Você está na página 1de 36

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL, LETRAS E ARTES VISUAIS


CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA

O EMPRÉSTIMO MODAL RECORRENTE NO POP ROCK DOS ANOS 1980

CELSO HENRIQUE VIEIRA DE LIMA

Boa Vista
2017
CELSO HENRIQUE VIEIRA DE LIMA

O EMPRÉSTIMO MODAL RECORRENTE NO POP ROCK DOS ANOS 1980

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em


Música da Universidade Federal de Roraima, como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Licenciado em Música.

Orientadora: Prof. M.a. Jéssica de Almeida

Boa Vista
2017
CELSO HENRIQUE VIEIRA LIMA

O EMPRÉSTIMO MODAL RECORRENTE NO POP ROCK DOS ANOS 1980

Monografia apresentada ao Curso de Música da


Universidade Federal de Roraima, como requisito
parcial para a obtenção do grau de Licenciado em
Música.

Aprovada em 21 de julho de 2017.

______________________________________
Jéssica de Almeida – Orientador
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria
Doutoranda em educação pela Universidade Federal de Santa Maria
Universidade Federal de Roraima

______________________________________
Luiz Fernando Barbosa Jr.
Mestre em Execução Musical pela Universidade Federal da Bahia
Universidade Federal de Roraima

______________________________________
Áquilas Torres de Oliveira
Graduado em Licenciatura em Música pela Universidade Estadual do Amazonas
Universidade Federal de Roraima
RESUMO

O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) a seguir trata da utilização do Empréstimo


Modal. Partindo de uma análise harmônica de músicas do Pop Rock Romântico dos anos 1980,
buscando uma explicação, ainda que teórica, ser mais aproximada da vivência do músico
prático em um contexto de aprendizagem informal, discorrendo sobreo contexto social que está
inserido e sobra a formação de sua identidade. A pesquisa tem como objetivo explicar de forma
simplificada a utilização do empréstimo modal, além de aproximar a teoria musical da vivência
prática desse músico, conscientizando-o das utilizações desse recurso. A partir deste estudo,
espera-se contribuir para o entendimento teórico e prático da utilização desta ferramenta
composicional, assim complementando o conhecimento de um aprendizado musical adquirido
em contextos informais.

Palavras-chave: Aprendizagem Informal, Empréstimo Modal, Músico Popular, Pop


Rock Anos 1980.
RESUMEN

El trabajo de Conclusión de Curso (TCC), trae la utilización del Emprestimo Modal.


Partiendo de un análisis de armonías de músicas del Pop Rock Romántico de los años de 1980,
se busca una explicación, aunque teórica, procura la aproximación de la vivencia del músico
práctico en un contexto de aprendizaje informal y de complejas organizaciones sociales e
identitarias. La pesquisa tiene el objetivo de explicar de una forma musical da vivencia práctica
de este músico, concientizándolo de las utilizaciones de este recurso. Desde este estudio, se
espera contribuir para el entendimiento teórico y práctico de la utilización de esta herramienta
completando el conocimiento de un aprendizaje musical adquirido en ambientes informales.

Palabras clave: Aprendizaje Informal, Emprestimo Modal, Músico Popular, Pop Rock
Años 1980
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 ................................................................................................................................................ 25
Figura 2 ................................................................................................................................................ 26
Figura 3 ................................................................................................................................................ 27
Figura 4 ................................................................................................................................................ 29
Figura 5 ................................................................................................................................................ 30
Figura 6 ................................................................................................................................................ 32
Figura 7 ................................................................................................................................................ 33
Figura 8: Acervo Pessoal ..................................................................................................................... 33
Figura 9 ................................................................................................................................................ 34
Figura 10 .............................................................................................................................................. 35
Figura 11 .............................................................................................................................................. 36
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

MÚSICA POPULAR E MÚSICO PRÁTICO ..................................................................... 12

ACORDE DE EMPRÉSTIMO MODAL (AEM): UM ESTUDO TEÓRICO .................. 16


Tom e Semitom.................................................................................................................... 16
Escala Cromática ................................................................................................................ 16
Escala Diatônica Maior ...................................................................................................... 17
Formação de Acordes ......................................................................................................... 18
a) Acorde Maior ........................................................................................................... 18
b) Acorde Menor .......................................................................................................... 18
c) Acorde diminuto ...................................................................................................... 18
d) Acorde aumentado ................................................................................................... 19
Cifragem Cordal ................................................................................................................. 19
Campo Harmônico Maior .................................................................................................. 20
Campo Harmônico menor.................................................................................................. 21
Empréstimo Modal ............................................................................................................. 22

O EMPRÉSTIMO MODAL RECORRENTE NO POP-ROCK DOS ANOS 1980 ......... 24


Heaven (letra e música de Bryan Adams e Jim Valance) ............................................... 24
Straight From the heart (letra e música de Bryan Adams) ............................................ 26
Everything I do (letra e música de Bryan Adams) .......................................................... 28
It must have been love (letra e música de Per Gessle) ..................................................... 30
Glory of Love (letra e música de Peter Cetera) ................................................................ 34

CONSIDERAÇÕES ............................................................................................................... 37

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 38
10

INTRODUÇÃO

A utilização do empréstimo modal1 (ver p.16) em uma obra pode proporcionar ao


ouvinte uma sensação nova e bastante diferente em relação à sonoridade dos acordes que fazem
parte do campo harmônico natural sobre o qual a obra foi composta.
Eu2, enquanto músico vindo de práticas de aprendizagens musicais informais, sempre
me interessei por este recurso, pois percebi que sempre onde estes acordes apareciam, na minha
percepção, alguns sentimentos se potencializavam na música. Com isso, várias indagações
surgiram, tais como: Por que usei este acorde se ele não faz parte do campo harmônico? Como
posso fazer isso em outra música? Que acordes posso utilizar?
No meio musical em que se deu esta minha formação inicial, dificilmente encontrei
alguém que conhecesse sobre o assunto. Mais difícil ainda foi encontrar alguém que estivesse
disposto a ensinar como usar este recurso sonoro. Então, precisei praticar e esta prática me
levou, ao longo do tempo, a perceber e a aplicar esta sonoridade diferenciada de forma intuitiva,
sem saber explicá-la.
Hoje acadêmico do Curso de Licenciatura em Música e atuando como professor na área
deparei-me com os seguintes questionamentos que levaram ao desenvolvimento deste TCC: 1.
Como posso auxiliar as pessoas que, assim como eu, não conseguiam entender a utilização do
empréstimo modal? 2. Como ajudá-los a utilizar este recurso em suas composições e arranjos?
Senti-me na responsabilidade de compartilhar esse conhecimento, adquirido ao longo
desses anos da academia, aos que hoje estão na situação na qual me encontrava anteriormente,
porque, assim como eu, muitos músicos formados nesta prática informal podem ter a mesma
dificuldade.
Tendo em vista o difícil acesso que o músico prático tem do material que explica sobre
o empréstimo modal, não por sua disponibilidade, mas pela escrita rebuscada e com muitos
termos técnicos utilizados prioritariamente na academia. Entendendo que esses músicos em sua
maioria não desenvolveram a leitura musical e possuem pouco conhecimento teórico,
desenvolvi este trabalho para contribuir com estes músicos, para que possam compreender
melhor o assunto e assim possam não só entender o que já fazem na prática como também

