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Leitura e Interpretação de Crônicas

Nossos netos não vão comer pastel!

Pode ser ignorância nossa, mas não sabíamos que o novo vilão do planeta é o óleo de cozinha! Sim, aquele usado pra fritar pastel, bife à milanesa
e batata frita! Sabíamos que jogar óleo usado na pia podia causar um grande entupimento. E que uma das opções era jogá-lo na privada. Mas,
como não somos cozinheiras de mão cheia e sabemos que frituras fazem a maior sujeira, nunca pensamos muito sobre o assunto óleo.
Até agora começaram a pipocar notas sobre o “descarte do óleo”. Ou seja: como jogar aquele óleo usado fora!? Segundo os cientistas, o óleo dos
pastéis pode ser o responsável por enchentes, morte dos fitoplânctons e até pelo aquecimento global! E não pense que isso não tem a ver com
você para quem cozinha é ovo na manteiga. Porque, agora, comer uma coxinha é quase um crime contra o planeta, se você pensar bem.
Deve ser por isso que algumas cozinheiras guardam o óleo velho e usado numa lata sinistra, geralmente embaixo da pia. Elas deixam lá até
pensarem numa maneira melhor de jogar o tal óleo assassino de fitoplânctons. Devem ir acumulando latas e latas de óleo, em silêncio, por anos.
E, depois, sem saber o que fazer, colocam tudo aquilo numa Kombi, desaparecem pelo mundo e passam a viver na clandestinidade, cheias de
culpa.
Os ecologistas recomendam que você entregue o óleo para ONGs que fazem reciclagem ou façam sabão caseiro. Sim, um sabão caseiro com o
óleo velho! Que nem naquele filme Clube da luta, em que os sabonetes das madames eram feitos com a gordura da lipoaspiração. Eca! Só de
pensar nisso já desistimos de comer qualquer coisa frita para sempre! Ou de usar sabonete.
Uma coisa nos deixou tristes: o fato de que talvez nossos netos (se tivermos algum) nunca conhecerão o sabor de um delicioso bife à milanesa ou
de um pastel de queijo. Pense nas feiras sem barraca do pastel. Certamente, ir à feira vai ficar mais triste.
Porque, se a gente tiver que levar latas de óleos velhos para reciclagem ou usar sabão com odor de fritura, vamos adotar só alimentos cozidos. No
vapor.
A vida fica cada dia mais triste no planeta Terra. E, por enquanto, vamos nos entupir de pastel para esquecer disso.

Momento de histeria

Estamos fritas!

(Jô Hallack, Nina Lemos e Raq Affonso. Nossos netos não vão comer pastel! Folhateen, suplemento do jornal Folha de S. Paulo, 17 set. 2007.)
QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO

1. Por que, segundo a crônica, "nossos netos não vão comer pastel"?

2. Que aspecto da vida cotidiana foi usado pelas autoras para comentar as mudanças inevitáveis de nossos hábitos?

3. Por que as autoras não haviam pensado ainda sobre o assunto?

Releia: "Até que agora começaram a pipocar notas sobre o 'descarte do óleo'."

4. Qual é o sentido do verbo pipocar nessa frase?

5. Substitua esse verbo por uma expressão sinônima.

Releia: "Segundo os cientistas, o óleo dos pastéis pode ser o responsável por enchentes, morte dos fitoplânctons e até pelo aquecimento global!"

6. É possível que algum cientista tenha feito essa afirmação?

7. Qual pode ter sido o objetivo das autoras ao dar essa informação?

8. Cite outros trechos em que se percebe o mesmo objetivo.

9. Como as autoras se sentem em relação à necessidade de adotar esse novo procedimento? Copie um trecho que confirme sua resposta.

10. Embora haja no texto explicações de cientistas para os fatos apresentados, ele não pode ser chamado de artigo de divulgação científica. O
que há nele que o diferencia dos artigos de divulgação científica?

