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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS


DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

Mary Helen Porto Dias

O racismo epistêmico no ensino de filosofia:


uma visão afroperspectivista

Vitória
2023
Mary Helen Porto Dias

O racismo epistêmico no ensino de filosofia:


uma visão afroperspectivista

Trabalho de conclusão de curso


apresentado ao Departamento de
Filosofia da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito parcial para
obtenção do grau de bacharel ou
licenciada (o) em filosofia.
Orientador (a): Fernando Mendes Pessoa

Vitória
2023
Folha de aprovação

Trabalho de conclusão de curso


apresentado ao Departamento de
Filosofia da Universidade Federal do
Espírito Santo, intitulado Título: subtítulo,
de Nome Completo da (o) Estudante,
como requisito parcial para obtenção do
grau de bacharel ou licenciada(o) em
filosofia.
Aprovado ou reprovado no dia, mês ano
pela seguinte banca examinadora:

_________________________________
Prof. Dr. UFES
Orientador (a)
_________________________________
Prof. Dr.
Universidade
_________________________________
Prof. Dr.
Universidade
Dedico esta monografia à minha querida e
inesquecível avó Dona Nilza (In
memoriam). À minha querida e amável
mãe Lúcia, que é o maior incentivo, e
sempre me encorajou a lutar pelos meus
objetivos. Sem vocês eu não seria o que
eu sou.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos que foram meus professores de filosofia durante minha
caminhada pela escola E.E.E.F.M “Narceu de Paiva filho”, Angelita e Cássio pela
grande influência.

Agradeço ao meu professor orientador, Fernando Mendes Pessoa, por toda


paciência, contribuição, e todo tempo dedicado a mim e a este trabalho, e por ter
tornado o meu sonho uma realidade.

Agradeço ao meu companheiro de vida e alma, Marciel Souza Nunes, por


sempre me incentivar durante todo o meu percurso dentro da universidade,
dialogando e criando teorias filosóficas.

Agradeço aos amigos com quem tive o privilégio de construir uma linda
amizade durante os anos dentro da universidade, e estiveram sempre comigo nessa
longa jornada, tornando a luta um pouco mais leve e possível de ser alcançada.
“...uma vez que nosso povo seja ensinado sobre a gloriosa
civilização que existia no continente africano, eles não terão
mais vergonha de quem eles são. ”

Malcolm X
Resumo
O presente trabalho busca discutir as questões epistêmicas do ensino de
filosofia nas escolas de ensino médio da rede pública, com a implementação da lei
10.639/03, e seus possíveis efeitos na diversidade curricular, bem como analisar a
formação acadêmica dos profissionais de ensino e sua capacitação para ofertar aos
alunos matérias de filosofia africana, a fim de ter como resultado dessa prática o fim
do racismo epistêmico, que necessita ser visto como uma responsabilidade moral
para destruir o pensamento segregacionista e se construir um novo ensino de
filosofia, mais pluriversalista e afroperspectivista. No campo do ensino superior e da
sua formação de professores, o racismo epistêmico percorre toda a graduação
inviabilizando uma perspectiva africana em disciplinas acadêmicas. A monografia
busca mostrar a extrema importância desses debates, principalmente para os alunos
negros que, mais conscientes e participativos de sua história, compreendem como
contestar o racismo e representar a comunidade negra no meio acadêmico.

Palavras-chave: Filosofia. Afroperspectiva. Racismo Epistêmico. Ensino.


Eurocentrismo.
Sumário
Introdução....................................................................................................................09
Capítulo I: O Eurocentrismo e o Ensino de Filosofia..................................................12
Capítulo II: Filosofia Afroperspectivista.......................................................................19
Considerações finais...................................................................................................25
Referências.................................................................................................................28
Introdução

Com base na obra “O Ensino de Filosofia e a Lei 10639”, de Renato Noguera 1,


e na obra “Descolonização Curricular: a Filosofia Africana no Ensino Médio” de Luís
Thiago Freire Dantas2, este trabalho propõe uma discussão acerca do ensino de
filosofia na perspectiva do racismo epistêmico, visando apresentar um outro
pensamento filosófico, uma outra filosofia, fora do âmbito eurocêntrico. O trabalho
também propõe também mostrar a importância da lei 10.639/03 3, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de
ensino a obrigatoriedade da temática da história da África e dos africanos, a luta dos
negros no Brasil, a importância da cultura negra brasileira e do negro na formação
da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política da história do Brasil, para que ela seja revigorada e não se
limite apenas nas reproduções de um conhecimento exclusivamente eurocêntrico,
que impõe o processo de inferiorizarão dos povos negros.

Os obstáculos para a implementação da lei 10.639/03 se iniciam com a falta


de conteúdo introdutório africanista no currículo filosófico, desde a formação do
docente até a sua atividade profissional, com a escassez do material didático nas
escolas de ensino médio da rede pública. E para o aluno negro não ser
representado em ilustrações de livros didáticos, e ou aparecer sempre como
subalterno, pode contribuir para que ele sinta uma auto rejeição e também rejeição
ao seu grupo devido a falta de representatividade.