1
Alguns termos técnicos da música serão utilizados neste texto introdutório, porém, serão desenvolvidos em outro
momento da pesquisa.
2 Em alguns momentos do texto, utiliza-se a primeira pessoa do singular quando se trata de experiências pessoais
do principal autor do trabalho.
11

aplicar esta ferramenta em suas novas composições. É importante ressaltar que não é objetivo
deste trabalho apresentar um tratado de harmonia ou analisar os tratados existentes.
Para facilitar o entendimento do empréstimo modal, faço uso de algumas obras de Pop
Rock Romântico dos anos de 1980 e início de 1990, que fazem parte do repertório de muitos
músicos práticos e também por serem músicas conhecidas de muitos, pois algumas foram
compostas como trilha sonora para o cinema, além de terem sido marco do início da utilização
de videoclipes, o que marcou toda uma geração de ouvintes. Músicas como as aqui
contempladas ainda hoje são tocadas em vários tipos de eventos (casamento, formatura,
aniversários entre outros), remetendo à música dotada de romantismo.
Compositores como Bryan Adams (1959-), Per Gessle (1959-) - guitarrista da banda
Roxette e Peter Cetera (1944-), conquistaram as pessoas por meio de suas músicas, trazendo à
memória pessoas, lugares, ocasiões, momentos, entre outros. As obras contêm algumas
similaridades como a tonalidade de Dó Maior, com exceção da terceira obra que está
originalmente escrita em Dó Sustenido Maior. Neste caso, tal música foi transposta para Dó
Maior Natural, facilitando o entendimento da parte teórica e do contexto dos acordes utilizados.
A harmonia é composta por acordes triádicos, que são acordes formados por três notas
que, entre si, têm a distância de uma terça (maior ou menor), tanto em sua posição fundamental
(quando o acorde inicia na nota que lhe dá o nome) quanto em suas inversões (quando esse
acorde inicia em outra terça que o compõe), deixando, assim, a harmonia clara e serena. Em
alguns momentos, percebe-se o acréscimo do intervalo da nona com muita expressividade
quanto ao uso das inversões e do empréstimo modal, que são utilizados em momentos chaves,
geralmente de maior êxtase da obra ou de preparo para o refrão, criando, com isso, um tipo de
clichê harmônico encontrado praticamente em todas as obras que estudaremos.
A partir dos questionamentos já apresentados, realizo esta pesquisa tendo como objetivo
geral a explicação de forma simplificada da utilização do empréstimo modal, estreitando,
assim, a distância entre teoria e prática. O trabalho se desenvolveu a partir dos seguintes
objetivos específicos: 1. Caracterizar o aprendizado musical informal, 2. Explicar, de forma
breve, a teoria necessária para o entendimento do campo harmônico, 3. Analisar as obras
destacando o uso do acorde de empréstimo modal.
Com esta finalidade, o TCC está organizado em três capítulos, no primeiro, discorro
sobre a música popular e o músico prático focando no aprendizado informal, no segundo
capítulo trato da teoria básica para a compreensão da análise, e no último capítulo, realizo a
análise harmônica das obras.
12

MÚSICA POPULAR E MÚSICO PRÁTICO

Neste capítulo, trataremos brevemente sobre a música popular e em como normalmente


se inicia o estudo desta música. Também se discorre sobre o espaço de sua produção na
sociedade, sua mercantilização e sobre o aprendizado musical informal por meio do qual
comumente se desenvolvem habilidades musicais nesse contexto.
A música popular sempre esteve ligada ao dia a dia da sociedade, por exemplo, música
criada e executada em festas, rituais, entre outros. Segundo Zan (2001), a partir da invenção do
fonógrafo por Thomas Edison, em 1877, criou-se um novo mercado cultural: a indústria
fonográfica, que teve como principal produto a música popular.
Nos últimos cem anos, observou-se um grande desenvolvimento tecnológico que
também afetou a indústria fonográfica. Isso fez com que as músicas deixassem de ser apenas
registros de sons, para serem o resultado da manipulação desse registro por especialistas, que
se utilizavam de recursos tecnológicos cada vez mais sofisticados. Assim, a música mais
conhecida entre a sociedade era a que estava tocando na rádio, o que, em termos gerais, não
mudou nos dias atuais, apenas se modernizou com o uso dos aparatos tecnológicos que estão
disponíveis no mercado, em um processo de mercantilização da cultura. Neste, podemos
destacar o marketing cultural, no qual o patrocínio e o mecenato interessaram-se em oferecer
os recursos que o artista precisava para desenvolver a sua arte, neste caso a música, em troca
de um retorno institucional e mercadológico (ZAN, 2001).
Logo, podemos perceber que os artistas que não aceitavam criar uma música que
pudesse ser vendida nas rádios ficavam de fora desse “sistema”, criando-se, assim, um tipo de
barreira ao seu trabalho, pois, no mundo capitalista e globalizado no qual vivemos, para a
sobrevivência do artista se faz necessário vender a sua obra para, então, ganhar dinheiro. Ou
seja, sua música, para ter maior valor precisa ser divulgada, onde entra o marketing e todo o
sistema já mencionado.
A partir deste conhecimento, podemos supor que a música que ouvimos nas rádios não
é a arte pela arte, mas a arte pela sobrevivência do artista, onde não se faz necessário um bom
conhecimento de teoria musical em conjunto com um bom desenvolvimento técnico, mas que
seja algo “comerciável” neste mercado cultural, assim, oferecendo ao público o que lhe é de
interesse, sendo este já influenciado pela própria rádio.
O estudo das pesquisas de Pinto (2002) e Prass (2004) demonstram que as primeiras
vivências na música popular iniciam, geralmente, no seio da família ou com amigos próximos,
seja somente para a apreciação inconsciente das músicas que ouvem no rádio ou para o
13

