esvaziou o copo de um
246
trago. Mário tinha razão; sentiu-se reviver. Ele sentou-se bruscamente ao seu
lado, enlaçou-a e pousou os lábios sobre o seu seio esquerdo.
- you possuí-la - declarou.
Aguardou para avaliar o efeito produzido.
Emmanuelle estava demasiado aturdida para manifestar o que quer que fosse.
Por outro lado, não estava convencida.
- Mas vou possuí-la através deste belo pastor - continuou Mário. - Através, no
sentido exacto da palavra. Quer dizer que vou atravessá-lo para a atingir. vou
possuí-la como jamais o foi e como eu nunca possuí uma mulher. Será, portanto,
minha como nenhum ser pertenceu a outro. - Curvou uma mão diante dela, como
que para a proteger e explicou: - Sabe bem que apenas me sirvo das palavras
«possuir» e «pertencer» pelo mero prazer de logo me desdizer! Pois não quero
possuí-la, mas dá-la. Oferecê-la-ei, dilapidá-la-ei como a um tesouro encontrado
que um felizardo honesto se recusa a guardar apenas para ele. Não estou aqui
para a deter; vim limar as barras de uma prisão, onde você e eu nos encontramos
retidos há milénios. Depois de termos feito amor juntos, não me pertencerá mais
do que pertence a qualquer homem, a qualquer família, a qualquer seita, a
qualquer lei que exista à superfície da Terra. Pertence apenas ao seu próprio
sonho, um sonho que optou por não viver sozinha. O sam-lo e eu iremos sonhar
esse sonho consigo. Pelo espaço de uma noite, pelo espaço de um abraço,
viveremos a três a vida que nós próprios criámos: aí residirá o nosso amor; aí
residirá a nossa eternidade.
Os seus olhos mergulharam nos de Emmanuelle, como nesse mar infinito que a
convidava a explorar. A sua voz parecia vir de longe.
Ela respondeu, mas como se falasse consigo própria:
- É apenas de noite que podem conhecer-se estrelas novas.
Mário ergueu a cabeça na direcção do céu visível através do telheiro de canas.
- Talvez uma delas, a mais desconhecida, a mais longínqua, espere para receber o
seu nome - declarou.
247
- Partamos juntos à sua procura - decidiu ela. Pela segunda vez, ele beijou-a nos
lábios. Para Emmanuelle esta noite possuía uma infinda luminosidade. Estava
preparada e impaciente.
- O seu primeiro amante! - exultou ele. - Vai tê-lo agora.
Emmanuelle sentiu uma momentânea vergonha de o ter enganado, de não lhe ter
confessado as suas aventuras no avião. Mas era importante? Em certo sentido,
sim, porque era a primeira vez que dava o seu inteiro consentimento, que, com
toda a lucidez e todo o conhecimento de causa, com premeditação, ela queria ser
adúltera e este seria, portanto, o seu primeiro amante.
- O primeiro de muitos outros? - questionou ele, como para se assegurar de que a
lição tinha sido assimilada.
- Sim - respondeu Emmanuelle.
Que maravilha a de se abandonar, tão completamente, ao seu desejo! A mulher
que se entrega a um só não pode saber qual o passo que deu aquela que, de uma
vez, se promete inteiramente a vários, a uma quantidade ilimitada de homens.
Nenhuma mulher jamais seria tão adúltera como ela o era nesse momento. Que
outra podia conseguir o milagre, enganando pela primeira vez o marido, enganá-
lo com todos aqueles que, para o futuro, a desejassem?
- Não se recusará mais? - insistiu Mário.
Ela sacudiu negativamente a cabeça. Pensava: «Se nos ocorrer a ambos que, esta
noite, me entrego a dez homens, assim farei.»
Ele apenas lhe pediu que se entregasse ao sam-lo. Emmanuelle desembaraçou-se
da saia e ficou sobre o sofá, apoiada na espessura das almofadas, cujo conforto a
encantava. Apoiava os saltos no tapete de lã e rodeou com os braços os rins do
homem, mal este começou a introduzir-se nela, cautelosamente. Quando ele
completou a penetração, Mário, que até aí se mantivera ao lado de Emmanuelle
abraçando-a, levantou-se e foi colocar-se atrás do sam-lo. com as duas mãos,
agarrou-lhe os quadris e Emmanuelle sentiu que elas tocavam nas suas.
