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Planejamento e Gestão Urbana no Brasil

O ESTADO E O
URBANO NO BRASIL
ESPAÇO E DEBATES, ANO II (1982)

FRANCISCO DE OLIVEIRA
Planejamento e Gestão Urbana no Brasil

PERCEPÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE


ESTADO E URBANO
(Celso Furtado)

01 02 03
Relação entre Estado e o
Divisão social do trabalho Regulação das relações
espaço urbano
Especialização das sociais e de produção pelo
Estado Não passamos da constatação
atividades presentes em
O Estado está no da ação do Estado sobre a
todas as sociedades
nascimento delas se regulação de certos aspectos
complexas
tomarmos os anos 1930 da vida urbana (uso do solo,
códigos de construção...)

Estado e urbano – relação mais clara – Estado utiliza mecanismos que são de criação e de
reprodução do urbano. Do ponto de vista do campo essa ação e interação são menos visíveis
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CONTEXTO BRASIL COLONIAL

Caráter agroexportador da economia


(latifúndio monocultor de exportação)

Campo não é o que controla o Estado

Escravidão - mão de obra não


especializada

Constituição da cidade segue padrão


litorâneo devido ao seu caráter
exportador de produtos primários e à
divisão social do trabalho

Polarização em poucas cidades -


caráter autárquico do campo impede
a produção de uma rede urbana
Mapa do Brasil em 1927 - Atlas de J. Monteiro e F. d'Oliveira
Planejamento e Gestão Urbana no Brasil

CONTEXTO BRASIL COLONIAL

Cidades coloniais já possuíam urbanização, por sediarem os aparelhos que fazem


a ligação da produção com a circulação internacional de mercadorias (capital
comercial) e os aparelhos de Estado (primeiro o Estado colonial português, depois
o Estado brasileiro). Posteriormente passam a ser a sede do novo aparelho
produtivo que é a indústria, o que vai redefinir o que é o urbano

“a urbanização no Brasil, desde a colônia e principalmente


no século XIX, avança a passos mais largos do que aqueles
que nos acostumamos a entender, isto é, nós estamos
acostumados a entender que o fenômeno da urbanização
na sociedade e na economia brasileira é um fenômeno que
https://edisciplinas.usp.br se deflagra apenas a partir da industrialização” (pág. 38)
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CONTEXTO BRASIL COLONIAL

As cidades da América Ibérica são principalmente


burocráticas (Richard Morse), mas o capital comercial,
que controlava a produção agroexportadora e fazia a
ligação dessa produção com a circulação internacional
de mercadorias, era o principal fator responsável pela
configuração das cidades brasileiras.

O caráter monocultor da agricultura de exportação no


Brasil (complexo latifúndio- minifúndio) impediu a
criação de uma rede urbana - pequenas cidades e
aldeias - no entorno das regiões produtoras dos bens
primários de exportação como ocorreu na Europa,
produzindo, ao contrário, poucas, mas grandes cidades
em termos relativos.

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CONTEXTO BRASIL COLONIAL


Polarização em poucas cidades - caráter autárquico do campo impede a
produção de uma rede urbana no Brasil

Recife, Google Maps, 2023 Manchester, Google Maps, 2023


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CONTEXTO BRASIL COLONIAL


Polarização em poucas cidades - caráter autárquico do campo impede a
produção de uma rede urbana no Brasil

Salvador, Google Maps, 2023 Liverpool, Google Maps, 2023


Planejamento e Gestão Urbana no Brasil

CONTEXTO BRASIL COLONIAL

“A pobreza dessa rede urbana é, em parte, determinada pelo próprio caráter


autárquico das produções para exportação. Esse caráter autárquico embotava a
divisão social do trabalho e, embotando a divisão social do trabalho, não dava
lugar ao surgimento de novas atividades cujo centro natural fosse evidentemente
as cidades [...]” (p. 40)

O trabalho escravo no qual se fundou a economia brasileira impediu formação de


um mercado de trabalho onde se dava a formação tanto do exército ativo quando
dos exércitos industriais de reserva como ocorria nas cidades da Europa. Ele é
constitutivo da pobreza da urbanização no país, de um lado, e da polarização em
torno de poucas cidades, de outro.

