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maio-junho de 2013 – ano 54 – número 290

Pastoral e aspectos
psicológicos atuais
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O padre e a A psicanálise, A necessidade A moral do prazer Roteiros
saúde emocional as depressões, da psicopedagogia e o imaginário Homiléticos
Ênio Brito Pinto a culpa e o perdão na educação da fé “consumista” Celso Loraschi
José Del-Fraro Filho Eduardo Calandro contemporâneos
Jordélio Siles Ledo, css Jurandir Freire Costa
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Caros leitores e leitoras,


Graça e Paz! profissionais de saúde, entre as diversas atri-
buições que já têm. Mas muitas das deman-
O modo de vida atual, marcado por com- das de seu trabalho envolvem conteúdos
petitividade, imediatismo, insegurança nos psicológicos e problemas psicopatológicos
postos de trabalho, enfraquecimento dos laços que justificam a necessidade de termos no-
afetivos e religiosos, ansiedade pelo sucesso ções e condições de dar alguma orientação
econômico, individualismo e uma série de nesse sentido, ou mesmo recomendar a pro-
outras transformações que diminuem a estabi- cura de profissionais da área. As patologias e
lidade e rompem o fio da tradição sem colocar dificuldades mais graves requerem ajuda pro-
nada de substancioso no lugar, tem causado fissional, mas as ansiedades existenciais e es-
muitos desajustes e problemas psicológicos pirituais merecem também a assistência dos
que afetam também a saúde do corpo. Todos sacerdotes, sem confundir funções nem que-
podemos constatar, seja pelas notícias, seja no rer substituir psicólogos ou psiquiatras. Isso
nosso próprio contexto, o incremento do nú- pode até mesmo colaborar para evitar que
mero de pessoas que sofrem com depressão, pessoas em dificuldade se tornem massa de
desânimo, sintomas hipocondríacos, ansie- manobra de lideranças religiosas inescrupu-
dades, estresse físico e mental, insônia, fobias losas que se aproveitam de situações de crise
sociais, solidão, síndrome do pânico, proble- para ganhos econômicos.
mas psicossomáticos, entre outros. A nossa missão pastoral diz respeito à pes-
Na prática pastoral e no dia a dia, depara- soa humana como um todo, e a transmissão e
mo-nos constantemente com quadros assim. a vivência da fé dizem respeito não apenas a
As pessoas procuram na religião, com sacer- uma aceitação de doutrinas, mas perpassam
dotes e agentes pastorais, orientação e ajuda todo o ser, emoções, mente, corpo e espírito.
para a superação de seus problemas emocio- Portanto, para evangelizar de maneira eficaz é
nais. Há um diálogo ancestral entre religião e importante conhecer o público mais a fundo,
saúde, e sabemos que a religião bem vivida seu imaginário, seus anseios e dificuldades na
pode auxiliar no equilíbrio e na maturidade. situação específica em que vivem.
Em um volumoso livro1 da editora da Univer- O cuidado pastoral com o emocional e a
sidade de Oxford, vários estudiosos apresenta- psique das pessoas ajuda a lidar também com
ram pesquisas científicas que mostram como a o excesso de culpas e escrúpulos, com as
vivência religiosa contribui para a saúde psi- neuroses, medos, dificuldades de perdoar, de
cológica e biológica, para a imunidade e para a elaborar adequadamente a raiva e demais
superação de doenças. Nas atividades religio- sentimentos. Em poucas palavras, ajuda-as a
sas e pastorais, podemos ajudar a promover a não transferir para a religião as fantasias,
saúde psicológica das pessoas de diversas ma- frustrações e conflitos do inconsciente e as
neiras. É isso que Vida Pastoral procura subsi- torna mais aptas para a descoberta do verda-
diar e facilitar com os artigos desta edição. deiro Deus, o Deus do perdão, da misericór-
Não é necessário que padres e agentes dia e do amor. Cuidando da nossa saúde
de pastoral se tornem também agentes ou emocional e ajudando os fiéis a cuidar da
sua, estaremos mais abertos e aptos para sentir
e viver Deus em tudo e em todos.
1. Harold KOENIG; Harvey J. COHEN. The Link Between
Religion and Health: Psychoneuroimmunology and the Pe. Jakson Ferreira de Alencar, ssp
Faith Factor. Nova Iorque: Oxford University Press, 2002. Editor
Revista bimestral para
sacerdotes e agentes de pastoral
Ano 54 – número 290
maio-junho de 2013

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O padre e a saúde emocional
Ênio Brito Pinto

A religião tem papel significativo


na promoção da saúde emocional
À medida que o ser humano avança em
seus conhecimentos fica cada vez mais à
mostra a enorme complexidade que somos,
de seus fiéis. Os padres e agentes de obrigando-nos a novos diálogos e posiciona-
mentos. Uma das áreas nas quais essa neces-
pastoral podem colaborar no
sidade de novos diálogos mais se sobressai é
incremento da própria saúde e da a área da saúde humana. São tantos os co-
saúde dos que o procuram, ajudando nhecimentos, são tantas as especializações
geradas nessa área que hoje é praticamente
na superação das ansiedades em impossível pensarmos em um atendimento
relação ao vazio, à finitude humana, de saúde que não seja multiprofissional. Me-
lhor que isso: os conhecimentos que temos
à solidão, à sensação de culpa.
hoje na área da saúde humana são tão com-
plexos que obrigam os profissionais a saírem
do hospital ou de suas clínicas, ocupando-se
cada vez mais com questões ligadas ao ramo
mais precioso da área da saúde, a prevenção.
nº- 290

Nesse ponto, penso que há um diálogo an-


cestral que precisa ser retomado, o diálogo

Ênio Brito Pinto, psicólogo graduado pela


ano 54

PUC-RJ e psicopedagogo pela Unip, além entre religião e saúde, de modo que, dentro
de mestre e doutor em Ciências da Religião
pela PUC-SP. Autor do livro Os padres em
de suas possibilidades e nos limites de seu

psicoterapia, pela editora Ideias & Letras. campo, os religiosos sejam também agentes
Vida Pastoral

E-mail: eniobritopinto@uol.com.br cuidadores da saúde humana.

3
Não defendo que os padres se tornem livros (1967), aborda essa difícil fronteira
agentes de saúde ou profissionais da saúde, entre o trabalho pastoral e o trabalho de busca
pois bem sei as tantas funções e as tantas di- da recuperação da saúde emocional. Tillich
ficuldades que já têm no trata da ansiedade huma-
exercício de seu labor. na e a divide entre a an-
Mas levanto a questão de siedade existencial, a ina-
“A ênfase imediatista
que o padre pode ter para lheável ameaça de não ser,
com seus fiéis cuidados no presente se faz às custas e a ansiedade não existen-
que promovam também do passado e do futuro, cial, patológica, “resulta-
o incremento do cuidado do de ocorrências contin-
de cada um com a pró- da tradição e dos gentes na vida humana”
pria saúde e a saúde de horizontes comuns.” (p. 47). No primeiro caso,
seus próximos. Além dos Tillich (1967, p. 29) dis-
padres, me dirijo também tingue três tipos de ansie-
às religiosas, aos religiosos e a leigos e agen- dade existencial, “de acordo com as três dire-
tes de pastoral que lidam com essas questões ções nas quais o não-ser ameaça o ser”:
no dia a dia.
o não-ser ameaça a autoafirmação ôntica
Embora a participação dos religiosos pos-
do homem, de modo relativo, em termos
sa se dar nas mais diversas áreas que dizem
de destino, de modo absoluto, em ter-
respeito à prevenção em saúde, é na área da
mos de morte. Ameaça a autoafirmação
saúde emocional que eles mais podem se fazer
espiritual do homem, de modo relativo,
presentes, haja vista que muitos dos pedidos
em termos de vacuidade, de modo abso-
de aconselhamento ou de orientação trazem
luto, em termos de insignificação. Amea-
conteúdos psicopatológicos que justificam,
ça a autoafirmação moral do homem,
além da orientação pastoral, a orientação sobre
de modo relativo, em termos de culpa,
saúde emocional e até o encaminhamento
de modo absoluto, em termos de conde-
para um psicólogo e/ou um psiquiatra que
nação (p. 30).
possa complementar o acolhimento a essa
pessoa com os procedimentos psicoterapêu- Essas três ameaças podem ser resumidas
ticos e/ou psicofarmacológicos que se verifi- em três ansiedades: “a do destino e da morte
carem necessários e possíveis. Neste artigo, (em resumo, a ansiedade da morte), a do
quero refletir um pouco sobre a possibilidade vazio e perda de significação (em resumo, a
de as pessoas de vida consagrada atuarem ansiedade da vacuidade), a de culpa e conde-
como facilitadores do incremento da saúde nação (em resumo, a ansiedade da condena-
emocional. Para esse fim, não me aterei à ção)” (p. 30). O autor completa: “os três tipos
questão das psicoses, deixando-a, por causa de ansiedade (e de coragem) são imanentes
de sua enorme e peculiar complexidade, para uma na outra, porém normalmente sob a
outro possível artigo. doutrinação de uma delas” (p. 30).
Tillich (1967) afirma que a ansiedade in-
nº- 290

clina o ser humano para a coragem “porque a


1. As ansiedades
outra alternativa é o desespero. A coragem

ano 54

Quando faço essa proposta de atuação resiste ao desespero tomando a ansiedade


para as pessoas de vida consagrada, não es- dentro de si” (p. 49). Quando trata da ansieda-

tou trazendo algo que seja exatamente novo: de não existencial, Tillich situa numa espécie
Vida Pastoral

já Paul Tillich, em um de seus memoráveis de meio termo entre o desespero e a coragem

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a pessoa comum (“embora potencialmente
neurótica”) e o neurótico, o qual se afirma Hinário litúrgico sem
“numa escala limitada”, “pois o eu que é afir-
mado é um eu reduzido”, quer dizer, para Paul mistérios com CDs
Tillich, “neurose é o meio de evitar o não-ser da PAULUS
evitando o ser” (p. 49).
Dessa forma, a ansiedade de morte,
quando não incorporada, “impele a uma se-
gurança que é comparável à segurança de
uma prisão (...) Medo deslocado é uma con-
sequência da forma patológica de ansiedade

21 faixas
do destino e da morte” (Tillich, 1967, p. 49).
Situação semelhante pode ser encontrada na
ansiedade de condenação patológica:
a ansiedade de se tornar culpado, o hor-
ror de se sentir condenado, são tão fortes
que fazem quase impossíveis decisões

21 faixas
responsáveis e qualquer espécie de ação
moral (...) A autodefesa moralística do
neurótico faz com que ele veja culpa

Imagens meramente ilustrativas.


onde não existe culpa ou onde se é culpa-
do só de forma muito indireta (Tillich,
1967, p. 56).
18 faixas

Também a ansiedade de vacuidade pode


ter sua forma patológica, especialmente na
criação de certezas “em sistemas de significa- CDs – Festas Litúrgicas
ção que são sustentados pela tradição e auto- Volumes I, II, III
ridade”. Dessa forma, a pessoa neurótica Cantos do Hinário Litúrgico da CNBB
“duvida do que está praticamente acima A série de quatro CDs apresenta missas
de dúvida e tem certeza onde a dúvida é completas para diversas festas da Igreja
como a Solenidade da Santíssima Mãe
adequada. Acima de tudo, ele não admite a de Deus; Apresentação do Senhor; São
pergunta da significação, em seu sentido Pedro e São Paulo; Santíssimo Corpo;
Sangue de Cristo; Assunção de Nossa
universal e radical” (Tillich, 1967, p. 56). Senhora; Santíssima Trindade, entre
A partir dessa conceituação da ansiedade outras. São cantos com melodias bonitas
humana, Tillich (1967) busca tratar da fron- e fáceis de cantar.

teira multiprofissional na lida com essas


Vendas: (11) 3789-4000
questões. Assim, para ele, a ansiedade pato-
0800-164011
lógica deve merecer cuidados do profissional SAC: (11) 3789-4119
nº- 290

da área da saúde e a ansiedade existencial


V i s i te n os s a l oj a V i rtu aL
merece ajuda sacerdotal, embora nenhuma

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ano 54

dessas funções deva ser restrita a cada área,


da mesma maneira que “as funções não de-
vem ser confundidas e os representantes não

Vida Pastoral

devem tentar um substituir o outro” (p. 57).

