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ANAPLASMOSE BOVINA: RELATO DE CASO

Andressa Trindade Nogueira1, Rúbia Schallenberger da Silva2, Stéfani dos Santos Torres1,
Jennifer Santos dos Santos1, Francini Thaís Strieder1, Patrícia Wolkmer3

Palavras-chave: Icterícia. Eritrócitos. Anemia. Hemoparasita.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A anaplasmose bovina é uma enfermidade causada pelas bactéria gram-negativa
pertencente à Ordem Rickettsiales da família Anaplasmateceae, do gênero Anaplasma marginale
e A. centrale, sendo a primeira considerada mais patogênica (VIDOTTO, 2001). Essa doença é
caracterizada pela ocorrência de anemia progressiva e sinais clínicos que compreendem febre,
anorexia, icterícia, fraqueza e abortos (HIRSH, 2003; MONTEIRO, 2017). A maneira mais
comum de transmissão dessa patologia no Brasil é através do repasto sanguíneo de carrapatos do
gênero Rhipicephalus boophilus microplus, mas também pode ocorrer a partir da transmissão
mecânica por picada de mosquitos e moscas hematófagas ou agulhas contaminadas
(GONÇALVES, 2000). O diagnóstico definitivo é realizado a partir da observação em esfregaço
sanguíneo de estruturas compatíveis com Anaplasma spp. ligadas à membrana dos eritrócitos. De
acordo com Mcvey (2016), o tratamento comumente estipulado consiste na administração de
antibióticos do grupo das tetraciclinas ou fluorquinolonas e possui alta eficácia em bovinos
sintomáticos. Em animais portadores a medicação é colocada na alimentação por até 2 semanas,
além disso a prevenção de todo o rebanho realizada por meio de quimioprofilaxia com
dipropionato de imidocarb e controle do vetor encontram-se como chave para a diminuição da
doença clínica nas propriedades (MCVEY, 2016; GONÇALVES, 2000).
Este trabalho tem por objetivo descrever um caso de anaplasmose em um bovino
causada por Anaplasma spp, a fim de ressaltar sua apresentação clínica, forma diagnóstica,
achados laboratoriais e terapêutica estipulada.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Foi atendido em uma propriedade localizada em Boa Vista do Incra (RS), um bovino, da
raça Holandês, fêmea, com 5 anos de idade. Na anamnese, o proprietário relata que o animal

1 Discente do curso de medicina veterinária na Universidade de Cruz Alta- Unicruz, Cruz Alta, Brasil.
2Médica Veterinária. Residente em Patologia Clínica no Hospital Veterinário da Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo,
Brasil. Email: ruschalle@gmail.com
3 Médica Veterinária, Doutora em Ciências Biológicas (Bioquímica). E-mail: patiwol@hotmail.com

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apresentou-se apático e com emagrecimento progressivo, falta de apetite, afastou-se do rebanho e
diminuiu a produção de leite. No exame clínico físico o animal apresentava temperatura corporal
em 39,8ºC e mucosas oral e conjuntival ictéricas. Após isso, o animal foi submetido à coleta de
sangue para pesquisa de hemoparasitas e realização de hemograma. Devido ao estado clínico e
achados laboratoriais o animal foi submetido a uma transfusão sanguínea, no entanto, houve
piora no quadro clínico e dias após o animal não resistiu e veio a óbito.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
No exame parasitológico de sangue foram visualizadas estruturas cocóides e basofílicas
em extremidades da membrana de eritrócitos compatíveis com Anaplasma spp.. O eritrograma
apresentou-se com eritrócitos em 2,1 (VR: 5-10 milhões/mm³), hemoglobina 3,5 (VR: 8-15
g/dL), hematócrito 11 (VR: 24-46%), volume corpuscular médio (VCM) 52,3 (VR: 40-60 fl) e
concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) 35,4 (VR: 30-36%), conferindo uma
anemia absoluta normocítica normocrômica. No esfregaço sanguíneo foram visualizados
metarrubrícitos, presença de anisocitose intensa (+++) e policromasia discreta (+). O plasma
apresentou-se intensamente ictérico. Com a associação dos sinais clínicos, anemia grave, icterícia
e presença de estruturas na membrana do eritrócito foi possível estabelecer o diagnóstico de
anaplasmose bovina. O mecanismo de formação dessa anemia ocorre devido a marcação das
hemácias como antígenos pelo hemoparasita devido a alteração de membrana com ocorrência de
hemólise extravascular e fagocitose por macrófagos do baço e células de Kupffer do fígado
(THRALL, 2017). Como resultado dessa hemólise há aumento da bilirrubina não conjugada na
circulação caracterizando uma hiperbilirrubinemia e icterícia de origem pré hepática o que
justifica as mucosas e o plasma ictérico desse caso. De acordo com González (2008) a presença
de metarrubrícitos e policromasia são indicativos de anemia regenerativa. Nesse caso não foi
realizada coloração especial para contagem de reticulócitos mesmo na presença de anisocitose e
policromasia pois sabe-se que é uma característica da espécie bovina liberar poucos reticulócitos
na circulação mesmo em casos de anemias intensamente regenerativas.
No leucograma a contagem de leucócitos totais apresentou-se em 20.100 (VR: 4.000-
12.000), linfócitos 14.070 (VR: 2.500-7.500/mm³), neutrófilos segmentados 4.824 (VR: 600-
4000/mm³) e eosinófilos 603 (VR: 0-200/mm³) caracterizando uma leucocitose por neutrofilia,
linfocitose e eosinofilia. No esfregaço sanguíneo foram visualizados a presença de linfócitos
reativos. Nesse caso o leucograma é classificado como inflamatório crônico. Para Mcvey (2016),
na anaplasmose ocorre aumento tanto da resposta humoral quanto da celular, justificando a
linfocitose apresentada. De acordo com Lopes (2009), os linfócitos reativos aparecem em casos
de exacerbada resposta humoral em que há diferenciação de linfócitos em plasmócitos e