A raiz do racismo epistêmico se mostra através dessa forma segregada de


apresentar somente um pensamento como válido: o pensamento do homem branco

1
Professor do Departamento de Educação e Sociedade (DES), do Programa de Pós-
Graduação em Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos
Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc) da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ), Pesquisador do Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Leafro),
doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
2
Professor adjunto de Filosofia da Educação no Departamento de Estudos da Subjetividade e
Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Coordenador do
MULUNGU: grupo de estudos em leituras contra-coloniais. Coordenador da área de Filosofia Africana
e Afrodiaspórica da ABPN. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Giro cosmopolitico: o corpo na
filosofia da formação humana da UERJ; Membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UERJ.
3
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-
se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
europeu. Por ser o Brasil um país com a maioria de sua população negra, é
inadmissível o fato de a história desse povo não ser contada dentro dos muros das
escolas. O problema não é somente a criação de leis, mas sobre colocar essas leis
em vigor, e inspecionar esses estudos, investindo na formação de professores e em
materiais didáticos necessários para isso. Não deve ser distante para o povo negro,
a ideia e a possibilidade de viver entre si, principalmente dentro do ambiente de
ensino, e poder conhecer mais sobre a cultura de seu próprio povo.

E porque a filosofia deve se ocupar disso? Se entendermos que, do ponto de


vista ocidental, a filosofia é a base para a construção de um pensamento crítico e
moral, qual é o outro lugar para manifestar isso, se não for dentro da própria
filosofia, mostrando a cultura do racismo epistêmico no ensino de filosofia, a fim de
pensar quais são os possíveis esforços que podemos e devemos colocar em prática,
visando a inserção de uma filosofia afroperspectivista (NOGUERA, 2013) nos
currículos do ensino médio para efetivamente termos uma educação antirracista. No
cenário filosófico, principalmente dentro das universidades, dificilmente nos
deparamos com cursos que abordam filósofos negros e/ou africanos, e também
pouco vemos debates acerca do racismo, o que gera uma invisibilidade tanto da
filosofia africana, como também do próprio racismo epistêmico. Se buscarmos o
início da teoria racial, veremos que o processo de escravidão e desvalorização do
povo negro tem origem na lógica filosófica da racionalidade, onde o conjunto da
afirmação aristotélica de que o homem é um animal racional, juntamente com a ideia
de que somente o povo ocidental era dotado de razão, fez com que os povos
africanos fossem dominados como animais. Dizer que um povo não possui razão,
não possui sabedoria é o mesmo de dizer que esse povo não tem humanidade.

Hoje, temos leis que tornam obrigatórios o ensino da história e cultura afro-
brasileira dentro das escolas, o que por sua vez integra um diálogo antirracista que
modifica a visão da juventude para com o mundo e os outros homens e mulheres.
Nesse mesmo sentido, este trabalho propõe pensar a necessidade e importância da
filosofia participar desse diálogo, para que se possa recriar o seu ensino na
perspectiva da superação do racismo epistêmico.
Capítulo I: O Eurocentrismo e o Ensino de Filosofia

Ao falarmos do exercício do ensino de filosofia, podemos entender a disciplina


em si, como um dever de ter de enfrentar todos os temas que rodeiam a sociedade,
e colocá-los em críticas criando conceitos apoiados em argumentos válidos. Durante
o processo de educação do aluno, a filosofia propõe formar seres humanos críticos,
que saibam avaliar de forma ética e moral determinadas situações e, através disso ,
formar um novo conhecimento que seja democrático e igualitário. Quanto mais seres
críticos nós formos, maior será nossa capacidade de percepção sobre o que nos
cerca. E se alinhando à educação antirracista, é possível que se tenha consciência a
respeito dos locais de preconceito que os povos negros foram submetidos. Em sua
finalidade, é importante que uma formação filosófica saiba discutir questões
pertinentes como as relações étnico-raciais, que é uma grande porta de saída do
olhar distorcido pelo racismo ao longo da história, e saiba discutir também o racismo,
e a relevância que a história da África tem para a filosofia e sua formação, ou seja,
problemas que são presentes em nossa sociedade. Tornar obrigatório no ensino, os
conteúdos africanos e afro-brasileiros, nos currículos escolares de todos os níveis de
ensino, e principalmente no ensino de filosofia, nos ajuda a desfazer um senso
comum que foi criado pelo ocidente e também a compreender outras filosofias e
modos de pensar como por exemplo, a filosofia africana Bantu de Placide Tempels:

Tempels nos traz ao conhecimento da


filosofia Bantu, que de forma geral traduz o
verdadeiro significado da filosofia africana e
na luta pela dignificação do pensamento
africano, tendo os africanos como sujeitos de
sua própria filosofia. (MEDEIROS, 2015, p. 9)

DANTAS, L. T. F. em sua obra “Descolonização Curricular: a Filosofia Africana


no Ensino Médio” nos convida a pensar geograficamente a filosofia, para
entendermos melhor o eurocentrismo e seus indicadores. O eurocentrismo, muito
presente na comunidade acadêmica hoje, trata do momento em que a Europa foi
colocada como centro do mundo e apresentou suas teorias como se fossem
universais, o que faz com que o branco seja visto como uma única condição de ser
humano passível de intelectualidade. Logo, o negro é visto como um não humano,
pois não se encaixa naquele padrão que foi estabelecido e estereotipado como
universal. Esse padrão gerou a chamada dependência epistêmica, essa
dependência traz como resultado a negação da existência de outros pensamentos e
formas cognitivas, e que, por não se encaixarem no padrão europeu, foram e são
consideradas irracionais, como por exemplo o caso da filosofia africana.

