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África e a Civilização da

Europa: O Império dos


Mouros

John G. Jackson
África e a Civilização da Europa:
O Império dos Mouros
John G. Jackson

organização, tradução e notas


Abibiman Shaka Touré
John G. Jackson1
é um intelectual da Diáspora Africana nascido nos Estados Unidos
que, dada a tarefa de traduzir um texto seu, nos suscitou a seguinte
inquietação: como situar a contribuição de John G. Jackson? E
qual sua importância para o Mundo Africano, de modo geral, bem
como para a intelectualidade Pan-Africana e os estudiosos da
História Africana, em particular?

A começar por contextualizar que (1) o irmão é um dos principais


agentes difusores dos chamados Estudos Pretos (Black Studies) –
posteriormente, com sua evolução linguístico-epistemológica,
Estudos Africana [Africana Studies] ou Africologia [Africology]
(ou ainda Estudos Africanos [African Studies] – sempre levando
em conta alguma ou outra tendência teórico-metodológica e tal);
(2) que John G. Jackson esteve ao lado de outros grandes
“Professores Doutores” de renome, para além de qualquer
nomenclatura acadêmica, verdadeiros intelectuais e eruditos – tais
como o grande Arturo Alfonso Schomburg, Joel Augustus Rogers,
Willis Nathaniel Huggins e Hubert Harrison, o radical do Harlem,

1
Comentários por Abibiman Shaka Touré.
criador do slogan “Raça Primeiro!” – ambos eram ateus, e Jackson
apelidou Harrison “The Black Socrates”, O Sócrates Preto; o que,
hoje, bem sabemos se tratar de uma espécie de tautologia: nossos
estudos nos levam a crer que Sócrates só pode ter sido preto!...

Não só Socrates, como Jesus também era preto – e foi esta tese
~polêmica~, lançada e defendida pelo Professor John G. Jackson –
na esteira da pesquisa iniciada pelo grande Joel Augustus Rogers
– que lhe rendeu (pro bem e pro mal) certo destaque, causando
reações as mais diversas na atmosfera (dita) erudita estabelecida;
pela inovação e coragem, originalidade e audácia (para o tempo)
de seu projeto intelectual – para além, é claro, do rigor científico e
compromisso com as fontes requeridas pelo so-called Cânone
Ocidental acadêmico (ou brancadêmico: branco e eurocêntrico!) –
por aí se pode vislumbrar a robustez das teses/antíteses defendidas
por estes Sesh – Mestres do Conhecimento e do Saber, em língua
Medu Neter – sendo esta apenas uma dentre as muitas teses de
semelhante envergadura sustentadas nos livros do irmão, o que
por si só demonstra a que vieram os estudos centrados em África e
o movimento pela sistematização desta perspectiva, abordagem e
paradigma, o mecanismo de ensino-aprendizagem que nomeamos
Afrocentricidade – que muito deve ao próprio John G. Jackson.

Dentre tantos outros geniosos historiadores e Pan-Africanistas de


seu tempo, John G. Jackson foi um reconhecido pesquisador da
antiga e gloriosa História Africana, defensor que foi da origem da
humanidade na Etiópia milenar e da civilização no antigo Egito.
Escritor prolífico, desde cedo, chegou a contribuir com textos,
artigos e ensaios de divulgação da História Africana para o jornal
da UNIA, The Negro World, O Mundo Negro. Não bastasse isso,
mais tarde, John G. Jackson trabalhou ao lado de nomes como
John Henrik Clarke e o etíope Yosef ben-Jochannan, avançando
assim no estabelecimento dos primeiros departamentos de estudos
preto-Africanos, o que já foi dito, mas é sempre válido reforçar –
além de postular as noções gerais, as bases teóricas, o núcleo duro,
digamos, as linhas maiores da metodologia a ser seguida à risca e
os requisitos mínimos pra se (re)escrever a História Africana – ou
escreve-la “do zero”, visto que, como bem colocou o Dr. Clarke –
de quem John G. Jackson foi muito próximo – “O que chamam de
"mistério da humanidade" são as páginas da História Africana que
eles arrancaram.” É ponto pacífico, aqui pra nós, que sua obra é de
“leitura obrigatória”, como se diz. (Carter G. Woodson já dizia,
você recebe duas educações: a que te dão e a que você dá para si.)
A gente pode ir mais longe, e vai – a gente acredita que esses dois,
juntos, contribuíram em muito para avançarmos sobre certo
entendimento da realidade que nos cerca, e sendo assim, na falta
de informações disponíveis a seu respeito – bem como de falas,
registros e documentos pessoais sobre o próprio John G. Jackson –
vamos trazer aqui uma passagem do Dr. Clarke, só pra ilustrar:

Arthuro Schomburg me ensinou a inter-relação da História


Africana com a História Mundial. Wilison Hogan, do antigo
Clube de História do Harlem, me ensinou o significado
político da História. E das palestras de William Leo
Hansberry, da Howard University, eu aprendi o significado
filosófico da História.

A gente se pergunta: não seria prudente pensar que todos esses


nomes citados também não influenciaram, em alguma medida, o
próprio John G. Jackson? A pista é razoável. E é muito importante
entender, e sempre bom frisar, que não podemos perder certas
coisas de vista... sobretudo por se tratar do nosso matrimônio –
sim, matrimônio, e não “patrimônio”. Parafraseando o Dr. Clarke:
se JA Rogers nos ensinou a olhar a questão do sexo (e do sexo,
não reduzidas a binarismos de gênero) – Cheikh Anta Diop ensina
que viemos de um berço matriarcal, e aprendendo sobre esse traço
característico da Unidade Cultural da África Preta, visitamos
lugares onde o regime de sucessão matrilinear é regra. Além disso,
ele ensina que África é, a um só tempo, Continente Mãe e Berço,
da Humanidade e Civilização. E se por um lado os estudos de um
Cheikh Anta Diop já foram viabilizados pela Medu Neter Livros,
agora ela nos possibilita aprender muito mais sobre a Mãe África,
apresentando pra gente John G. Jackson, que se aprofunda sobre a
origem da humanidade em Kush e da civilização em Kemet –
antes Etiópia e Egito. Definimos por nós: matriotismo – Maat-ria!

E falamos de Mátria pela ocasião desse convite feito à nós pela


Medu Neter Livros, representada pelo Garveyista e historiador,
tradutor e bibliófilo (além de colecionador de livros pretos raros!),
Kwame Asafo Nyansafo Atunda, a quem a gente só agradece.
Essa reflexão sobre África-Mãe e o matriarcado é proposital – o
Mulherismo Africana aborda justamente o papel da mulher
Africana, suas função social de participação ativa, como sujeito,
agente e protagonista no ordenamento das sociedades tradicionais
Africana, além de apontar uma solução, na prática, pros problemas
que enfrentamos, como e enquanto povo. Pois a mulher Africana
jamais foi presa em cintos de castidade, ou deixada de lado, posta
à margem, em lugar de submissão, que é a posição vergonhosa,
pro homem branco, ocupada pela sua mulher – não, ela teve poder
de fato, decidiu soberana em todas instâncias, sem com isso abalar
a masculinidade preta. Os textos sobre mulherismo Africana pela
própria Medu Neter Livros viáveis estão aí e não nos deixa mentir.

Além desse trabalho – que nós, representando o projeto e página


Povo Preto, Pan-Africanismo e Poder Preto já fazemos, que é a
difusão do Conhecimento e do Saber Pan-Africanos, quer dizer,
produzidos no Continente Africano e na Diáspora Africana (que
compreende o tradicional e o “moderno” Africanos, ou seja, tanto
o “passado” de glória como presente e futuro de grandes desafios;
além desse trabalho, a Medu Neter Livros já publicou livros como
A Deseducação do Negro, clássico de Carter G. Woodson, ou
obras inéditas, como A Ressurreição do Negro, que reúne textos
de Marcus Mosiah Garvey, o Profeta e Honorável Marcus Garvey
– aqui pra nós, o Presidente Provisório da África.

Se por um lado os textos sobre o mulherismo Africana nos


oferecem uma outra perspectiva sobre a mulher Africana – uma
perspectiva de agência – por outro, é sabido e admitido – inclusive
pelos principais nomes do mulherismo Africana – que o homem
preto ocupa posição de centralidade no que tange à verdadeira luta
a ser travada: contra o sistema de dominação e supremacia branca.
De centralidade talvez seja força de expressão, alguns poderiam
pensar, mas que o homem preto é, senão o principal, o primeiro
alvo do homem branco, ah isso é fato. O que faz com que nos
voltemos pra questão, esta sim, central, que é: Família Africana.
John Henrik Clarke fala sobre a Estrutura Familiar Africana,
núcleo donde emana o espírito Pan-Africano, e é sobre isso: sobre
restaurar a soberania nacional de todo um povo, o Povo Africano
– “E quando você está falando sério sobre o trabalho para o
amanhã, você sempre o começa hoje.” Para além de uma questão
de sobrevivência, é a Nação Africana que está em pauta, visto que
comunidades prósperas são pequenos modelos de nação, como
bem nos ensina o Dr. Clarke. Foi o que fez Garvey e a UNIA e foi
o que fizeram os Mouros, de acordo com a leitura do Dr. Jackson.

Pegamo e traduzimo o texto do Professor Doutor John G. Jackson


do seu livro ‘Introdução às Civilizações Africanas’, para o qual o
Professor Doutor John Henrik Clarke escreveu uma introdução –
ou seja, uma introdução à Introdução às Civilizações Africanas...
John Henrik Clarke é nosso bastião, aqui, na medida da sua
camaradagem com John G. Jackson – ambos foram de primeira
importância para arrancar a História Africana das estantes velhas e
empoeiradas das universidades a serviço do chamado do ocidente.
No que eles nutrem em comum – cada um deles foi um Seba –
Mestres do Conhecimento e do Saber – um Sesh – escribas; porém
mais que simples arquivistas, pesquisadores, verdadeiros cientistas
– em cada um deles, temos a agência de uma entidade ancestral
Mwalimu, Maulana, Griot... Tal Amenhotep, Ptahhotep, Imhotep
o foram um dia: verdadeiras instituições Africanas! A eles: Hotep!

A intelectualidade Pan-Africana, em casa como no exterior, tem


defendido que não existe algo como uma ciência “universal” – que
toda ciência é uma, por assim dizer, etnociência; e assim,
respondemos ao nosso irmão Houtundji que toda filosofia é
“etnofilosofia” – ao Mudimbe, que toda História é uma estória,
“invenção” – ao Appiah, que toda e qualquer ~desracialização~ é,
em última análise, racialização; a não ser que se queira partir do
lugar psicológico que o tal do Sartre parte, e seguir dizendo que
“somos racistas antirracistas” – pique o ideólogo anti-ideologia
Marx, né?... Não olhemos com bons olhos para abstrações e
anacronismo do tipo. Carecemos de uma ideologia, e ponto. Esta é
a principal lição deixada pelos Seba e Sesh, do antes e do agora,
da África e da Diáspora. A gente tá no Brasil... mas bem podia ser
Haiti, Estados Unidos ou África do Sul... é tudo a mema fita!

Como diz nosso Kwame Ture, devemos usar a história em nosso


benefício próprio – e com sabedoria de mais velho, Clake emenda
– cabe somente à nós nos definirmos. Sob qual justificativa? –
reagiriam as más línguas, contra as quais nos levantaríamos, com
toda a arrogância do mundo respondendo: mano, se mesmo o tal
materialismo histórico nos respalda, e ainda que nossa visão se
estenda ao tempo de Glória Africana no qual estabelecemos
Humanidade e Civilização, partíssemos nós do Império Britânico
– quando a cor da pele se tornou mais importante que o brilho dos
olhos... – o mesmo império que não via o sol se pôr – visto que
seus domínios se estendiam de norte a sul, do Oriente e Ocidente
– e hoje, quase nem nasce... é partir de qualquer caricatura
europoide para a Humanidade e Civilização, ou para a “Nação”, e
estaríamos fadados a repetir a história. Pois em tempo de
desviacionismo e desinformação – “pós-verdade” – nada mais
justo que definirmos por nós mesmos, e começar a colocar em
prática isso que entendemos por História: Sankofa, Família!
O que alguns dentre nós não percebe é que, pela primeira vez – e
há controvérsias, mas... – pela primeira na história, a verdade
pouco importa. Dentre os mais rigorosos e críticos historiadores,
os chamados cientistas sociais poderiam retrucar: nunca importou.
Mas nem é preciso ir tão longe assim... nossa filosofia sobre a arte
de governar nações vêm de bem longe – das opiniões de Garvey:

Quando você sabe de algo e pode manter sua posição sobre


essa coisa e conquistar seus oponentes nessa coisa, aqueles
que a ouvem aprendem a confiar em você e confiam em sua
habilidade.