248
Ouviu-o deixar escapar gemidos de prazer. Momentos houve em que foram quase
gritos.
- Agora estou em si - disse Mário. - Trespasso-a como uma espada duas vezes
mais afiada do que a do comum dos homens. Sente-a?
- Sim. E estou feliz - respondeu Emmanuelle.
O pénis duro do siamês retirou-se três quartos de dentro dela, cerca de três
quartas partes do seu comprimento. Voltou depois, inexoravelmente, acelerando o
ritmo. Ela não procurou saber se Mário permitia que se viesse. Uivou de imediato.
O seu corpo torcia-se sobre o coiro forrado de cetim. Os dois homens juntaram
outros gemidos aos dela. O seu apelo confuso rasgava a noite e, à distância, os
cães responderam com um concerto interminável de latidos. Mas eles ignoravam-
nos. Existiam num outro mundo. Uma harmonia interior parecia regular o trio,
semelhante ao mecanismo de um relógio. Tinham conseguido constituir uma
unidade profunda, sem brechas, mais perfeita do que aquela que um casal pode
formar. As mãos do siamês comprimiam os seios de Emmanuelle, que soluçava
de prazer, arqueando os rins para que ele penetrasse ainda mais profundamente
em si, murmurando num arquejo que era mais feliz do que podia suportar e
implorando que a rasgassem - sem a poupar e gozando nela.
Mário sentia que as forças do sam-lo eram inesgotáveis, mas ele já não podia
mais. Enterrou as unhas na carne do parceiro, como para o avisar. Os dois
homens ejacularam simultaneamente, o sam-lo no fundo do corpo de
Emmanuelle, ele próprio desfalecendo sob uma outra estocada. Emmanuelle
gritou com mais força ainda, como não havia gritado até então, sentindo subir-
lhe à garganta o gosto áspero do sémen que a inundava. A sua voz ricocheteava
sobre a água negra, sem que ninguém pudesse dizer a quem esse grito era
dirigido:
- Eu amo! Eu amo! Eu amo!
POSFÁCIO
A PEQUENA MEAULNESSE
A dez anos do ano 2000, não existe decerto maior risco do que a aposta de que,
até lá, nenhum outro romance consiga disputar a Emmanuelle o seu título, de
momento, incontestado: «A obra erótica do século.»
A História d'O, a obra-prima à qual a autora de Emmanuelle rendeu, aliás, uma
espontânea homenagem (em A Hipótese de Eros), não se encontra aqui em causa.
Situemo-nos, apenas, naquela perspectiva moderna que classifica os livros por
ordem de sucesso. Louros, por vezes, irrisórios, no meio da lista, mas no qual o
apanhado dos títulos campeões poderia ensinar muita coisa ao historiador sobre
as atitudes e mentalidades da nossa época. Os três grandes êxitos de livraria e o
perfil da sua carreira oferecem motivo de reflexão. Du Cote de Chez Swann,
publicado em 1913, ocupa, indubitavelmente, um lugar mais importante nas
histórias das literaturas do que O Grande Meaulnes, publicado no mesmo ano.
No entanto, o longo percurso, rumo ao grande público, de Charles Swann
(bastante semelhante, no fim de contas, ao de O e da sua História) talvez seja um
reflexo menor das mentalidades francesas do século xx do que a marcha triunfal,
durante pelo menos cinquenta anos, de Augustin Meaulnes, o herói de um dos
mais notáveis e vincados sucessos de livraria de todos os tempos.
Emmanuelle é o Grande Meaulnes, uma espécie de encantadora Pequena
Meaulnesse (aliás, o oposto, pelo menos a nível de mentalidade, do seu triste e
desencarnado grande irmão).
Quanto ao porquê destas reminiscências espectaculares de uma obra do espírito,
trata-se de uma outra questão. Claro que, no caso de Emmanuelle, existe o
erotismo!
