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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO


PROGRAMA DE RESIDÊNCIA UNIPROFISSIONAL EM MEDICINA VETERINÁRIA

Estudo retrospectivo de trombocitose em cães.

MARCELA NATACHA APARECIDA ROCHA

CUIABÁ
2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PROGRAMA DE RESIDÊNCIA UNIPROFISSIONAL EM MEDICINA VETERINÁRIA

Estudo retrospectivo de trombocitose em cães.

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Programa de Residência
Uniprofissional em Medicina
Veterinária, como requisito para
obtenção do título de Especialista em
Patologia Clínica Veterinária.
Residente: Marcela Natacha Aparecida
Rocha
Orientadora: Profª Drª Adriane Jorge
Mendonça.

CUIABÁ
2018
ROCHA, Marcela Natacha Aparecida. Estudo retrospectivo de trombocitose em cães.
2018. 15 p. TCC (especialização em Medicina Veterinária) - Universidade Federal de Mato
Grosso, Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Residência Uniprofissional em
Medicina Veterinária, Cuiabá, 2018.
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ESTUDO RETROSPECTIVO DE TROMBOCITOSE EM CÃES

RESUMO
A trombocitose é o aumento do número de plaquetas por microlitro (μL) de sangue e contagens
maiores que 1.000.000/μL podem estar associadas a sinais clínicos de sangramento ou
trombose. Pode ocorrer primariamente em condições mieloproliferativas, ou como uma
resposta secundária (reativa) em uma variedade de estados fisiológicos e patológicos. O
presente estudo teve como objetivo revisar 12.676 hemogramas de cães, com a finalidade de
definir as principais doenças ou condições clínicas associadas à trombocitose dentro do período
de dois anos. De acordo com o diagnóstico, cada cão foi inserido em uma das seguintes
categorias de doenças ou condição clínica: neoplasias, doenças gastrointestinais, endócrinas,
oftalmológicas, traumas e cirurgias, dermatológicas, cardíacas, neurológicas, infecciosas,
respiratórias, geniturinárias, idiopáticas, múltiplas e gestação. A prevalência de trombocitose
neste estudo foi de 4,5%. As contagens médias de plaquetas em todas as categorias de
diagnósticos foram semelhantes, não havendo diferença significativa entre elas (P≥0,05). Os
distúrbios mais comumente associados à trombocitose foram as doenças gastrointestinais
seguido de neoplasias. Além disso, os aumentos na contagem de plaquetas foram observados
em cães tratados com glicocorticoides e vincristina. E quanto ao grau de severidade, a
trombocitose extrema ocorreu mais associada à doenças gastrointestinais.
Palavras-chaves: Plaquetas; Doença gastrointestinal; Neoplasia; Trombose.

RETROSPECTIVE STUDY OF THROMBOCYTOSIS IN DOGS

ABSTRACT
Thrombocytosis is the increase in the number of platelets per microliter (μL) of blood and
counts greater than 1.000.000/μL may be associated with clinical signs of bleeding or
thrombosis. It may occur primarily in myeloproliferative conditions, or as a secondary
(reactive) response in a variety of physiological and pathological states. The present study
aimed to review 12.676 dog blood counts in order to define the main diseases or clinical
conditions associated with thrombocytosis within two years. According to the diagnosis, each
dog was inserted into one of the following categories of diseases or clinical condition:
neoplasms, gastrointestinal, endocrine, ophthalmologic, trauma and surgeries, dermatological,
cardiac, neurological, infectious, respiratory, genitourinary, idiopathic, multiple and gestation.
The prevalence of thrombocytosis in this study was 4,5%. Mean platelet counts in all diagnostic
categories were similar, with no significant difference between them (P≥0.05). The disorders
most commonly associated with thrombocytosis were gastrointestinal diseases followed by
neoplasms. In addition, increases in platelet counts were observed in dogs treated with
glucocorticoids and vincristine. As for the degree of severity, extreme thrombocytosis occurred
more associated with gastrointestinal diseases.
Keywords: Platelets; Gastrointestinal disease; Neoplasm; Thrombosis.

