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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Ana Terra Reis de Grammont

A Pedagogia da Leitura: análise de material didático na


perspectiva da Educação Linguística

Mestrado em Língua Portuguesa

São Paulo

2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Ana Terra Reis de Grammont

A Pedagogia da Leitura: análise de material didático na


perspectiva da Educação Linguística

Mestrado em Língua Portuguesa

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa,
sob orientação da Professora Doutora Dieli Vesaro Palma.

São Paulo

2012
 

 
Banca examinadora

_____________________________________________
Profª. Drª. Dieli Vesaro Palma

_____________________________________________
Profª. Drª. Nílvia Therezinha da Silva Pantaleoni

_____________________________________________
Prof. Dr. José Everaldo Nogueira Junior.

 

 
Aos meus pais,

Julio de Grammont [In memórian] e Leila Reis

 

 
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

À minha mãe,
por ter acreditado em mim e pelo suporte
psicológico, emocional e material,
imprescindível para a finalização deste
trabalho.

Ao Vitor,
pelo amor, cumplicidade e muito
companheirismo. Pela paciência e conforto nos
momentos em que mais precisei.

À Lua, minha irmã,


pelo apoio, a amizade e pelo interesse que
demonstrou pelo trabalho.

À família e queridos amigos,


que tiveram muita paciência e compreensão
pela minha ausência.

 

 
AGRADECIMENTOS

Agradeço à Profª. Drª. Dieli Vesaro Palma, quem eu escolhi para ser minha
orientadora por ter, em primeiro lugar, acreditado em meu trabalho, por ter me
orientado com valiosas sugestões e correções realizadas no decorrer do processo.
Pela paciência, apoio e carinho dedicados à minha pesquisa.

Ao Prof. Dr. José Everaldo Nogueira Junior, que vem me acompanhando


desde a graduação, pelas preciosas contribuições na fase da qualificação e, em
especial, pelo incentivo para seguir com meus estudos e entrar no mestrado.

À Profª. Drª. Nílvia Pantaleoni, por quem também tenho muito carinho desde
a graduação e cujas contribuições melhoraram meu trabalho na qualificação e que
me ajudaram a chegar até aqui.

À minha eterna professora, a Profª Drª Valeuska França Cury Martins, que
me acompanha desde a graduação e sempre me acolheu nos momentos em que
mais precisei. Sem ela, sem dúvida, eu não teria chegado até aqui.

Agradeço imensamente à Vivian Aparecida Leite da Silva e ao Flávio Dreger


da Silva, por todo suporte que me deram no decorrer desse processo. Pela
paciência, lealdade carinho e disposição com que me ajudaram sempre que
precisei.

À Christiane Gally, por todo apoio que me deu desde que nos conhecemos,
na pós-graduação. Por ter se disposto a revisar este trabalho, mesmo com pouca
disponibilidade de tempo, e ter feito o possível e impossível para fazê-lo.

Ao Guilherme Xavier da Silveira Viana, meu amigo, que se dispôs a fazer a


tradução do resumo deste trabalho em cima da hora e, principalmente, pela
lealdade com que sempre me tratou.

 

 
“Quem não lê não sabe o que está
perdendo, pois a leitura dá um sentido
espiritual à vida, abre horizontes, dá uma
visão melhor e mais ampla do mundo e da
sociedade em que vivemos, estimula a
imaginação e o sonho, cria possibilidades
antes impensadas de reivindicar mudanças
em nossa sociedade, corrigindo as injustiças
sociais e políticas que nos afligem.”

José Mindlin

 

 
A Pedagogia da Leitura: análise de material didático na perspectiva da
Educação Linguística

Ana Terra Reis de Grammont

Resumo

“A pedagogia da leitura: análise de material didático na perspectiva da


Educação Linguística” é o resultado de uma investigação realizada de 2009 a 2012,
situada na linha de pesquisa “Leitura, Escrita e Ensino de Língua Portuguesa” do
Programa de Estudos de Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Foi orientada pela Profª. Drª. Dieli Vesaro Palma, líder do Grupo de
Pesquisa em Educação Linguística para o Ensino de Português – GPEDLINP, da
PUC-SP – da PUC-SP.
A presente pesquisa objetivou analisar, pela perspectiva da Educação
Linguística, de que forma o livro didático trabalha a pedagogia da leitura, com a
finalidade de responder às perguntas:
1. Qual o modelo de leitura que subjaz à proposta do LD?
2. De que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos
aprendentes?
Para a análise, fazemos uso da pesquisa interpretativista crítica, que está
inserida no paradigma qualitativo de pesquisa, com o intuito de analisar os
exercícios de compreensão e interpretação de texto, do livro didático de Língua
Portuguesa, do 6º ano do Ensino Fundamental II, da coleção didática Português –
Linguagens, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães.
Concluímos que as questões propostas fundamentam-se no modelo interativo
de leitura, de base cognitiva, embora haja a predominância do modelo ascendente
(bottom-up), em comparação ao descendente (top-down) (KLEIMAN, 2008 e KATO,
1990). Os autores tentam ativar os conhecimentos prévios dos leitores-aprendentes
por meio das perguntas de interpretação, além de destinarem uma seção de cada
unidade com esta finalidade.
Assim, consideramos ter atingido satisfatoriamente os nossos objetivos, a
saber:
1. Constatar qual o modelo de leitura que subjaz a proposta do LD analisado.
2. Analisar de que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos
aprendentes.

Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa. Gênero textual. Pedagogia da


Leitura.Educação Linguística. Livro Didático.

 

 
Reading pedagogy: schoolbook analysis under the Linguistic Education perspective

Ana Terra Reis de Grammont

Abstract

Reading pedagogy: schoolbook analysis under the Linguistic Education


perspective is the outcome of an investigation carried out from 2009 to 2012
following the “Portuguese language reading, writing and teaching” research track
from the Portuguese Language Studies Program from the Pontific Catholic University
of São Paulo, guided by Prof., Dr. Dieli Vesaro Palma, PUC-SP Linguistic Education
for Portuguese Teaching research group leader – PUC-SP GREDLINP-.
The following research has intended to analyze it under the Linguistic
Education perspective in what way the schoolbook explores the reading pedagogy so
the following questions can be answered:
1. What is the reading model which rests under the schoolbook?
2. How do the authors try to awake the learners´ previous knowledge?
So the analysis is done we have used the critic interpretative research, which lies in
the
research qualitative paradigm, aiming for analyzing the Portuguese Language
schoolbook text interpreting and comprehension exercises of the Fundamental
School II 6th grade from school collection Portuguese – Languages, featuring
William Roberto Cereja and Thereza Cochar Magalhães as authors.
We conclude that the cognitive reading model awakened by the questions
was interactive, although the majority is bottom-up, contrasting with the top-down
(KLEIMAN, 2008 and KATO, 1990). The authors try to awake the readers-learners´
previous knowledge through the interpreting questions, besides saving a section in
each unity for this purpose.
Therefore, we consider achieving satisfactory our goal:
1. Discovering what reading model rests under the proposal of the analyzed LD.
2. Analyzing how the authors try to awake the learners´ previous knowledge.

Keywords: Portuguese Language Teaching. Text Gender. Reading Pedagogy.


Linguistic Education. Schoolbook.

 

 
Sumário
Introdução ................................................................................................................... 12

Capítulo I. Educação Linguística................................................................................. 20

1.1. Perspectiva de Educação: prática da liberdade .................................... 20


1.2. Conceito de EL....................................................................................... 35
1.2.1. Dimensões Linguísticas............................................................... 41
1.2.1.1. Linguagem................................................................... 41
1.2.1.2. Língua, Norma e Uso (Variedade linguística)............. 42
1.2.1.3. Gêneros Textuais........................................................ 47
1.2.1.4. Texto........................................................................... 52
1.2.2. Dimensões pedagógicas............................................................. 54
1.2.2.1. Transposição Didática................................................. 54
1.2.2.2. Contrato Didático......................................................... 56
1.2.2.3. Situações Didáticas..................................................... 57
1.2.2.4. Obstáculo Epistemológico........................................... 61
1.2.2.5. Registros de Representação....................................... 64
1.2.2.6. Teoria dos Campos Conceituais................................. 65
1.2.2.7. Engenharia Didática.................................................... 67

Capítulo II. A Pedagogia da leitura.............................................................................. 71

2.1. O que é ler? Para que ler?..................................................................... 72


2.2. Paradigmas de leitura e suas respectivas abordagens.......................... 76
2.2.1.1. Paradigma Tradicional...................................................... 77
2.2.1.2. Abordagem Tradicional..................................................... 77
2.2.2. Paradigma Cognitivista................................................................ 80
2.2.2.1. Abordagem Cognitivista.................................................... 82
2.2.2.1.1. Modelo ascendente (Bottom-up) de leitura............ 86
2.2.2.1.2. Modelo descendente (Top-down) de leitura.......... 87
2.2.2.1.3. Modelo interativo de leitura.................................... 87
2.2.2.1.4. Estratégias de leitura.............................................. 89
2.2.2.2. Abordagem Interacional.................................................... 90
2.2.3. Paradigma Sociocultural.............................................................. 91
2.2.3.1. Abordagem da leitura como prática social........................ 92
2.2.3.2. Eventos e práticas sociais de leitura................................. 94
2.2.3.3. O Pensar Alto em Grupo (PAG)........................................ 95
2.3. A leitura no ambiente escolar: formação de leitores............................... 95
2.3.1. Gêneros Textuais na escola: sequências didáticas..................... 104

 
10 
 
2.3.2. O livro didático (LD)................................................................. 106

Capítulo III. Metodologia e Análise.......................................................................... 110

3.1. Contextualizando a pesquisa.............................................................. 110


3.2. O paradigma qualitativo  x paradigma quantitativo............................. 111
3.2.1. A pesquisa interpretativista crítica........................................... 115
3.2.2. Análise documental................................................................. 115
3.2.2.1. Contexto ............................................................................ 117
3.2.2.2. O autor ou os autores........................................................ 118
3.2.2.3. A autenticidade e a confiabilidade do texto....................... 118
3.2.2.4. A natureza do texto............................................................ 118
3.2.2.5. Os conceitos-chave e a lógica interna do texto................. 119
3.2.2.6. A análise............................................................................ 119
3.3. Análise do corpus............................................................................... 119
3.3.1. Análise preliminar.................................................................... 120
3.3.1.1. Contexto............................................................................. 120
3.3.1.2. Sobre os autores................................................................ 123
3.3.1.3. Natureza do LD.................................................................. 124
3.3.1.3.1. Descrição da coleção........................................ 124
3.3.1.3.2. Análise da apresentação da coleçãoPortuguês:
Linguagens – Ensino Fundamental.................. 133
3.3.1.3.3. Análise das questões sobre leitura................... 134
3.4. Discussão dos resultados................................................................... 151

Considerações finais................................................................................................ 152

Referências bibliográficas........................................................................................ 155

 
11 
 
INTRODUÇÃO

A pedagogia da leitura: análise de material didático na perspectiva da


Educação Linguística é o resultado de uma investigação realizada de 2009 a
2012, situada na linha de pesquisa “Leitura, escrita e ensino de língua
portuguesa” do Programa de Estudos de Língua Portuguesa da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, orientada pela Profª.Drª. Dieli Vesaro Palma,
líder do Grupo de pesquisa em Linguística Funcional – PUC-SP1, GPeLF, do qual
fazemos parte.

A pedagogia da leitura aqui é vista pela perspectiva da Educação


Linguística2, pois entende a Educação como um processo de ensino-
aprendizagem, onde a aprendizagem acontece por meio da troca entre os atores
envolvidos, que tanto ensinam como aprendem. Com o fim apenas didático, a EL
se divide em quatro pedagogias do ensino: a pedagogia do oral, da leitura, do
escrito e do léxico-gramatical, destacando que “esta divisão se presta
exclusivamente a um melhor detalhamento dos estudos, pois na prática de língua
não é possível separarmos o ouvir do ler ou o conhecimento do funcionamento da
língua do escrever”. (REGO, 2009: 23).

O nosso tema é a leitura do livro didático de língua portuguesa, destinado


a estudantes do 6º ano: Português: Linguagens, dos autores William Roberto
Cereja e Thereza Cochar Magalhães. Queremos descobrir como os exercícios de
leitura são elaborados, pois, a partir deles, os professores desenvolvem as
atividades em sala de aula a fim de formar leitores. A partir dessa pesquisa,
levantamos questionamentos expressos pelas seguintes perguntas:

1. Qual o modelo de leitura que subjaz à proposta do LD?


2. De que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos
aprendentes?
                                                            
1
O GPeLF existe desde 2006 e tem como membros doutores, mestres, mestrandos e
estudantes de pós-graduação, que se reúnem mensalmente para discutir obras que dizem
respeito ao Ensino de Língua Portuguesa e à Educação linguística em sala de aula.
2
Neste trabalho será referida por EL.
 
12 
 
Esta pesquisa surgiu do nosso incômodo com a Educação, primeiramente,
como sujeitos atuantes na sociedade e, em segundo lugar, como profissionais da
área.Esse incômodo nos persegue desde a época em que éramos secundaristas
e escolhíamos qual faculdade cursar. Quando decidimos ser professores,
sentíamos que era a profissão que nos permitiria fazer diferença, contribuir para a
transformação do outro e da sociedade. Ainda sem saber o que ensinaríamos,
demo-nos conta de que a base da transformação era a nossa língua.

Essa sensibilização veio de um episódio, que vou descrever para efeito


ilustrativo. Um dia, deparamo-nos com um senhor em frente a um caixa eletrônico
de um banco, que segurava, em suas mãos, um envelope com uma quantia de
dinheiro que tentava depositar sem conseguir, porque não sabia ler as instruções.
Embora o tivéssemos ajudado, pensamos no que poderia ter acontecido caso
aquele senhor tivesse cruzado em seu caminho com alguém que não tivesse
boas intenções.

O episódio nos fez refletir sobre o poder que o domínio da língua materna
nos dá e o que a falta dele, nos tira. A história, a nosso ver, pode ilustrar a
importância que o aprendizado de Língua Portuguesa tem em nossa sociedade
letrada.

O mais grave, e que nos preocupa, é saber que aquela situação não é
exclusiva àquele homem. O Brasil é marcado pelo alto índice de analfabetismo
funcional, aferido por diversos sistemas de avaliação. Crianças não sabem o que
deveriam saber na idade em que se encontram e, mesmo assim, formam-se no
Ensino Médio, sem o conhecimento mínimo para poder desenvolver-se
intelectualmente e ter as mesmas oportunidades que uma pessoa plenamente
alfabetizada.

Há de se ressalvar a queda no índice de analfabetismo funcional nos


últimos sete anos. “Esta evolução pode ser associada à crescente escolarização
da população brasileira, que aumentou significativamente nas últimas décadas. A
parcela de crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos frequentando a escola, por

 
13 
 
exemplo, praticamente se universalizou, graças ao maior acesso e permanência
na escola.”3

Mas, mesmo assim, a situação é preocupante, pois, segundo a última


pesquisa do INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional), estudo realizado pelo
IBOPE com base na metodologia desenvolvida em parceria entre o Instituto Paulo
Montenegro – responsável pela atuação social do IBOPE – e a ONG Ação
Educativa, 25% da população brasileira é alfabetizada rudimentarmente, ou seja,
“corresponde à capacidade de localizar uma informação explícita em textos curtos
e familiares (como um anúncio ou pequena carta), ler e escrever números usuais
e realizar operações simples, como manusear dinheiro para o pagamento de
pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita métrica.Os
dados consolidados do período de 2001 a 2007 confirmam que quanto maior o
nível de escolaridade, maior a chance do indivíduo atingir bons níveis de
alfabetismo.”4

Essa percepção levou-nos a cursar a Faculdade de Letras. Ao iniciar nossa


experiência em sala de aula como professores, vimos que o desafio era maior do
que esperávamos: era necessário muito mais do que superar a falta de
experiência e a formação cheia de lacunas tanto na Educação Básica como no
Ensino Superior. O grande desafio era conseguir realizar um trabalho eficiente, no
qual acreditamos, apesar da instituição escolar, de caráter fortemente
conservador. A EL destaca o papel de um professor reflexivo, com uma formação
que lhe dê suporte para trabalhar de forma autônoma e fazer do livro didático
mais um instrumento para alcançar seu maior objetivo é educar.

Devemos oferecer atividades de ensino/aprendizagem que permitam aos


alunos se preparar para suas vidas – presente e futura – dentro de uma
sociedade com uma determinada forma de cultura. Em relação à língua como
forma de atuação social e/ou exercício de cidadania, permite-nos afirmar que ela
tem uma relação direta com a qualidade de vida de nossos alunos.

                                                            
3
http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.01.00.00&ver=por&ver=por, acessado em 24 
de abril de 2012. 
4
http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.01.00.00&ver=por&ver=por, acessado em 24 
de abril de 2012. 
 
14 
 
A EL seria o conjunto de atividades de ensino/aprendizagem, formais ou
informais, que levam uma pessoa a conhecer o maior número de recursos da sua
língua e a ser capaz de usar tais recursos de maneira adequada para produzir
textos a serem usados em situações específicas de interação comunicativa para
produzir efeito(s) de sentido pretendido(s).

Ela permite saber as condições linguísticas da significação e, portanto, da


comunicação, uma vez que só nos comunicamos, quando produzimos efeito de
sentido entre nós e nossos interlocutores. A EL deve, então, possibilitar o
desenvolvimento do que a Linguística tem chamado de competência
comunicativa, entendida aqui como a capacidade de utilizar o maior número
possível de recursos da língua de maneira adequada a cada situação de
interação comunicativa.

A EL, portanto, trata de ensinar os recursos da língua e as instruções de


sentido que cada tipo de recurso (e cada recurso em particular é capaz de por em
jogo na comunicação) se apresenta por meio de textos linguísticos.
Evidentemente, todos na sociedade, começando pela família e pela escola a
seguir, devem trabalhar a EL. O meio em que a criança vive e convive será o
responsável por seu aprendizado linguístico.

O fim essencial da EL deve ser a discussão de como cada tipo de recurso


da língua pode significar dentro de um texto. Ao mesmo tempo, deve utilizar,
neste contexto de ensino/aprendizagem, a metalinguagem e as teorias
linguísticas/ gramaticais. Do ponto de vista da comunicação, é preciso alertar as
pessoas para a questão da variedade linguística: os dialetos e registros que toda
língua possui. Mesmo sendo igualmente válidas, essas variedades são rotuladas
por uma sociedade que estabelece uma espécie de etiqueta social para o uso da
língua e valoriza mais ou menos certas formas linguísticas.

Quase sempre essa etiqueta social – norma de uso que configura o que se
tem chamado de gramática normativa – não é calcada em critérios linguísticos,
mas nas razões de prestígio social (econômico, político, cultural). Assim a EL
deve alertar para a existência das variedades linguísticas, suas características, e
quão adequado é o seu uso. A EL formal, ou seja, a aprendida na escola, é a

 
15 
 
responsável quase sempre pela aquisição da variedade escrita da língua, em
oposição à variedade falada.

A EL na escola deve começar na pré-escola e estender-se até a


Universidade, que tem como incumbências:

a. produzir o conhecimento linguístico necessário para subsidiar um bom


trabalho de educação linguística;
b. formar profissionais competentes que sejam responsáveis diretos
(professores de Português e de Literatura) ou indiretos (professores de
outras disciplinas) pela educação linguística;
c. desenvolver a competência comunicativa dos profissionais de qualquer
área que forme, tendo em vista que a competência comunicativa é
componente essencial à formação de bons profissionais em qualquer área;
d. ajudar a estabelecer na sociedade a consciênciada importância da
educação linguística, de tal forma que as pessoasentendam sua essencial
correlação com a possibilidade de ser cidadãos de primeira categoria, de
viver bem e com mobilidade dentro da sociedade. E que desejem e
busquem, como um direito seu, uma boa formação linguística.

A partir do que apresentamos e das perguntas elaboradas na


problematização deste trabalho, nosso objetivo é

1. constatar qual o modelo de leitura que subjaz a proposta do LD


analisado;
2. analisar de que forma os autores tentam acionar o conhecimento
prévio dos aprendentes.

Na fundamentação, buscamos apresentar, primeiramente, o que a EL


concebe como Educação. Para tanto, buscamos autores como Paulo Freire
(1989, 1996 e 2005), Alicia Fernández (1991, 2001a, 2001b e 2012), Roberto
Freire (1987, 1988, 2006) e Sara Paín (2008 e 2009), pois esses educadores
acreditam na educação como prática da liberdade, ou seja, uma educação que,
em vez de servir à dominação e à preservação do sistema político-econômico
vigente e de inibir a criatividade das pessoas, seja transformadora. Uma
educação que favoreça o desenvolvimento de sujeitos, de pessoas críticas,

 
16 
 
capazes não só de interferir e de transformar a realidade em que vivem, mas
também que sejam capazes de lutar por uma vida autêntica, autônoma e
autorregulada, a fim de exercerem sua cidadania plena, com liberdade. Paulo
Freire (1989: 88) assegura que queremos “uma educação para decisão, para a
responsabilidade social e política.”

A Educação Linguística abrange duas dimensões: a linguística e a


pedagógica. Para fundamentá-las, partirmos da linguística textual, sociolinguística
e da análise do discurso para trazer definições e conceitos, como texto,
linguagem, variedades linguísticas e gêneros textuais, ancorados nos referenciais
teóricos contidos nas obras de Bechara (2006), Palma, Turazza & Nogueira Júnior
(2008),Lomas (2003), Travaglia (2008) e Antunes (2003 e 2009).

Em seguida, tratamos de conceitos, também utilizados na educação


matemática, como a transposição didática referente à adequação que
determinado saber a ser ensinado será submetido para que possa ser aprendido
da melhor forma pelo estudante. Focalizaremos também o contrato didático, que
deve ser articulado entre as partes diretamente relacionadas no processo de
ensino-aprendizagem para que ele seja possível. Depois, veremos as situações
didáticas que caracterizam a situação em que esse processo se dará e também
alertaremos o professor para tomar cuidado com os obstáculos epistemológicos
que poderá encontrar no caminho para, no lugar de ensinar, não confundir ainda
mais seus aprendentes. Finalmente, abordaremos os registros de representação,
as teorias dos campos conceituais e de engenharia didática.

Nossos referenciais teóricos da pedagogia da leitura, em que discutiremos


os paradigmas de leitura e as suas respectivas abordagens, fundamentaram-se
em Kleiman (2008),Solé (1998), Smith (1988 e 1999), Bloom (1983), Queiróz
(2009), Marcuschi (2007), Bezerra (2010), Antunes, (2003, 2009).

Este trabalho estrutura-se da seguinte maneira:

No primeiro capítulo, apresentaremos a Educação Linguística (EL) e sua


dupla dimensão: a Pedagógica – cuja fundamentação encontra-se nas obras de
Paulo Freire (1989, 1996 e 2005), Alicia Fernández (1991, 2001a, 2001b e 2012),
Roberto Freire (1987, 1988, 2006) e Sara Paín (2008 e 2009) – momento em que

 
17 
 
descreveremos como se dá o processo de aprendizagem, individual e
socialmente, entre o ensinante e o aprendente – lembrando do papel importante
da família e da escola no processo; e a Linguística.

No segundo capítulo, desenvolveremos o conceito de pedagogia da leitura


e apresentaremos uma reflexão sobre o que é ler. Em seguida, focalizaremos a
leitura na visão dos paradigmas tradicional, cognitivo e sociointeracional. Pelo
paradigma cognitivo da leitura, abordaremos os três modelos cognitivos e as suas
estratégias. Por fim, trataremos do desenvolvimento de leitura na escola e da
formação de leitores baseando-nos em Solé (1998), Smith (1988, 1999), Kleiman
(2008), Bloom (1983), Queiróz (2009), Marcuschi (2007), Bezerra (2010),
Antunes, (2003, 2009).

Por fim, apresentaremos a metodologia e análise do corpus. Analisaremos


o livro didático de língua portuguesa, destinado a estudantes do 6º ano:
Português: Linguagens, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar
Magalhães. Na primeira parte, contextualizaremos a pesquisa, retomando as
perguntas deste trabalho e os seus objetivos. Em seguida, apresentaremos o
paradigma qualitativo e focaremos na pesquisa interpretativista, depois
esclareceremos os aspectos da análise documental.

Na segunda parte, realizaremos a análise do corpus, que consiste na


descrição da coleção de que o Livro Didático (LD) faz parte para, posteriormente,
analisarmos a apresentação da coleção e, por fim, fazemos a análise dos
exercícios voltados para a compreensão e a interpretação de leitura. Para
finalizar, discutiremos os resultados da análise.

Nas considerações finais, respondemos às perguntas elaboradas na


problematização. As questões propostas fundamentam-se no modelo interativo de
leitura, de base cognitiva, embora haja a predominância do modelo ascendente
(bottom-up), em comparação ao descendente (top-down) (KLEIMAN, 2008 e
KATO, 1990). Os autores tentam ativar os conhecimentos prévios dos leitores-
aprendentes por meio das perguntas de interpretação, além de destinarem uma
seção de cada unidade com esta finalidade.

 
18 
 
Acreditamos ter atingido nosso objetivo proposto para este trabalho, uma
vez que constatamos o modelo de leitura que subjaz a proposta do LD analisado
e analisamos de que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos
aprendentes.

Nossa ambição, com este trabalho, é poder orientar o olhar dos


professores sobre os livros didáticos adotados e, desta forma, favorecer a sua
autonomia diante dos materiais didáticos usados em sala de aula.

 
19 
 
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA

Neste capítulo, apresentaremos a Educação Linguística (EL) e sua dupla


dimensão: a Pedagógica – cuja fundamentação encontra-se nas obras de Paulo
Freire (1989, 1996 e 2005), Alicia Fernández (1991, 2001a, 2001b e 2012),
Roberto Freire (1987, 1988, 2006) e Sara Paín (2008 e 2009) – momento em que
descreveremos como se dá o processo de aprendizagem, individual e
socialmente, entre o ensinante e o aprendente – lembrando do papel importante
da família e da escola nesse processo; e a Linguística, ancorada nos referenciais
teóricos contidos nas obras de Bechara (2006), Palma, Turazza & Nogueira Júnior
(2008) e Lomas (2003).

1.1. Educação como prática da liberdade

Paulo Freire (1989, 1996 e 2005), Alicia Fernández (1991, 2001a, 2001b e
2012), Roberto Freire (1987, 1988, 2006) e Sara Paín (2008 e 2009) acreditam na
educação como prática da liberdade, ou seja, uma educação que, em vez de
servir à dominação e à preservação do sistema político-econômico no qual
estamos inseridos e de inibir a criatividade das pessoas, seja transformadora.
Uma educação que favoreça o desenvolvimento de sujeitos, de pessoas críticas,
capazes não só de interferir e transformar a realidade em que vivem, como
também de lutar por uma vida autêntica, autônoma e autorregulada, a fim de
exercerem sua cidadania plena, com liberdade. “Uma educação para decisão,
para a responsabilidade social e política.” (FREIRE, 1989: 88).

Os autores, a partir de distintas atuações, cada um sob uma perspectiva –


a da educação, a da psicopedagogia, a da psicologia e a da filosofia

 
20 
 
respectivamente –, defendem uma ideia comum: a liberdade do ser humano, por
meio da autoria de pensamento e da criticidade.

Paulo Freire, pedagogo, que trabalhou por muitos anos com Educação de
Jovens e Adultos, dedicava-se à alfabetização, por meio dos círculos de leitura.
Francisco Weffort (1989:5) ressalta, na introdução do livro Educação como prática
da liberdade, de autoria de Paulo Freire, a importância da liberdade em sua
pedagogia:

A visão da liberdade tem nesta pedagogia uma posição de relevo. É a


matriz que atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar
efetividade e eficácia na medida da participação livre e crítica dos
educandos. É um dos princípios essenciais para a estruturação do
círculo de cultura, unidade de ensino que substitui a “escola”, autoritária
por estrutura e tradição.

Ele acreditava que nossa sociedade precisava aprender a viver em


democracia, após tantos anos de ditadura militar. Precisávamos aprender a lutar
pelos nossos direitos, a nos reconhecer sujeitos de nossa própria vida, a retomar
nossa liberdade. Essa transição, então, seria viabilizada por meio da educação.
Freire explica que,

assim, iríamos ajudando o homem brasileiro, no clima cultural da fase de


transição, a aprender democracia, com a própria existência desta.
Na verdade, se há saber que só se incorpora ao homem
experimentalmente, existencialmente, este é o saber democrático.
(FREIRE, 1989: 92).

Ele acreditava ainda que

a educação teria de ser, acima de tudo, uma tentativa constante de


mudança de atitude. De criação de disposições democráticas através da
qual se substituíssem no brasileiro, antigos e culturológicos hábitos de
passividade, por novos hábitos de participação e ingerência, de acordo
com o novo clima da fase de transição. (FREIRE, 1989: 93).

Seu trabalho teve foco na alfabetização de adultos que, como ele mesmo
dizia, “transcendia a superação do analfabetismo e se situava na necessidade de
 
21 
 
superarmos também a nossa inexperiência democrática.” (FREIRE, 1989: 94).
Pensava em um “trabalho com que tentássemos a promoção da ingenuidade em
criticidade, ao mesmo tempo em que alfabetizássemos”. (FREIRE, 1989: 104).

Alicia Fernández é argentina, psicopedagoga, tem seu trabalho voltado ao


desenvolvimento da aprendizagem da criança e suas dificuldades no
aprendizado. É fundadora do Centro de aprendizagem do Hospital Nacional A.
Posadas, em Buenos Aires, Argentina, onde teve a experiência piloto
interdisciplinar e interinstitucional de prevenção e atendimento de problemas de
aprendizagem, com diferentes serviços do departamento materno-infantil.
Dedicou-se a populações carentes e ao atendimento de famílias com crianças e
adolescentes com problemas de aprendizagem.

Ela observa que a dificuldade de aprendizagem apresentada pelas crianças


está ligada ao não desenvolvimento da autoria de pensamento, de sua criticidade
e da autonomia, portanto, na sua falta de liberdade. Para a autora, “torna-se cada
vez mais necessário que dirijamos nossa ação para produzir condições
facilitadoras da autoria de pensamento.” (FERNÁNDEZ, 2001a: 93). Em outras
palavras, a autoria do pensamento possibilita a compreensão da própria
existência e da condição mais preciosa da humanidade: a liberdade. (cf.
FERNÁNDEZ, 2001a).

Roberto Freire atuou em diversas áreas culturais, como teatro, educação,


jornalismo, literatura, cinema e televisão. Foi terapeuta, tendo se dedicado à
psiquiatria e, posteriormente, à psicanálise. Como atuante político ativo, criou a
SOMA – uma terapia anarquista – que defendia a política do cotidiano e a
ideologia do prazer, nascida na década de 1960, no Brasil, como resistência às
forças autoritárias da ditadura militar. Também foi ele militante contra as relações
autoritárias ainda presentes na nossa sociedade no cotidiano das instituições,
como a família, a escola e o Estado democrático-capitalista.

