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O lítio pode ser a energia do futuro - e há

abundância em Portugal
O século XX foi o século do petróleo, suporte da transformação da
humanidade no fim do milénio. Mas o petróleo tem o fim
anunciado. Abundante em Portugal, será o lítio o “petróleo” do
futuro no nosso país?

Texto e Fotografia Carlos Franco


Nos quase cem quilómetros quadrados do jazigo de Gonçalo-Seixo Amarelo, os filões
de mica litinífera destacam-se como riscos brancos na rocha.

A aparência faz lembrar o chumbo e a consistência macia, que


permite cortá-lo com uma faca, intriga ainda mais. O lítio é um
metal que… flutua. Tem cerca de metade da densidade da água e foi
gerado no Big Bang, juntamente com o hidrogénio e o hélio.
Há muito que entrou na nossa vida. Demos por ele nos
equipamentos electrónicos portáteis, mas foi a revolução energética
dos automóveis que o trouxe para a ribalta. Portugal é o quinto
maior produtor mundial deste metal. A instalação em Aveiro de uma
fábrica de baterias de lítio da Renault-Nissan alimentou o debate
sobre um modelo de desenvolvimento associado à exploração de
lítio. A relação parece óbvia (e sedutora), entre a localização da
fábrica e a riqueza do subsolo nacional, mas as aparências iludem. O
lítio existente em Portugal é usado sobretudo na indústria da
cerâmica e não tem aplicação directa no fabrico de baterias. “O país
tem recursos minerais de lítio, que são compostos naturais, mas não
são carbonatos de lítio”, explica Machado Leite, do Laboratório
Nacional de Energia e Geologia (LNEG). Ora, é precisamente em
forma de carbonato que o lítio serve para as baterias.

O lítio também pode ser extraído de lagos salgados, nomeadamente dos Himalaia e
dos Andes.
Além dos jazigos minerais de espodumena, petalite, ambligonite e
lepidolite, como no caso português, o lítio também pode ser extraído
de lagos salgados, nomeadamente dos Himalaia e dos Andes (Chile,
Argentina e Bolívia). É aliás neste triângulo andino que se
concentram 75% das reservas conhecidas. O salar de Atacama faz
do Chile o maior produtor, e o salar de Uyuni, na Bolívia, ainda por
explorar, é o maior depósito do mundo. Na imprensa da
especialidade, o lago Uyuni tem sido comparado a Ghawar, o
megacampo petrolífero da Arábia Saudita.
Porém, é mais fácil obter carbonato de lítio (Li2CO3) a partir dos
lagos salgados do que do minério arrancado às minas. O processo é
semelhante ao da extracção do sal marinho. A água destes lagos,
que contém entre 200 e 400 ppm (partes por milhão) de lítio, é
bombeada para tanques de evaporação, onde o lítio se concentra,
normalmente em forma de cloreto (LiCl). Depois é transformado em
carbonato por electrólise, purificado e comercializado.
Descoberto em 1817, o lítio foi isolado pelo inglês Humphry Davy através da
electrólise, um método ainda usado para obter lítio puro. Começou a ser utilizado
comercialmente em 1923 na cerâmica e na medicina, tornando-se depois essencial na
aeronáutica e na electrónica.

A trituração e dissolução do minério dos nossos jazigos para


produzir Li2CO3 para as baterias é, portanto, mais difícil e mais
cara. A Direcção-Geral de Geologia e Energia (DGGE) já
manifestou até o seu cepticismo quanto à futura utilização nas
baterias de automóveis, embora esta matéria não seja consensual.
Numa coisa, porém, há acordo: o lítio tem importância estratégica e
as implicações geopolíticas são fulcrais. Imagine um mundo
dependente de lítio e não de petróleo e portanto concentrado na
América do Sul, onde a Bolívia faria o papel da Arábia Saudita…

O minério segue para a fábrica, quase toda automatizada, de onde saem 27 produtos
distintos.