Napoleão já havia dito que a “História” é mentira acordada pelos


homens no poder – Napoleão que tomou lições e se inspirou em
seus irmãos, os ingleses, para libertar a França... (A mesma França
onde nasceria Foucault, para quem saber é poder, por usar uma
máxima do inglês Bacon...) E quando você investiga a história dos
Mouros – para além da história descritiva na qual se apoia o Dr.
Jackson, e sim falando a partir do plano ideológico – o que você
vai perceber é que os Mouros estabeleceram as bases sobre as
quais a Europa saiu da idade das trevas em que se encontravam.
Daqui vemos os Mouros fundarem as bases das organizações
ocultas por detrás do poder, fundadas na premissa de que o poder
deriva do conhecimento e saber. Perceba que, quando a gente fala
em África, estamos tocando na questão da terra. Quando dizemos,
somos Africanos, a gente está questionando a nacionalidade
brasileira imposta, e pelos piores meios. E ainda assim, não deixa
de ser verdade que “A África é nossa casa!” (Kwame Ture), e que
o Brasil é colônia pro aparato de poder, dominação e supremacia
branca global. E que Sócrates e Jesus invocados no início desta
reflexão sirva como uma analogia que encontra síntese num
princípio filosófico nosso: Ubuntu – se Jesus disse “Eu Sou”, a
gente fala: porque nós somos! Se Sócrates diz, só sei que nada sei
– a gente vai dizer: eu só sei porque nós sabemos. E é por aí...

A Medu Neter Livros certamente não é o primeiro, mas é mais um


agente difusor da História Africana à serviço da Nação Africana.
Em honra pelo reconhecimento, à Medu Neter Livros vida longa:
Ankh! Udja! Seneb!

Abibiman Shaka Touré, adm da página


Povo Preto, Pan-Africanismo e Poder Preto
Diáspora Africana, 2019
nota de “tradudor”...
Ainda falamos a língua do colonizador... O leitor vai notar que
certas palavras empregadas no texto surgem em outras literaturas
de outras formas, tipo: à certa altura, o autor fala “Kairouan”, que
pode ser escrito Kairowan, Qayyarah etc. – e “aportuguesado”,
Cairuão; ou Ifríquia: Ifriquah ou Ifrikiah. O conteúdo é o mesmo,
quer informar a mesma coisa, o que muda é a forma. Para evitar
interrupções desnecessárias, manteremos os nomes conforme
escritos na língua utilizada pelo autor mesmo. O leitor verá
também que muitos dos nomes, quando viável a tradução, foram
mantidos de acordo com sua grafia pelo autor (em Maiúsculo) –
como em “Líbios”, “Romanos”, “Vândalos” etc., bem como
títulos hierárquicos, de nobreza, religiosos, assim por diante
(como em “Generais”, “Imperador”, “Cristãos” etc.) – essa regra,
ou estilo, foi respeitada. Isso ocorre apenas em função dos
originais (ou pelo menos, em função da edição na qual nos
baseamos para traduzir, conforme as palavras foram ali usadas).

Visei manter a tradução a mais “fiel” possível – é lógico, temos


todos os motivos para negar tal academicismo, compreensível
para a época e projeto do autor – por visarem “reconhecimento”
por parte da academia, para fazer valer o status científico da
Africanocentricidade/Afrocentricidade? Talvez; da nossa parte,
pensamos que seja por estilo, dado que o uso de letras maiúsculas
para os casos exemplificados é facultativo – qual sentido faz usar
‘A’ maiúsculo em “Ariano”? Um John Henrik Clarke já usou,
conforme se pode ver em muitos de seus escritos (“Assírios”,
“Arianos”...). Seria pelo fato de os arianos pouco terem a ver com
o nazismo? (naquelas, né...) Ou por respeito a um povo que já não
mais existe? (também naquelas, né...) Em resumo, tem diferença
entre falar História e história? Não cabe à nós resolvermos tais
problemáticas... (Uma pessoa recebe duas educações, lembra?!...)

De resto, apenas quando houver dúvidas reais, destacaremos em


itálico o trecho em questão, mantendo entre colchetes os originais
(a ideia não é “minha”, se você for ver, as traduções de
Wellington Agudá, disponíveis no blog Esta Hora Real recorrem a
este recurso), restando a quem lê a opção de traduzir ou não tais
ocorrências – aqui pra nós, de somenos importância para os
nossos verdadeiros objetivos – sob seus próprios critérios.

E muito boa leitura, Família!


África e a Civilização da Europa:
O Império dos Mouros

A
maior parte do Norte da África é coberta pelas areias
desoladas do Deserto do Saara; mas esta região nem
sempre foi um deserto. Em tempos pré-históricos, essa
área era bastante fértil e abrigava uma cultura bastante avançada.
Um pioneiro no estudo da região foi o Professor Leo Frobenius.
Ao explorar muitas cavernas no Norte da África, Frobenius
encontrou numerosos afrescos, cerâmicas, estátuas e ideogramas.
Algumas das pinturas encontradas nessas cavernas são de
considerável mérito artístico. Entre eles estão fotos de aves
extintas e outros animais. As pinturas mostram elefantes e búfalos
de um tamanho maior do que nossas espécies contemporâneas, e
assim nos dão uma ideia de sua grande antiguidade.
Outra grande descoberta do passado do Norte da África foi
feita em 1933 por um jovem oficial do exército francês, o Tenente
Brenans. Este soldado estava em uma missão que o levou ao Platô
Tassili-n-Ajjer no Saara Central; e, enquanto se preparava para
passar a noite em uma caverna, notou o desenho de uma girafa na
parede. Depois de raspar um filme de poeira incrustando a figura,
o Tenente Brenans viu-se olhando para uma bela pintura feita em
cores por um artista pré-histórico. Na manhã seguinte, cavernas e
rochas vizinhas foram examinadas; e muitos outros desenhos,
datados de um passado remoto, foram descobertos. Brenans fez
esboços dos desenhos antigos e os enviou para Paris.
A resposta foi muito gratificante; para uma expedição que
foi organizada em Paris, que partiu para o Saara. Entre os
principais cientistas no grupo, estavam o professor Gauthier,
Reygrasse e Perret, e por último, mas não menos importante, um
jovem antropólogo, Henri Lhote. Depois de semanas de
exploração, os professores voltaram para a França, deixando
Brenans e Lhote para continuar o trabalho. As pinturas rupestres
de Tassili-n-Ajjer mostraram que há oito mil a nove mil anos a
região do Saara não era um deserto, mas um território fértil de
pradarias, florestas e rios, habitado por antílopes, girafas,
elefantes, crocodilos, hipopótamos e rinocerontes. Os habitantes
humanos parecem ter sido caçadores e povos pastorais.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Brenans morreu e
Lhote continuou o trabalho por conta própria. Felizmente, em
1955, o Centro Nacional de Pesquisa da França forneceu fundos
para contratar uma equipe de artistas e fotógrafos para ajudar
Lhote em suas explorações; e em 1957 o jovem cientista pôde
retornar a Paris com um grande número de belas reproduções dos
desenhos do Saara. Em algumas das rochas havia dezesseis
camadas de desenhos. Isso só poderia significar que a área abrigou
habitantes humanos durante um período de milhares de anos. Os
desenhos mostram que as tribos de caça foram sucedidas por
pastores acompanhados por seus rebanhos de gado.2 Em muitas
pinturas há cenas de rituais primitivos de natureza mágica ou
religiosa.
A exploração arqueológica do continente Africano ainda
está em sua infância, e o futuro, sem dúvida, tem muitas
maravilhas e prodígios por revelar. Heródoto, enquanto viajava
amplamente pela Ásia e África no século cinco A.C., notou que na
África havia quatro grupos de pessoas facilmente reconhecíveis –
dois de origem nativa e dois de origem estrangeira. Os dois grupos
nativos eram os Etíopes e os Líbios, e os dois povos estrangeiros
eram os Fenícios e os Gregos. Os Líbios falavam um tipo
Hamítico de linguagem semelhante à dos Egípcios, o que não é de
surpreender, uma vez que ambos os povos eram membros do
grupo Africano Etíope. A palavra Hamita é frequentemente usada
de forma ambígua. Qualquer um que fale uma língua ou dialeto
Hamítico é um Hamita, e não há necessariamente conotação racial
envolvida. Mas certamente a ideia, amplamente difundida, de que
os antigos Hamitas da África eram de origem Caucasoide é
demonstravelmente insustentável. O falecido Sir Harry Johnston,
que era considerado uma autoridade sobre os Hamitas, os definiu
como: “Aquela raça Negroide que era o principal estoque do
antigo Egípcio, e é representada nos dias atuais pelos Somalis, os
Galla3 e alguns do sangue da Abissínia e da Núbia, e talvez pelos
povos do Deserto do Saara.” (The Uganda Protectorate, Vol. II, p.
473, por Harry H. Johnston.)
Esses Líbios são mencionados em registros antigos
frequentemente pelos nomes de suas várias tribos, como
Atalantas, Getulianos4, Maurusianos5, Nasamonianos e Tehennu.6
Heródoto tem um relato interessante de como um grupo de jovens
da tribo Nasamoniana atravessou o deserto do Saara e fez contato
com pigmeus que moravam às margens do rio Níger. O Pai da

2
Eis o advento da chamada revolução da agricultura.
3
Ver também Oromos.
4
Ver também Musulâmios, Tacfarinas.
5
Ver também Oranianos e Capsianos.
6
Tehennu ou THn-nw-w – nome pelo qual os Egípcios chamaram os Líbios, seus inimigos,
conforme registrado na Estela de Merenptah.
História7 primeiro nos diz que “os nasomonianos são uma raça
Líbia”; e então ele continua sua história da seguinte forma:

Eles disseram que haviam crescido entre eles alguns


jovens selvagens, os filhos de certos chefes, quando eles vieram
para a propriedade do homem, entregaram-se a todos os tipos de
extravagâncias, e entre outras coisas, tiraram na sorte para cinco
deles irem e explorar partes do deserto da Líbia, e tentar, se eles
não pudessem, penetrar mais do que qualquer um tinha feito
anteriormente. A costa da Líbia, ao longo do mar que a banha ao
norte, ao longo de todo o seu comprimento, desde o Egito até o
Cabo Soloeis8, que é seu ponto mais distante, é habitada por
Líbios de muitas tribos distintas, que possuem todo o território,
exceto certas partes que pertencem à Fenícios e os Gregos.
Acima da linha da costa e do país habitado pelas tribos
marítimas, a Líbia está cheia de feras; enquanto além da região
da besta selvagem há um trato que é totalmente areia, muito
escasso de água, e completamente, e inteiramente, um deserto.
Os jovens, portanto, despachados nesta missão pelos seus
companheiros com um abundante suprimento de água e
provisões, viajaram inicialmente pela região habitada, passando
por onde chegaram ao trecho da fera, de onde finalmente
entraram no deserto, o qual eles seguiram cruzando em uma
direção de leste a oeste. Depois de viajar muitos dias por uma
grande extensão de areia, chegaram finalmente a uma planície
onde observaram árvores crescendo; aproximando-se delas, e
vendo frutas nelas, eles passaram a recolhê-las. Enquanto
estavam assim ocupados, encontraram-se alguns anões, sob a
altura do meio, que os usaram e os carregaram. Os
Nasamonianos não conseguiam entender uma palavra de sua
língua, nem eles conheciam a língua dos Nasamonianos. Eles
foram conduzidos através de pântanos extensos e finalmente
chegaram a uma cidade, onde todos os homens eram da altura de
seus condutores, e com a testa preta. Um grande rio corria pela
cidade, correndo de oeste a leste e contendo crocodilos [The
History of Herodotus, Livro II, p. 91-92].9

7
Há controvérsias. A esta altura, caso julgue necessário, seria bom reler nossos comentários.
8
Ver também Cabo Espartel e Cabo Contin.
9
Em outro registro – por Alberto da Costa e Silva: “Na Antiguidade, as ligações diretas entre
os litorais do Saara foram feitos incomuns, de se contarem pelos dedos no fluir das gerações.
Por isso, ganharam espaço na memória e nos livros. Heródoto, por exemplo, conta a história
de cinco jovens nasamonianos que resolveram, por ventura, explorar o deserto. Munidos de
água e alimentos, saíram de suas terras, junto ao golfo de Sidra, e viajaram muitos dias, para
sudoeste, até que encontraram algumas árvores. Colhiam frutos, quando foram atacados por
negros baixinhos, que os levaram, por território alagadiço, até uma cidade ao lado de um rio
que corria de oeste para leste. No rio – seria o Níger? – havia crocodilos. (...)” – A Enxada e
a Lança: A África antes dos portugueses (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 5ª ed., 2011).
Após a destruição da antiga cidade de Cartago, em 146
A.C., os Romanos estabeleceram um grupo de cinco províncias no
Norte da África, cujo território era chamado África Romana. Os
antigos habitantes desta região da Líbia, originalmente um ramo
dos Etíopes ocidentais, se misturaram com os imigrantes Fenícios,
Gregos e Romanos. As obsessões modernas de preconceito racial
e religioso eram desconhecidas no mundo antigo, e os vários
grupos étnicos se casaram entre si. Os Romanos chamavam os
habitantes indígenas do Norte da África de Berbéria (berberianos),
de onde temos o nome “berbere”. Assim, nos tempos medievais e
até modernos, os Norte-Africanos geralmente eram conhecidos
como berberes. Os Romanos apelidaram esses Africanos de
“barbatianos”, não por causa de qualquer inferioridade cultural,
mas simplesmente porque tinham certos costumes sociais
diferentes dos Romanos. Os Berberes Líbios possuíam um tipo
matriarcal de organização social, que era comum a todas as
sociedades Africanas, mas que parecia bastante curioso e estranho
para os Romanos da Europa.
Os imperialistas Romanos só conseguiram conquistar
Cartago [ver Guerras Púnicas] porque foram auxiliados pelo uso
da Numídia e Mauritânia e pelos cidadãos da colônia Fenícia de
Utica. O trágico resultado dessa política equivocada dos irmãos
Africanos dos Cartagineses é bem contada pelo Professor J. C.
DeGraft-Johnson, como segue:

Os Númidas e os reis e chefes Mauritanos se aliaram aos


Romanos porque desejavam o autogoverno e, por essa razão,
queriam destruir o poder de Cartago, já que a influência
Cartaginesa já se fazia sentir em seus assuntos internos e
externos. Mas tão logo os reis e chefes da Numídia ajudaram
Roma a destruir Cartago, Roma achou uma briga e anexou seu
país. Os reis Mauritanos, que ocuparam parte do Marrocos e da
Argélia modernos, esperavam exercer a autodeterminação e
gozar de autogoverno pleno, mas isso não aconteceu. Dentro dos
cento e poucos anos da queda de Cartago em 146 A.C. a 42
A.C., Roma incorporou ou absorveu em seu Império as regiões
equivalentes ao oeste da Tripolitânia, Tunísia e todas as regiões
costeiras da Argélia e do Marrocos. Roma também anexou as
antigas colônias Gregas na Cirenaica, e em 30 A.C. acrescentou
o território recém-adquirido do Egito às possessões dos
Cirenaicanos para formar uma província Romana [African
Glory, p. 25, por J. C. DeGraft-Johnson].
Júlio César, no século um A.C., decidiu, depois de ter tido
um estranho sonho enquanto estava acampado perto das ruínas de
Cartago, que uma nova Cartago deveria ser construída no local da
cidade antiga. Ele morreu antes que o plano pudesse ser
executado, e foi deixado para César Augusto realmente
empreender o projeto. A história da gênese da nova cidade de
Cartago tem sido tão bem narrada pelo Dr. DeGraft-Johnson, que
nós damos em suas próprias palavras:

Quando estava acampado perto das ruínas de Cartago, em


46 A.C., Júlio César teve um sonho. Ele sonhou que viu um
grande exército de homens e ouviu seu choro amargo.10 Quando
ele acordou, ele rabiscou palavras em suas tabuletas que levaram
à reconstrução da cidade condenada. Digo cidade “condenada”
porque os antigos acreditavam que havia uma maldição sobre a
cidade de Cartago. Pouco depois de Júlio César ter planejado a
reconstrução da cidade arruinada de Cartago, ele estava morto
no Fórum em Roma, com vinte e três feridas abertas em suas
laterais. César, porque ousara planejar a reconstrução de uma
cidade amaldiçoada, fora destruído, pelo menos é o que alguns
dos antigos pensavam. A maldição ainda estava funcionando,
eles comentaram sob suas respirações. Sobre César Augusto, no
entanto, recaiu o desagradável dever de ignorar a maldição e, de
acordo com a convenção religiosa estabelecida, cumprir as
instruções escritas do morto Júlio César.
Cartago foi reconstruída ao melhor estilo arquitetônico
Romano. Os construtores trabalhavam sob disciplina militar e
logo os templos, palácios, banhos, teatros, casas altas e
mercados surgiram nos lugares antigos. Um novo Fórum foi
erguido, as moradias e os encantadores jardins do subúrbio
cartaginês de Megara reapareceram. Utica e Cartago foram
unidas por uma estrada esplêndida, ao verdadeiro estilo Romano,
e fortificações foram construídas, em intervalos, ao longo do
percurso, a fim de proteger as caravanas contra ladrões. Outros
fortes e cidades logo apareceram, e com a reconstrução de
Cartago a prosperidade do Norte da África aumentou
tremendamente. Júlio e Augusto César tinham em parte expiado
os pecados do passado [African Glory, p. 27-29].

10
Em outro relato – no poderoso discurso de Kwame Ture, Black Power – é dito o seguinte:
“Somos informados de que a Civilização Ocidental começa com os gregos e que o epítome
dessa civilização é Alexandre, o Grande. A única coisa de que me lembro em Alexandre, "o
Grande", foi que aos 26 anos ele chorou porque não havia mais pessoas para assassinar e
roubar. E este é o epítome da Civilização Ocidental. Se você não estiver satisfeito com isso,
você sempre pode tomar o Império Romano: seus passatempos favoritos eram ver homens
matando uns aos outros ou leões comendo homens – eles eram um povo "Civilizado". O fato
é que sua Civilização, como eles a chamavam, provinha de sua opressão sobre outros povos,
o que lhes permitia um certo luxo, à custa dessas outras pessoas.”
Após o fim da cultura Helenística de Alexandria, os
Romanos se tornaram os novos guardiões da civilização. Mas o
sistema Romano de sociedade não foi construído para durar; pois,
na perspicácia intelectual, os Romanos eram muito inferiores aos
Gregos. Nos campos da ciência pura e do pensamento abstrato, os
Romanos fizeram uma triste demonstração. Ao contrário, nas artes
industriais e nas ciências aplicadas, suas contribuições à cultura
eram de considerável mérito. Os defeitos do sistema Romano, no
entanto, ofuscaram suas virtudes e, no devido tempo, levaram à
sua desintegração. As principais deficiências da civilização
Romana eram a escravidão, o militarismo e um sistema fiscal
ruim; e esses vícios gradualmente levaram o Império ao desastre
da Idade das Trevas na Europa. A classe dominante Romana
tentou adiar a crise iminente, desestabilizando os antigos cultos
pagãos e tornando o Cristianismo a religião do Estado, mas isso
não adiantou. Os bárbaros começaram a invadir o Império
Romano do Ocidente no começo do século cinco E.C. (Era
Cristã); e no final do século, a civilização Romana se encontrava
em ruínas. O Império possuía um governo duplo, com um
imperador do Ocidente governando de Roma, e um imperador do
Oriente com seu trono em Constantinopla. No ano 476 D.C.
(Depois de Cristo), o último governante Romano do Ocidente foi
derrubado de seu trono, e o que restou do poder imperial Romano
foi transferido para o Império Bizantino, ou Império Romano do
Oriente. Um relato vívido dessa transferência de poder foi escrito
por uma eminente autoridade sobre a história medieval:

No verão de 477 D.C., um bando de embaixadores, que


afirmavam falar pela vontade do corpo decadente que ainda se
chamava Senado Romano, compareceu diante do tribunal do
Imperador Zenão, o governante de Constantinopla e do Império
do Oriente. Eles vieram anunciar-lhe que o exército do Ocidente
havia matado o patrício Orestes e destituído de seu trono o filho
de Orestes, o menino-imperador Rômulo. Mas eles não
informaram a Zeno que outro César havia sido eleito para
substituir seu falecido soberano. Embaixadas com tanta notícia
haviam sido comuns nos últimos anos, mas essa delegação em
particular, diferente de qualquer outra que já havia visitado o
Bósforo, anunciou ao imperador do Oriente que seu próprio
nome bastava para a proteção do Oriente e do Ocidente. Eles
colocaram a seus pés a diadema e a túnica roxa de Rômulo, e
professaram transferir sua homenagem e lealdade à sua augusta
pessoa [The Dark Ages, p. 1, por Sir Charles Oman].
No final do quinto século, a Europa havia começado a longa
noite da Idade das Trevas, que durou quinhentos anos (500-1000
D.C.). A culpa pela queda de Roma é geralmente atribuída aos
bárbaros, mas eles não podem ser considerados inteiramente
responsáveis pelo desastre. “A Idade das Trevas”, declara o
Professor James Thompson, “foi, pelo menos, tanto devido à
corrupção da igreja quanto à decadência da civilização Romana ou
das invasões bárbaras.” (Economic and Social History of the
Middle Age, p. 74, por James Westfall Thompson.) Entre os
bárbaros que invadiram o Império Romano, havia uma tribo
teutônica chamada Vândalos. Nós primeiro ouvimos deles como
morando perto das margens do Mar Báltico. Mais tarde, eles se
mudaram para o sul, passando pelo Alto Danúbio, para a Gália e
depois para o norte da Espanha, onde se estabeleceram por algum
tempo. Na verdade, em 411 D.C. eles alcançaram status oficial
como súditos do Império Romano e foram cedidas concessões de
terras daquele corpo. Os Vândalos, no entanto, foram logo
expulsos de suas propriedades por uma invasão dos Visigodos. Os
Vândalos recuaram para o sul da Espanha, onde seu mandato era
bastante inseguro, já que corriam o risco de serem dominados
pelos Visigodos que ainda se aproximavam. Mas a sorte estava
com eles; em sua hora de necessidade e perigo, o Conde
Bonifácio, um Legado Romano no Norte da África, convidou-os a
se estabelecerem na África Romana. Por que, perguntamos, essa
oferta generosa foi feita aos Vândalos e qual foi o resultado disso?
Nós damos os detalhes gráficos nas palavras do Dr. J. C. DeGraft-
Johnson:

Quando o Conde Bonifácio, Legado Romano na África,


enviou um convite aos Vândalos para ajudá-lo a governar as
cinco províncias do Norte da África, ele abriu um novo capítulo
na história da África. Por que o Conde Bonifácio decidiu trair
Roma e se rebelar contra seu poder imperial? A explicação é
que, tendo sido convocado para Roma, ele recebeu relatórios
antes de declarar que a Imperatriz Placídia estava resolvida em
sua ruína. Ele, portanto, procurou se proteger da melhor maneira
possível e, no final, se tornou traidor. A esposa do Conde
Bonifácio era uma Vândala, e era natural que ele tivessem
procurado ajuda naquele bairro. Não sabemos que outras razões
Bonifácio teve para convidar os Vândalos para a África, mas o
convite foi enviado, apesar dos protestos eloquentes de Santo
Agostinho, bispo de Hipona. . . . O convite do Conde Bonifácio,
portanto, foi muito bem-vindo, e os Vândalos de lá tomaram a
séria decisão séria de deixar a Espanha para sempre. . . . Esta
tremenda invasão encontrou a África despreparada. Conde
Bonifácio percebeu seu erro quando já era tarde demais, e a
ironia da situação era que ele não encontrou nenhuma cidade
para se refugiar, exceto na cidade de de Hipona de Agostinho.
Bonifácio ficou em Hipona por catorze meses, mas ele teve que
se render aos Vândalos no final. . . . A cidade caiu em 430, e
com a sua queda, começou o domínio dos Vândalos na África
[African Glory, p. 53-54].

Genserico, Rei dos Vândalos, foi reconhecido como


governante Vassalo pelo governo Romano em 435. Seu governo
se estendeu sobre certas províncias da África Romana, mas
Cartago foi especificamente excluída de seu domínio. Por um
tempo, o filho de Genserico foi mantido como refém pelos
Romanos; e, depois de assegurar a libertação de seu filho, o rei
invadiu e conquistou Cartago traiçoeiramente no ano 439. Os
súditos Africanos do monarca Vândalo foram duramente tratados:
ele agarrou os nobres Africanos mais ricos e os fez escravos de
seus filhos e de seus mais importantes seguidores. A melhor terra
Africana foi confiscada e dividida entre os Vândalos; enquanto os
Africanos ficaram com terras de qualidade inferior e foram
afligidos com impostos exorbitantes. Foi realmente relatado deles
que: “Eles encontraram a África florescendo e eles a deixaram
desolada, com seus grandes edifícios derrubados, seu povo
reduzido à escravidão, e a Igreja da África – tão importante nos
primeiros dias do Cristianismo – praticamente inexistente.”
(Citado pelo Dr. DeGraft-Johnson em African Glory, p. 56.)
A tirania Vândala no Norte da África terminou em 533,
quando o Imperador Justiniano, do Império Bizantino (Roma
Oriental), decidiu a reconquista da África Romana. As forças
Bizantinas sob o General Belisário derrotaram o exército do Rei
Gelimero, dos Vândalos, e as províncias Africanas foram
novamente submetidas ao domínio Romano. A cidade de Cartago
gozava de grande prosperidade sob o domínio Bizantino, mas o
Povo Africano em geral não se saía tão bem; na verdade, eles
estavam um pouco melhor do que estiveram nos dias da ocupação
Vândala. A condição da Cartago Bizantina foi descrita por um
escritor contemporâneo, o Monge Salviano, como segue:

Onde há tesouros mais abundantes do que com os Africanos?