Nos currículos acadêmicos filosóficos, é comum vermos prevalecer as


perspectivas do homem branco europeu. Isso se dá, pois, a cultura europeia é vista
e propagada como a criadora da filosofia, e ao longo do processo de ensino,
sentimos que devemos seguir potencializando essa herança e cultivando esses
mesmos pensadores e suas teorias, o que nos deixa a entender que a filosofia é de
fato uma disciplina europeia. O período moderno da filosofia também influenciou
para a confirmação dessa predominância europeia, e o discurso filosófico ocidental
resguarda ao eurocentrismo o poder de neutralizar outras epistemologias, tornando-
o o único protagonista do saber e ocasionando o silenciamento de produções
africanas dentro dos currículos escolares, que está ligado a discursos coloniais que
estabelecem a maneira moderna de lidarmos com o ensino de filosofia, pois a ideia
presente na Europa daquela época, de estar se modernizando, promoveu a invasão
de terras africanas por meio de uma violência justificada, como por exemplo o início
da comercialização de africanos, que intensificou o processo de escravidão no
continente.

Após esse período de invasão, também conhecido como colonização, têm se a


ideia do povo da África como um povo primitivo, o que resultou em infinitas
consequências para a questão racial que discutimos hoje. Essa maneira moderna,
marcada por valores eurocentrados, promove a formação de novos estudantes com
uma influência direta desses valores. Analisando de um ponto de vista epistêmico, o
Ocidente deixa de ser uma localização geográfica e passa a ser uma geopolítica do
conhecimento, ou seja, não se trata mais de um espaço geográfico conhecido como
Europa, e sim uma hegemonia de uma forma de pensar. A filosofia ocidental então
privilegia a egopolítica do conhecimento e, em contrapartida, desfavorece a
geopolítica do conhecimento, a partir do momento em que o homem ocidental passa
a representar o seu conhecimento como o único capaz de alcançar a verdade
universal. Temos um grupo hegemônico no poder, discursando sobre o que deve ser
feito ao restante do mundo, e percebemos que a Europa é utilizada como ponto de
referência e de partida para todos os tipos de questões, sendo mais privilegiada em
relação aos outros continentes.

O processo invasor da colonização epistêmica acaba por segregar o que e


quem pode produzir filosofia, reduzindo os saberes dos povos colonizados, suas
crenças e seus saberes, aqui em questão os povos africanos, através de uma
perspectiva eurocêntrica. Foi criada uma hegemonia de cultura, validando somente
aquilo que foi formado através da identidade europeia. Há uma invalidação de outros
saberes que não são da compreensão do branco, que ao se deparar com outras
etnias, que estavam para além de sua cultura, optou por discriminá-las e animalizá-
las. O colonialismo e a escravidão foram práticas que induziram a formação da
estruturação racista atual, invisibilizando os reais saberes e culturas dos povos
oprimidos, o que caracteriza o racismo epistêmico.

O racismo nesse caso não ocorre somente de uma forma moral, mas também
de forma estratégica e ideológica, através do eurocentrismo. Pois invalida toda ação
de um grupo determinado de pessoas e naturaliza a hierarquia que se cria entre
povos distintos, fora dos padrões racionais e humanitários. Esse padrão humanitário
criado pelo opressor, é fundamentado na tese aristotélica de animal racional.

A definição de Aristóteles de ‘homem’ como


um animal racional formou a base filosófica
para o racismo no Ocidente. Para poder ser
considerado como um ser humano, era
necessário ser racional. O colonizador
encontrou no colonizado uma impressionante
semelhança em certos traços fisiológicos. Ao
mesmo tempo, teria diferenças físicas
discerníveis. Estas foram usadas como
motivo para excluir o colonizado da categoria
de humano. Afirmou-se que o colonizado não
foi e nunca tinha sido um ser humano porque
carecia de racionalidade. Nem a razão nem a
racionalidade formavam parte de sua
natureza, embora se exibisse como humano
na aparência. O selo do racismo, portanto, é a
afirmação de que outros animais de aparência
humana não são verdadeiramente e
plenamente humanos (RAMOSE, 2009, p. 4).
Portanto, à medida que o opressor se intitula como exemplo de humanidade,
logo o outro ser na condição de oprimido se torna não pensante, sem
intelectualidade. Do resultado dessa prática se originou o apagamento da cultura e
do pensamento africano e a permanência do racismo, restando para os povos
oprimidos, cultivar as culturas europeias e ocidentais.
Diante desses aspectos há dois tipos de conhecimentos, a poli racionalidade e
a mono racionalidade. Com isso, podemos entender que os ocidentais em sua
maioria são monos racionais, pois acreditam que só eles são capazes de atingirem e
de produzirem a racionalidade. Enquanto que os povos colonizados são poli
racionais, ou seja, eles são capazes de viver e trabalhar, tanto na sua própria
racionalidade, como na racionalidade de seu colonizador. A poli racionalidade é um
grande caminho para a produção de novos conhecimentos, onde podemos interagir
com diversas formas de saberes. Mais adiante será exposto uma nova teoria a
respeito da filosofia como um conhecimento poli racional, como uma forma de
transformação da história e do ensino da filosofia.

