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1
Debora Cristina Lopez. Universidade Federal de Ouro Preto, Doutora em Comunicação e Cultura
Contemporâneas, Brasil, e-mail: debora.lopez@ufop.edu.br.
2
Kelen Barros. Universidade Federal de Ouro Preto, Mestranda em Comunicação, Brasil, e-mail:
kelen.barros@aluno.ufop.edu.br
Resumo: Neste artigo, analisamos os impactos da pandemia de COVID-19 na produção de
jornalismo das emissoras de televisão universitárias do estado de Minas Gerais. Através de
um questionário enviado às 23 TVs mineiras que integram o Mapa 4.0 das TVs Universitárias
do Brasil, foram identificados padrões de produção de jornalismo e jornalismo científico nas
emissoras durante os anos de 2020 e 2021. Consideramos os contextos político, econômico
e social das universidades brasileiras e seu impacto na amostra.
Abstract: In this article, we analyze the impacts of the COVID-19 pandemic on the
journalism production of university television stations in the state of Minas Gerais. Through
a questionnaire sent to the 23 TVs that make up the Map 4.0 of University TVs in Brazil,
patterns of production of journalism and scientific journalism were identified in the
broadcasters during the years 2020 and 2021. We considered the political, economic and
social contexts of Brazilian universities and its impact on the sample.
Este artigo integra uma pesquisa que busca entender como as TVs universitárias de Minas
Gerais mapeadas pela Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU) foram
impactadas pela pandemia de Covid-19 nos anos de 2020 e 2021. Analisamos como o
jornalismo praticado por estas emissoras foi afetado pelas alterações impostas pela
pandemia - seja em relação às rotinas ou à própria organização da programação.
Em 26 de abril de 2021, o Brasil somava 14,34 milhões de casos confirmados e 390.797
mortes pelo novo coronavírus, segundo o levantamento do Our World in Data (BRAZIL,
2021). O vírus, detectado pela primeira vez no país em fevereiro de 2020, levou a mudanças
nas rotinas de trabalho, de circulação de pessoas, de consumo e de relacionamento que
afetaram também as universidades.
As instituições de ensino superior tiveram suas rotinas alteradas, paralisando atividades
temporariamente e/ou adotando rotinas de trabalho remoto a partir de duas normas
federais que entraram em vigor no Brasil ainda em 2020, a Lei 13.979 e a Medida Provisória
934, que dispõem sobre as providências de enfrentamento à crise emergencial de saúde
pública e a necessidade de adoção de normas excepcionais pelas instituições de ensino
(BRASIL, 2020).
Essa realidade, somada à redução de investimentos em ciência e tecnologia no país que
ocorre desde 2015, impactou diretamente as rádios e TVs universitárias brasileiras.
Partimos do pressuposto de que, ainda que a pandemia tenha afetado a prática destas
emissoras, a informação local e a divulgação científica passaram a ser mais valorizados e
apresentados nas grades de programação e nas produções jornalísticas.
Para verificar quais foram esses impactos, realizamos um estudo exploratório nos sites e
páginas de redes sociais das 23 TVs universitárias do estado de Minas Gerais, que estão
listadas no Mapa 4.0 das TVs Universitárias desenvolvido pela Associação Brasileira de TVs
Universitárias (ABTU) e disponível para acesso livre. Além disso, também foi encaminhado
um questionário às emissoras.
Buscamos dimensionar a amostra da pesquisa e subsidiar o que definimos, a partir de Flick
(2009), como os caminhos para criar uma fotografia instantânea do fenômeno observado.
O questionário, respondido por equipes de produção e pelas gerências das TVUs, discute
mudanças nas rotinas e impactos no conteúdo das emissoras. Assim, adotamos questões
abertas que permitem expor a multiplicidade de interpretações marcada no objeto
analisado (YIN, 2016). Ainda que o questionário apresentado se organize em nove seções,
neste artigo exploramos principalmente três: a) quadro de funcionários; b) panorama da
cobertura jornalística, quadros e/ou programas que tenham como foco o combate e
prevenção à Covid-19 e c) percepção do conceito de divulgação científica. A partir destes
três eixos buscamos compreender os impactos nas práticas e no conteúdo jornalístico das
TVs.
O questionário foi enviado às 23 TVUs entre os meses de abril e junho de 2021. Três não
retornaram nenhuma das tentativas de contato; uma alegou não se encaixar no perfil de TV
Universitária, e ser apenas um canal da web para veiculação de conteúdo institucional; uma
afirmou ser apenas retransmissora e não ter programação própria; uma afirmou problemas
burocráticos e nunca ter de fato operado; e duas responderam ao contato, mas não o
questionário.
O que é TV Universitária?
As definições dos conceitos de TV educativa e de TV universitária no Brasil ainda são pautas
constantes para pesquisadores da área. A TV educativa está prevista na legislação da TV
aberta, disposta no Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4117/62), e modificada por
meio do decreto-lei 236/67, que traz, no Artigo 13, a seguinte definição: “A televisão
educativa se destinará à divulgação de programas educacionais, mediante a transmissão de
aulas, conferências, palestras e debates” (BRASIL, 1967). Outro detalhe importante trazido
no parágrafo único do Artigo 13 é a proibição de qualquer propaganda ou patrocínio na TV
educativa, já que ela não tem caráter comercial. O mesmo decreto-lei expõe ainda, no
artigo 14, que as únicas instituições que podem executar o serviço de televisão educativa
no país são: a União; os estados, territórios e municípios; as universidades brasileiras, e as
fundações constituídas no Brasil, cujos estatutos não contrariem o Código Brasileiro de
Telecomunicações (BRASIL, 1967).
