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CPV O Cursinho que Mais Aprova na GV

FGV – Direito – 15/nov/2016


Artes e questões contemporâneas

Questão 1

Leia o trecho do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels.

A burguesia submeteu o campo ao domínio da cidade. Ela criou cidades enormes, aumentou o número da população urbana,
em face da rural, em alta escala e, assim, arrancou do idiotismo* da vida rural uma parcela significativa da população. Da mesma
forma como torna o campo dependente da cidade, ela torna os países bárbaros e semibárbaros dependentes dos civilizados, os
povos agrários dependentes dos povos burgueses, o Oriente dependente do Ocidente.
Estudos Avançados, vol. 12, nº 134. São Paulo, 1998.

*idiotismo: “Idiotismus”, no original. Segundo E. Hobsbawn, tem o sentido de “horizontes estreitos” e não propriamente de
“estupidez”.

a) Aponte um aspecto em que o processo de modernização tal como tematizado em A cidade e as serras, de Eça de Queirós,
assemelha-se à visão desse mesmo processo presente no trecho do Manifesto do Partido Comunista, aqui reproduzido. Justifique
sucintamente sua resposta.
b) Indique um aspecto em que a visão da oposição entre campo e cidade, em A cidade e as serras, de Eça de Queirós distingue-se,
de modo mais nítido, do ponto de vista presente no trecho citado do Manifesto do Partido Comunista. Explique sucintamente.

Resolução:

a) As primeiras linhas de A cidade e as serras deixam clara a fonte de renda do protagonista Jacinto, que mora em Paris: “O
meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça
e de olival”. Com efeito, a riqueza de que desfruta Jacinto é oriunda da propriedade rural de Tormes, geradora de produtos
agrícolas que serão manufaturados e consumidos nas cidades. Nos primeiros capítulos da obra, o proprietário pouco se interessa
por suas terras, por apreciar profundamente a vida na capital da Modernidade, especialmente no que se refere às inovações
tecnológicas. Temos, portanto, uma propriedade rural, em país semiperiférico, que fornece produtos para o consumo urbano
– o que exemplifica claramente o fragmento do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, em que se verifica o
predomínio do ambiente urbano modernizado sobre o campo.

b) A oposição entre campo e cidade, no fragmento de Marx e Engels, supõe na vida rural o “idiotismo”, isto é, como informa a
própria nota fornecida pela Banca Examinadora da FGV, a estreiteza de horizontes. Na segunda parte de A cidade e as serras,
quando Jacinto abandona Paris para morar em Tormes, verifica-se que, na vida rural, primeiramente, não se padece dos males
típicos da cidade moderna, principalmente a depressão que levava o protagonista a pensamentos suicidas. Além disso, o contato
com a natureza e o acirramento de laços afetivos, característicos da vida no campo são revigorantes para Jacinto, que encontra
na vida do campo a felicidade.

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Questão 2

Leia o célebre início de A metamorfose, de Franz Kafka, para, em seguida, responder ao que se pede.

Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de seus sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num
inseto monstruoso.

Uma ideia tradicional a respeito de arte é a de que a fruição estética depende de que, entre a obra artística e o fruidor (o leitor, o
espectador, o ouvinte etc.) seja mantida uma distância estável e segura, que garanta a tranquilidade contemplativa ou a contemplação
livre, desinteressada, do objeto artístico.

Essa ideia é compatível com o início de A metamorfose, acima reproduzido? Justifique sucintamente sua resposta.