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Ainda assim e dentro de seus limites, “o mi- histórico, cada ser humano pós-moderno
nistro pode ser um terapeuta e o psicotera- vive como se a vida começasse com ele e pu-
peuta um sacerdote, e cada ser humano pode desse se perpetuar eternamente nele, negan-
ser ambos em relação ao próximo. O alvo do o morrer o quanto pode. Nega também a
de ambos (terapeuta e ministro) é ajudar os morte através de sua banalização, tão facil-
homens a alcançarem a autoafirmação plena, mente alcançada em um mundo com tanta
a atingirem a coragem de ser” (p. 57). gente, onde cada um acaba não sendo mais
do que um número.
Se compreendermos o destino como os
2. As ansiedades patológicas no
acontecimentos do mundo que não estão sob
mundo pós-moderno
nosso controle (ter nascido onde nascemos,
Isso posto, cabem algumas questões: no ano em que nascemos, as catástrofes natu-
hoje, passados sessenta anos desde que Tillich rais, muitas das oportunidades que temos na
lançou o livro e as ideias em questão (o traba- vida etc.), a maneira como a pessoa média de
lho original foi publicado nosso tempo lida com o
em 1952), haverá dife- destino é semelhante a
renças na vivência dessas esse jeito de lidar com a
“Grande parte do
ansiedades? Como o ser morte e também tem seus
humano atual tende a li- sofrimento neurótico dois lados mais comuns:
dar, em nosso mundo humano vem da dificuldade por um lado, a tentativa
cada vez mais líquido, de negar o destino através
com as ansiedades não em aceitar os limites do da onipotência narcísica,
incorporadas pela cora- aqui-e-agora.” a qual afirma que se você
gem de que fala Tillich, a agir dentro de certos pa-
ansiedade patológica da râmetros os seus desejos
morte, a ansiedade patológica da vacuidade, serão inevitavelmente realizados; por outro
a ansiedade patológica da condenação? Farei lado, a negação do trágico e da inevitável per-
algumas reflexões sobre isso. da decorrente de cada escolha, além da nega-
ção das inevitáveis escolhas entre o ruim e o
A ansiedade patológica da morte pior, que eventualmente temos que fazer.
A morte, o “não-ser”, a única certeza hu- Alguns resultados dessa maneira de lidar com
mana, tende a ser considerada em nossos a ansiedade patológica da morte são o medo da
tempos pós-modernos através de uma para- solidão, o pânico, as fobias tantas que vemos
doxal negação, a qual pode ser vista espe- descritas na literatura psicopatológica atual.
cialmente sob dois prismas: uma excessiva e
imediatista ênfase no presente e uma banali- A ansiedade patológica da vacuidade
zação da morte e do morrer. A ênfase ime- O Dicionário Houaiss nos ensina que va-
diatista no presente se faz à custa do passado cuidade, no sentido que tratamos aqui, quer
e do futuro, da tradição e dos horizontes dizer “vazio moral ou intelectual, vaziez de
nº- 290

comuns. O que vale é o imediato, se possível espírito, sensação de ausência de valor, de


vivido de maneira febril, ainda que vazio. É sentido em si ou fora de si”. Muito possivel-

ano 54

o rápido e o imediato como fuga da condi- mente essa descrição traduz a queixa (ou o
ção histórica que caracteriza cada ser vivente fundo da queixa) da maioria das pessoas que
e que exige de cada ser a coragem diante da

procuram ajuda do sacerdote ou do psicotera-


Vida Pastoral

finitude. Ao fugir de sua condição de ser peuta. Essa sensação caracteriza, a depender

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de como é vivida, a depressão ou o estado
depressivo, quando não o tédio existencial,
também um sintoma importante. Que alter- Conheça mais
nativas a cultura pós-moderna oferece às pes- a emocionante trajetória
soas para lidar com sua autoafirmação, a legí-
do povo cristão
tima necessidade de afirmação autônoma de
si como ser pertinente a este momento e a
este lugar? Não, o que a cultura nos oferece
não é o vivificante contato com nossa peque-
neza que nos é proporcionado pela contem-
plação do céu estrelado, do mar agitado ou
da serra azulada; tampouco é a possibilidade

648 págs.
dos contatos amorosos e propiciadores de
proximidade e intimidade. As alternativas História do movimento
que a cultura pós-moderna oferece para que cristão mundial
Volume I
as pessoas lidem com sua necessidade de au- Do cristianismo primitivo a 1453
toafirmação são a ostentação e a certeza. Por Scott W. Sunquist
um lado, parecer ser é o mais importante; por O livro leva em conta as diversidades
outro lado, não perguntar, obedecer cega- de crenças e práticas, ao longo dos
dois milênios passados, ao retratar
mente, entregar-se sem questionamentos à de maneira fidedigna a história do
verdade do outro, especialmente quando esse movimento cristão mundial.
outro é a religião, o mercado ou o especialista.
Ao fim, com esse caminho propiciado hoje
pela cultura, a vida rasa nega o difícil e poten-

Imagens meramente ilustrativas.


cialmente criativo contato com a prescindibi-
lidade inerente à vida de cada um de nós.

A ansiedade patológica
304 págs.

da condenação
Por fim e igualmente importante, a traba-
O Jesus do Povo
lhosa lida com a culpa. Volto ao Houaiss para Trajetórias no Cristianismo Primitivo
deixar claro como estou aqui compreendendo Robin Scroggs
a culpa: “consciência mais ou menos penosa Em busca dos padrões de pensamento que
construíram as crenças primitivas a respeito
de ter descumprido uma norma social e/ou de Jesus, o autor levanta e correlaciona
um compromisso (afetivo, moral, institucio- três concepções com as realidades e
necessidades sociais de comunidades
nal) assumido livremente”. Lembro que esse primitivas distintas.
descumprimento pode ser também com rela-
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ção aos compromissos que assumimos conos-
0800-164011
co em nosso próprio benefício. Em nossos SAC: (11) 3789-4119
nº- 290

tempos, as pessoas lutam, às vezes lutam mui-


V i s i te n os s a l oj a V i rtu aL
to, para não se sentirem culpadas, como se a

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ano 54

culpa fosse sinal de fraqueza ou de fracasso,


quando é justamente o contrário. A culpa tem
uma função para o ser humano: apontar pos-

Vida Pastoral

sibilidades de correção, de reparação e/ou de

7
aprimoramento. A pessoa média de nossa cul- ções humanas, nascedouro e alimento da
tura tende a lidar com a culpa também basica- condição humana, ficam empobrecidas.
mente de duas maneiras, ambas prejudiciais:
por um lado, nega com muita frequência a
3. Possíveis caminhos para a
culpa, busca a chamada “psicologia positiva” e
mitigação da ansiedade patológica
afirma que aquilo de que se culpa vai acabar
futuramente se mostrando como benéfico, algo Ainda que, por causa do pouco espaço
positivo; por outro lado, transforma a culpa que tenho aqui, essas manifestações atuais da
em condenação, ou em repetitivo sentimento ansiedade patológica tenham sido colocadas
de culpa que paralisa as possibilidades de de maneira muito genérica e pouco aprofun-
crescimento e de atualiza- dada, a partir delas po-
ção. Quando muito e em- demos pensar em alguns
bora tenha muita dificul- “Isso amplia a qualidade caminhos básicos, algu-
dade de pedir, quer o per- mas atitudes que podem
dão, desde que não tenha da participação comunitária, ser úteis para cada pessoa
que fazer qualquer repa- provocando, através em busca de uma vida
ração ou mudança; com a mais plena e para servi-
mesma facilidade conde-
da aceitação de si, presença rem de possível referên-
na dura e concretamente mais atenta e cuidadosa cia para o padre como
os outros, impossibilitan- nos grupos.” agente facilitador da saú-
do também a aprendiza- de emocional em seu con-
gem, a mudança e a repa- tato com os fiéis. Mais uma
ração. Além disso, a pessoa média de nossa vez, a proposta é maior do que o possível
cultura tende a ter muita dificuldade para per- neste pequeno artigo, de modo que me per-
ceber que às vezes seus erros são maneiras mitirei destacar muito sucintamente três ati-
criativas de se propor inovações e mudanças. tudes básicas que, se implementadas, facili-
Eventualmente toda pessoa passa por si- tam a abertura da possibilidade da superação
tuações dessa maneira, e não é isso o que ou da mitigação da ansiedade patológica: a
caracterizaria um sofrimento patológico. consciência da finitude como caminho para a
Para que possamos pensar nessas vivências busca da presentificação e da plenitude de
como patológicas, é preciso atentar para al- vida; a autonomia, ou a consciência dos valo-
gumas peculiaridades: falta flexibilidade, ou res próprios na busca de horizonte e sentido;
seja, há repetição e persistência dessas vi- a busca da difícil congruência como forma de
vências, com dificuldade para responder autoaceitação e de crescimento.
adequadamente ao que exige cada situação,
em várias áreas da vida (pessoal, profissio- A presentificação, matriz do
nal, relacional, familiar etc.); essas repeti- cuidado e da plenitude
ções provocam continuamente sofrimento e Do ponto de vista psicológico, a melhor
prejuízo na convivência da pessoa consigo maneira que temos para lidar com a ansieda-
nº- 290

mesma e com os outros, especialmente os de da morte é a presentificação, quer dizer, a


outros mais importantes; a liberdade da pes- partir da inevitável consciência da finitude e

ano 54

soa está tolhida, entendendo aqui liberdade da inevitabilidade da confrontação com o


como a capacidade de fazer escolhas com o destino (não somos simples espectadores
ante nosso destino, mas atuantes em nossas

maior grau possível de conscientização e de


Vida Pastoral

responsabilização; com tudo isso, as rela- experiências), a atitude mais saudável para a

8
pessoa humana é ampliar sua consciência e da pessoa heterônoma, que é aquela que se
sua vivência do presente, pois é apenas no governa com base no raciocínio e no código
presente que podemos existir, nos cuidar (e de valores de outrem. Para Rogers (1977,
cuidar de nossas comunidades e do ambien- p. 21), a pessoa autônoma
te) e fazer nossas coisas. Grande parte do so-
orienta-se por sua própria experiência e
frimento neurótico humano vem da dificul-
esta nem sempre coincide com as normas
dade em aceitar os limites do “aqui-e-agora”,
sociais (...) Compreende que às vezes
o potencialmente criativo ponto de encontro
sente a cooperação como significativa e
do passado, do presente e do futuro. É no
valiosa para si, e que, em outras vezes,
presente que temos consciência dos limites e
quer estar só (...) É sua vivência que pro-
das possibilidades, dos nossos recursos já
porciona a informação de valor ou feed-
disponíveis e daqueles recursos que ainda
back. Isto não quer dizer que não esteja
precisamos desenvolver, bem como das pos-
aberta a todas as provas que possa obter
sibilidades que temos para bem utilizar os
de outras fontes. Mas quer dizer que es-
recursos internos e os recursos ambientais
tas são aceitas como são – provas exterio-
disponíveis. Com isso não estou falando de
res – e não são tão significativas quanto
imediatismo e de seu inevitável vazio, antes,
as suas reações (...) prefere as experiên-
pelo contrário. Ficar o mais possível no pre-
cias que, a longo prazo, são enriquecedo-
sente significa dar-se conta de que é no presen-
ras; utiliza toda a riqueza de sua aprendi-
te que temos nossas recordações, que lem-
zagem e funcionamento cognitivos, mas,
bramos de nosso passado e com ele aprende-
ao mesmo tempo, confia na sabedoria de
mos e o honramos, da mesma maneira que é
seu organismo.
no presente que estudamos nossas possibili-
dades futuras, que fazemos nossos projetos Do ponto de vista da saúde emocional, é
para o futuro ou que acalentamos nossos imensa a importância do desenvolvimento
sonhos, de modo que é no presente que dos próprios valores (vale dizer, da autono-
podemos ter ações ou atitudes que nos colo- mia), pois nossos valores são o farol que ilu-
quem mais adequada e pacientemente em mina nossos horizontes, ao mesmo tempo
busca dessas possibilidades, desses projetos e que fundamentam nossa intencionalidade, o
desses sonhos. Essa presentificação nos situa caminho pelo qual significamos o que nos
no lugar da ação possível, o lugar da cora- sucede no correr da existência. O desenvolvi-
gem, ao mesmo tempo em que nos coloca mento dos próprios valores é tarefa a ser
mais claramente diante de nossos limites a cumprida paulatinamente e concomitante-
cada momento. Isso tende a ampliar a quali- mente com o desenvolvimento da personali-
dade de nossas escolhas e do senso de res- dade, pois a autonomia é conquistada diaria-
ponsabilidade delas decorrente. mente por toda a vida, é luta sem fim, que
tem diferentes desafios e diferentes limites
A autonomia, matriz de para as diferentes etapas do amadurecimento
horizonte e sentido humano. Desse modo, a autonomia de um
nº- 290

Outro ponto que denota a saúde emocio- adolescente é necessariamente diferente da


nal de uma pessoa é sua capacidade de auto- autonomia de um adulto, mas ambas repre-

ano 54

nomia, a maneira de lidar com os valores e o sentam um dos mais delicados desafios colo-
sentido atribuído ao vivido e à vida. Autôno- cados ante o ser humano em sua existência.
ma é a pessoa que governa a si própria, que

Assim, o ponto essencial da autonomia é


Vida Pastoral

confia em seus próprios valores, ao contrário que a pessoa se torne apta a tomar decisões

9
por si mesma, encontrando sentido no que aceita-se como é e busca ser cada vez mais o
vive e por ser vivo. Então, e só então, ela po- que é; sabe lidar criativamente com a culpa,
derá tornar-se livre, entendendo aqui a liber- compreendendo-a como indicação para re-
dade como a define Rollo May (1987, passin), parações, mudanças e/ou aperfeiçoamentos.
ou seja, a forma como a pessoa se confronta Isso amplia também a qualidade da inevitável
com seus limites, como dialoga com seu des- participação comunitária, provocando, atra-
tino na vida cotidiana. May (1987, p. 128) vés da aceitação de si como ser intrinseca-
lembra-nos, ainda, que a liberdade é insepa- mente gregário, presença mais atenta e cuida-
rável da responsabilidade: “pois a liberdade dosa nos grupos de pertinência. A luta aqui é
ilimitada é como um rio sem margens; a água contra a apatia e os “deverias” e a favor do
não é controlada e o fluxo se derrama em verdadeiro e da acolhida de si e do outro
todas as direções, perdendo-se na areia”. (com seus paradoxos), uma luta difícil em
um mundo fortemente marcado pelas recei-
A congruência, matriz da tas, pela falta de uma postura crítica, pela
construção crítica uniformização, pelo “espírito de rebanho”,
Por fim, outro dos desafios que são colo- no mau sentido da expressão.
cados para o ser humano em busca da saúde
emocional é a necessidade da congruência, a Finalizando
difícil afinação entre o experimentado, o cons- Para terminar, enfatizo a decisiva impor-
cientizado e o expresso. É a congruência que tância de que o ministro, no contato com os
permite a sensação de que se é real, autênti- fiéis e consigo mesmo, se pergunte sobre
co, coerente quanto aos sentimentos, aos atos quais valores norteiam realmente sua ativida-
e às palavras. A congruência abre para as pes- de a cada momento. Além disso, de nada
soas a possibilidade de viverem relações de adianta o ministro tomar as reflexões que de-
pessoa a pessoa, portanto, relações mais hu- senvolvi aqui como caminhos somente para
manas. A pessoa saudável tem presentes os o outro. É preciso que ele comece por si, hu-
sentimentos que vivencia a cada momento, mano que também é. Especialmente, é im-
tem consciência desses sentimentos e é capaz portante perceber que os valores que nos
de vivê-los, de se responsabilizar por eles, guiam são valores, não verdades. Ainda que
sendo também capaz de comunicá-los, se isso nos sustentem bem, são provisórios; ainda
for adequado (cf. Carl Rogers, 1977, p. 61). que pareçam imutáveis, são flexíveis. A vida
Além disso, por causa de sua busca de con- bem vivida não tem lugar para certezas abso-
gruência, não se julga, não busca a perfeição, lutas, só para a coragem, a coragem de ser.