aprendizado da mesma. Estas primeiras experiências ocorrem de forma lúdica e por meio da
observação de outros músicos, em meio a festas ou eventos religiosos, por exemplo.
O aprendizado da música popular se desenvolve, geralmente, de maneira informal, ou
seja, não ocorre em uma instituição que possui um currículo escrito, professores especializados
e reconhecidos, métodos específicos, avaliações, diplomas, dentre outros, mas por meio da
observação e da imitação, onde em muitas vezes um músico mais experiente passa o seu
conhecimento via oral aos iniciantes. Essa maneira informal de aprender música leva, muitas
vezes à falta de interesse pela teoria musical, iniciando o estudo de um instrumento musical
sozinho, aprendendo pela imitação, ou, o que popularmente chamamos de aprender “de
ouvido”. Este processo geralmente se inicia com o aprendizado das músicas que gosta, sendo
influenciado pelo meio social em que está inserido (sobre isso, ver CORREA, 2000).
É comum, por exemplo, despertar somente o interesse pela execução das músicas que
se ouve em detrimento aos conteúdos que envolvem esta execução (técnicos, estilísticos,
musicológicos, interpretativos, teóricos e outros). A seguir, discutiremos brevemente sobre a
relação que esta música pode ter sobre a sociedade e o indivíduo.
Entende-se que a música faz parte do cotidiano do ser humano e que, segundo Green
(2000), a música é desenvolvida de forma particular em cada indivíduo de acordo com a
influência que este recebe da sociedade em que está inserido, portanto, torna-se a música um
importante elemento cultural de uma sociedade. Neste contexto plural, tal indivíduo
desenvolve, também, sua identidade.
Hall (1995) divide o sujeito em três tipos de identidades culturais contextualizados na
história. O primeiro é o sujeito iluminista, aquele que tem sua essência inalterada pela
intervenção externa, ou seja, não recebe influência da sociedade. O segundo, Sujeito
Sociológico, tem sua identidade formada pela interação que estabelece com a sociedade e, por
último, o Sujeito Pós-moderno, onde a sua identidade é formada por uma gama de informações
advindas de outras culturas, podendo ser, em alguns casos, contraditórias, por esse motivo, não
possui uma identidade fixa.
Esta fragmentação do indivíduo finda por desconstruir uma identidade nacional, por
exemplo, delimitada por barreiras geográficas, linguísticas e culturais, não importando classe
social, raça ou gênero, e sim, objetivando unificar e criar padrões, levando-o a fazer parte de
uma nação. A partir dessa desconstrução da identidade nacional, tal indivíduo passa a fazer
parte do mundo. No entanto, diante de tal fragmentação pode ocorrer o efeito inverso, ou seja,
a busca pelo individual, fortalecendo sua cultura dentro dessa massa de informações das quais
14

temos acesso, já que a identidade nacional não é capaz de abranger a real diversidade existente,
assim, excluindo algumas representações específicas desta sociedade.
Devido a essa exclusão de representações específicas, criam-se grupos específicos
lutando pelo seu espaço dentro da sociedade, valorizando seus semelhantes, sua cultura, como
uma tribo urbana, dizendo, nesse meio, a música que melhor lhe representa.
Partindo desse entendimento de sociedade e o poder de influência que a música pode
exercer sobre um indivíduo e, como afirma Green (2000), que os gêneros musicais são
altamente difundidos pela mídia fazendo parte de um processo de socialização por meio dos
quais os indivíduos criam suas relações sociais, podemos pensar o lado sociológico do
aprendizado da música, priorizando a relação que os alunos constroem com ela. Pois, como
destaca Green (2000), mais importante do que se prender a um estudo prático ou do gênero
musical que os indivíduos apreciam, é de fundamental importância definir o tipo de relação que
estes estabelecem com a música. Nesta direção, é importante ressaltar que os músicos práticos
constroem seu repertório a partir de suas vivências musicais nos ambientes em que convivem,
seja familiar, escolar ou na rua com os amigos (RAMOS, 2002).
Entende-se que esses indivíduos vivem em um contexto histórico-cultural muito
dinâmico e complexo e cada um tem uma experiência social, criando-se certo tipo de tribo
urbana que aprecia um estilo musical em específico, e que em algumas vezes fica fácil de
identificar devido às manifestações em seu modo de falar, vestir, seu comportamento e outros.
Podemos supor, então, que por este viés o aprendizado de um instrumento pode deixar
algumas lacunas, pois, o aprendizado não está partindo de conteúdos musicais específicos, e
sim, do estilo musical que o indivíduo tem mais intimidade, o que pode causas dificuldade a ele
quando se deparar com elementos de outros estilos que não teve contato.
Nos dias de hoje é ainda maior o número de pessoas que procura aprender a tocar
instrumentos sem o acompanhamento de um professor qualificado, impulsionadas apenas pela
vontade e pelo desejo de tocarem as músicas que gostam sem se preocuparem com o
conhecimento teórico nem com o acompanhamento de um professor por encontrarem com
muita facilidade na internet tutoriais de como tocar as suas músicas preferidas.
Embora o músico afirme não estudar, segundo Green (2000), existe um aprendizado que
vai além da prática intensa de um instrumento que é a audição de obras, apreciação de shows,
videoclipes, a interação com outros músicos e outros. Nisto, o exercício de se construir um
repertório por meio da imitação faz com que o aprendiz desenvolva o seu ouvido, o que
facilitará no aprendizado de outras músicas do mesmo contexto. Porém, ao se deparar com
novos contextos musicais com os quais o indivíduo não está acostumado, este poderá sentir
15

dificuldade, pois os elementos musicais ali inseridos estão dispostos de formas diferentes ao
habitual. Pela falta de um conhecimento mais amplo, o conteúdo ou a música se torna muito
complexa aos ouvidos, o que por muitas vezes leva o indivíduo ao abandono do aprendizado da
música ou de determinado conteúdo musical.
O estudo de Green (2000) aponta, também, que os músicos populares intercalam entre
períodos de prática e estudos intensos e períodos sem estudo. Esta motivação se dá em relação
aos fatores já descritos e também a fatores externos e ao estado emocional do indivíduo,
mostrando que o prazer de tocar está à frente da sistematização do estudo.
A partir dessas leituras, a temática dessa pesquisa toma proporções explanatórias e
didáticas, acreditando que o leitor já tenha percebido auditivamente o uso do empréstimo
modal, para agora passar a entendê-lo em sua forma teórica aproximando o músico prático
através de um repertório que é muito utilizado em casamentos, formaturas e outras festas, como
já citado, da teoria musical.
16

ACORDE DE EMPRÉSTIMO MODAL (AEM): UM ESTUDO TEÓRICO

A metodologia usada neste trabalho é a análise harmônica. Para entendermos como


funciona a utilização do acorde de empréstimo modal (AEM) e para analisarmos as obras que
encontraremos no próximo capítulo, se faz necessário um determinado nível de conhecimento
teórico. Embora tenha pesquisado autores relacionados à teoria musical e harmonia
(ALDWELL; SCHACHTER, 1989, BENNETT, 1998, CHEDIAK, 1986, GUEST, 1996,
KOELLREUTER, 1978, KOSTKA; PAYNE, 2000, MED, 1996 e PERSICHETTI, 2012),
procuro explicar os conceitos da maneira simples fazendo uso de frases que tenho utilizado nas
aulas de instrumento que ministro, pois percebi que, dessa forma, tenho conseguido melhores
resultados.
Para organizar essa explicação, o capítulo está dividido em quatro partes seguindo uma
sequência lógica de assuntos: primeiramente faremos um breve resumo da teoria musical, onde
escolhemos iniciar falando de tom e semitom, escala cromática, escala diatônica e formação de
acordes. Na segunda parte explicaremos o sistema de cifragem cordal, além da notação gradual,
utilizando-se apenas as letras maiúsculas e a simbologia da cifra, pois acreditamos que, desta
forma, será mais fácil de compreender o conteúdo. Na terceira parte falaremos sobre o campo
harmônico e na última sobre o empréstimo modal.