“Essa economia, por um lado, era monocultora e, por outro lado, era fundada no
trabalho compulsório, no trabalho escravo, negando a cidade enquanto mercado
de força de trabalho, negando a cidade pelo caráter autárquico das produções
agrícolas, negando a cidade como espaço na divisão social do trabalho” (p. 41)
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Com a transição do tipo de economia, a indústria passa a comandar a expansão


capitalista, que vai redefinir de uma forma completa o caráter da urbanização das
relações cidade e campo na ampla divisão social do trabalho no Brasil - salto no
desenvolvimento de cidades, a exemplo de São Paulo.

O tamanho que as cidades tomam, a própria rapidez do processo de urbanização,


têm muito a ver, com a industrialização, com a massa de capitais e, portanto, com
o processo de acumulação sediado nas cidades. Por que a industrialização, quando
se dá, impõe um ritmo de urbanização desse porte?

AUTARQUIA DO CAMPO X AUTARQUIA DA CIDADE


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Exigia caráter pobre de urbanização


AUTARQUIA NA CIDADE
“[...]a industrialização vai impor um
AUTARQUIA NO CAMPO padrão de acumulação, que potencia, por
O caráter autárquico da economia uma potência X, ainda não determinada,
monocultora no Brasil é de outro tipo. E uma urbanização; a industrialização vai
um caráter autárquico no sentido da impor um padrão de urbanização que
finalidade exclusiva da produção de aparentemente é, em muitos graus, em
agro exportação. Não demandava muitos pontos, superior ao próprio ritmo
desenvolvimento das atividades urbanas da industrialização”. (p.41)
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INDUSTRALIZAÇÃO PAÍSES CENTRAIS X BRASIL

A expansão capitalista via indústria nos países centrais vai repousar inicialmente sobre
uma especial combinação da divisão social do trabalho entre campo e cidade.

“o camponês europeu era autárquico noutro sentido, no sentido de que dentro da


unidade camponesa existia uma divisão social do trabalho que ia desde as tarefas
agrícolas até as tarefas de manufatura, ou seja, o camponês europeu era,
simultaneamente, um agricultor e um artesão. Com a emergência do capitalismo
industrial, este vai se servir, sob muitos aspectos, dessa base camponesa da
industrialização, que no caso do Brasil não pode se dar.” (p.42)
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INDUSTRALIZAÇÃO NO BRASIL

Quando a industrialização começa a ser motor da expansão capitalista no Brasil, ela


tem que ser simultaneamente urbana, imediatamente urbana e excepcionalmente
urbana, porque não pode apoiar-se em nenhuma pretérita divisão social do trabalho
no interior das unidades agrícolas. Não existia exército de reserva como na Europa

A indústria no Brasil ou seria urbana, ou teria muito poucas condições de nascer

A industrialização teve que ser no Brasil, a partir dos anos 1930, uma industrialização
inteiramente urbana e requerendo taxas de urbanização muito acima das que seriam
as necessidades de preenchimento dos postos de trabalho nas novas fábricas.

• Industrialização exigia uma série de requerimentos que as cidades não ofereciam


• Impõe um padrão de acumulação que potencia uma urbanização superior ao
próprio ritmo de industrialização
• Exigiu taxas de capitalização elevadas, alta concentração de capital
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INDUSTRALIZAÇÃO NO BRASIL

Consequências:

Urbanização sem industrialização


Inchaço urbano
Marginalidade social

A marginalidade é um componente dos exércitos industriais de reserva, não é


exclusão do trabalho nem da economia urbana.
“Significa a forma peculiar pela qual a industrialização brasileiro trouxe para si, de
uma só vez, de uma pancada, todo esse exército industrial de reserva, vindo dos
campos para dentro das cidades” p. 43
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INDUSTRALIZAÇÃO NO BRASIL

As indústrias que nascem, agora num processo muito mais vertiginoso de


acumulação a taxas excepcionalmente elevadas, vão ter que ser completamente
autárquicas, pois não podem se apoiar em nenhuma divisão social do trabalho
pretérita que as ligasse com o campo, e também não vão encontrar nas cidades uma
divisão social do trabalho que desse lugar à unidades produtivas de pequeno porte.