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produção de globulinas. Segundo Esmaeilnejad et al. (2012), os macrófagos considerados células
apresentadoras de antígenos, liberam citocinas pró-inflamatórias após reconhecerem o
hemoparasita provocando aumento das linhagens polimorfonucleares e mononucleares na
medula óssea, sendo comum dessa forma a ocorrência de neutrofilia e linfocitose associadas
caracterizando uma inflamação crônica. No caso em questão, não ocorreu monocitose, mas há
relatos dessa ocorrência visto que, ocorre maior demanda da linhagem monocítica para a
eritrofagocitose devido a estímulos antigênicos das hemácias parasitadas (THRALL, 2017).
Após a realização e interpretação dos exames laboratoriais a conduta terapêutica levando-
se em consideração o hematócrito de 11% foi de transfusão de sangue total e uso de
enrofloxacina na dose de 2,5-5mg/kg, IM, SID. Para a transfusão sanguínea, na prática o que se
recomenda é a transfusão de 6 a 8 litros de sangue para um bovino adulto o que corresponde a 10
a 15ml/kg de peso vivo sendo capaz de elevar o hematócrito em até 4% (REICHMANN;
DEARO, 2001). Estudos revelam que em relação à anaplasmose as transfusões sanguíneas atuam
de forma eficaz, com índice alto de recuperação e prevenção de choques hipovolêmicos
(SANTOS et al., 2011). O uso de antibióticos como a enrofloxacina, um antimicrobiano
bactericida de amplo espectro, apresenta ação rápida no que diz respeito a redução da prevalência
da infecção pela anaplasmose, principalmente naqueles casos em que há resistência
farmacológica por parte de outros princípios ativos (ALBERTONN et al., 2015). No entanto, o
animal não resistiu a gravidade do quadro clínico e veio a óbito. Dessa forma ressalta-se a
importância da realização de protocolos de quimioprofilaxia com dipropionato de imidocarb do
rebanho para que os animais possam desenvolver uma resposta imunológica competente
prevenindo a ocorrência da doença clínica (VIAL; GORENFLOT, 2006).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A anaplasmose bovina é uma doença causada pela Anaplasma spp., e cursa com sinais
clínicos que compreendem anemia hemolítica grave, icterícia, febre, apatia, anorexia e perda da
produtividade. Seu diagnóstico definitivo é realizado através da visualização de estruturas
cocóides e basofílicas em extremidades de membranas dos eritrócitos a partir de exame
parasitológico de sangue. Com isso, ressalta-se a importância do uso de exames laboratoriais
para a chegada ao diagnóstico, prognóstico do paciente e estipulação de conduta terapêutica mais
adequada.

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REFERÊNCIAS

ALBERTON, L.R. et al. Eficácia do dipropionato de imidocarb, da enrofloxacina e do


cloridrato de oxitetraciclina no tratamento de bovinos naturalmente infectados por
Anaplasma marginale. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., Belo Horizonte, v. 67, n. 4, p. 1056-
1062, Aug. 2015.

ESMAEILNEJAD, B.; TAVASSOLI, M.; ASRI-REZAEI, S. Investigation of hematological


and biochemical parameters in small ruminants naturally infected with Babesia ovis.
Veterinary Research Forum, v. 3, p. 31-36, 2012.

GONZÁLEZ, F.H.D; SILVA, S.C. Patologia clínica veterinária: texto introdutório. Porto
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LOPES, S. T. A; BIONDO, A. W. Manual de Patologia Clínica Veterinária, 4. ed. Santa


Maria: UFSM/Departamento de Clínica de Pequenos Animais, 2009. 147 p.

MCVEY, D.SCOTT; KENNEDY, MELISSA; CHENGAPPA, M.M. Microbiologia


veterinária. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.

MONTEIRO, S.G. Parasitologia na Medicina Veterinária. 2ª ed. Rio de Janeiro: Roca, 2017.

SANTOS, E. C. et al. Pré imunização e tratamento de tristeza parasitária em bovinos


leiteiros. International Symposium of Dairy Cattle, n. 1 p. 123-145, 2011.

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VIAL, H. J.; GORENFLOT, A. Chemotherapy against babesiosis. Veterinary Parasitology,


Amsterdam, v. 138, n. 1, p. 147-160, 2006

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REICHMANN, P; DEADORO, A.C.O; Transfusão de sangue e seus derivados em grandes


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