Referências bibliográficas
nº- 290

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1ª- ed. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001.

ano 54

MAY, Rollo. Liberdade e destino. Porto Alegre: Rocco, 1987.


ROGERS, Carl; STEVENS, Barry. De pessoa para pessoa: O problema de ser humano. São Paulo: Pioneira,

1977.
Vida Pastoral

TILLICH, Paul. A coragem de ser. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

10
A psicanálise, as depressões,
a culpa e o perdão
José Del-Fraro Filho

1. A psicanálise e as depressões
A psicanálise pode ajudar o
É muito comum, como psicanalista, rece-
cristão a depurar e amadurecer ber no consultório pessoas arrasadas pela
sua fé e a não deslocar para angústia e em estado depressivo considerá-
vel. Nos dias de hoje, as depressões assolam
Deus e a religião fantasias, jovens, adultos, idosos (vinte vezes mais
frustrações infantis, neuroses e comuns nessa faixa etária) e até mesmo crian-
ças... As depressões são distúrbios que muitas
excessos de culpa, rigidez vezes necessitam de auxílio medicamentoso
e de moralismo. por se relacionarem a alterações bioquímicas
passíveis de ser harmonizadas com psicofár-
macos. Porém, sempre recomendo aos meus
clientes que naveguem em águas mais pro-
fundas e aproveitem o momento para uma
análise, ou seja: para uma viagem ao interior
nº- 290

de si mesmos.
Os remédios bloqueiam os sintomas ao

ano 54

José Del-Fraro Filho, psiquiatra, har­monizar a bioquímica alterada. Porém, além


psicanalista, autor do livro Os obstáculos de fatores genéticos, a pós-modernidade, com
ao amor e à fé: Amadurecimento Humano
seu individualismo, competitividade, afrou-

e Espiritualidade Cristã, Paulus.


Vida Pastoral

E-mail: clinicafraro@planetarium.com.br
xamento dos laços afetivos, neoliberalismo,

11
associada à história singular de cada sujeito, desafiador, porém grandemente libertador. E
vai definir a saúde ou doença e o grau de saú- a energia psíquica envolvida no conflito po-
de psíquica das pessoas. Nos conflitos psico- derá ser utilizada para outros fins, melhores
lógicos, os medicamentos pouco podem fa- para o sujeito e a sociedade.
zer... Muitas pessoas chegam desesperadas A análise existe para processar todos es-
aos consultórios e demandam verdadeiros ses conflitos inconscientes; a pessoa poderá
milagres através dos psicofármacos. É preciso reviver, sem julgamento do analista, sua dor,
contextualizar e ponderar a complexidade do mágoa, ódio, sua destrutividade.
distúrbio e não embarcar no imediatismo, ou-
tro engodo de nossos tempos.
2. A psicanálise, a culpa e o perdão
Ajudar o cliente a criar uma demanda,
uma questão, uma pergunta fundamental, Nessa etapa, gostaria de abordar de onde
uma dúvida sobre suas neuróticas certezas, vem boa parte de nossos sentimentos de que
um hiato no seu discurso projetivo e muitas estamos em pecado ou em dívida com as pes-
vezes sem faltas é tarefa fundamental na ten- soas, com o mundo, com Deus.
tativa de diminuir sua alienação a respeito de Nós temos em nossa consciência um es-
si mesmo. Seria aparentemente muito mais paço de liberdade e discernimento a nos im-
fácil buscar solução que venha de fora, sem plicar em nossas ações e escolhas. Porém o
esforço ou trabalho psí- inconsciente se interliga
quico, sem ter de tocar ao consciente de forma
em suas feridas, sem ter “Movidas e freadas pela inextricável e constitutiva
que revirar a intimidade. da consciência. Isso nos
Apesar de ser inerente
culpa inconsciente, as leva ao raciocínio de que
ao ser humano, a ambiva- pessoas passam a tratar nossa liberdade é apenas
lência de sentimentos nas parcial no que se refere às
o próximo com enorme
pessoas depressivas chega nossas condutas. Muito
a extremos, desencadean- severidade e rigor, como daquilo que denomina-
do a doença. As perdas seus superegos as tratam.” mos pecado é na verdade
reais e imaginárias que o limitação histórica, falta
deprimido passa ao longo de cuidados recebidos,
de sua vida, principalmente em sua infância e falta de amor que acirra nossa destrutividade
adolescência, o conduzem processualmente à e culpa inconsciente, e não pecado.
depressão. Essas perdas e falta de cuidados, a A criança e o adolescente, ao se tornarem
maioria inconscientes, levam o sujeito a fanta- adultos, carregam, independentemente de te-
sias de destrutividade e retaliação em relação rem alguma religião, maior ou menor grau de
às pessoas amadas. Odiar e destruir, incons- culpa. Isso se dá pelas seguintes situações vivi-
cientemente, aqueles que mais amamos é um das por todos nós no amadurecimento emo-
conflito árduo para nossas frágeis almas. cional (apenas enumerando algumas delas):
Os depressivos geralmente são muito exi-
nº- 290

• Culpa por ter desejado ser exclusivo no de-


gentes consigo próprios e têm ideais muitos
sejo e na vida da mãe (e os desejos incons-
altos, já “engoliram muitos sapos”, justamen-

cientes não morrem nunca);


ano 54

te das pessoas que mais amam, e estão cheios


de mágoas e ressentimentos. • Culpa por ter desejado, na fantasia, des-
truir o seio e o corpo materno e a própria

Processar lentamente essas feridas estam-


Vida Pastoral

padas e escondidas pela própria depressão é mãe como pessoa, por ter sido frustrado

12
no desejo de exclusividade e por ela não nossas consciências. A angústia sobrevém e
ter satisfeito todos os nossos desejos e ne- sentimos necessidade de dar um nome ao
cessidades; vivido. Esse descompasso, essa inadequa-
ção, essa coisa fora de lugar que incomoda e
• Culpa por ter desejos incestuosos pelo geni-
gera desconforto costumamos associar, em
tor do sexo oposto e pela rivalidade com o
nossa cultura judaico-cristã, a pecado.
genitor do mesmo sexo;
Há Igrejas e modelos de Igrejas que ten-
• Culpa por não ter pelos pais apenas senti- tam trabalhar a pessoa, bem ou mal intencio-
mentos sublimes, construtivos; nadas (não cabem aqui julgamentos), pelo
prisma do moralismo, do dogmatismo e fun-
• Culpa por ter desejado a morte de irmãos
damentalismo. O ser humano, nesse estado,
rivais;
acaba perdendo muito de sua espontanei-
• Culpa por ter desejado excluir o pai da re- dade e criatividade, além da capacidade de
lação mãe e filho(a); crítica. Movidas e freadas pela culpa incons-
ciente, vivida na consciência como pecado,
• Culpa por ter desejado, de maneira homo-
as pessoas se tornam massa de manobra, es-
erótica o genitor do mesmo sexo ou criança
cravas de líderes carismáticos, de normas e
do mesmo sexo;
regras farisaicas. E elas passam a tratar o pró-
• Culpa por não corresponder totalmente ximo com enorme severidade e rigor, como
aos ideais dos pais, e por atos que a crian- seus superegos as tratam.
ça, ao crescer (superego), percebe serem Escutando tantas pessoas todos os dias e
contrários aos interesses civilizatórios e fa- há tantos anos em consultório, a cada dia
miliares; mais me convenço de que a culpa mal traba-
lhada leva não somente a excesso de escrú-
• Culpa pela ambivalência afetiva constituti-
pulos, mas a neuroses, precipita doenças
va: amor e ódio pela mesma pessoa (pais);
como a síndrome do pânico, obsessões e até
• A culpa é constitutiva da natureza humana, mesmo graves doenças psicossomáticas. Mas,
o excesso de culpa é patológico. principalmente, conduz o ser humano a uma
infelicidade crônica, a um boicote quanto a
Mediante esse rosário de culpas, a criança, uma boa qualidade de vida.
para não sucumbir, elabora fantasias e atos A misericórdia que Jesus teve e tem por
reparadores. O amor e a sobrevivência dos todos nós – filhos pródigos e herdeiros de nos-
pais são fundamentais para que as reparações so próprio inconsciente e ideologias – deveria
inconscientes possam integrar melhor o seu ser emblemática para nossas condutas quanto
amadurecimento. A reparação pode aconte- a nós mesmos e aos outros. Realmente, não
cer de várias formas, sadias e neuróticas, e sabemos com exatidão aquilo que fazemos co-
pode nos transformar em adultos éticos, cria- nosco e com o próximo. Muito menos sabe-
tivos, bondosos, sublimes ou submissos, ex- mos as reais motivações quanto às condutas
cessivamente escrupulosos, obsessivos etc. dos outros em relação a nós mesmos.
nº- 290

Tudo isso movidos pelo desejo de reparação O amor a Deus e ao próximo e o maior
interna e externa. conhecimento e amor por nós mesmos são as

ano 54

Quando, na vida adulta, alguma situa- principais fontes de restauração aos danos reais
ção apresenta semelhança com aquilo já vi- e imaginários e às culpas reais e imaginárias
vido, o inconsciente se manifesta e vem à

que carregamos. São as principais formas de


Vida Pastoral

tona algum rastro ou marca de culpa em restaurarmos nosso ser e aqueles que amamos.

13
O perdão é um processo gradual, lento,
3. Psicanálise, perdão, culpa e religião
doloroso, em que muitas vezes precisamos
Falar a respeito de pecado e perdão sem- vivenciar angústia, indignação e sentimentos
pre tocou o inconsciente e as emoções das contraditórios. Conflitos, ambivalência, medo,
pessoas. Em dias atuais, é comum a palavra raiva, culpa podem ser mobilizados, e não
“pecado” provocar reações díspares. Em um devemos reprimi-los excessivamente.
extremo pode mobilizar tristeza, pânico, A fé, infelizmente, pode ser utilizada
graves inibições. No polo oposto poderá so- como válvula de escape para a pessoa não se
brevir deboche, indiferença, pois, para algu- dar conta de sua própria agressividade. E
mas pessoas, falar sobre esse tema é “careta”, perdoar pode se transformar em compulsão a
ultrapassado. reprimir a agressividade sentida, mediante a
Nesse grupo existe uma subdivisão inte- ofensa recebida. O motor de todas essas defe-
ressante: há aqueles que se afastam comple- sas é o terrível sentimento de culpa incons-
tamente dessa questão por não acreditarem ciente desse grupo de pessoas, nada despre-
em nada que se refira à religião e aqueles que zível em termos numéricos.
não suportam sequer escutar a palavra “peca- As religiões podem funcionar como fuga
do”. Associam-na a sacrifício e penitências de uma agressividade mal canalizada, e a pes-
absurdas. De seus inconscientes, retornam soa não somente reprime a raiva que sente
cenas de abuso de poder dos pais e de igrejas. como retorna a mesma para o seu próprio
Percorreram um árduo caminho para se li- interior. Uma fé assim vivida pode levá-la
bertarem das amarras do castigo, do medo e, à depressão, pânico e até graves doenças
após alto custo emocional e tortuoso cami- psicossomáticas ou, no mínimo, a uma má
nho, descobriram, enfim, o amor de Deus. qualidade de vida. Algumas pessoas rompem
Penso que nos extremos desse grupo bruscamente ou não aderem a nenhuma reli-
pode existir, como pano de fundo, um inten- gião, criticando todas elas.
so sentimento de culpa inconsciente, forjado A psicanálise é a ciência que lida com
na infância dessas pessoas e não trabalhado esses sentimentos de culpa da pessoa. Essa
por elas. Os pais, as famílias, as igrejas po- ciência promove um maior espaço de liber-
dem colaborar e muito para evitar esse exces- dade e responsabilidade na construção de
so de culpa, que paralisa o ser humano. As sua história e do mundo.
crianças leem no comportamento e no in- Infelizmente, Freud só percebeu a reli-
consciente dos pais como elas devem ser para gião como uma neurose coletiva movida
se sentirem amadas. E para angariar estima e pela culpa e pelo infantilismo, em que a
amor se moldam no que imaginam corres- criança projeta na figura de Deus seu de-
ponder ao desejo deles. Muitas não puderam samparo infantil e transfere (quando adulto)
expressar e reprimiram excessivamente suas seus anseios de amor infinito, dos pais para
raivas, mágoas e a sexualidade. Para essas um “deus de prótese”.
pessoas, as religiões podem desencadear no- Para um psicanalista cristão chega a ser
vas culpas, reagudizar conflitos inconscientes doloroso esse fosso, esse abismo aparente-
nº- 290

ou ser uma alavanca em que se submetem mente existente entre psicanálise e religião,
compulsivamente a normas, regras, numa que o próprio Freud tentou sustentar. Po-

ano 54

obediência cega e infantil. Perdoam o próxi- rém, é preciso lembrar que Freud sofreu
mo simplesmente “porque Jesus mandou”, muito em sua infância com as humilhações
não se permitindo sentir raiva, questionar,

e desprezos que seu pai, Jacob, passava por


Vida Pastoral

refletir, elaborar os fatos vividos. ser judeu. Além disso, tinha grande receio

14
de que o puritanismo vitoriano, vigente na adulta, quando situações semelhantes acon-
sua época, rechaçasse suas desconcertantes tecem conosco, deslocamos com toda força
descobertas psicanalíticas. Apesar disso, nossas indignações e mágoas reagudizadas
nunca recusou pacientes que se declaras- para a situação atual. A mesma ganha fortes
sem adeptos de quaisquer religiões e se tor- pinceladas emocionais, e a mágoa dirigida às
nou grande amigo de um pastor chamado pessoas das relações atuais é desproporcio-
Pfister. Esse último se tornou psicanalista e nal. Assim, é comum escutarmos pessoas fa-
amigo para sempre. lando que “não foram com a cara” de alguém,
A psicanálise pode ajudar o cristão justa- mesmo que este jamais tenha feito qualquer
mente nos pontos que Freud criticou. Ela pode coisa de prejudicial a elas... Isso não se refere
nos ajudar a desfazer mitos inconscientes, idea- apenas ao “narcisismo das pequenas diferen-
lizações quanto aos nossos ças”, como nos ensinou
pais da infância, auxiliar Freud. O inconsciente é
na elaboração de nossa “A culpa mal trabalhada leva formado por traços de
agressividade e a desfazer memória, por representa-
os conflitos de nossa sexua- não somente a excesso de ções e fantasias que a
lidade. Articulada a uma fé escrúpulos, mas a neuroses, criança produz a partir de
madura, nos ajuda a não suas vivências, principal-
deslocar para Deus e a reli-
precipita obsessões, mente com os pais e ir-
gião nossas fantasias e frus- doenças psíquicas e até mãos. Muito do que sen-
trações infantis. timos, na atualidade, vem
mesmo graves doenças
E assim depurados dessa fonte que se apro-
pela psicanálise das ilu- psicossomáticas.” veitou de um gancho, de
sões e idealizações infan- um dado atual para se
tis, e de nossos excessos reatualizar em nossas vi-
de culpa, estaremos mais aptos na descober- das. Até mesmo um olhar, um lugar, um jeito
ta do verdadeiro Deus: o Deus do perdão, da de falar pode detonar a angústia ou o amor...
misericórdia e do amor. Integrados pela fé Não somos senhores de nossa própria casa,
madura e mais livres de nossos conflitos in- de nosso eu, e o inconsciente penetra e se
conscientes, estaremos mais abertos para apodera de boa parte dessa casa. Algumas ve-
sentir e viver Deus em tudo e em todos. zes tratamos um vizinho ou algum colega de
trabalho com desconfiança ou frieza. Peque-
nas desavenças se transformam em grandes
4. Psicanálise e perdão
confusões e disputas, pois no inconsciente,
Parece estranho à primeira vista, mas al- vizinho, colega, por associação, pode repre-
gumas vezes em nossas vidas não consegui- sentar um próximo, um irmão rival da infân-
mos perdoar com profundidade, porque não cia. Na vida amorosa, catástrofes, brigas, se-
sabemos exatamente o que e a quem real- parações muitas vezes seguem a lógica do
mente perdoar. inconsciente, da realidade psíquica.
nº- 290