Apesar de hoje não vivermos uma ditadura, vivemos uma

democracia neo-liberal, que impõe uma sutil forma de controle e se torna


muito mais complexa em suas malhas de poder. A sutileza é sua grande
arma: já não percebemos claramente onde navega o autoritarismo e

 
22 
 
notamos apenas seus efeitos. A escravidão negra ou as ditaduras foram
substituídas por um processo de lenta e progressiva diminuição do poder
crítico e da autonomia das pessoas, gerando seres dóceis e passivos.
Essa domesticação do ser humano começa desde a infância,
estendendo-se pela adolescência até atingir a vida adulta, criando
homens e mulheres apáticos e acomodados, sem espírito de luta.
Educadas por meio de uma pedagogia alienante, a maioria dos jovens
torna-se obediente e submissa. (MATA, 2001: 35).

Roberto Freire defende a pedagogia libertária, pois acredita que tanto a


“pedagogia doméstica, quanto a escolar, quando autoritárias, visam a reprimir nas
crianças e nos jovens o sentimento e a necessidade da liberdade como condição
fundamental da existência.” (FREIRE, 2006: 220). Ressaltando a importância da
instituição escolar como mantenedora ou libertadora do poder, acrescenta que

a manutenção do poder do Estado nas ditaduras ou nas democracias


capitalistas é garantida não mais diretamente pelas armas e pelo
dinheiro. Vem sendo garantida pela família e pela escola, por meio da
pedagogia autoritária, apoiada e estimulada pelo Estado autoritário.
(FREIRE, 2006: 220).

Sara Paín é uma psicóloga argentina, doutora em Filosofia pela


Universidade de Buenos Aires e em Psicologia pelo Instituto de Epistemologia
Genética de Genebra. Acredita em uma pedagogia em que o conhecimento e o
desejo sejam tratados integradamente, que seja levada em consideração a
subjetividade de cada aprendente e de cada ensinante1. Paín (2009: 17) afirma
que

na escola, ao mesmo tempo em que promovemos um conhecimento,


promovemos também a emergência de sujeitos que se sentem mais
seguros, capazes, felizes, à medida que dominam, ou que se apropriam
do conhecimento transmitido. Permitir à criança apropriar-se de um
conhecimento é lhe permitir fortificar seu ego, à medida que ela pode se
constituir em uma personalidade mais segura, mais dominadora e mais
responsável. Para o educador, esses dois aspectos aparecem ao mesmo
tempo. Constatamos, entretanto, que, em decorrência de posturas
dominadoras, a escola nem sempre desempenha um trabalho

                                                            
1
Fernández (2001) traz em sua obra os termos aprendente e ensinante, os quais adotamos neste
trabalho. Para a autora, os dois termos se interrelacionam, um depende do outro para existir. A
criança aprende sozinha, por mais que a intenção do ser ensinante seja prioritária no processo de
aprendizagem.

 
23 
 
competente. Ela domina, oferecendo menos elementos às crianças para
pensar, pois seu domínio depende da manutenção da ignorância. É o
colonialismo no nível de aula.

A função da educação escolar, além de transmitir conhecimentos, é a de


contribuir para a formação de sujeitos, inclusive porque, segundo Paín (2009: 15),
“o sujeito não é sujeito até que conheça. É sujeito porque conhece, e é sujeito a
esse conhecimento”. Sujeitos autônomos, criadores, capazes de pensar
autonomamente, que não se sujeitem à heterorregulação e que não sejam
acomodados, estes, Guilherme Castelo Branco (2004: 255) afirma serem,
segundo texto kantiano, “pacatas criaturas, tímidas, temerosas de pensar, decidir,
até de andar.”

A escola tem um papel cada vez mais importante no desenvolvimento de


sujeitos. Juntamente com a família, é a instituição em que as pessoas passam a
maior parte do tempo de suas vidas. Acácio Augusto lembra-nos da grande
presença que a escola ganhou nas nossas vidas hoje em dia:

a escola não é mais o lugar de uma etapa necessária ao


desenvolvimento da criança e do adolescente, estabelecida pelo país,
sob o controle do Estado, para uma educação de conhecimentos
regulada por pedagogos e psicólogos. Ela perdeu o status de lugar
especial, de etapa a ser cumprida ou um estágio a ser vencido para se
atingir a vida adulta como um indivíduo preparado. Tornou-se um lugar
familiar para toda a vida. Em seu interior se aprende conhecimentos e
obediências, mas, também, é pra lá que se dirige a vida do bairro, das
redondezas, da comunidade. A escola passou a ser um lugar de convívio
onde se estuda, desfruta de lazer e se decidem coisas da vida entre os
habitantes do local. (AUGUSTO, 2011: 117).

As quatro funções interdependentes da educação, constituída pela


dinâmica de transmissão da cultura, no processo de aprendizagem são, segundo
Paín (2008),

a. Mantenedora: responsável pela continuidade da espécie humana e pela


transmissão das aquisições culturais de uma civilização;
b. Socializadora: a utilização da linguagem transforma o indivíduo em
sujeito. O indivíduo transforma-se em sujeito social e se identifica com o
grupo, que com ele se submete ao mesmo conjunto de normas;

 
24 
 
c. Repressora: a garantia da sobrevivência específica do sistema que rege
uma sociedade, instrumento de controle e de reserva do cognoscível;
d. Transformadora: modalidades de militância transmitidas por meio de um
processo educativo que consiste não apenas na doutrinação e em
propaganda política, mas também nas formas peculiares de expressão
revolucionária.

Em resumo, “em função do caráter complexo da função educativa, a


aprendizagem se dá simultaneamente como instância alienante e como
possibilidade libertadora.” (PAÍN, 2008: 12). O processo educativo compreende os
comportamentos dedicados à transmissão da cultura, seja pela instituição
específica, como a escola, seja pela família. Ambas as instituições servem,
paradoxalmente, tanto à conservação, como à transformação da sociedade.

A transmissão da cultura é sempre “ideológica, na medida em que é


seletiva e é própria da conservação de modos peculiares de operar, e, portanto,
serve à manutenção de estruturas definidas de poder”. (PAÍN, 2008: 18). Porém,
servem também às transformações, pois “é evidente que, se os sistemas
estabilizados precisam educar para conservar-se, os revolucionários necessitam
educar, com mais razão ainda, a fim de conscientizar e motivar a militância.”
(idem).

Uma educação libertária constrói-se desde os primeiros momentos de


aprendizagem da criança. Isso quer dizer que a família tem grande
responsabilidade nesse processo. “A pedagogia que vem depois, na fase escolar,
a pedagogia oficial, é padronizada. Trata-se de um complemento da doméstica.”
(FREIRE, 1988: 37). Roberto Freire ainda acrescenta:

é importante, sem dúvida, que a criança tenha condições de desenvolver


a espontaneidade, criatividade e espírito crítico durante a primeira
infância. Ao mesmo tempo, os pais não podem obstruir isso como
geralmente fazem. Então queremos ‘explodir’ a estrutura familiar,
também temos de tornar os pais acessíveis a uma pedagogia libertadora,
profilática, em relação ao autoritarismo. (FREIRE, 1988: 39).

O desenvolvimento da criança começa no meio familiar. Sua família será


seu primeiro exemplo, primeira referência e, mais ainda: será por meio da troca,
 
25 
 
da intervenção da família que a criança aprenderá. Portanto, se constituirá como
sujeito também, pois o indivíduo “não é sujeito antes da aprendizagem, mas que
vai chegar a ser sujeito porque aprende.” (FERNÁNDEZ, 1991: 51).

“O problema de aprendizagem que apresenta, sofre, estrutura um sujeito,


se situa, entrelaça, sintomatiza e surge na trama vincular de seu grupo familiar,
sendo, às vezes, mantido pela instituição educativa.” (FERNÁNDEZ, 1991: 48)
Por isso, pode-se dizer que as características dos problemas de aprendizagem
diferenciam-se por suas causas ou origens, dividindo-se em dois grupos:

a. Os fatores internos ao grupo familiar e ao paciente (problema de


aprendizagem-sintoma);
b. fatores de ordem educativa, relacionados com uma instituição
educativa que rechace ou desconheça a capacidade intelectual e
lúdica, a corporeidade, a criatividade, a linguagem e a liberdade do
aprendente (problema de aprendizagem-reativo). (FERNÁNDEZ,
1991: 49).

Toda aprendizagem passa necessariamente pelo corpo. A apropriação do


aprendizado, quer dizer, o seu domínio, traz uma sensação corporal de prazer.
Fernández (1991: 59) diz que “a apropriação do conhecimento implica o domínio
do objeto, sua corporização prática em ações ou em imagens que
necessariamente resultam em prazer corporal.” Uma tarefa só poderá “ser
prazerosa se desenvolvida em um espaço de confiança e liberdade, com medida
e com possibilidades de apropriar-se do produto do seu trabalho” (idem:61).

O processo de aprendizagem perpassa quatro níveis do sujeito: o


organismo, o corpo, a inteligência e o desejo. Os dois primeiros se diferem um do
outro por seus mecanismos, uma vez que o organismo trata de automatismos,
mecanismos involuntários e funcionamentos vitais corporizados do sujeito. O
corpo é o lugar onde o organismo funciona e é por meio da interação dele com o
meio que se aprende.

Embora organismo e corpo sejam tratados indiferentemente, para nós,


educadores, é necessário fazermos essa diferenciação. O organismo são todas
as nossas funções vitais e só nos damos conta dele quando alguma dessas
funções falha. São mecanismos involuntários, que não passam pela nossa

 
26 
 
consciência para funcionar. A suas falhas são emitidas por meio de sinais para
nossa consciência, em forma de dor, espirro, asfixia etc.

As nossas funções vitais, tais como nossos instintos, são automatismos,


que funcionam em e pelo nosso organismo. Eles são fundamentais para a
aprendizagem, pois

o organismo tem – dentro do que possa ser a aprendizagem – a


possibilidade de inscrever os esquemas perceptivo-motores. O
organismo é capaz de inscrever certo tipo de conhecimento de maneira
que tenha o mesmo valor dos instintos, das respostas instintivas. Quer
dizer que, no homem, coisas tão elaboradas como a escrita ou a palavra
podem ser realizadas, num certo momento, como se fossem instintivas,
tal como o canto dos pássaros. Isto porque a inscrição se faz no nível do
organismo. (PAÍN, 2009: 64).

Sara Paín reforça a importância da automatização no processo da


aprendizagem: “a automatização permite que uma parte já não seja pensada –
que esteja inscrita –, para que o pensamento possa se preocupar em adquirir
novos conhecimentos.” (PAÍN, 2009: 64). A construção de novos conhecimentos
se dá a partir – ou sobre – o conhecimento já automatizado, portanto, apropriado
pelo aprendente.

O corpo, diferentemente de organismo, é o lugar onde acontecem as


coordenações perceptivo-motoras. É por meio dele, por sua interação com o meio
externo, no momento presente, que a aprendizagem ocorre. É, no organismo, que
fica armazenada a aprendizagem, quando apreendida. “O organismo,
transversalizado pela inteligência e o desejo, irá se mostrando em um corpo, e é
deste modo que intervém na aprendizagem, já corporizado” (FERNÁNDEZ, 1991:
62).

Entretanto, no corpo, não só é coordenada a percepção em todos os seus


níveis, com o movimento, como também são sentidos com o corpo “todos os
afetos (sentimentos e emoções). Tudo ressoa no corpo. Quer dizer que, em cada
movimento, ao mesmo tempo ressoa corporalmente um sentimento.” (PAÍN, 2009:
65).

 
27 
 
Tanto a inteligência quanto o desejo são estruturas que fabricam o
conhecimento nos níveis da objetividade e da subjetividade, respectivamente.
Elas se diferenciam pelas suas construções, ou seja, o modo como se dão os
seus mecanismos, suas operações e seus resultados. Enquanto a objetividade
instaura a realidade, a subjetividade se instaura na irregularidade. Tal realidade
se constitui por aquilo que está fora de nós, que não podemos modificar, é a
realidade do que é possível. Paín (2009: 19) diz que o subjetivo

se constitui na esfera do desejo e é o que nos diferencia como pessoa


singular. O desejo é algo que falta; não existe na realidade. Para que
haja desejo, tem que haver falta. Assim, o desejo se instaura em uma
irrealidade.

Pensamos por meio da significação simbólica e pela nossa capacidade de


organização lógica – a primeira na esfera do desejo e segunda na esfera da
inteligência, simultaneamente. (cf. FERNÁNDEZ, 1991). Na ordem da inteligência,
“o pensamento é pensamento do que eu projeto como possível, dentro da
realidade. Na ordem do desejo, ao contrário, o que se pensa é o impossível.”
(PAÍN, 2009: 19). Entender o problema de aprendizagem é compreender como se
dá a relação que se estabelece entre a estrutura da inteligência, “de caráter
claramente genético, que vai se autoconstruindo, e uma arquitetura desejante,
que, ainda que não seja genética, vai entrelaçando um ser humano que tem uma
história” (FERNÁNDEZ, 1991: 67).

A inteligência é uma estrutura lógica, genética. O conhecimento se constrói


por meio de um trabalho lógico, a partir de ações, de experiências e intercâmbio
com a realidade, com o meio. Ela funciona por meio de mecanismos, definidos
por Sara Paín (2009: 25) como

determinadas reações de comunicação com o meio, que constroem os


elementos sobre os quais o pensamento pode atuar. Os mecanismos
vão captar as coisas exteriores e metabolizá-las para que possam ser
digeríveis. Há uma série de mecanismos entre o que é matéria e o que é
pensamento, para que possamos ter elementos de pensamento. Tenho
primeiro que tornar os objetos cognoscíveis, antes de conhecê-los,
porque eles não são imediatamente cognoscíveis. Tenho de transformá-

 
28 
 
los, para conhecê-los. Para passar da matéria ao pensamento, algo tem
de se converter.

Segundo Piaget (1965, apud FERNÁNDEZ, 1991: 71), “todo conhecimento


é sempre assimilação de um dado exterior às estruturas do sujeito”. Piaget foi um
grande pesquisador do desenvolvimento da inteligência, especificamente da
criança. Dois mecanismos, trazidos por ele, são a assimilação e a acomodação.
“A assimilação seria a capacidade de o sujeito construir o mundo de acordo com
seus próprios esquemas. O mundo se converte naquilo que ele pode assimilar.”
(PAÍN, 2008: 25). Quando, porém, o mundo exigir transformações muito grandes,
nosso organismo se adapta, por meio da acomodação. “Ele se acomoda para
assimilar o que existe.” (PAÍN, 2008: 25).

São mecanismos inversos e complementares. Apenas após termos nos


apropriado do mundo, por meio dos nossos esquemas, é que poderemos
transformá-lo, isto é, apenas depois de tê-lo assimilado. Já a acomodação é o
processo de autoajustamento dos nossos próprios esquemas, com objetivo de
nos propiciar a assimilação, nos acomodarmos a um novo estímulo que nunca
experimentamos antes. Paín (2009: 27) explica que

todos os conhecimentos, todas as demandas de acomodação, exigem


esquemas mínimos de assimilação. A acomodação vem da capacidade
da criança de integrar todas as assimilações a um novo estímulo, que
logo se converte em um esquema mais completo; e sucessivamente,
cada vez conjuntos mais complexos vão passando a ser esquemas.
Portanto, pela assimilação/ acomodação, se constroem os esquemas
que servirão para aplicar as operações.

Outros dois mecanismos são a circularidade e inibição que, assim como os


anteriores, estão intrinsecamente ligados. A circularidade é a repetição contínua
de uma ação, como forma de automatizá-la. “Nós estamos sempre submetidos a
esse tipo de mecanismo, pois todo tipo de aprendizagem é repetida circularmente,
de modo a se automatizar.” (PAÍN, 2009: 27). A inibição é o processo de
identificar o domínio do próprio corpo, de modo a melhorar a ação que será
produzida por nós. “A inibição não é só a possibilidade de aprender, isto é, de
saber qual o movimento adequado para conseguir um fim, mas também a de

 
29 
 
alcançar um domínio do próprio corpo capaz de agir de maneira eficaz”. (PAÍN,
2009: 29).

Vemos a aprendizagem, necessariamente, como um processo, que se


realiza no momento da interação entre pessoas, que assumem explicitamente as
funções de ensinante e de aprendente.

Fernández (2001a) diferencia o saber do conhecer e os dois conceitos de


informação. Esclarece ainda que os primeiros são verbos, por carregarem a ideia
de ação, de processo. A informação é substantivo, por se tratar de dados
concluídos. Na aprendizagem, não se transmitem conhecimentos, mas sim sinais
de conhecimento – chamados de informações – que podem ser transformados e
reproduzidos. Por um lado, não se aprende com qualquer um – ao ensinante são
outorgados a confiança e o direito de ensinar; por outro lado, o aprendente
possui, em si, estruturas que lhe permitem converter os signos transmitidos em
conhecimento.

No entanto, conhecimento não é o mesmo que sabedoria, ou melhor,


conhecer não significa saber. Alicia Fernández (2001a: 63) explica essa diferença:

o conhecimento é objetivável, transmissível de forma indireta ou


impessoal; pode ser adquirido através de livros ou máquinas; é factível
de sistematização nas teorias; enuncia-se através de conceitos. (O
conhecer tende a objetivar.) Em troca, o saber é transmissível só de
modo direto, de pessoa a pessoa, experimentalmente; não se pode
aprender através de um livro, nem de máquinas, não é sistematizável
(não existem tratados de saber); só de pode ser enunciado através de
metáforas, paradigmas, situações, histórias clínicas. O saber dá poder
de uso, mas o conhecimento não..

Conhecer não significa poder colocar em prática certas informações. Saber


é a apropriação do conhecimento e, portanto, sua aplicação. “Poder e saber
relacionam-se. ‘Saber é saber fazer’, ‘saber e prática de saber estão intimamente
ligados’”. (FERNÁNDEZ, 2001a: 64). Segundo Bollas (1989, apud FERNÁNDEZ,
2001a: 65),

o saber não é instintivo, nem um bloco irremovível. Pelo contrário, esse


saber, que embora careça de palavras conceituais para ser expresso,

 
30 
 
constrói-se pela experiência de vida na história do sujeito. O saber está
sempre em construção.

A informação está fora do sujeito e só é transformada em conhecimento


quando o aprendente passa a conhecê-la. O aprendente precisa construir o
conhecimento e, para tanto, recorrerá ao seu próprio saber para dar sentido à
informação.

O mérito maior do ensinante não é mostrar apenas conteúdos de


conhecimento: “ser ensinante significa abrir espaço para aprender. Espaço
objetivo-subjetivo em que se realizam dois trabalhos simultâneos: a) construção
de conhecimentos; b) construção de si mesmo, como sujeito criativo e pensante.”
(FERNÁNDEZ, 2001: 30). No processo de ensino e de aprendizagem,

entre o ensinante e o aprendente abre-se um campo de diferenças onde


se situa o prazer de aprender. O ensinante entrega algo, mas para poder
apropriar-se daquilo o aprendente necessita inventá-lo de novo. É uma
experiência de alegria, que facilita ou perturba, conforme se posiciona o
ensinante. (FERNÁNDEZ, 2001: 29).

Muito importante no papel do ensinante é o desejo sincero de que o outro


aprenda. Esse desejo é percebido pelo aprendente, que sente em si o potencial
de aprender depositado nele pelo ensinante. Aí está o caráter da subjetividade,
que, muitas vezes, é esquecido no processo de ensino-aprendizagem. Nesse
sentido, o ensinante oferece ao aprendente a “autorização de um lugar de sujeito
pensante.” (FERNÁNDEZ, 2001: 29).

Assim como é essencial para a aprendizagem a crença do ensinante no


aprendente, o desejo do aprendente em saber também o é. Dominar certo
conteúdo, uma habilidade – como andar de bicicleta, tocar violão, falar uma língua
estrangeira, escrever – é mais do que o motor do aprender: é o terreno onde se
nutre a aprendizagem.

Em nossa sociedade, os ensinantes são os pais, parentes mais próximos e


também os professores e colegas de escola. “Embora os professores precisem
possuir informação, sua função principal não é transmiti-la, mas propiciar

 
31 
 
ferramentas e espaço adequado (lúdico) onde seja possível a construção do
conhecimento.” (FERNÁNDEZ, 2001: 31).

O ensinante cumpre exitosamente o seu papel quando o aprendente já não


precisa dele para realizar certa ação, pois se apropriou do conteúdo aprendido.
No processo de aprendizagem, em que haja prazer em aprender, a vontade de
aprender do aprendente deve preceder o ato de ensinar do ensinante. O ideal é
que as iniciativas de ensino-aprendizagem surjam do desejo de aprender em si,
de um processo subjetivo, e não devido a um objetivo final, tais como estudar
inglês para um exame de proficiência ou atingir uma meta para se ter promoção
no trabalho. Nessa situação, em que não há o prazer ou realização pessoal, não
se dá o processo da apropriação do objeto aprendido pelo aprendente.

O aprender é um pretexto para desfrutar de uma alegria compartilhada


entre aprendente e ensinante. Aprender, segundo Fernández (2001),

é apropriar-se da linguagem; é historiar-se, recordar o passado para


despertar-se ao futuro; é deixar-se surpreender pelo já conhecido.
Aprender é reconhecer-se, admitir-se. Crer e criar. Arriscar-se a fazer
sonhos textos visíveis e possíveis. Só será possível que os professores
possam gerar espaços de brincar-aprender para seus alunos quando
eles simultaneamente os construíram para si mesmos. (FERNÁNDEZ,
2001: 36).

Um bom ensinante é um bom aprendente. Para ensinar, é preciso querer


aprender, pois o desejo de ensinar deve originar-se do desejo de aprender. A
grande prova de que o trabalho do ensinante foi bem feito é o fato de o
aprendente não precisar mais dele. O ensinante dá o protagonismo que leva o
aprendente a apropriar-se com alegria do que aprendeu e a desenvolver sua
autoria.

A interação entre aprendente e ensinante, no processo de aprendizagem,


começa pelo ensino do ensinante, porém termina na aprendizagem do
aprendente. E isso só é possível pelo desenvolvimento de autoria do aprendente
no processo, porque ele tem a oportunidade de praticar, tentar, arriscar-se e
apropriar-se do conhecimento no momento em que o ensinante lhe dá condições

 
32 
 
para tal, seja por meio de ferramentas, de orientação, mas, sobretudo pela
confiança depositada nele.

Essa sinergia só acontece quando o aprendente sente que o ensinante


está ao seu lado, compartilhando desafios e, ao mesmo tempo, a
responsabilidade. Dessa maneira, o aprendizado se torna de dupla autoria, de
uma parceria no qual ambos são os responsáveis pelo processo. As condições de
aprendizagem são as que caracterizam o conceito de autoria do aprendente. Essa
autoria só acontece porque o que o ensinante entrega ao aprendente não é o
conhecimento, mas os meios que lhe possibilitam se apropriar de tal
conhecimento. Como mencionado anteriormente, os meios são instrumentos
adequados ao aprendente, explicações acessíveis e, por fim, a cumplicidade para
acompanhá-lo durante o novo desafio.

Fernández (2001: 90) define autoria como o “processo e o ato de produção


de sentidos e de reconhecimento de si mesmo como protagonista ou participante
de tal produção”. O reconhecimento é uma etapa essencial no processo de
desenvolvimento da autonomia. A autoria de pensamento inicia-se com o desejo,
quer dizer, quando o sujeito se reconhece um ser desejante de algo, portanto,
pode movimentar-se, produzir ações para alcançar o que deseja.

A autoria de pensamento é “condição para autonomia da pessoa e, por sua


vez, a autonomia favorece a autoria de pensar. À medida que alguém se torna
autor, poderá conseguir o mínimo de autonomia.” (FERNÁNDEZ, 2001: 91). O
pensamento não é autônomo, mas sim vinculado ao desejo, ao querer. Assim, a
autoria do pensamento possibilita a autonomia do sujeito.

A principal função do ensinante é a de ajudar o aprendente a desenvolver,


em si, a autonomia no pensar para que se torne autor de pensamento. Como a
autoria do pensamento possibilita a compreensão da própria existência, ela abre o
caminho para se alcançar a mais preciosa condição da humanidade: a liberdade.

O professor, capaz de fazer com que os estudantes descubram o quanto


eles pensam e de responsabilizá-los pelo pensado, abre caminho para a
liberdade. Um ensinante só é capaz de fazer pelo outro aquilo que faz por si

 
33 
 
mesmo – ele também deve reconhecer-se autor de pensamento e, portanto, livre
para pensar.

O autor é aquele que cria uma obra e, reciprocamente, se faz autor pela
obra. Conforme cria, dá-se conta de que é autor. De novo aprende com o que sua
própria obra lhe mostra, coisa que não conhecia antes de criá-la. A aprendizagem
que compreendemos aqui neste trabalho é o ato de produção, o processo
construtivo do autor e da obra. Neste momento, é que se desenvolve o conceito
de autoria: “em um entre, entre a obra e seu produtor (que, por sua vez, é
produzido como autor pela obra), pelo reconhecimento que o mesmo possa fazer
de si mesmo a partir do ato de encontrar-se em sua obra.” (FERNÁNDEZ, 2001:
97).

Os primeiros processos de aprendizagem de uma criança são essenciais


para que ela tenha boas ou más condições de se desenvolver autonomamente no
decorrer de sua vida. Desde pequenas, as crianças têm oportunidades de
desenvolver a sua autonomia e sua autoria. Pensar é fazer. Pensar é ação. Será
na interação com um adulto – que incorpora o papel ou função de ensinante – que
a criança poderá se reconhecer autora de pensamento, portanto, de ações, uma
vez que, como afirma Fernández (2001: 99), “para reconhecer-nos autor, torna-se
necessário que um outro nos acompanhe reconhecendo o sujeito como autor de
seu discurso.”

Vivemos uma época em que somos muito pouco estimulados a pensar,


pois isso não interessa à sociedade de consumo em que vivemos. “Quanto menos
pensam os consumidores, mais comprarão o lhes é oferecido.” (Fernández, 2001:
107). Ao nos oferecer tantas opções de consumo, a sociedade nos tira, inclusive,
a capacidade desejante. Temos de saber voltar para nós mesmos a fim de
resgatar esse desejo. Quando se perde a capacidade de desejar, perde-se
também a de pensar, portanto, a de aprender.

O próprio desejo de aprender é um desejo de autoria. A vontade de passar


por certa experiência é a vontade de obter o prazer de entrar em contato com a
construção, com a aprendizagem. Ao reprimir uma criança de viver experiências
lúdicas espontâneas, cerceia-se sua autoria de pensamento. Muitas das
dificuldades de aprendizagem apresentadas na escola são resultado da
 
34 
 
dificuldade de as crianças pensarem por conta própria, de não conseguirem
sentir-se capazes de pensar ou de ter sequer o interesse em conhecer, saber,
aprender o novo. Conforme aponta Fernández (2001: 106),

precisamos disseminar a ideia de pensar e entrelaçá-la com a


experiência, a ação, a transformação. Pensar implica, necessariamente,
transformar(se). Quando digo “Eu penso”, estou dizendo que estou
construindo algo novo em relação ao que pensava antes.

A falta de contato com a experiência autoral, ou as más experiências, pode


fazer com que, como lembra a autora, nos momentos em que o estudante seja
solicitado a pensar por conta própria, tenha “sintomas individuais graves,
indicadores de angústia ou descontentamento, respostas reativas, psicoses e
problemas que a sociedade, em seu conjunto, não consegue encarar, como o
fracasso escolar, que é um processo da escola e não do aluno”. (FERNÁNDEZ,
2001: 107).

Após termos discorrido sobre o conceito que concebemos de educação,


vamos adentrar no conceito específico de Educação Linguística e suas duas
dimensões: a linguística e a pedagógica.

1.2. Conceito de Educação Linguística

A Educação Linguística (EL) é um processo de ensino-aprendizagem2, a


partir de uma relação horizontal entre ensinante e aprendente. A EL vê o
processo de aprendizagem como uma via de mão dupla – diferente da visão
tradicional do ensino de Língua Portuguesa, na qual o professor, como detentor
do saber, deposita no estudante seus conhecimentos sobre conteúdos
gramaticais e literários – em que o professor é visto como ensinante, e o aluno,
                                                            
2
Esta é uma das perspectivas da EL, como área de pesquisa, como propõe o grupo da PUC-SP
(PALMA, Dieli Vesaro et al, 2008).
 
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por sua vez, como aprendente. Esse aluno, porém, não tem o dever de acatar
tudo o que o professor lhe impõe como certo sobre o uso da língua.

Na EL, o professor funciona como mediador entre o saber a ser ensinado e


os aprendentes. Ele perde a posição autoritária sobre o aprendente e atua em um
ambiente de troca, no qual ambos constroem juntos o novo conhecimento sobre a
língua a ser abordado. Nessa nova perspectiva, a língua não é estudada a partir
da dicotomia do certo/errado, mas da adequação de suas diversas variantes
diante das situações de comunicação, incluindo a comunicação não verbal.
Portanto, na escola, estuda-se a linguagem.

O processo de ensino-aprendizagem da língua materna e a formação de


professores fazem parte dessa área de pesquisa em desenvolvimento da EL.
Esse fator tem sido objeto de grande preocupação, uma vez que os tempos
mudaram, obrigando o ensino, da educação básica ao nível universitário, a
adaptar-se às mudanças para cumprir sua missão.

Segundo Bechara (2006: 8), a EL “se constitui num promissor campo de


pesquisa e de resultados para a linguística e a educação”. Nas escolas de ensino
médio e nas universidades, onde tem sido sutil a influência científica dessas
pesquisas, na década de 1960, surgiu uma reação desastrosa ao chamado
tradicionalismo e à mudança (grifo do autor).

A EL defende a necessidade de se respeitar o saber linguístico que vem


com cada aprendente, mas não tira dele a possibilidade de ampliar e enriquecer
seu conhecimento inicial. É um erro quando se privilegia uma ou outra variante.
Todo falante deve ter domínio de diversas línguas funcionais para que possa se
comunicar e transitar em variadas esferas da sociedade. Para o autor, “o
indivíduo ‘dispõe’ dela [língua], para manifestar sua liberdade de expressão (...)
cada falante é um poliglota na sua própria língua” (idem: 13).

É dever do professor de língua portuguesa dar ao aprendente a liberdade


de se escolher a língua funcional3 que mais lhe convenha a cada momento de
produção linguística e de diferenciar as várias línguas que possam coexistir em
                                                            
3
Línguas funcionais são as variantes linguísticas que serão faladas dependendo do objetivo do
sujeito, no momento de interação verbal. A escolha da variante vai depender da função que ela
terá. (Cf. BECHARA, 2006).
 