Ainda de acordo com DANTAS, L. T. F. falar geograficamente da filosofia, em


particular sobre a filosofia africana, não significa reduzir o seu modo de pensar, ou
até mesmo compara-lo, mas sim fazer com que os autores e pensadores de textos
africanos, se reconheçam como criadores de um pensamento próprio, uma vez que
no contexto europeu não há esse tipo de questionamento. Desse modo, é de
extrema importância para o povo negro se entender como agentes de sua história e
agir em função de seus próprios interesses, pois a história da humanidade e da
filosofia não dependem exclusivamente da Europa.

O eurocentrismo é um dos grandes desafios que precisam ser superados,


principalmente no meio acadêmico, para que haja espaço e acesso para outros
grupos étnico-raciais no sistema escolar. Não havendo mais segregação de povos, e
sim coletividade, como relata uma teoria filosófica africana existente também nos
idiomas sul africanos, que é o conceito de coletividade Ubuntu:

[...] Ubuntu, palavra existente nos idiomas sul


africanos zulu e xhosa que significa
“humanidade para todos”, é a denominação
de uma espécie de “Filosofia do Nós”, de uma
ética coletiva cujo sentido é a conexão de
pessoas com a vida, a natureza, o divino e as
outras pessoas em formas comunitárias, onde
o bem-estar coletivo é sempre superior ao
bem-estar individual. O indivíduo tem sua
importância quando inserido na comunidade e
trabalhando para o crescimento e melhorias
desta, tornando a comunidade ainda mais
solida, coesa e bela. (MEDEIROS, 2015, p. 9)

Por isso, se faz importante a discussão do currículo escolar fora de


pensamentos e pensadores europeus, pois falar sobre isso é abrir possibilidades
para uma nova filosofia, uma nova visão crítica, é desafiar a hierarquia opressora e
valorizar também outros pensadores, aqui em questão, o africano. Cabe a filosofia,
se ocupar da tarefa de fazer com que o aluno crie seu pensamento crítico e suas
próprias ideologias, por isso é de extrema urgência a criação de espaços para além
de filosofias ocidentais, a fim de abrir novos caminhos para reformulação dos
currículos educacionais. O ensino de filosofia, necessita se comprometer de fato
com as questões das relações étnico-raciais, ampliar sua possibilidade de estudos e
pesquisas para reescrever a história da própria filosofia através de outros
protagonistas, como o povo africano.

Até este momento, foi descrito a ausência de conteúdos da história e do


pensamento da África nos currículos escolares, em particular na filosofia. Para
reforçar isso, avaliamos como a invasão colonizadora foi fundamental para
concretizar o racismo epistêmico, e futuramente propagar o modelo eurocêntrico de
educação, o que contribui com a marginalização da história da África e
principalmente com a negação da filosofia africana. Analisando o cenário filosófico
dificilmente vemos pesquisas desenvolvidas sobre os povos africanos ou seus
descendentes como afro brasileiros, ou até mesmo debates sobre o racismo. É
altamente relevante que haja leituras de forma antirracistas para abrirmos caminhos
para a legitimidade dos textos que antecedem os gregos, criando assim novas
possibilidades epistêmicas e filosóficas.
É inevitável falarmos sobre o ensino de filosofia nas escolas brasileiras, e não
falarmos sobre a lei 10.639/03. Sancionada em 09 de janeiro de 2003, esta lei é
ferramenta primordial para o diálogo antirracista dentro das escolas, à medida que
ela apresenta e refaz toda a história do povo negro. Um dos pontos primordiais da lei
10.639/03 é ressaltar em sala de aula a cultura africana como constituinte e
formadora da sociedade brasileira, onde os negros são considerados sujeitos
históricos, eliminando o conceito de escravo, valorizando a contribuição do povo
africano na história, incluindo todas as disciplinas como formuladoras desse
conceito. Nesse processo, a escola tem papel fundamental, pois cabe a ela,
possibilitar aos estudantes negros se reconhecerem como atores e protagonistas
sociais, sustentar sua vida e representatividade social, criar um grande potencial de
reconstrução identitário, trazer a presença do negro nos livros que antecedem ao
período da escravidão, juntamente com conteúdo dos quilombos, e sobre as lutas e
revoltas na África pré-colonial, no Brasil e nas Américas. E para que as escolas
consigam avançar na diversidade étnico-cultural e racial é preciso que os
educadores e todo corpo escolar compreendam que o processo educacional
consiste em também atravessar dimensões éticas, sexuais, religiosas, culturais, etc.
Trabalhar com isso, é ter a sensibilidade para perceber como esse processo
constitui a nossa formação humana e influenciam a nossa vida social e escolar.