INTRODUÇÃO
A trombocitose é definida como um aumento no número de plaquetas no sangue periférico
acima do intervalo de referência estabelecido para a espécie, podendo ser primária ou
secundária(1)
6

A trombocitose primária ou essencial é uma doença mieloproliferativa resultante do aumento


da produção de plaquetas(1,2), as causas dessa doença em animais não foram determinadas e
assim como nos humanos o diagnóstico é baseado na exclusão da presença de outros
distúrbios(2).
A trombocitose secundária ou reativa é mais comum do que a trombocitose primária, e
dependendo da causa pode ser transitória ou persistente. Pode ocorrer como uma resposta
fisiológica na contração esplênica mediada por epinefrina (em casos de traumas, exercícios,
excitação, prenhez ou parto) ou aumento da trombopoiese (trombocitose reativa)(1,3,4), sendo
uma reação a uma desordem ou doença em outra parte do corpo, devido a um processo
subjacente como a recuperação da trombocitopenia imunomediada, neoplasias, processos
inflamatórios, anemia hemolítica, infecção por Hepatozoon canis, doenças endócrinas
(hipertireoidismo, hiperadrenocorticismo), esplenectomia, parasitas intestinais, traumas ou
deficiência de ferro(1,2,5), além da possibilidade de ser induzida por citocinas ou por drogas(1,3,4),
incluindo a administração de epinefrina e vincristina(2).
Segundo Hammer(6) a causa mais comum de trombocitose secundária em cães é a neoplasia.
Falsas trombocitoses podem ocorrer associadas à presença de fragmentos citoplasmáticos de
células nucleadas e de eritrócitos, lipemia, bactérias ou crioglobulinas(7), além disso, a
concentração sérica de potássio [K+] pode se tornar aumentada in vitro, caracterizando uma
pseudo-hipercalemia em animais com trombocitose pela grande quantidade de K+ liberada das
plaquetas durante a coagulação(1).
A trombocitose pode ser uma descoberta acidental de laboratório que é benigna e auto limitante,
e que raramente pode resultar em hemorragia ou trombose. Ainda não existe evidência de uma
correlação entre trombose e trombocitose em cães(1,2).
Considerando que as informações sobre a relevância clínica da trombocitose em cães ainda seja
limitada, uma vez que existem poucos estudos sobre sua prevalência, etiologia e
consequências(6,8), objetivou-se revisar os casos de aumento de plaquetas em cães atendidos em
Hospital Veterinário, no período de janeiro de 2016 à dezembro de 2017 a fim de estabelecer a
prevalência, demonstrar dentro da severidade da trombocitose quais foram as suas principais
causas ou condições associadas, e definir as principais doenças e condições associadas à
trombocitose em cães.
7

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram revisados retrospectivamente todos os hemogramas de cães atendidos no Hospital


Veterinário da Universidade Federal de Mato Grosso, campus de Cuiabá (HOVET – UFMT)
no período de janeiro de 2016 a dezembro de 2017. Esta revisão foi baseada na análise do
arquivo do Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV) do hospital mencionado, e das
fichas de atendimento clínico veterinário dos animais que apresentaram trombocitose.
O projeto foi aprovado pelo comitê de ética no uso de animais (CEUA) da UFMT sob número
de protocolo 23108902654/2018-12 e encontra-se de acordo com os princípios éticos na
experimentação animal, adotados pelo Conselho Nacional de Controle e experimentação
Animal (CONCEA).
Todos os hemogramas foram realizados a partir de amostras de sangue com EDTA
(etilenodiaminotetracético), as contagens de plaquetas foram determinadas utilizando
analisador hematológico (PocH-100iV Diff - Roche®), e foram confirmadas por exame
microscópico de esfregaço sanguíneo realizado por médico veterinário patologista clínico como
parte da análise diferencial manual e morfológica das células.
Foram incluídos no estudo cães independente do sexo, com idades entre um mês e 18 anos,
sendo considerados filhotes os cães com idades de um mês a três meses, adultos quatro meses
a sete anos e idosos acima de oito anos. Além disso, os cães deveriam conter um registro médico
completo com um diagnóstico definitivo e pelo menos uma contagem de plaquetas com valor
>500 x 10³/μL. Casos com histórico de esplenectomia independente da causa foram excluídos
do estudo.
De acordo com o diagnóstico, cada cão foi inserido em uma das seguintes categorias de doenças
ou condição clínica: neoplasias, doenças gastrointestinais, endócrinas, oftalmológicas, traumas
e cirurgias, dermatológicas, cardíacas, neurológicas, infecciosas, respiratórias, geniturinárias,
idiopáticas (quando a trombocitose não apresentou nenhum processo ou doença subjacente),
múltiplas (com mais de uma doença ou condição envolvida), e gestação.
Baseado em estudos anteriores(6,8,9), as contagens de plaquetas foram categorizadas de acordo
com a severidade da trombocitose como leve (500-600 x 10³/μL), moderada (601-800 x
10³/μL), marcada (801-1.000 x 10³/μL) e extrema (>1.000 x 10³/μL).
8