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determinadas situações de comunicação. Em síntese, a EL centra-se na
linguagem e não mais na língua. É dessa maneira que se obtêm os ricos recursos
da linguagem no ato de comunicar entre indivíduos de uma sociedade.

A EL, concebida por Palma, Turazza e Nogueira Junior (2008), não se


restringe apenas ao ensino técnico da língua materna, mas sim à formação
integral do cidadão, de modo que ele tenha condições de exercer sua cidadania
plena. As linguísticas cognitivo-funcional e textual e trabalhos que priorizam o
discurso e a linguagem como ação estão na essência da EL.

Para os autores, a EL também é uma área de pesquisa em


desenvolvimento no que diz respeito ao ensino de língua materna,

cuja fundamentação teórica, do ponto de vista pedagógico, engloba


conceitos como transposição didática, contrato didático, situações
didáticas, a noção de obstáculo epistemológico, registros de
representação, a teoria dos campos conceituais e engenharia didática.
(PALMA, TURAZZA & NOGUEIRA JUNIOR, 2008: 221).

Pensando nessa concepção, não se pode desprezar o contexto político e


social em que o aprendente e o ensinante se encontram, pois tanto a escola
quanto o ensinante deverão adaptar-se aos seus tempos. Nos dias de hoje, o ato
educativo precisa ser visto na dicotomia ensino-aprendizagem. O eixo das aulas,
na escola contemporânea, não pode mais ser o ensinante, mas sim os
estudantes, aqueles que aprendem.

O processo de aprendizagem era considerado uma aquisição de


conhecimento, como lembra Paulo Freire (2005), em sua teoria sobre educação
bancária – na qual se “depositavam” conhecimentos nos alunos que, como caixas
eletrônicos, recebiam passivamente o que lhes era depositado. Hoje, o aprender
significa a produção de conhecimentos, com base nessa visão de ensino de
língua materna. Assim, a nova conjuntura exige transformações nos níveis
pedagógicos, técnicos e tecnológicos, para que a escola se adapte a seu tempo.

Nesse novo cenário, as ciências da linguagem passaram de uma linguística


do sistema (langue) para uma linguística do discurso. Isso fez com que o ensino
da língua também fosse repensado: passou-se a considerar o uso e não a
 
37 
 
homogeneidade da língua, priorizando a comunicação como tem proposto a
linguística cognitivo-funcional (cf. SILVA, 2004, apud PALMA, TURAZZA &
NOGUEIRA JUNIOR, 2008: 220).

Os autores reiteram a visão de Bechara (2006) sobre o papel da EL,


quando diz que a escola deve – ou deveria – tornar o estudante “um poliglota em
sua própria língua”, tendo condições de construir e desenvolver-se
linguisticamente em situações de comunicação. Para tanto, “além da competência
linguística, o falante deve ter ampliada sua competência textual, discursiva,
estratégica, estilística, entre outras.” (PALMA, TURAZZA & NOGUEIRA JUNIOR,
2008: 221).

Para ser coerente com a nova concepção de ensino da língua materna, a


EL substituiu termos para simbolizar os novos papéis assumidos. Ao substituir
aluno por aprendente, deixa mais explícito o processo pelo qual o indivíduo
deverá passar no seu aprendizado: ser sujeito, capaz de agir por meio do uso
adequado das formas linguísticas, ter uma postura ativa, produtiva, sem acatar
simplesmente o que lhe é ensinado. O papel do professor já não é o mesmo, mas
sim o de mediador “terminando com a hierarquia de poderes incutida nas antigas
designações professor/ aluno”. (GRAMMONT, 2011: 17).

O ensino da língua é visto como uma ação social, pois dá ao aprendente o


acesso à norma culta e às diversas variações que coexistem em uma
comunidade, manifestas nos mais diversos gêneros textuais que circulam na
sociedade. Ao fazer isso, a EL dá condições aos falantes de determinadas
comunidades linguísticas letradas de dominar um conjunto de conhecimentos
sócio-culturais.

Essa proposta pensa na formação do aprendente e do professor-ensinante.


Com foco no desenvolvimento da formação científica, a EL implica um novo perfil
de estudante: a de crítico-reflexivo. Muito diferente daquele que aplicava regras
ou estratégias sem compreender o porquê de seus usos, nem verificava seus
efeitos. Para que o ensinante garanta essa formação científica, ele também
deverá ter, em sua própria formação, essa mesma visão de ensino-aprendizagem,
tendo em conta que a graduação deverá ser apenas o começo de sua carreira
acadêmica.
 
38 
 
Os cursos de licenciatura devem, portanto, também garantir a formação de
professores poliglotas na sua própria língua, ou seja, que dominem
conhecimentos científicos e saberes a serem ensinados, interrelacionando a área
da linguística e a da pedagogia. Outro ponto importante que distingue a EL da
visão tradicional de ensino da Língua Portuguesa é a perspectiva da adequação e
da inadequação em função do seu uso, na diversidade de situações
comunicativas, que é visto ainda hoje, como erros e acertos gramaticais.

Para Lomas (2003: 14), o objetivo essencial da EL deve ser a melhoria da


competência comunicativa dos aprendentes, na sua dimensão expressiva e de
compreensão – o fazer com as palavras –, isto é, a

aquisição e o desenvolvimento do conjunto de conhecimentos,


habilidades, atitudes e capacidades que permitem, nas nossas
sociedades, um desempenho adequado e competente nas diversas
situações e contextos comunicativos da vida quotidiana.

Palma, Turazza e Nogueira Junior (2008), Lomas (2003) e Grammont


(2011) acreditam em uma visão de educação linguística que se opõe aos moldes
tradicionais de ensino da língua materna. Rechaçam o privilégio do conhecimento
técnico e dos aspectos estruturais da língua e valorizam o conhecimento dos
recursos comunicativos, ou seja, aqueles que dão condições aos falantes de
dominar os usos da linguagem não apenas como falantes, mas também como
ouvintes, leitores e escritores de textos de natureza e intenção diversas.

Gumperz e Hymes (1972: 7, apud LOMAS, 2003: 16) esclarecem que a


competência comunicativa refere-se à habilidade para agir e que

os analistas da competência comunicativa consideram os falantes


enquanto membros de uma comunidade, como expoentes de funções
sociais, e procuram explicar como eles usam a linguagem para se auto-
identificarem e levarem a cabo as suas actividades.

Assim, fica claro qual deve ser o eixo da EL. Diferente do ensino de língua
estrangeira, em que o aprendente deve ser apresentado às estruturas básicas da
 
39 
 
nova língua a ser alcançada e a expressões diárias de comunicação (requisitos
que o falante nativo de uma língua domina), o ensino de língua materna deve
mostrar a adequação de uso da sua própria língua, tanto no aspecto formal como
no social. O usuário, em comunidade linguística, não aprende todos os recursos
de como e quando se devem usar determinadas expressões, nem as diversas
variações que sua língua apresenta.

É dever da escola, portanto, apresentar aos aprendentes as características


de situações de comunicação com as quais eles conviverão em sociedade para
se adequar melhor a elas, apontando suas características, tais como os
interlocutores, a finalidade, a formalidade e todos os canais: escrita, oral e formas
não verbais.

Segundo Michael Breen (1987, apud LOMAS, 2003), uma das


características mais significativas das perspectivas comunicativas sobre o ensino
da língua é fazer com que os aprendentes não só adquiram um saber linguístico,
mas também um saber fazer coisas com palavras.

Lomas (idem: 18) elenca as competências comunicativas que um falante


deverá dominar:

a. Competência linguística ou gramatical: (...) o conhecimento da


gramática dessa língua e das suas variedades;
b. Competência sociolinguística: (...) o conhecimento das normas
socioculturais, associada à capacidade de adequação das pessoas
às características do contexto e da situação de comunicação;
c. Competência textual: (...) conhecimentos e habilidades para se
compreender e produzir diversos tipos de textos com coesão e
coerência;
d. Competência estratégica: (...) conjunto de recursos para solucionar
problemas de comunicação, com finalidade de tornar possível a
negociação do significado entre os interlocutores.

A aquisição da competência comunicativa só será bem sucedida, se for


trabalhada nas aulas de língua materna, na análise das estratégias verbais e não
verbais comuns em textos de circulação pública.

Lomas (op. cit.), ao se dirigir aos professores de língua materna, diz que o
bom resultado depende de uma mudança de postura em relação às suas aulas,
ou seja, eles devem refletir cotidianamente se suas ações têm contribuído, de
 
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fato, para o desenvolvimento da competência comunicativa de seus aprendentes.
Ele recomenda que o professor-mediador pense em que medida o conteúdo
linguístico selecionado e a forma como é abordado colabora para o aprendizado
das habilidades comunicativas do falar, escutar, ler, entender, escrever, no âmbito
não apenas escolar, mas social, do estudante.

Para ficar ainda mais clara a dimensão linguística da EL, como mencionado
anteriormente, apresentaremos, a seguir, alguns de seus elementos: linguagem,
língua, norma, variação linguística, gêneros textuais e texto.

1.2.1. Dimensão linguística

Uma questão muito importante no ensino da língua materna são os temas


que guiam o professor em sua prática de sala de aula. Eles são a fundamentação
teórica que todos devem ter em sua formação e dominá-los para poder ensinar,
com propriedade, a língua materna e os ricos recursos que ela apresenta. Nesse
sentido, examinaremos as noções de linguagem, língua, norma, variedade
linguística, texto e gêneros textuais.

1.2.1.1. Linguagem

O conceito de linguagem é tão importante quanto o que se deve ter sobre


educação, pois é ele que irá direcionar a prática docente nas aulas de língua
materna, no caso do Brasil, de Língua Portuguesa.
Existem três visões de linguagem: a primeira concebe-a como expressão
do pensamento – isso significa que o que se pensa é traduzido em fala. Se o
sujeito não se expressa “bem”, quer dizer que ele não pensa. Por essa
perspectiva, vê-se a enunciação como um ato independente das circunstâncias
que constituem a situação social e que depende apenas do que um indivíduo
traduz de seu pensamento.

 
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A segunda visão entende a linguagem como comunicação, portanto o que
está em jogo é a mensagem que se quer transmitir a outrem. A língua é vista
como estrutura – Saussure (2006) a chamaria de langue, vista de acordo com a
concepção estruturalista da língua, e Chomsky de competência, vista segundo a
concepção gerativo-transformacional.
Como lembra Carvalho (2010: 16), atualmente, parece que o ensino da
Língua Portuguesa, nas escolas brasileiras, tem-se baseado nessa concepção de
linguagem, pois “grande parte das aulas é dedicada ao ensino da gramática, mais
especificamente, de nomenclatura gramatical, ou seja, da língua como estrutura,
um código, sincrônico, homogêneo.”
Finalmente, a que vê a linguagem como forma ou processo de interação,
em que a realidade fundamental da língua é o diálogo, no lato sensu. A
enunciação depende das situações de comunicação, dos interlocutores e do
efeito de sentido que se quer conseguir. As linhas de pesquisas que trabalham
com essa perspectiva são todas as que, de alguma forma, estão ligadas à
Pragmática. É essa a perspectiva adotada pela EL, pois considera a linguagem
para além da estrutura da língua; a vê como uma construção, que se dá no
momento da interação.

1.2.1.2. Língua, norma e uso (variações linguísticas)

A língua, objeto de estudo da linguística, é um sistema composto por


palavras que formam frases que, por sua vez, podem formar textos. Dentro de
cada sistema, há uma possibilidade finita de usos, pois o princípio deles é o de
comunicação e compreensão mútua entre os integrantes de determinada
comunidade linguística.
Em uma visão estruturalista, estuda-se a língua apenas como um sistema
fechado de possibilidades entre seleções e combinações de palavras que foram
convencionadas, socialmente, para permitir o exercício da faculdade de
linguagem.

 
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Uma língua viva implica, necessariamente, a ideia de mudança e de
variação, isso porque, para que tenha esse status, ela precisa ser posta em uso
por seus usuários, e eles, enquanto estiverem vivos, estão suscetíveis às
mudanças sociais. Portanto, pode-se concluir que, conforme afirma Leite (2005:
183), “o uso propicia variações linguísticas”.

Há aqueles que relutam em aceitar a língua como uma entidade mutável.


Para eles, existe apenas uma forma de usá-la, e qualquer desvio é considerado
erro gravíssimo. Existem, porém, inúmeras possibilidades de uso, pois os
usuários de uma língua são variados e trazem, por meio da fala e da escrita,
muito de sua identidade.

Neste trabalho, consideramos a língua como um meio de comunicação


posto em uso por um grupo social que, com o fim de se fazer compreender
mutuamente por meio dele, constitui a comunidade linguística. (cf. Leite, 2005).

As variações linguísticas têm algumas origens: umas provindas do próprio


falante – referentes à sua origem geográfica e à sua classe social, categorizadas
de dialeto –, e outras, das circunstâncias em que são faladas, distinguidas pelo
grau de formalidade que elas exigem – chamadas por Halliday (cf. Leite, 2005) de
situação de comunicação em que o falante se encontra, categorizadas por
registros ou níveis de fala.

Se, por um lado, a língua é considerada um sistema de possibilidades de


realizações linguísticas, por outro lado, a norma, segundo Coseriu (apud LEITE,
2005: 186), é “um sistema de realizações obrigadas, de imposições sociais e
culturais, e varia segundo a comunidade”. As imposições são tacitamente
determinadas ou instituídas pelos próprios integrantes da comunidade linguística,
evidenciando a língua como uma instituição social.

Dentre tantas normas linguísticas coexistentes no Brasil – de acordo com


cada dialeto, de cada falante da língua portuguesa –, há uma denominada culta,
que é a linguagem padrão, que todos querem alcançar. O falante, no uso que faz
da língua, sofre duas pressões: a de falar como todos os integrantes da sua
comunidade e a de respeitar a norma materializada em manuais como gramáticas
prescritivas.

 
43 
 
É essa norma prescritiva, chamada culta, ensinada na escola, que possui
grande prestígio social e é considerada, hierarquicamente, superior às outras
normas. Se, por acaso, o falante desconhece a norma culta e faz um uso
inapropriado segundo a visão da comunidade, ele é repreendido, apesar das
variadas possibilidades de uso que a língua oferece.

No campo morfológico, por exemplo, a língua apresenta opções de


combinações entre bases nominais e sufixos, porém, nem todas são bem aceitas.
Iniciativas podem vir a ser aceitas, se passadas por importantes validações,
como, segundo Bechara (1990), a palavra de o léxico estar a serviço do texto,
seguindo as regras de formação e sua adequada expressividade de comunicação.

A Pragmática baseia-se no uso que se faz da língua na prática. Sua


perspectiva considera que há tantas normas quanto grupos sociais houver. (cf.
LEITE, p.193). A norma prescritiva, segundo a Pragmática, é o uso extraído da
língua literária (por isso, estagnada) que, por estar codificada e ser considerada
de maior prestígio social pela comunidade linguística, é a escolhida a ser
ensinada por meio da escola.

Leite (2005: 194) afirma também que a linguística antropológica parte do


princípio de que “a língua é um fato social, um veículo simbólico que, portanto,
não pode ser analisada fora do ambiente em que se atualiza”. Para Aléong (1983,
apud Leite, 2005: 180), autor dessa premissa, existe uma dicotomia na língua que
se classifica como normal/normativo, sendo que o primeiro refere-se à frequência
de comportamentos observados dentro de uma comunidade linguística, e o
segundo, ao que é imposto a essa comunidade por meio de um código rígido,
escrito. Existem, portanto, as normas implícitas – próprias de cada grupo social,
que se transformam, a partir do uso, de acordo com as atualizações dos falantes
próprias de cada interação – e as normas explícitas, codificadas e divulgadas,
sobretudo pela escola, gramáticas e dicionários. É necessário ressaltar que
ambas são consideradas e nenhuma é desprezada.

Embora a língua culta seja somente uma das muitas normas existentes em
uma comunidade, ela ganha um caráter que a difere das outras a partir do
momento em que ganha prestígio social e se torna parâmetro de maior, ou menor,

 
44 
 
conhecimento da língua. Quanto mais se domina essa norma, mais domínio se
tem dela.

É fundamental esclarecer que quem determina qual norma deverá ser


utilizada é a própria comunidade, dependendo da situação de interação. Como
lembra Bakhtin (2010: 262), “qualquer enunciado considerado isoladamente é,
claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do
discurso.” (grifos do autor). Consequentemente, se o gênero em que os falantes
estão atuando exigir a norma atualizada pela comunidade, os usuários deverão se
adequar à interação, assim como se ele exigir a língua culta, eles deverão
obedecer às regras da gramática prescritiva.

Sobre os termos dicotômicos norma culta X norma popular, há muitas


controvérsias, pois a própria conceituação dos termos é difícil de ser realizada.
Ficou, então, estabelecido que culta é a norma que mais se aproxima da tradição
da língua, da gramática prescritiva ou da norma explícita e, em oposição,
determinou-se que popular, ou menos culta, seria qualquer norma que se
diferenciasse da tradição.

A norma culta não tem os mesmos usos quando se trata da modalidade


oral. A partir das análises feitas pelo Projeto NURC/SP – Projeto de Estudo da
Norma Linguística Urbana Culta no Brasil, coordenado pelo Prof. Dr. Dino Preti,
notou-se que é falada uma linguagem comum, caracterizada por traços tanto da
norma culta quanto das normas populares.

As variações linguísticas, portanto, têm duas principais origens: o usuário


da língua, com suas características socioculturais, e o uso, que se diferencia por
seus registros formais e informais. Indissociáveis um do outro, devem estar em
acordo com o gênero discursivo, adequados à situação de interação.

Linguisticamente, a hierarquização se dá por quão profundamente se


conhecem os recursos linguísticos e, assim, com quanta facilidade um falante
pode transitar entre as normas coexistentes em uma língua, “sempre que a
interação exigir” (LEITE, 2005: 206). Os estudos linguísticos da variante culta
referentes à fala mostraram que, segundo Preti (1994, apud LEITE, 2005: 207),

 
45 
 
existe uma linguagem comum usada pelos falantes cultos que mistura tanto
características de usuários da língua tanto de baixa como de alta escolaridade.

A norma linguística de prestígio está fortemente associada aos valores


culturais mais do que aos de natureza ética, moral ou estética. A escolha pelo
português padrão como língua prestigiada, no caso do Brasil, é uma herança
colonial, que pode ser desmistificada. O uso que se faz da língua ilustra o status
social e cultural que determinado indivíduo possui ou ao qual pertence. O papel
da escola é ensinar a língua da cultura dominante e eliminar os seus desvios.

Pesquisas científicas da área da linguística apontam a relação direta entre


a padronização de uma língua e o nível de modernização de um Estado. O
problema de um código-padrão está no difícil acesso que a população tem a ele.
A escola deve levar em consideração as diferenças sociolinguísticas,
principalmente aquelas que são trazidas pelos próprios estudantes, sem
desrespeitá-los por não terem o domínio da língua padrão. O desafio é trazer o
estudante ao mundo letrado a partir do seu próprio mundo linguístico, valorizando-
o. Deve mostrar-lhe como dizer o que ele já sabe, porém de outras formas e
trabalhar a ideia de que ele terá, na verdade, que se adaptar às situações de
comunicação sempre que necessário.

A realidade linguística brasileira tem muitas peculiaridades que a difere das


de outros países. Por isso, existe a necessidade da busca por uma metodologia
mais apropriada para os estudos e análises dos usos linguísticos brasileiros. O
Brasil pode ser analisado sob duas perspectivas: por características de
sociedades tradicionais – em que há grande variação no repertório verbal e
acesso limitado à norma-padrão – e por marcas de sociedades modernas, como
uma maior permeabilidade de papéis sociais, permitindo a ascensão social e
maior fluidez nas variedades linguísticas.

Como no Brasil a língua padrão é associada diretamente ao prestígio


social, as diferenças contextuais e de situação de comunicação tornam-se
irrelevantes. É ainda mais complexa a tarefa da escola de agregar aos estudantes
uma nova variante – a padrão – sem detrimento das demais variantes,
conhecidas por eles. Esse quadro se intensifica quando se constata que “traços
fonológicos e morfossintáticos característicos de variedades populares fazem
 
46 
 
também parte dos estilos informais no repertório verbal dos falantes de língua-
padrão” (BORTONI-RICARDO, 2005: 29). Por isso, o desafio de uma política
educacional que, ao mesmo tempo, divulgue a língua-padrão e preserve as
variações populares, torna-se mais difícil de ser superado.

Propiciar o domínio das variantes linguísticas, para além da norma culta,


deveria ser a função da escola, segundo a EL, pois, assim, poderia formar
cidadãos poliglotas na sua própria língua, como propõe o Prof. Dr. Evanildo
Bechara (2006). Tanto as variantes linguísticas quanto os gêneros textuais são
linguagens que circulam em nossa sociedade, seja na modalidade oral, seja na
escrita.

1.2.1.3. Gêneros textuais

De acordo com Marcuschi (2008), anteriormente, o termo gênero era ligado


somente aos gêneros literários. Nos últimos anos, houve um grande número de
publicações em torno da questão dos gêneros textuais. Hoje, a noção se
expandiu não só aos estudos literários, mas a toda categoria de discurso. Essa é
a grande diferença dos estudos atuais.

No Brasil, existem várias tendências no tratamento dos gêneros textuais.


Dentre elas, podemos citar algumas das principais teorias: a sócio-histórica e
dialógica (Bakhtin); a comunicativa (Steger, Gulich, Bergmann, Berkenkotter);
sistêmico-funcional (Halliday); a sociorretórica, de caráter etnográfico voltada para
o ensino de segunda língua; a interacionista e a sociodiscursiva de caráter
psicolinguístico e atenção didática, voltada para a língua materna e a análise
crítica e sociorretórica, sócio-histórica e cultural. A perspectiva adotada para este
trabalho é aquela que surgiu a partir de Bakhtin e que hoje é desenvolvida por
autores como Marcuschi (2008), Bazerman (2009), Dolz e Schneuwly (2004).

Os gêneros textuais nascem da necessidade de se estabelecer novas


formas de interação dentro das esferas de atividade humana e têm o propósito de
atender a certa demanda. Além disso, servem como organizadores e
 
47 
 
“reguladores” das atividades executadas nessas esferas, já que, para facilitar a
comunicação, muitos deles mantêm algumas características bastante
semelhantes que são determinadas pelas esferas de atividade em que atuam,
funcionando como “espelhos”, pois refletem suas relações e suas formas de
organização.

Bakhtin (2010) afirma que é, por meio de enunciados concretos e únicos,


que a vida entra na língua, ou seja, os enunciados são unidades reais da
comunicação emanadas de um determinado indivíduo de uma determinada esfera
de atividade humana. Para esse autor, essas esferas são diversas e multiformes,
já que estão relacionadas com a vida e, consequentemente, com toda a sua
mudança histórica e social. Entretanto, toda vez que um indivíduo, integrante de
uma determinada esfera, se comunica, ele o faz por meio de enunciados que,
além de apresentar suas individualidades, mostram também características do
campo em que estão inseridos.

Nesses campos, constituem-se e atuam “tipos relativamente estáveis de


enunciados”, ou seja, os gêneros discursivos emergem com determinadas
condições e propósitos comunicativos a fim de facilitar a comunicação entre os
seus integrantes. Por isso, os gêneros só podem ser compreendidos dentro da
esfera da atividade humana em que se constituem e atuam, pois fora do seu
campo social, perdem seu caráter sócio-histórico, – aspecto fundamental para
entendê-los como atos sociais que “regulam” e organizam a vida social.

É importante destacar o caráter dialógico dos gêneros que, por serem


formas reguladoras de interação dos campos sociais ao qual estão vinculados,
não podem ser entendidos como modelos estanques e fechados a serem
seguidos. Dessa forma, o conceito de “regulador” precisa ser apreendido de forma
ampla.

Numa tentativa de conceituar os gêneros, Bakthin (idem) caracteriza-os por


seu conteúdo temático, sua construção composicional e por seu estilo. Ressalta
que o estilo está intrinsecamente ligado à natureza histórica dos gêneros, pois
eles refletem as mudanças sofridas ao longo do tempo pela esfera em que se
constituem e em que atuam.

 
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Bazerman (2009) também acata a mesma concepção, quando, ao
examinar o texto na sociedade, destaca que os gêneros textuais, por serem
categorias sócio-históricas, estão sempre em constante mudança e são o que as
pessoas reconhecem como gêneros em um determinado momento do tempo – ou
seja, estão intrinsecamente ligados à vida social e às transformações vividas em
sociedade. Esse autor observa que o homem, como ser social integrado a uma
determinada sociedade, deve agir colaborativamente, e os gêneros são formas
textuais típicas com finalidades específicas, utilizadas pelo ser humano em
determinadas situações com o objetivo de compartilhar significados, tendo em
vista propósitos práticos, ou seja, facilitar a comunicação no meio cultural a que
se encontra vinculado.

O autor destaca a origem dos gêneros que, na sua grande maioria, têm
como base a oralidade. Alguns deles são desmembramentos de gêneros
fundadores que vão se desenvolvendo num processo histórico-cultural interativo
dentro de instituições e atividades preexistentes. Nesse sentido, como Bakhtin
destaca, é importante trabalhar-se com a compreensão de seu funcionamento na
sociedade e na sua relação com indivíduos situados em uma determinada cultura
e suas instituições.

Partindo dessa observação, Bazerman (2009: 32) destaca os conjuntos de


gêneros – “coleção de espécies de textos que uma pessoa, num determinado
papel tende a produzir” – e sistemas de gêneros – “conjuntos de gêneros
utilizados por pessoas que trabalham juntas de forma organizada”. São esses
sistemas de gêneros que organizam a produção e a circulação de gêneros numa
dada instituição, pois, em geral, são extensões de outros preexistentes, embora
um esteja condicionado ao outro, formados por encadeamentos de uma série de
textos que se correlacionam. Mas, mesmo que os gêneros sejam bastante
tipificados, eles permitem mudanças porque os conhecimentos, tanto os
individuais quanto os partilhados, vivem renovando-se e adaptando-se aos novos
contextos.

Apesar de o conceito de gêneros textuais como fenômenos sócio-históricos


que se constituem como ações sobre o mundo ter se tornado muito conhecido, é
de extrema importância o aprofundamento do tema, com o objetivo de entendê-
 
49 
 
los no que se refere à sua funcionalidade, na prática educativa. Faz-se
necessário, neste momento, destacar a contribuição dos gêneros para ordenar e
estabilizar as atividades comunicativas cotidianas, pois, assim podemos
compreendê-los como formas indissociáveis de qualquer situação comunicativa,
já que surgem da necessidade de se facilitar a comunicação no meio cultural a
que se encontram vinculados, como postula Bazerman (2009).

Para Dolz & Schneuwly (2010), é, por meio dos gêneros textuais, que as
práticas de linguagem se materializam na escola e fornecem suporte para a
atividade nas situações de comunicação fora dela, constituindo-se numa
referência para os aprendentes. Comprova-se, dessa forma, a afirmação de
Schneuwly (idem) de que se aprende a escrever a partir da apropriação dos
utensílios da escrita.

Os gêneros como entidades culturais intermediárias, cuja finalidade é a de


consolidar os elementos formais e rituais das práticas da linguagem, têm papel
fundamental na aprendizagem, uma vez que podem funcionar como um mega-
instrumento para oferecer apoio para a atividade nos contextos de comunicações
e, ainda, uma referência aos alunos, conforme asseguram Dolz & Schneuwly
(1999). Entretanto, ao trabalhar com gêneros, a escola forçosamente produz
“...uma inversão em que a comunicação desaparece quase totalmente em prol da
objetivação e o gênero torna-se uma pura forma linguística cujo objetivo é o seu
domínio” (DOLZ & SCHNEUWLY,1999: p. 8).

Partindo dessas considerações e buscando realçar o papel central dos


gêneros como objetos e instrumento para o desenvolvimento da linguagem,
segundo Doz & Schneuwly(idem), é preciso levar em consideração os objetivos
da introdução de um determinado gênero na escola. Além disso, é preciso
considerar que eles sofrerão transformações, pois não estão mais no lugar social
em que foram originados. Assim, o gênero, no espaço escolar, perde sua função
e seu propósito comunicativo, tornando-se apenas modelos estanques a serem
seguidos ou instrumentos para a correção gramatical.

Estudar a língua por meio das práticas sociais de linguagem é deixar de


realizar, na escola, o ensino de língua como sistema de regras, como se tinha

 
50 
 
antes, como orientação. O que se quer hoje para a educação básica é o ensino
da língua materna, visando a formar cidadãos críticos e não teóricos linguistas.

Os gêneros caracterizam-se como eventos textuais muito flexíveis,


dinâmicos e plásticos; são praticados de acordo com as necessidades e
atividades socioculturais; e, são entidades sociodiscursivas e formas de ação
social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. (MARCUSCHI, 2004).

Guimarães (2005) afirma que, apesar de a escola trabalhar com gêneros,


seus ensinamentos ficaram sempre restritos aos aspectos estruturais ou formais
do texto que, dificilmente, são utilizados como objeto de ensino. Constata,
também, que a proposta pedagógica vigente, relativa aos gêneros textuais, ainda
não foi apropriada pelos docentes da escola brasileira.

Um ponto preocupante nessa nova perspectiva de ensino é que os gêneros


transformem-se em um modismo, como ressalta Biasi-Rodrigues (2002). O fato
de os estudos serem muito recentes, não houve tempo suficiente para que os
maiores interessados no assunto, os professores, pudessem se apropriar dos
conceitos e colocá-los em prática de maneira adequada. Portanto, há chance de
que continuem fazendo o que sempre fizeram, apenas passando a chamar essa
prática de gênero textual, uma vez que recebem “orientações pedagógicas”
impostas sem as devidas orientações.

Guimarães conclui que somente um sério trabalho de formação docente


poderá mudar essa realidade nacional. Ao ser implementado, esse trabalho
deverá possibilitar que o professor saia do papel de mero expectador da realidade
da sala de aula para se envolver no próprio processo de formação, permitindo que
os conhecimentos produzidos na academia integrem o universo escolar.

Os mais recentes estudos e pesquisas voltados para o ensino da língua


portuguesa mostram que o ensino, na perspectiva do gênero textual, pode ser um
recurso dos mais apropriados para o desenvolvimento da expressão oral e escrita
da língua materna.

Houve a inclusão desse aspecto nos Parâmetros Curriculares Nacionais de


Língua Portuguesa, dos 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental e Ensino Médio. A
questão que também se vem discutindo é a aplicação das teorias nas práticas

 
51 
 
escolares. Isso, porém, não é um problema novo, pois já faz tempo que se
questiona a viabilidade de os professores colocarem em prática o que os
pesquisadores constatam em suas investigações acerca de educação e ensino de
língua. Há muitos avanços das teorias; no entanto, eles não têm interferido ou
influenciado em mudanças na dinâmica dentro das salas de aula.