Que não serve de mínima explicação. Uma prova não reconhecida e que sempre
se tornou difícil de tornar aceite (sobretudo aos olhos de juizes e dos polícias,
regra geral
251
mal pagos) é a de que nunca o erotismo em si conseguiu fazer vender um livro
que fosse. Para além das colecções especializadas, de tiragem sempre limitada, o
erotismo nunca constituiu um puro incentivo à leitura, pelo menos em França. E
tal, por motivos complexos, que se interligam ao simples facto de que o erotismo
em si não existe, inseparável como o é do sentimento amoroso, da metafísica, do
imaginário pessoal.
Numa palavra, Emmanuelle. Pois bem, Emmanuelle, como todos os personagens
que se impõem à História, não nasceu um belo dia do acaso, nem do capricho da
sua nudez exultante. Encontramo-nos precisamente à beira dos anos 60, mais
precisamente em 1959, quando surgiu a primeira edição do livro, infelizmente
clandestina, por intermédio de Eric Losfeíd, emParis. Os processos Miller, Vian
(1946-7), Sade (1947-1955), a publicação da História d'O (1954) e as suas
peripécias testemunharam reacções dos guardiões da Ordem Moral, face às
cristalizações literárias de um movimento de sensibilidade, que Raymond Abellio
descreve como «a segunda fase, desta vez de intensidade, de um aumento de
erotismo que há um terço de século se vinha desenvolvendo em grandeza».1
Um público significativo encontra-se, portanto, em
1959, sem se dar conta do facto, na expectativa de um texto que lhe ofereça,
finalmente, «tudo o que quer saber sobre este erotismo de que tanto se fala, sem
nunca ter ousado pedi-lo». Não encontrou o que procurava em Sade, demasiado
cru, demasiado violento (e todo o mal-entendido da leitura de Sade na época
provém daí), nem em Miller, «demasiado americano», nem na História d'O, livro à
disposição, apesar das suas três proibições, mas censurado pela Imprensa, pelos
livreiros, pelos próprios leitores, por vezes subjugados, mas, na generalidade,
[notas]
1 Raymond Abellio, Sol Invictus. Pode encontrar-se uma tentativa de descrição
deste movimento de sensibilidade nos dois últimos volumes da Antologia
Histórica das Leituras Eróticas: de Guilherme Apollinaire a Philippe Pétain e,
precisamente, de Eisenhower a Emmanuelle.
252
mais esfriados pela ferocidade arrogante do texto, pelo prefácio de Paulhan, por
um ridículo «conto de fadas», excessivamente distanciado da sua realidade
quotidiana. O público fizera um acolhimento triunfal, treze anos antes, a Irei
Cuspir-vos nos Túmulos, mas treze anos passaram; este erotismo de série negra,
brutal, sanguinolento, desesperado, precisamente negro, deixou de se enquadrar
no tempo. Caroline Chérie, em 1946, Angélique, em
1956, e mesmo bom Dia, Tristeza, em 1954, iludiram vagamente as suas
expectativas, apresentando-lhe heroínas, quer de uma libertinagem decente,
quer, como no caso de Sagan, de uma calma amoralidade, à semelhança dessa
jovem Brigitte Bardot que surge em 1956 com E Deus Criou a Mulher. Mas nada
disto anuncia, de facto, os anos 60.
Tudo está, assim, pronto para Emmanuelle, que surge no momento exacto, o ano
de Lolita, o ano em que a última exposição do surrealismo escolhe o erotismo
como tema. E o livro provoca, de imediato, reacções tão profundas, preenche a tal
ponto a expectativa que se passam coisas inimagináveis relacionadas com um
livro clandestino: André Breton menciona-o, elogiosamente, na primeira página
de Arts, André S. Labarthe dedica-lhe uma crónica numa importante publicação
mensal da época, Constellation: «Mas que belo e como produz o som exacto aos
nossos ouvidos (...) O termo "moral" reencontra aqui o seu sentido humano: é
porque a moral é uma arte de viver que Emmanuelle representa o livro da
felicidade, que Emmanuelle ocupa lugar na história escandalosa da emancipação
do homem, lado a lado com estes marcos do progresso humano que se chamam
Sade, Baudelaire, Fourier, Engels...», e alguns livreiros corajosos correm o risco,
devido à procura, de vender o livrinho de capa azul.»
