O NOVO OORO

O hélio é aquele gás que enche os balões

nas festas de crianças. E é também essencial O Campus Tecnológico e Nuclear é a
única instituição portuguesa a fazer
ao funcionamento dos equipamentos de ressonância liquefação de hélio, diz o investigador
Manuel Leite de Almeida (à esquerda)
magnética e em estudos de Materiais e Física
de Plasmas. As reservas na Terra são finitas e a guerra
propriedades que interessam. "EnquanLo
na Ucrânia está a comprometer o seu fornecimento não evapora mantém os 4 Kelvin e por
Texto: Sara Sá Fotos: José Carlos Carvalho isso é muito usado em todas as tecno-
logias que pedem frio", explica Manuel
2016, um ar ligo na insuspeila já ultrapassou a data previsLa para a sua LeiLe de Almeida, do Campus Tecnológi-

Em revista VVired classificava a preo-

cupação com a escassez de hélio,
que de Lempos a Lempos vai sendo referi
da por médicos radiologisLas e por cien-
tistas da área da física de plasmas, como
exagerada. Afinal tinha acabado de ser
descoberta uma nova jazida na Tanzânia
e os Estados Unidos manlèm unia reserva
que dá para dezenas de anos de utilização
a ritmo normal. Só que entretanto deu-se
a guerra na Ucrânia e as expor lações da
Rússia, outro dos principais fornecedores
de hélio, estão sob embargo interna-
cional, a Reserva Federal de Hélio, um
organismo governamenLal americano.
privatização (estipulada há 25 anos) e as
anunciadas reservas da Tanzânia ainda
- não começaram sequer a ser exploradas
- notícias recenles apontam para 2025
como a data de inicio das operações.
Dois predicados tornam o hélio numa
substância única: é inerle, porlanLo não
reage com outras maLeriais, e é de todos
os elementos aquele que tem o ponto de
ebulição maisbaixo, -269 graus Celsius,
ou 4 graus Kelvin. É também mais leve
do que o ar e por isso faz subir os balões
e transforma-nos em esquilos falantes
quando o inspiramos . Para os radiologis -
Las e para os íísicos são as primeiras duas
co e Nuclear (CTN), unidade do Instituto
Superior Técnico, na Bobadela, Loures,
a "única instiluição portuguesa a fazer
liqueíação de hélio." Estas temperatu-
ras extremamente baixas são essenciais
para o funcionamento dos imanes su-
perconduLores usados nos aparelhos de
ressonância magnética e também para
a dita física de baixas temperaturas na
qual se estuda a supercondutividade. Em
novembro do ano passado, o dirigen-
te da Associação Nacional dos Médicos
de Radiologia, Ricardo Sampaio, disse
em entrevista à TSF que "um dia destes
podemos Ler de parar as máquinas de
 Na experiência de Física de
Plasmas, coordenada por
Mário Lino da Silva, o hélio
tem a função de manter a
combustão controlada
ressonância magnética por não haver
hélio" , alertando ainda para o aumento
dos valores de mercado, da ordem dos
500% "nos anos mais recentes."
TRINTA POR CENTO DE PERDAS
O hélio não se fabrica, extrai-se. "No
Universo é abundanLe, mas na aLmosíera
é residual, não é viável a sua exlração" ,
nola Manuel Leile de Almeida. O pro-
cesso de exLração dá-se a parlir do gás
natural, no qual eslápresenLe em con-
centrações de dois a três por cento. Em
algumas explorações, é separado do gás
natural, entrando na cadeia de comer-
cialização. Com a descarbonização em
curso e consequente abandono dospro-
"
jetos de exploração de gás, é previsível
que também a extração de hélio venha
a ser afetada", nota o investigador do
Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do
Técnico, Mário Lino da Silva, enquanto
nos mostra o tubo de choque que enche
o armazém do CTN e no qual se simulam
as condições de reentrada de uma nave
espacial na aLmosíera terrestre - ou uma
esLrela cadenLe. Dependendo do ponLo
de origem, um astro como a Lua, uma
estação espacial ou outro planeta do Sis-
tema Solar, as condições de entrada na
atmosfera terrestre são diferentes. E é
isto que se pretende estudar na câmara
de alta pressão na qual é disparado um
laser, o que faz aumentar a pressão e a
temperatura, até ao ponto de combustão.
Neste sistema, composto por hidrogé-
nio, oxigénio e hélio, este último gás
tem como função "manter a combustão
controlada" explica Lino da Silva. Para
tentar minimizar o problema do abas-
tecimento de hélio, o investigador está
a projetar uma forma de reaproveitar o
hélio libertado em cada ensaio, e que
se escapa para a atmosfera, através de
um sistema de canalização que ligará
o laboratório de Plasmas à unidade de
liquelação e reaproveitamento já insta-
lada no CTN.
Como é mais leve do que o ar, todos
os cuidados são poucos para evitar que
o gás se perca. "Há sempre fugas. Um
aparelho de ressonância magnética deve
usar pelo menos uns 500 litros de hélio.
Em média, são necessários dois enchi-
mentos do reservatório por ano" , estima
Manuel Leite de Almeida. "Já aconteceu
termos de socorrer um ou outro hospital
em alturas em que o fornecimento está
atrasado", revela.
Um complexo sistema de canalização
Num reservatório com capacidade para assegura o abastecimento de hélio ao
cem litros evapora-se cerca de um litro laboratório de Física de Plasmas
por dia (quem nunca viu um balão de
aniversário ir murchando até acabai' os de um reservatório para outro perde-se
seus dias rente ao chão?). No CTN está 30% do produto -faz com que em Por-
instalada uma conduta de reciclagem do tugal, distante dos portos de Marselha
hélio usado nas experiências relacionadas ou Rolerdão aonde chega, o seu custo
com o estudo do comportamento elé tricô seja três vezes mais do que o praticado
e magnético dos materiais e que exigem em França ou na Holanda, diz Leite de
temperaturas baixas, muito próximas do Almeida.
zero absoluto. Recentemente, os Emirados Árabes
O facto de se escapar com muita faci- Unidos vieram juntar-se aos EUA, Rússia
lidade - nas operações de transferência e Argélia na curta lista de países fornece -
dores de hélio. Mesmo assim, Mário Lino
Uma das principais aplicações do gás da Silva não tem dúvidas: "Haverá sem-
está relacionada com a manutenção
de temperaturas próximas do zero pre necessidade de hélio e no meu caso
absoluto, essencial em alguns estudos não há substituto. As festas de criança
das propriedades dos materiais vão ter de arranjar uma alternativa. " ¦