É que a força e o conteúdo maior de nos- Corremos o risco de deslocar, projetar,


sos sentimentos, mágoas, feridas se referem a transferir para o cônjuge todos os nossos an-

ano 54

situações tão penosas e antigas – nos reportam seios e desejos de sermos amados incondicio-
à nossa infância e adolescência – que os recal- nalmente. Idealizamos uma relação como
camos em nossos inconscientes e nos torna-

gostaríamos de ter tido com nossa mãe (ou


Vida Pastoral

mos alienados desse saber. Porém, na vida pai). No momento em que o cônjuge sai desse

15
lugar ou “falha”, todos esses anseios primitivos liberdade final estará mais próximo de suas
de amor ideal podem vir à tona e a desilusão verdades derradeiras: a bondade e a miseri-
e a mágoa inconscientes podem reaparecer ou córdia de Deus presentes.
nos causar angústias inexplicáveis ou até mes- A capacidade de perdoar se diferencia de
mo depressões. pessoa para pessoa. O grau de maturidade da
A figura de um político, policial, padre, fé e a história singular da pessoa definem esse
professor ou alguém que se coloque como potencial. Para aqueles a quem foi dada pou-
autoridade, lei, pode ter o poder de nos re- ca oportunidade, em sua infância, de restau-
meter às nossas mais primitivas angústias, rar os outros, quando diante de sua destruti-
medos e raivas enraizados nas formas como vidade, o perdão é mais difícil. A criança é
essas leis foram passadas por nossos pais e dotada do desejo de destruir a si e aos outros
introjetadas por nós. quando sente falta de cuidados ou excessivas
Muitas vezes perdoamos as pessoas de frustrações. Cabe aos pais a tarefa de diminuir
nossa realidade atual, fazemos um esforço essa destrutividade através do amor. Caso este
tremendo para resolver a situação. Mas a feri- falte, as fantasias destrutivas aumentam e a
da mais profunda inconsciente e infantil con- capacidade de reparação da criança pelos
tinua intocável. Somente aparamos a planta danos feitos em fantasia aos pais diminui.
desse mal, mas suas raízes psicológicas conti- Quando adultos, terão menos capacidade de
nuam vivas e prontas para se manifestar na reflexão e implicação nos seus atos, menos
primeira oportunidade que tiverem. capacidade de perdoar a si e aos outros.
Perdoar é um processo complexo de li- Perdoar significa avanço psicológico e es-
bertação emocional e espiritual. Conversar piritual. É restaurar o outro e o mundo inter-
com Deus, com o padre, o amigo, o psicana- no. Ao perdoar o outro, estamos inconscien-
lista, com o agente da dor, tudo isso pode temente dando uma trégua ao nosso próprio
fazer parte desse belo, doloroso e lento pro- eu. Em termos de psicanálise, nosso supere-
cesso. Silenciar, negar, sufocar a raiva inicial go – nossa parte da mente que observa, julga
que o acontecimento provoca são as piores e pune nossos desejos (Id) e atos – se torna,
soluções, pois isso não ajuda a elaborar o no ato do perdão, menos exigente, menos
acontecimento e a realmente se livrar e carrasco. Nosso eu se torna mais livre e sau-
aprender com a situação. O ideal é que a dável. Tratamos os outros conforme o nosso
pessoa consiga expor para o outro o quanto superego nos trata. Quando perdoamos o ou-
foi atingida, e que no diálogo possa haver tro, automaticamente nos apaziguamos.
crescimento para ambos e a reconciliação se Fazer o bem ao próximo deveria ser tão
faça. Porém, nem sempre isso é possível. caro a nós quanto o bem que gostamos e pre-
Não controlamos o outro, sua capacidade de cisamos receber dele. Porém, a psicanálise nos
rever a si mesmo e seu grau de espirituali- ajuda a penetrar na profundidade das palavras
dade. Quando a ferida é muito profunda, ela de Jesus na cruz: “Pai, perdoai, eles (TODOS
ainda deixa um resto, uma cicatriz pela vida NÓS) não sabem (AO CERTO) o que fazem”
toda. Ela só irá esmaecer-se por completo no (SABEMOS APENAS PARCIALMENTE O QUE
nº- 290

instante final, quando o ser humano em sua FAZEMOS).



ano 54

Vida Pastoral

16
A necessidade da psicopedagogia
na educação da fé
Eduardo Calandro e Jordélio Siles Ledo, css

A psicopedagogia catequética é
1. A psicopedagogia catequética:
um caminho de aprofundamento conceitos e definições
de reflexão para que o(a) catequista, A psicopedagogia surgiu a partir dos
como educador da vida e da fé conhecimentos trazidos da pedagogia e da
psicologia e evoluiu em busca de um corpo
das pessoas que estão na teórico próprio, como uma ciência nortea-
catequese, compreenda melhor o dora dos procedimentos necessários ao tra-
balho com crianças, adolescentes, jovens,
desenvolvimento humano e o da fé.
adultos e idosos, objetivando o reconheci-
mento das capacidades individuais e o pro-
cesso de desenvolvimento pelo qual a pessoa
Eduardo Calandro, padre da diocese de Goiás-GO,
especialista em Psicologia e Pedagogia Catequética, passa. Nessa trajetória histórica e evolutiva, a
mestrando em Psicologia pela PUC-GO, onde leciona psicopedagogia encontrou muito de seus
no curso de especialização em catequese; coautor da
coleção Catequese conforme as idades – psicopedagogia aportes teóricos na integração de vários cam-
catequética, pela Paulus. pos de conhecimento, com a função de ter
E-mail: educalandro@ig.com.br uma compreensão mais integradora do pro-
nº- 290

cesso da aprendizagem humana. Nesse senti-


Jordélio Siles Ledo, css, padre estigmatino, especialista
do, enquanto produção de conhecimento

em Pedagogia Catequética e Psicodrama; professor do


ano 54

curso de especialização em catequese pela PUC de Goiás, científico, a psicopedagogia nasceu da neces-
membro do Centro de Formação Permanente (CEFOPE);
coautor da coleção Catequese conforme as
sidade de uma melhor compreensão do

idades – psicopedagogia catequética, pela Paulus. processo de aprendizagem, não se bastando


Vida Pastoral

E-mail: jordelioledo@yahoo.com.br como aplicação da psicologia à pedagogia.

17
A psicopedagogia estuda o ato de apren- cesso evolutivo, como a pessoa que assimila e
der e ensinar, levando sempre em considera- acolhe a mensagem.
ção as realidades interna e externa das apren- A vida acontece em etapas. O ser huma-
dizagens em conjunto. Estuda o processo no, ao longo de sua existência, vai se desen-
complexo da construção do conhecimento, volvendo e adquirindo capacidades para
como também os aspectos cognitivos, afeti- aprender e conhecer a realidade. No entan-
vos e sociais. to, para que a educação desse ser humano
Pode-se conceituar o termo psicopeda- em desenvolvimento aconteça, é necessário
gogia como a busca de metodologia apro- que o conhecimento seja adaptado segun-
priada para elevar o nível de aprendizagem da do a sua capacidade, ou seja, se queremos
pessoa. Dentro de nosso evangelizar os nossos ca-
trabalho e missão na ca- tequizandos precisamos
tequese, a psicopedago- “É preciso pensar nos adaptar a mensagem da
gia quer contribuir com catequese segundo a sua
a pedagogia catequética, catequizandos como maturidade humana, afe­
aprofundando nos pro- interlocutores de uma tiva e cognitiva.
cessos de desenvolvimen- Não é possível elabo-
mensagem e não como
to da maturidade e apren- rarmos uma catequese
dizagem humanas, bem ‘depósitos’ de doutrinas para crianças e a aplicar-
como o processo de edu- e sacramentos.” mos a adultos. Cada um
cação da fé, uma vez que tem seu momento espe-
não podemos perder de cífico, pois o ser humano
vista que a catequese não é apenas ensino de é um ser inacabado, podemos sempre nos
conteúdo, mas também uma mensagem que refazer, é um ser de possibilidades inserido
se transmite a partir de um caminho mista- no mundo. É necessário estabelecer um elo
gógico. Como toda mensagem tem um inter- com a realidade dos catequizandos, pela
locutor, se o catequista não estiver atento adaptação da Palavra de Deus, levando em
ao desenvolvimento do seu catequizando, conta a idade de cada um, situações fami-
poderá se equivocar na preparação de seus liares e socioculturais. É isso que desejamos
encontros de catequese. apresentar aqui para a nossa reflexão. Dese-
Portanto, quando falamos em psicope- jamos que as indicações que aqui apre-
dagogia catequética, estamos propondo um sentamos sejam consideradas orientações
aprofundamento, uma reflexão para que fundamentais para que a evangelização seja
o(a) catequista, como educador da vida e da realmente efetiva e afetiva.
fé das pessoas que estão na catequese, com-
preenda melhor o desenvolvimento huma-
2. Educação da fé conforme
no, bem como os estágios da fé dos nossos
as idades
catequizandos.
Com a psicopedagogia catequética pre- Num primeiro momento devemos nos
nº- 290

tendemos refletir sobre os interlocutores da perguntar: é possível educar a fé de alguém?


nossa catequese: idosos, adultos, jovens, Ou educar alguém para a vida de fé?

ano 54

adolescentes e crianças, buscando compreen- Aqui temos duas palavras-chave para a


der como se dá a educação da fé, bem como nossa ação evangelizadora de catequista:

as características da aprendizagem humana educação e fé. Vamos buscar entender o


Vida Pastoral

dentro de cada momento da vida, do seu pro- que significam.

18
a) Educação
É muito interessante percebermos que a
Orientações para iniciação e
palavra “educação” está ligada a pedagogo,
discípulo, instrução, pois elas fazem parte
caminho da vida cristã
de um mesmo campo lexical, todas têm algo
em comum.
Podemos dizer que educação veio do
verbo latino educare. Nele, temos o prevérbio
e- e o verbo – ducare e dúcere. No itálico, donde
proveio o latim, dúcere se prende à raiz indo-

144 págs.
-europeia DUK-, grau zero da raiz DEUK-,
cuja acepção primitiva era levar, conduzir,
Caminho de iniciação à vida cristã
guiar. Educare, no latim, era um verbo que Elementos fundamentais
tinha o sentido de criar (uma criança), nutrir,
Pe. João Panazzolo
fazer crescer. Etimologicamente, poderíamos Esta publicação tem o objetivo de orientar
afirmar que educação, do verbo educar, signi- as pessoas que ministram a catequese e a
formação de lideranças nas comunidades-
fica “trazer à luz a ideia”. Igreja para uma catequese como iniciação
à vida cristã, acolhendo iniciativas de
formação cristã de jovens e adultos.
b) Fé
Por fé podemos entender, a partir do la-
tim como fides, e do grego pistia, a firme con-
vicção de que algo é verdade, sem qualquer

Imagens meramente ilustrativas.


tipo de prova ou critério objetivo de verifica-
ção, pela absoluta confiança que deposita-
mos nessa ideia ou fonte de transmissão. Em
144 págs.

hebraico, he’ emîn, da raiz aman, indica que


crer significa “sentir-se seguro”, “confiar em”, Catequese e Liturgia -
“apoiar-se em”. Duas faces do mesmo Mistério
Na Sagrada Escritura, a fé é entendida Reflexões e sugestões para a interação
entre Catequese e Liturgia
como adesão total, que envolve a pessoa toda,
Vanildo de Paiva
“a fé se apresenta como entrega religiosa de
Catequese e Liturgia pretende mostrar como a
toda a pessoa e não simplesmente adesão in- interação entre Catequese e Liturgia se dá, na
telectual ou obediência moral, respondendo teoria e na vivência diária. Para isso, percorre
um itinerário bastante lógico e interessante:
à natureza dinâmica, vital e pessoal da Pala- dos costumes judaicos, origem e herança do
vra de Deus” (ALBERICH, 2004, p. 157). cristianismo, até as práticas atuais, sobretudo
Podemos perceber, no entanto, que a fé de no campo catequético litúrgico.

uma pessoa que abraçou a vida cristã, que vi- Vendas: (11) 3789-4000
veu um processo de conversão, não se reduz a 0800-164011
uma adesão a verdades dogmáticas apenas; é SAC: (11) 3789-4119
nº- 290

base de um apelo pessoal de Deus; é um acon-


V i s i te n os s a l oj a V i rtu aL
tecimento que concerne à pessoa toda e lhe paulus.com.br

ano 54

permite entrar no universo da aliança; é um


encontro primeiro pessoal e depois comunitá-

rio com Jesus Cristo, reconhecido como o


Vida Pastoral

Deus que vem, que salva e que reúne.