Tom e Semitom

O semitom é a menor distância entre os sons usados na nossa música (Ocidental). Por
exemplo, entre o Dó e o Ré temos o Dó Sustenido (Dó#), que está um semitom à frente do Dó
ou um semitom atrás do Ré. Se, entre Dó e Dó Sustenido temos um semitom e entre Dó
Sustenido e Ré temos outro semitom, logo, podemos afirmar que entre Dó e Ré temos dois
semitons o que chamamos de tom. Ou seja, a distância de um tom equivale à distância de dois
semitons.

Escala Cromática

É a sequência de 12 sons seguidos com a distância de semitom entre eles, ou seja, de


semitom em semitom, acrescentada da repetição da nota inicial, formando assim uma sequência
de 13 sons. Nela, passaremos por todas as notas musicais conhecidas em nosso sistema onde,
17

em ordem crescente, chamamos os intervalos entre notas de sustenidos e em ordem decrescente


de bemóis.

DÓ DÓ# RÉ RÉ # MI FÁ FÁ # SOL SOL# LÁ LÁ # SI DÓ

Nota-se que não se encontra sustenido (#) entre Mi - Fá e entre Si - Dó, assim como não
encontramos bemol (b), que é o movimento contrário ao sustenido (#) de Fá – Mi ou de Dó –
Si, isso porque a distância entre elas é de semitom.

Escala Diatônica Maior

Para formarmos a Escala Diatônica Maior, vamos tomar como base a escala cromática,
onde depois de escolhermos com qual nota vamos começar seguiremos a regra de construção:
saltam-se as distâncias de: Tom - Tom – Semitom (ST) – Tom – Tom – Tom – Semitom.
Tomando como exemplo o Dó teremos a seguinte escala:

TOM TOM ST TOM TOM TOM ST

DÓ RÉ MI FÁ SOL LA SI DO

Assim será feito para encontrar as seguintes escalas:

TOM TOM ST TOM TOM TOM ST

RÉ MI FÁ# SOL LÁ SI DO# RÉ

MI FÁ# SOL# LÁ SI DO# RÉ# MI

FÁ SOL LÁ SIb DÓ RÉ MI FÁ

SOL LÁ SI DÓ RÉ MI FÁ# SOL

LÁ SI DÓ# RÉ MI FÁ# SOL# LÁ

SI DÓ# RÉ# MI FÁ# SOL# LÁ# SI


18

Formação de Acordes

Os acordes de tríade são sobreposições de terças que fazem parte da mesma escala. Formam-se
a partir da escala diatônica seguindo o modelo de acorde que se quer construir. Temos quatro modelos
de acordes básicos formados pela união de três notas:

a) Acorde Maior: formado pela primeira justa (tônica) - principal nota do acorde e que
lhe dá o nome, a sua terça maior - terceira nota resultante de um intervalo de dois tons
e pela sua quinta justa - quinta nota a partir da tônica, ou sobreposição de terças.
É importante ressaltar que todo acorde maior é formado a partir da escala diatônica
maior do acorde que se quer formar, a partir dele teremos as variações de acordes que vermos
a seguir:
Tomando como exemplo o “Dó Maior”, teremos esta sequência de notas em sua escala
diatônica: Dó - Ré - Mi - Fá - Sol - Lá - Si - Dó. A sua formação será:

1° 3° 5°
Dó Mi Sol

b) Acorde Menor: formado pela tônica, sua terça menor (que será sua terça diminuída em
um semitom) e o seu quinto grau. Tomando como base a mesma escala diatônica, a
formação do Dó menor será:

1° 3° bemol 5°

DÓ MI bemol SOL

c) Acorde diminuto: é formado pela tônica, terça menor e quinta diminuta. No quinto
grau o movimento de um semitom para trás é o mesmo que acontece com o terceiro,
mudando apenas a nomenclatura. Exemplo, “Dó Diminuto”:

1° 3° bemol 5° Diminuta (bemol)

DÓ MI bemol SOL Diminuto


19

d) Acorde aumentado: formado pela tônica, terça maior e quinta aumentada, onde se
movimenta um semitom à frente o seu quinto grau. Exemplo: Dó + Mi + Sol#, ou seja,
eleva-se um semitom no quinto grau em relação ao acorde maior.

1° 3° 5° Aumentado

DÓ MI SOL #

Assim temos os quatro modelos de acordes formados pela combinação de três notas, por
isso tríades: Maior, Menor, Aumentado e Diminuto, podendo esses acordes se apresentarem em
sua forma fundamental ou em suas inversões (fundamental quando o acorde inicia com a nota
que lhe dá o nome e inversão quando inicia com outra nota que o compõe). Para representar
esses acordes foi criado um sistema de notação musical simples que consiste em utilizar letras,
números e símbolos para representar cada acorde. Esse sistema é chamado de Cifragem Cordal
(as cifras que encontramos em sites, revistas e outros dispositivos para aprender uma nova
música). É possível identificar algumas variações de sua utilização em alguns países, as quais
não serão abordadas nesse estudo.

Cifragem Cordal

Os acordes maiores são representados por letras maiúsculas:

A B C D E F G

Lá Maior Si Maior Dó Maior Ré Maior Mi Maior Fá Maior Sol Maior

Os acordes menores são representados por letras maiúsculas seguidas da letra “m”
minúscula:

Am Bm Cm Dm Em Fm Gm

Lá menor Si menor Dó menor Ré menor Mi menor Fá menor Sol menor


20

Os acordes diminutos são representados por letras maiúsculas seguidas do símbolo ° ou


-: Exemplo C° (Dó Diminuto).
Os acordes aumentados são representados por letras maiúsculas seguidas do símbolo +:
Exemplo C+ (Dó Aumentado).
As cifras podem trazer, ainda, números, tais como: 7, 9 entre outros, lidos como números
ordinais, por exemplo: C7 lê-se Dó com Sétima menor, neste caso os acordes deixam de ser
tríades, ou seja, acordes formados por três notas e passam a ser tétrades, que formados agora
por quatro notas, onde o número simboliza a distância da nota que foi acrescentada em relação
a tônica.
Símbolos também constituem as cifras, tais como: sustenido “#”, que caracteriza a
movimentação ascendente em semitom na nota em que for utilizado e o bemol “b” que
caracteriza a movimentação descendente de um semitom na nota que for utilizado. Também já
foram mencionados os símbolos diminuto “º” e aumentado “+”.