Onde podemos encontrar lojas mais prósperas, melhor
abastecidas? O Profeta Ezequiel disse de Tiro: “Tu tens enchido
o teu tesouro de ouro e prata pela extensão do teu comércio; mas
eu digo da África que o seu comércio a enriqueceu tanto que não
apenas os seus tesouros estavam cheios, mas ela parecia capaz
de preencher as de todo o universo. . . .” Cartago, a Roma da
África, tinha em seu seio todos os tesouros do Estado; aqui
estava a sede do governo e de todos os institutos do Estado; aqui
havia escolas para as artes liberais, audiências para filósofos,
cadeiras para professores de todas as línguas e para todos os
ramos da lei [citado pelo Dr. DeGraft-Johnson em African
Glory, p. 57].

O destino das massas do Povo Africano é melhor descrito


nas palavras do historiador Bizantino Procópio, o secretário oficial
do General Belisário, que declarou que:

Justiniano, após a derrota dos Vândalos, não teve


problemas para garantir a ocupação completa do país. Ele não
percebeu que a melhor garantia de autoridade reside na boa
vontade do sujeito, mas se apressou em lembrar seu general,
Belisário, a quem ele suspeitava injustamente de aspirar à Coroa
Imperial, enquanto ele mesmo administrava as províncias
Africanas à distância, pilhado e sugando-as a seco em seu
prazer. Ele enviou agentes para estimar o valor do solo, instituiu
novos e pesados impostos, reivindicou todas as melhores terras,
proibiu os Arianos de praticar sua religião e governou o exército
com muita severidade, adiando continuamente o envio de
reforços. Essa política levou a problemas que estavam fadados a
acabar com o desastre [Procópio, History of the Wars, citado
pelo Dr. DeGraft-Johnson em African Glory, p. 56].

Na última parte do sexto século, pouco depois da morte do


Imperador Justiniano, uma criança nasceu na Arábia e, ao alcançar
a propriedade do homem, estabeleceu um novo sistema de
religião, que afetou profundamente o curso da história humana. A
história da grande civilização Árabe-Mourisca começa com o
nascimento de Maomé no ano 571 E.C. É reivindicado por seus
seguidores que seu nascimento foi anunciado por uma exibição
espetacular de milagres. O próprio Maomé, no entanto, parece
nunca ter suspeitado de que havia algo incomum no seu
nascimento ou carreira até os trinta anos de idade, quando
começou a ouvir vozes estranhas. Enquanto ele estava em uma
caverna no Monte Hara, envolvido em meditação religiosa, o anjo
Gabriel apareceu diante dele, proclamando-o como Maomé, o
profeta de Deus. Dizem que Gabriel trouxe página por página a
Maomé o Alcorão, quando se encontraram clandestinamente no
deserto.
Em Meca, Maomé foi tão impopular que foi forçado a fugir
para Medina, onde foi recebido de braços abertos no ano 622 de
E.C. Este ano, conhecido como o Hégira (Fuga), foi o início da era
Maometana. A doutrina do profeta Árabe se espalhou como fogo;
pois um período de seca desolara a península Arábica pouco antes
do advento de Maomé, e as tribos estavam inquietas e, portanto,
prontas para ouvir um novo profeta. A essência do Maometismo é
muito simples: “Não há deus senão Deus [Allah], e Maomé é o
profeta de Deus”. Esta simplicidade atraiu muitos. Um grande
número de Judeus e Cristãos foram convertidos porque Maomé
também reconheceu Moisés e Jesus como profetas de Deus. O
Islamismo atraiu todas as classes de pessoas. As doutrinas de
igualdade e fraternidade eram apreciadas pelos oprimidos; a
política de conquista encontrou a aprovação das tribos do deserto;
os moradores da cidade ficaram satisfeitos com o encorajamento
do comércio por parte de Maomé e os supersticiosos ficaram
lisonjeados com a cerimónia e o ritualismo.
Maomé não admitiu oposição, desafiando todos os
dissidentes a combater mortalmente e dizendo com ousadia: “Eu,
o último dos profetas, sou enviado com a espada. Aqueles que
promulgarem minha fé não entrem em argumento ou discussão,
mas matem todos que recusarem a obediência. Quem quer que
lute pela verdadeira fé, quer caia ou vença, certamente receberá
uma recompensa gloriosa.” O chefe da religião Maometana tem o
título de “califa”, uma palavra que significa “Sucessor” ou
“Representante de Maomé ”; e sobre a morte do Profeta do Islã,
seu sogro, Abu Bekr, foi eleito califa. Isso causou uma divisão
entre os fiéis, pois havia muitos que pensavam que o serviço
deveria ter ido para o cunhado de Maomé, Ali. Os partidários de
Abu Bekr justificaram sua posição alegando que o cargo deveria
ser preenchido por eleição; considerando que os advogados de Ali
argumentaram que a sucessão era por direitos hereditários. O
primeiro grupo é conhecido como os sunitas, e é dominante na
Arábia, na África, na Turquia e no Turquestão; a segunda seita,
conhecida como os xiitas prevalece na Pérsia e na Índia. Apesar
de suas diferenças, os sucessores de Maomé perseguiram
vigorosamente uma política de conquista. Seis anos após a morte
do profeta, a Ásia Menor e a Mesopotâmia foram capturadas pelos
exércitos do Islã; e a queda da Pérsia e da Índia seguiria logo na
sequência. Um século depois, os domínios Muçulmanos se
estenderam da Espanha ao Norte da África, da Ásia para China. A
primeira grande linhagem de califas no Oriente foi chamada de
Omíada [Omayyad], sendo descendentes de Omar, o São Paulo do
Islã; eles foram seguidos pelos Abássidas, descendentes do tio de
Maomé, Abas; enquanto no Egito o Califado Fatímida foi
estabelecido, sendo os Fatímidas descendentes da filha de Maomé,
Fátima. Depois de perder o poder no Oriente, os Omíadas
estabeleceram sua dinastia na Espanha e no Norte da África.
As conquistas Islâmicas, após a morte de Maomé em 632,
foram notáveis por sua rapidez de realização. Dois anos após a
morte do profeta, o exército do Imperador Heráclio de Bizâncio
foi derrotado pelas mãos do califa Abu Bekr e suas hordas
Sarracenas na Batalha de Yarkmuk, um afluente do rio Jordão; e
como resultado as cidades de Damasco, Jerusalém, Antioquia e
Palmira passaram para as mãos dos Árabes. Três anos depois, 637
D.C., um exército Persa sob o comando do Rustam, depois de uma
batalha de três dias na Kadessia, foi derrotado pelos Árabes, e a
Pérsia se tornou uma província Muçulmana. A primeira invasão
da África ocorreu em 640, quando Amru, o Conquistador, levou
seu exército Árabe para o Egito, e no ano 642 o Egito era outra
província dos domínios Muçulmanos em expansão. No Norte da
África, os exércitos Islâmicos enfrentaram forte oposição, mas em
672 eles haviam invadido a Tunísia, tendo fundado em 671 a
cidade de Kairouan, a fim de salvaguardar suas linhas de
comunicação com o Egito. A resistência do Povo Africano à
conquista Árabe tem sido lucidamente relacionada por um
estudioso Africano contemporâneo, a quem citamos:

Em 669, Oqbar-ben-Nafi passou por Fezzan e foi


nomeado governador de Ifriquah, agora a moderna Tunísia.
Dinar Bu’l Muhajr foi nomeado para suceder Oqbar-ben-Nafi e
levou a conquista do Norte da África para o oeste até Glemsan,
nas fronteiras do Marrocos moderno. Em 681, Oqbar-ben-Nafi
foi enviado de volta como governador e continuou a conquista
ainda mais para o oeste e para a costa Atlântica. O segundo
mandato de Oqbar-ben-Nafi como governador durou apenas um
ano, pois os habitantes nativos do Norte da África, considerando
que a rapacidade e a ganância dos Árabes eram iguais às dos
Romanos, dos Gregos e dos Vândalos, decidiram levantar-se
contra o domínio Árabe. Os Norte-Africanos se reuniram sob a
bandeira de um Kuseila e derrotaram e mataram Oqbar-ben-Nafi
em 682. Kuseila governou como Rei da Mauritânia por cinco
anos, mas em 688 ele foi derrotado e morto por novas forças
Árabes; sua posição como líder da resistência Africana foi
rapidamente aceita por outro parente, uma mulher chamada
Dahia-al-Kahina. Sob sua liderança, os Africanos lutaram
bravamente e dirigiram o exército Árabe para a Tripolitânia. O
general Árabe Hassin-bin-Numan teve sucesso em capturar
Cartago em 698. Mas sua vitória foi curta, pois Kahina, reunindo
as forças Africanas mais uma vez, expulsou Hassan da cidade. . .
. Kahina foi finalmente derrotada e assassinada por Hassin-bin-
Numan em 705, e com a sua morte veio o fim de uma das
tentativas mais resolutas de manter a África para os Africanos.
[African Glory, p. 66-67, por J. C. DeGraft-Johnson].

A conquista Árabe do Norte da África foi concluída em


708, quando Musa-ibn-Nusair subjugou todo o Marrocos, exceto
Ceuta, que estava sob o domínio do governador Bizantino, o
Conde Juliano. Mas Ceuta não resistiu por muito tempo, pois o
Conde Juliano estava em péssimo estado com Roderick11, Rei dos
Visigodos na Espanha, e decidiu ajudar o general Árabe e seus
aliados Mouriscos a invadir a Península Ibérica. Juliano mandara a
filha visitar a corte do Rei Roderick em Toledo, na Espanha. O
monarca Visigodo se aproveitou da filha do Conde Juliano,
Florinda; e Juliano decidiu, como uma medida de vingança, ajudar
e encorajar uma invasão Africana na Espanha. Assim, o Conde
Juliano visitou Musa, o governador do Norte da África, e
ofereceu-lhe a mão da amizade. O Conde contou ao líder Árabe a
grande riqueza e beleza natural da Espanha, de suas vinhas,
oliveiras, pastagens e rios, e de suas belas cidades e palácios, sem
mencionar os extensos tesouros dos Visigodos. O país estava mal
defendido e Juliano sugeriu que Musa o invadisse; e prometeu
cooperar neste projeto emprestando barcos para os invasores.
No ano 710, Musa tomou emprestados quatro navios do
Conde Juliano e enviou uma força de quinhentos homens sob o
comando de Tarif, um oficial de seu exército, para fazer uma
incursão na costa da Andaluzia. O exército desembarcou em um
lugar depois renomeado Tarifa em homenagem a Tarif. (Foi no
porto de Tarifa que os Mouros mais tarde cobraram uma
determinada taxa, que, tomando o nome da cidade, ficou
conhecida como a tarifa.) Tarif e seu pequeno destacamento
saquearam as Argélicas e outras cidades e retornaram à África
com seus barcos carregados de espólios. O sucesso deste
empreendimento encorajou Musa, que então decidiu por uma
incursão mais extensa na Espanha. Em 711, quando Musa soube
que o Rei Roderick estava ocupado no norte de seu país, tentando
reprimir a revolta dos Bascos, decidiu que estava na hora certa
para uma invasão ao reino Visigodo. Assim, um exército de doze
mil Africanos foi recrutado e colocado sob a liderança do general

11
Outro exemplo que, quando “aportuguesado”, tem-se “Rodrigo”.
Mourisco, Tarik.12 General Tarik e seu exército desembarcaram
em um istmo entre uma escarpa, então chamado Mons Calpe e o
continente da Europa. (Depois disso, Mons Calpe foi renomeado
como Gebel Tarik – A Colina de Tarik – ou, como agora o
chamamos, Gibraltar.) O exército Africano de Tarik capturou
várias cidades Espanholas perto de Gibraltar, entre elas, Heracleia.
Então ele avançou para o norte, na Andaluzia. O Rei Roderick
soube da invasão e levantou um grande exército para defesa. Os
dois exércitos se encontraram em batalha perto de Xeres, não
muito longe do rio Gaudalete.
Há uma velha lenda sobre Roderick, que é tão cativante e
fantástica que consideramos apropriado transmiti-la ao leitor da
forma mais concisa possível. De acordo com esse conto, numa
época anterior à invasão Mourisca da Espanha, enquanto o Rei
Roderick estava sentado em seu trono em Toledo, dois homens
idosos entraram em sua sala de audiências. Eles estavam vestidos
com vestes brancas de estilo antigo, usando cintos adornados com
os signos do zodíaco, e de onde pendiam um grande número de
chaves. Então, dirigindo-se ao monarca, os anciãos disseram:
“Sabe, Ó Rei, que nos dias passados, quando Hércules montou
seus pilares no estreito oceânico, ele ergueu uma torre forte perto
desta antiga cidade de Toledo, e fechou dentro de si um feitiço
mágico, protegido por um pesado portão de ferro com fechaduras
de aço; e ordenou que cada novo rei estabelecesse uma nova
fechadura no portal, e previa a aflição e a destruição daquele que
deveria procurar desvendar o mistério do Agora, nós e nossos
antepassados mantivemos a porta da torre desde os dias de
Hércules até esta hora; e, embora tenha havido reis que
procuraram descobrir o segredo, seu fim sempre foi morte ou
espanto. Ninguém jamais penetrou além do limite. Agora, Ó Rei,
viemos implorar-te que fixes a tua fechadura na torre encantada,