Enquanto as pesquisas evoluem, o corpo docente continua alheio à


evolução e, com a formação inicial que chega às escolas, não tem condições de
atualizar o ensino. Como de praxe, os professores são deixados de lado nas
decisões e recebem prontas e fechadas novas metodologias baseadas nos mais
recentes estudos que não dominam. Por isso, lhes falta a competência devida
para a prática apropriada.

Preocupados com a adequada compreensão e assimilação dos gêneros


textuais pelos alunos, Dolz, Schneuwly e Noverraz (2010) elaboraram as
chamadas “sequências didáticas”, que são um conjunto de atividades escolares
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral e
escrito. A EL elege o gênero textual como base do ensino de Língua Portuguesa,
pois é, por meio dele, que os aprendentes interagem e interagirão socialmente,
quando adultos.

1.2.1.4. Texto

Pelo fato de, em algumas línguas, os termos texto e discurso serem


empregados como sinônimos, houve uma preocupação em fazer a distinção entre
eles para assim esclarecer em qual acepção será tomado o texto.

Ele pode ser tomado no sentido amplo (lato) como toda e qualquer
manifestação da capacidade do ser humano de expressar-se, como uma música,
um filme, uma escultura, um poema etc. Em se tratando de linguagem verbal, há
o discurso – atividade comunicativa que engloba o conjunto de enunciados
produzidos pelo locutor (ou pelo locutor e interlocutor, no caso dos diálogos) e o
evento de sua enunciação. (cf. FÁVERO, 2009).

 
52 
 
Em sentido estrito, o discurso é manifestado, linguisticamente, por meio de
textos. Nesse caso, o texto consiste em qualquer passagem falada ou escrita que
forma um todo significativo, independente de sua extensão. Trata-se de um
contínuo comunicativo contextual caracterizado pelos princípios de textualidade.
(cf. KOCH & FÁVERO, 2007: 26). Quando concebido como resultado parcial de
nossa atividade comunicativa, o texto realiza-se por meio de processos,
operações estratégicas que têm lugar na mente humana e são postos em ação
em situações concretas de interação social. Koch & Vilela (2001) destacam que

a produção textual é uma atividade verbal, a serviço de fins sociais e,


portanto, inserida em contextos mais complexos de atividades; trata-se
de uma atividade consciente, criativa, que compreende o
desenvolvimento de estratégias concretas de ação e a escolha de meios
adequados à realização dos objetivos; isto é, trata-se de uma atividade
teológica que o falante, de conformidade com as condições sob as quais
o texto é produzido, empreende, tentando dar a entender seus
propósitos ao destinatário através da manifestação verbal; é uma
atividade interacional, orientada para os parceiros da comunicação, que,
de maneiras diversas, se acham envolvidos na atividade de produção
textual.

Ingedore Villaça Koch e Vanda Maria Elias (2008) afirmam, no livro Ler e
compreender os sentidos do texto, que o texto é

lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele se


constituem e são constituídos; que, por meio de ações linguísticas e
sociocognitivas, constroem objetos-de-discurso e propostas de sentido,
ao operarem escolhas significativas entre múltiplas formas de
organização textual e as diversas possibilidades de seleção lexical que a
língua lhes põe a disposição.

Essa concepção implica que, em todo e qualquer tipo de texto, há


implícitos dos mais variados tipos a serem desvendados por meio da interação
entre autores e leitores, no momento da leitura. Essa é a visão que a EL tem de
texto.

 
53 
 
1.2.2. Dimensão pedagógica

Apresentada a dimensão linguística, nesta segunda parte do capítulo,


abordaremos a outra dimensão que compõe a EL: os seus aspectos pedagógicos.
Aqui, trataremos da transposição didática referente à adequação que determinado
saber a ser ensinado será submetido para que possa ser aprendido da melhor
forma, pelo estudante. Focalizaremos também o contrato didático, que deve ser
articulado entre as partes diretamente relacionadas no processo de ensino-
aprendizagem para que ele seja possível. Em seguida, veremos as situações
didáticas que caracterizam a situação em que esse processo se dará e também
sinalizaremos que o professor-mediador deverá tomar cuidado com os obstáculos
epistemológicos que poderá encontrar no caminho, para que, no lugar de ensinar,
não confunda ainda mais seus aprendentes. Finalmente, abordaremos os
registros de representação, as teorias dos campos conceituais e de engenharia
didática.

1.2.2.1. Transposição didática

A transposição didática descreve as transformações pelas quais passam os


saberes científicos a fim de se tornarem saberes a serem ensinados, “é o estudo
dos processos evolutivos pelos quais passa a formação do objeto de estudo”
(PAIS, 2010: 11). As noções de transposição e saber estão, essencialmente,
conectadas entre si – é comum que se remeta à transposição para que seja
possível a síntese de saberes.

Enquanto o saber é descontextualizado e relacionado a contextos


científicos histórico-social, o conhecimento se refere a contextos individuais e
subjetivos, podendo estar relacionado ao caráter empírico. Segundo Chevallard
(1991, apud PAIS, 2010: 15),

 
54 
 
um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como saber
a ensinar, sofre então um conjunto de transformações adaptativas
que vão torná-lo apto a tomar lugar ente os objetos de ensino. O
trabalho que, de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de
ensino, é chamado transposição didática.

Existem verdadeiras criações didáticas – termo proposto por Chevallard –


que são agregadas à lista oficial dos conteúdos dados pela escola com o intuito
de tornar a aprendizagem mais fácil. São justamente elas que diferenciam o saber
científico do saber ensinado. A transposição didática pode ser analisada com
base em três saberes: o saber científico – diretamente associado à vida
acadêmica–, o saber a ensinar – ligado a uma forma didática, que serve para a
apresentação do saber ao estudante, comumente encontrado nos livros didáticos,
programas, outros materiais de apoio – e o saber ensinado – que coincide com a
intenção nos objetivos programados, registrados nos planos de aulas do
professor.

É natural que o saber científico não esteja diretamente vinculado ao ensino


médio e fundamental, porém ele deveria contribuir para o desenvolvimento crítico
do aprendente, dando preferência aos valores éticos da educação. Para que esse
saber seja ensinado a estudantes adolescentes, é necessária uma transformação
por meio de um trabalho didático efetivo para a prática educativa. Surge, assim,
uma metodologia pautada em uma proposta pedagógica.

O saber a ensinar exige a criação de um modelo teórico que ultrapassa as


fronteiras do saber técnico, específico. Nessa etapa, predomina uma teoria
didática voltada para a atividade do professor.

O saber ensinado é o conteúdo registrado no plano de aula do professor,


nem sempre coincidente com o saber a ensinar. Não se pode garantir que,
individualmente, o resultado de aprendizagem coincida com o conteúdo ensinado
e, por isso, é possível que o seu significado original (saber científico) praticamente
desapareça. Ele está sob o controle do contrato didático estabelecido na relação
professor-aluno. Portanto,

 
55 
 
a transposição didática significa uma maneira de expressar o verdadeiro
espírito de vigilância intelectual na prática educativa. [grifo do autor] [...]
No contexto educacional, interessa destacar o problema da transposição
das práticas sociais para o contexto escolar. [...] Proporcionar uma
educação mais próxima da realidade e minimizar os efeitos impositivos
da uma “cultura escolar”, nem sempre legítima do ponto de vista social.
(PAIS, 2010: 44).

O conteúdo escolar não deve se reduzido ao senso comum. É preciso que


ele se constitua no saber do aprendente. Atualmente, avaliações como SAEB e
ENEM mostram que saberes e competências, que deveriam ser aprendidos, não
o são.

A transposição didática é um modelo teórico que aponta para uma possível


perda de significado do saber, ao transformar o saber científico em saber a
ensinar. Ela envolve noções que, mesmo sendo necessárias à aprendizagem,
com muita frequência, não são ensinadas.

Da mesma forma que existe um estudo para quais saberes serão


ensinados e como realizar seu ensino, para que essa transposição de saberes
seja posta em prática, é necessário que se prepare o ambiente para isso. Esse
preparo direciona-se, então, para a relação dos agentes envolvidos no processo
de ensino-aprendizagem, por meio de um contrato didático, que rege a relação
didática construída.

1.2.2.2. Contrato didático

A relação didática professor-saber-estudante é regida por cláusulas, nem


sempre explicitadas, que constituem o chamado contrato didático. Essas
cláusulas referem-se ao comportamento do estudante esperado pelo professor e
vice-versa.

O contrato didático existe em função da aprendizagem do estudante. A


partir do momento em que o contrato didático permanece sem alteração por muito
tempo, atitudes e procedimentos de professores persistem os mesmos. Por essa

 
56 
 
razão, os estudantes estão acostumados a ser cobrados e a ter também
determinadas ações e reações específicas.

Apesar de a maior parte das regras ser implícita, elas não deixam de ser
coercitivas e cumpridas. Em alguns momentos, elas podem ser explicitadas, como
na apresentação de uma atividade específica, em que se fará necessário o
estabelecimento do que o professor espera do estudante para o trabalho e os
critérios utilizados para a correção. Essa definição de regras, inclusive, faz parte
da apresentação do curso aos educandos.

A ruptura do modelo antigo de contratos didáticos é bem-vinda para a


garantia do aprendizado dos estudantes. São valorizados os contratos com
aprendentes que possuem semelhança com a figura do pesquisador e com
atividades iniciadas por situações-problema em que os educandos resolvem
questões e, ao final, o professor sistematiza o conceito que se pretende construir.
Nesse contexto, o erro não é mais uma falha, mas, sim, uma contribuição para a
construção do conhecimento.

A estratégia adotada de ensino definirá o contrato didático a ser


estabelecido e, posteriormente, adaptado a diferentes contextos: escolhas
pedagógicas, tipo de atividades solicitadas aos estudantes, objetivos de formação
etc.

O item a seguir tratará da forma como os saberes, então selecionados e


adaptados ao ensino, serão apresentados aos estudantes. Essas formas são
chamadas de situações didáticas. São situações que favorecem a interação e a
construção conjunta entre professor-mediador e aprendentes, de um novo saber.

1.2.2.3. Situações didáticas

Segundo Brousseau (1986, apud FREITAS, 2010: 77), as situações


didáticas são as formas de apresentação de um saber a estudantes,
possibilitando uma melhor compreensão do fenômeno da aprendizagem. Esse

 
57 
 
autor vê a base do trabalho didático na problematização e tem como hipótese que
se “aprende por adaptação a um meio que produz contradições e desequilíbrios.”
(FREITAS, 2010: 78).

A situação didática representa uma referência para o aprendizado em sala


de aula, englobando o professor, o aprendente e o conhecimento. Esse
componente do processo de ensino e aprendizagem valoriza os conhecimentos
trazidos por estudantes, seu envolvimento na construção de novos saberes e
também o trabalho do professor, que consiste em criar condições suficientes para
que o aluno se aproprie de conteúdos específicos.

O meio é um dos elementos importantes da situação didática, pois é nele


que se provocam transformações – com o fim de desestabilizar o sistema didático
– e o aparecimento de conflitos, contradições e possibilidades de aprendizagem
de novos conhecimentos.

A situação didática será caracterizada por uma intenção do professor de


possibilitar a aprendizagem de um determinado conhecimento pelos estudantes.
Para Brousseau (1986: 8, apud FREITAS, 2010: 80),

uma situação didática é um conjunto de relações estabelecidas


explicitamente e ou implicitamente entre um aluno e um grupo de alunos,
num certo meio, compreendendo eventualmente instrumentos e objetos,
e um sistema educativo (o professor) com a finalidade de possibilitar a
estes alunos um saber constituído ou em vias de constituição (...) o
trabalho do aluno deveria, pelo menos em parte, reproduzir
características do trabalho científico propriamente dito, como garantia de
uma construção efetiva de conhecimentos pertinentes.

Por essa perspectiva, o papel do professor é criar condições para que o


estudante aprenda, em menos tempo, noções que demorariam muito para serem
construídas. Sua função vai além da mera comunicação de conhecimentos, mas o
que Brousseau chama de devolução, uma transferência de responsabilidade. O
professor deve seduzir os educandos para o aprofundamento em determinado
conteúdo, de maneira que aprendam não apenas porque alguém quer, mas, sim,
porque eles têm interesse. Se esse interesse ocorre, começa então o processo de
aprendizagem.

 
58 
 
Outra característica essencial das situações didáticas é a independência
dos estudantes no processo de aprendizagem, sem o controle direto do professor
sobre o conteúdo ministrado. O mestre poderá passar aos aprendentes a
responsabilidade da pesquisa, criando condições para se apropriarem da
situação. Esta é, segundo Brousseau (idem), a chamada situação adidática,
associada à proposta construtivista no sentido de levar o aprendente à produção
de conhecimento, ou seja, a ser autor de novos conhecimentos por meio da
pesquisa. As situações adidáticas não podem ser confundidas com situações não-
didáticas, aquelas que não foram planejadas visando à aprendizagem.

Um tipo de aprendizagem apontada por Brousseau (cf. Freitas, 2010) é a


aprendizagem por adaptação – que se opõe à tradicional memorização e
automatização de conhecimentos –, pela qual o aprendente terá de se adaptar a
novos desafios, colocados para ele nas situações didáticas.

As situações didáticas, caracterizadas pelas situações adidáticas no seu


percurso, são a principal diferença entre o ensino tradicional – que implica a
transmissão de conhecimento pelos professores e meras técnicas de fixação
pelos estudantes – e a proposta da Educação Linguística. No percurso, deve
haver condições para que o aprendente chegue, por ele mesmo, a conclusões e
consiga desenvolver-se autonomamente. Para que esse trabalho autônomo dos
sujeitos aprendentes efetivamente aconteça, eles deverão ser continuamente
estimulados e motivados a pesquisar e superar suas dificuldades, obtendo
conquistas por seu próprio mérito, desenvolvendo seu próprio caminho de
superação. Em algum momento da situação didática, será necessário que o
professor sistematize o conteúdo em questão – vale lembrar que sempre haverá
um conteúdo em questão – e, nessa circunstância, a situação caracterizar-se-á
novamente pelo controle do ensinante.

Os desafios postos aos aprendentes deverão estar de acordo com o nível


de conhecimento, respeitando a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP),
conceito proposto por Vygotsky (2007), cujos limites variam de indivíduo para
indivíduo em relação a diferentes âmbitos de desenvolvimento, tarefas e
conteúdos. E a pessoa mais indicada para essa escolha é o professor da turma,
pois tem mais contato com ele e assim conhece melhor a sua realidade.
 
59 
 
Brousseau (op. cit.) categoriza algumas situações didáticas e adidáticas. A
situação adidática de ação implica, necessariamente, um aspecto empírico do
conhecimento, sem a preocupação de resultar em uma teoria que esclareça ou
justifique a validade de sua conclusão. Na situação adidática de formulação, o
estudante fará inferências no decorrer da sua interação com o problema proposto,
sem a obrigação nem a cobrança de validação. Já a situação adidática de
validação, indissociável da de formulação, é aquela em que os aprendentes
pretendem validar ou refutar proposições, no que se refere tanto ao
conhecimento, quanto às elaborações e declarações a propósito dele.

A situação de institucionalização é justamente a que, após ter apresentado


o problema e dadas as condições para que ocorram as situações adidáticas – nas
quais os estudantes são protagonistas de seu próprio aprendizado pesquisando e
indo a campo –, o professor volta à cena com a sistematização dos problemas
vividos, proposições formuladas e validadas a respeito deles e, em conjunto com
os estudantes, finaliza a situação didática do conteúdo em questão.

Como o objetivo da educação linguística não é apenas que o aprendente


saiba obedecer às regras da norma culta, mas transitar por quantas normas
linguísticas as interações o exigirem – adequando sempre a sua linguagem à
situação de comunicação –, as situações didáticas possibilitam uma melhor
apreensão desse saber escolar pelo aluno.

O essencial das situações adidáticas é a ideia de que o professor não


entrega aos estudantes as respostas, mas faça com que eles sejam autores do
conhecimento, tornando essa aprendizagem mais significativa e podendo
reproduzir essa mesma situação escolar em situações de vivências pessoais,
ainda que não seja com a finalidade educacional.

A situação adidática só é possível por meio do estabelecimento do diálogo


entre o ensinante e o aprendente. Assim, está nas mãos do ensinante oferecer
oportunidades de participação do aprendente no processo de aprendizagem.
Segundo o processo de aprendizagem da psicologia genética de Piaget (apud
Freitas, 2010), o aprendizado ocorre sempre por meio da adaptação a uma
situação de contradição e dificuldade, de maneira que o aprendente possa
reorganizar seu pensamento na construção do saber. Dessa forma, o aprendente
 
60 
 
assimilará o conteúdo ensinado. As situações didáticas e adidáticas propiciam o
desenvolvimento do pensamento autoral e a constituição de sujeitos, uns dos
objetivos da EL.

Em oposição a essa visão construtivista de aprendizagem, existe o método


tradicional de ensino, que se baseia no conteúdo, sustentando-se na
aprendizagem a partir de métodos de memorização. É verdade que, em alguns
momentos da aprendizagem, faz-se necessária a fixação e memorização de
certos conteúdos. Esse método parece ser muito benéfico, porém não se pode
basear-se inteiramente nele quando falamos em EL.

Como recurso para transformar um conteúdo científico em didático, ou


seja, mais fácil de ser aprendido, muitas vezes os professores criam espécies de
macetes, fórmulas, esquemas para ajudar aos alunos a entenderem aquele
conteúdo. O problema aparece quando o aluno fixa apenas o macete e não o
saber em si. Nesse caso, esse “recurso” pode se transformar em um obstáculo
epistemológico, que é justamente o que veremos a seguir.

1.2.2.4. Obstáculo epistemológico

Segundo Houaiss & Villar (2003: 204), a epistemologia tem dois possíveis
significados: o primeiro é o “estudo do conhecimento, especificamente o
conhecimento científico, sua natureza, seu processo de aquisição, seu alcance e
seus limites, e das relações entre o objeto do conhecimento e aquele que o
busca; a teoria do conhecimento”; o segundo é o “estudo sobre o conhecimento
científico, seus diferentes métodos, suas teorias e práticas, sua evolução na
história e no desenvolvimento das sociedades; teoria da ciência”.

Como o estudo do conhecimento científico, a epistemologia apresenta


muitas facetas: histórica, filosófica, social ou psicológica. A epistemologia clássica
considerava a ciência como “uma acumulação linear e contínua das descobertas
mais ou menos individuais” (IGLIORI, 2010: 118); em contrapartida, estudos

 
61 
 
contemporâneos afirmam que, ao longo do desenvolvimento do conhecimento
científico, produzem-se mudanças muito importantes e inesperadas.

Segundo Brousseau (1983 apud IGLIORI, 2010), a análise epistemológica


permite a um pesquisador, no campo da Educação Matemática, a identificação de
obstáculos entre as dificuldades encontradas no processo de aprendizagem.
Permite também ao didata medir as disparidades existentes entre o “saber sábio”
e o “saber a ser ensinado” [grifo nosso].

A noção de obstáculo epistemológico – por meio do qual se assenta o


conhecimento científico – apareceu, pela primeira vez, em Bachelard (1938, apud
IGLIORI, 2010: 120), no livro A formação do espírito científico. No ato do conhecer,
da aprendizagem, aparecem as perturbações e as lentidões, causa da inércia do
pensamento, chamadas, por ele, de obstáculos epistemológicos, que aderem ao
conhecimento não questionado.

No entanto, foi Brousseau (1983 apud IGLIORI, idem: 123) quem trouxe esse
conceito para a Educação Matemática, como meio de identificação de causas de
dificuldade de aprendizagem, constitutivo de um saber mal-adaptado e como
ferramenta de análise para erros recorrentes e, portanto, não aleatórios cometidos
por estudantes. A partir desses estudos, o erro passou a ser visto de outra forma:
o que antes era tomado como ignorância ou incerteza começou a ser considerado
“efeito de um conhecimento anterior, que tinha seus interesses, seus sucessos,
mas que agora se revela falso ou simplesmente mal adaptado”. (BROUSSEAU,
1998: 119 apud IGLIORI, 2010: 126).

Entre os três tipos de obstáculos, no sistema didático, considerados por


Brousseau, estão os de ordem epistemológica, de que não se pode nem se deve
escapar, pois se constituem no conhecimento visado. (cf. IGLIORI, 2010: 128).

Duroux (1982, apud IGLIORI, 2010: 128) reitera essa nova perspectiva sobre
os obstáculos epistemológicos, outrora considerados erros e sinais de ignorância,
afirmando que

um obstáculo é um conhecimento, uma concepção, não uma dificuldade,


ou falta de conhecimentos. Esse conhecimento produz respostas

 
62 
 
adaptadas num certo contexto, frequentemente reencontrado. Mas ele
engendra respostas falsas a esse contexto.

Como exemplo de obstáculos recorrentes na EL, podemos citar o caso do


uso das vírgulas que, desde as séries iniciais, os estudantes aprendem que nunca
se deve usá-las antes da conjunção aditiva ‘e’; elas servem apenas para separar
termos enumerados, ou que o seu uso é sempre obrigatório quando há uma
pausa/ respiração ao longo do texto. Mais adiante, esses alunos verão que o seu
emprego não se restringe a apenas esses casos, mas a outros tantos que podem,
inclusive, conflitar com essas primeiras regras apreendidas.

Outro caso recorrente no ensino de língua materna são os chamados


“macetes”, muitas vezes ensinados em cursinhos pré-vestibulares, quando os
aprendentes têm um curto prazo para rever muitos conteúdos. Esses “macetes”
são como fórmulas que os ajudariam a encontrar certos termos de orações, no
caso da análise morfossintática, por exemplo, ao identificar os objetos diretos ou
indiretos com termos que respondas às perguntas “o quê?” e “a quem?”. Dessa
forma, os professores estão estimulando os aprendentes a identificar, de forma
equivocada, um termo da oração e não a entendê-lo efetivamente, podendo, em
outro momento, não saber se adequar a variadas complexidades de análise a que
poderá estar exposto.

A EL preocupa-se com os obstáculos epistemológicos, na medida em que


impossibilitam a construção do conhecimento pelos aprendentes. Além disso, eles
podem trazer uma ideia equivocada do estudo da língua materna, pois uma vez
que são aprendidos macetes e não construídos conhecimentos, o que é feito em
sala de aula fica esvaziado de sentido. Dessa forma, os aprendentes não
entendem a função das aulas de língua, formando-se um bloqueio no
aprendizado.
Outro aspecto da dimensão pedagógica são as formas de representação
de um mesmo saber científico. Um dos objetivos didáticos no ensino da língua
portuguesa é que os estudantes possam interpretar diferentes textos e identificar
também se eles estão representando um mesmo conteúdo, ou não. Assim como
fazê-los produzir, sempre que haja necessidade, uma mesma ideia, por formas

 
63 
 
diferentes de representação. Esse tópico são os registros de representação
discutidos a seguir.

1.2.2.5. Registros de representação

Pesquisas no campo da educação matemática apontam grande


preocupação com a aquisição de conhecimentos, seu desenvolvimento e, mais
ainda, como se dão os seus registros de representação no processo de
aprendizagem. É importante, então, diferenciar o objeto de estudo e a sua
representação. Não se pode confundir um com outro, pois um mesmo objeto
(conceito) pode ter mais de uma representação, em mais de um registro.

Como vimos anteriormente, um professor tem por objetivo a socialização


do conhecimento científico por meio da transposição e das situações didáticas.
Para alcançá-la, dispõe de alguns registros de representação dos conceitos a
serem socializados. Um conceito só é apreendido, de fato, quando o aprendente
tem condições de fazer adaptações do conceito em registros diferentes de
representação, de saber aplicar o conceito em outras situações, não
necessariamente de finalidade didática.

São três aproximações da noção de representação as estabelecidas por


Duval (1993 apud DAMM, 2010: 171-3):

• Representação subjetiva e mental, que estuda as crenças, as


explicações e as concepções das crianças diante dos fenômenos
físicos e naturais. Por ela se estuda a conversão de representações.
Quando transpomos isso para linguagem, podemos lembrar-nos do
próprio pensamento da criança, como ela pensa o mundo,
metaforicamente, e não necessariamente passa pela linguagem
verbal, nas figuras de linguagem.
• Representações internas ou computacionais, que privilegiam o
estudo do tratamento que se dá às representações. São internas e
não conscientes do sujeito. Nesse ponto, nos referimos à própria
linguagem verbal, que traduz o pensamento. Essa linguagem é
incorporada por nós, na nossa infância, pela convivência com outras
pessoas adultas na comunidade em que vivemos.
• Representações semióticas são externas e conscientes ao sujeito.
Têm uma dualidade: forma (o representante) e conteúdo (o

 
64 
 
representado). “(...) são relativas a um sistema particular de signos,
linguagem natural, língua formal, escrita algébrica ou gráficos
cartesianos, figuras” (Duval, 1994: 3, apud Damm, 2010: 173). (...)
Elas têm a função de comunicar as representações mentais, são
essenciais para as atividades cognitivas do pensamento. (idem,
Ibidem: 177) Essas representações conscientes do sujeito, são os
recursos da língua que vamos adquirindo e aprendendo no decorrer
da vida por meio de processos formais de aprendizagem, como na
escola.

Segundo Duval (1995a: 2 apud DAMM, 2010: 172), “a representação é


então a Forma sob a qual uma informação pode ser descrita e levada em conta
em um sistema de tratamento”. [grifo do autor].

Converter uma representação é “mudar a forma pela qual um


conhecimento é representado” (DOUADY, 1984, apud DAMM, 2010: 173). É de
suma importância que o ensinante tenha claro qual o objetivo do seu curso, para
poder/saber usar o registro de representação de tal conteúdo mais adequado. O
mais relevante não é o registro em si, porém a forma como ele está sendo
tratado. A aprendizagem de qualquer área do conhecimento está,
intrinsecamente, ligada à compreensão de diferentes registros de representação.
(cf. DAMM, 2010).

Nas aulas de língua portuguesa, um mesmo conhecimento pode ser


representado de diversas maneiras, por exemplo, quando um ensinante pede a
um aprendente fazer uma ilustração, representando um texto escrito, ou por meio
de transposições de um gênero textual a outro.

1.2.2.6. Teoria dos campos conceituais

Ainda com o intuito de estudar a construção do conhecimento, Vergnaud


(1981:10 apud FRANCHI, 2010:211) desenvolveu a teoria dos campos
conceituais, acreditando que o conceito não consiste apenas de símbolos, “mas
também de conceitos e noções que refletem ao mesmo tempo o mundo material e
a atividade do sujeito no mundo material”.

 
65 
 
A teoria dos campos conceituais de Vergnaud (1990: 133 apud FRANCHI
(2010: 191), é definida como

uma teoria cognitivista que visa a fornecer um quadro coerente e alguns


princípios de base para o estudo do desenvolvimento e de aprendizagem
de competências complexas, notadamente das que revelam das ciências
e das técnicas.

Nessa teoria, Vergnaud (1995 apud FRANCHI, 2010: 174), ainda explica
que os processos cognitivos são processos de longo prazo e são entendidos
como “aqueles que organizam a conduta, a representação e a percepção, assim
como o desenvolvimento de competências e de concepções de um sujeito”.

Gerard Vergnaud e Éric Plaisance (2003) explicam, no livro As ciências da


Educação, que a teoria dos campos conceituais é um quadro teórico que torna
possível a integração dos conceitos mencionados anteriormente, do ponto de
vista psicológico. Ao longo do processo de aprendizagem, da experiência ou
práxis, conforme traz Paulo Freire (1989), são desenvolvidos repertórios de
competências e de concepções. Sendo uma teoria pragmática, recorre às noções
de situações e das ações dos sujeitos.

Vergnaud e Plaisance (2003: 76) defendem a teoria dos campos


conceituais afirmando que:

Um argumento essencial a favor do estudo de campos conceituais, mais


que de conceitos isolados, é que um conceito ganha sentido em
situações de grande variedade; que não se analisa uma situação graças
a um conceito único, mas graças a um conjunto deles; e que os mesmos
aspectos do mesmo conceito não são adequados para tratar diferentes
situações ou para diferentes procedimentos de tratamento.

As situações mencionadas nesse texto não devem se confundir com as


situações didáticas citadas por Brousseau (op. cit.). Nessa concepção, elas são
pensadas “como um dado complexo de objetos, propriedades e relações num
espaço e tempo determinados, envolvendo o sujeito e suas ações”. (FRANCHI,
2010: 193).

 
66 
 
Um conceito não se limita a uma simples definição dada por meio de um
texto, mas o que há subjacente às competências e permite que a ação do sujeito
seja, cognitivamente, operatória. Sua operacionalidade abrange diversas
situações, “manifestando-se sob uma variedade de ações e de esquemas”
(FRANCHI, 2010: 200) – formas estruturais da atividade, organizações invariantes
da atividade do sujeito sobre uma classe de situações dadas.

No contexto das aulas de Língua Portuguesa, imaginemos a produção de


um gênero textual, como uma receita culinária. Para o desenvolvimento dessa
atividade, os aprendentes devem ter compreendido o conceito de receita culinária,
entender, portanto, sua estrutura textual. Deverão saber que devem ser
selecionados, primeiramente, os ingredientes, para que depois se elabore o modo
de preparo. Além claro, dos aspectos linguísticos, como a escolha dos modos e
tempos verbais adequados, tanto do infinitivo, quanto do imperativo.

No próximo tópico, trataremos da engenharia didática, que tem por objetivo


sistematizar a pesquisa na prática docente, levando em consideração todos os
aspectos pedagógicos didáticos, mencionados anteriormente.

1.2.2.7. Engenharia didática

A engenharia didática é uma metodologia de pesquisa e recebe esse nome


por ter seu trabalho muito semelhante ao de um engenheiro, basicamente
empírica, que parte de um conhecimento científico de seu domínio e se limita ao
controle de tipo científico, porém tem de trabalhar com objetos mais complexos
que os científicos e enfrentar problemas não considerados pela ciência.

A engenharia didática pode ser vista tanto como uma metodologia de


pesquisa, como uma produção para o ensino, como explica Douady (1993 apud
MACHADO, 2010: 234): “uma sequência de aulas concebidas, organizadas e
articuladas no tempo, de forma coerente, por um professor-engenheiro, para
realizar um projeto aprendizagem para certa população de alunos”. O laboratório

 
67 
 
da pesquisa em didática varia, desde escritório de trabalho, sala de aula, escola,
sociedade, a própria história.