Campo Harmônico Maior

São os acordes que fazem parte de uma tonalidade, ou seja, ao escolhermos uma nota
para ser nossa tônica, esta terá sua escala. Partindo de nota em nota montando os acordes, como
já visto anteriormente, encontraremos para cada nota da escala escolhida um modelo de acorde
que, ao final, nos dará a sequência de sete acordes referentes à escala escolhida. Chamamos
essa sequência de campo harmônico. Tomando como exemplo a escala de Dó Maior,
obrigatoriamente o primeiro acorde, no caso o Dó será maior pelo fato da escala ser maior,
assim teremos:
- Dó maior (C), formado pelo Dó (1°J) + Mi (3°M) + Sol (5°J)

C Dó (1°J) Mi (3°M) Sol (5°J)

- O próximo acorde será: Ré menor (Dm): Ré (1ºJ) + Fá (3m) + La (5J).

Dm Ré (1°) Fá (3°m) Lá (5°J)

- E assim segue-se com os demais:

Em Mi (1°) Sol (3°m) Si (5°J)

F Fá (1°) Lá (3°) Dó (5°J)

G Sol (1°) Si (3°) Ré (5°J)

Am Lá (1°) Dó (3°m) Mi (5°J)


21

B° Si (1°) Ré (3°m) Fá (5°b ou dim)

Resumidamente, o campo harmônico de Dó maior será:

C Dm Em F G Am B°

Tomando como referência a escala diatônica maior de cada tônica será possível
encontrar os demais campos harmônicos.
Para simplificar a formação do campo harmônico por meio da formação dos acordes, já
que entendemos como este funciona, podemos utilizar a cifra gradual, que consiste em definir
os acordes do campo harmônico por graus que são simbolizados por algarismos romanos
(lembrando que neste trabalho, utilizaremos apenas as letras maiúsculas).
Pensando desta forma, podemos seguir a seguinte regra para o campo harmônico maior
utilizando da Cifragem Gradual:

1° Maior (I) 2° Menor (II) 3° Menor (III) 4° Maior (IV) 5° Maior (V) 6° Menor (VI) 7° Diminuto (VII)

Também temos acordes formados por quatro sons que são denominados de Tétrades,
que aparecem quando acrescentamos uma nota a mais nos acordes que já encontramos na
formação da tríade, sempre seguindo a sequência de terças. Ou seja, 1°J que é a primeira nota
ou podemos chamar de tônica, a 3° em relação à tônica e a 5° em relação à tônica, o próximo
será o 7° em relação à tônica. Porém, neste trabalho nosso enfoque está nas tríades.
1° + 3° + 5° = C
Do + Mi + Sol = C
Do + Mi + Sol + Si = Dó maior com sétima maior que na cifra será: C7M

Campo Harmônico menor

O Campo Harmônico menor pode ser natural, harmônico e melódico e é composto pelos
acordes formados pela escala menor referente ao modo que se deseja, seguindo a mesma regra
de terças sobre terças que utilizamos na escala maior, por exemplo, “Do menor” seria:

Menor natural Dó Ré Mi b Fá Sol La b Si b


22

C.H. Menor Cm D° Eb Fm Gm Ab Bb
natural

Menor Dó Ré Mi b Fá Sol Lá b Si
Harmônico

C.H Menor Cm D° Eb5+ Fm G Ab B°


Harmônico

Menor Melódica Dó Ré Mi b Fá Sol Lá Si

C.H. Menor Cm Dm Eb5+ F G A° B°


Melódica

Empréstimo Modal

Segundo Ian Guest (1996) o acorde de empréstimo modal (AEM) é quando se utiliza
combinadamente acordes da mesma tonalidade, tanto do seu campo harmônico maior, quanto
do menor, sendo também possível o empréstimo entre modos homônimos, conhecidos por
modos gregos, antigos ou litúrgicos. Por exemplo, o Modo Lídio, Modo Frígio entre outros.
Nesta perspectiva, entendemos que o AEM é a substituição de um acorde por outro de campo
harmônico distinto desde que, em sua formação, este acorde possua a nota que está sendo
executada pela melodia.
Em estudos de autores que trabalham com harmonia na música tonal erudita ocidental,
é possível encontrar conceitos análogos, embora o uso da nomenclatura seja um pouco
diferenciado. Por exemplo, segundo Aldwell & Schachter (1989), o AEM, ou acorde de mistura
modal, é a utilização de elementos do modo menor num contexto musical maior e vice-versa.
Com definição semelhante, Kostka e Payne (2000) falam que “o tipo mais comum de mistura
modal envolve a utilização de acordes característicos do modo menor em um trecho musical
onde predomina o modo maior” (KOSTKA; PAYNE, 2000, p.355). Na música tonal erudita
ocidental, o exemplo mais comum é a elevação do terceiro grau do modo menor que caracteriza
a terça de picardia, transformando sua tonalidade de menor para maior, geralmente no último
compasso da obra.
Outro exemplo é a interpretação do acorde napolitano, que em suma é uma tríade maior
construída sobre o segundo grau menor, ou seja, o segundo grau abaixado em um semitom,
tanto em maior como em menor, podendo ser considerado como um acorde de empréstimo
vinculado ao Modo Frígio, abrindo assim um precedente para a expansão das possibilidades
23

harmônicas incluindo a mistura modal, que é caracterizada pela utilização de acordes derivados
dos outros modos diatônicos que provavelmente serão objetos de pesquisa para um próximo
trabalho.
Em resumo, o acorde de empréstimo modal é a utilização de um acorde do campo
harmônico maior no campo harmônico menor ou vice-versa.
24

O EMPRÉSTIMO MODAL RECORRENTE NO POP-ROCK DOS ANOS 1980

Este capítulo refere-se à análise das cinco obras escolhidas para exemplificar o uso do
empréstimo modal. A escrita tradicional da música em partitura será utilizada apenas como
apoio visual e com a finalidade de despertar o desejo dos que ainda não a estudam, para que
busquem este conhecimento. É importante deixar claro que as informações obtidas sobre o
gênero, compositores e as obras, foram cruzadas de alguns sites, dada a inexistência de
materiais científicos sobre o assunto.
O Pop Rock romântico como o próprio nome o define é caracterizado pela mistura de
elementos do Rock e do Pop. Nele, há os timbres dos sintetizadores, que caracterizaram a
música Pop dos anos 1980 e a guitarra elétrica com distorção do Rock, além de letra romântica
e uma estrutura musical composta por timbres bem característicos do estilo. Esta música,
geralmente, é composta por acordes triádicos, fazendo uso de inversões que, em alguns casos,
formam uma melodia no baixo proporcionando ao ouvinte a sensação de crescimento ou
aproximação. Tal recurso é comumente utilizado antes do refrão ou de algumas partes que se
queira dar ênfase.
Em alguns acordes acrescenta-se uma sétima ou uma nona, dependendo da sensação que
queira transmitir ao ouvinte. Esses recursos contribuíram para expressar romantismo, tornando
muitas dessas obras clássicas do seu tempo. Muitas dessas músicas fizeram uso do empréstimo
modal como ferramenta expressiva. Nesse caso, utilizou-se este recurso para dar ênfase ou
preparar para o refrão e, assim, transmitir, juntamente com a dinâmica crescente dos
instrumentos, mais emoção ao ouvinte. É nesta ferramenta expressiva que focarei o estudo a
partir de agora.
Foram escolhidas cinco obras, que estarão contidas no disco anexado ao trabalho, quatro
delas originalmente escritas na tonalidade de Dó Maior e uma delas transposta para Dó Maior
para ficar mais claro o uso do empréstimo, visto que é o único campo harmônico maior que, em
sua formação, não possui acidentes.