“A indústria vai conter dentro de si uma divisão social de trabalho muito mais
complexa do que aquela que seria determinada pelo exclusivo processo fabril de
produção da mercadoria final.” p.43

Formação de monopólios e oligopólios (só alguns industriais poderiam sustentar um


complexo industrial tão grande para produzir um único produto final) - reforça
caráter polarizado.
Por demandar alto investimento (alto grau de capitalização), é um padrão de
acumulação lento, baixa produtividade do trabalho
Planejamento e Gestão Urbana no Brasil

“Cidades como Paulista, em Pernambuco, e Votorantim, em São Paulo, são


exemplos onde a indústria para se instalar teve que simultaneamente instalar
uma cidade, desde o fazer a casa para o operário (o que em muitos casos parecia
um pouco o idílio entre capital e trabalho), e ate uma complexa divisão social do
trabalho no interior da própria fábrica.”

(Indústria Matarazzo)
“Ela possuía um setor produtor de bens de capital no seu interior, um setor
propriamente produtivo do bem final para o qual estava destinada, e trazia
contido dentro de si também todos os departamentos de circulação de
mercadorias, até departamentos especializados na própria distribuição.” p.43

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INTERVENÇÃO DO ESTADO

Estado direciona a potência do seu poder de coerção extra-econômica e tenta mudar


o padrão de acumulação: retira seu investimento e apoio (mecanismos e aparelhos
de Estado) do setor agroexportador e passa para a indústria.

Ex: retira das oligarquias regionais fundadas em cada província, certos poderes de
regulação da atividade econômica. Retira o poder de legislação sobre o comércio
externo e sobre o comercio interno

Dá liberdade ao novo agente social, o capitalista industrial


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INTERVENÇÃO DO ESTADO

“Revolução Burguesa” (1930)

-Regulação da relação trabalho-capital (CLT)


-Limitação do direito individual burguês
“[...] essa intervenção do Estado, regulando logo as relações capital-trabalho, é o aspecto
mais crucial da relação entre o Estado e o urbano no Brasil nesse período.” p.45

-Cria um mercado de força de trabalho


[...] o urbano é essa intervenção do Estado nas relações capital-trabalho, criando, com isso,
pela primeira vez, um mercado de trabalho um mercado de força de trabalho.” p.45

-Dá noções ao capitalista de quanto e onde investir, possibilitando a acumulação


[...] no momento em que o Estado fixa o preço da força de trabalho, em qualquer latitude, o
capitalista individual sabia por quanto contratar a sua força de trabalho, elemento
absolutamente indispensável para a constituição do cálculo econômico burguês” p.47

- Afirma a capacidade da burguesia industrial emergente de ter um espaço


econômico unificado (circulação da mercadoria)
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PERÍODO DOS ANOS 50 - Nova estrutura de classes

ANTES DA 2º GUERRA MUNDIAL


Estados centrais não queriam investir na industrialização periférica. No Brasil, Estado
assume esse papel (Setor produtivo estatal, indústrias estatais)

A contradição entre a industrialização da periferia do mundo capitalista e a conduta


dos estados centrais leva o Estado a assumir, pelas próprias necessidades de
reprodução ampliada do capital, certas tarefas que a própria burguesia nacional não
era capaz de dar conta, pois o poder de acumulação de cada grupo econômico
individual era limitado pelo ao caráter autárquico que a industrialização tinha
imposto nas cidades

Instalação do capitalismo monopolista, a partir do período Kubitischek (p.48)


Poder político e econômico na mão do Estado

SOCIALIZAÇÃO DAS PERDAS E PRIVATIZAÇÃO DOS LUCROS


(Celso Furtado)
Planejamento e Gestão Urbana no Brasil

PERÍODO DOS ANOS 50 - Nova estrutura de classes

APÓS 2º GUERRA MUNDIAL

Estados Centrais são obrigados a aumentar o preço da força de trabalho


As forças democráticas elevam enormemente o peso político das classes
trabalhadoras nos países centrais, o que obriga a adoção de políticas de pleno
emprego