Utilizou-se valores de referência de plaquetas para cão segundo Schalm’s e colaboradores(10).


Os dados coletados foram analisados através de estatísticas descritivas e através de software R
Project 3.4.3.(11), realizando-se teste de Kruskal-Wallis a 5% de significância (P≤0,05).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o período investigado, 12.676 hemogramas de cães foram realizados no Laboratório


de Patologia Clínica do hospital veterinário. Destes, 573 cães apresentaram pelo menos uma
contagem de plaquetas >500 x 10³/μL, resultando numa incidência de trombocitose em 4,5%
dos cães durante o período estudado, semelhante a outros estudos(8,12). Porém incidências
maiores (7,2% e 8,5%) foram relatadas anteriormente(6,9), esta diferença pode provavelmente
ser atribuída a diferença entre o tempo de duração dos estudos, onde a maior incidência ocorreu
quando o período estudado foi maior, e também pelo fato de que a contagem de plaquetas foi
realizada de diferentes formas, incluindo contagem de hemocitómetro manual, estimativas em
esfregaços de sangue, métodos automatizados de impedância ou dispersão de luz induzida por
laser. Todos estes métodos variam em precisão e os resultados de um mesmo animal podem
diferir entre eles(13). No caso deste estudo, as contagens foram realizadas através de método
automatizado confirmadas por exame microscópico de esfregaço sanguíneo por médico
veterinário patologista clínico.
Da mesma maneira que em um estudo realizado com felinos(14), a distribuição sexual dos cães
com aumento de plaquetas não apresentou nenhuma predisposição, mesmo as fêmeas (n=373)
(65%) apresentando maiores ocorrências de trombocitose (625,8 ± 133,0) quando comparadas
aos machos (n=200) (35%) (636,3 ± 173,4), porém não houve diferença significativa (P=0,748)
entre machos e fêmeas, (Figura 1).
9

Figura 1. Gráfico de caixa mostrando a média, erro padrão e intervalo de confiança para contagens de
plaquetas x 10³/μL de cães em machos e fêmeas.

A média da idade dos cães foi de 5,5 anos, sendo 95 (16,6%) cães filhotes, 265 (46,2%) adultos
e 213 (37,2%) idosos. Apesar de terem apresentado as maiores médias, os cães filhotes foram
os que menos apresentaram aumento no número de plaquetas (663,7 ± 191,4), a faixa etária
com mais ocorrências de trombocitose foi a de cães adultos (629,9 ± 162,3) seguido de idosos
(613,6 ± 96,9). Contudo, não houve diferença significativa (P= 0,316) entre as contagens
médias de plaquetas nas diferentes faixas etárias (Figura 2).
10

Figura 2. Gráfico de caixa mostrando a média, erro padrão e intervalo de confiança para contagens de
plaquetas x 10³/μL de cães nas diferentes faixas etárias.