Heaven (letra e música de Bryan Adams e Jim Valance)

Esta obra, resultado de uma parceria, foi lançada em 1985 no álbum Recklesss de Bryan
Adams. Este compositor nasceu no Canadá no dia cinco de novembro de 1959 e foi um dos
artistas mais bem-sucedidos da década de 1980. Cantor e compositor, atualmente tem realizado
trabalhos como fotógrafo além de turnês pelo mundo. Suas músicas fizeram grande sucesso
25

como trilhas sonoras para o cinema ao longo das décadas de 1980 e 1990, o que lhe resultou
algumas premiações.
A música que iremos analisar a seguir está escrita originalmente na tonalidade de Dó
Maior (C) e logo aos 26 segundos da música percebe-se a utilização do empréstimo modal de
sétimo bemol em relação à Tônica, ou seja, Bb para C. O mesmo se repete aos 00:01:34, como
veremos a seguir com um trecho da letra. O empréstimo está destacado em cinza e logo depois
o trecho escrito na pauta também foi destacado (Figuras 1 e 2).

C Am7 G4(6) G6
Oh!! Thinking about all our younger years
Dm7(9) Am7(9)
There was only you and me
Bb6(11+) G4(6) G6
We were young and wild and free
C Am7 G4(6) G6
Now nothing can take you away from me
Dm7(9) Am7(9)
We've been down that road before
Bb6(11+) Am7(5+)
But that's over now
G4(6) G6
You keep me coming back for more

Figura 1

Acervo pessoal
26

Esse empréstimo pode ser caracterizado pelo acorde de sétima menor, pois a sétima de
Dó é Si, logo Si bemol será Sétima Bemol ou Sétima menor, o qual faz parte do campo
harmônico de Dó menor. Por isso, esse acorde caracteriza um empréstimo do modo homônimo3,
modo inverso à tonalidade da música e assim considerado um empréstimo modal.
Podemos também analisar esse acorde como uma extensão de quartas, sendo o quarto
grau do quarto grau da tonalidade, ou seja, o quarto grau de Dó é Fá e o quarto grau de Fá é Si
Bemol, ficando assim: Bb - F – C que acontece aos 00:00:40 e se repete aos 00:01:47.

Figura 2

Acervo pessoal

Straight From the heart (letra e música de Bryan Adams)

A próxima obra a ser analisada também foi composta por Bryan Adams e foi lançada
em 1983, rendendo ao compositor as indicações de Compositor do Ano, Juno Awards e Música
do Ano.
A música originalmente está na tonalidade de Dó Maior (C) e emprega o uso do mesmo
empréstimo de 7°b, que no caso é o mesmo “Bb” encontrado na canção anterior. Da mesma
maneira, é utilizado como uma prolongação de quarta, já que logo em seguida utiliza o Fá
Maior. Com isso, realiza um ciclo de quintas partindo do Bb visto que, se analisarmos partindo
do Bb, temos como próximo acorde o seu Quinto grau – Fá. Logo depois temos o quinto do Fá
que é Dó, resultando no seguinte: Bb – F – C, outra forma de analisarmos a progressão desses
acordes. Porém, continua sendo o IV° do IV°, pois estamos tomando como base a tônica que
neste caso é Dó. Isso acontece aos 00:00:17, repetindo aos 00:00:39 e aos 00:01:25. Segue a
letra da música e logo em seguida o trecho escrito na pauta (Figura 3):

3Modo homônimo é o campo harmônico da mesma tonalidade em seu modo oposto, ou seja, maior-menor.
27

C
I could start dreaming, but in never ends.
C
As long as you're gone we may as well pretend.
Bb F Bb F C G C
I been dreamin' straight from the heart.
C
You say it's easy, but who's to say that we'd be able to keep it this way.
Bb F Bb F C G C
But it's easier, comin' straight from the heart.
F G C
Oh give it to me straight from the heart
F G C
Tell me we could make another start
Am G F
You know I'll never go as long as I know it's comin
C G C
Straight from the heart.
C
I see you on the street some other time,
C
When all the words will just fall out of line
Bb F Bb F C G C
While we're dreamin' straight from the heart.

Figura 3

Acervo Pessoal
28

Everything I do (letra e música de Bryan Adams)

A obra que analisaremos agora também foi composta por Bryan Adams para a trilha
sonora do filme “Robin Hood – O príncipe dos ladrões” e foi lançada juntamente com o filme
em 1991. O filme é estadunidense e foi dirigido por Kevin Reynolds. Esta música rendeu ao
compositor algumas indicações a prêmios, dentre eles o Prêmio de Melhor Canção Composta
para Mídia Visual.
A música foi escrita, originalmente, em Dó sustenido maior (C#). Como descrito
anteriormente, para facilitar a compreensão, trabalharemos sempre na tonalidade de Dó Maior
(C), o que nos leva, neste caso, a transportar a tonalidade da música meio tom abaixo.
O compositor deixa claro logo no início da música qual a sua tonalidade, fazendo uso
de seus principais acordes, entre eles: C que é o I°, F - IV° e G que é o V°. Esses acordes são
utilizados em praticamente toda a música. Ao chegar aos 00:02:12, podemos perceber
novamente o uso do Bb, ou seja, o 7°b em relação à tônica C, só que com uma resolução
diferente das anteriores. Desta vez, a resolução consiste na utilização do quarto grau em relação
ao Bb, o Eb, que também faz parte do campo harmônico de Dó menor, sendo assim também
considerado um empréstimo modal (Figura 4).