12
Informações adicionais por Lélia Gonzalez: “A formação histórica de Espanha e Portugal
se deu no decorrer de uma luta plurissecular (a Reconquista), contra a presença de invasores
que se diferenciavam não só pela religião que professavam (Islã); afinal, as tropas que
invadiram a Ibéria em 711 não só eram majoritariamente negras (6700 mouros para 300
árabes), como eram comandadas pelo negro general (“Gabel”) Tárik-bin-Ziad (a corruptela
do termo Gabel Tárik resultou em Gibraltar, palavra que passou a nomear o estreito que
ficou conhecido como Colunas de Hércules). Por outro lado, sabemos que não só os soldados
como o ouro do reino negro de Ghana (África Ocidental) tiveram muito a ver com a
conquista moura da Ibéria (ou Al-Andalus). Vale notar, ainda, que as duas últimas dinastias
que governaram Al-Andalus procediam da África Ocidental: a dos Almorávidas e a dos
Almóhadas. Foi sob o reinado destes últimos que nasceu, em Córdova (1126), o mais
eminente filósofo do mundo islâmico, o aristotélico Averróes (Chandler, 1987).
Desnecessário dizer que, tanto do ponto de vista racial quanto civilizacional, a presença
moura deixou profundas marcas nas sociedades ibéricas (como, de resto, na França, Itália
etc.).” – A categoria político-cultural de amefricanidade, Rio de Janeiro, 1988.
como todos os reis antes de ti fizeram.” Depois de proferir este
discurso pitoresco, o casal idoso afastou-se da presença do rei.
Roderick, naturalmente, estava muito desejoso de descobrir o
segredo da torre e anunciou a sua corte que pretendia visitar a
torre e que planejava procurar seu segredo. Seus bispos e
conselheiros advertiram-no contra tal movimento e disseram-lhe
que ninguém jamais havia entrado na torre e vivido para contar; e
que nem mesmo o grande Júlio César se atreveu a tentar entrar
nessa fortaleza. Esses admoestadores do rei até mesmo
transmitiram a ele uma advertência em forma poética, que dizia o
seguinte:

Não deve o campo descoberto, os registros antigos dizem,


Salvar para um rei, o último de toda a sua linha,
Que hora seu império cambaleia para decair,
E traição escava, abaixo, sua mina fatal,
E no alto, impõe a ira vingadora Divina.

Mas isso não impediu o Rei Roderick, que, cercado por seus
cavaleiros, um dia se aproximou da torre, que ficava em uma
rocha elevada, cercada por penhascos e precipícios. As paredes
dessa torre eram de mármore e jaspe, incrustadas de desenhos que
cintilavam nos raios do sol. A entrada era por meio de uma
passagem cortada em pedra, e estava fechada por um enorme
portão de ferro coberto de ferrugem que remontava aos dias de
Hércules; e de cada lado do portão ficavam os dois antigos que
visitaram a câmara de audiência do rei. Durante a maior parte do
dia, os dois anciãos vigias, auxiliados pelos cavaleiros do rei,
viraram chaves nas fechaduras vermelhas, até que, pouco antes do
pôr do sol, o portão foi aberto e a comitiva real entrou na torre.
Dentro do portão havia um corredor, do outro lado havia uma
porta, guardada por uma gigantesca figura de bronze de aspecto
terrível, que continuamente balançava uma grande maça que
atingia o chão na cercania com poderosos golpes. No peito deste
monstro de bronze, o Rei Roderick viu as palavras: “Eu faço o
meu dever”; então o rei apelou para a imagem animada para
deixá-lo passar, uma vez que ele não planejava sacrilégio, mas
apenas queria resolver o mistério da torre. A figura então ficou
imóvel, com a maça erguida, e permitiu que o rei e seus
companheiros passassem pela porta para a segunda sala. Então
eles se encontraram em uma câmara incrustada de pedras
preciosas, no meio da qual havia uma mesa que havia sido
instalada por Hércules; sobre a mesa havia um caixão, sobre o
qual estava gravada uma inscrição, que dizia: “Neste cofre está o
mistério da Torre. A mão de ninguém além de um rei pode abri-lo;
mas que ele fique atento, pois coisas maravilhosas serão reveladas
a ele, o que deve acontecer antes de sua morte”.
O rei abriu o cofre e no interior havia um pedaço de
pergaminho dobrado entre duas placas de cobre. No pergaminho
havia retratos de guerreiros ferozes a cavalo armados com arcos e
cimitarras e acima deles estava o slogan: “Eis o homem apressado,
aqueles que te lançarão do teu trono e subjugarão o teu reino.”
Quando o rei e seus cortesãos olharam para as figuras no
pergaminho, de repente eles ouviram os sons da batalha e as
figuras dos cavaleiros começaram a se mover, e antes deles surgiu
uma visão de guerra:

Eles viram diante deles um grande campo de batalha,


onde Cristãos e Mouros estavam envolvidos em conflitos
mortais. Eles ouviram o ímpeto e um pisotear de corcéis, a
explosão de trunfo e clarim, o estrépito de pratos e o barulho
tempestuoso de mil tambores. Houve o clarão de espadas e
maças e machados de batalha, com o assobio de flechas e o
arremesso de dardos e lanças. Os Cristãos se acovardaram diante
do inimigo. Os infiéis pressionaram-nos e os colocaram em total
desordem; o estandarte da cruz foi derrubado, a bandeira da
Espanha foi pisada; o ar ressoou com gritos de triunfo, com
gritos de fúria e gemidos de homens moribundos. Em meio aos
esquadrões voadores, o Rei Roderick avistou um guerreiro
coroado, de costas voltadas para ele, mas cuja armadura e
dispositivo eram seus e que estava montado num cavalo branco
que lembrava seu próprio cavalo de guerra, Orélia. Na confusão
da luta, o guerreiro foi desmontado, e não era mais visto, e
Orélia galopou descontroladamente pelo campo de batalha sem
um cavaleiro [The Conquest of Spain, edição de Bohn, p. 378 et
seq., por Washington Irving; citado por Stanley Lane-Poole, em
The History of the Moors in Spain, p. 18-19].

Quando a visão do futuro desastre chegou ao fim, o rei e


seus assistentes fugiram da torre assustados. A essa altura, a
grande imagem de bronze havia desaparecido e os dois velhos
estavam mortos na entrada da torre. A torre em si tornou-se
envolvida em chamas e cada pedra foi consumida pelo fogo.
Quando o Rei Roderick saiu para se juntar aos Mouros,
liderou um grande exército que superava o inimigo em seis a um,
e ele usava uma armadura ornamentada e era protegido por um
dossel magnífico. Mas os Africanos não se atrapalharam, pois
quando o General Tarik os conduziu à batalha, ele gritou:
“Homens, diante de vocês é o inimigo e o mar está às suas costas.
Por Allah, não há escapatória para você salvo em bravura e
determinação.” Isso eletrizou o exército Mourisco e eles gritaram
em resposta: “Nós seguiremos a ti, Ó Tarik,” enquanto eles
avançavam nas fileiras do inimigo. A batalha durou uma semana
inteira, mas finalmente os invasores Africanos romperam as linhas
Espanholas, e o rei Roderick e seu exército foram derrotados, o
próprio rei sendo morto na batalha. “O conflito foi sangrento”,
como o Dr. DeGraft-Johnson realmente afirma, “mas Tarik foi
vitorioso e logo se tornou mestre da Espanha. A conquista da
Espanha foi uma conquista Africana. Eles eram Africanos
Maometanos, não Árabes, que derrubaram o reino Gótico da
Espanha.” (African Glory, p. 69-70.)
Depois de invadir a Península Ibérica, os invasores
Mouriscos avançaram para a França, onde foram repelidos com
pesadas perdas em Poitiers pelos francos sob Charles Martel.
Depois desse revés, eles se retiraram para a Espanha e lá
assentaram as fundações de uma nova civilização. O país foi
incalculavelmente enriquecido por seus trabalhos: Eles, por
exemplo, introduziram a indústria da seda na Espanha. No campo
da agricultura, eles eram altamente qualificados e introduziam
arroz, cana-de-açúcar, tâmaras, gengibre, algodão, limões e
morangos no país. Ibn-al-Awam e Abu Zacaria13 escreveram obras
eruditas sobre agricultura e pecuária. A tradução de um tratado
sobre agricultura por Ibn-al-Awam (século doze) foi publicado na
Espanha em 1802, para instrução dos agricultores Espanhóis. Ibn
Khaldun, outro perito Mourisco na agricultura, escreveu um
valioso tratado sobre agricultura e elaborou uma teoria dos preços
e a natureza do capital.14
Além de serem agricultores científicos, os Mouros eram
engenheiros de nenhuma habilidade média. O califa Abd-er-
Rahman III construiu um aqueduto que transportava água das
montanhas para Córdoba através de canos de chumbo. A Espanha

13
Até onde pesquisamos, só encontramos um autor para o nome Ibn al-Awam e Abu Zacaria.
14
Kwame Ture observa o seguinte: “Karl Marx não inventou nem fundou o socialismo,
mesmo que muitos digam isso. Ele apenas descobriu. Isso é tudo. Ele descobriu as leis do
socialismo. Ele não as fundou. Chamamos de ‘lei da gravidade’ – Newton não inventou que
um corpo cai a 32 pés por segundo ao quadrado. Marx não pode inventar a forma como o
capital oprime o trabalho, e que trabalhadores se levantarão contra o capital. Marx não pode
inventar isso. A propósito, gostaria que o Prof. Asante fosse ler Ibn Khaldun. Um Africano,
tunisiano do século 12, que em seus escritos usa termos como ‘excedente’, ‘valores
excedentes’, ‘propriedade’, ‘direito a propriedade’ – ele usa todos os termos que Karl Marx
usa. Ele escreveu isso no século 12, e ele era Africano. Valores socialistas encontrados no
comunismo.” – debate Kwame Ture/Molefi Asante, África e o Futuro, Cincinnati, 1996.
moderna mantém apenas um fragmento do sistema de irrigação
fino construído pelos engenheiros Mouriscos, que também
ergueram grandes silos subterrâneos para o armazenamento de
grãos em caso de emergência.
A riqueza mineral da terra não foi negligenciada; ouro,
prata, cobre, mercúrio, estanho, chumbo, ferro e alume foram
extraídos em grande escala. Até o século doze, o comércio
marítimo dos Sarracenos no Mediterrâneo era maior que o dos
Cristãos; centenas de navios estavam envolvidos, e esse comércio
generalizado estimulou naturalmente a manufatura. As espadas de
Toledo eram as mais excelentes e bonitas de toda a Europa, e uma
fábrica perto de Córdoba tinha uma produção de doze mil escudos
por ano. Múrcia ficou famosa pela fabricação de todos os tipos de
instrumentos de latão e ferro; os curtumes de Córdoba e Marrocos
eram os melhores do mundo; Almeria produzia faixas famosas por
toda parte, pelas cores vivas e textura fina; tapetes foram feitos em
Teulala; e lã de cores vivas vieram de Baza e Granada. Os Mouros
também produziram vasos de vidro e cerâmica, mosaicos e joias.
Córdoba no século dez era muito parecida com uma cidade
moderna; as ruas estavam bem pavimentadas e havia calçadas
para pedestres. À noite, podia-se andar por dezesseis quilômetros
à luz das lâmpadas, ladeado por uma extensão ininterrupta de
edifícios; e isso foi centenas de anos antes de haver uma rua
pavimentada em Paris ou uma lâmpada de rua em Londres. A
população da cidade era de mais de 1.000.000; e havia 200.000
lares, 800 escolas públicas, muitas faculdades e universidades,
10.000 palácios dos ricos, além de muitos palácios reais, cercados
por belos jardins. Havia 5.000 usinas em Córdoba quando ainda
não havia nem uma no resto da Europa; e havia 900 banhos
públicos, além de um grande número de casas particulares, numa
época em que o resto da Europa considerava o banho
extremamente perverso e a ser evitado o máximo possível.
Córdoba também foi agraciado por um sistema de mais de 4.000
mercados públicos.
Toledo, Sevilha e Granada eram rivais de Córdoba em
relação à magnificência. A educação era universal na Espanha
Muçulmana, sendo dada aos mais humildes, enquanto na Europa
cristã 99% das pessoas eram analfabetas e até os reis não sabiam
ler nem escrever. Os governantes Mouriscos viviam em palácios
suntuosos, enquanto os monarcas da Alemanha, França e
Inglaterra moravam em grandes celeiros, sem janelas de fumaça e
sem chaminés, e com apenas um buraco no teto para a saída da
fumaça.
Em meados do século dez, um pequeno grupo de Alemães
conduziu um monge à corte de Abd-er-Rahman III, Califa de
Córdoba. O monge entregou uma carta ao Califa, que lhe fora
enviada pelo Imperador Otto, o Grande, do Sacro Império
Romano. As maravilhas de Córdoba e a beleza cênica de seus
subúrbios e da paisagem da Andaluzia devem ter feito os viajantes
Alemães roçarem os olhos em perplexidade; pois eles certamente
achavam que tinham sido enfeitiçados e transportados por algum
feiticeiro para o reino das fadas. Uma reconstituição vívida dos
esplendores da Espanha Mourisca, vista pelo monge e seus
companheiros, foi preservada para nós por uma autoridade
reconhecida na história do período:

Os Alemães achariam a Andaluzia naqueles dias um


verdadeiro jardim de música, e flores, e alegria. Tinha dezenas
de milhares de aldeias prósperas e, pela primeira vez na vida, os
Alemães viam pêssegos, romãs, morangos, damascos, limões,
amêndoas, tâmaras, laranjas e plantações de cana-de-açúcar;
enquanto nos albergues eles encontravam café, espinafre,
espargos, a comida mais saborosa e todas as especiarias do
Oriente. Nem um acre de terra foi deixado sem cultivo, e túneis
atravessaram montanhas, aquedutos, represas e reservatórios
proporcionaram ampla irrigação onde quer que fosse necessário.
A terra tinha uma população maior do que a de hoje –
provavelmente maior que a da Alemanha, França, Inglaterra e
Itália juntas naquela época – e uma população imensamente
mais feliz e próspera.
Em Córdoba, no velho povoado de Córdoba, eles
encontrariam uma cidade de 250.000 casas e 1.000.000 de
pessoas, quando nenhuma cidade da Europa fora da Espanha
Mourisca tinha uma população de 30.000 habitantes. Suas
paredes maciças possuíam um circuito de 14 quilômetros e
tinham sete grandes portões de ferro em bronze. Suas ruas foram
pavimentadas – tão profundamente, que em alguns deles você
pisa as mesmas pedras hoje, assim como você cruza o
Guadalquivir na mesma nobre ponte – drenado por grandes
esgotos, lavados com água das muitas fontes que brilhavam ao
sol e iluminados por lâmpadas à noite. Tinha 80.455 lojas, além
de 4.300 mercados, e nessas lojas você podia comprar âmbar do
Báltico, peles Russas, chá Chinês, especiarias Indianas, ébano
Africano, e marfim, e produtos nativos do tipo em couro, metal,
seda, vidro e cerâmica, como não puderam ser encontrados em
outros lugares. Tinha 900 banhos públicos – nos é dito que um
Árabe pobre ficaria sem pão em vez de sabão – e mais de 1.000
mesquitas, a maior das quais ainda é uma das maravilhas
arquitetônicas do mundo, apesar da desfiguração Espanhola
posterior. Seu baixo teto escarlate e dourado, sustentado por
1.000 colunas de mármore, jaspe e pórfiro, era iluminado por
milhares de lâmpadas de latão e prata que queimavam óleo
perfumado, sendo o maior de trinta e oito pés de circunferência
contendo 46.000 chapas de prata para refletir a luz. A requintada
câmara de oração (Mirabe), o singular púlpito e a seção privada
do Califa, com piso de prata e portas banhadas a ouro,
completaram este maravilhoso monumento de opulência e arte....
Cerca de cinco milhas ao longo da larga estrada que a
levava da cidade, eles entravam no mais maravilhoso jardim ou
parque do mundo. Engenheiros, que tinham uma habilidade
inigualável até os tempos modernos, dirigiam seu suprimento de
água para que houvessem lagos, cascatas e fontes soberbas por
todos os lados, enquanto cada flor e arbusto que cresceria na
Andaluzia fora trazida dos confins da terra. No lado mais
distante estavam as 400 mansões brancas de oficiais, visitando
mercadores e viajantes ilustres, e acima das palmas ondulantes,
dos ciprestes escuros e dos delgados minaretes [and slender
white manarets] brancos que se viam, na encosta mais baixa da
Sierra, emoldurada por um declive mais alto que foi totalmente
plantada com rosas, o palácio de mármore branco de Al Zahra. .
. . Do primeiro ao último, parece ter custado mais de 30.000.000
libras ($120.000.000) em nosso dinheiro; e os Espanhóis não
deixaram pedra sobre pedra dela.
Os toldos de seda fechavam o sol do amplo pátio de
mármore, que e o monge certamente cruzaria ao entrar no
grande salão. Suas oito grandes portas eram de madeira
perfumada e eram decoradas com ouro, joias, marfim e ébano. A
cúpula central e o teto eram sustentados por colunas de alabastro
e cristais de rocha, com capitéis cravejados de pérolas e rubis.
As paredes eram revestidas com ônix e mosaicos, e o teto e o
interior da cúpula eram revestidos de ouro e prata. As tapeçarias,
cortinas e tapetes, e as vestes e pedras preciosas nas quais o
Califa sentou-se, em um trono de ouro maciço incrustado de
joias, podem ser deixadas para a imaginação [The Golden Ages
of History, p. 152-55, por Joseph McCabe ].

Outras cidades da Espanha não eram menos maravilhosas


que Córdoba. O sheik Ash-shakandi, célebre estudioso Mourisco
do início do século treze, embora fosse cidadão de Córdoba,
viajou muito pela Espanha e Marrocos, e escreveu, com elogios
incansáveis, sobre as glórias de várias outras grandes cidades do
Império Mourisco. Almeria, por exemplo, era um porto próspero e
era a casa de um estaleiro no qual eram fabricados os melhores
barcos. O sheik nos diz que era “o maior mercado da Andaluzia” –
e ele ainda nos informa que: “Cristãos de todas as nações vieram
ao porto para comprar e vender, e tinham fábricas ali, onde
carregavam seus navios com os bens que desejavam, devido a que,
e sendo uma cidade muito opulenta e grande, cheia de passageiros
e mercadores, o produto do dízimo imposto sobre os bens e pago
pelos mercadores Cristãos era muito considerável, e excedeu o
recolhido em qualquer outro porto marítimo.”
Almeria era famosa por suas finas fábricas de seda,
especializadas na produção de damascos e brocados e tecidos de
prata e ouro. Milhares de artesãos foram empregados em cada
setor desse extenso comércio de seda. Esta cidade também se
destacou na qualidade do vidro e da cerâmica que suas fábricas
produziram e se destacou pela excelência de suas produções no
campo de ferragens. Embarcações do Oriente traziam para suas
docas os melhores produtos da China e da Índia. Para citar Ash-
shakandi novamente: “Almeria é uma cidade opulenta e
magnífica, cuja fama se espalhou por toda parte. Deus dotou seus
habitantes com vários dons, como um clima temperado e
abundância de frutas; eles são bonitos, bem-feitos, bem-
humorados, muito hospitaleiros, muito ligados aos seus amigos, e
acima de tudo, é muito refinado em suas maneiras e muito
elegante em seu vestido. Sua costa é a multa [Its coast is the fine]
em todo o Mediterrâneo, bem como a mais segura e frequentada.
“Os cidadãos de Almeria foram classificados como os mais ricos
em toda a Andaluzia, e poderiam se gabar de construir uma grande
cidade industrial sem diminuir sua beleza natural e charme. Entre
suas características, havia numerosos banhos públicos e a
presença de um rio pitoresco; e somos informados de que,
percorrendo a paisagem por quarenta milhas, o curso do rio “não
contribui muito pouco para o ornamento da cidade e seus
arredores”, já que ao longo de suas margens havia “pomares,
jardins e bosques, onde as aves cantam com sua harmonia aos
ouvidos do viajante.”
Em todo o mundo Árabe-Mourisca, uma vida intelectual
vigorosa floresceu; pois os califas do Oriente e do Ocidente eram,
na maior parte, esclarecidos patronos do aprendizado. Eles
mantinham imensas bibliotecas e ofereciam fortunas para novos
manuscritos. No ano de 970, o Califa Al Hakem de Córdoba
encheu um palácio inteiro com livros coletados de todas as partes
do mundo conhecido, e as prateleiras classificadas da biblioteca
estavam adornadas com 600.000 volumes, todos cuidadosamente
catalogados e em ordem. Dizem que o Califa Al-Mamun, de
Bagdá, importou centenas de milhares de livros de camelos para a
grande metrópole do Oriente. Ele fez um tratado com o Imperador
Miguel III de Bizâncio, no qual foi estipulado que toda uma
biblioteca em Constantinopla deveria ser entregue a ele. Nesta
biblioteca era um tesouro literário raro, o tratado de Ptolomeu
sobre a construção matemática dos céus. O Califa, ele mesmo um
astrônomo, mandou traduzir o trabalho para o Árabe sob o título
de O Almagesto.
O califa Harun al-Rashid fundou a Universidade de Bagdá,
na qual o professor mais célebre foi Joshua Ben Nun, um Judeu; e
ali os clássicos Gregos foram traduzidos para o Árabe. Harun era
patrono do Colégio Médico de Djondesabour, no sul da Pérsia; e
os graduados em medicina tiveram que passar por um exame dado
pelo corpo docente da escola, ou pelo da Universidade de Bagdá,
antes de entrar na prática da arte da cura.
O Califa Al-Mamun nomeou um estudioso Cristão para a
presidência de um colégio em Damasco. Isso mostra o espírito de
tolerância prevalecente no califado de Bagdá. Os Sarracenos
adotaram o sistema decimal de notação numérica dos Hindus, e
isso foi melhorado por Mohammed Ben Musa, que, no nono
século, introduziu zero como uma quantidade matemática. Este
mesmo Mohammed Ben Musa escreveu o primeiro tratado
sistemático sobre álgebra, inventou uma fórmula para a solução de
equações quadráticas, e foi o autor de um Tratado sobre
Trigonometria Esférica. Omar Khayyám, agora lembrado por sua
poesia, era mais conhecido por seus contemporâneos como
matemático e astrônomo.
Havia muitos especialistas nas ciências físicas. O Califa Al-
Mamun (século nove) determinou a obliquidade da eclíptica e
calculou o tamanho da Terra enviando uma expedição que media a
extensão de um grau de latitude na costa do Mar Vermelho. Os
séculos dez e onze trouxeram à luz dois grandes físicos: Al Hazen,
um famoso oculista, e Ali Ibn-Isa, notável oculista. A maioria de
nossas histórias escolares nos ensinam que a crença predominante,
antes da circunavegação do globo por Magalhães em 1519, era
que o mundo era plano. Essa visão popular é totalmente falsa, pois
os Mouros de suas escolas ensinavam geografia de globos muito
antes de Magalhães nascer. Por exemplo, El Idrisi, um cientista
Mourisco, escreveu um livro sobre geografia em meados do
século doze. Nessa obra, aparece a seguinte passagem: “O que
resulta da opinião de filósofos, homens instruídos e aqueles
habilidosos em observar os corpos celestes, é que o mundo é
redondo como uma esfera, da qual as águas são aderentes e
mantidas sobre sua superfície por equilíbrio natural, é cercada por
ar, e todos os corpos criados são estáveis em suas superfícies, a
terra atraindo para si tudo o que é pesado da mesma maneira que
um ímã atrai ferro.” (Citado por Lady Lugard em A Tropical
Dependency, p. 37-38.)
A indústria e a habilidade incomuns dos cientistas e
estudiosos Muçulmanos medievais podem ser ilustradas por uma
consideração das realizações de Avicena de Bokhara (980-1037)
que foi filósofo, médico e geólogo; e foi autor de muitos tratados
científicos e filosóficos. Os seguintes títulos de seus trabalhos
mais conhecidos são representativos do amplo escopo de seu
conhecimento: (1) Utilidade e Vantagem da Ciência; (2) Saúde e
Remédios; (3) Cânones da Física; (4) Observações Astronômicas;
(5) Teoremas Matemáticos; (6) A Linguagem Árabe; (7) A Origem
da Alma e a Ressurreição do Corpo; (8) Um Resumo de Euclides;
(9) Física e Metafísica; e (10) Uma Enciclopédia do
Conhecimento Humano, em vinte volumes. O alto estado de
desenvolvimento da ciência e da erudição na Espanha Mourisca
foi resumido por um historiador moderno, como segue:

Enquanto nos séculos dez e onze, toda a Europa podia


mostrar apenas uma única biblioteca pública e se orgulhar de
apenas duas universidades dignas desse nome, havia na Espanha
mais de setenta bibliotecas públicas, das quais apenas a de
Córdoba. continha seiscentos mil manuscritos. Além disso, o
país possuía dezessete universidades famosas, entre as quais
destacavam-se as de Córdoba, Sevilha, Granada, Málaga, Jaén,
Valência, Almería e Toledo.
. . . Astronomia, física, química, matemática, geometria,
filologia, geografia, alcançou na Espanha o mais alto estágio
conhecido na época, em qualquer lugar. . . . Artistas e estudiosos
unidos em associações especiais para a prossecução dos seus
estudos. Haviam congressos regulares de todos os ramos da
ciência, onde as últimas realizações da pesquisa foram
anunciadas e discutidas, o que naturalmente contribuiu
grandemente para a disseminação do pensamento científico
[Nationalism and Culture, p. 412, por Rudolph Rocker].