De todos os cães, em 37 (6,5%) estava sendo administrado tratamento com vincristina (n=12)
ou glicocorticoides (n=25). A vincristina foi administrada com maior frequência em cães com
neoplasias, incluindo TVT, linfoma e carcinoma. E os glicocorticoides em cães diagnosticados
com doenças inflamatórias e neoplasias. O uso destes medicamentos pode refletir no número
de plaquetas, os agentes antineoplásicos foram a classe mais comum de agentes associados à
trombocitose, sendo a vincristina o agente mais comum, refletindo seu efeito na produção de
plaquetas(6).
Por percentual decrescente, o número de cães em cada categoria de doença identificada foi o
seguinte: para doenças de origem gastrointestinais foram 196 (34,2%) cães, à esta categoria
foram incluídas causas infecciosas como a parvovirose (n=86) e não infecciosas como afecções
gastrointestinais propriamente ditas (n=56), dentárias (n=20), hepatobiliares (n=21),
pancreatites (n=6) e intoxicações (n=7). Distúrbios gastrointestinais são comumente associados
à trombocitose em cães(4), no presente estudo esta categoria de doenças ocorreu com maior
frequência associada à trombocitose, diferindo de um estudo anterior o qual a frequência de
distúrbios gastrintestinais foi de 19%(6). A parvovirose acometeu a maioria dos cães nesta
categoria, por se tratar de uma doença que afeta o trato gastrointestinal, a causa da trombocitose
provavelmente é multifatorial. Nesta condição, principalmente com a associação ao
11

sangramento gastrointestinal, também pode ocorrer um estado de deficiência de ferro(1,6),


estimulando a trombopoiese(2). Porém, as concentrações de ferro sérico não estavam disponíveis
para fazer um diagnóstico de anemia ferropriva nestes pacientes.
Nos 119 cães diagnosticados com neoplasia (20,8%), assim como em outros estudos(6,8,9) o
carcinoma foi o diagnóstico neoplásico mais comum, acometendo 42 cães, há muitos estudos
referentes à trombocitose associada ao carcinoma em humanos, onde se demonstrou que os
tumores produzem fatores estimulantes de granulócitos e macrófagos, além de IL-6
(interleucina-6) e trombopoietina(1,15,16), esta interação entre as plaquetas e as células tumorais
é capaz de promover a formação de metástases além de que a trombocitose pode ser
correlacionada com um prognóstico pior em muitos tipos de câncer(15), o que pode ocorrer
também nos cães(6,8). Tal como o descrito por Woolcock(9), outros tipos de neoplasia também
ocorreram com menor frequência em nosso estudo, como o adenocarcinoma (n=7), adenoma
(n=5), hemangiossarcoma (n=8), leiomioma (n=2), linfoma (n=18), lipoma (n=9),
osteossarcoma (n=5), sarcoma (n=2) e TVT (tumor venéreo transmissível) (n=21), porém não
se sabe se existe realmente uma associação entre essas neoplasia e a trombocitose(8). Ressalta-
se que vincristina e glicocorticoides foram administrada em 12 cães com TVT, linfoma e
carcinoma, corroborando com outros estudos em que afirmou-se que a trombocitose reativa é
um achado frequente em cães com doenças neoplásicas e inflamatórias e está associado à
administração de glicocorticóides e vincristina(2,8,9), pois a vincristina e a vimblastina estimulam
a trombopoiese(1,2) , e os corticosteroides podem aumentar a contagem de plaquetas pela
diminuição da fagocitose das plaquetas pelos macrófagos(4).
No diagnóstico de doenças infecciosas (n=57) 10,0%, um cão apresentou brucelose, 17 cães
apresentaram cinomose, e 39 cães apresentaram hemoparasitose. No caso da cinomose
frequentemente ocorre trombocitopenia, que pode ser justificada pelo aumento de anticorpos
antiplaquetas, sendo considerada uma trombocitopenia imunomediada com remoção das
plaquetas pelo sistema retículo endotelial(17), esta trombocitopenia imunomediada talvez possa
justificar a trombocitose nos cães deste estudo, uma vez que a recuperação de trombocitopenias
podem causar uma trombocitose de rebote, estimulando a trombopoiese para que a produção
exceda o consumo ou a destruição, isto pode ocorrer na recuperação de trombocitopenia
imunomediada, após perda de sangue ou após a retirada do agente mielossupressor(1,2). Dos 14
cães que apresentaram cinomose, 9 apresentaram trombocitopenia na primeira contagem de
plaquetas, sendo que destes, 7 apresentaram trombocitopenia intensa.
A trombocitose associada à doenças geniturinárias foi identificada em 56 (9,8%) cães, nesta
categoria, 25 cães apresentaram doença renal. A uremia pode causar anormalidades na função
12