19
Na catequese é preciso pensar em uma em consideração, e a mais importante em vis-
educação da fé que seja libertadora, que aju- ta do desenvolvimento da pessoa a partir da
de o catequizando a pensar sobre a vida, a catequese com crianças até a catequese com
realidade, a cultura, ou seja, uma educação adultos e pessoas idosas, deve ter em vista o
da fé que ajude a pensar problematizando o conteúdo entendido como mensagem que se
conhecimento, promovendo assim a autono- quer anunciar.
mia e a formação da consciência crítica. O Por isso, uma renovação da metodologia só
catequista também não pode ter a pretensão será fecunda mediante um conteúdo renovado,
de apenas ser o educador, mas ao mesmo adaptado à psicopedagogia de cada idade.
tempo alguém que ajuda o catequizando a Nos dias atuais, há necessidade real de
fazer a experiência de fé e, ao mesmo tempo, uma catequese continuada, permanente,
também educa na fé. A educação da fé não que leve em conta toda a vida da pessoa, no
acontece com pessoas sozinhas e isoladas, entanto ainda encontramos uma catequese
mas em comunhão. fragmentada em uma busca apenas dos sa-
Devemos compreender, acima de tudo, cramentos. É preciso, urgentemente, tirar
que a fé é dom e graça de Deus; não a pode- da mensagem da catequese esse ranço da
mos limitar apenas ao nível humano, mas história que pensa em catequizar como dou-
constitui uma atitude de fundo que dá sentido trinar. Queremos pessoas convictas de uma
e orienta toda a vida. “A fé é um dom de Deus. mensagem e apaixonadas por Jesus Cristo.
Pode nascer do íntimo do coração humano so- É preciso pensar nos catequizandos como
mente como fruto da graça prévia e adjuvante interlocutores de uma mensagem e não como
e como resposta, completamente livre, à mo- “depósitos” de doutrinas e sacramentos, pois
ção do Espírito Santo, que move o coração e o temos que buscar para todas as fases da vida
dirige a Deus, dando-lhe suavidade no con- uma catequese que una vida e fé, que parta
sentir e crer na verdade” (DGC, n. 55). da existência e da experiência e seja alimen-
A educação da fé na catequese tem a tada, iluminada pela sagrada escritura, pela
missão de ajudar no processo de humaniza- tradição e pelo magistério.
ção do homem e da mulher, sonhando a A catequese conforme as idades não
busca da transformação social. Nesse senti- pode perder a originalidade da educação
do, ressaltamos a importância e a necessida- da fé. Falamos em adaptar, isso significa
de da catequese para as diferentes idades, não perder a essencialidade da mensagem
que “é a exigência essencial para a comu- evangélica, não deixar de lado valores
nidade cristã. Por um lado, de fato, a fé evangélicos que devem ser dialogados com
participa do desenvolvimento da pessoa; os interlocutores da catequese.
por outro lado, cada fase da vida é exposta Por isso, vale lembrar as indicações do Di-
ao desafio da descristianização e deve, acima retório Geral da Catequese, que nos apresenta
de tudo, aceitar como um desafio as tare- uma síntese para que a adaptação do conteú-
fas sempre novas da vocação cristã” (DGC, do-mensagem não perca de vista a originalida-
n. 171, DNC, n. 180). de evangélica, levando em conta a realidade
nº- 290

Enunciando a regra pedagógica do adap- na qual os interlocutores estão inseridos.


tar-se à capacidade cognitiva e afetiva da pes- O Catecismo da Igreja Católica indica

ano 54

soa, pensamos quase sempre na forma de quais são os aspectos que devem ser levados
como deve ser o encontro de catequese, ou em consideração no momento de adaptar

na metodologia que iremos adotar. No entan- ou contextualizar a síntese orgânica da fé


Vida Pastoral

to, a adaptação primeira que devemos levar que todo catecismo local deve oferecer. Essa

20
síntese da fé deve realizar as adaptações que
são exigidas pelas diferenças de culturas, de
idades, da vida espiritual, de situações so- Maria:
ciais e eclesiais. Também o Concílio Vatica- o projeto de Deus
no II afirma com ênfase a necessidade de para a humanidade
adaptar a mensagem evangélica. Essa ma-
neira apropriada de proclamar a Palavra re-
velada deve permanecer como lei de toda a
evangelização. Por isso:

• Um catecismo local deve apresentar a sínte-


se da fé em referência à cultura concreta em
que se encontram os catecúmenos e os ca-

264 págs.
tequizandos. Incorporará, portanto, todas
aquelas expressões originais de vida, de ce- Maria, mulher de Deus
lebração e de pensamento que são cristãos e dos pobres
e que nasceram da própria tradição cultu- Clara Temporelli
ral, sendo fruto do trabalho e da incultura- O propósito deste livro é resgatar a figura
de Maria a partir de uma releitura dos
ção da Igreja local; dogmas marianos. A autora parte do
interesse teológico com o fim de aprofundar
• Um catecismo local fiel à mensagem e fiel a figura de Maria a partir da fé da Igreja.
à pessoa humana apresenta o mistério
cristão de modo significativo e próximo à
psicologia e à mentalidade da idade do
destinatário concreto e, consequentemen-
te, em clara referência às experiências fun-
damentais da sua vida;
• É preciso cuidar, de modo especial, da for-
244 págs.

ma concreta de viver o fato religioso numa


determinada sociedade. Não é a mesma
coisa fazer um catecismo para um ambien- Maria, tão plena de Deus
te caracterizado pela indiferença religiosa e tão nossa
Imagens meramente ilustrativas.

e fazê-lo para outro, cujo contexto é pro- Kathleen Coyle


fundamente religioso. A relação fé-ciência Várias questões instigaram a professora
Coyle a pesquisar mais a respeito de Maria,
deve ser tratada com muito cuidado em a Mãe de Jesus, cujo culto acalenta a
cada catecismo; imaginação religiosa de milhares de cristãos.

• A problemática social circunstante, ao me- Vendas: (11) 3789-4000


nos no que diz respeito aos elementos estru- 0800-164011
turais mais profundos (econômicos, polí- SAC: (11) 3789-4119
nº- 290

ticos, familiares...), é um fator muito im- V i s i te n os s a l oj a V i rtu aL


portante para contextualizar o catecismo. paulus.com.br

ano 54

Inspirando-se na doutrina social da Igreja,


o catecismo saberá oferecer critérios, moti-

vações e linhas de ação que iluminem a


Vida Pastoral

presença cristã em meio a tal problemática;

21
• Finalmente, a situação eclesial concreta que crianças e jovens, muito mais o é para os
a Igreja particular vive é, sobretudo, o con- adultos (Estudos da CNBB, Iniciação à vida
texto obrigatório ao qual o catecismo deve cristã, n.75).
referir-se. Obviamente, não as situações A catequese, por muito tempo, aconteceu
conjunturais às quais se provê mediante de forma desintegrada, pensando em formar
outros documentos magisteriais, mas sim a maior número de fiéis para participar dos sa-
situação permanente, que postula uma cramentos. Por isso, hoje, mais do nunca,
evangelização com acentos mais específicos afirmamos que precisamos de uma catequese
e determinados (DGC, n. 133). de iniciação à vida cristã. É necessária
a incorporação do candidato, mediante
Portanto, pecebemos aqui que existe
os três sacramentos da iniciação, no mis-
uma grande abertura do magistério da Igreja
tério de Cristo, morto e ressuscitado, e na
para a adaptação e a adequação do conteúdo-
comunidade da Igreja, sacramento de
-mensagem da catequese segundo as diversas
salvação, de tal modo que o iniciado,
realidades das idades e contextos eclesiais.
profundamente transformado e introdu-
zido na nova condição de vida, morra
3. Conhecer os interlocutores da para o pecado e comece uma nova exis-
catequese tência de plena realização. Essa inserção e
transformação radical, realizada dentro
Acreditamos que o grande desafio que te-
do âmbito de fé da comunidade eclesial
mos enfrentado nos últimos tempos, nos en-
em que o cristão vive e dá sua resposta de
contros de catequese, é o de conhecermos as
fé, exige, por isso mesmo, um processo
pessoas a quem vamos transmitir uma men-
gradual ou um itinerário catequético que
sagem, catequizar. A catequese tem cada vez
o ajude a amadurecer na fé (Estudos da
mais ampliado os seus interlocutores, por
CNBB, Iniciação à vida cristã, n. 68).
isso, precisamos pensar em uma catequese
do ventre materno à pessoa idosa. Durante Ter clareza de que o ser humano é uma
muito tempo, a catequese se limitou à infân- condição sem a qual não se pode, de modo
cia. E, mesmo assim, no horizonte da prepa- algum, tê-lo como “matéria” de trabalho.
ração imediata da primeira Eucaristia, numa A questão é: como é possível evangelizar
linha quase exclusivamente doutrinária. O uma pessoa sem conhecê-la adequada e pro-
papel dos pais e da comunidade, apesar de fundamente? O que a pessoa é em seu ser?
certo esforço para uma visão mais ampla da Como se dá a fé na constituição de cada pes-
catequese infantil, é ainda muito restrito. soa? Como poderemos educar a fé dos nossos
Não se percebeu suficientemente que uma catequizandos?
das tarefas essenciais dos pais e da comuni- Essas questões pertinentes nos interpe-
dade eclesial é criar ambiente e apoio para lam a pensar sobre a necessidade de pene-
que a criança, o adolescente e o jovem cami- trar no mais íntimo de cada pessoa que vem
nhem para a maturidade na fé (CR, 131). ao nosso encontro, em busca da catequese,
nº- 290

No processo ou itinerário de iniciação a às vezes somente para os sacramentos e, em


pessoa é envolvida inteiramente em todas as outros casos, em busca de um processo de

ano 54

esferas e dimensões do ser. O fracasso ou a iniciação na fé. Em nossas comunidades,


falta de perseverança no caminho da fé se de- precisamos criar itinerários, percorrer o ca-
vem, muitas vezes, à falta desse envolvimen- minho da evangelização juntos, pois já não

Vida Pastoral

to total dos iniciandos. Se isso é verdade para são mais destinatários, e sim interlocutores,

22
uma vez que interagem no processo da cate-
quese. Nossas Igrejas particulares, em todo
o Brasil, ao longo de mais de quinhentos Liderança
anos, de muitas formas têm convidado e
conduzido ao caminho de Jesus. Sabem que
e cidadania
o itinerário da iniciação cristã inclui sempre
nas tradições da Igreja
“o anúncio da Palavra, o acolhimento do
evangelho, que implica a conversão, a pro-
fissão de fé, o Batismo, a efusão do Espírito
Santo, o acesso à comunhão eucarística”
(Catecismo, 1229). Contudo, nossas dioce-
ses têm consciência de que muitos dos itine-

128 págs.
rários oferecidos aos não batizados são frag-
mentados. “Sabem também que, entre os
batizados de várias idades, mesmo entre os Liderar por meio de valores
Curso compacto de liderança
que participam da comunidade e dos movi- Anselm Grün
mentos, há carência de itinerários de intro- O livro trata da liderança não apenas a
dução e amadurecimento na fé” (Estudos da partir da tradição beneditina, mas com base
em toda a tradição dos valores que, desde
CNBB, Iniciação à vida cristã, n. 78). a filosofia grega, são vistos como capazes
Portanto, iluminados pelo nosso Diretó- de suscitar verdadeira humanidade.
rio Nacional de Catequese, afirmamos que a
catequese conforme as idades é uma exigên-
cia essencial para a comunidade cristã. Leva
em conta tanto os aspectos antropológicos e
psicológicos como os teológicos, para cada
uma das idades. É necessário integrar as di-
versas etapas do caminho de fé. Essa integra-
72 págs.

ção possibilita uma catequese que ajuda cada


um a crescer na fé, à medida que vai crescen- Construção da cidadania
do em outras dimensões da sua maturidade e gestão eclesial
humana e tendo novos questionamentos Relato de uma experiência que deu certo
Imagens meramente ilustrativas.

existenciais (DNC, n. 180). Adailton Altoé


A verdadeira força da Igreja na política não
está no fato de participar das instâncias
de poder político nem em fazer discurso
4. O catequista educador da fé panfletário no altar, mas numa experiência
eclesial significativa.
O catequista é o grande responsável pela
educação da fé dos seus catequizandos, uma
Vendas: (11) 3789-4000
vez que isso não está acontecendo, de modo 0800-164011
geral, no seio familiar. Por isso a missão do SAC: (11) 3789-4119
nº- 290

catequista é ser “educador da fé das pessoas e


V i s i te n os s a l oj a V i rtu aL
comunidades, numa metodologia que inclua, paulus.com.br

ano 54

sob forma de processo permanente por eta-


pas sucessivas, a conversão, a fé em Cristo, a
vida em comunidade, a vida sacramental e o

Vida Pastoral

compromisso apostólico” (DP, 1007).