Entretanto, um grande problema gira em torno da aplicação da lei 10.639/03,


pois apesar de todos os dirigentes de escola terem conhecimento sobre essa lei, a
mesma é abordada de forma superficial. Quando se trata de filosofia africana, é
possível perceber que alguns professores não têm conhecimento da existência de
filósofos africanos, o que nos direciona para um outro grande problema: a falta de
material adequado para o ensino de filosofia africana nas escolas, principalmente da
rede pública, e quando temos acesso a esse material, partes dessas obras não
estão disponíveis em línguas mais acessíveis ao povo, como por exemplo o inglês
ou o português. Ainda que a população africana tenha um processo de colonização
que articula o seu pensamento a partir de variadas línguas como: inglês, francês,
alemão, espanhol, italiano e português.
Uma das possibilidades para dar início a inserção do ensino de filosofia
africana, no currículo escolar, se faz por meio da mostra e estudo da cosmologia,
como nos propõe DANTAS, L. T. F.
[...] pois nesse sentido ampliar-se-ia o campo
de reflexão por não restringir a uma discussão
que decairia no discurso de ruptura entre mito
e filosofia ocorrente na Grécia antiga, mas
possibilitaria trabalhar formas de interpretação
da origem do mundo e do ser humano de
outras civilizações e, necessariamente, não
distanciando de forma rápida a filosofia do
mito. (DANTAS, 2015, p. 110)

Outro grande desafio em torno do ensino de filosofia e da aplicação da lei


10.639/03 está presente na formação do docente. Muitos autores e autoras africanos
permanecem desconhecidos por professores e professoras durante o período de
formação, o que dificulta o futuro docente na aplicação da lei pois, não teve a
formação adequada para abordar assuntos afros e temáticas raciais. O papel do
docente é primordial no combate ao racismo epistêmico, pois ele será responsável
por investigar, apontar e sugerir leituras que trazem a África para a história do
mundo e para dentro das salas de aulas. Então, lidar com o ensino de filosofia sem
uma formação adequada que englobe todo e qualquer contexto filosófico com
questões relevantes para que o jovem possa aprender o conhecimento pluriversal é
desafiador para o docente. A história da filosofia e de seu ensino, deve então,
começar a ser reescrita primeiramente pela formação desses profissionais, pois se o
profissional se forma com lacunas nesse ensino, de fato se torna inviável a mudança
dentro das escolas. Seria um bom começo se o docente tivesse a consciência da
formação desse ensino, para poder por em prática a abordagem étnico-racial.

O ensino de filosofia que será proposto pelo docente que teve uma formação
adequada dentro da universidade com filosofias pluriversais não servirá apenas
como enriquecimento intelectual para o aluno, principalmente o aluno negro, à
medida que vai aguçar o pensamento crítico e a vontade de lutar por seus direitos e
saberes de forma argumentativa e ética, e principalmente saber e poder se
posicionar contra o racismo, através do legado filosófico africano que ele terá acesso
e conhecimento através do docente que pôde analisar e estudar essas questões
dentro da universidade. Por isso é preciso reescrever a história da filosofia e seu
ensino desde a formação do docente, incluindo produções pluriversais de origens
africanas, asiáticas e indígenas.

Capítulo II: Filosofia Afroperspectivista

De acordo com NOGUERA, Renato uma das melhores maneiras de seguir


grandes filósofos e pensadores e praticar o exercício da filosofia é encontrarmos
problemas e buscar, com base em suas teorias, questões que nos ajudem a lidar
com esses problemas. Ou seja, que nos interessa dentro da sociedade, são os
problemas. Em vista disso, é posto nesse trabalho em questão, o problema do
ensino da filosofia, que pode causar certo desconforto para alguns indivíduos, visto
que o diferente nos causa receio e pode gerar pré-conceitos.

Nós fomos ensinados em todas as áreas de conhecimento, sobretudo na


filosofia, de que a base do conhecimento humano, é helênica, por isso estranhamos
um outro modo de pensar, e sempre iremos igualar esse outro modo de pensar
àquilo que nos foi dito antes. Porém não podemos cair nessa armadilha de
igualdade, sendo que um estudo surge antes mesmo do que outro. Retomo ao autor
NOGUERA, Renato, para dizer que considerar que a filosofia pode ou não ser grega
não se faz um problema, pois vivemos um uma diversidade onde o nascimento de
uma filosofia é uma atividade prática humana que pode ter surgido em vários lugares
pluriversais. Dizer ainda que possa haver uma filosofia legítima africana não quer
dizer que não possa haver uma outra filosofia que também seja legítima, em outro
espaço geográfico, ou que uma se faz melhor do que a outra. O problema em torno
dessa discussão é acreditar que só exista uma única fonte de conhecimento,
ocasionando o dogmatismo filosófico eurocêntrico. A filosofia tem de ser
antidogmática e, para isso, nós podemos e devemos ler e considerar autores além
do centro europeu.

Por que então se faz tão importante pensar e praticar filosofia também da
perspectiva africana? Tendo os africanos sido deslocados de sua identidade, surgiu
a necessidade de pensar estratégias para reintegrar esses povos do continente
africano a suas identidades, para que não mais vivam somente da experiência
eurocêntrica. Cria-se a possibilidade de uma nova narrativa para esses povos, com
seus valores e pensamentos protegidos. É o que chamamos de afrocentricidade.