das plaquetas, alterando a interação entre as plaquetas e a parede dos vasos(9). A trombocitose
em humanos com doença renal pode ser prognóstica, indicando uma doença mais grave(18), no
entanto, na medicina veterinária não foram encontrados estudos dentro da literatura consultada
que investigam a trombocitose como marcador prognóstico na doença renal. Ainda nesta
categoria, 31 cadelas apresentaram piometra, neste caso múltiplos mecanismos estão
envolvidos no aumento das plaquetas quando relacionado à processos inflamatórios, incluindo
a interação de citocinas, especialmente a IL-6, que estimulam a trombopoiese(2,6).
Neste estudo os cães com trombocitose foram inseridos nas categorias de doenças de acordo
com o órgão ou sistemas relacionados, e isto tendeu a obscurecer o papel da infecção e da
inflamação na trombocitose. Nas categorias de traumas e cirurgias (n=34) 5,9%, doenças
dermatológicas (n=15) 2,6%, cardíacas (n=11) 2,0%, oftalmológicas (n=9) 1,6%, respiratórias
(n=8) 1,4%, neurológicas (n=3) 0,5%, assim como nas neoplasias, doenças gastrointestinais e
geniturinárias, os cães poderiam estar sofrendo de alguma infecção bacteriana ou processo
inflamatório associada. Isto sugere que um melhor esquema de classificação se faz necessário,
porém infelizmente, em um estudo retrospectivo, é difícil determinar definitivamente a
quantidade de inflamação que pode ser associada a uma neoplasia ou se a trombocitose é devida
à infecção do trato urinário ou ao uso de drogas antineoplásicas por exemplo.
Nos casos de gestação (n=26) (4,5%), sete cadelas apresentaram a condição de distocia, neste
caso a trombocitose pode ter ocorrido como uma resposta fisiológica na contração esplênica
mediada por epinefrina(1,2).
Quando nenhum sintoma subjacente ou nenhum diagnóstico foi identificado, os cães deste
estudo foram considerados como tendo trombocitose idiopática (n=19) 3,3%. Contagens
elevadas de plaquetas não significam necessariamente a presença de doença, e são detectadas
através de um hemograma de rotina. É importante no entanto realizar uma avaliação completa
para garantir que a trombocitose não se deve a um processo secundário(1,2). Uma vez que a
trombocitose secundária ou reativa é mais comum do que a trombocitose primária em todas as
espécies(2).
Tal como em outros estudos(6,8), uma pequena porção (1,0%) dos cães estudados apresentaram
trombocitose relacionada a causas endócrinas (n=6), ocorrendo hiperadrenocorticismo (n=3) e
Diabetes Mellitus (n=3) na mesma frequência. A correlação entre trombocitose e Diabetes
Mellitus não é bem esclarecida. No entanto, alguns estudos demonstram que cães com Diabetes
Mellitus também tem hiperadrenocorticismo, e o aumento da concentração de glicocorticoides
pode explicar a trombocitose nestes pacientes(4).
13

As contagens médias de plaquetas em todas as categorias de diagnósticos do presente estudo


foram semelhantes, e não houve diferença significativa (P=0,325) entre elas, porém, as
contagens mínimas e máximas foram variáveis (Figura 3).

Figura 3. Gráfico de caixa mostrando a média, erro padrão e intervalo de confiança para contagens de
plaquetas x 10³/μL de cães em cada categoria de doenças.