23
Em toda a vida passamos por diversas fa- necessário buscar meios efetivos e afetivos
ses que envolvem a nossa existência, nossa para que a mensagem seja anunciada. Preci-
história e, com isso, vamos vivendo um pro- samos ser capazes de ir ao encontro, de co-
cesso de amadurecimento afetivo e psicológi- nhecer suas realidades e ali fazer o anúncio,
co, o que também ocorre na dinâmica da nos- ajudando assim no caminho de fé em que a
sa vida de fé. Por exemplo, a fé de uma criança pessoa se despertou e quer fazer em nossas
que vive a sua primeira infância, mais ou me- comunidades eclesiais.
nos até os seis anos de vida, é diferente da fé O contexto atual, marcado por mudanças
de um adulto de quarenta anos. Dessa forma, culturais, perda de valores e crise de paradig-
caracterizar a situação psicológica e existencial mas, atinge de maneira mais direta os jovens,
do catequizando para depois indicar algumas adolescentes e crianças. A Igreja os prioriza
alternativas da ação catequética, dentro de como um importante desafio para o presente
uma perspectiva metodológica e pedagógica é e o futuro (DNC, n. 187).
uma urgência para nós catequistas. A catequese conforme as idades deve ser
Somente compreendendo o momento considerada, em nossa formação de cate-
existencial que nosso catequizando vive é quistas, uma necessidade, pois cada uma
que poderemos ajudá-lo no processo de ama- das fases da vida é caracterizada por formas
durecimento da fé e na vivência em comuni- diferentes de organização de conhecimento
dade, e assim atingir das coisas e de maturidade de fé que possi-
bilitam as diferentes maneiras da pessoa re-
a finalidade da catequese, que é aprofun-
lacionar-se com a realidade que a rodeia. De
dar o primeiro anúncio do evangelho: le-
forma geral, todas as pessoas vivenciam es-
var o catequizando a conhecer, acolher,
tágios em suas vidas que devem ser levados
celebrar e vivenciar o mistério de Deus,
em conta no itinerário catequético. Eis o de-
manifestado em Jesus Cristo, que nos reve-
safio para a nossa ação evangelizadora na
la o Pai e nos envia o Espírito Santo. Con-
formação dos nossos catequistas. Temos
duz à entrega do coração a Deus, à comu-
muito que caminhar, o que apresentamos
nhão com a Igreja, corpo de Cristo e à
neste estudo são apenas pontos de partida,
participação em sua missão (DNC, n. 41).
frutos de nossa experiência como catequis-
Portanto, seja qual for a idade da pessoa tas e com os catequistas que encontramos
que nos procure em nossas comunidades, é em nossa missão.

Referências bibliográficas

ALBERICH, E. Catequese evangelizadora: Manual de catequética fundamental. (Adaptação para o Brasil e


América Latina: Luiz Alves de Lima). São Paulo: Salesiana, 2004.
nº- 290

CALANDRO, E.; LEDO, J. S. Psicopedagogia Catequética. Vol I, II, III, IV. São Paulo: Paulus, 2010.
CAVALLIN, A. Catequese para um mundo em mudança. São Paulo: Paulus, 1995.

CNBB. Diretório Nacional de Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2006.


ano 54

CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório geral para a Catequese. São Paulo: Loyola, Paulinas, 1988.

FOWLER, J. Estágios da Fé. São Leopoldo: Sinodal, 1992.


Vida Pastoral

NAVARRO, M.; PEDROSA, M. (orgs.). Dicionário de Catequética. São Paulo: Paulus, 2004.

24
A moral do prazer e o imaginário
“consumista” contemporâneos 1

Jurandir Freire Costa

A tendência da cultura atual de 1. Imaginação e desejo “consumistas”


trocar o prazer dos ideais e
Vou abordar o tema proposto no que
sentimentos elevados pelos prazeres tem de mais próximo da disciplina a que me
sensoriais é o principal trunfo do dedico: subjetividade e cultura. Nesse senti-
do, a primeira observação a ser feita é que a
imaginário consumista. As pessoas concepção de sociedade regida pela econo-
passam a depender cada vez mais mia de mercado é tão imaginária quanto
qualquer outra do gênero. Dizer que uma
da diversidade e da constância dos concepção é imaginária não significa dizer
objetos para ter prazer, os quais, que ela é impotente para alterar a realidade.
Ao contrário, boa parte do que condiciona
uma vez adquiridos, já portam o
os ideais de vida e as condutas cotidianas é
signo da obsolescência e perdem o crença imaginária. Imaginário não é sinôni-
potencial de estímulo. mo de “ilusório”, mas do que não tem exis-
tência independente da imaginação. Ou
seja, diferentemente das coisas materiais,
Jurandir Freire Costa, formado em medicina, livre-docente que independem dos desejos e aspirações
em medicina social e psicanalista por profissão. Professor do
Instituto de Medicina Social da UERJ. Autor de vários livros e
humanos para existir, as crenças culturais
artigos científicos. são produtos de nosso modo de agir e dar
nº- 290

E-mail: jfreirecosta@superig.com.br sentido a nossas ações.



ano 54

1. Este texto foi editado pelo autor a partir da transcrição de gravação de uma conferência por ele proferida no âmbito do curso Juventude,
Cultura e Cidadania, organizado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em parceria com o
ISER (Instituto de Estudos da Religião). Foram também incorporadas ao texto algumas das respostas do autor a perguntas formuladas pelos

jovens que participaram do curso. Texto também publicado em Regina NOVAES e Paulo NABNUCHI, Juventude e Sociedade: trabalho,
Vida Pastoral

educação, cultura e participação, São Paulo, ed. Fundação Perseu Abramo/Instituto Cidadania, p. 75-88, e gentilmente cedido para publicação
em Vida Pastoral tanto pelo autor como por parte da editora. (N.E.)

25
Assim, a sociedade de mercado, como iguais, dado que nossas necessidades biológi-
qualquer artefato cultural, depende das atitu- cas são razoavelmente idênticas. Entretanto,
des e disposições psicológicas dos indivíduos se olhamos o consumo como equivalente a
para agir e pensar “como se ela existisse”. As poder de comprar, não é isso que acontece.
disposições e atitudes que contribuem para a Comprar não é uma ação regida por necessi-
reprodução da sociedade de mercado atual são, dades biológicas, mas um ato com implica-
em linhas gerais, as seguintes: o sujeito 1) deve ções sociais. Diante de atos desse tipo somos
se deixar seduzir pela propaganda de mercado- todos diferentes e desiguais.
rias; 2) deve possuir uma identidade pessoal Adquirir mercadorias por meio de com-
flexível, compatível com as novas relações de pra já define “quem é quem” no universo
trabalho; 3) deve estar convertido à moral das social. A maior parte da população tem um
sensações, ou seja, ter pretensões a satisfação poder de compra extremamente reduzido e
em curto prazo, em detrimento de satisfações alguns, para possuir o que desejam, roubam
que exigem projetos de longo alcance. ou furtam. Os chamados objetos de consumo,
As três características são indicativas da dessa forma, nem são consumíveis nem estão
maneira como estamos nos relacionando: a) igualmente disponíveis para todos os indiví-
com o mundo dos objetos, b) com nossa his- duos. A produção de objetos é seletivamente
tória pessoal e c) com nosso corpo. Analise- organizada de maneira a ser seletivamente dis-
mos cada uma em particular. Tomemos a pri- tribuída pelos que têm muito dinheiro, pouco
meira, a relação com os objetos. Para que o dinheiro ou nenhum dinheiro.
mercado funcione, é preciso que o sujeito Os dois primeiros grupos, os dos com-
esteja sempre disposto a adquirir os novos pradores, estão incluídos na sociedade e, por
produtos criados pela indústria. A isso se isso mesmo, são os defensores e propagan-
costuma chamar “consumismo”1. A palavra distas da ideia de mercado como uma reali-
consumismo, entretanto, é inadequada para dade independente dos hábitos individuais;
designar o hábito econômico ao qual se refe- o terceiro, formado pelos excluídos da eco-
re por dois principais motivos: primeiro, por nomia e da sociedade, é diretamente estimu-
nos fazer crer que de fato consumimos coisas lado a possuir o que não pode comprar e in-
que compramos; segundo, por dar a enten- diretamente incitado a se apropriar de forma
der que somos todos iguais diante da possibi- criminosa do que é levado a desejar. Consu-
lidade de comprar mercadorias produzidas e mismo, portanto, é o modo que o imaginário
vendidas em larga escala. econômico encontrou de se legitimar cultu-
Na verdade, as únicas coisas que consu- ralmente, apresentando as mercadorias como
mimos são substâncias metabolizáveis, como objetos de necessidades supostamente uni-
alimentos, fármacos etc. Por conseguinte, ao versais e pré-culturais, e ocultando, por esse
empregar a palavra consumir, querendo ou meio, as desigualdades econômico-sociais en-
não, estamos salientando nossa condição de tre os potenciais compradores.
organismos físicos naturais. Desse ponto de Pode-se perguntar, porém: por que as
vista, obviamente, somos todos razoavelmente pessoas se deixam convencer por crenças ra-
nº- 290

cionalmente inconsistentes, quando não dis-


paratadas? A resposta usual aponta para a

1. De agora em diante, evitarei colocar aspas nos termos


ano 54

consumir, consumo, consumismo e consumidor para influência da publicidade e da moda. A pu-


não sobrecarregar o texto e cansar o leitor. Fique enten- blicidade e a moda, diz-se, criam “desejos
dido, portanto, que, ao empregar tais palavras, não
artificiais” que, pela repetição e pela sedução,

estarei concordando com seu sentido corrente, mas pro-


Vida Pastoral

curando criticá-lo. são integrados ao repertório de aspirações

26
dos sujeitos. Há algo de verdadeiro nessa afir- ritmo de produção das mercadorias nos obri-
mação. Mas não da forma como é entendida ga a descartá-las depois de um breve uso.
de modo corrente. Em primeiro lugar, não é Consumo é uma metáfora que alude à rapi-
verdade que nos comportamos como com- dez com que adquirimos novos objetos e
pradores sonâmbulos, manipulados pelo inutilizamos os velhos. Ou seja, tratamos os
“eixo do mal” da publicidade e da moda. Essa objetos industriais como tratamos substân-
imagem pejorativa dos sujeitos não se susten- cias que se prestam à reprodução dos ciclos
ta em nenhum argumento empírico ou teóri- biológicos, donde a assimilação do ato de
co. As pessoas, em geral, sabem o que estão comprar ao de consumir.
fazendo ao sair de casa para comprar objetos A explicação elucida o “quê”, mas não o
em supermercados, lojas, butiques ou cen- “porquê”. Entendemos o sentido metafórico
tros de compra. Ao comprar, estão adquirin- da palavra consumo aplicado ao ato de com-
do o que julgam importante possuir, por uma prar, mas não as causas do hábito que o tor-
ou outra razão. Se essas razões são moral- nam inteligível. Por que os sujeitos adotam
mente reprováveis por muitos, esse é outro atitudes consumistas se podiam se conduzir
problema. O que não se pode mostrar é que de modo diferente? A resposta usual é, nesse
o hábito de comprar pro- caso, decepcionante: por
dutos industriais seja causa da moda! A moda,
uma “compulsão” irracio- “Os objetos precisam no entanto, não é um fe-
nal por possuir “coisas nômeno moderno. Moda
ser permanentemente
supérfluas”. Se assim fos- e propaganda existem
se, nossa sociedade teria substituídos, para que desde o início do capita-
se transformado em um o hábito não enfraqueça lismo industrial. A répli-
imenso consultório psi- ca a isso é que a produção
cológico-psiquiátrico, o a intensidade do estímulo em larga escala ainda não
que é manifestamente in- e elimine o gozo.” existia. Depois das gran-
verossímil. Em segundo des revoluções tecnológi-
lugar, nem tudo que cas e econômicas, a pro-
compramos nos foi apresentado pela publici- dução capitalista, para ser escoada, teve e
dade. As drogas ilegais são um exemplo gri- tem de ser vendida em um fluxo contínuo.
tante de objetos industriais consumidos em Os indivíduos, portanto, têm de comprar as
grandes proporções que têm sua venda e sua mercadorias para que a máquina do lucro
publicidade juridicamente proibidas. Em ter- não pare. Entretanto, o que significa a ex-
ceiro lugar, mesmo admitindo que a moda pressão “ter de comprar”? Não conhecemos,
pudesse nos obrigar a fazer coisas das quais no Ocidente capitalista, casos de pessoas ar-
não estamos conscientes, ainda restaria expli- rastadas à força para adquirir objetos indus-
car por que acreditamos que “comprar” é o triais. É claro que não, pode-se argumentar
mesmo que “consumir”. contra! Os consumidores não são fisicamente
Esse é o ponto que pretendo explorar. forçados a comprar o que não desejam, são
nº- 290

Por que nos deixamos convencer de que so- “seduzidos” pela propaganda comercial!
mos consumidores, a ponto de criar códigos Voltamos ao ponto zero. O que determi-

ano 54

de defesa específicos e a assumir alegremente na a força do apelo consumista é o fato de os


tal identidade social? A explicação padrão indivíduos se deixarem seduzir pela propa-
para esse fenômeno diz o seguinte: comprar ganda de mercadorias. Mas por que eles se

Vida Pastoral

se tornou equivalente a consumir porque o deixam seduzir? Por que se deixam converter

27
à prática econômica que trata os objetos pessoais e indiferente a projetos de vida du-
como coisas descartáveis? Para avançar na radouros. Para ganhar mobilidade no volátil
compreensão da questão, é preciso aprofun- mundo do emprego, ele deve aprender a não
dar as características psicológicas dos sujeitos ter elos sólidos com família, lugares, tradi-
que são o motor do imaginário do mercado e ções culturais, antigas habilidades e, por últi-
do consumo. mo, com o próprio percurso biográfico. Sen-
Sugiro que os indivíduos se deixam sedu- nett define essa nova identidade como a do
zir pelo consumismo porque esse hábito indivíduo “desenraizado”, e Zygmunt Bau-
atende a reais necessidades psicossociais. Es- man, em O mal-estar da pós-modernidade (Rio
sas necessidades derivam, entre outros fato- de Janeiro, Record, 1998), como a do “turis-
res, da nova moral do tra- ta”. O turista ou o desen-
balho e da nova moral do raizado é o indivíduo que
prazer. Dito de outro “Esse ideal promete o não se fixa em identida-
modo, a publicidade não des passadas, que vê o
é onipotente. Os indiví- que não dá e dificulta a mundo como um espaço
duos não são fantoches participação e o compromisso de circulação permanente
manipulados pela propa- e que jamais projeta o fu-
ganda, como se costuma do sujeito com os objetivos turo a partir das condi-
pensar. Se grande parte do bem comum.” ções de vida presentes.
deles se deixa persuadir Esse é um dos principais
pela propaganda é por- motivos pelos quais o de-
que, em certa medida, encontra na posse dos sejo de possuir objetos industriais se acen-
objetos industriais um meio de realização tuou. Os objetos passaram a ser aquilo que o
pessoal. Essa aspiração à realização é o moti- turista pode ter, ao mesmo tempo, de mais
vo do anseio pelos objetos ditos de consumo. estável e mais mutável. De mais estável por-
Vejamos, assim, como as morais do trabalho que são as únicas coisas que o sujeito trans-
e do prazer contribuem para a produção do porta consigo onde estiver e para onde for, de
desejo de consumir. mais mutável por serem facilmente trocáveis
se a nova condição social de trabalho assim
exigir. Em outros termos, a posse de merca-
2. Indivíduos desenraizados e
dorias permitiu ao indivíduo preservar a ne-
demanda por novos produtos
cessidade psicológica de estabilidade sem renun-
Observemos, inicialmente, a nova moral ciar à elasticidade pessoal exigida pelo mundo
do trabalho. As mudanças nas relações de dos negócios.
trabalho foram bem estudadas por Richard Além disso, os objetos continuaram sen-
Sennett em A corrosão do caráter (Rio de Ja- do o que sempre foram desde que surgiram
neiro, Record, 1999). Segundo o autor, as no cenário da economia capitalista, ou seja, a
transformações econômicas das três últimas marca do sucesso profissional e social. A apa-
décadas alteraram a tradicional imagem do rência do sujeito afluente é determinada pela
nº- 290