Artigue (1988 apud MACHADO, 2010: 235) caracteriza a engenharia


didática como um “esquema experimental baseado sobre ’realizações didáticas’
em sala de aula, isto é, sobre a concepção, a realização, a observação e a
análise de sequências de ensino”. É dividida em dois níveis: micro e
macroengenharia, que se complementam. O primeiro estuda um determinado
assunto, considerando a complexidade dos fenômenos de sala de aula; o
segundo são pesquisas que permitem compor a complexidade da
microengenharia com a dos fenômenos ligados à duração nas relações ensino/
aprendizagem. (Cf. Machado, 2010).

A metodologia da engenharia didática de pesquisa/ensino compõe-se de


quatro fases, das quais a primeira é de análises preliminares – essenciais para o
embasamento da concepção da engenharia, por meio do conhecimento prévio
dos aprendentes, já adquirido sobre o tema abordado. Em seguida, é a vez da
concepção e da análise a priori das situações didáticas. A terceira fase é a da
experimentação, em que os aprendentes vivenciam o tema a ser estudado e, por
último, é feita, após os resultados da experiência, a análise a posteriori e, enfim, a
validação.

As análises preliminares funcionam como um diagnóstico dos aprendentes,


tantos dos conhecimentos prévios em relação ao conteúdo a ser estudado,
quanto ao quadro didático geral, por meio das análises (Cf. MACHADO, 2010):

I. Epistemológica dos conteúdos contemplados pelo ensino;


II. Do ensino atual e de seus efeitos;
III. Da concepção dos alunos, das dificuldades e dos obstáculos que
determinam sua evolução;
IV. Do campo dos entraves no qual vai situar a efetiva realização
didática.

A partir dos dados levantados nas análises preliminares, será possível


compor a concepção e a análise a priori da engenharia. A análise a priori tem
duas partes, descritiva e previsiva. Nela, deve-se:

 
68 
 
- descrever cada escolha local feita (eventualmente, relacionando-as às
escolhas globais) e as características da situação adidática decorrentes
de cada escolha;
- analisar qual o desafio da situação para o aluno, decorrente das
possibilidades de ação, de escolha, de decisão, de controle e de
validação de que ele disporá durante a experimentação;
- prever os comportamentos possíveis e mostrar no que a análise
efetuada permite controlar o sentido desses comportamentos; além
disso, deve-se assegurar que, se tais comportamentos ocorrem,
resultarão do desenvolvimento do conhecimento visado pela
aprendizagem. (MACHADO, 2010: 243).

O aprendente tem um papel de destaque nessa fase; o papel do ensinante


é recuperado, em partes, no contrato didático e nas situações de
institucionalização, que são aquelas em que o ensinante sistematiza o os
principais resultados obtidos na pesquisa.

A fase da experimentação é aquela em que uma gama de aprendentes


realiza a engenharia. Ela supõe:

- explicitação dos objetivos e condições de realização da pesquisa à


população de alunos que participará da experimentação;
- o estabelecimento do contrato didático;
- aplicação dos instrumentos de pesquisa;
- registro das observações feitas durante a experimentação (observação
cuidadosa descrita em relatório, transcrição dos registros audiovisuais,
etc.). (MACHADO, 2010: 244).

É importante que, durante a experimentação, seja respeitado o


planejamento que foi deliberado nas análises a priori, para que não prejudique as
confrontações feitas das análises a priori e a posteriori, no momento da validação,
na quarta fase. As análises a posteriori são o momento em que se dá o
tratamento dos dados obtidos durante a fase anterior, de experimentação
constante de observações realizadas em cada aula, assim como das produções
realizadas pelos aprendentes, dentro e fora da sala de aula. (cf. MACHADO,
2010).

No momento da validação, são validadas ou refutadas as hipóteses


levantadas no início da engenharia.

 
69 
 
Caracterizada a Educação Linguística, no próximo capítulo, trataremos da
pedagogia da leitura.

 
70 
 
CAPÍTULO II

PEDAGOGIA DA LEITURA

A pedagogia da língua não pode ser concebida como uma receita pronta e
acabada ou uma simples aplicação de instrumentos pedagógicos em aula.
Baseando-se na visão de língua plural e na importância da sua apropriação, em
situações adequadas de uso, Figueiredo (2004: 12) propõe uma pedagogia da
língua concebida “como um acto de construção da prática pedagógica sempre
renovada”.

Nessa perspectiva, Antunes (2003), Figueiredo (2004) e Rego (2009)


tratam das pedagogias da língua, abordando seus aspectos específicos, com o
fim de colaborar e dar suporte teórico-pedagógico aos professores para lograrem
boas práticas em sala de aula. Lembramos, ainda, que isso não significa que a
língua seja fragmentada. Com fins didáticos, separa-se o ensino de língua, em
pedagogia, do oral, do escrito, do léxico-gramatical e da leitura. Apesar de
separadas, estão, articuladamente, nas aulas de língua e, mais do que isso, no
dia-a-dia dos falantes.

Focalizamos, neste trabalho, a pedagogia da leitura, nosso objeto de


análise. Sua finalidade é reunir elementos para a análise do corpus, que será
construída no terceiro capítulo.

A leitura, apesar de ser essencial na formação do aprendente, não tem


recebido a importância merecida. É possível que isso aconteça também por certa
ignorância do que ela significa. Para alguns, talvez seja poder ler em voz alta o
que está escrito; para outros, a mera identificação das palavras, ou até a
compreensão do que se decodificou e, para uma minoria, a possibilidade de
reflexão sobre o que se percebeu escrito e, portanto, a realização de inferências e
relações com outros conhecimentos do leitor.

Para nós, a escola deverá ensinar, de forma significativa, a leitura, de


modo que o aprendente construa uma base sólida como leitor, tanto de textos
 

71 

 
literários como de não literários. Dessa maneira, o ensinante terá uma tarefa
muito importante: a de transmitir ao aprendente o desejo de ler. Dessa forma, ele
construirá sua autonomia, sendo cidadão capaz de continuar a desenvolver-se
social, intelectual e profissionalmente.

Os objetivos da pedagogia da leitura são, segundo Figueiredo (2004: 59),

fazer refletir sobre a leitura e o seu ensino através da história recente;


compreender que os novos Programas de Ensino exigem outros modos
de ler; fazer desenvolver no aluno, por meio da leitura, capacidades
afectivas e intelectivas; saber pôr em prática modalidades de leitura de
forma a ser o aluno a resolver os problemas; saber criar no aluno
motivações para a leitura; fomentar no aluno autonomia e competência
de leitor. [grifo da autora].

Conceituada a pedagogia da leitura, nas próximas seções, focalizaremos a


leitura na visão dos paradigmas tradicional, cognitivo e sociointeracional. Pelo
paradigma cognitivo da leitura, abordaremos os três modelos cognitivos e as suas
estratégias. Por fim, trataremos do desenvolvimento de leitura na escola e da
formação de leitores.

2.1. O que é ler? Por que ler?

A leitura tem muita importância, na sociedade letrada, em que vivemos.


Apesar de não ser tão necessária, quanto no passado, em que não havia
televisão e rádio, a mídia áudio-visual não substituiu a necessidade da leitura de
textos escritos. Adler & Doren (2010: 25) questionam os benefícios que a
tecnologia trouxe, para aquisição de conhecimento:

Muita gente, hoje em dia, acha que a leitura já não é tão necessária
quanto foi no passado. O rádio e a televisão acabaram assumindo as
funções que outrora pertenciam à mídia impressa, da mesma maneira
que a fotografia assumiu as funções que outrora pertenciam à pintura e
 

72 

 
às artes gráficas. Temos de reconhecer – é verdade – que a televisão
cumpre algumas dessas funções muito bem; a capacidade do rádio em
transmitir informações enquanto estamos ocupados – dirigindo um carro,
por exemplo – é algo extraordinário, além de nos poupar muito tempo.
No entanto, é necessário questionar se as comunicações modernas
realmente aumentam o conhecimento sobre o mundo à nossa volta.

Estamos vivendo, nos dias atuais, uma superexposição às informações de


âmbito mundial, propiciada, em grande parte, pelo desenvolvimento da tecnologia,
que acontece em rápidas proporções. O acesso aos fatos, que aparentemente é
algo bom para o entendimento e compreensão do mundo, pode ser desastroso,
pois “uma montanha de fatos pode provocar o efeito contrário, isto é, pode servir
de obstáculo ao entendimento.” (ADLER & DOREN, 2010: 25).

A mídia, grande responsável pela facilidade no acesso à informação,

é projetada para tornar o pensamento algo desnecessário – embora, é


claro, isso seja apenas mera impressão. O ato de empacotar ideias e
opiniões intelectuais é uma atividade à qual algumas das mentes mais
brilhantes se dedicam com grande diligência. (ADLER & DOREN, 2010:
26).

A postura do telespectador, se comparada com a do leitor, é de


passividade diante das novas informações que chegam até ele, o que pode trazer
certo comodismo. Assim, o sujeito perde a visão crítica perante os novos fatos e
acontecimentos do mundo.

Neste contexto, estimular o hábito da leitura torna-se um desafio mais difícil


de ser superado. O comodismo afasta do sujeito a possibilidade de conhecer os
prazeres do mundo letrado. Segundo Bellenger (1979: 17), “ler revela a
capacidade que cada pessoa tem para gozar sua própria liberdade. Ler é tomar
uma iniciativa. É indício de vontade, prova de tenacidade.” Apesar de o hábito de
leitura ser reconhecidamente importante, a construção desse hábito não é fácil,
ainda mais quando compete com a tecnologia áudio-visual, como televisão, rádio,

73 

 
internet, vídeo-game etc... Para superar o desafio, apresentamos as motivações
para a leitura e o que a faz ser atraente aos leitores.

2.1.1. Motivações para a leitura

O que leva um sujeito a ser leitor não é a consciência da importância da


leitura, mas, sim, motivações e interesses que correspondem à personalidade de
cada um e seu desenvolvimento intelectual. (cf. BAMBERGER, 1991). Para
entender melhor, diferenciemos motivações de interesses.

Motivação está relacionada diretamente a “impulsos e intenções


logicamente determinados que orientam o comportamento”, enquanto interesse é
determinado por “atitudes e experiências emocionais”. (BAMBERGER, 1991: 32).
Distinto de uma mera preferência, caracterizada pela passividade, o interesse é
dinâmico e ativo. Não é uma simples escolha, mas um objetivo a ser alcançado,
no qual o sujeito faz um esforço para atingi-lo.

Com o intuito de explicar não só a importância da leitura em nossa


sociedade, mas também de aclarar o porquê de as pessoas leitoras lerem,
elencamos, a seguir, o resultado de uma pesquisa feita sobre os hábitos de
leitura, divulgada por Richard Bamberger (1991), no livro Como incentivar o hábito
de leitura:

1. a primeira motivação para ler é simplesmente a alegria de praticar


habilidades recém-adquiridas, o prazer da atividade intelectual recém-
descoberta e do domínio de uma habilidade mecânica;

74 

 
2. a leitura impulsiona o uso e treino de aptidões intelectuais e espirituais,
como a fantasia, o pensamento, a vontade, a simpatia, a capacidade de
identificar etc;

3. a leitura suscita a necessidade de familiarizar-se com o mundo, enriquecer


as próprias ideias e ter experiências intelectuais; portanto, formação de
uma filosofia da vida, compreensão do mundo que nos rodeia;

4. tais motivações e interesses íntimos, geralmente não percebidos


conscientemente pela criança, correspondem a concepções definidas de
sua experiência: prazer em encontrar coisas e pessoas familiares (histórias
ambientais) ou coisas novas e não-familiares (livros de aventuras), desejo
de fugir da realidade e viver num mundo de fantasia (contos de fadas,
histórias fantásticas, livros utópicos), necessidade de auto-afirmação,
busca de ideais (biografias), conselhos (não-ficção), entretenimento (livro
de esportes etc.).

O maior desafio dos ensinantes, sejam eles os familiares, sejam os


professores, é não só o de encontrar quais os impulsos e interesses dominantes
dos aprendentes em questão, mas também o de apresentar-lhes ao prazer da
leitura, o que, na grande parte das vezes, é ignorado no processo de
desenvolvimento da leitura. João Wanderley Geraldi (2006), no livro organizado
também por ele, O texto na sala de aula, lembra uma das formas de leitura que
permite essa relação com o ler:

com “leitura – fruição de texto” estou pretendendo recuperar de nossa


experiência uma forma de interlocução praticamente ausente das aulas
de língua portuguesa: o ler por ler, gratuitamente. E o gratuitamente aqui
não quer dizer que tal leitura não tenha um resultado. O que define esse
tipo de interlocução é o “desinteresse” pelo controle do resultado.”
(GERALDI, 2006: 98). 

Antes, porém, de adentrar nos aspectos teóricos da leitura, cito a definição


de leitura de Bellenger (1979: 17), que traduz a discussão anterior e que
adotamos neste trabalho:
 

75 

 
Ler é identificar-se com o apaixonado ou com o místico. É ser um pouco
clandestino, é abolir o mundo exterior, deportar-se para uma ficção, abrir
o parêntese do imaginário. Ler é muitas vezes, trancar-se (no sentido
próprio e figurado). É manter uma ligação através do tato, do olhar, até
mesmo do ouvido (as palavras ressoam). As pessoas lêem com seus
corpos. Ler é também ser transformado de uma experiência de vida, é
esperar alguma coisa. É sinal de vida, um apelo, uma ocasião de amar,
sem a certeza de que se vai amar. Pouco a pouco o desejo desaparece
sob o prazer.

A leitura pode ser vista por meio de três paradigmas distintos, cujas
abordagens e a relação da leitura no ambiente escolar serão apresentadas no
próximo tópico.

2.2. Paradigmas de leitura e suas respectivas abordagens

Na história da linguística, existiram dois paradigmas, o estruturalismo de


Saussure e o gerativismo de Chomsky. O primeiro considerava a língua como um
sistema, uma estrutura, independente do homem e do seu contexto; o segundo,
concebia a língua vinculada ao homem, porém o considerava um falante ideal,
que possuía competência para usufruí-la. (Cf. SUGAYAMA, 2011).

Com os estudos interacionistas, na década de 1980, há um rompimento


desses paradigmas, surgindo outros que levavam o discurso em consideração.

São três os paradigmas de leitura analisados: o tradicional, o cognitivista e


o sociocultural. O primeiro leva em conta apenas a decodificação dos signos
como processo de leitura, sem considerar a subjetividade do sujeito, ignorando os
processos individuais – aqueles que o nosso cérebro realiza durante o processo
de leitura. O significado está no próprio texto e independe do leitor.

O segundo paradigma considera o aspecto cognitivo do sujeito envolvido


durante o processo de leitura, as estratégias que utilizamos enquanto lemos e

76 

 
também a interação entre leitor, texto e autor. Nesse paradigma, existe mais de
uma abordagem: as que veem a relação entre leitor e texto e as que veem a
relação entre leitor, texto e autor.

O terceiro vai além da visão cognitivista, pois não considera apenas as


estratégias a que recorremos enquanto lemos, como ocorre na interação entre
leitores ativos, o texto e o autor, mas o que se faz com o que se lê no momento
em que se compartilha a leitura. A leitura, no paradigma sociocultural, é e deve
ser um processo de construção coletiva.

2.2.1. Paradigma tradicional

O paradigma tradicional de leitura, presente em grande parte das escolas


até hoje, concebe o sentido do texto independente do leitor-sujeito e o seu
contexto. Nessa visão, o texto tem propriedades inerentes a ele e sua
compreensão é um processo de decodificação, o que leva a uma leitura única
(epistemologia). O professor transmite ao aluno uma versão autorizada pelo texto,
na forma de um monólogo, sem construção conjunta com o aluno. É uma prática
cristalizada pela tradição, ao longo dos tempos (metodologia). (Cf. SUGAYAMA,
2011).

2.2.1.1. Abordagem tradicional

Em uma abordagem tradicional de ensino-aprendizagem, as relações entre


os ensinantes e os aprendentes, que são verticais, implicam um sujeito (narrador)
e objetos pacientes, ouvintes (educandos). O saber não é experiência feita, mas
experiência narrada ou transmitida apenas. (cf. FREIRE, 2005).
 

77 

 
Apesar de as pesquisas acadêmicas apontarem a abordagem tradicional
como ultrapassada, a prática delas nas escolas ainda se mantém. Segundo Saveli
(2007: 107),

o que se constata, em observações de aulas de leitura, é que há uma


enorme distância entre o discurso teórico e uma grande uniformidade
das práticas de leitura na escola, girando em torno de uma só
concepção: a estruturalista, em que a leitura é tomada como
decodificação e “tradução oral do escrito”. Essa concepção estruturalista
de leitura, que considera um texto em si e por si mesmo, é muito comum
na escola. Em função dessa concepção, há, no espaço da escola, muita
soletração e pouca leitura.

Na visão tradicional de ensino, o professor é o foco e a abordagem é


estruturalista, baseando-se apenas, ou prioritariamente, na decodificação: “as
aprendizagens tradicionais de leitura colocam poucas coisas no lugar e,
sobretudo, não têm quase nenhuma relação com a leitura e a escrita.” (SAVELI,
2007: 107). É a ideia de educação bancária trazida por Paulo Freire (1989, 1996,
2005), que diz ser uma educação baseada em relações, fundamentalmente,
narradoras ou dissertadoras.

A educação bancária caracteriza-se por servir à dominação, no sentido de


não proporcionar a autonomia ao aprendente, muito pelo contrário, estimula a
dependência entre o ensinante e o aprendente, pois o primeiro “aparece como
seu indiscutível agente, como seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é ‘encher’
os educandos dos conteúdos de sua narração.” (FREIRE, 2005: 65). Ainda para
esse autor,

a narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à


memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os
transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo
educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus
“depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixam
docilmente “encher”, tanto melhores educandos serão. Desta maneira, a
educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os
depositários e o educador o depositante. (FREIRE, 2005: 66).

78 

 
Ariane Mieco Sugayama (2011: 11), em sua dissertação de mestrado sobre
as práticas sociais de leitura de texto literários, afirma que

a prática tradicional de leitura parte do pressuposto de há apenas uma


maneira de abordar o texto e uma única interpretação a ser validada, de
forma que todos os sujeitos da interação – os alunos e, inclusive, o
professor, que muitas vezes, apenas reproduz o que está escrito –
alienam-se das suas subjetividades (ZANOTTO, 2008) e dos seus
poderes de negociação de sentidos, constituindo um contexto de sala de
aula autoritário e opressor.

O leitor não tem voz. O único que tem poder é o professor que, por sua
vez, é legitimado pelo livro didático, pois apenas reproduz o que ele aponta como
correto. “Nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há
transformação, não há saber.” (FREIRE, 2005: 67). Na visão “bancária da
educação,

o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada
saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais de
ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o
que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se
encontra sempre no outro. O educador, que aliena a ignorância, se
mantém em oposições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe,
enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez
destas posições nega a educação e o conhecimento como processos de
busca. (FREIRE, 2005: 67).

Paín (apud FERNÁNDEZ, 1991: 82), reforçando a ideia de que,


dependendo da estratégia de ensino, a educação pode agir de forma alienante,
complementando a visão alienante da metáfora educação bancária, criada por
Paulo Freire, para se referir à abordagem tradicional de ensino, afirma que

a função da educação pode ser alienante ou libertadora, dependendo de


como for usada, quer dizer, a educação como tal não é culpada de uma
coisa ou de outra, mas a forma como se instrumente esta educação
pode ter efeito alienante ou libertador.

79 

 
Assim, como forma de contrapor o paradigma tradicional de ensino-
aprendizagem da leitura, surgem outros paradigmas, a partir de pesquisas
interacionistas, como o paradigma cognitivista de leitura que analisaremos na
seção a seguir.

2.2.2. Paradigma cognitivista

O paradigma cognitivista de leitura tem sua concepção no sentido do texto


construtivista, isto é, depende da interação do leitor com o texto, apoiada na
subjetividade e no seu contexto. De um lado, o leitor é o construtor, e o sentido é
indeterminado, podendo ter múltiplas leituras – a cognição independente do
social, baseando-se no letramento autônomo (epistemologia); de outro, o
professor deve assumir o papel de investigador, pesquisador, orientador,
coordenador, levando o estudante a trabalhar o mais independentemente possível
(metodologia).

Há mais de 20 anos, os estudos do pensamento e da linguagem tornaram-


se o grande foco de pesquisa para muitos educadores, seja por cientistas
cognitivos – que se voltavam para o desenvolvimento de “computadores
pensantes” –, seja por psicólogos cognitivistas – ainda que voltados ao
pensamento humano, almejavam testar suas teorias em computadores.

Hoje, sabe-se que os estudos sobre os processos cognitivos podem ser


muito úteis em situações de aprendizagem. Uma vez que a leitura não pode ser
separada do pensamento – pois é uma atividade carregada de pensamentos –,
ela pode ser definida como um pensamento que é estimulado e dirigido pela
linguagem escrita.

O pensamento – processo criativo e construtivo, nunca passivo e reativo –


cujo fluxo é impulsionado por nossas intenções e expectativas, é a operação
normal da teoria do mundo à medida que o cérebro realiza a tarefa de criar e
testar seletivamente possíveis mundos. (Cf. SMITH, 1988).
 

80 

 
Dentre seus aspectos, está o raciocínio – relações dentro de uma série de
afirmações ou estado de coisas –, a inferência, a solução de problemas – que
relaciona estados de coisas existentes a estados desejados –, a classificação, a
categorização e a formação de conceito – todos impõem e examinam relações
entre afirmações ou estado de coisas.

Para o estudo de desenvolvimento de leitura, passa a ser necessário


entender o funcionamento do cérebro durante o pensamento (Cf. SMITH, 1988)
que apresenta algumas particularidades utilizadas pelos leitores:

• no ato da leitura: a realização de inferências apropriadas a fim de


compreender, que envolvem relações entre afirmações ou estado de
coisas particulares e circunstâncias;
• consequência da leitura: uma possível reflexão subsequente.

Essas são, exatamente, as mesmas habilidades cognitivas que utilizamos


em outros aspectos da vida mental. O cérebro forma relações para compreender
e apreender o mundo à nossa volta. Existem três condições responsáveis pelo
pensamento dos indivíduos em situações particulares:

• o conhecimento prévio: é necessário saber o tema do que se fala ou


escreve de forma competente;
• a disposição: propensão para o pensamento crítico, seja ele para
que lado for;
• a autoridade: se faz necessário ter autoridade para se ter tal
pensamento crítico.

Nesse paradigma, concebe-se a leitura dentro da relação de interação


entre leitor, texto e autor. Portanto, analisam-se tanto elementos cognitivos, que
são os processamentos de leitura que ocorrem no cérebro do leitor no momento
da atividade leitora, quanto os elementos textuais, materiais que o próprio texto
traz e que permitem e autorizam certas interpretações, construídas pelo leitor.

81 

 
Nesse processo de pensamento, a elaboração de sentidos é resultado
de uma colaboração singular entre o autor e o leitor, no qual o primeiro
antecipa a atuação do segundo e dissemina indícios que precisam ser
interpretados para adquirir sentido. O sentido de uma palavra é a soma
de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa
consciência. É um todo complexo, fluido e dinâmico, que tem várias
zonas de estabilidade desigual. (SAVELI, 2007: 125).

Aos processamentos de leitura, dá-se o nome de modelos cognitivos de


leitura. Apesar de esses modelos – o ascendente (bottom-up), o descendente (up-
down) e o interativo (considera a interação de ambos, concomitantemente) –
começarem a ser estudados separadamente, portanto considerados
individualmente, hoje não se pode pensar na realização de um modelo
independente de outro, no momento da produção de leitura. “Esses modelos
lidam com os aspectos cognitivos de leitura, isto é, aspectos ligados à relação
entre o sujeito leitor e o texto enquanto objeto, entre linguagem escrita e
compreensão, memória, inferência e pensamento.” (KLEIMAN, 2008: 31).

O estudo das estratégias de leitura, recursos cognitivos utilizados pelo


leitor durante sua interação com o texto, com o intuito de construir o seu sentido,
está dentro desse paradigma. As estratégias são maneiras de processar as
informações do texto e utiliza-se dos modelos de leitura.

2.2.2.1. Abordagem cognitivista de leitura

A abordagem cognitivista surgiu em contraposição à tradicional, em que se


acreditava na leitura como mera decifração do código escrito ou soletrações.
Porém, é importante ressaltar que essa abordagem não ignora a importância da
decodificação da palavra escrita no processo de leitura. Ela não nega que “a
incapacidade de dominar o código alfabético impede de ler, mas o seu domínio
não garante a leitura”. Ambos os processos se dão simultaneamente: “a criança
aprende a ler paralelamente a sua aprendizagem de decifração, e não graças a

82 

 
ela, porque ler o sentido e decifrar as letras correspondem as duas atividades
diversas, mesmo que se cruzem.” (SAVELI, 2007: 124).

A metacognição refere-se à consciência de que um indivíduo tem do


funcionamento do seu próprio pensamento, ou seja, das ações mentais que ele
realiza. No processo de letramento, isso se dá com a percepção do próprio
aprendizado. Os pesquisadores têm considerado que a metacognição também
deve ser aprendida, embora as crianças aprendam muitas coisas do mundo,
inclusive a alfabetização sem a consciência de estar aprendendo. Entender como
conhecemos ou apreendemos as coisas do mundo é de extrema importância para
nós, educadores. Assim, podemos melhorar nossas estratégias de ensino.

Ter consciência dessa abordagem, como nosso organismo funciona no


momento em que se lê pode ser muito importante para pensar e planejar a aula
de leitura. Kleiman (2008: 31) afirma que “o conhecimento do aspecto psicológico,
cognitivo da leitura é importante porque ele pode nos alertar de maneira segura
contra práticas pedagógicas que inibem o desenvolvimento de estratégias
adequadas para processar e compreender o texto.”

Toda leitura “modifica o seu objeto. O sentido do texto é, com efeito, uma
construção do leitor. Essa afirmação esclarece que a leitura de um texto oferece
uma pluralidade indefinida de significações” (SAVELI, 2007: 126) A leitura é uma
prática criadora e criativa do leitor no momento de sua interação com o texto ou
com o autor, por meio de seu texto. Os leitores são singulares e, portanto, irão ou
poderão fazer interpretações também singulares, possibilitando ao texto diversas
significações, sobre essa afirmação. Chartier (1996, apud SAVELI, 2007: 126-7)
diz que

todo texto pede ao leitor que o ajude a existir, a funcionar. Nesse


sentido, como já foi afirmado anteriormente, a leitura é prática criadora,
as leituras são sempre plurais, porquanto constroem de maneiras
diferentes os sentidos de um texto, embora os textos inscrevam, no seu
interior, o sentido desejariam ver a si atribuídos.

83 

 
A leitura, nesta abordagem, considera o leitor um sujeito complexo, com
muita relevância na construção de sentido do texto. Kleiman (2008: 23) aponta, no
livro Oficina de leitura – teoria e prática, a importância da experiência de vida do
leitor durante o processo:

São os elementos relevantes ou representativos os que contam, em


função do significado do texto, a experiência do leitor é indispensável
para construir o sentido, não há leituras autorizadas num sentido
absoluto, mas apenas reconstruções de significados, algumas mais e
outras menos adequadas, segundo os objetivos e intenções do leitor.

A percepção do objeto se dá de forma individual, pessoal e particular. Não


há um padrão, pois a maneira como percebemos o que visualizamos é subjetiva.
O que há de comum entre os leitores é o mecanismo dos olhos para apreender o
objeto: “o movimento ocular durante a leitura é um movimento sacádico e não
linear.” (KLEIMAN, 2008: 33). Isso quer dizer que não lemos palavra por palavra,
mas por blocos, cuja distância de um a outro vai depender da dificuldade do que
está sendo lido. A cada bloco lido dá-se o nome de fixação.

Grande parte das palavras que lemos, portanto, é adivinhada, percebida


por uma visão periférica – nos intervalos sacádicos. Por isso, a leitura é
considerada um jogo de adivinhações: quanto mais palavras o leitor conhece,
maior a sua capacidade de adivinhação, pois ela só é possível por um
reconhecimento que fazemos a partir de pistas, sejam estruturais, sejam
semânticas. Kleiman (2011: 13) reforça essa ideia, destacando a relevância do
conhecimento prévio do leitor, favorecedor da construção de sentido:

A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela


utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já
sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a
interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento
linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue
construir o sentido do texto. E porque o leitor utiliza justamente diversos
níveis de conhecimento que interagem em si, a leitura é considerada um
processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem o
conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão.

84 

 
Durante a leitura, ocorrem dois movimentos dos olhos: progressivo e
regressivo. O regressivo seria uma espécie de releitura que fazemos, antes de
avançarmos no texto – quanto mais fácil a leitura, menos movimento regressivo
se faz. Um leitor eficiente controla seu processo de compreensão e retrocede a
leitura cada vez que não a entende. “No início, a leitura será muito mais difícil
para o leitor e por isso fica quase que limitada à decodificação” (KLEIMAN, 2008:
35).

O material linguístico captado é levado à memória de trabalho. Nessa


etapa, as informações são organizadas em unidades sintáticas de acordo com a
nossa gramática implícita, que nos é nata, e a desenvolvemos conforme
crescemos e interagimos, socialmente, em uma comunidade linguística. Esse
processo é o que chamamos de fatiamento. Essa memória tem uma capacidade
limitada de armazenamento, equivalente a sete unidades de sentido – que variam
das mais simples, como letras, sílabas e palavras, às mais complexas, como os
sintagmas, orações e períodos.

A habilidade de um leitor de armazenar maior número de unidades por vez


dependerá de sua experiência em leitura, tanto do ponto de vista de quantidade
como de qualidade. Ela depende da prática que o indivíduo tem em ler e a forma
como foi introduzido ao mundo letrado, ou seja, o processo de sua alfabetização e
letramento.

O leitor proficiente realiza esses agrupamentos de maneira eficaz, utiliza


seus conhecimentos gramaticais internalizados a cada ocorrência realizável.
“Para tal agrupamento o leitor proficiente usa eficientemente o conhecimento de
gramática que ele tem internalizado, fazendo predições constantes sobre
ocorrências possíveis.” (KLEIMAN, 2008: 35). É por isso que, para o leitor
iniciante (em formação), esse processo será árduo, limitar-se-á à decodificação a
princípio, o que poderá comprometer a sua compreensão. Nessa fase inicial, o
papel do ensinante é transformar a leitura mudando o foco estrutural para o

85 

 
semântico, de forma comunicativa, interagindo com o aprendente por meio de
perguntas e fazendo comentários.

Para uma leitura eficaz, que atinja a compreensão do texto lido, o leitor
deverá estar consciente de seu processo, deverá entrar em um estágio
estratégico. Esse estado se caracteriza “pela necessidade de aprender, resolver
dúvidas e ambiguidades de forma planejada e deliberada” (SOLÉ, 1998: 71-2),
processo designado por Kleiman (2008) de alerta perceptual. A leitura é prática
criadora, “atividade produtora de sentidos não pretendidos e, portanto, singulares,
inusitados.” (SAVELI, 2007: 125).