Industrialização periférica torna-se uma alternativa


Há redefinição da divisão industrial do trabalho
Brasil passa a sediar empresas internacionais

Estilo de organização dessas empresas traz complexa divisão social do trabalho, e um


contingente enorme de “trabalho improdutivo” (os famosos executivas, os gerentes).
Cria-se uma nova classe na estrutura de classes da sociedade brasileira:
AS CLASSES MÉDIAS
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PERÍODO DOS ANOS 50 - Nova estrutura de classes

Nova estrutura de classes:

-um enorme exército industrial de reserva- fruto desse tipo de industrialização e da


concentração dos capitais;

-uma fração operária, do exército em ativa - relativamente pequeno do ponto de


vista de conjunto tanto da força de trabalho quanto do conjunto da população;

-uma enorme fração de classe media - que transformou o padrão de estrutura de


classes existentes no Brasil até então (ampliação do terciário, do trabalho
improdutivo) – enorme importância social, econômica e política. Consequências
políticas: uma das bases do autoritarismo na sociedade brasileira

“Essa terciarização nada mais é do que a expressão das funções de circulação das
mercadorias, de circulação do capital, das funções que estão ligadas tanto à circulação de
mercadorias, como publicidade, transporte, quanto das funções ligadas à circulação do
capital, o enorme crescimento do sistema bancário, por exemplo” p.50
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RELAÇÃO ENTRE ESTADO E URBANO HOJE

O urbano hoje é determinado pela demanda das classes médias dentro das cidades
“[...] o urbano hoje no Brasil são as classes médias, isto é, as cidades são por excelência -
recuperando a questão da terciarização sob este angulo - a expressão urbana dessa nova
estrutura de classe, onde o peso das classes médias emerge com enorme força, com
enorme gravitação, tendo em vista o tipo de organização que o capitalismo internacional
criou ao projetar suas empresas dentro da sociedade brasileira”. p.50

Estado captura parte importante do excedente social para atender demandas da


classe média, em contraste ao desatendimento das demandas populares
“Assiste-se, portanto, ao paradoxo de um Estado forte [...] basicamente voltado [...] a
atender demandas da classe média, dando por contraste, o desatendimento, na escala mais
absurda possível, das demandas das classes mais baixas na estrutura de classes da
sociedade, das demandas do operariado, das demandas das classes populares em geral.”
p.51
Cria-se “enorme fenômeno paradoxal, sem dúvida nenhuma, que resiste a todas as
tentativas de planejar o caos e que é determinado, de um lado, pelo peso social das classes
médias e pela falta de voz das classes chamadas populares na estrutura política e no
aparelho de Estado”. p.51
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RELAÇÃO ENTRE ESTADO E URBANO HOJE

O Estado continua direcionando seu poder no sentido da reprodução ampliada das


próprias empresas estatais e no sentido do atendimento dos chamados insumos de
uso difundido pelo conjunto da produção Industrial, tais como a energia elétrica e
outros desse tipo.

Está presente não só na produção direta através do setor produtivo estatal, mas na
articulação geral da economia

Estado nunca esteve acima dos conflitos sociais, mas antes guardava distância entre
as relações diretas entre os próprios capitalistas e a classe operária. No capitalismo
da fase monopolista esse distanciamento entre Estado e economia encurtou-se de
tal forma que qualquer crise econômica reflete-se imediatamente numa crise do
Estado também, sendo, simultaneamente ,uma crise econômica e uma crise política
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RELAÇÃO ENTRE ESTADO E URBANO HOJE

Conflito social entre Estado e sociedade civil

Corte profundo entre Estado e capital monopolista e classes populares em geral,


originado pela atuação do Estado (privilegiando demandas das classes médias altas
no gasto na urbanização e privilegiando o Estado como potência de acumulação de
capital privado)

Estado e urbano tornam-se antagônicos?

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“a pesquisa entre o Estado e o urbano requer hoje uma análise de como se dá o recorte entre
Estado e sociedade civil, de como se dá a oposição de interesses entre o Estado e a coalizão de
forças dominantes do capital monopolista e o resto do conjunto da população, que inclui o
operariado e classes trabalhadoras e também frações da baixa classe média”. p.53

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