“trabalhador”. Os indivíduos, afetados pela maneira como se veste, pela qualidade dos
competição crescente por empregos insegu- objetos de adorno pessoal, pelo tipo de auto-

ano 54

ros, começaram a adaptar suas condutas psi- móvel, de artigos eletroeletrônicos e de obje-
cológicas ao perfil social do “vencedor”. O tos de decoração doméstica que possui, pelos
“vencedor” deve ser maleável, criativo, afir- restaurantes que frequenta e tipos de esporte

Vida Pastoral

mativo e, sobretudo, superficial nos contatos que pratica, pelos lugares onde desfruta o

28
lazer, pelas viagens que faz etc. Os objetos de
consumo “agregam” valor social aos seus
portadores. Eles são o crachá que identifica
“o turista vencedor” em qualquer lugar, situa-
Amadurecimento
ção ou momento de vida.
e a capacidade humana
O consumo de objetos, portanto, não se
impõe apenas pela invasão da moda publici-
tária nas vidas pessoais. O aparato de objetos
caros e elegantes é o signo, por excelência, da
distinção social de seus possuidores. Por isso
passaram a fazer parte da identidade pessoal
dos mais abastados e, por extensão, da imen-

160 págs.
sa maioria da sociedade. É entendível, assim,
que a compra incessante de novos produtos Os obstáculos ao amor e à fé
se torne uma “demanda imaginária” tão coer- O amadurecimento humano e a
espiritualidade cristã
citiva quanto qualquer “necessidade biológi-
José Del-Fraro Filho
ca”. Afinal, ninguém se contenta em sobrevi- O livro aborda temas como relacionamento
ver fisicamente, pelo consumo de nutrientes. conjugal, relação entre pais e filhos, tendên-
Somos seres de cultura que não têm apenas cia antissocial, delinquência, adolescência,
depressões, homossexualidade e o papel da
fome de pão, mas também de prestígio social. psiquiatria, em sua vertente clínica e social.
A satisfação de se sentir aprovado e admirado
é um item indispensável para o equilíbrio
emocional de todos nós.

3. A moral do prazer
Passemos, agora, à moral do prazer, o ou-
tro coadjuvante no enredo imaginário do
160 págs.

mercado e do consumo. Esse tópico é, sem


dúvida, uma criação inédita da cultura atual. Inteligência emocional
Suas capacidades mais humanas
A moral do prazer é o maior trunfo do imagi-
Joaquín Campos Herrero
Imagens meramente ilustrativas.

nário consumista. Por meio dela, a ideia do Desenvolver a inteligência emocional


consumismo ganha um curioso semblante de supõe o autoconhecimento, a aceitação
de si mesmo, o diálogo interno, o amor, a
plausibilidade. Vejamos de que maneira. escuta, a empatia, enfim, ver a vida com
Toda cultura, para permanecer viva, olhos positivos.
deve abrir canais de satisfação a seus partici-
pantes. Satisfação é o estado físico-mental
Vendas: (11) 3789-4000
alcançado ao levarmos a bom termo nossas 0800-164011
intenções. As formas pelas quais nos “senti- SAC: (11) 3789-4119
nº- 290

mos satisfeitos” são variadas, mas um dos


V i s i te n os s a l oj a V i rtu aL
propósitos fundamentais e constantes da paulus.com.br

ano 54

existência humana é obter prazer e evitar


dor. Os prazeres, por seu turno, são formas
de satisfação que se exprimem de diversas

Vida Pastoral

maneiras. Podemos sentir prazer em realizar

29
“ações cívicas”, em experimentar emoções sujeitos era, até bem pouco tempo, comedi-
sentimentais voluptuosas ou agradáveis, em da. No reinado da clássica moralidade bur-
fruir emoções estético-religiosas, em gozar guesa, ninguém era particularmente admira-
de sensações corporais de bem-estar e de do por ser capaz de manter-se belo, jovem ou
êxtase etc. Esses e outros modos de satisfação saudável além do que o correr do tempo per-
prazerosa são componentes indispensáveis mitia. Do mesmo modo, a liberdade sexual
ao funcionamento da cultura e à formação que hoje usufruímos era quase impensável
de identidades pessoais. há três ou quatro décadas, assim como eram
Cada cultura, no entanto, permite a reali- impensáveis a extensão e a intensidade que o
zação de certas condutas e interdita outras. consumo de drogas psicoativas veio a ter. O
Uma cultura na qual tudo fosse igualmente que definia a qualidade moral e o apreço so-
possível não seria “uma cultura”. Cultura é cial de uma pessoa era a vida sentimental
delimitação de possibilidades e impossibili- rica, a excelência na vida pública, a integrida-
dades. No convívio humano existem sempre de religiosa, as qualidades artísticas ou cien-
comportamentos que são incentivados e tíficas etc. Os prazeres físicos do corpo2 eram
aprovados e outros, desestimulados e conde- apenas a matéria bruta que devia ser modela-
nados. Em nossa época, a grande inovação da para dar lugar aos ideais de perfeição mo-
em matéria de condutas é a busca do ideal de ral, intelectual, espiritual ou emocional etc.
prazer corporal ou do prazer das sensações. Em segundo lugar, ao falarmos de culto às
Hoje procuramos os prazeres sensoriais como sensações prazerosas, estamos diagnosticando
há dois ou três séculos perseguíamos os pra- um estado de coisas, e não desaprovando, de
zeres sentimentais do romantismo e da vida forma puritana, tais aspirações. A atitude mo-
familiar, os prazeres do reconhecimento pela ralista que se refere à “busca do prazer” como
operosidade e pela honestidade do trabalho, um “pecado secular” me parece equivocada.
os prazeres da admiração pelos grandes feitos Essa atitude insinua que o prazer físico é, por
políticos e militares, os prazeres da alma no si, condenável e que os indivíduos hoje vivem
exercício das virtudes religiosas etc. em um eterno festim de comida, sexo e droga.
Duas observações são, contudo, necessá- A meu ver, além de imprópria, essa imagem é,
rias, antes de prosseguir. Em primeiro lugar, principalmente, falsa. Ela é imprópria porque,
afirmar que, atualmente, elegemos o prazer se os indivíduos decidirem que deverão viver
sensorial como um ideal nem significa dizer para os prazeres físicos, e isso não vier a des-
que antes não o usufruíssemos nem que hoje truir os compromissos com o Bem comum,
tenhamos aberto mão dos antigos ideais de não vejo nenhum bom motivo para que se os
prazer cívico, sentimental, religioso etc. Ago- desaprove; é falsa porque simplesmente não
ra, como anteriormente, continuamos a bus- é verdade que a maioria dos praticantes da
car realizações sentimentais e satisfações sen-
soriais. O que mudou foi o valor que passa- 2. Ao utilizar a expressão “prazeres físicos” não estou
mos a atribuir às sensações físicas prazerosas sendo redundante. Os prazeres corporais são físicos e
mentais. Mas, enquanto os prazeres físicos se limitam ao
na constituição das subjetividades. Esse valor
nº- 290

corpo, os prazeres sentimentais podem ser projetados


foi enormemente inflacionado e veio a se tor- em outros objetos ou sujeitos do mundo ambiente. Espe-
nar um ponto de apoio privilegiado na cons- cifico, ainda, que o limite entre o físico e o mental é arbi-

trário, e depende do ângulo de observação e do objetivo


ano 54

tituição das identidades pessoais. pragmático da investigação. Uma investigação neurofi-


A importância que a boa forma física, a siológica, por exemplo, tenderá a dar relevo aos aspectos
físicos dos sentimentos, como uma investigação psicoló-

boa saúde, o gozo com drogas ou com sexo


Vida Pastoral

gica ou cultural tenderá a enfatizar a dimensão mental


tinham na formação psicológico-moral dos dos mesmos eventos.

30
moral do prazer sensorial se comporte como o A única maneira de fazer o prazer físico
moralismo conservador e pequeno-burguês durar é prolongar a excitação. Nesse caso,
fantasia que ela se comporta. Por tudo que entretanto, o sujeito esbarra no limiar de ex-
podemos constatar, o ideal do prazer físico citabilidade biológica: se o estímulo for forte
continua sendo um “ideal”, ou seja, algo que e durar demasiadamente, dará lugar à dor; se
se almeja e dificilmente se alcança. for fraco, ao desinteresse. Resta, então, ao su-
Assim, o problema da felicidade das sen- jeito recorrer aos objetos como fonte de rees-
sações não reside nos pretensos excessos timulação permanente do corpo.
sensuais de seus partidários – afirmação que É nesse ponto que o consumo entra no
ninguém vê ou prova –, mas nas contradições script da felicidade das sensações. O sujeito,
que ela produz. Isto é, esse ideal promete o que para escapar da enfermidade do prazer físico,
não dá e dificulta a participação e o compro- passa a depender, cada vez mais, da diversi-
misso do sujeito com os objetivos do Bem co- dade e da constância dos objetos para ter pra-
mum. Essas são as razões pelas quais podemos zer. Como sem objetos não há prazer e como
criticar, do ponto de vista ético, a nova moral um mesmo objeto esgota rapidamente sua
do prazer, e não por fantasias despropositadas capacidade de despertar a excitação sensorial, é
como as que atribuem aos preciso ter sempre à mão
indivíduos excessos sen- algo com que gozar. Além
suais inexistentes. “Ao falarmos de culto às disso, esse algo deve ser
Feita a ressalva, volte- sensações prazerosas, permanentemente substi-
mos ao ponto central: a tuído, para que o hábito
relação do ideal do prazer estamos diagnosticando não enfraqueça a intensi-
com o imaginário consu- um estado de coisas e não dade do estímulo e eli-
mista. A moral contem- mine o gozo. Por esse mo-
porânea do prazer, como
desaprovando, de forma tivo, o ciclo de consumo
a nova moral do trabalho, puritana, tais aspirações.” dos objetos se tornou in-
dá origem à demanda por terminável. Além de pro-
objetos descartáveis. Uma curar objetos próprios à
diferença, no entanto, separa as duas. No excitação dos sentidos relacionais, ou seja, os
registro do trabalho, os objetos são desejados cinco sentidos, os sujeitos procuram manter
porque compõem a aparência social do turista em alta intensidade o gozo sexual, o frisson
ou do desenraizado “vencedor”. Pelo fato de das experiências motoras violentas e o êxtase
serem portáteis e intercambiáveis, eles se tor- sensorial neurofisiologicamente induzido por
naram instrumentos cômodos de exibição do drogas psicoativas etc.
sucesso profissional e social. Os objetos são cada vez mais solicitados a
superar os limites da excitação física do cor-
Na moral do prazer sensorial, a função
po. E, graças a isso, começaram a assumir um
dos objetos é outra. O prazer das sensa-
ções se baseia fundamentalmente nas semblante que nunca tiveram, qual seja, o de
disposições físicas do corpo para ser es- objetos consumíveis. A metamorfose ocorreu
nº- 290

timulado. Diferentemente do prazer sen- por dois principais fatores. Primeiro porque é
timental, que pode durar na ausência mais fácil imaginar o consumo de coisas que

ano 54

dos estímulos sensório-motores, o pra- experimentamos sensorialmente do que de


zer sensorial depende do estímulo físico coisas que, apenas indireta e secundariamen-
te, excitam nossas sensações. Pensar que

imediato e da presença do objeto fonte


Vida Pastoral

da estimulação. consumimos imagens visuais excitantes ou

31
drogas psicoativas é mais verossímil do que diante do mundo uma atitude de cuidado.
pensar que consumimos relógios, móveis, Significa estar consciente de que a sociedade
roupas ou automóveis. Segundo porque o ou o planeta não são um depósito infindável
impulso para comprar objetos, de fato, se de recursos que podemos saquear, sem res-
fortaleceu à medida que nos tornamos mais peito ou preocupação com o que virá depois
dependentes deles para ter prazer. A insacia- de nós. Por esse aspecto, não vejo grandes
bilidade por comprar se acentuou porque o diferenças entre os pobres e os ricos. Os mais
ideal de prazer hegemô- poderosos e influentes,
nico fez do objeto a via pela persuasão ou dissua-
real da satisfação pessoal. “Muitos começam a são, terminam por impor
Como se vê, o imagi- a quase todos seus ideais
buscar refúgio em práticas
nário do mercado e do de sucesso econômico,
consumo não se sustenta- corporais, de natureza leiga apreço social e satisfação
ria sem que contribuísse- ou espiritual, que os afastem psicológico-moral.
mos ativamente para sua Não penso que o fun-
perpetuação. São nossos dos ideais de satisfação damental na moral do
ideais de felicidade que que dominam o imaginário consumo seja a posse de
nos empurram para a objetos por meio de com-
aquisição permanente de
consumista.” pra. É entendível que,
objetos que, ao ser adqui- hoje em dia, com o pro-
ridos, já portam o signo da obsolescência. O gresso tecnológico, as crianças, por exemplo,
tipo de satisfação ao qual aspiramos pede disponham de mais brinquedos e meios de
uma renovação incessante das fontes de esti- lazer do que dispunham antes. O problema
mulação sensorial. Os objetos são os meios não está na quantidade de coisas que pode-
que encontramos para alcançar os fins que mos ter, nem mesmo na quantidade de coisas
desejamos. que podemos acumular. A questão é a atitude
irresponsável para com o patrimônio material
e moral da sociedade em que vivemos. Ter
4. Sociedade, classes e ideais
poucos objetos e tratá-los como os que
Não saberia responder com segurança à possuem muitas coisas e as tratam de modo
indagação de vocês sobre a apropriação dife- “consumista” resulta na mesma consequência
renciada da ideologia do consumo pelas di- ética: tudo que existe é para ser devorado e
ferentes classes sociais. Acho, no entanto, jogado fora, pouco importa o efeito desse
que a atitude consumista não depende do gesto perdulário.
nível de renda. É uma atitude diante da vida, No início do capitalismo industrial, por
e, por conseguinte, diante dos objetos que se exemplo, os indivíduos compravam muitas
pode possuir. No Brasil, a maioria tem uma coisas, se considerarmos o montante de ri-
renda pessoal ou familiar desprezível, mas, quezas disponíveis e o desenvolvimento téc-
mesmo assim, se comporta como se tivesse nico da produção industrial. Se vocês obser-
nº- 290

uma renda alta, quando se trata de usar objetos varem com atenção os costumes das famílias
como coisas descartáveis. burguesas no século XIX, verão que as casas

ano 54

Não consumir significa perceber os obje- eram apinhadas de objetos de decoração,


tos como coisas que devem durar, que devem brinquedos de criança, sem contar os infini-
tos adereços do vestuário masculino e femi-

significar algo mais que a satisfação imediata


Vida Pastoral

de necessidades passageiras. Significa adotar nino. Mas nada disso impedia os sujeitos de