A dinastia Omíada sobreviveu na Espanha até 1031, mas


estava obviamente em um estado de declínio no ano 1000. Abd-
er-Rahman III, um dos maiores monarcas Mouriscos, reinou por
cinquenta anos (911-961) tanto que estabilizou e expandiu os
territórios de seus domínios. Na Europa, somos informados pelo
cronista do rei: “Os Muçulmanos subjugaram o país dos Francos
além dos limites máximos alcançados durante os reinados de seus
predecessores. As nações Cristãs além dos Pirineus estenderam-
lhe a mão da submissão e seus reis enviaram presentes caros para
conciliar seu favor. Mesmo os reis de Roma, Constantinopla,
Alemanha, Eslavônia e outras partes distantes, enviaram
embaixadores pedindo paz e suspensão das hostilidades, e se
oferecendo para concordar com quaisquer condições que ele
deveria ditar.”
Abd-er-Rahman, não desejando arriscar a presença de
regimes hostis na África Ocidental, invadiu aquela região e
anexou um território considerável que ele anexou a seus próprios
reinos extensivos. Sob o cetro desse governante, o califado
ocidental estendeu-se dos Pireneus até as fronteiras do Sudão, e
esse governo dual, com tribunais na Espanha e no Marrocos, ficou
conhecido como O Império das Duas Margens. Nos é assegurado
por um relato contemporâneo que: “Nunca o Império Maometano
foi mais próspero do que durante seu reinado. Comércio e
agricultura floresceram; as ciências e as artes receberam um novo
impulso, e a receita aumentou dez vezes.” Foi nos dias de Abd-er-
Rahman que a manufatura de algodão foi introduzida na Europa.
Os Mouros daquele tempo também estabeleceram a arte de
imprimir chitas de bloco de madeira. Dos anais contemporâneos,
temos a impressão de que Abd-er-Rahman era moderado e um
patrono iluminado do progresso. “Sua mansidão, generosidade e
amor à justiça tornaram-se proverbiais. . . . Ele gostava de ciência,
e o patrono do erudito, com quem ele amava conversar, gastando
aquelas horas que ele roubou dos trabalhos árduos da
administração em reuniões literárias, para as quais todos os
eminentes poetas e eruditos de sua corte fora admitido.” (A
Tropical Dependency, p. 51, por Lady Lugard.)
No ano de 1048, o Emir Yahia do Marrocos visitou Meca.
Aqui ele conheceu um reformador religioso, Ibn Yasin, a quem ele
convenceu a voltar para casa com ele para ensinar suas doutrinas
aos Mouros. Ibn Yasin, com alguns seguidores, estabeleceu seu
quartel-general em uma ilha no rio Senegal, na África Ocidental.
O novo movimento provou ser popular, e o líder nomeou seus
discípulos Morabitas (Campeões da Fé), que com o tempo foi
mudado para Almorávidas. Uma cruzada foi instada por Ibn
Yasin, cujo objetivo era “manter a verdade, reprimir a injustiça e
abolir todos os impostos que não se baseiam na lei.”15 A liderança
dos Almorávidas, que começou no Alto Senegal, foi assumida
pelo Emir Yahia. Depois de consolidar sua posição no sudoeste do

15
A “lei” aqui refere-se à Sharia, a lei islâmica.
Marrocos, Yahia morreu em 1056, e foi sucedido por seu irmão
Abu Bekr, que liderou seus exércitos para novas vitórias.16 Abu
Bekr retirou-se para o sul do Marrocos e entregou a parte norte do
país a seu primo Yusuf Tachefin, que logo se tornou o mestre do
noroeste da África.

No ano de 1062, Yusuf lançou as bases da cidade de


Marrocos com suas próprias mãos [aprendemos de uma
autoridade moderna reconhecida] e, pouco tempo depois,
declarou a independência do reino setentrional, o qual se tornaria
a capital. No ano de 1082, ele era o governante supremo daquela
parte do mundo. Sua corte começou a atrair o aprendizado e a
civilização que a guerra civil estava expulsando da Espanha. . . .
Foi a este tribunal e a este homem que Al Mutammed de Sevilha
chegou em 1083 para pedir ajuda contra os cristãos. . . . Quando,
portanto, ele consente em atravessar para a Espanha, e no
decorrer do tempo expulsa os Cristãos e estabelece mais uma
vez um supremo Sultão sobre o trono da Andaluzia, sua
conquista e a dinastia que ele fundou deve ser considerada como
uma conquista Africana e uma dinastia Africana [A Tropical
Dependency, p. 55-56, por Lady Lugard].

Quando Yusuf atravessou para a Europa, ele estava no


comando de um exército de 15.000 homens, armados
principalmente com espadas e punhais; mas suas tropas de choque
eram um destacamento de 6.000 homens cavalarianos Senegaleses
montados em cavalos Árabes brancos, que dizem ser tão frágeis
quanto o vento. Uma vez na Espanha, Yusuf foi recebido pelos
principais governantes da Espanha: os reis de Almeria, Badajoz,
Granada e Sevilha. O exército Mourisco, apenas 10.000 homens
ao todo, juntou-se às forças Africanas de Yusuf e marchou para o
norte para se juntar à batalha com o Rei Afonso VI, que liderou
16
No ensaio ‘África: A Passagem das Idades de Ouro’ John Henrik Clarke faz o seguinte
relato: “Em uma de várias guerras santas, ou Jihads, Gana foi invadida pelos Almorávidas
sob a liderança de Abu Bekr do Império Sosso em 1076 dC. Essa conquista trouxe o fim da
era de prosperidade e desenvolvimento cultural de Gana. O caráter do país demorou a
mudar. Quase cem anos depois, o escritor árabe al-Idrisi escreveu sobre isso como sendo
dito: "Gana... é o mais comercial dos países pretos. É visitado por ricos comerciantes de
todos os países vizinhos e das extremidades do Ocidente".” A saber, Gana “Começou como
um pequeno povoado durante o segundo século da era cristã. Mais tarde, iria evoluir para um
estado com uma história conhecida de mais de mil anos. Na Europa e nos países árabes,
Gana era conhecido como um país rico em ouro. Essa foi uma atração natural para os árabes,
e depois, para os europeus. O país atingiu o auge de sua grandeza durante o reinado de
Tenkamenin, um de seus maiores reis, que chegou ao poder em 1062 dC. O rei vivia em um
palácio de pedra e madeira que foi construído para ser defendido em tempos de guerra. O
Império estava bem organizado. O progresso político e o bem-estar social de seu povo
poderiam ser favoravelmente comparados aos melhores reinos e impérios que prevaleciam na
Europa naquela época.” (Id., ibid.)
um exército Cristão de 70.000. Os exércitos adversários lutaram
entre si em Zalakah em outubro de 1086, e primeiro os anfitriões
Cristãos pareciam estar vencendo. Al Mutammed, liderando os
Muçulmanos, mandou matar três cavalos e, embora ferido,
manteve seus homens na linha até que Yusuf aparecesse com
reforços e atacasse os Cristãos pela retaguarda. O resultado deste
famoso conflito foi tão bem descrito por J. A. Rogers que citamos
aqui:

Durante todo o dia a batalha durou selvagemente. Os


soldados Mouriscos que haviam fugido no primeiro ataque
Cristão retornaram, dando novo ardor ao combate. A noite
estava chegando. Yusuf, que apesar de seus setenta e nove anos,
esteve em toda a parte na luta mais acirrada, sentido, com o
instinto do general nascido, que o momento decisivo havia
chegado. Três mil de seus invencíveis cavaleiros pretos em seus
carregadores brancos foram mantidos em reserva. Agora ele
soltou eles. Com gritos de gelar o sangue, eles caíram sobre os
Cristãos, passando por suas fileiras numa terrível carnificina. Os
anfitriões brancos, em pânico, vacilaram, quebraram e fugiram.
A derrota se tornou um massacre. Alfonso, esfaqueado na coxa
por um cavaleiro preto, fugiu com 150 dos seus homens
[World’s Great Men of Color, Vol. I, p. 121, por J. A. Rogers].

Após a conquista da Espanha, Yusuf I retornou ao seu


palácio na cidade de Marrocos, esperando desfrutar das atividades
de paz; mas, pouco depois, mensagens de seus generais na
Espanha informaram-no de que os Cristãos estavam novamente
em marcha e que os reis da Andaluzia eram muito preguiçosos e
covardes para combatê-los. Yusuf ordenou que seus generais
invadissem esses pequenos reinos e colocassem suas cidades e
vilas sob governadores militares. Esta política foi implementada e,
finalmente, com a queda de Sevilha, a ordem foi restaurada, e o
Rei de Sevilha foi feito prisioneiro e enviado para a África, onde
morreu em 1095. Yusuf morreu em 1106, na idade madura de
noventa e nove anos. Seu filho o sucedeu no trono do Império das
Duas Margens. O Sultão do Marrocos e da Espanha continuou a
governar com tribunais duais, um na África, outro na Europa, até a
derrubada do domínio Africano em 1142, seguido pela queda do
domínio Espanhol, em 1145. O último rei Almorávida morreu em
1147, somos informados pelo historiador Norte-Africano Ibn
Khaldun. Durante toda a era dos Almorávidas, como na dinastia
anterior dos Omíadas, houve um rápido intercâmbio de
mercadorias e ideias entre o império dos Mouros e os reinos do
Sudão.
No início do século doze, outro reformador religioso,
chamando a si mesmo de Mahdi, surgiu no Marrocos. Ele nomeou
seus seguidores Almóhadas (Unitarianos). Após a conquista do
Marrocos em 1147, quando o último rei Almorávida foi
destronado e executado, os Almóhadas tomaram as rédeas do
governo e invadiram a Europa. Em 1150 derrotaram os exércitos
Cristãos da Espanha e colocaram um soberano Almóhada no trono
da Espanha Mourisca; e assim, pela segunda vez, uma dinastia
puramente Africana governou a parte mais civilizada da Península
Ibérica.
Sob uma grande linha de reis Almóhadas, o esplendor da
Espanha Mourisca não era apenas mantido, mas reforçado; pois
eles ergueram o Castelo de Gibraltar em 1160 e começaram a
construção da grande Mesquita de Sevilha em 1183. A Geralda de
Sevilha foi originalmente um observatório astronômico construído
em 1196 sob a supervisão do matemático Geber. Os Almorávidas
estabeleceram uma corte Espanhola em Sevilha. Os Almóhadas
estabeleceram uma corte Africana na cidade de Marrocos; e Ibn
Said, no século treze, descreve o Marrocos como o “Bagdá do
Oeste” e diz que, sob os primeiros governantes Almóhadas, a
cidade desfrutava de sua maior prosperidade. “Ambas as dinastias
tinham dois tribunais, um na África e outro na Espanha. Assim, o
que quer que fosse a prosperidade ou grandeza de uma parte de
seu império, era compartilhada pela outra e sob os Almóhadas
houve uma mudança para o centro Africano.” (A Tropical
Dependency, p. 60, por Lady Lugard.)
No início do século treze, o poder Mourisco na Espanha
começou a declinar. Infelizmente, os Muçulmanos, devido a
diferenças religiosas e políticas, começaram a se dividir em
facções e a guerrear entre si. Ao mesmo tempo, os Cristãos da
Europa, tendo absorvido a ciência e a cultura dos Mouros, que
lhes permitiram pôr fim à longa noite da Idade das Trevas,
começaram a formar uma frente unida para levar os Mouros de
volta à África. Os domínios dos Almóhadas foram, lenta mas
seguramente, capturados pelos exércitos Cristãos, e após quase um
século de conquistas brilhantes, a dinastia Almóhada terminou
quando seu último soberano reinante foi privado de seu trono no
ano de 1230. A Espanha Muçulmana declarou independência sob
o governo de Ibn Hud, o fundador da dinastia Hudita [Huddite].
As forças Cristãs, entretanto, conquistaram uma grande cidade
após a outra, tomando Valência em 1238, Córdoba em 1239 e
Sevilha em 1260.
Na África, a dissensão interna era abundante. A província
de Ifrikiah17 (Berbéria) declarou-se um estado independente sob o
domínio de um sultão da dinastia Haféssida. Em 1269, o trono de
Marrocos passou para as mãos da dinastia Merinita, que fez de
Fez sua capital. Antes do final do século treze, o Império das Duas
Margens havia se desintegrado completamente. Na Espanha, os
Huditas perderam para um monarca Haféssida chamado Ibn
Ahmar18, que construiu o célebre palácio de Alhambra, e
governou sobre qualquer território que pudesse manter em
Granada. Na África, a dinastia Haféssida de Berbéria e a dinastia
Merinita de Marrocos estavam quase sempre em guerra entre si.
Os Mouros introduziram a fabricação de pólvora na Europa; mais
tarde, os Europeus Cristãos usaram esta arma contra eles. Depois
de vários séculos de brilho, a estrela da sorte do Islã começou a se
estabelecer. Os Sarracenos nunca se recuperaram das conquistas
dos Turcos Seljúcidas no século onze e dos Mongóis no século
treze. Os Mongóis, sob o comando de Hulagu Khan19, capturaram
e saquearam Bagdá em 1258. Eles também destruíram o grande
sistema de irrigação da Mesopotâmia, datando de tempos antigos,
e assim transformaram uma grande área de terras férteis em um
deserto. A desintegração do califado de Córdoba data do ano
1031, quando os problemas internos dos Muçulmanos tornaram
impossível para eles manter uma defesa adequada contra seus
inimigos Cristãos.
Em 1492, os Mouros haviam perdido toda a Espanha,
exceto o reino de Granada. Os Cristãos, embora não estivessem
livres de disputas internas, foram finalmente unidos pelo
casamento de Fernando e Isabel, que uniram em paz as antigas
casas reais hostis de Aragão e Castela. As forças Cristãs unidas
cercaram a cidade de Granada e a bloquearam por oito meses. O
rei Mourisco, Abu Abdallah (também conhecido como Boabdil),
finalmente se rendeu. Os Mouros permaneceram na Espanha por
pouco mais de um século; mas em 1610, através da expulsão e
migração, um milhão, entre eles muitos judeus, havia retornado ao
norte e oeste da África.20
A palavra “Mouro” significa literalmente “Preto”, então o
povo Mourisco era o povo Preto. Alguns antropólogos os atribuem