O imaginário romântico do trabalho mineiro com uma multidão de


operários a arrancar o minério às entranhas da terra desvanece-se ao
chegar à maior mina portuguesa de lítio, na zona de Gonçalo
(Guarda). Três homens (uma escavadora e dois camiões) são
suficientes, pelo menos nesta fase do trabalho, para roer a encosta,
onde se destacam nitidamente as faixas claras, mescladas de lilás,
dos filões de pegmatite.
Queimado, o nitrato de lítio produz uma característica chama vermelha.
O minério segue para a fábrica, quase toda automatizada, de onde
saem 27 produtos distintos. Cada um obedece a critérios de
normalização de teor de lítio e possui uma ficha técnica e um
certificado. “A nossa actividade é a produção de matérias-primas
para a cerâmica, particularmente feldspatos”, diz Rui Vide, geólogo
e administrador da Felmica. “O lítio tem a particularidade de ser um
bom fundente.” Ao baixar o ponto de fusão das pastas, reduz o
consumo de energia nas fábricas de cerâmica. Neste contexto, não é
visto como um produto em separado.
Com uma produção de 30 mil toneladas anuais, a Felmica
movimenta 85% do minério de lítio em Portugal. Vocacionada para
a indústria da cerâmica, a empresa encara com prudência a agitação
em torno das baterias. Falta apurar a viabilidade económica. Ainda
assim, desde 2008 que são feitas reservas de concentrados de lítio a
pensar neste tipo de negócio.
Os jazigos portugueses são conhecidos há quase um século.
Com uma produção de 30 mil toneladas anuais, a Felmica
movimenta 85% do minério de lítio em Portugal.
A Felmica tem avaliadas reservas de dois milhões de toneladas de
minérios de lítio e o potencial pode chegar a dez milhões,
considerando a espodumena, a petalite e a lepidolite. Há estudos do
LNEG para a produção de Li2CO3 a partir de lepidolite e outros
minerais. Mas haverá condições para uma indústria de compostos de
lítio? “Está nos nossos horizontes. Com um parceiro ou sozinhos,
vendendo o minério isoladamente ou tratando-o, todas as
alternativas estão em aberto”, diz Rui Vide.
O mapa assinala as seis principais ocorrências de lítio em Portugal: 1. Serra de
Arga; 2. Covas do Barroso; 3. Barca d’Alva; 4. Guarda; 5. Mangualde; 6. Segura. NGM-
P. Fonte:Laboratório Nacional de Energia e Geologia.
A energia que alimenta o universo é produzida por fusão nuclear,
fonte da vida na Terra e das energias que usamos, sejam as fósseis,
armazenadas ao longo de milhões de anos, sejam as renováveis. E se
conseguíssemos uma máquina que reproduzisse uma fracção do Sol
para utilizar aquela energia? Teríamos uma fonte de energia limpa
(sem emissão de gases com efeito de estufa), praticamente
inesgotável (os “combustíveis” são a água e o lítio) e segura (a
palavra mágica). Mas a recriação na Terra das condições das
estrelas não é fácil, sobretudo devido às temperaturas de 100
milhões de graus Celsius que é preciso atingir.
A Europa lidera a investigação sobre a fusão nuclear e Portugal tem
um papel de relevo. Carlos Varandas, do Instituto de Plasmas e
Fusão Nuclear, é o actual presidente do conselho de administração
da Agência Europeia para o Reactor Internacional Experimental
Termonuclear (ITER, na sigla anglófona). Os cientistas portugueses
lideram a investigação em duas áreas: a reflectometria de
microondas, cuja responsável europeia é Maria Emília Manso, e a
instrumentação digital para controlo e aquisição de dados.
O tokamak JET (Joint European Torus), no Reino Unido, já obteve
reacções de fusão nuclear, embora sem ganho de energia.
No Instituto Superior Técnico, o tokamak ISTTOK é usado para desenvolver técnicas
de diagnóstico e de controlo e operação de máquinas de fusão nuclear, depois
ensaiadas em máquinas europeias de maior dimensão. Os cientistas portugueses
lideram a investigação em duas áreas deste domínio científico e tecnológico, que
poderá transformar o lítio na principal fonte energética do mundo.
O próximo passo é a construção no Sul de França do ITER, o
primeiro reactor experimental de fusão nuclear. O tokamak deverá
demonstrar a viabilidade científica e técnica da fusão nuclear
enquanto tecnologia energética e utilizará todas as tecnologias
necessárias para o funcionamento de um reactor de fusão. A fusão
nuclear é feita entre dois isótopos do hidrogénio, o deutério e o
trítio. O deutério obtém-se da água e o trítio, um material
radioactivo de vida curta (12 anos), produz-se a partir do lítio,
dentro do próprio reactor de fusão. “Numa reacção de fusão
deutério-trítio, gera-se um neutrão que, ao reagir com o lítio, produz
trítio”, explica Carlos Varandas. “Portanto, se no interior da câmara
de um reactor de fusão houver uma camada de lítio,
chamada blanket (camada fértil), esse lítio vai produzir, através das
reacções com os neutrões, o trítio necessário para alimentar o
reactor.”

O próximo passo é a construção no Sul de França do ITER, o primeiro reactor


experimental de fusão nuclear.

Carlos Varandas acredita que na segunda metade deste século os


reactores de fusão nuclear estarão disponíveis, podendo solucionar o
problema energético global. Estudos sugerem que o preço do KW/h
produzido numa central de fusão será idêntico ao de uma central
hidroeléctrica, o que o tornaria competitivo. Além disso, as reservas
de lítio para uso na fusão nuclear dariam para 30 mil anos, um
período suficiente para encontrar outras soluções energéticas e
reorganizar o nosso modo de vida.

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