Fúria no trânsito

Existe uma forma simples de avaliar o grau de evolução do ser humano. Basta observar dois sujeitos após uma batida. Saem dos veículos
arrebentando as portas. Olhares ferozes. Torsos inclinados para a frente. Mãos crispadas. Batem boca. Bastaria mudar o cenário, trocar os ternos
por peles e entregar um porrete para cada um. Estaríamos de volta à pré-história, Poucas atividades humanas despertam tanto o espírito
selvagem como a guerra no trânsito.
Tenho um amigo de fala mansa, calmo e sensato. Outro dia estávamos no carro. Chuviscava. O suficiente para que os carros entrassem numa
luta desenfreada no asfalto. Cortadas súbitas. Buzinas. Ele passou a costurar por todos os lados. Fomos ao Morumbi Shopping. Havia uma fila
para o estacionamento vip (quem almoça em alguns restaurantes de lá tem direito a manobrista gratuito).
- Um idiota está parado lá na frente - ele anunciou.
- Por que idiota? Você não sabe o motivo ... - comecei a dizer.
Não pude terminar a frase. Agarrei-me ao banco. Ele atirou o carro para a direita. O da frente fez o mesmo. Para não bater, meu amigo jogou o
seu sobre o canteiro. Veio a pancada. O pneu arrebentou. O veículo parado mexeu-se, vagarosamente, e partiu. Meu amigo esbravejou. Trocou o
pneu. Depois foi a uma borracharia, onde acabou brigando também. Passou o resto do dia num humor de cão. Telefonou:
- Tudo por culpa daquele imbecil!
Argumentei:
- Você não sabia o motivo de o carro estar parado. A pessoa podia estar se sentindo mal. Pense. Por causa de alguém que não conhece, você
quase amassou o carro, arrebentou seu pneu e está furioso. Como permite que um desconhecido faça tudo isso com você?
Silêncio sepulcral. Depois, ouvi um clique do telefone sendo desligado.
Costumo dirigir devagar. Quando vou para o Litoral Norte é uma tortura. A estrada só tem uma pista, com muitos locais de ultrapassagem proibida.
Tento me manter na velocidade exigida pelas placas. Adianta? Alguém sempre gruda em mim. Volta e meia, quando ultrapassam, ouço me
xingarem.
Nestes tempos politicamente corretos, já não se ouvem tantos gritos do tipo:
- Ô dona Maria, vá pilotar fogão!
Entretanto, existe, sim, um preconceito contra mulher ao volante. Confesso que também já tive. Hoje, às vezes passo por uma senhora dirigindo
em paz. Alguém do meu lado reclama:
- Olha lá, empatando o trânsito. Só podia ser mulher.
Lembro que as seguradoras costumam cobrar menos de motoristas do sexo feminino. Causam menos acidentes. Há algum tempo uma amiga
bateu em uma moto. Teve de se trancar no carro enquanto um bando de motoqueiros solidários com o acidentado chutava seu carro. Foi
resgatada pelo socorro. Detalhe: o culpado era o motoqueiro. Ninguém se machucou. Ela voltou para casa apavorada.
Soube de um rapaz que certa vez foi fechado numa grande avenida. Gritou:
- Safado, você vai ver!
Seguiu atrás, buzinando. O outro tentava fugir, ele perseguia. Deu uma superfechada, obrigando o carro a parar. Saiu furioso, pronto para a briga.
Aproximou-se.
No banco do motorista estava uma senhora idosa, tremendo de medo. Ele caiu em si.
- Parecia que eu estava em um filme, me assistindo.
Gaguejou. Pediu desculpa. Partiu.
No dia seguinte, vendeu o carro.
- Não confio em mim mesmo ao volante. Eu me torno outra pessoa. Prefiro não dirigir.
Claro que não é uma receita para todo mundo. Para ele, funcionou. Anda de ônibus, táxi ou metrô. Sente-se feliz. Como se tivesse abandonado a
pré-história e, finalmente, ingressado na civilização.

CARRASCO, Walcyr. Histórias para a sala de aula: crônicas do cotidiano. São Paulo: Moderna, 2010. p. 121-123.

QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO

1. A crônica narra um flagrante da vida no cotidiano, e o fato relatado pode ser verídico ou fictício.

a) Observe que a crônica em estudo apresenta uma certa dose de humor, em razão do conteúdo abordado. Em que fato do dia a dia o autor se
inspirou?
b) Qual é a crítica feita pelo cronista no primeiro parágrafo do texto?

2. É comum haver trechos descritivos inseridos em narrativas.


a) O que o narrador visou destacar na descrição presente no primeiro parágrafo?
b) Em sua opinião, há exagero quando o narrador compara o comportamento dos que dirigem com violência a seres humanos da pré-história?
Esclareça sua resposta.
c) Apesar de a cena descrita apresentar características que não traduzem propriamente o humor, que trecho nos parece cômico?

3. A partir do segundo parágrafo, o narrador passa a contar o caso real de um amigo, que serve de exemplo para o que ele afirmou
antes.
a) Observe que, segundo o narrador, o amigo tinha um temperamento tranquilo. Como se explica a mudança de atitude desse amigo ao dirigir o
carro?
b) Há pessoas que, mesmo sendo controladas, assumem um comportamento diferente ao volante. Por quê?

4. No diálogo inicial entre os dois amigos, é possível perceber a irritação do motorista.


a) Por que a reação dele e do motorista do carro à frente parece engraçada?
b) Mesmo com um passageiro no carro, o amigo continua agressivo na direção e se enfurece ao colidir e estragar o pneu. O que o narrador quer
demonstrar ao relatar as consequências da batida?
c) Nem mesmo o argumento do narrador consegue acalmar o amigo. As considerações que ele faz, na conversa com o motorista, lhe parecem
sensatas? Esclareça sua resposta.
d) O próprio narrador conta suas experiências como motorista. Ao contrário do amigo, ele dirige dentro dos limites de velocidade, mas isso parece
irritar outros motoristas. O que você pensa a respeito dessa atitude de os motoristas pressionarem aquele que dirige dentro dos limites?

5. Apesar de ter diminuído, o preconceito contra a mulher no trânsito continua existindo. De acordo com o texto, que fato toma evidente que as
mulheres são competentes ao dirigir?

6. Outro fato narrado na crônica em estudo se refere à atitude desastrada de um jovem motorista, ao ser fechado pelo carro de uma idosa. A
decisão de abandonar o volante, tomada por ele após essa situação, constitui uma medida adequada ou radical? Justifique sua resposta.

7. No texto, foi empregada a norma culta da língua, mas há momentos em que prevalece a informalidade. Dê exemplos e explique o emprego da
linguagem informal na crônica.

8. A crônica pode estar mais próxima da literatura - e nesse caso a linguagem é subjetiva, pessoal- ou do jornalismo - quando a linguagem é mais
objetiva. Na crônica em análise, os fatos são narrados de maneira mais literária ou jornalística? Esclareça sua resposta.

9. Ao criar seu texto, o cronista tem um ou mais objetivos. Identifique o(s) objetivo(s) dessa crônica.
( ) Explicar o comportamento humano.
( ) Divertir ou entreter o leitor.
( ) Alertar o leitor sobre situações perigosas.
( ) Fazer o leitor refletir criticamente sobre a vida.

10. Ao registrar uma situação do cotidiano de forma simples, coloquial e breve, o narrador não só produziu humor, como também fez uma crítica
social. Como se pode confirmar essa característica na crônica em estudo?

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