17
Atual Tunísia.
18
Ver também Nasridas.
19
A saber, neto de Gengis Khan.
20
E uma vez perseguidos na Espanha, procuraram refúgio em território Haféssida.
a uma raça Marrom arbitrária, e outros os rotulam como Brancos-
Escuros. O falecido Joseph McCabe certa vez observou que talvez
um antropólogo Africano chamasse essas pessoas de Pretos-
Pálidos. Nos tempos medievais, o nome de Mouro não se
restringia aos habitantes de Marrocos, mas era costume referir-se a
todos os Africanos como Mouros. A palavra altamente ambígua
“Negro” ainda não havia sido inventada.21 Sabemos, a partir de
registros contemporâneos que nos chegaram da época da
supremacia Mourisca medieval, que os Mouros não se
consideravam homens brancos. Uma discussão interessante sobre
esse ponto pode ser encontrada em algumas das muitas palavras
valiosas do professor J. B. S. Haldane, como segue:

Estamos tão acostumados a ouvir falar da superioridade


dos Europeus que talvez valha a pena citar o escritor Mourisco
Said de Toledo, que escreveu na época em que Toledo estava em
mãos Mouriscas. Descrevendo as pessoas que viviam no norte
dos Pirineus, ele disse: “Eles são de temperamento frio e nunca
atingem a maturidade. Eles são de grande estatura e de cor
branca. Mas falta-lhes toda a perspicácia da inteligência e a
penetração do intelecto.” Devemos lembrar que setecentos anos
atrás tal ponto de vista tinha pelo menos uma justificativa
empírica, pois naquela época a trigonometria estava sendo
estudada em Toledo, enquanto na Europa um homem era
considerado como instruído se ele chegasse até a quinta
proposição do Primeiro Livro de Euclides [Heredity and
Politics, p. 138-39, por J. B. S. Haldane].

Até mesmo os Árabes, que sempre foram uma minoria na


chamada cultura Árabe da Idade Média, viam uma aparência
escura como um distintivo de honra. Um dos mais eruditos
historiadores modernos, o Professor Arnold Toynbee, observou
que: “Os Árabes primitivos que eram o elemento dominante do
califado Omíada se autodenominavam ‘o povo moreno’, com uma

21
Malcolm X mesmo fala, o “Negro” foi cientificamente produzido pelo homem branco –
ele diz: “Nós fomos cientificamente produzidos pelo homem branco. Sempre que você vê
alguém que se chama de Negro, eis um produto da civilização ocidental – não apenas da
civilização ocidental, mas também do crime ocidental. O Negro, como é chamado ou se
chama no ocidente, é a melhor evidência que pode ser usada contra a civilização ocidental
hoje. Uma das principais razões pela qual somos chamados de Negro é que não saberemos
quem realmente somos. E quando você se chama assim, você não sabe o que é seu. Contanto
que você se chame de Negro, nada é seu. Sem idioma – você não pode reivindicar qualquer
idioma, nem mesmo o inglês; você estraga tudo. Você não pode tentar reivindicar qualquer
nome, qualquer tipo de nome que o identifique como algo que você deveria ser. Você não
pode reivindicar qualquer cultura uma vez que usa a palavra "Negro" para se identificar. Ela
não atribui você a nada. Nem sequer identifica sua cor.” – Algumas reflexões sobre a
“Semana da História do Negro”, 1965.
conotação de superioridade racial, e os sujeitos Persas e Turcos ‘o
povo ruivo’, com uma conotação de inferioridade racial, ou seja,
eles traçaram a distinção que traçamos entre loiros e morenos, mas
inverteram o valor.” (A Study of History, Vol. I. por Arnold J.
Toynbee.) A curiosa ideia de que uma grande raça branca foi
responsável por todas as grandes civilizações do passado não é
mais do que uma superstição grosseira propagada principalmente
por historiadores racistas de orientação Europeia; e pensamos que
a memória dos dissidentes corajosos dessa teoria deve ser mantida
em honra e respeito.

O germe superior da grande raça branca está


completamente desacreditado [argumentou Joseph McCabe]
pelo fato de que nossos ancestrais permaneceram nas asas,
bárbaros puros, durante os dois mil anos em que os homens
escuros da raça Mediterrânea estavam construindo a civilização,
e que nossa raça branca, primeiro nos Gregos e depois nos
Teutões, devastou a civilização durante séculos. Até cerca de
700 A.C. os filósofos do mundo teriam dito que os homens
brancos pareciam incapazes de civilização. . . . Nenhum de
nossos sofistas modernos resgata a miséria da Europa do quinto
ao décimo primeiro século. E foram novamente os homens de
pele escura do sul que restauraram a civilização. No ano 1000, a
Europa foi reduzida a uma condição que, se não fôssemos
Europeus, deveríamos chamar francamente barbárie, mas
naquela época os Árabes tinham uma esplêndida civilização na
Espanha, Sicília, Síria, Egito e Pérsia, e ela ligava para aqueles
da Índia e da China. Escrevemos manuais da história da Europa
ou da Idade Média, e nos limitamos a uma pequena área
miserável (a Rússia e a Prússia ainda não eram civilizadas e a
Espanha era Mourisca) e ignoramos a brilhante civilização que
ia de Portugal ao Mar da China [The New Science and Story of
Evolution, p. 292-98, por Joseph McCabe].

A expulsão dos Mouros da Espanha foi um sério revés para


a civilização moderna. A verdadeira grandeza da cultura Mourisca
não é geralmente conhecida nem para as classes instruídas nem
para o mundo ocidental. Um dos melhores estudos das
contribuições dos Mouros para a história do mundo é A História
dos Mouros na Espanha [The Story of Moors in Spain], de
Stanley Lane-Poole, publicado em Londres e Nova York em 1886.
Este valioso trabalho está agora fora de impressão, é difícil de
obter até mesmo de negociantes em livros raros; assim, para o
benefício e esclarecimento do leitor, damos a essência deste belo
estudo, nas palavras de seu distinto autor:
A história da Espanha nos oferece um contraste
melancólico. Há duzentos anos, Tarik, o Mouro, acrescentou a
terra dos Visigodos ao longo catálogo de reinos subjugados
pelos Muçulmanos. Por quase oito séculos, sob seus governantes
Maometanos, a Espanha estabeleceu para toda a Europa um
exemplo brilhante de um Estado civilizado e esclarecido. Suas
províncias férteis, tornadas duplamente prolíficas pela
habilidade industrial e de engenharia de seus conquistadores,
renderam frutos cem vezes maiores. Cidades inumeráveis
surgiram nos vales ricos de Guadalquivir e do Guadiana, cujos
nomes, e só os nomes, comemoravam as glórias desaparecidas
de seu passado. A arte, a literatura e a ciência prosperaram, à
medida que prosperavam em nenhum outro lugar na Europa. Os
estudantes se reuniram da França, Alemanha e Inglaterra para
beber da fonte de aprendizado que fluía apenas nas cidades dos
Mouros. Os cirurgiões e médicos da Andaluzia estavam na
vanguarda da ciência: as mulheres eram encorajadas a dedicar-se
a estudos sérios, e a doutora não era desconhecida entre o povo
de Córdoba. Matemática, astronomia e botânica, história,
filosofia e jurisprudência deveriam ser dominadas apenas na
Espanha e pela Espanha. O trabalho prático do campo, os
métodos científicos de irrigação, as artes da fortificação e da
construção naval, os produtos mais elaborados do tear, a gravura
e o martelo, a roda de oleiro e a espátula do pedreiro, foram
aperfeiçoados pelo Mouros Espanhóis. Na prática da guerra, não
menos do que nas artes da paz, permaneceram por muito tempo
supremos. Suas frotas disputavam o comando do Mediterrâneo
com os Fatímidas, enquanto seus exércitos levavam fogo e
espada através das marchas Cristãs. O próprio Cid, o herói
nacional, lutou por muito tempo no lado dos Mouriscos, e em
tudo, salvo a educação, era mais da metade de um Mouro. Tudo
o que faz um reino grande e próspero, qualquer que tende a
refinamento e civilização, foi encontrado na Espanha
Muçulmana.
Em 1492, deu lugar o último baluarte dos Mouros antes
da cruzada de Fernando e Isabel, e com a grandeza da Grande
Espanha. Por um breve momento, de fato, o refluxo do
esplendor Mourisco lançou uma luz emprestada sobre a história
da terra que uma vez aqueceu com sua luz solar. A grande Época
de Isabel, Carlos V e Filipe II. Colombo, Cortes e Pizarro,
lançam um último halo sobre os momentos de um estado
poderoso. Depois seguiu-se a desolação da abominação, a regra
da Inquisição e a escuridão das trevas em que a Espanha
mergulha desde então. Na terra onde a ciência era uma vez
suprema, os médicos Espanhóis só se tornaram conhecidos por
sua ignorância e incapacidade, e as descobertas de Newton e
Harvey foram condenadas como perniciosas à fé. Onde outrora
setenta bibliotecas públicas alimentaram as mentes dos eruditos,
e meio milhão de livros foram reunidos em Córdoba para o
benefício do mundo, prevaleceu tal indiferença depois do
aprendizado, que a nova capital, Madri, não possuía biblioteca
pública no século dezoito, e mesmo os manuscritos do Escurial
foram negados em nossos próprios dias ao primeiro historiador
erudito dos Mouros, embora ele mesmo fosse Espanhol. Os
dezesseis mil teares de Sevilha logo se reduziram a um quinto de
seu número antigo; as artes e indústrias de Toledo e Almeria se
desvaneceram na insignificância; os próprios banhos – edifícios
públicos de igual ornamentação e uso – foram destruídos porque
a limpeza saboreava muito fortemente da classificação de
infidelidade. A terra, privada da hábil irrigação dos Mouros,
tornou-se empobrecida e negligenciada; os vales mais ricos e
férteis enfraqueceram e ficaram desertos; a maioria das cidades
populosas que ocuparam todos os distritos da Andaluzia caiu em
decadência ruinosa; e mendigos, frades e bandidos tomaram o
lugar de eruditos, mercadores e cavaleiros. Tão baixo caiu a
Espanha quando ela havia expulsado os Mouros. Tal é o
contraste melancólico oferecido por sua história [The Story of
Moors in Spain, p. vii-ix, por Stanley Lane-Poole).

As trágicas consequências da destruição da cultura


Mourisca são tão bem descritas por Lane-Poole na passagem final
de sua grande obra que a incluímos aqui como uma conclusão
apropriada para este capítulo:

Durante séculos, a Espanha foi o centro da civilização, a


sede das artes e das ciências, do aprendizado e de toda forma de
iluminação refinada. Nenhum outro país na Europa havia até
agora abordado o domínio cultivado dos Mouros. . . . Os Mouros
foram banidos; por algum tempo, a Espanha Cristã brilhou,
como a lua, com uma luz emprestada; então veio o eclipse, e
dessa escuridão a Espanha resmungou desde então. O verdadeiro
memorial dos Mouros é visto em áreas desoladas de absoluta
esterilidade, onde uma vez o Muçulmano produziu luxuriantes
videiras e azeitonas e amarelas espigas de milho; em uma
população estúpida e ignorante, onde uma vez sagacidade e
aprendizado floresceram; na estagnação geral e degradação de
um povo que caiu irremediavelmente na escala das nações, e
mereceu sua humilhação [The Story of Moors in Spain, p. 280].
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