Quando temos uma compreensão de mundo na forma ontológica do sujeito


que imprime somente uma realidade, nesse caso, a realidade ocidental, o conceito
de humanidade que será apresentado e assim mantido e compreendido por nós,
será somente aquele representado dentro daquela perspectiva, anulando qualquer
outra que possa surgir depois. Então quando apresentamos um novo pensamento,
uma nova filosofia de forma afroperspectivista fora desse âmbito, existe a
possibilidade de reontologização desse sujeito. Com isso, teremos uma nova forma
de pensar esse sujeito e também de começar a ver o racismo epistêmico que se faz
presente. Essa nova compreensão para o povo negro significa incluir que são povos
humanos originários e não algo que criaram sobre eles com base na zoomorfização.
Portanto quando falamos em filosofia afroperspectivista estamos falando de um
exercício filosófico que esteja interessado no pluralismo de outras perspectivas
epistêmicas para poder ir de frente com o etnocentrismo europeu que prevalece na
filosofia.

De acordo com NOGUERA, Renato o que quer dizer a filosofia


afroperspectivista?

Em linhas muito gerais, afroperspectividade


significa uma linha ou abordagem filosófica
pluralista que reconhece a existência de
várias perspectivas. Sua base é demarcada
por repertórios africanos, afrodiaspóricos,
indígenas e ameríndios. (NOGUERA, 2014, p.
45)

O entendimento da termologia afroperspectivista passa pelo conceito de


“centricidade” (NOGUERA, 2014), que diz respeito à capacidade de estar dentro de
seu próprio contexto cultural e histórico. Em outras linhas podemos definir como
sendo uma teoria e também uma prática de resistência antirracista que procura
colocar o negro em seus contextos históricos e socioculturais, após o deslocamento
indevido provocado pela colonização. A fim de não cair na armadilha da
comparação, deve-se enfatizar que afrocentricidade não é uma versão negra do
eurocentrismo, pois não busca universalizar as teorias africanas. A ideia proposta
pela afrocentricidade é de encarar de frente o eurocentrismo, colocando como
protagonista a África e seus conhecimentos e, estendendo essa base de
conhecimento para além do continente europeu, iniciar a discussão sobre raças e
epistemicído, tendo como papel primordial conscientizar o povo negro como um
povo que também possui a capacidade de diálogo e de pensamento como qualquer
outro povo. Com isso temos a percepção da África e sua visão para com o mundo.

Dito de outro modo, colocar o eurocentrismo


em xeque é fundamental para darmos curso a
algumas das reinvidicações mais caras à
filosofia, não se prender às ideias sem
examiná-las, ainda que o custo seja
reconhecer inconsistências em nosso próprio
modo de pensar. (NOGUERA, 2014, p. 52)

O autor NOGUERA, Renato nos convida a pensar em uma filosofia a partir de


um conceito pluriversal, onde não faz sentido justificar uma experiência particular
como uma única propulsora da história da filosofia. Podemos afirmar então que a
filosofia é encontrada em todas as sociedades e culturas, sem uma data
determinada e um local específico de surgimento: onde quer que haja ser humano e
sua experiência, há filosofia. Diante disso, o debate que Noguera nos propõe em
torno da filosofia afroperspectivista não é sobre reconhecer e legitimar a existência
de uma filosofia africana, mas sim de considerar, a partir dessa discussão, que há
investigações e produções filosóficas que surgiram em vários formatos e lugares. Tal
discussão resultará na África como um continente com capacidade de produção
intelectual relevantes e não mais reduzidos somente a mitos, crenças e folclores.
Prática fundamental para essa ascensão é a de colocar a história da filosofia em
modo afroperspectivista. E essa abordagem pluralista reconhece diversos territórios
epistêmicos, e está empenhada em desenvolver e avaliar perspectivas e métodos
que são distintos dos modelos no qual a filosofia se ocupou até agora. Queremos
pensar uma filosofia afroperspectivista, que tem como propósito analisar os
conteúdos dos currículos escolares que trazem diálogos com base na perspectiva do
negro africano, que ponha em prática a lei 10.639/03 e impeça a manifestação do
racismo epistêmico.

Alguma das alternativas da filosofia afroperspectivista, seria de pensar


questões raciais em conjunto com a filosofia, sobretudo no campo da educação,
unindo questões práticas a teorias e através desse exercício poder deslocar a
própria filosofia e seu ensino para uma visão afroperspectivista, como nos cita
NOGUERA, Renato na obra “O Ensino de Filosofia e a Lei 10.639 ”:

[...]numa abordagem filosófica


afroperspectivista — leia-se a reunião de
produções filosóficas africanas, afro
diaspóricas e comprometidas com o combate
ao racismo epistêmico —, o animal símbolo é
a galinha-d’angola. Na mitologia iorubá, a
galinha-d’angola é responsável pela
manutenção do equilíbrio porque mantém o
axé (energia vital) em circulação. Ao invés da
coruja de Minerva, baseada na mitologia
greco-romana, o animal-símbolo da filosofia
(afroperspectivista) é a galinha-d’angola, que
integra o universo mítico iorubá. Ela
representa, em certa medida, a iniciação ao
conhecimento de si, a capacidade de escolher
e se comprometer com um caminho diante de
inúmeras possibilidades. Ou ainda, a
condição indispensável para materialização
da capacidade de se manter em equilíbrio e
harmonizar o ori (cabeça num sentido mais
amplo do que o usado comumente).
(NOGUERA, 2014, p. 81)

Desse modo a história da humanidade e de um povo oprimido, é passada a


limpo, a fim de permitir ao aluno descobrir o povo negro enquanto sujeito de sua
própria história com seus próprios costumes e crenças, e, assim, desfazer o racismo
epistêmico que foi implantado dentro dos muros das escolas, pondo um fim em uma
hierarquia de produções filosóficas ocidentais, que passa a integrar agora a história
da África através de um novo ponto de vista, contrário ao que geralmente aparece
nos livros escolares, onde temos o “surgimento” do negro e da África somente a
partir do século XV, como a África sendo um continente somente após o contato
com os europeus, resumindo sua história em escravidão, sem contar as infinitas
possibilidades do mundo negro antes desse período colonizador. Essa prática
possibilitaria à filosofia um pensamento não mais eurocêntrico.

Não podemos cair também na armadilha de outro fator que gira em torno da
questão sobre filosofia africana, a sua etnofilosofia, ou seja textos escritos e
produzidos somente por povos tradicionais africanos. Propor que haja diálogos e
discussões acerca da filosofia africana e sua inserção nos currículos escolares não
quer dizer trazer somente textos escritos e produzidos por povos tradicionais
africanos, pois a proposta da filosofia africana não se resume somente a isso.
Temos que ter o cuidado de não propor, mesmo que seja de modo não intencional,
que os africanos não tinham consciência da sua própria filosofia e de que apenas
analistas ocidentais poderiam traçar e mostrar suas sabedorias. A prática da filosofia
africana então significa trazer as questões que são pertinentes para o próprio
continente africano através de filósofos e filósofas africanos mostrando a forma
como o povo africano do passado e do presente compreendem o seu próprio destino
e o do mundo no qual vivemos, abordando suas crenças, valores, linguagens e
práticas da cultura.

O importante para a história da filosofia é trazer para dentro das escolas e


também das universidades outras perspectivas de lutas, culturas e povos. Essa ação
é fundamental, para reescrever a história do povo negro, do continente africano e a
sua filosofia, e também construir no aluno negro uma referência positiva da sua
história. A consciência histórica permitirá ao povo negro, ser um povo forte e unido.
Para isso, podemos sugerir como um dos papéis fundamentais dos professores
oferecer aos alunos autonomia, emancipação, superação, coisas que dialogam com
a razão como a emancipação do ser humano, para que o aluno possa entender e
acreditar na emancipação do povo negro.
Tornar a filosofia uma ciência afroperspectivista inclui também nesse acervo o
Brasil e suas filosofias afro brasileiras, o direcionando para além de uma simples
resenha de filósofos europeus, sendo o que se resume o estudo de filosofia no Brasil
atualmente. NOGUERA, Renato nos traz como um grande exemplo de filósofo afro-
brasileiro o pensador Abdias do Nascimento grande intelectual da filosofia analítica e
política.

Abdias do Nascimento pretende nos


apresentar uma perspectiva política e social
de organização em bases africanas, afro-
brasileiras, tendo o “quilombo” como modelo.
Como já foi dito anteriormente, o conceito de
quilombismo foi cunhado por Abdias do
Nascimento para trazer à cena uma estética
negra, uma política negra e possibilidades de
reconfiguração das relações sociais.
(NOGUERA, 2014, p. 80)

Considerações finais

O objetivo geral desse trabalho foi apresentar, através de uma nova


perspectiva, um novo modelo para a história da filosofia e para o seu ensino dentro
das escolas e também das universidades, enquanto formadoras de pensamento e
de profissionais da docência, rever as críticas e teorias filosóficas, a fim de modificar
o currículo filosófico, agregando nele outros conhecimentos epistemológicos de
origem africana para combatermos o racismo epistêmico. O problema desenvolvido
em questão é o predomínio do eurocentrismo sendo passado aos alunos e que
desconsideram a construção de outros conhecimentos, os estudos que dizem
respeito às culturas africanas.

Foram levantadas questões e desafios para o ensino de filosofia, como: o


racismo epistêmico, a formação de docentes, a aplicabilidade da lei 10.639/03
juntamente com a falta de material adequado que englobe a filosofia africana, uma
filosofia pluriversal e uma epistemologia afroperspectivista. Percebemos o racismo
como um elemento decisivo para o entendimento e a prática do epistemicídio do
pensamento africano, em seus efeitos para a população negra. Ainda na questão
dos desafios postos ao ensino de filosofia, pudemos analisar como o eurocentrismo
colonizador dividiu os seres humanos em raças e desqualificou todos os povos não
europeus, sobretudo os povos negros que para os europeus opressores eram vistos
como incivilizados, e, portanto, sem filosofia.