2.2.2.1.1. Modelo ascendente (Bottom-up) de leitura

O modelo ascendente (buttom up) é aquele em que o processo de leitura


se dá sequencialmente, das menores estruturas para as maiores, ou seja, das
palavras, passando pelas frases e por fim, entendendo o texto. A decodificação
ganha é de grande importância, pois depende-se dela para o entendimento do
texto.

Segundo Kato (1999: 50), “o processamento ascendente (bottom-up) faz


uso linear e indutivo das informações visuais, linguísticas, e sua abordagem é
composicional, isto é, constrói o significado através da análise e síntese do
significado das partes”. Nesse processamento, a construção de sentido depende
do texto e é a partir dele que começa o processo de compreensão.

O leitor que faz mais uso desse processamento em detrimento de outros


tende a ser vagaroso e pouco fluente, pois tem dificuldade de sintetizar as ideias
do texto, uma vez que pode não saber distinguir o que é mais relevante do que é
secundário, apenas ilustrativo ou redundante. (KATO, 1999).

86 

 
2.2.2.1.2. Modelo descendente (Top-down) de leitura

O modelo descendente (top-down) vê o processo de leitura de forma


oposta. Esse processamento dá ênfase ao leitor, e a leitura parte dos
conhecimentos de mundo e dos recursos cognitivos do leitor que, relacionados
com o texto, constroem o sentido. Ele estabelece antecipações ou previsões e
constantes verificações dos conteúdos dos textos. O que ganha grande
importância nesse modelo é o conhecimento global, que determinará o grau de
compreensão do texto lido.

Kato (1999: 50) diz que “o processamento descendente (top-down) é uma


abordagem não-linear, que faz uso intensivo e dedutivo de informações não-
visuais e cuja direção é da macro para a microestrutura e da função para a
forma.”

O leitor que faz mais uso desse modelo de leitura é, por um lado, aquele
que “apreende facilmente as ideias gerais e principais do texto, é fluente e veloz,
mas, por outro, lado faz excessos de adivinhações, sem procurar confirmá-las
com os dados do texto, através de uma leitura ascendente” (KATO, 1999: 50).

2.2.2.1.3. Modelo interativo de leitura

O processamento interativo corresponde a duas estratégias de leitura,


segundo as necessidades do leitor. A primeira chamada bottom-up e a segunda
up-down, descritos anteriormente.

Para o modelo interativo, durante a leitura, o leitor cria diferentes


expectativas em variados níveis (letras, palavras, texto...) e cada nova informação
captada pelo leitor se torna um input para o nível seguinte. Para ler, o individuo

87 

 
deve dominar tanto o processo de decodificação, como as estratégias de
compreensão de um texto.

“Essa interação se refere especificamente ao interrelacionamento, não


hierarquizado, de diversos níveis de conhecimento do sujeito (desde
conhecimento gráfico até o conhecimento de mundo) utilizados pelo leitor na
leitura. Nos modelos interativos, ambos os tipos de processamento se
interrelacionam no processo de acesso ao sentido” (KLEIMAN, 1989: 31 apud
SUGAYAMA, 2011: 14).

O leitor é, necessariamente, um agente ativo dentro do processo de leitura.


Ele deve constantemente fazer inferências e verificá-las em um processo contínuo
de compreensão e controle dessa compreensão. “É o leitor para quem a escolha
desses processos é já uma estratégia metacognitiva, isto é, é o leitor que tem um
controle consciente e ativo de seu comportamento.” (KATO, 1999: 51).

As relações instituídas neste processo são, ainda, entre leitor e texto. A


leitura é, necessariamente, a interação entre o leitor e o autor por meio do texto,
por isso a interação tem um papel ativo nessa atividade, que deve sempre ser
guiada por um objetivo. A interpretação que é feita deve-se a essa finalidade. Em
outras palavras, a compreensão que o leitor faz do texto escrito não é uma réplica
do significado que o autor quis lhe dar, mas uma construção que depende de
alguns elementos e de conhecimentos prévios, do texto e dos objetivos de leitura.

O texto também oferece diferentes possibilidades e limitações para a


transmissão da informação escrita. Essas possibilidades não se limitam apenas
aos conteúdos, mas, sim, às estruturas e/ou superestruturas que obrigam o leitor
a conhecê-las, mesmo que intuitivamente para ter a compreensão adequada.

O processo de leitura sempre envolve a compreensão do texto escrito. Sob


a perspectiva interativa, afirma-se que “a leitura é o processo mediante o qual se
compreende a linguagem escrita”. (SOLÉ, 1998: 23). Para ler, necessitamos,
simultaneamente,

88 

 
manejar com destreza as habilidades de decodificação e aportar
ao texto nossos objetivos, ideias e experiências prévias;
precisamos nos envolver em um processo de previsão e
inferência contínua, que se apóia na informação proporcionada
pelo texto e na nossa própria bagagem, e em um processo que
permita encontrar evidência ou rejeitar as previsões e
interferências antes mencionadas. (SOLÉ, 1998: 23).

2.2.2.1.4. Estratégias de leitura

Estratégia, segundo Houaiss & Villar (2003), significa planejamento de uma


ação para conseguir um resultado. Para Solé (1998: 69), estratégia envolve “a
supervisão e a avaliação do próprio comportamento em função dos objetivos que
o guiam e da possibilidade de modificá-lo em caso de necessidade”. Estratégias,
para a compreensão de leitura, são ações planejadas e coordenadas de forma
consciente, que permitem a consciência, a regulação, e o controle da
compreensão do que se lê.

Para Kleiman (2008), estratégias de leitura são “operações regulares para


abordar um texto. Elas podem ser inferidas a partir da compreensão do texto que,
por sua vez é inferida a partir do comportamento verbal e não verbal do leitor”,
isto é, da sua interação com o texto, reflexões, resumos, perguntas que possa
fazer. As estratégias são cognitivas ou metacognitivas.

Lê-se, então, por meio de estratégias que se dão, normalmente, de forma


inconsciente. Levantam-se hipóteses e verificam-nas no transcorrer das leituras.
Em trechos em que não há compreensão, o leitor percebe que a previsão
elaborada – uma das estratégias usadas no processo de leitura – não estava
correta.

A compreensão do que se lê se dá sob três condições: coerência e clareza


do texto, chamada significatividade lógica, grau de conhecimento prévio do leitor,
chamada significatividade psicológica e

89 

 
das estratégias que o leitor utiliza para intensificar a compreensão e a
lembrança do que lê, assim como para detectar e compensar os
possíveis erros ou falhas de compreensão. Essas estratégias são as
responsáveis pela construção de uma interpretação para o texto e, pelo
fato de o leitor ser consciente do que entende e do que não entende,
para poder resolver o problema com o qual se depara. (SOLÉ, 1998: 71).

2.2.2.2 Abordagem interacional

Nesta abordagem, também cognitiva, o elemento novo é o autor, que


também é considerado no processo de leitura, por meio do texto. Concebe o leitor
e o autor como agentes, sujeitos sociais, inseridos em um processo,
necessariamente, dinâmico e mutável. Segundo Kleiman (2011: 65),

mediante a leitura, estabelece-se uma relação entre leitor e autor que


tem sido definida como responsabilidade mútua, pois ambos têm a zelar
para que os pontos de contato sejam mantidos, apesar das divergências
possíveis em opiniões e objetivos.

Sobre as responsabilidades que ambos têm no processo de leitura,


Kleiman (2011: 66) nos lembra que cabe ao autor “deixar suficientes pistas no seu
texto a fim de possibilitar ao leitor a reconstrução do caminho que ele percorreu”,
e, ao leitor, cooperar com o autor, dando-lhe credibilidade, de que terá algo
relevante a dizer em seu texto, quando

obscuridades e inconsistências aparecem, o leitor deverá tentar resolvê-


las, apelando ao seu conhecimento prévio de mundo, linguístico, textual,
devido a essa convicção de que deve fazer parte da atividade de leitura
que o conjunto de palavras discretas forma um texto coerente, isto é,
tem uma unidade que faz com que as partes se encaixem umas nas
outras para fazer um todo.

90 

 
Quando autor e leitor trabalham em um mesmo objetivo, terão êxito caso
cooperem entre si. Adler & Doren (2010: 27) afirmam que

a relação entre escritor e leitor é parecida. O objetivo do escritor é ser


apanhado, embora às vezes pareça ser exatamente isso que ele não
quer. A comunicação eficaz ocorre quando aquilo que o escritor quer que
seja recebido de fato o seja pelo leitor. A técnica do escritor e a técnica
do leitor convergem para um objetivo comum.

O próximo paradigma vai além, pois considera não só os aspectos


cognitivistas, como também os aspectos sociais de leitura, situando a atividade
em seu contexto.

2.2.3. Paradigma sociocultural

A leitura é concebida como processo social. O sentido é construído


socialmente entre os participantes, em um contexto sociocultural do evento de
letramento. O sentido do texto é negociado entre os sujeitos em um contexto
comunicativo compartilhado, em que constroem e reconstroem as práticas de
leitura. Há a inclusão social da cognição e do letramento. (epistemologia).

A melhor forma de trabalhar com a leitura é vivenciar situações em grupo,


de modo que os leitores possam dialogar crítica e refletivamente sobre o texto. A
mediação como ação cultural, pensar alto em grupo e círculos de leitura
(metodologia) são alguns exemplos de práticas sociais de leitura.

91 

 
2.2.3.1. Abordagem da leitura como prática social

Nos anos 80, a leitura era vista, normalmente, como um processo


exclusivamente cognitivo: o ato de decodificar textos escritos para obter um
significado. No entanto, nos anos 90, ela passou a ser vista como um processo
social. O foco passou a estar na relação entre as pessoas envolvidas no evento
social de leitura. Com base nessa visão, a leitura é uma atividade pela qual as
pessoas se direcionam a outras, comunicam ideias e emoções, controlam os
outros e a elas mesmas, obtêm status social, reconhecimento e privilégios, além
de se engajar em diversos tipos de interação social.

Os eventos de leitura podem também consistir em várias interações


pessoais do indivíduo em si e o texto, ao mesmo tempo. O primeiro objetivo nesta
visão estaria relacionado mais ao estabelecimento de relações sociais,
posicionamentos sociais e formações de grupos do que à busca pelo sentido que
o autor quer dar a tal texto. Os efeitos sociais da leitura também podem ser vistos
no nível da interação face-a-face.

Um aspecto importante da leitura como um processo social é a relação


entre a forma como os eventos de leitura são construídos e os processos
cognitivos que os participantes aprendem durante esses momentos. Esses
processos estão diretamente relacionados e dependem da natureza do evento em
si. Não existe uma forma pré-concebida de processos cognitivos a serem
desenvolvidos nas situações de interação, pois são momentos únicos. Os
processos cognitivos resultantes da leitura estão relacionados à natureza do
letramento praticado.

As construções teóricas que subsidiam a premissa de que a leitura é um


processo social são:

• os eventos de leitura são construídos por meio de um processo de


interação social;
• o significado de leitura é construído durante a interação social;
• o significado de leitura é ao mesmo tempo específico e geral.

92 

 
A compreensão do que se lê é construída pelos participantes do evento no
momento em que ele ocorre. Os significados não são pré-estabelecidos; dão-se
no momento em que há troca, quando todos se ouvem, discutem, negociam e
chegam a um acordo consensual. O critério usado para tal acordo não está
relacionado com a ideologia, valores e visão de mundo apenas do professor, mas
do próprio grupo de estudantes.

A interação entre todos os agentes – estudantes, texto e professor – é


importante para a negociação. Os eventos comunicativos são vistos como uma
construção nas situações de interação face-a-face entre participantes (BLOOME
1983; GUMPERZ, 1976; HYMES, 1974; GUMPERZ & HYMES, 1972). Por isso,
são tidos como construtivistas, no sentido de que os indivíduos envolvidos
constroem o sentido que o texto terá, as formas de refletir sobre o que se diz,
como se dirigem uns aos outros, formas de se distribuir psicologicamente, social e
fisicamente os reconhecimentos que fazem e formas de pensar o mundo
associado à leitura.

Na visão construtivista, é no momento da interação social entre o texto e os


integrantes que o sentido do texto lido é determinado. É o momento em que
compartilham as inferências feitas individualmente, quando se faz a leitura em voz
baixa. Diferente da visão convencional, na qual o processo de leitura ocorre na
nossa cabeça (mentalmente) e, por isso, ele não está disponível para estudo, na
visão construtivista, esse processo ocorre na interação dos indivíduos em si e
entre o texto, de forma verbalizada. Logo, torna-se possível a coleta de dados
para estudos.

O material de estudo possível de ser coletado pode ser verbal, não-verbal,


prosódico ou manipulação de objetos. No entanto, não são essas pistas que dão
o sentido à leitura, mas a interpretação que se faz desses sinais. O contexto da
situação não está em ambientes, cenários, objetos presentes no ato da interação,
mas na construção dela – o que se fala e o que se faz durante o processo. Por
isso, ele é imprevisível, pois depende de uma gama de variantes.

93 

 
2.2.3.2. Eventos e práticas sociais de leitura

O paradigma sociocultural de leitura considera, além do modelo


interacional de leitura, as situações em que ocorrem os eventos de leitura, pois
acredita que a leitura tem uma função social. A partir dos eventos sociais de
leitura, é possível observar as funções sociais da leitura e da escrita, isto é, no
momento em que são realizadas. A partir das práticas sociais de leitura, é
possível observar os modelos que as pessoas têm em relação à leitura e à
escrita, quando estão engajadas em seus processos, isto é, como fazem seu uso
social e quais significados atribuem.

As práticas são caracterizadas por serem processos sociais, por estarem


inseridas em contextos comunicativos compartilhados e serem práticas situadas e
por conceberem o sentido do texto construído. Na verdade, são processos
sociais, pois, segundo Bloome (1993), a leitura não é apenas uma habilidade
separada, analisada em categorias puramente linguísticas e cognitivas. Ler é uma
atividade humana e complexa considerada no contexto de complexas relações
humanas.

As práticas estão inseridas em contextos comunicativos compartilhados,


pois o sentido do texto é construído por meio do modo como os sujeitos agem e
reagem em relação aos esforços comunicativos feitos pelos outros na interação
(cf. BLOOME 1986a, 1986b apud CASTENHEIRA, DIXON & GREEN, 2007). São
práticas situadas, pois ocorrem em uma dimensão do comportamento cultural
situado dentro de um grupo ou identidade sociocultural.

Uma das práticas de leitura usada como ferramenta pedagógica nas aulas
de língua portuguesa que apresentamos na próxima seção é a chamada Pensar
Alto em Grupo.

94 

 
2.2.3.2.1. Pensar alto em grupo (PAG)

No Brasil, discute-se a prática dessa teoria, chamada aqui de metodologia


do Pensar Alto em Grupo (Zanotto, 1995, 1998, 2007), que funciona tanto como
um instrumento pedagógico na construção coletiva de uma leitura (por meio do
compartilhamento de processos cognitivos verbalizados), quanto instrumento de
pesquisa utilizado para a coleta de materiais necessários para a composição de
um corpus de análise.

Na prática, o grupo de leitores recebe um texto, que deverá ser lido


individualmente (cada um para si) para, então, começar a compartilhar as
interpretações em voz alta. Na discussão, cada um poderá fazer livremente
comentários e observações do que entendeu do texto para o grupo. “Durante o
pensar alto, os participantes negociam sentidos, manifestam-se criticamente,
estabelecendo relações sociais” (BLOOME, 1983, apud QUEIRÓZ, 2009: 31).

Temos a chance também de aprender a conhecer o estudante, um ser


aprendente. “Se a maneira como nós dizemos aos outros as coisas é decorrência
de nossa atuação intersubjetiva sobre o mundo e da inserção sócio-cognitiva no
mundo em que vivemos” (MARCUSCHI, 2004a: 52), não podemos deixar de levar
em consideração, a realidade sociocultural em que os alunos estão inseridos. Os
aspectos culturais/sociais dos alunos podem ser percebidos por meio da sua
atuação e da maneira que eles se expressam.

2.3. A leitura no ambiente escolar: formação de leitores

A mediação do professor ensinante-aprendente1 tem a função de ativar o


alerta perceptual do leitor iniciante. Ele é o responsável por ajudar o estudante a

                                                            
1
Termo utilizado para designar um professor que está em constante troca com os estudantes,
também ensinantes-aprendentes, ao mesmo tempo em que ensinam, aprendem. Ver em
Fernandez (2001).
 

95 

 
perceber as unidades de sentido, a fazer previsões sobre o texto, com atividades
prévias à leitura, destacando palavras-chave, contextualizando-o sobre o tema
discutido. Dessa forma, o leitor em formação terá condições de identificá-las,
algumas vezes até de imediato, facilitando o árduo processo inicial entre a
decodificação e a compreensão.

O professor deverá servir de exemplo, promovendo condições para que


seja imitado pelo aprendente. “A leitura silenciosa, tanto por parte do aluno como
do professor, e a leitura em voz alta pelo adulto cumprem os dois objetivos de
servir de modelo e de criar contextos de aprendizagem.” (KLEIMAN, 2008: 36).

Kleiman (2008) propõe uma nova forma de articulação entre os termos


leitura e aprendizagem, com a justificativa de que até então se têm
desastrosamente violentado o sentido de ambas as palavras, no cotidiano das
aulas de Língua Portuguesa. Sugere, por exemplo, a leitura na aprendizagem, a
aprendizagem da leitura ou a aprendizagem sobre a leitura. A leitura é o que
permite

“ao aprendiz a compreensão da palavra escrita, a fim de funcionar


plenamente na sociedade que impõe a cada dia mais exigências de
letramento, isto é, de contato e familiaridade com a escrita para a
sobrevivência”. (KLEIMAN, 2008: 12)

Seu texto discute o processo de desenvolvimento de estratégias de leitura


eficientes para crianças já alfabetizadas. Ela diz que, para que esse processo seja
possível, o professor precisa definir tarefas cada vez mais complexas, no entanto,
viáveis de resolução, contanto que a criança tenha orientação de alguém mais
proficiente (professor ou um colega). Com o tempo, os suportes vão sendo
retirados para ela ir redefinindo suas tarefas, estando aí o seu aprendizado. Essa
mesma lógica está na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), conceito
proposto por Vygotsky (2007), cujos limites de aprendizado variam de indivíduo
para indivíduo em relação a diferentes âmbitos de desenvolvimento, tarefas e
conteúdos, conforme foi citado no primeiro capítulo deste trabalho,

96 

 
A compreensão da leitura não se dá, necessariamente, no seu ato, mas,
sim, no instante em que se realizam as atividades de reflexão sobre a leitura junto
do professor, momento este em que a criança retoma o texto. Essas tarefas
propiciarão a formação do leitor, de modo que ele construa seu próprio saber
sobre a leitura.

Vemos a leitura como uma atividade cognitivo-sociointeracional. Portanto,


em seu processo, utilizam-se estratégias fundamentadas em conhecimentos
prévios de diversas áreas: linguísticos, socioculturais e enciclopédicos.
Movimentam-se operações imperceptíveis ao mundo externo, como a inferência,
a evocação, a analogia, a síntese e a análise – por isso, a interação é vista como
algo muito importante no processo de aprendizagem da leitura. A interação do
mediador é fundamental para que a criança comunique-se e desenvolva suas
próprias estratégias.

Outro motivo pelo qual a interação é tão essencial nesse processo é o


contexto que será criado, que possibilitará a esperada compreensão da leitura
pela aprendente-ensinante. Esse contexto se dará tanto previamente ao momento
de ler, quanto na sua sequência, nas atividades provindas dele. Com base na
comunicação entre os estudantes e o professor-mediador é que se poderá ter
ideia dos valores, crenças e atitudes desses indivíduos que interagirão, portanto,
ter condições de fazer uma melhor abordagem do tema e fazê-lo ter mais
relevância e sentido para o interlocutor.

O grande problema entre os profissionais do ensino de língua materna hoje


é o fato de os estudantes não lerem. Para tentar esclarecer essa questão, faz-se
necessário levantar qual a realidade das salas de aula, quais os aspectos
relacionados ao funcionamento que podem colaborar para o problema. Um
primeiro dado que merece destaque é o perfil dos professores que atuam como
mediadores de leitura. Pesquisas mostram que a grande maioria deles não tem o
hábito de ler – e como lembra Kleiman, (2008: 15) “para formar leitores, devemos
ter paixão pela leitura”.

97 

 
A ação de decifração de palavras, que a escola chama de leitura, passa
longe da definição de leitura dada por Bellenger (1978)2. Também não
acreditamos que a mera decifração seja leitura, mesmo que autenticada pela
tradição escolar. Várias atividades escolares em torno da leitura servem de
desestímulo para a formação de leitores. Na sociedade, há muitos eventos sociais
que envolvem leitura e escrita, como concursos para cargos públicos, colégios,
universidades, que exigem dos candidatos conhecimentos fragmentados, apenas
estruturais da língua e raramente a abordagem global, baseada no uso da língua.

Por essas ações negativas que vêm acontecendo nas aulas de Português,
acreditamos na formação teórica de professores na área de leitura. Vejamos
algumas práticas, desastrosamente, feitas em aula:

• o uso do texto como pretexto para praticar exercícios gramaticais,


como se a língua existisse meramente como um conjunto de classes
e funções gramaticais, para o ensino de regras sintáticas, deixando
de trabalhar a interpretação do que se está sendo dito;
• o texto visto como repositório de informações faz com que o leitor
tenha uma postura passiva em relação a ele, pois ao tentar tirar um
significado dele e não conseguir, pode se acomodar, aceitando a
contradição e a incoerência. Nesse caso, o docente deveria
conscientizar o estudante da intencionalidade do autor, baseando-
nos na seleção das palavras;
• a visão da leitura como mera decodificação de signos não
transcende o texto, não transforma o leitor, não modifica a visão do
aprendente; faz algumas leituras simplesmente dispensáveis. Na
verdade,dispensa a compreensão do que se decifrou, ignorando a
voz do autor, o que para nós, não é leitura;
• a visão de leitura apenas como mais uma forma de avaliação, sendo
cobrados resumos, resenhas, relatórios, preenchimentos de fichas é

                                                            
2
Ver seção O que é ler? Por que ler?, deste trabalho.

98 

 
uma visão redutora, pois não faz o estudante ir além do texto, mas,
sim, reduzir a leitura, provocando o desinteresse em ler, associando-
o ao dever e não ao prazer;
• a visão autoritária de leitura,na qual se considera apenas uma forma
de interpretação. Normalmente, essa voz é a do professor ou a do
livro didático. Nesse sentido, o leitor em formação é desvalorizado e,
mais uma vez, desestimulado a gostar da leitura.

Após o levantamento das concepções escolares sobre a leitura, não nos


surpreende o insucesso das aulas de língua. A prática de aula não propicia a
interação entre professor e estudante. Pesquisas recentes mostram a importância
de um leitor inexperiente conversar sobre os aspectos relevantes do texto, pois é
na interação que ele passa a compreendê-lo, e não na leitura silenciosa.

A conversa sobre o texto deve ser iniciada previamente à leitura


propriamente dita do texto. São as trocas feitas nesse momento que propiciarão o
melhor entendimento do leitor do que for lido. Os critérios de escolha da leitura a
ser feita com a sala deverão ser a legibilidade, a relevância e o interesse dos
estudantes pelo tema – tanto na tentativa de seduzi-los à atividade, quanto por
objetivos acadêmicos, podendo expandir o seu universo temático. “O tema é o fio
que permite a percepção e produção da linguagem e o desenvolvimento de um
novo sistema simbólico, o da linguagem escrita”. (KLEIMAN, 2008: 26).

Como alternativa a essas práticas fracassadas de leitura, propomos que o


professor-mediador sirva como modelo ao leitor em formação, fornecendo
exemplos de estratégias específicas de leitura ao fazer predições, perguntas ou
comentários. Ler com o aprendente, discutir o texto com ele de maneira a
questioná-lo e fazê-lo refletir sobre o que está lendo, poderá fazer com que aquilo
que se lê faça mais sentido.

Alguns acordos são importantes para a compreensão de certos aspectos


textuais particulares. Em caráter de exemplificação, podemos citar, no texto
jornalístico, as funções das aspas, o grau de formalidade que se pode esperar
desse gênero, inclusive levantar com o estudante, antes de tudo, qual a
 

99 

 
relevância do texto jornalístico na sociedade. Qual a sua veracidade? Porque
antes de tudo, ele deve ser aceito como fonte de informações e novidades,
fazendo as funções que normalmente em culturas pouco letradas, são praticadas
oralmente por membros da família e pela comunidade imediata.

Os diversos elementos particulares de cada texto, porém, só podem ser


analisados nos próprios textos, sendo assim um processo significativo. A leitura é
uma atividade individual e o que determina a leitura que se faz são os seus
objetivos. Para abordagens como essas, provamos que só seria viável se feitas
com um professor de conhecimento específico da área, diferente do que se tem
sido propagado e legitimado nas práticas escolares.

A função do educador não é somente “passar conteúdos curriculares”,


tampouco, disciplinar os alunos. O educador é um mediador, ele é portador de
intencionalidade, situado entre o organismo do indivíduo mediatizado e os
estímulos. Ele utiliza estratégias interativas para produzir significado além das
necessidades imediatas da situação. Pais e professores têm de trabalhar em
conjunto nesse sentido, ou seja, o trabalho feito na escola deve ter continuidade
em casa e vice-versa. (Cf. FONSECA, 2007).

A linguagem não é um espelho da realidade, do mundo. Eles – a


linguagem e o mundo – não são estáveis. A estabilização deve ocorrer de um
trabalho dos indivíduos que interagem linguisticamente, por isso a importância da
mediação do professor no aprendizado do estudante, no que se refere,
principalmente, às aulas de língua portuguesa.

O sujeito mediatizado deve interagir nas situações de forma dinâmica,


valorizando suas estruturas cognitivas. Pais e professores que adotam práticas
baixas em afetividade e em disciplina tendem a provocar na criança e no jovem
baixa autoestima. As interações têm que ser mais centradas em reciprocidade
emocional. (Cf. FONSECA, 2007).

Um grande problema evidente são as reais condições de trabalho/estudo


nas escolas públicas, em que, na maioria das situações, há uma superlotação das
salas de aula e muito desinteresse por parte dos alunos. Como conseguir então
 

100 

 
dar atenção devida a cada aluno, conhecê-los como deveríamos e fazer uma
análise cognitiva e lograr um resultado eficiente de aprendizado de leitura?
“Apesar de seu foco mental, a linguística cognitiva pode, sim, ser descrita como
social cultural e contextual”. (LANGACKER, 1997: 240, apud MARCUSCHI,
2004a: 54). Nesse ponto, o estudo da linguística cognitiva tem um papel muito
importante na melhoria da nossa educação básica.

Para ter em conta o desenvolvimento individual de cada aluno, devemos,


como educadores linguísticos, conceber a língua “como forma de ação interativa,
social, cognitiva e situada” (MARCUSCHI, 2004a: 64). Davidson (1974 apud
MARCUSCHI, 2004a), diz que a interpretação das palavras e dos enunciados se
dá na suposição de elementos comuns em relação a crenças coerentes entre os
interlocutores, o que permite invocar não apenas o partilhamento, mas a
possibilidade de negociação e uma comunidade de mentes sociais construindo as
significações publicamente.

Um princípio básico de que todo professor deveria ter em sua atividade


profissional é o da construção de um vínculo – que consiste na sedução dos
aprendentes para a aula – com os aprendentes. Ele é o elo que permitirá a
realização de seu trabalho. O professor que planeja a aula, que sabe do que está
falando e, sobretudo, que gosta do que ensina, já tem quase tudo o que precisa
para começar a construir essa relação. (Cf. FONSECA, 2007).

A partir desse vínculo, está preparado o terreno para o ensino de


qualidade. O professor, nessas condições, tem de aproveitar a oportunidade para
ser o mediador do conhecimento. Ele estimula os processos cognitivos nos
aprendentes por meio de atividades sedutoras e intrigantes sobre determinados
assuntos, pré-estabelecidos. O professor deve permitir-se compartilhar
experiências com os estudantes, deixando que sejam autores de novos
conhecimentos, para que eles deem outra importância ao aprendizado e
ressignifiquem o conteúdo aprendido.

Esse processo da construção do próprio aprendizado traz ao aprendente


certa confiança, que só estimula mais ainda o crescimento da sua autoestima,
 

101 

 
favorecendo o seu desenvolvimento cognitivo, deixando-o apto a obter sua
autonomia quando se trata de aprendizado. A aquisição ou desenvolvimento da
leitura depende da interação explicitamente dirigida, comumente proporcionada
pelo professor, que deve manter esse processo ao longo de toda a escolaridade,
não apenas nas séries iniciais, como tem sido feito nos dias atuais.

A escola tem se distanciado cada vez mais da realidade no ensino de


leitura. Em primeiro lugar, tem dado a responsabilidade dessa tarefa apenas ao
professor de língua materna, quando deveria ser de todas as disciplinas, sendo
que nem o professor de língua materna tem conseguido chegar perto do que
consideramos ser ensino de leitura. As atividades interdisciplinares colaboram
para o alcance desse objetivo. O que não quer dizer que os professores de
Língua Portuguesa devam ensinar também conteúdos ou temas de outras
disciplinas. No entanto, os professores de outras disciplinas, sim, deveriam tornar-
se ou comportar-se também como professor de leitura.

O professor de Língua Portuguesa tem se atido à aula de gramática,


ensinando regras fora de qualquer contexto de interação. Essa prática traz sérias
consequências aos estudantes, fazendo-os acreditar que não sabem Português, a
odiar a disciplina e, por fim, a não aprender leitura nenhuma. Há uma sensação,
no meio escolar, de que a leitura faz atrasar o curso.

Sabemos que ensinar a decodificação de signos gráficos é apenas o start


para que a criança entre no mundo dos livros e desenvolva o seu letramento,
tendo a possibilidade de convivência com a língua escrita. O ensino de língua tem
funções individuais e sociais. A partir do desenvolvimento das competências em
leitura e escrita, os aprendentes têm condições de aprender qualquer outra
disciplina do currículo escolar, além de continuar se desenvolvendo com
autonomia para o resto de suas vidas.

Devemos frisar também que não é e nem deve ser papel exclusivo da
escola o de ensinar e fomentar a leitura para a criança, pois a família tem grande
responsabilidade nessa empreitada. Escola e família precisam trabalhar em

102 

 
conjunto. Anteriormente à escola, existem “as situações de convívio com
materiais escritos, vividas no ambiente familiar.” (ANTUNES, 2009: 188).