Resolução:

O fragmento inicial de A Metamorfose, de Franz Kafka, é profundamente perturbador pelo estranhamento que causa. Primeiramente,
tomamos contato com a personagem Gregor Samsa em “uma certa manhã”, em que a marcação do tempo é vaga; a seguir, sabemos
que ele teve “sonhos intranquilos”, mas não sabemos que sonhos são esses, nem por que ele os teria tido; finalmente, ainda no
mesmo período, descobrimos, não sem surpresa, que Gregor foi “metamorfoseado num inseto monstruoso”, sem que haja qualquer
explicação a respeito desse processo de transformação. Acrescente-se aí o tom impassível do narrador, que aprofunda certa
sensação de repulsa no leitor: o conteúdo da informação não corresponde à forma fria, quase protocolar, do texto. Sem dúvida, o
fragmento inicial de A metamorfose não garante a tranquilidade contemplativa e distanciada do leitor, ao contrário: tem a intenção
de provocar-lhe, por meio do estranhamento a que nos referimos, o questionamento a respeito do que ocorrera com Gregor Samsa.

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Questão 3

Observe este quadro, para responder ao que se pede.

a) Em O cortiço, do escritor naturalista Aluísio Azevedo, livro publicado apenas três anos antes da realização do “Caipira picando
fumo”, de Almeida Júnior, o sol aparece como elemento definidor do meio brasileiro, estendendo a tudo e a todos sua influência
determinante. Essa mesma preeminência do sol se manifesta na composição do quadro de Almeida Júnior, também ele, em
sua medida, tributário das teorias naturalistas? Justifique sua resposta, exemplificando com o tratamento dado à cor e à luz, no
referido quadro.

b) Um crítico de arte* que analisou o quadro em questão, estudando inclusive suas relações com o Naturalismo, escreveu que, em
“Caipira picando fumo”, “ a ênfase negativa no determinismo do meio”, própria do naturalismo de Aluísio, é contrabalançada
pela “apreciação positiva desse mesmo ambiente e de seus personagens”. Indique, na caracterização da personagem, um aspecto
em que se manifesta essa “apreciação positiva” de que fala o crítico. Explique.

* Rodrigo Naves. “Almeida Júnior: o sol no meio do caminho”. Novos Estudos CEBRAP. São Paulo, n. 73. Nov. 2005.

Resolução:

a) Para responder a esta questão, o candidato deveria valer-se do famoso artigo de Rodrigo Naves, “Almeida Júnior: o sol no
meio do caminho”, explicado para os alunos do CPV Vestibulares, que tiveram também a oportunidade de observar a obra
sob a orientação do professor, na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Para Rodrigo Naves, “o sol é o grande personagem deste
Caipira Picando Fumo”, de modo que se pode responder afirmativamente à pergunta feita pela Banca Examinadora da FGV:
de fato, o sol é preeminente no quadro de Almeida Júnior, da mesma forma que o é em O Cortiço, de Aluísio Azevedo. Ainda
segundo o mesmo Rodrigo Naves, “a luz forte e os tons muito aproximados tendem a romper ameaçadoramente a distância
entre todos os elementos do quadro. Cultura e natureza, homem e coisas têm traços demais em comum e quase poderiam estar
um no lugar do outro”. Em termos gerais, o crítico de arte pretende afirmar que a luz do sol se impõe sobre homem e meio,
acabando quase por equipará-los nos tons de cor, confirmando, mais uma vez, a sua força na tela de Almeida Júnior.

b) Rodrigo Naves ensina que o Caipira Picando Fumo é obra inserida em contexto específico: o da construção do imaginário
paulista. O Estado de São Paulo começava, no final do século XIX, a destacar-se economicamente, o que levou a uma mobilização
de políticos, intelectuais e artistas para a construção de um passado que justificasse a pujança desse estado no presente. Nesse
contexto, o caipira seria o herdeiro direto dos bandeirantes, os primeiros paulistas que teriam aberto, ainda no século XVII,
os caminhos e inaugurado as cidades que fariam o estado brilhar duzentos anos depois. O caipira seria, ainda e portanto, o fiel
depositário dessa memória, espécie de síntese do homem que, apesar de simples, quase miserável, é o pilar da cultura paulista:
eis aí a “apreciação positiva” de que fala Rodrigo Naves.

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