C G F G
Look into my eyes, you will see what you mean to me
C G
Search your heart, search your soul and when you
F C G
Find me there, you'll search no more
Dm C G Dm
Don't tell me it's not worth trying for
Dm C G Dm
You can't tell me it's not worth dying for
C G C
You know it's true, everything I do, I do it for you

C G F C G
Look into your heart, you will find, there's nothing there to hide
29

C G F C G
Take me as I am, take my life, I would give it all, I would sacrifice
Dm C G Dm
Don't tell me it's not worth fighting for
Dm C G Dm
I can't help it, there's nothing I want more
C G C
You know it's true, everything I do, I do it for you
Bb Eb Bb F
There's no love like your love, and no other could give more love

Figura 4

Acervo Pessoal

Podemos analisar esta sequência de acordes de várias maneiras distintas, porém, neste
momento vamos analisar como uma sequência de acordes que tem, entre si, uma distância de
quarto grau ou ciclo de quartas, que indica que iremos saltar numa distância de quatro graus a
cada acorde. Por exemplo, o quarto grau de Dó é Fá, o quarto grau de Fá é Si Bemol e, assim
sucessivamente, podendo se prolongar de acordo com a necessidade do compositor, por
exemplo, C – F – Bb – Eb – Ab. Podemos observar, neste exemplo, dois acordes a mais partindo
do Si bemol (Bb) com distância de quarta entre si, neste caso o Mi Bemol ( Eb ) e o Lá Bemol
(Ab). Os acordes deste ciclo de quartas, naturalmente passam do campo harmônico maior para
o menor. Mais uma vez observamos a utilização do campo homônimo, neste caso passamos do
Dó Maior para o Dó menor de acordo com o que vai se utilizando nesta sequência, ainda que
todos os acordes utilizados sejam maiores, porque neste caso, a partir do Si Bemol (Bb), já
estamos na tonalidade de Dó menor que perdurará até o Lá Bemol (Ab). Estes acordes, por
fazerem uma sequência onde a distância entre si é estática e de quarto grau, podem trazer ao
ouvinte a sensação de suspensão ou distanciamento.
30

Logo em seguida, aos 00:02:26, temos uma sequência de quintas, oposta ao que
acabamos de ver pois, partindo do acorde que iniciou a sequência, caminharemos sempre uma
quinta para frente. Ou seja, se partirmos do Dó Maior (C), sua quinta será o Sol Maior (G) e
assim sucessivamente. Neste caso, a sequência culmina no uso de um Ré Maior (figura 5),
emprestado do campo harmônico da tonalidade vizinha, Sol Maior (G), recurso que também é
muito utilizado. As tonalidades vizinhas de um acorde são respectivamente o seu quarto (IV°)
e quinto grau (V°) em relação à tônica, que no caso do Dó Maior (C) seria o Fá (F) e o Sol (G).

A# D# A# F
There's no love like your love, and no other could give more love
C G D G
There's no where unless you're there, all the time, all the way

Figura 5

Acervo Pessoal

It must have been love (letra e música de Per Gessle)

A próxima música a ser analisada foi composta por Per Gessle e lançada em 1987 na
Suécia, mas só veio a ficar conhecida nos demais países em 1990 quando interpretada pela
dupla sueca Roxette (Marie Fredriksson e Per Gessle), que fez muito sucesso entre o fim dos
anos 1980 e meados dos anos 1990.
A música, originalmente escrita na tonalidade de Dó maior (C), segue reforçando sua
tonalidade original até que, aos 00:02:19, temos o uso do Gm que é um empréstimo da
tonalidade do Dó menor e que também é o relativo menor4 do Bb, logo em seguida aos 00:02:28
temos a utilização do Bb (Figura 6).

4 O sexto grau de todo campo harmônico maior é considerado relativo menor por ter na formação do seu campo
harmônico menor natural os mesmos acordes do primeiro grau em questão.
31

C
It must have been love
F
But it's over now
C
Lay a whisper on my pillow,
F G
leave the winter on the ground
C F
I wake up lonely, there's air of silence
Dm G
in the bedroom and all around
Am C F G
Touch me now, I close my eyes and dream away
C F
It must have been love, but its over now
Dm Am G
It must have been good, but I lost it somehow
C F
It must have been love, but its over now
Dm Am G
from the moment we touched till the time had run out
C
Make believing, we're together
F G
that I'm sheltered by hour heart
C F
But in and outside I've turned to water
Dm G
like a teardrop in your palm
Am C F G
And its hard, winter's day, I dream away
32

C F
It must have been love, but its over now
Dm Am G
It was all I wanted, now I'm living without
C Gm
It must have been love but its over now
C Bb
Its where the water flows, its where the wind blows
Figura 6

Acervo Pessoal
A partir dos 00:02:34 temos uma modulação para a tonalidade de fá maior (F), embora
a sensação seja de tonalidade ambígua pois temos a impressão de continuarmos no dó maior
(C), com a utilização de empréstimos (Figura 7).
F Bb
It must have been love but its over now
Gm Dm C
It must have been good, but I lost it somehow
F Bb
It must have been love, but its over now,
Gm Dm C
from the moment we touched till the time had run out.
33

Figura 7

Acervo Pessoal

Ao chegarmos em 00:02:46, percebemos que estávamos no Fá Maior e que agora


teremos o auxilio do Ré Maior (D) para a modulação para sol maior, ou seja, realmente
estávamos em Fá embora nossa sensação fosse de permanecermos no Dó e agora

F Bb
Yeah it must have been love, but its over now,
Gm Dm C
It was all that I wanted, now I'm living without
F Cm
It must have been love but it's over now
F D
It's where the water flows, it's where the wind blows

A partir do terceiro compasso a música modula para Sol Maior (Figura 8).

Figura 8: Acervo Pessoal


34

Outro tipo de empréstimo que podemos observar neste momento é o empréstimo do


campo harmônico vizinho. Para encontramos as tonalidades vizinhas precisamos conhecer o
ciclo de quintas e que quartas, onde os vizinhos serão o quarto e o quinto grau da tonalidade.
Neste caso já conhecemos esses graus em relação ao Dó Maior que serão respectivamente Fá
Maior (IV°) e Sol Maior (V°). Temos aqui o exemplo de Dó maior (C) utilizando Ré maior
(D) que é encontrado na tonalidade de Sol Maior, já que na tonalidade de Dó Maior Ré deverá
ser menor.

Glory of Love (letra e música de Peter Cetera)

A última música a analisarmos foi composta para o filme estadunidense “Karatê Kid
II”. Essa música o fez atingir o primeiro lugar nas paradas de sucesso em 1985 e a indicação a
vários prêmios. Peter Cetera é americano e ficou muito conhecido quando foi baixista e cantor
da banda norte-americana Chicago, a qual deixou no início dos anos 1980 para seguir sua
carreira de cantor solo.
Esta é a mais complexa em relação às já vistas e também foi escrita originalmente na
tonalidade de Dó Maior (C). Essa música se utiliza de diversos artifícios harmônicos e já na
introdução do piano é possível perceber a utilização do VII°b, ou seja, Bb.
Podemos aqui destacar a inversão dos acordes criando assim uma melodia no baixo,
como podemos observar logo no início da canção aos 00:00:21 (Figura 9).
Introdução: C F Bb (2X)
C G
Tonight it's very clear as we're both lying here
C/E F C/G G
There's so many things I want to say
C/E F/A
I will always love you
Figura 9

Acervo Pessoal
35

Podemos perceber, em 00:00:27, acordes invertidos com melodia no baixo com a


sensação de crescimento até culminar no empréstimo modal de sétimo grau bemol, que aqui
será um Bb por estar na tonalidade de Dó maior (C), e continuará numa sequência de quarto
grau que terá o Eb e o Ab, ambos acordes da tonalidade do Dó menor (Cm) (Figura 10).