A função da escola seria a de ampliar as competências dos estudantes,


desenvolvê-las ainda mais e acrescentar outras desconhecidas, pois as crianças
não chegam a ela vazias. As competências são definidas aqui como a capacidade
dos sujeitos de conectarem os saberes adquiridos ao longo da vida às situações
de experiência, envolvendo também uma relação com a execução de atividades e
com a resolubilidade das dificuldades enfrentadas. Podemos concluir, então, que
os saberes acumulados são condição para o exercício das competências.
Saberes dinâmicos, em processo constante. (Cf. ANTUNES, 2009).

A palavra escrita “permeia hoje quase todas as práticas sociais dos povos
em que penetrou.” (MARCUSCHI, 2007: 19). A escrita e a leitura são diferentes
facetas que se complementam. Quem escreve, escreve para um possível leitor.
Para se escrever bem, dizem, é necessário que se leia bastante, porque, para
que se desenvolvam bons textos, precisa-se ter informações relevantes sobre
determinados temas. Vale lembrar que a competência escrita não se desenvolve
apenas com a da leitura, é necessária muita prática.

Ter o domínio da leitura é ter acesso a repertórios de informação, a bens


culturais já produzidos ou em vias de produção, nas sociedades letradas, ou não.
“Dá-nos o poder de enxergar e perceber o que nos circunda”. (ANTUNES, idem:
193). Como desenvolver a competência leitora dos estudantes na escola? Em
primeiro lugar, percebendo que somente ouvir não faz ninguém se transformar em
leitor, ler e escrever só se aprende lendo e escrevendo. Eles devem ser inseridos
em uma diversidade de práticas letradas.

Outro aspecto, tão ou mais importante de se ter domínio da leitura, é a


possibilidade de adentrar em mundos das artes, de entrar em

contato com a arte da palavra, com o prazer estético da criação


artística, com a beleza gratuita da ficção, da fantasia e do sonho,
expressos por um jeito de falar tão singular, tão carregado de
originalidade e beleza.” (ANTUNES, ibidem: 200).
 

103 

 
2.3.1. Gêneros textuais no ambiente escolar: sequências
didáticas

Conforme já citado no Capítulo I, Dolz & Schneuwly (2010) explicam que é


por meio dos gêneros textuais que as práticas de linguagem se materializam na
escola e fornecem um suporte para a atividade nas situações de comunicação
fora dela, constituindo-se numa referência para os aprendentes, comprovando,
dessa forma, a afirmação de Dolz & Schneuwly, de que se aprende a ler e
escrever a partir da apropriação dos utensílios da escrita.

Estudar a língua, por meio das práticas sociais de linguagem, é deixar de


realizar, na escola, um ensino de língua como sistema de regras, como se tinha
antes, como orientação. O que se quer hoje para a educação básica é o ensino
da língua materna, visando à formação de cidadãos críticos e não teóricos
linguistas.

Dolz e Schneuwly (1999) defendem a importância da criação de contextos


precisos e da multiplicidade e variação de exercícios para que o aprendente se
aproprie das noções, das técnicas e dos instrumentos necessários ao
desenvolvimento de suas capacidades, seja de expressão oral, seja escrita.
Preocupados com a adequada compreensão e assimilação dos gêneros textuais
pelos alunos, Dolz, Schneuwly e Noverraz (2010: 82) elaboraram as chamadas
sequências didáticas que são “um conjunto de atividades escolares organizadas,
de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral e escrito”.

É papel da escola e responsabilidade do professor garantir esse espaço de


ensino-aprendizagem para que o aprendente possa se desenvolver por meio do
trabalho efetuado no ambiente escolar. Por meio da sequência didática, o
estudante se apropriará dessas técnicas e instrumentos. É importante lembrarmos
que a sequência didática é aqui entendida como um conjunto de atividades
escolares organizadas em torno de um gênero textual.

104 

 
Assim, uma sequência didática tem, precisamente, a finalidade de ajudar o
aprendente a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe escrever ou
falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação.
Portanto, são responsáveis por permitir que os aprendentes tenham acesso às
práticas de linguagem novas ou de difícil apropriação.

As sequências didáticas consistem em algumas etapas: a primeira é a


“apresentação da situação”, em que o professor mediador faz a primeira
apresentação aos aprendentes do gênero desejado a trabalhar. Nesse primeiro
contato, tudo deve ser muito bem explicado, para que não haja dúvidas em
relação a definições e funcionalidade do gênero em questão.

A segunda etapa consiste no que chamamos de “produção inicial” em que


os alunos escrevem um primeiro texto, oral ou escrito, correspondente ao gênero
trabalhado. É nesse produto inicial que o professor terá uma noção das
qualidades e dificuldades dos aprendentes em relação ao gênero, servindo de
diagnóstico.

A partir daí, o professor terá condições de preparar/planejar as aulas da


etapa seguinte: os módulos. Os módulos são aulas focadas exclusivamente nas
dificuldades demonstradas pelos estudantes e dão a eles instrumentos
necessários para superá-las.

Ao final, após a exploração de diversos problemas apresentados no


momento introdutório, chega a hora de se assegurarem de que o corpo discente
tenha, de fato, se apropriado dos instrumentos oferecidos a ele, para superação
das deficiências na produção de determinado gênero, no que chamamos
“produção final”.

Nessa produção, é corrigida a escrita, pois o texto, durante todos os


procedimentos, é provisório. São conferidas a ortografia e estruturas relacionadas
à sintaxe, à coesão, à coerência e se os aspectos característicos ao gênero foram
respeitados devidamente.

105 

 
Ora, como essa é uma proposta de metodologia elaborada, inicialmente,
por professores-pesquisadores da Universidade de Genebra, Suíça, motivados a
descobrir novas formas de sanar as dificuldades dos aprendentes na aquisição da
língua materna, há de se ter muito cuidado, para que não se torne, no Brasil, mais
uma teoria/metodologia pronta, fechada e imposta.

Ao ser tomada como a mais nova solução aos problemas do ensino de


Língua Portuguesa, pode tornar-se um problema quando, os professores, mais
uma vez, poderão recebê-la como uma receita a ser seguida, deixando de
construir com os aprendentes novos conhecimentos, deixando de transformar o
atual ensino de língua.

É valido lembrar que a sequência didática é um procedimento que inclui a


possibilidade de avaliação formativa, visando a transformar o modo de falar, ler e
de escrever dos estudantes, no sentido de uma consciência mais ampla de seu
comportamento de linguagem. Sua finalidade primordial consiste em preparar o
aprendente para dominar sua língua nas situações mais diversas da vida
cotidiana, oferecendo-lhes instrumentos precisos, imediatamente eficazes, a fim
de que melhore suas capacidades de escrita e fala em todas as situações.

As sequências didáticas apresentam uma grande variedade de atividades


que devem ser selecionadas pelo professor, mas jamais tidas como manuais a
serem seguidos. É responsabilidade do professor fazer suas próprias escolhas,
para a sala de aula.

2.3.2. O Livro didático (LD)

Fazer um breve panorama da história do ensino de língua portuguesa no


Brasil, sua relação com o LD e os PCNs é o objetivo deste item.

106 

 
Marcuschi (2004: 259) comenta que nunca se pensou, discutiu e investigou
tanto o ensino da Língua Portuguesa como agora. Bezerra (2010: 40) diz que
muitas teorias têm influenciado a metodologia do ensino da língua materna, umas
com mais destaque do que outras. As mais relevantes, segundo Marcuschi, são
as mais atuais

a teoria sociointeracionista vygotskyana de aprendizagem, as de


letramento e as de texto/discurso, que possibilitam considerar aspectos
cognitivos, sociopolíticos, enunciativos e linguísticos envolvidos no
processo de ensino/ aprendizagem da língua.

Essas contribuições para a reflexão sobre o ensino da língua começaram


há cerca de três décadas, portanto elas são bem recentes.

Foi a partir de meados do século XVIII, entretanto, que a disciplina de


Língua Portuguesa passou a ser obrigatória tanto em Portugal como no Brasil. A
obrigatoriedade fez com que as escolas começassem a desenvolver as aulas de
Português, baseando-se na metodologia de ensino do latim, priorizando a
identificação e análise de regras gramaticais da língua.

Convém frisar que, à época, a escola tinha um perfil diferente e seu


alunado também era outro. Os estudantes vinham de famílias abastadas e com
um nível de letramento muito avançado. Isso quer dizer que os estudantes
tinham, de berço, práticas de leitura e escrita bem desenvolvidas. O corpo
docente, usuário da norma culta, tinha condições intelectuais e materiais para
preparar aulas (cf. Bezerra, 2010: 44), gozava de autonomia para a escolha e
elaboração de exercícios e atividades.

Nos anos 50, o estudo do Português era baseado em compêndios


gramaticais e em antologias ou florilégios de autores de textos clássicos. Segundo
Soares (2007), “as gramáticas não tinham caráter didático, eram apenas
exposição de uma gramática normativa, sem comentários pedagógicos”.

A pressão popular pelo direito à alfabetização e escolarização da maioria


desembocou no processo de democratização do ensino brasileiro naquela época.

107 

 
A abertura da escola para atender às classes populares – não dominadoras da
língua de prestígio – deveria ter transformado o perfil das aulas, mas não foi o que
aconteceu.

No cenário que se formou, passaram a figurar professores menos letrados


e menos autônomos e alunos sem condições intelectuais para acompanhar
aquelas aulas construídas no padrão anterior. O fato é que, mesmo com todas as
mudanças sociais, o ensino de Língua Portuguesa não evoluiu. Continuou-se a
insistir na análise gramatical com as regras de funcionamento da língua de
prestígio, aquela que o professor e os alunos haviam deixado de dominar.

Nesse contexto é que o livro didático (LD) ganha importância como


facilitador – para o professor de formação precária que chegava ao mercado de
trabalho –, ao mesmo tempo em que a profissão do educador era desprestigiada.
A realidade é que o autor do livro didático acabou assumindo a tarefa de eleger e
elaborar exercícios e atividades didáticas, tirando toda a autonomia do professor.

Em 1990, o Ministério da Educação (MEC) produziu os Parâmetros


Curriculares Nacionais – os PCNs, com a finalidade de trazer orientações
pedagógicas às escolas e, sobretudo, aos professores. Sintonizados com as
novas tendências teórico-metodológicas, os PCNs mudaram, significativamente,
as instruções oficiais anteriores. O documento do MEC afirma que

o objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem é o conhecimento


linguístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das
práticas sociais mediadas pela linguagem. Organizar situações de
aprendizado, nesta perspectiva, supõe: planejar situações de interação
nas quais esses conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados;
organizar atividades que procurem recriar na sala de aula situações
enunciativas de outros espaços que não o escolar, considerando-se sua
especificidade e a inevitável transposição didática que o conteúdo
sofrerá; saber que a escola é um espaço de interação social onde
práticas sociais de linguagem acontecem (grifo nosso) e se
circunstanciam, assumindo características bastante específicas em
função de sua finalidade: o ensino. (Brasil, 1998: 22)

108 

 
Os parâmetros, que seguem as atuais tendências teórico-educacionais,
dão respaldo ao professor que queira se adaptar às novas pesquisas no campo
do ensino da Língua Portuguesa e mudar a sua didática, baseando-se nas
práticas sociais de linguagem. Dessa forma, a EL está sintonizada hoje com
mudanças educacionais e propõe uma nova forma de se ensinar a língua
materna, além de abrir um novo campo de pesquisa.

No próximo capítulo, explicaremos a metodologia de pesquisa utilizada


nesta dissertação, a pesquisa qualitativa interpretativista, escolhida para analisar
a maneira pela qual o livro didático selecionado para o corpus propôs as
atividades de leitura, por meio de seus exercícios.

109 

 
CAPÍTULO 3

METODOLOGIA E ANÁLISE

Neste capítulo, tratamos da metodologia de pesquisa e da análise do


corpus. Na primeira parte, contextualizamos a pesquisa, retomando as
perguntas deste trabalho e os seus objetivos. A seguir, apresentamos o
paradigma qualitativo e focamos na pesquisa interpretativista, depois
esclarecemos os aspectos da análise documental.

Na segunda parte, realizamos a análise do corpus, que consiste,


primeiramente, na descrição da coleção de que o Livro Didático (LD) faz parte,
posteriormente, analisamos a apresentação da coleção e, por fim, fazemos a
análise dos exercícios voltados para a compreensão e a interpretação de
leitura. Para finalizar, discutimos os resultados da análise.

3.1. Contextualizando a pesquisa

Neste momento, parece-nos importante fazer uma retomada das


perguntas de pesquisa que nortearam esta dissertação, tais quais os nossos
objetivos, a fim de justificar a escolha da metodologia e do material desta
investigação.

Neste trabalho, fazemos uso da pesquisa interpretativista crítica, que


está inserida no paradigma qualitativo de pesquisa, com o intuito de analisar os
exercícios de compreensão e interpretação de texto, do LD de Língua
Portuguesa, do 6º ano do Ensino Fundamental II, da coleção didática
Português – linguagens, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar
Magalhães.

As nossas perguntas de pesquisa são:

110
1. Qual o modelo de leitura que subjaz à proposta do LD?
2. De que forma os autores tentam acionar o conhecimento
prévio dos aprendentes?
Portanto, os nossos objetivos ao desenvolvermos este trabalho são:
1. Constatar qual o modelo de leitura que subjaz a proposta do
LD analisado.
2. Analisar de que forma os autores tentam acionar o
conhecimento prévio dos aprendentes.

3.2. Paradigma qualitativo x paradigma quantitativo

Os modelos de investigação científica em ciências humanas e sociais


estão em dois paradigmas: o quantitativo e o qualitativo. Antônio Chizzotti
(2011: 27) diz que

a pesquisa atual em ciências humanas e sociais segue duas


orientações básicas a partir dos fundamentos e práticas de pesquisa,
com pressupostos teóricos, modos de abordar a realidade e meios de
colher informações diferentes, genericamente designadas de
pesquisas quantitativas ou qualitativas.

A primeira deriva do paradigma positivista e é caracterizada pela


tradição lógico-empirista. “O positivismo começou a ser empregado nas
ciências exatas e foi depois importado pelas ciências sociais, a partir do início
do século XX, desfrutando desde então de grande prestígio.” (BORTONI-
RICARDO, 2008: 10) Era o método exemplar na construção de conhecimento,
pois seguia um padrão uniforme e determinado, que constava de observação,
formulação da hipótese, verificação, predição e explicação científica.

A pesquisa positivista estruturou-se a partir de Auguste Comte (1787-


1857), no século XIX e, desde então, exerceu grande influência nas atividades

111
científicas e culturais. Stella Maris Bortoni-Ricardo (2008) aponta que “desde
meados do século XIX, a teoria da ciência começou a confundir-se com a
própria teoria do conhecimento, de tal forma que todo conhecimento
considerado legítimo passou a ter sua fundamentação na pesquisa científica.”
Outros grandes precursores intelectuais da tradição cientificista, como lembra
Chizzotti (2011), são Francis Bacon (1561-1621), René Descartes (1596-1650),
Galileu Galilei (1564-1642), Hobbes (1588-1678), Isaac Newton (1642-1727),
John Locke (1632-1704), Berkley (1685-1753), David Hume (1711-1776) e
John Stuart-Mill (1806-1873).

Para finalizar a apresentação das ideias positivistas de pesquisa,


acrescentamos que,

de acordo com o paradigma positivista, a realidadeé apreendida por


meio da observação empírica. As descobertas se dão pela via da
intuição, que é o processo de chegar a regras e leis gerais pela
observação das regularidades. Pode-se também trabalhar nesse
paradigma pelo processo hipotético-dedutivo, que concilia a
interpretação empírica com as certezas da lógica dedutiva.
(BORTONI-RICARDO, 2008: 14)

Em oposição ao positivismo, surgiram as pesquisas qualitativas que,


diferentemente, “não têm um padrão único porque admitem que a realidade é
fluente e contraditória e os processos de investigação dependem também do
pesquisador – sua concepção, seus valores, seus objetivos.” (CHIZZOTTI,
2011: 26) Foram ganhando destaque a partir dos anos de 1970, se
caracterizavam-se por questionarem as certezas e as normas dos métodos das
pesquisas puramente experimentais “ocorrendo uma perda de confiança nas
teorias que os fundamentavam, de modo que uma nova maneira de conceber o
conhecimento começou a surgir, com a adoção de novos instrumentos e de

112
novos olhares teórico-metodológicos para com a realidade” (Sugayama, 2011:
66).

Chizzotti (2011: 48) faz uma descrição histórica das pesquisas em


ciências humanas e sociais e explica que a evolução das pesquisas qualitativas
“está marcada por rupturas mais que progressão cumulativa, abriga tensões
teóricas subjacentes, cada vez mais inovadoras que a distanciam de teorias,
práticas e estratégias únicas de pesquisa”.

O paradigma qualitativo é plural, não pertence a nenhuma disciplina, é


um campo de investigação que não possui nenhum conjunto de métodos ou
práticas que sejam inteiramente seu. “Os pesquisadores qualitativos utilizam
análise semiótica, a análise da narrativa, do conteúdo, do discurso, de
arquivos, e a fonêmica e até mesmo as estatísticas, as tabelas, os gráficos e os
números.” (Denzin & Lincoln, 2006: 20) Todas essas práticas trazem distintas e
importantes contribuições à pesquisa qualitativa, portanto não se pode
privilegiar nenhuma em detrimento de outras.

Influenciada por tantas ofertas de conhecimentos, torna-se uma difícil


tarefa encontrar uma única definição do campo. Nelson e colaboradores (1992:
4, apud Denzin & Lincoln, 2006: 21) tentam defini-lo:

A pesquisa qualitativa é um campo interdisciplinar,


transdisciplinar e às vezes, contradisciplinar, que atravessa as
humanidades, as ciências sociais e as ciências físicas. A pesquisa
qualitativa é muitas coisas ao mesmo tempo. Tem um foco
multiparadigmático. Seus praticantes são suscetíveis ao valor da
abordagem de múltiplos métodos, tendo um compromisso com a
perspectiva naturalista e a compreensão interpretativa da experiência
humana. Ao mesmo tempo, trata-se de um campo inerentemente
político e influenciado por múltiplas posturas éticas e políticas. A
pesquisa qualitativa adota duas tensões ao mesmo tempo. Por um
lado, é atraída a uma sensibilidade geral, interpretativa, pós-
experimental, pós-moderna, feminista e crítica. Por outro lado, é
atraída a concepções da experiência humana e de sua análise mais
restritas à definição positivista, pós-positivista, humanista e
naturalista. Além disso, essas tensões podem ser combinadas ao
mesmo projeto, com a aplicação tanto das perspectivas pós-moderna
e naturalista quanto das perspectivas crítica e humanista.

113
Dentre tantas posturas epistemológicas que a pesquisa qualitativa
acolhe, Thomas A. Schwandt (2006) escolhe três delas – o interpretativismo, a
hermenêutica e o construcionismo social – e aprofunda-se em um exame
descritivo e comparativo. Schwandt (2006: 195) diz que

o interpretativismo, a hermenêutica e o construcionismo social


seguem diferentes perspectivas quanto ao objetivo e à prática da
compreensão da ação humana, de diferentes compromissos éticos e
de diferentes posturas em relação a questões metodológicas e
epistemológicas que envolvam a representação, a validação a
objetividade, e assim por diante.

Delas, pode-se afirmar que o interpretativismo e a hermenêutica


nasceram no final do século XIX e início do século XX, como reações à, então
dominante, filosofia do positivismo. Seus defensores justificavam-nas
declarando que as ciências humanas tinham diferenças fundamentais em
relação às ciências naturais. O interpretativismo afirmava que o objetivo das
ciências humanas era compreender a ação humana, em contrapartida, o
positivismo afirmava que a finalidade de qualquer ciência é explicar causas de
fenômenos sociais, comportamentais e físicos (cf. Schwandt, 2006).

Neste trabalho, optamos pela filosofia interpretativista de pesquisa


qualitativa, pois pretendemos compreender como os autores do livro didático
veem o processo de leitura e como estimulam ou influenciam professores e
estudantes a desenvolvê-la em sala de aula, por meio de exercícios propostos,
além de assinalarmos ser a nossa visão apenas uma das possíveis análises
que poderiam ser realizadas desse corpus.

Na próxima seção, focalizamos a pesquisa interpretativista.

114
3.2.1. Pesquisa interpretativista crítica

Do ponto de vista interpretativista crítica, o que diferencia a ação (social)


humana do movimento dos objetos físicos é o fato de a primeira ser
inerentemente significativa, ou seja, é dizer que ela possui certo conteúdo
intencional que indica seu tipo de ação e/ou que o significado de uma ação
pode ser compreendido apenas como um sistema de significados ao qual ele
pertence (cf. Fay, 1996; Outhwaite, 1975, apud Schwandt, 2006).

O interpretativismo é visto como uma forma alternativa de trabalhar com


o conhecimento, porque, diferentemente da objetividade marcada do
positivismo, nele leva-se em conta a subjetividade do pesquisador. Bortoni-
Ricardo (2008: 33-4) define o interpretativismo como um conjunto de métodos e
práticas que abarcam diversas pesquisas qualitativas, como a

pesquisa etnográfica, observação participante, estudo de caso,


interacionismo simbólico, pesquisa fenomenológica e pesquisa
construtivista, entre outros. Interpretativismo é uma boa denominação
geral porque todos esses métodos têm em comum um compromisso
com a interpretação das ações sociais e com o significado que as
pessoas conferem a essas ações na vida social. (cf. Erickson, 1990)

A pesquisa de análise documental é uma das possíveis pesquisas


interpretativistas do paradigma qualitativo. Em nosso trabalho, fazemos uso
dessa pesquisa, a qual apresentamos na próxima seção.

3.2.2. Análise documental

Nesta seção, após começarmos fazendo uma breve descrição do


documento escrito, explicamos quais são os procedimentos metodológicos da
análise documental: a análise preliminar e a análise propriamente dita.

115
Definir o que é documento não é fácil, porém torna-se muito importante,
por constituir a história de todas as ciências sociais. André Cellard (2010: 296-
7), na tentativa de definir o que é documento, afirma que

tudo o que é vestígio do passado, tudo o que serve de testemunho, é


considerado como documento ou “fonte”, como é mais comum dizer,
atualmente. Pode tratar-se de textos escritos, mas também de
documentos de natureza iconográfica e cinematográfica, ou de
qualquer outro tipo de testemunho registrado, objetos do cotidiano,
elementos folclóricos, etc.

No entanto, o documento discutido neste trabalho é o escrito, por isso,


nos atemos a ele. Oriundos de diversas naturezas, os documentos escritos
podem ser de domínio privado, privados ou pessoais, ou de domínio público,
arquivados ou não arquivados.

O documento escrito possibilitou o avanço no desenvolvimento das


sociedades letradas, no sentido de registrar conhecimentos, fatos e possibilitar
a reconstrução. Portanto, constituiu uma fonte muito rica ao pesquisador das
ciências humanas e sociais. O documento permite ao pesquisador reconstituir
tempos passados. Não é por acaso que quase a totalidade dos vestígios das
atividades humanas de determinadas épocas foi representada por ele. (cf.
CELLARD, 2010)

Hoje, pode-se fazer análise de documentos atuais, como o livro didático,


pois ele mostra uma forma de se conceber o ensino e a aprendizagem de uma
determinada área de conhecimento. A historiografia linguística, “o modo de
refletir sobre o saber linguístico produzido, tendo como objetivo
descrever/explicar como se desenvolveu tal saber em determinado contexto”
(BASTOS & PALMA, 2008: 14), considera objetos de estudo contemporâneo os
produzidos a partir da segunda metade do século XX. A partir dessa época viu-
se a necessidade de esclarecer os acontecimentos presentes.

116
Bastos e Palma (2008: 15) afirmam que “o historiógrafo do tempo
presente deve definir com rigor seu campo de investigação, seu método, as
fontes disponíveis e as posições que assume frente à história da qual foi
participante”, pois dessa forma, traz mais objetividade ao estudo, uma vez que
o pesquisador está inserido no tempo, no contexto que se analisa.

No plano metodológico, a análise documental apresenta algumas


vantagens e desvantagens. Por um lado, esse tipo de análise é menos
subjetiva, porque o pesquisador não exerce nenhum tipo de influência sobre o
material, no momento da coleta, podendo alterá-lo. Diferentemente de outras
pesquisas qualitativas em que há a interação do pesquisador com o objeto
pesquisado, quando se trata de pessoas. Por outro lado, por ser um documento
escrito, o pesquisador disporá apenas das informações contidas nele, “a
informação, aqui, circula em sentido único; pois, embora tagarela, o documento
permanece surdo, e o pesquisador não pode dele exigir precisões
suplementares” (CELLARD, 2010: 295-6).

Caracterizado o documento, passamos agora para a descrição da


análise documental. O primeiro passo antes da análise é o que chamamos de
análise preliminar, que consiste em cinco dimensões: o contexto, o autor ou os
autores, a autenticidade e a confiabilidade do texto, a natureza do texto e os
conceitos-chave e a lógica interna do texto. Por fim, a análise.

3.2.2.1. O contexto

O contexto da análise documental de um documento escrito é


importante, pois ele dá ao pesquisador informações necessárias nas diversas
etapas da análise, como na elaboração de um problema ou no próprio
momento da análise. Referimo-nos por contexto “a conjuntura política,
econômica, social, cultural, que propiciou a produção de um documento
determinado” (CELLARD, 2010: 299).

117
3.2.2.2. O autor ou os autores

O reconhecimento da origem social, da ideologia ou dos interesses


particulares do autor ou dos autores de um documento possibilita a
compreensão mais precisa dos elementos do documento. Em uma análise
documental, é imprescindível que o pesquisador tenha uma boa ideia da
identidade de quem “se expressa, de seus interesses e dos motivos que o
levaram a escrever” (CELLARD, 2010: 300).

Por fim, André Cellard (2010: 300) complementa afirmando que

elucidar a identidade do autor possibilita, portanto, avaliar melhor a


credibilidade de um texto, a interpretação que é dada de alguns fatos,
a tomada de posição que transparece de uma descrição, as
deformações que puderam sobrevir na reconstituição de um
acontecimento.

3.2.2.3. A autenticidade e a confiabilidade do texto

Essencial também é a qualidade das informações obtidas por meio de


um documento, saber qual a relação entre os autores e o que eles escrevem. O
pesquisador deve certificar-se da autenticidade e da confiabilidade do texto,
além da sua procedência.

3.2.2.4. A natureza do texto

Levando em conta que quem escreve algo, escreve para ser lido por
alguém, ou seja, escreve pensando em um leitor ideal, é importante que se
saiba qual a natureza do texto, para quem o texto é dirigido. A natureza do

118
texto orientará a forma como o autor se exprimirá. “Efetivamente, a abertura do
autor, os subentendidos, a estrutura de um texto podem variar enormemente,
conforme o contexto no qual ele é redigido” (CELLARD, 2010: 302).

3.2.2.5. Os conceitos-chave e a lógica interna do texto

Esse aspecto diz respeito ao entendimento ou compreensão dos termos


empregados pelo autor do documento. Principalmente quando se trata de
documentos antigos, em que as palavras eram empregadas com diferentes
significados em relação ao que se usa hoje. Por nossa análise se tratar de uma
análise documental do tempo presente, esta etapa não será utilizada.

3.2.2.6. A análise

Após o trabalho da análise preliminar concluído, é o momento de juntar


todas as etapas anteriores para que o pesquisador possa, assim, ter uma
interpretação coerente, considerando a temática e o questionamento inicial.
Cellard (2010: 303) diz que a abordagem permanece tanto indutiva quanto
dedutiva. Assim,

a escolha de pistas documentais apresentadas no leque que é


oferecido ao pesquisador, deve ser feita à luz do questionamento
inicial. Porém, as descobertas e as surpresas que o aguardam à
vezes obrigam-no a modificar ou a enriquecer o referido
questionamento.

3.1. Análise do corpus

Nesta seção, fazemos a análise do corpus. O corpus escolhido para esta


dissertação é o livro didático (LD) de Língua Portuguesa do 6º ano do Ensino
Fundamental II. Este LD pertence à coleção Português: Linguagens – Ensino

119
Fundamental, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar
Magalhães.

3.1.1. Análise preliminar

A análise preliminar, neste trabalho, consiste em três etapas: o contexto,


em que são analisados os parâmetros curriculares nacionais dos terceiro e
quarto ciclos do Ensino Fundamental, de Língua Portuguesa, no que
corresponde ao ensino leitura. Na segunda etapa, são apresentados os autores
e atestados a sua autenticidade e confiabilidade e, na terceira etapa, é
apresentada a natureza do LD.

3.1.1.1. Contexto

Para entender “a conjuntura política, econômica, social, cultural, que


propiciou a produção de um documento determinado” (CELLARD, 2010: 299),
buscamos os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Língua
Portuguesa, no que se refere à leitura, porque eles foram

elaborados procurando, de um lado, respeitar diversidades regionais,


culturais, políticas existentes no país e, de outro, considerar a
necessidade de se construir referências nacionais comuns ao
processo educativo em todas as regiões brasileiras. (Souza, 1998: 5)

Dentre os objetivos gerais de ensino de Língua Portuguesa, para o


Ensino Fundamental, aquele que se refere à leitura é habilitar os aprendentes a
(BRASIL, 1998: 33):

120
Analisar criticamente os diferentes discursos, inclusive o próprio,
desenvolvendo a capacidade de avaliação de textos:

 Contrapondo sua interpretação da realidade a diferentes


opiniões;
 Inferindo as possíveis intenções do autor marcadas no texto;
 Identificando referências intertextuais presentes no texto;
 Percebendo os processos de convencimento utilizados para
atuar sobre o interlocutor/leitor;
 Identificando e repensando juízos de valor tanto
socioideológicos (preconceituosos ou não) quanto histórico-
culturais (inclusive estéticos) associados à linguagem e à
língua;
 Reafirmando sua identidade pessoal e social.