No entanto, a abordagem acadêmica da TV universitária difere da legal, o que dificulta a
unificação do olhar sobre o objeto. Magalhães (2021), um dos fundadores da ABTU, explica
que legalmente não existem TVs universitárias em sinal aberto, mas TVs educativas
administradas por universidades. Ele ainda acrescenta que há também TVs comerciais que
pertencem a universidades e que podem estar no sinal aberto ou a cabo. Por isso, o conceito
de TV universitária é ainda mais abrangente e complexo que o de TV educativa e não possui
uma especificidade legal exclusiva. Nesse contexto, a ABTU desenvolveu um conceito que
ultrapassa aspectos tecnológicos e legais, para definir com maior precisão o que é a TV
universitária, em vez de buscar explicar onde ela está (MAGALHÃES, 2021).
Esse conceito foi desenvolvido e aprimorado dentro da elaboração de mapas dos veículos
universitários brasileiros realizado pela associação. Com a finalidade de identificar as TVUs
e, assim, incentivar políticas públicas e privadas, a ABTU elabora os mapas dessas TVs no
país. Foram realizados quatro levantamentos de 2002 a 2009. O último publicado recebe o
nome de Mapa 4.0 e ainda se encontra em fase de finalização e é realizado em parceria com
instituições de ensino superior do país. Para definir o que é a TV universitária a ABTU
estabeleceu uma lista com seis critérios. As emissoras que se encaixam em todos eles, são
incluídas no mapa.
Assim, foram adotados os seguintes critérios para a classificação de TVU: a) autointitulação
e identidade própria; b) produção regular; c) ênfase em ensino, pesquisa e extensão; d)
caráter formador; e) linguagem televisiva; f) vinculada a uma IES (pública ou privada)
(OLIVEIRA, 2020, p. 30).
De acordo com o último levantamento do Mapa 4.0, 183 TVs universitárias estão em
atividade no Brasil, o que corresponde a 6,8% das instituições de ensino superior do país.
Também foi constatado um aumento no número de TVUs de 21,1% em relação ao Mapa
3.0 e 117 dessas TVs estão operando exclusivamente na internet. O mapeamento foi
realizado por meio de “pesquisa bibliográfica e documental, busca nos sites das IES e das
TVUs, visita técnica em evento do segmento, entrevistas exploratórias presenciais com
coordenadores de emissoras, troca de mensagens com dirigentes e envio de e-mails e de
formulário online” (MAPA 4.0, 2021).
Considerações finais
É possível concluir que, dentro da amostra pesquisada de 15 TVs Universitárias de Minas
Gerais que responderam às perguntas da pesquisa, 86,6% das entrevistadas produziram
conteúdos relacionados à Covid-19 e essa mesma porcentagem afirmou seguir as diretrizes
do jornalismo em seus conteúdos, mesmo que eles não sejam efetivamente publicados
dentro de um jornal. Esse alto índice valida o fato de que as TVUs prezam pela informação
de qualidade, pautada na apuração e checagem dos fatos e infere o jornalismo como uma
das estratégias comunicativas centrais das TVs universitárias de Minas Gerais na pandemia
Além disso, também 86,6% delas entendem o que é divulgação científica e buscam
trabalhar com o conceito na produção de conteúdo das emissoras
Destacando o caráter essencial da radiodifusão universitária, que é a sua relação com a
comunidade e a divulgação científica, é preciso considerar também que a aproximação e
formação dos públicos não se dá somente por meio da ciência, mas também pela
abordagem dos problemas cotidianos e dos contextos vivenciados pela audiência
(KISCHINHEVSKY; LOPEZ; BENZECRY, 2021), característica que conecta o jornalismo
desenvolvido em meios universitários e a comunicação de ciência em si.
Deve-se considerar ainda a participação dos pesquisadores das IES na produção do
conteúdo destas emissoras e também como fontes dos produtos que elas veiculam, já que
em 66,6% delas o corpo acadêmico da instituição tem participação direta no
desenvolvimento das pautas trabalhadas nos programas e em cerca de 93% os professores
e estudantes participam de alguma maneira da programação, o que permite concluir que o
fazer acadêmico está presente na televisão universitária e que existe uma ampliação dessa
participação pelo fato das TVUs estarem próximas das instituições de ensino superior. Pôde-
se concluir também que os acadêmicos são fontes acessadas com frequência não somente
nos telejornais, mas nos mais diversos programas criados pelas emissoras.
As TVUs, observamos na análise, foram afetadas pela pandemia em suas rotinas, mas
assumiram, em grande medida, seu lugar de diálogo com a comunidade e de afetação de
seu cotidiano. Através do jornalismo produzido por estas emissoras observou-se a
ampliação da voz dada aos pesquisadores e o reforço do vínculo entre emissora
universitária e instituição de ensino, pesquisa e extensão, destacando seu lugar de agente
do processo de construção social. Ainda que não tenhamos observado o crescimento do
número de programas jornalísticos, principalmente de perfil informativo, percebemos o
crescimento do conteúdo de ciência, que integra estratégias de divulgação e de jornalismo
científico. Assim, seja através da utilidade pública, da atribuição de voz às fontes, da
atualização informativa ou do aprofundamento de informações e combate à infodemia,
percebemos o jornalismo como uma das estratégias comunicativas centrais das TVs
universitárias de Minas Gerais na pandemia.
Referências
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