C/E F/A
I will always love you
Bb Eb Ab
I would never leave you alone
C G
Sometimes I just forget say things I might regret
C/E F C/G G
It breaks my heart to see you crying
C/E F/A
I don't want to lose you
Bb Eb Ab
I could never make it alone
Figura 10

Acervo Pessoal

Chegamos ao refrão que permanece na tonalidade de dó maior (C), porém com o uso de
inversões. Aos 00:01:25 percebe-se a utilização de um diminuto de passagem ascendente, que
será o Si diminuto (B°), como podemos observar no segundo acorde do quarto compasso da
Figura 11 abaixo.
C F C/E G
I am a man who would fight for your honor
C/E F/A C/E G
I'll be the hero you're dreaming of
C/E F/A C/E B°
We'll live forever knowing together
Am F G C
That we did it all for the glory of love
36

Figura 11

Acervo Pessoal

Repete-se toda a música, até que, aos 00:02:33, temos uma modulação para o Dó menor
(Cm), ou seja, a partir de agora não temos um empréstimo modal, visto que o empréstimo é um
acorde passageiro. Neste caso, o trecho da música muda de tonalidade passando para o Dó
menor (Cm), indo a harmonia para Fá menor, que é o quarto grau menor da tonalidade de Dó
menor (Cm). A música continua utilizando os acordes da tonalidade de Dó menor até 00:02:45,
onde temos uma rápida modulação para Si bemol maior (Bb) que inicia aos 00:02:46. Em
00:02:57 encontramos o acorde de Lá bemol maior (Ab), que é o VIIb maior do Bb, mas que
nesse caso não é um empréstimo, e sim o V° maior do Ré bemol maior (Db), a dominante em
relação ao Ré bemol maior (Db), que será a tonalidade da canção a partir desse momento. Ou
seja, tivemos uma modulação de um semitom acima, no caso a música seguirá o mesmo padrão
anterior só que um semitom acima.
37

CONSIDERAÇÕES

Após analisarmos estas cinco músicas, podemos observar que, em relação à tonalidade,
o acorde de VII°b foi o mais utilizado, onde foi possível perceber o seguinte caminho para a
utilização deste acorde: IV° do IV° da tonalidade, ou seja, Bb para F pensando em Dó Maior,
dando assim uma sensação de suspensão fazendo um ciclo de quartas dentro do campo
harmônico homônimo da tonalidade da música.
Percebeu-se, com essa análise, que temos uma variedade de recursos harmônicos que
podemos utilizar, tendo em vista os já utilizados pelos compositores desse estilo,
principalmente o empréstimo modal, que foi o nosso ponto de enfoque. O uso do VII° bemol é
um dos mais comuns e gera um ar de suspense agradável, talvez com o propósito de levar o
ouvinte a se emocionar ao ouvir a canção. Não é por menos que muitas delas se tornaram
clássicos do seu tempo levando pessoas até hoje a momentos nostálgicos ao se deleitarem com
a audição de alguma delas.
Assim, podemos perceber que o músico de um contexto informal de ensino, embora sem
ter os conceitos teóricos do que está utilizando, já se experiencia ferramentas complexas da
harmonia musical. Nessa direção, podemos entender que o ensino informal pode desenvolver
vários aspectos do aprendizado musical, dentro dos quais podemos destacar a percepção
musical.
Podemos, então, observar através destas análises o quão vasto é o campo da composição
e como a posição dos acordes em uma determina melodia e a escolha destes pode afetar nossa
percepção, influenciando os nossos sentidos e fazendo aflorar os mais variados sentimentos.
Sabemos que existe uma infinidade de recursos para serem explorados pelos que
desejam trilhar os caminhos da harmonização, do arranjo ou da composição musical, porém,
neste trabalho observamos apenas a harmonia encontrada nessas músicas, objetivando
aproximar o músico prático destes conceitos mais teóricos, buscando, através disto uma maior
interação entre a academia e o músico informal, quebrando barreiras e oferecendo a estes uma
maior ligação com o campo teórico e assim, quem sabe, aflorar o interesse por este estudo.
Em um futuro trabalho, pretendo analisar os padrões de cadências utilizadas em músicas
midiáticas e entender a sensação que esta cadência proporciona no individuo, para assim
entender o porquê de sua utilização em grande escala nesse tipo de música.
38

REFERÊNCIAS

BENNETT, Roy. Elementos básicos da música. 1998. Jorge Zahar

CHEDIAK, Almir. Harmonia e Improvisação. Rio de Janeiro: Editora Lumiar, 1986.

CORRÊA, Marcos Kroning. Violão Sem Professor: Um Estudo Sobre Processos de Auto -
Aprendizagem com Adolescentes. 2000. Dissertação (Mestrado em Música) - UFRGS, Porto
Alegre, 2000.

ALDWELL, Edward; SCHACHTER, Carl. Harmony and voice lead, 2° ed. 1989.

GUEST, Ian. Arranjo: Método prático. Volume 2. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 1996.

GREEN, Lucy. Poderão os professores aprender com os músicos populares? Revista Música,
Psicologia e Educação, Porto, n. 2, p.65-80, 2000.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A,

2005.

KOELLREUTTER, Hans-Joachim. Harmonia funcional: introdução à teoria das funções.


São Paulo: Ricordi Brasileira, 1978

KOSTKA, Stefan; PAYNE, Dorothy. Tonal Harmony. 4a. ed. Boston: McGraw Hill, 2000.

MED, Bohumil. Teoria da música. 4° ed. 1996. MUSIMED

NUSSBAUMER, Gisele Marchiori. O Mercado da Cultura em Tempos (Pós) Modernos.


Santa Maria: Ed. Da UFMS, 2000.

FARIA, Nelson. Harmonia, um estudo das possibilidades para guitarra solo (chord
melody). Rio de Janeiro: Nossa música, 2006.

PERSICHETTI, Vincent. Harmonia no século XX: aspectos criativos e prática. São Paulo:
Via Lettera, 2012.

PINTO, Mércia. Ouvidos para o mundo: aprendizado informal de música em grupos do


Distrito Federal. Opus, n. 8, fevereiro 2002. Disponível em:
<http://www.anppom.com.br/opus/opus8/mercmain.htm>. Acesso em: 15 abril. 2017.

PRASS, Luciana. Saberes musicais em uma bateria de escola de samba: uma etnografia
entre os Bambas da Orgia. Porto Alegre: Editora da UIFRGS, 2004.

TINHORÃO, José Ramos. Música popular: um tema em debate. 3a. ed. São Paulo: Editora
34, 1997.

ZAN, José Roberto. Música popular brasileira, indústria cultural e identidade. EccoS Revista
Científica, vol. 3, núm. 1, junho, 2001, pp. 105-122 Universidade Nove Julho São Paulo.
Brasil.

Você também pode gostar