Quando se trata dos objetivos de ensino, especificamente, do terceiro e


do quarto ciclo (6º ao 9º ano) do Ensino Fundamental,

no processo de leitura de textos escritos, espera-se que o aluno:

 Saiba selecionar textos segundo seu interesse e


necessidade;
 Leia, de maneira autônoma, textos de gêneros e temas com
os quais tenha construído familiaridade:
o Selecionando procedimentos de leitura adequados a
diferentes objetivos e interesses, e a características
do gênero e suporte;
o Desenvolvendo sua capacidade de construir um
conjunto de expectativas (pressuposições
antecipadoras dos sentidos, da forma e da função do
texto), apoiando-se em seus conhecimentos prévios
sobre gênero, suporte e universo temático, bem como
saliências textuais – recursos gráficos, imagens,
dados da própria obra (índice, prefácio, etc.);
o Confirmando antecipações e inferências realizadas
antes e durante a leitura;
o Articulando o maior número possíveis de índices
textuais e contextuais na construção do sentido do
texto, de modo a:
a. Utilizar inferências pragmáticas para dar
sentido a expressões que não pertençam a
seu repertório linguístico ou estejam
empregadas de forma não usual em sua
linguagem;

121
b. Extrair informações não explicitadas,
apoiando-se em deduções;
c. Estabelecer a progressão temática;
d. Integrar e sintetizar informações,
expressando-as em linguagem própria,
oralmente ou por escrito;
e. Interpretar recursos figurativos tais como:
metáforas, metonímias, eufemismos,
hipérboles etc.;
o Delimitando um problema levantado durante a leitura
e localizando as fontes de informação pertinentes
para resolvê-lo;
 Seja receptivo a textos que rompam com seu universo de
expectativas, por meio de leituras desafiadoras para sua
condição atual, apoiando-se em marcas formais do próprio
texto ou em orientações oferecidas pelo professor;
 Troque impressões com outros leitores a respeito dos textos
lidos, posicionando-se diante da crítica, tanto a partir do
próprio texto como de sua prática enquanto leitor;
 Compreenda a leitura em suas diferentes dimensões – o
dever de ler, a necessidade de ler e o prazer de ler;
 Seja capaz de aderir ou recusar as posições ideológicas que
reconheça nos textos que lê.
 (BRASIL, 1998: 49-51)

Quanto aos conteúdos trabalhados nos dois últimos ciclos do Ensino


Fundamental, para o desenvolvimento de leitura de textos escritos, estão
(BRASIL, 1998: 55-7):

 Explicitação de expectativas quanto à forma e ao conteúdo do


texto em função das características do gênero, do suporte, do
autor, etc.;
 Seleção de procedimentos de leitura em função dos
diferentes objetivos e interesses do sujeito (estudo, formação
pessoal, entretenimento, realização de tarefa) e das
características do gênero e suporte:
o Leitura integral: fazer a leitura sequenciada e
extensiva de um texto;
o Leitura inspecional: utilizar expedientes de escolha de
textos para leitura posterior;
o Leitura tópica: identificar e corrigir, num texto dado,
determinadas inadequações em relação a um padrão
estabelecido;
o Leitura item a item: realizar uma tarefa seguindo
comandos que pressupõem uma ordenação
necessária;
 Emprego de estratégias não-lineares durante o
processamento de leitura:

122
o Formular hipóteses a respeito do conteúdo do texto,
antes ou durante a leitura;
o Validar ou reformular as hipóteses levantadas a partir
das novas informações obtidas durante o processo
da leitura;
o Avançar ou retroceder durante a leitura em busca de
informações esclarecedoras;
o Construir sínteses parciais de partes do texto para
poder prosseguir na leitura;
o Inferir o sentido de palavras a partir do contexto;
o Consultar outras fontes em busca de informações
complementares (dicionários, enciclopédias, outro
leitor);
 Articulação entre conhecimentos prévios e informações
textuais, inclusive as que dependem de pressuposições e
inferências (semânticas, pragmáticas) autorizadas pelo texto,
para dar conta de ambiguidades, ironias e expressões
figuradas, opiniões e valores implícitos, bom como as
intenções do autor;
 Estabelecimento de ralações entre os diversos segmentos do
próprio texto, entre o texto e outros textos diretamente
implicados pelo primeiro, a partir de informações adicionais
oferecidas pelo professor ou consequentes da história de
leitura do sujeito;
 Articulação dos enunciados estabelecendo a progressão
temática, em função das características das sequências
predominantes (narrativa, descritiva, expositiva,
argumentativa e conversacional) e de suas especificidades no
interior do gênero;
 Estabelecimento da progressão temática em função das
marcas de segmentação textual, tais como: mudança de
capítulo ou de parágrafo, títulos e subtítulos, para textos em
prosa; colocação em estrofes e versos, para textos em
versos;
 Estabelecimento das relações necessárias entre o texto e
outros textos e recursos de natureza suplementar que o
acompanham (gráficos, tabelas, desenhos, fotos, boxes) no
processo de compreensão e interpretação do texto;
 Levantamento e análise de indicadores linguísticos e
extralingüísticos presentes no texto para identificar as várias
vozes do discurso e o ponto de vista que determina o
tratamento dado ao conteúdo, com a finalidade de:
o Confrontá-lo com o de outros textos;
o Confrontá-lo com outras opiniões;
o Posicionar-se criticamente diante dele;
 Reconhecimento dos diferentes recursos expressivos
utilizados na produção de um texto e seu papel no
estabelecimento do estilo do próprio texto ou de seu autor.

3.1.1.2. Sobre os autores

William Roberto Cereja é professor da rede particular de ensino em São


Paulo, capital, graduado em Português e Linguística e licenciado em Português
pela Universidade de São Paulo. Cereja também é mestre em Teoria Literária

123
pela Universidade de São Paulo, doutor em Linguística Aplicada e Análise do
Discurso na PUC-SP.

Magalhães é professora da rede pública de ensino em Araraquara, SP,


graduada em Português e Francês e licenciada pela FFCL de Araraquara, SP.
Mestra em Estudos Literários pela Unesp de Araraquara, SP.

Apresentados os autores, explicamos em quais etapas consiste a


análise do corpus. Em primeiro lugar, fazemos uma descrição da coleção de
LD proposta pelos autores, qual a estrutura das seções presentes nos livros.
Em segundo lugar, analisamos a apresentação da coleção, levantando o que
os autores dizem pretender com a coleção. Em terceiro lugar, fazemos a
análise das questões que abordam a compreensão e interpretação dos textos.
Por último, discutimos os resultados da analise desenvolvida.

3.1.1.3. Natureza do LD

O documento analisado trata-se de um livro didático, portanto, um


material didático, voltado a auxiliar o professor a conduzir as aulas de Língua
Portuguesa. Para que se caracterizemos mais profundamente a natureza
desse livro, adiante descrevemos a coleção de que ele faz parte e em seguida
analisamos a apresentação feita pelos próprios autores do LD.

3.1.1.3.1. Descrição da coleção

A coleção de LD Português: Linguagens – Ensino Fundamental, de


William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, voltada para ensino
fundamental II (do 6º ao 9º ano), é composta de quatro livros, cada um é
destinado a uma série. Cada um dos volumes é composto por quatro
unidades, e cada unidade por quatro capítulos. O último chama-se
Intervalo, diferencia-se dos outros, por apresentar um projeto que
envolva toda a classe. Toda unidade é precedida de uma seção
introdutória, na qual são apresentados os temas abordados na unidade.

124
As páginas de abertura se destinam ao aquecimento do tema da
unidade no que diz respeito ao gênero discursivo, que será abordado no
decorrer das demais páginas. Com alguma imagem e textos curtos, a abertura
tem também a seção Fique ligado! Pesquise!, que sugere atividades,
pesquisas possíveis de serem realizadas em classe ou extraclasse. Por
exemplo, assistir a filmes, ler livros, pesquisas na internet, ouvir músicas etc.
Assim, podendo ampliar o conhecimento prévio dos aprendentes sobre
determinado gênero.

Na segunda parte da abertura, há a seção De olho na imagem,


que se destina à leitura sistematizada de linguagens não verbais ou
transverbais, ainda com a possibilidade de ampliar o conhecimento
prévio dos aprendentes.

Como último capítulo das unidades, Intervalo procura retomar e


aprofundar de diferentes maneiras o gênero ou tema trabalhado. São
momentos em que os estudantes criam situações de uso dos gêneros textuais/
discursivos de maneira que os gêneros possam parecer menos artificiais, uma
vez que, como são trabalhados na escola, são descaracterizados do ambiente
real e podem perder o sentido.

Sobre os capítulos, todos os livros da coleção possuem a mesma


estrutura. Cada capítulo possui cinco seções essenciais: Estudo do texto,
Produção de texto, Para escrever com adequação/ coerência/ coesão/
expressividade, A língua em foco e De olho na escrita.

 Estudo do texto: É uma seção que pretende trabalhar


competência leitora dos aprendentes, selecionam textos que
circulam socialmente, tais como o ficcional, o poético, o
jornalístico, o autobiográfico, o publicitário, a entrevista, o de
iniciação científica, o cartum, a charge, a pintura, a fotografia, etc.
Esta seção está organizada em 6 partes, em que algumas são
facultativas: Compreensão e interpretação, A linguagem do
texto, Leitura expressiva do texto, cruzando linguagens,

125
trocando ideias e ler é um prazer/ emoção/ descoberta/
diversão/ reflexão;
 Produção de texto: Trata de trabalhar com diversos gêneros do
discurso de ampla circulação social, essa seção mantém o
diálogo com o tema da unidade e com os textos estudados no
capítulo. É dividida em duas partes: a primeira em que são
caracterizadas as características do gênero e a segunda em que
os aprendentes deverão produzir seu próprio texto, de acordo
com o gênero determinado, denominada de Agora é a sua vez;
 Para escrever/ falar com adequação/ expressividade/
coerência e coesão: É uma seção que varia o nome, de acordo
com que é pedido. Trata de exercitar aspectos específicos da
língua como vocabulário, grau de informatividade, ambiguidades,
discursos citados, valores estilísticos de pontuação etc.
 A língua em foco: Nessa seção, são estudados os aspectos
linguísticos da Língua Portuguesa. Neste momento, os
aprendentes realizam exercícios gramaticais, porém desde
outra perspectiva, espera-se que o aprendente deixe de
apenas descrever a língua, conforme a variedade culta e
passe a operar a língua como um todo, isto é, aproprie-se de
seus recursos de expressão, orais e escritos, e utilizá-los de
forma consciente. Ela apresenta os tópicos: Construindo o
conceito, conceituando, A categoria gramatical estudada
na construção do texto e Semântica e discurso.
 De olho na escrita: Essa seção trabalha os aspectos
notacionais da língua, como a ortografia e a acentuação.
Está presente em dois ou mais capítulos de cada unidade.

126
Vejamo
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127
128
129
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131
132
3.1.1.3.2. Análise da apresentação da coleção Português:
Linguagens – Ensino Fundamental

O objetivo desta seção é o de analisar como os autores do LD


apresentam o volume, como eles se dizem trabalhar e apresentar a sua
proposta de ensino da língua, para que mais adiante, possamos conferir como
essa teoria se dá na prática dos exercícios.

A apresentação do livro está situada na introdução do manual do


professor, anexado ao final do livro do professor. Por ser a terceira edição,
sendo a primeira lançada em 1998, os autores explicam quais as diferenças
entre ela e a última.

Confirmam e aprofundam características das edições anteriores, como,

por exemplo, a proposta de um trabalho consistente de leitura, com


uma seleção criteriosa de textos – que vão dos clássicos da literatura
universal aos autores da literatura contemporânea brasileira –,
comprometida com a formação de leitores competentes de todos os
tipos de textos e gêneros em circulação social; uma abordagem de
gramática normativa, essenciais ao exercício de um mínimo de
metalinguagem – como substantivo, verbo, pronome, complementos,
adjuntos –, alarga o horizonte dos estudos da linguagem, apoiando-
se nos recentes avanços da linguística textual; e o interesse em
explorar (seja na condição de receptor, seja na de produtor) outras
linguagens, além da verbal, como a pintura, a fotografia, o cinema, o
cartum, o anúncio publicitário, etc. (CEREJA & MAGALHÃES, 2006:
2)

Os autores afirmam ter uma mudança de postura em relação à língua,


deixando a noção de erro e assumindo a de adequação, dando lugar à
variedades linguísticas. No decorrer do livro, criam situações concretas de
interação discursiva, há o desenvolvimento de projetos como forma de garantir
“a participação efetiva do aluno-sujeito no processo de construção do
conhecimento” (CEREJA & MAGALHÃES, 2006: 2).

133
Cereja & Magalhães (2006: 2) propõe um material didático de ensino de
língua, que a veja “como um instrumento de comunicação, de ação e de
interação social”, que dê um novo um novo tratamento aos conteúdos, agora
vistos a partir da “semântica, da estilística, da linguística e da análise do
discurso”. Pensam um trabalho integrado entre produção de leitura, de textos e
reflexão sobre a língua.

3.1.2. Análise das questões sobre leitura

Terminada a análise preliminar, analisaremos agora as questões sobre


leitura, do capítulo I, da primeira unidade do LD. Essas questões correspondem
à seção introdutória da unidade, em que se apresenta o tema estudado na
unidade e à seção Compreensão e interpretação, inserida na seção Estudo
do texto, em que se estuda o texto apresentado na abertura do capítulo.

A unidade 1, No mundo da fantasia, apresenta na seção introdutória o


tema que será estudado, por meio das linguagens verbais e não-verbais. Nesta
introdução, ao mesmo tempo em que os autores disponibilizam materiais para
serem expostos e discutidos com os aprendentes, dão espaço para que o
ensinante realize o trabalho de ativação dos conhecimentos prévios da forma
que parecer mais adequada à sua turma de estudantes.

Na primeira parte há o poema O caminho da floresta, de Rudyard Kipling


ao lado de seis imagens que fazem alusão a figuras (animais, objetos e
ambientes) típicas de histórias fantásticas. Os autores trazem informações
adicionais, que não estão no livro do aluno, aos professores, para que
comentem com os aprendentes, como quem foi o poeta Rudyard Kipling, autor
do poema.

Na segunda parte, na seção Fique ligado! Pesquise!, o aprendente


encontrará sugestões de livros, vídeos, websites com o mesmo tema: contos
de fada.

Na terceira parte, há a seção De olho na imagem, é apresentada uma


pintura, pela qual os autores dizem pretender levar os aprendentes a

134
desenvolver habilidades de leitura de textos não verbais, tais como observar,
comparar, levantar hipóteses, inferir, identificar, explicar, estabelecer relações
de causa e conseqüência.

No entanto, o quadro The land of enchantment, de Norman Rockwell,


apresentado, não parece poder ajudar a desenvolver tais habilidades, uma vez
que mal podemos identificar o que está sendo representado. Por isso, a
linguagem não verbal escolhida nos parece ser inadequada à proposta.
Sigamos para a análise das perguntas:

1. Há, na pintura, dois planos: no primeiro vemos um menino e


uma menina e, no segundo, de fundo, vemos vários elementos.
Observe o primeiro plano.
a. O que o menino e a menina estão fazendo? Estão lendo.
b. Que idade você imagina que eles tenham? Provavelmente
entre 8 e 11 anos.
c. Pelas roupas, é possível dizer que esses meninos são do
nosso tempo ou de uma época passada? Por quê? São de
uma época passada, pois as crianças de hoje se vestem de outra maneira.
O vestido da menina e os sapatos dos dois são bem diferentes com os de
hoje.
2. Abaixo das crianças, há uma inscrição em inglês, cuja tradução
é o próprio nome do quadro: A terra do encantamento. Observe
que, no plano de fundo da pintura, há várias personagens.
a. Em que lugar elas estão? Numa floresta.
b. Quem são elas? Espera-se que o aluno perceba que são personagens
de algumas histórias conhecidas.
c. Que relação há entre elas e os livros que as crianças
estão lendo? As personagens pertencem às histórias que as crianças
estão lendo, fazem parte da “terra do encantamento” que aparece nos
livros.

As duas primeiras questões induzem o aprendente a identificar no


quadro as personagens do primeiro plano e o as personagens e o ambiente em
que estão no segundo plano, a fim de que ele possa se situar, por meio da
observação e identificação da linguagem não-verbal. Na segunda questão,

135
tenta-se induzir os aprendentes a ativar o seu conhecimento prévio acerca das
histórias fantásticas, em que aparecem os personagens do plano de fundo, no
entanto, essa tarefa parece estar prejudicada uma vez que a imagem não está
clara.

3. Na “terra do encantamento”, vivem personagens que povoam a


fantasia de crianças e adultos de todo o mundo. Tente descobrir
as histórias a que elas pertencem. Sem resposta.

A terceira pergunta é uma forma de reforçar o que já foi suscitado na


questão anterior, a identificação das personagens do plano de fundo, porém,
desta vez, situando-as em suas histórias de origem.

4. Observe as crianças lendo e os objetos que estão do lado delas.


Na sua opinião, elas gostam de ler? Por quê? Professor: estimule os
alunos a observar a postura e a expressão facial das personagens, bem como a
quantidade de livros que elas têm do lado. Tudo isso sugere que elas adoram ler.

Dessa vez, o aprendente é estimulado a opinar sobre a imagem, embora


não tenha material suficiente para fazê-lo, primeiro por não haver clareza ou
nitidez na imagem, segundo, por ser uma resposta muito subjetiva, pois os
elementos trazidos não são precisos. Pode-se verificar isso, pela sugestão que
os autores dão ao professor, pois sem ela, nem o professor teria condições de
tal inferência.

5. Quando lemos, nos transportamos para um mundo em que tudo


pode acontecer: animais falam, piratas perigosos nos ameaçam
com mão de gancho, sapos nojentos viram lindos príncipes,
monstros horríveis transformam-se em pessoas bonitas por
dentro e por fora... Essa é a “terra do encantamento” ou o
mundo da fantasia que está à nossa espera nos livros?
a. Quais das histórias do mundo da fantasia você já leu?
b. De qual você gostou mais? Por quê?
c. Para você, o que é a leitura?
Respostas pessoais. Professor: O objetivo da questão é favorecer a troca
de experiências sobre leitura de contos maravilhosos, fábulas e outros
gêneros. Essa troca é importante tanto para a formação de novos leitores,

136
quanto para ativar o conhecimento prévio dos alunos, antes que eles
iniciem o capítulo 1, o estudo sistematizado dos contos maravilhosos.
Portanto, estimule os alunos a relatar suas impressões e experiências com
a leitura.

A quinta e última questão, como os próprios autores explicam, tem o


objetivo de suscitar a discussão entre os aprendentes sobre o tema que será
estudado na Unidade 1: os contos maravilhosos, fábulas, etc. Retoma as
questões feitas na segunda e terceira pergunta, pois se supõe que se eles
conhecem a história, ela provavelmente já a tenha lido.

Importante comentar que esta seção, De olho na imagem, propõe-se a


estimular discussões orais sobre determinado tema, a fim de fazer com que os
aprendentes ativem o conhecimento que já possuem acerca dos textos que
seguirão.

Confira a seguir, as páginas de abertura da Unidade 1:

137
138
139
140
141
Termina
ada a parte
e introdutó
ória, passa
amos à aná
álise das qquestões sobre
s
leitura do primeiro cap
pítulo Era uma vez
z, da Unidade 1. P
Para que nos
conttextualizem
mos, antes das q uestões, apresenta
amos o primeiro texto
analisado: O ganso
g de ouro.

142
143
144
1. O texto “O ganso de ouro” conta uma história. O texto que conta
uma história chama-se texto narrativo. Todo texto narrativo
apresenta fatos em sequência: um fato, que dá origem a outro fato,
e assim por diante. No conto em estudo, por exemplo, João Bocó
divide seu lanche com um homem velho.
a. Que efeito esse fato causa no destino de João? João recebe um
ganso de ouro por recompensa e sai pelo mundo em busca de aventuras.

b. Por que o conto “O ganso de ouro” e outros contos


semelhantes a esse são conhecidos como contos
maravilhosos? Dê sua opinião. Resposta pessoal. Espera-se que o
aluno responda que contos desse tipo têm em comum o mágico, o
sobrenatural, o insólito, isto é, situações que não podem ser explicadas à luz
da razão. Professor: O conto em estudo e tantos outros são denominados
contos de fada (tendo ou não fadas em suas narrativas) ou contos
maravilhosos. Como a presença de elementos mágicos é comum em inúmeras
narrativas, no mundo todo, optamos por adotar a denominação mais genérica:
conto maravilhoso. O termo maravilhoso vem do latim mirabilia, que significa
“notável, assombroso, encantador; aquilo que se pode admirar com os olhos”.

c. Em “O ganso de ouro”, que fatos podem ser considerados


fora do comum, espantosos? Cite dois exemplos. O velho ter
transformado o pão em bolo e a água em vinho; o velho ter dado um ganso de
ouro a João Bocó; as pessoas ficarem presas nas penas do ganso; um homem
comer uma montanha de pão; um navio navegar na terra, etc.

A primeira questão começa a apresentar ao aprendente as


características do gênero lido: o conto maravilhoso, como a estrutura narrativa
e o elemento fantástico. No item A, o que se exige do aprendente é a
interpretação, pois o que se pede é a identificação de uma informação no texto.

Logo no segundo item, no item B, ainda sem material levantados


suficientes, pede-se que o aprendente opine por que os contos são
caracterizados como maravilhosos.

No item C, os autores voltam a pedir que se interprete, identificando


novas informações no texto lido.

145
2. Uma história pode ser vivida por pessoas, animais e, às vezes, até
por objetos. Quem vive uma história, chama-se personagem. Leia o
boxe ao lado e responda:
a. No conto “O ganso de ouro”, quem é o protagonista? João
Bocó.

b. Nesse conto, não há um vilão cruel ou maldoso. Entretanto,


quem se opõe à vontade de João Bocó? O rei.
c. Nos contos maravilhosos que você conhece, como são
normalmente os heróis? Resposta pessoal. Espera-se que o aluno
responda que os heróis geralmente são inteligentes, corajosos, espertos,
bonitos, etc.

d. O protagonista do conto “O ganso de ouro” assemelha-se


aos heróis que você conhece? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal. Espera-se que o aluno responda que não, pois todos
consideravam o João Bocó um bobalhão e desastrado; daí seu apelido.

e. Apesar disso, que qualidades fazem de João Bocó um herói?


A generosidade, a persistência, a inteligência e a esperteza.

Nos dois primeiros itens da segunda questão, com a ajuda de


informações extra textuais (contidas no boxe), o aprendente é levado a fazer
interpretação, por meio da identificação das personagens, o protagonista e o
antagonista.

Os dois últimos itens estão ligados entre si, pois perguntam sobre a
mesma personagem: a protagonista. No item C, o estudante é levado a
recorrer ao seu conhecimento prévio (heróis que já conhece), para poder
comparar com o conhecimento novo (o novo herói, João Bocó). No último item,
ele volta a fazer uma interpretação, e identificar as características do João
Bocó, que estão presentes no livro.

3. Depois de ganhar o presente do velho grisalho, João Bocó sai em


busca de aventuras.
a. Por que ele resolveu partir? Porque em sua casa ele não era muito
querido.

146
b. Compare o modo como o pai e a mãe de João Bocó o tratam
e como eles tratam os outros filhos. Há alguma diferença
nessa forma de tratamento? Justifique sua resposta com
elementos do texto. Sim; o pai acha os dois irmãos espertos e
inteligentes e considera João um bobo; a mãe prepara um lanche com bolo e
vinho para os filhos mais velhos e um lanche com pão e água para o João.

Nessa questão, há uma mistura de compreensão com interpretação.


Sendo que, no item A, o aprendente poderá fazer uma inferência, a partir das
atitudes que ele perceberá na história. No segundo item, o que se pede é a
identificação de informações contidas no conto, a fim de justificar a inferência
feita na primeira parte.

4. Ao chegar à cidade, João Bocó dirige-se ao palácio para tentar


fazer a princesa rir e, assim, casar-se com ela. Na sua opinião, João
tinha a intenção de usar o ganso de ouro para isso? Provavelmente
não. Professor: Não há pistas no texto sobre isso; talvez por achar-se bobalhão e
desastrado, o herói estivesse convencido de que pudesse fazer a princesa rir.

Por se tratar de uma pergunta, cuja resposta não se pode extrair do


texto, exige do aprendente uma compreensão do que se leu. O aprendente terá
de opinar, a partir de uma informação que não está no conto.

5. Apesar de João Bocó ter feito a princesa rir, o rei não cumpriu sua
palavra e submeteu o herói a duas provas que estavam além da
capacidade dele.
a. Que tipo de ajuda o João teve para vencê-las? Nas duas provas,
João Bocó teve a ajuda do velho mágico. Na primeira, o velho mágico
provavelmente se transformou em no homem faminto e, na segunda, deixou
em seu lugar o barco.

b. João Bocó era realmente um bobalhão como as pessoas


achavam? Não, ele era inteligente e esperto.

Na quinta questão, ambos os itens pedem a interpretação do


aprendente, pois, mais uma vez, solicita informações que estão inseridas no
texto, explicitadas.

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6. Que outro título você daria para esse conto? Resposta pessoal.

Essa pergunta, apesar de ser pessoal, mostrará o que o aprendente


compreendeu do que leu. Dependendo da resposta, se justificada pelas pistas
presentes no conto, pode-se afirmar que houve uma leitura significativa.

7. Os contos maravilhosos quase sempre procuram transmitir


ensinamentos relacionados a comportamentos dos seres humanos.
Que ensinamentos a respeito das pessoas o conto “O ganso de
ouro” transmite? Não devemos julgar as pessoas pela aparência.

Nessa questão, é exigido do aprendente que ele compreenda o texto


que leu, uma vez que tenha que fazer relações com conhecimentos que já
possuía.

Confira a seguir as perguntas analisadas do LD:

148
149
150
3.2. Discussão dos resultados

Há nas questões sobre leitura, tanto na seção De olho na imagem,


como na seção Compreensão e interpretação, perguntas que exigem a
inferência do leitor, quanto aquelas que pedem a mera identificação de
informações no texto. Notamos também as perguntas em que o leitor deve
emitir opinião, porém, muitas, senão quase todas, pareceram-nos
descontextualizadas.

Em ambas as partes, na introdutória e no Capítulo 1, não há uma


progressão crescente nos tipos de perguntas. Não seguem a linha:
interpretação > compreensão > opinião. Por isso, algumas estão
descontextualizadas, por faltar informações necessárias para serem
respondidas, pois poderiam ter sido construídas a partir da resposta de outras
perguntas.

Pela apresentação que os autores fazem tanto da coleção quanto do


volume, estão alinhados com as demandas atuais, nas quais podemos conferir
pelo contexto, da análise preliminar, que nos traz os Parâmetros Curriculares
Nacionais.

Com relação aos textos selecionados, na seção De olho na imagem,


diferente do que se anuncia, o texto não-verbal, nesse caso uma pintura, não
colabora para a leitura. Na seção Compreensão e interpretação, o texto
selecionado é de qualidade, um conto clássico da literatura universal.
Conforme orientado pelos parâmetros e apresentado pelos autores.

151
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pela perspectiva da Educação Linguística, que vê a Educação como uma


prática libertadora e acredita ser o ensino da língua materna fundamental para
constituição de um sujeito ativo em sociedade, entramos no mundo da leitura e
vimos sua complexidade. A fim de descobrir como essa complexidade é vista,
trabalhada e administrada, nas aulas de Língua Portuguesa, escolhemos o livro
didático para análise. A escolha se deu, principalmente, por assumirmos que ele
é, atualmente, o material norteador dos professores em sala de aula.

Com a análise, pudemos perceber qual a concepção de leitura que os


autores adotam e de que forma eles propõem o seu estudo. Agora, com base na
análise do corpus realizada no capítulo anterior, respondemos às perguntas que
nortearam a nossa investigação. Para tanto, baseamo-nos nos dados que
pudemos levantar a partir dos exercícios do LD e também na fundamentação
teórica sobre leitura que discutimos no capítulo II, deste trabalho.

As perguntas são estas:

1. Qual o modelo de leitura que subjaz à proposta do LD?


2. De que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos
aprendentes?

Em relação à primeira pergunta, voltamo-nos aos dados obtidos na análise,


para afirmar que grande parte das perguntas observadas é de interpretação de
texto, portanto, as estratégias de leitura ativadas são as ascendentes (bottom-up),
pois, para que se chegue às respostas, parte-se do texto, da estrutura. São
perguntas de localização de informações no texto, por isso não levam os alunos a
buscarem informações extratextuais, como o seu conhecimento de mundo.

Há também algumas perguntas de compreensão textual, quedemandam do


leitor o modelo descendente (top-down) de leitura. São perguntas que solicitam do

152
leitor informações que não estão no texto, dependem do seu conhecimento
enciclopédico. Elas requisitam do leitor reflexão e estabelecimento de relações
entre o novo (o que ele está lendo) e o velho (informações já adquiridas em outras
leituras de mundo ou textuais).

As perguntas opinativas pareceram-nos despropositadas, uma vez que


perguntavam a opinião do leitor-aprendente, sem antes tê-lo preparado para fazer
tal avaliação, ou seja, como não se havia adentrado no tema questionado, por
meio de perguntas interpretativas ou reflexivas anteriores, induz-se, então, o
aprendente a qualquer resposta sem fundamento. Portanto, podemos considerar
que o modelo de leitura subjacente às questões analisadas é o interativo, pois usa
ambos os processamentos da informação, embora haja predominância do
ascendente.

É importante salientar que o leitor que faz mais uso desse processamento
em detrimento do outro tende a ser vagaroso e pouco fluente, pois tem dificuldade
de sintetizar as ideias do texto, uma vez que pode não saber distinguir o que é
mais relevante do que é secundário, considerando apenas o ilustrativo ou o
redundante. (KATO, 1999).

Quanto à segunda pergunta, verificamos que o acionamento dos


conhecimentos prévios do leitor-aprendente é assegurado de variadas maneiras,
tanto na seção De olho na imagem, como na Compreensão e interpretação.

A seção De olho na imagem, que faz parte da abertura da unidade 1, é


uma seção exclusiva para essa ativação. Por meio de diversas linguagens,
verbais e não-verbais, os autores tentam estimular a discussão entre os
aprendentes sobre determinado tema, normalmente o gênero literário que será
estudado no decorrer da unidade.

No caso da unidade estudada houve um esforço para que os aprendentes


pudessem recordar de todos os contos maravilhosos com que haviam tido
contato, seja na sua forma literária, seja na linguagem cinematográfica. Pouco a

153
pouco, por meio de poemas, imagens, e indicações de livros e filmes sobre a
temática, foram sendo reunidos aspectos e características do gênero.

Essas seções oferecem materiais muito interessantes, a fim de, além de


despertar o que já lhes é conhecido, aumentar o repertório linguístico e literário
dos estudantes.

Além das aberturas de unidade, a própria proposta dos exercícios


relacionados ao texto apresentado tenta ir construindo a noção do gênero literário
por meio das perguntas. Ao mesmo tempo em que elas ativam o que os leitores-
aprendentes já sabem sobre o gênero, são uma forma também de os estudantes
sistematizarem o que compreendem de novo sobre ele.

Assim, consideramos ter atingido os nossos objetivos, pois pudemos


investigar como se constituem as atividades de leitura do LD e constatado a
importância que as perguntas têm para desenvolvimento dos processamentos
cognitivos de leitura, principalmente, quando se trata de leitores em formação. Por
isso, considero ter realizado um trabalho de difusão entre professores, que se
preocupem em melhorar sua atuação em sala de aula, que tenham um olhar mais
crítico com relação aos LD adotados, pois nem sempre são eles quem o
escolhem e tenham a autonomia para criar e desenvolver atividades pertinentes
às suas turmas.

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