O aumento da contagem de plaquetas pode ser bastante marcado em condições reativas


(>1.000.000/μL)(2). Quando classificados de acordo com a severidade da trombocitose, 311
(54,2%) cães apresentaram trombocitose leve, 208 (36,3%) apresentaram trombocitose
moderada, 43 (7,5%) trombocitose marcada e 11 (2,0%) trombocitose extrema (Tabela 1).
14

Tabela 1. Distribuição de 573 casos de trombocitose em cães atendidos em Hospital Veterinário por grau de severidade durante 2 anos nas diferentes categorias
de diagnósticos.
Trombocitose Traumas
Total Neoplasias Infeciosas GI Endócrinas Oftalmológicas e Dermatológicas Cardíacas Neurológicas Respiratórias Gestação Geniturinárias Idiopática Múltiplas
(x 10³/μℓ)
cirurgias

Leve (n=311) (n=62) (n=34) (n=94) (n=4) (n=5) (n=25) (n=11) (n=6) (n=1) (n=6) (n=13) (n=29) (n=15) (n=6)
(500-600) 54,2% 20,0% 11,0% 30,2% 1,3% 1,6% 8,0% 3,5% 2,0% 0,3% 1,9% 4,1% 9,3% 4,8% 2,0%

Moderada (n=208) (n=45) (n=18) (n=78) (n=1) (n=4) (n=9) (n=4) (n=4) (n=1) (n=2) (n=9) (n=23) (n=4) (n=6)
(601-800) 36,3% 21,6% 8,6% 37,5% 0,5% 1,9% 4,3% 1,9% 1,9% 0,5% 1,0% 4,3% 11,1% 1,9% 3,0%

Marcada (n=43) (n=9) (n=5) (n=17) (n=1) (n=1) (n=1) (n=4) (n=4) (n=1)
(n=0) (n=0) (n=0) (n=0) (n=0)
(801-1.000) 7,5% 21,0% 11,6% 39,5% 2,3% 2,3% 2,3% 9,3% 9,3% 2,3%

Extrema (n=11) (n=3) (n=7) (n=1)


(n=0) (n=0) (n=0) (n=0) (n=0) (n=0) (n=0) (n=0) (n=0) (n=0) (n=0)
(>1.000) 2,0% 27,8% 63,6% 9,1%

GI: Gastrointestinal.
15

O diagnóstico mais comum para todos os graus de severidade da trombocitose foi o de


doenças gastrointestinais, diferindo de outros estudos em que a trombocitose extrema foi
mais comumente associada a neoplasias(8) e doenças inflamatórias(9).
Uma consequência potencialmente enganosa da trombocitose é a pseudo-hipercalemia(1)
que ocorre em amostras de soro. Isto ocorre devido à liberação de potássio intracelular
durante a coagulação, e esta concentração de K+ pode ser proporcional ao aumento de
plaquetas, apresentando maiores concentrações em cães com trombocitose extrema
(>1.000.000 plaquetas/μL)(2). No entanto, por se tratar de um levantamento de dados, no
presente estudo não foi possível a realização de dosagens de K+.
Em humanos, a trombocitose contribui para o risco de eventos tromboembólicos,
principalmente em casos de trombocitose primária e em pacientes com uremia(9), além
disso, a trombocitose afeta o prognóstico e sobrevivência em neoplasias e outras
doenças(9,18). Devido à falta de informações nos registros médicos, este estudo não
investigou o potencial de eventos tromboembólicos nos cães estudados, assim como não
investigou a sobrevivência ou os resultados após tratamentos. Desta forma, estudos
futuros são necessários para tal investigação.

CONCLUSÃO

Nas condições do presente estudo, concluiu-se que a trombocitose reativa é um achado


com prevalência de 4,5% cães, e foi associada principalmente às doenças
gastrointestinais, e neoplasias sendo o carcinoma o diagnóstico neoplásico mais comum.
Além disso, os aumentos na contagem de plaquetas foram observados em cães tratados
com glicocorticoides e vincristina. A trombocitose extrema foi mais provável de ocorrer
com doenças gastrointestinais e complicações tromboembólicas não foram identificadas.
Este estudo é benéfico para o auxílio no direcionamento do clínico em relação a certas
doenças, porém estudos adicionais se fazem necessários para determinar os mecanismos
fisiopatológicos da trombocitose e seu papel como fator prognóstico.
16

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