Vimos como que a filosofia pode ser antirracista na medida em que se propõe a
buscar uma razão pluriversal e afroperspectivista, combatendo o racismo epistêmico
através do processo de reconhecimento das produções intelectuais de todo os
povos e promovendo, através da prática de seu ensino, um aprendizado antirracista
e construtivo, moral e eticamente. Temos que entender por filosofia não somente
uma formação disciplinar, mas também uma produção de práticas humanas globais
e pluriversais, não sendo somente de um povo ou uma etnia. Portanto podemos
dizer que há uma filosofia própria no modo de reflexão, de sabedoria da tradição
africana.
Finalizando a proposta de uma filosofia afroperspectivista, citada por
NOGUERA, Renato concluímos que não se resume apenas em incluir nos currículos
escolares a filosofia africana, mas que se trata também de um processo de
desmarginalização essencial das produções africanas. Seguindo como proposta
também de incluir nos cursos de licenciatura em filosofia as Diretrizes para
Educação das Relações Étnico-Raciais, Ensino e Cultura Afro-Brasileira que
englobam o ensino de teoria do conhecimento, ética, lógica, problemas metafísicos e
a própria história da filosofia. Para impulsionar pesquisas na área da filosofia que
buscam romper com o preconceito e o racismo, problematizando radicalmente sobre
a realidade sistemática opressora na sociedade atual, a fim de tornar a filosofia
africana protagonista de sua história e não mais resumos ou reproduções ocidentais.

Começar a pensar através de uma outra perspectiva, sendo essa a


afrocentricidade, não nos sugere que agora todo negro tenha de seguir
prioritariamente a cultura africana para que ele se torne legítimo de tal
conhecimento. Observamos que se trata do contrário, de fazer com que o negro
entenda a representatividade africana em sua criação enquanto ser humano
intelectual, para que não seja mais preciso recorrer a produções eurocêntricas ou
não africanas, para que tenha algo de próprio como referência. Porém, a
afrocentricidade só terá sucesso se o povo negro estiver disposto a uma
transformação intelectual, se fortalecendo em sua própria matriz cultural e histórica –
caso contrário continuará sendo presa fácil da supremacia branca, sob esse disfarce
de educação formal. Uma das formas de começarmos esse movimento intelectual é
por meio do processo educacional, no qual os alunos jovens e crianças verão
poderão conhecer o legado epistemológico africano.

Desenvolveu-se também no decorrer do trabalho debates acerca do currículo


acadêmico, tanto nas escolas da rede pública como também nas universidades de
licenciatura em filosofia. A análise feita juntamente com a teoria exposta acerca de
um currículo afroperspectivista não teria a função de contemplar somente um modo
de filosofar que anularia os demais, todavia, forneceria a outros povos o
reconhecimento de uma produção intelectual, trazendo a hipótese de se considerar
outros pensamentos e correntes filosóficas, como os exemplos já citados de povos
asiáticos e indígenas, para além do Dia Nacional da Consciência Negra e do Dia
Nacional do Índio nas escolas. A teoria pluriversal não exclui a ideia do universal, e
sim nos traz a ideia de inclusão. Não é pretensão deste trabalho descartar o
pensamento ocidental e apagar uma parte da história para valorizar a outra e sim
promover o reconhecimento e a contribuição de todos os povos e histórias,
integrando outras epistemologias e conhecimentos ao acervo filosófico e, assim,
assegurar a legitimidade do legado filosófico do povo africano, possibilitando
análises mais apropriadas de suas realidades.
Referências

DANTAS, Luís Thiago Freire. Descolonização Curricular: a Filosofia


Africana no ensino médio. São Paulo: Editora PerSe, 2015.

DUARTE, Valter. RIBEIRO, Marcelo. Afroperspectividade no ensino de filosofia:


possibilidades da Lei 10.639/03 diante do desinteresse e do racismo. O que nos faz
pensar? Rio de Janeiro. v.28. n.45. p. 434-451. Jul. – Dez. 2019.

MEDEIROS, Djalmo Manfredi. O papel da filosofia: A lei 10.639/03 e sua


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NOGUERA, Renato. O ensino de filosofia e a lei 10.639/03. Rio de Janeiro:


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REIS, Diego dos Santos. A filosofia fora das grades (curriculares): a Lei
10.639/03 e os desafios para um ensino de filosofia antirracista. Revista Teias. Rio
de Janeiro. v.23. n.68. p.134-146. Jan. – Mar. 2022
RIBEIRO, Katiúscia. Kemet, Escolas e Arcádeas: A Importância da Filosofia
Africana no Combate ao Racismo Epistêmico e a Lei 10639/03. Dissertação
(Mestrado) Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca,
2017.

RIBEIRO, Katiúscia. O Laboratório de Filosofia Africana Geru Maã na UFRJ e


os Desafios para a Produção de Conhecimento sobre Filosofia Africana e as
Relações Raciais. Revista Encantar - Educação, Cultura e Sociedade - Bom
Jesus da Lapa, v. 1. n.1. p. 09-27. Jan. - Abr. 2019.

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