O contributo fornecido por Emmanuelle tem a sua melhor definição na época por
André Pieyre de Mandiargues numa crítica na Nouvelle Nouvelle Revue Française:
« À semelhança dos romances policiais ou de ficção científica, também as
narrativas eróticas se
253

encontram, como se sabe, geralmente prisioneiras de um quadro, de um sistema


e de regras implícitas à sua categoria. Além disso, visam um objectivo bastante
preciso e por isso se compram. Há, no entanto, aquelas que fogem a este quadro,
que quebram este sistema ou estas regras e para as quais este objectivo é
secundário. Ao terem a marca espiritual do seu autor, são originais e fazem parte
da literatura...»

Mandiargues louva, em seguida, «o (...) admirável primeiro capítulo. Pelo clima de


tensão e o poder de surpreender, lembra, em simultâneo, os melhores episódios
carnais de Balzac e esses "auges de narrativa", que dominam soberbamente os
romances de Lawrence Durrell»; faz depois reservas de somenos importância
«embora Emmanuelle Arsan nos dê a conhecer alguns recônditos da capital
siamesa, que não são menos arrebatadores e agitados do que os de Alexandria» e
conclui:
«(...) Na última parte, o interesse diminui. Tal porque a autora, uma jovem mulher
asiática, encarregou, segundo parece, um dos seus personagens, um pederasta
italiano chamado Mário, de expressar as suas próprias ideias sobre o erotismo e o
papel que lhe cabe, no que se refere ao homem e ao futuro do mundo. Um pouco
aplicados e infantis (e talvez também encantadores por esse mesmo motivo), estes
discursos abrem curiosamente a janela sobre horizontes onde a natureza é
esmagada pelo triunfo do espírito moderno. Assim, a autora de Emmanuelle
representa a contrapartida do que lemos em Lawrence, por exemplo e, neste
ponto, aproxima-se de um determinado comportamento de Baudelaire. (...)»
Mas sobretudo:
«Ela também se afasta, por outro lado, das ideias que nos são frequentemente
apresentadas por Georges Bataille.
254
A sua concepção do erotismo é optimista, radiosa, resplandecente, à imagem de
um edifício afirmativo da glória do homem liberto da gleba e das antigas
servidões.»
«Optimista, radiosa, resplandecente...» Aí residia a novidade erótica em 1959. E «o
efeito Emmanuelle», significativo fenómeno da sociedade, será tão durável, que
Jean-Jacques Brochier, em Lê Magazine Littéraire, poderá escrever, em 1967,
após ter sido, finalmente, posta à venda uma Emmanuelle oficial1:
«Emmanuelle (...) é a harmonia de uma existência onde a sexualidade,
reconhecida nos parâmetros da sua importância, se resume, afinal, a um
elemento da vida feliz. Daí este fenómeno raro em literatura: o erotismo de
Emmanuelle não é patológico, contrariamente aos erotismos da revolta. É uma
parte primordial da satisfação do indivíduo, que não se sente ameaçado por nada,
que evolui na sua consonância com o mundo: um erotismo do acordo perfeito.
(...)»
E, indo ainda mais longe, esta declaração, analisada em retrospectiva, assume
uma singular ressonância, situada a poucos meses de Maio de 1968, cuja
conotação erótica não esquecemos, Brochier acrescentará:
«O aparecimento nas montras das livrarias de Túmulo para Quinhentos Mil
Soldados ou de Emmanuelle é inseparável da aceitação - tácita ou não do
divórcio, dos métodos anticoncepcionais, da legalização das "minorias eróticas"
em Inglaterra...»
Actualmente, o «efeito Emmanuelle», prolongado por seis filmes, dezenas de
milhar de espectadores, milhões de cassetes vídeo, parece não ter perdido a força.
Ora, curiosamente, após ter tido tiragens prodigiosas, o livro esgotou-se
emFrança. A pedido, Emmanuelle
255
Arsan, não só autorizou a presente edição, como ainda fez a revisão do texto, que,
em inúmeros sítios, completou com passagens que, por razões aqui deslocadas,
não figuravam nas anteriores edições.
É esta, por conseguinte, a primeira edição integral de Emmanuelle.
JEAN-JACQUES PAUVERT

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