32
pensarem que o que possuíam devia durar. um rol de sintomas típicos do estresse físi-
Nada disso impedia os sujeitos de viverem co e mental: insônia e dores musculares
não apenas para si, mas para as futuras gera- crônicas, desânimo, depressões mitigadas,
ções de filhos e netos. Nada disso impedia síndromes de pânico e fobias sociais etc.
que os burgueses mantivessem vivos ideais Os indivíduos, com maior ou menor cla-
de progresso científico, de dignidade do tra- reza, sabem que o preço pago para ser “ven-
balho, de honra familiar, de crença na histó- cedor” é extorsivo. Muitos começam a buscar
ria, de sentimento de responsabilidade para refúgio em práticas corporais, de natureza
com a nação etc. Bem entendido, não quero, leiga ou espiritual, que os afastem dos ideais
com isso, idealizar o modo de vida burguês de satisfação que dominam o imaginário do
oitocentista. Sei bem que muita coisa disso mercado e do consumo. Mesmo sem perce-
tudo foi construída em cima de preconceitos ber, esses sujeitos criam focos de contestação
sexuais, raciais, religiosos, de classe social ou ao modo de vida hegemônico pelo simples
outros. O principal, entretanto, é o compro- fato de redefinirem seus ideais de felicidade.
misso com o Bem comum, com algo que Aos poucos, os sinais sociais de superiorida-
transcenda nossas vidas passageiras e o fugaz de de classe deixam de ter apelo para uma
prazer de nossos corpos. parcela significativa de pessoas para as quais
A atitude consumista moderna é dissoluta as experiências pessoais de sofrimento acaba-
desses ideais. Essa é sua maior nocividade. Ela ram produzindo um relativo distanciamento
rompe o fio da tradição e nada põe no lugar. É da moral dominante.
uma cultura do imediato, do descompromisso Portanto, se nos perguntarmos quais as
consigo, com o outro e com o devir de todos. perspectivas para as pessoas na sociedade de
mercado, diria que são muitas, mas que todas
convergem para duas saídas principais: 1)
5. Resistências e alternativas
continuar a perpetuar um modo de vida que
Entretanto, nenhuma construção cultu- me parece pobre, por estreitar os horizontes
ral, por persuasiva que seja, é monolítica. da ação humana em uma só direção, qual
A ideologia do mercado e do consumo não seja, a do sucesso econômico, do cuidado ob-
é exceção. Todo poder desperta resistên- sessivo com o próprio prazer e da indiferença
cias, como disse Michel Foucault. As resis- em relação ao mundo; 2) voltar-se para o ou-
tências suscitadas pelo imaginário do mer- tro, construir uma sociedade na qual todos
cado são de duas ordens. A primeira é a tenham direito ao mínimo necessário à satis-
resistência pela fraqueza dos excessos; a fação das necessidades elementares, para
segunda, pela força da criação de alternati- que, então, possamos ser, de fato, livres para
vas às ideias dominantes. Como exemplo criar tantas formas de sermos felizes quantas
da primeira, cito os vários distúrbios psico- possamos imaginar.
lógicos derivados do modo de viver atual. Como exemplo de resistência pela força
A pressão pela boa forma, pela saúde e pela da criatividade, cito o surgimento das preocu-
longevidade vem produzindo, em escala pações ecológicas e o ressurgimento de preo-
nº- 290

crescente, uma série de sintomas hipocon- cupação política na modalidade da responsa-


dríacos, transtornos da imagem corporal e bilidade social. O movimento ecológico vem

ano 54

síndromes de dependência química. Além mostrando quão predatória é a prática do con-


disso, o estilo de vida competitivo, a inse- sumismo compulsivo e indiscriminado. O ar-
gurança nos postos de trabalho e a ansieda- gumento da dilapidação dos recursos naturais

Vida Pastoral

de pelo sucesso econômico vêm gerando do planeta vem conquistando adeptos, que

33
veem no consumismo a inconsequência dos dia a dia. Uma coisa, contudo, me parece
que não conseguem pensar no futuro das no- importante realçar. Toda mudança, para ser
vas gerações. Esse movimento, embora inci- estável, duradoura e produtiva, tem de ser
piente, e muitas vezes cooptado pelos podero- contínua e lenta. As grandes transformações
sos, vem se afirmando como algo digno de históricas que conhecemos, e que se deram
respeito, o que não acontecia há duas ou três de forma brusca, em meio a banhos de san-
décadas. Uma grande quantidade de pessoas, gue, em geral retrocederam ao que temos de
sobretudo as mais jovens, se sente atraída e pior. Portanto, a paciência e a persistência
entusiasmada por profissões que lidam com o são as melhores armas para as mudanças res-
cuidado ambiental, e isso é um indício impor- ponsáveis e humanamente frutíferas. Ora, o
tante de mudanças nas mentalidades coletivas. que a sociedade de consumo vem justamente
No que tange à política de responsabili- minando por baixo é a confiança que temos
dade social, é impressionante observar o nú- na história e em nosso valor como agentes de
mero de pessoas que vêm se dedicando a tra- transformação social.
balhos do chamado terceiro setor. São pes- O grande exercício e o grande desafio
soas com visões de mundo, trajetórias de que enfrentamos é o de continuar acreditan-
vida e origens de classe bastante diferentes, do em um mundo melhor para nós e para as
mas que encontram nos ideais de justiça e gerações futuras. Sei que pode parecer duro
respeito pelo outro um objetivo que merece ter que suportar regimes econômicos explo-
ser perseguido. Todas elas acreditam que o radores e concentradores de riquezas sem
estilo individualista de preocupação exclusi- pensar em tomadas de poder pela violência.
va com o próprio corpo e o sucesso social Mas, ao olharmos a história, veremos que as
não basta para dar sentido à vida. O número aquisições sólidas que fizemos, em matéria
de participantes nesse tipo de atividade social de progresso no convívio social, foram todas
cresceu de forma impressionante no Brasil construídas com tempo e paciência. Foi as-
dos últimos 20 anos e torna-se uma opção sim que mudamos os valores familiares, reli-
também para os jovens. Os efeitos dessa nova giosos, políticos, econômicos, sentimentais,
maneira de pensar ainda são, por enquanto, artísticos, morais etc. Não vejo outra saída,
tímidos, mas tudo leva a crer que estamos exceto recobrarmos a confiança em nosso
diante de uma mudança de hábitos de vida poder de transformação, como criadores que
na qual os ideais do Bem comum voltaram a somos. Repito, no entanto, que para isso é
ter o respeito que merecem. preciso recuar da posição na qual fomos pos-
tos, qual seja, a de indivíduos exclusivamen-
*** te voltados para o próprio umbigo. A mu-
Mas vocês me perguntam como acelerar dança, portanto, exige que pensemos que o
as mudanças? Obviamente não há receitas. que todos fazemos no dia a dia, em qualquer
Primeiro porque não acredito em mudanças atividade profissional ou cultural, é impor-
pensadas por um só. Mudança é uma questão tante. O que cada um de nós faz ou diz im-
de prática, de experimentação de muitos ou porta, e importa muito! O mundo se faz de
nº- 290

de todos. Segundo porque os próprios hori- pequenos gestos cotidianos e das grandes
zontes da mudança precisam ser rediscutidos crenças que os sustentam.

ano 54

Vida Pastoral

34
Homiléticos
Roteiros

Celso Loraschi
Também na internet:
www.vidapastoral.com.br
6º- DOMINGO DA PÁSCOA
5 de maio

A humanidade nova,
morada de Deus
I. Introdução geral
Quem ama Jesus ouve sua Palavra. Meditada e praticada
em comunidade, a Palavra produz muitos e bons frutos. O
Espírito Santo, dom de Deus, recorda aos discípulos tudo o
nº- 290

que o Mestre ensinou. Uma comunidade que ama é, por exce-


Celso Loraschi, mestre em Teologia
lência, o espaço sagrado, pois nela habita a Trindade. Onde

Dogmática com Concentração


ano 54

em Estudos Bíblicos, professor de mora Deus, há a verdadeira paz (evangelho). O Espírito Santo
Evangelhos Sinóticos e Atos dos
Apóstolos no Instituto Teológico
também inspira e fortalece os discípulos de Jesus para conti-

de Santa Catarina (ITESC). nuarem sua missão. Como anunciadores da verdade do evan-
Vida Pastoral

E-mail: loraschi@itesc.org.br gelho, encontram oposições por parte dos que seguem as

35
Roteiros Homiléticos

propostas do mundo. A paz de Deus é dife- Há, porém, uma novidade radical, sinte-
rente da paz que o mundo dá. A paz de Deus tizada no texto da liturgia de hoje. É fruto
não é ausência de conflitos. No dinamismo da experiência de fé, ao longo da caminhada
do Espírito Santo, os seguidores de Jesus pre- das comunidades joaninas, que iluminou a
cisam encontrar-se, dialogar, discernir e deci- compreensão da pessoa e da proposta de Je-
dir pelo melhor caminho (I leitura). As co- sus: ele e o Pai vivem intimamente unidos.
munidades cristãs são convidadas a acolher a O que Jesus diz e faz é a própria expressão
“nova Jerusalém”, a cidade da paz, que desce de Deus Pai. Jesus e o Pai são UM. A intimi-
do céu, fruto da graça divina e da fidelidade dade amorosa entre ambos estende-se às
dos que ouvem sua Palavra. É a nova huma- pessoas que praticam o amor. Nelas Deus
nidade, cujos alicerces se encontram no teste- faz sua morada. O mesmo foi dito do Espíri-
munho dos apóstolos, os quais viram, aco- to Santo (v. 17). Então, a pessoa que crê
lheram e transmitiram a Palavra da vida: torna-se morada da Trindade. Cumpre-se a
Jesus Cristo morto e ressuscitado (II leitura). antiga promessa da habitação de Javé no
Iluminados e encorajados pelo mesmo Espí- meio de seu povo: “Estabelecerei a minha
rito Santo, continuamos a testemunhar a fé habitação no meio de vós e não vos rejeitarei
em Jesus, reunindo-nos para rezar, para co- jamais. Estarei no meio de vós, serei o vosso
mungar a “Palavra-eucaristia”, para dialogar, Deus e vós sereis o meu povo” (Lv 26,11s).
discernir e viver o amor, conscientes de que a Em João, porém, é ainda mais profundo: a
Trindade fez sua morada no meio de nós. habitação divina não se dá apenas “no
meio”, mas “dentro”. É uma experiência
única e maravilhosa.
II. Comentário dos textos A comunidade cristã, portanto, é a ex-
bíblicos pressão viva de Deus-Amor. As pessoas
participantes ouvem a sua Palavra, que é o
próprio Jesus feito carne, presente no meio
1. Evangelho (Jo 14,23-29): delas. O Espírito Santo, dom do amor de
Ser humano, morada de Deus Deus, recorda todos os ensinamentos de
A redação do Evangelho de João se dá ao Jesus. Como ouvintes e praticantes da Pala-
redor do ano 100. Constitui-se numa refle- vra, unidas na fé e no amor, as comunida-
xão pós-pascal das comunidades joaninas. O des cristãs transformam-se num espaço da
texto deste domingo faz parte do discurso de paz e da alegria de Deus. O termo “paz”, na
despedida de Jesus junto aos seus discípulos. Bíblia, expressa a síntese dos bens necessá-
Percebe-se íntima relação entre Jesus e Moi- rios para uma vida plena, tanto temporais
sés. Assim como Moisés fora enviado para como espirituais.
guiar o seu povo rumo à terra prometida, Je-
sus foi enviado por Deus para dar a vida à
2. I leitura (At 15,1-2.22-29):
humanidade. Assim como Deus se manifes-
Conflitos fazem parte da
tou no Êxodo por meio de dez sinais, Jesus
nº- 290

caminhada
realiza sete sinais libertadores. Assim como
Deus revelou, por meio de Moisés, os Man- Após a primeira viagem missionária, Pau-

ano 54

damentos como estatutos para o povo de Is- lo e Barnabé permaneceram algum tempo na
rael, Jesus revela o Mandamento do Amor, comunidade cristã de Antioquia da Síria. Ela

estatuto do novo povo de Deus, conforme o se tornou importante centro irradiador da


Vida Pastoral

texto do domingo passado. proposta cristã. A experiência que trouxeram

36
da viagem foi partilhada e meditada na co-
munidade. O principal ponto polêmico le-
vantado por Lucas, neste texto, é a questão
da circuncisão. Trata-se de polêmica suscita- A música
da por judeus-cristãos que manifestam ainda que nos ajuda a refletir
muita dificuldade de desvencilhar-se da e meditar
lei judaica como constitutiva da salvação.
Alguns deles se deslocam de Jerusalém para
Antioquia a fim de pregar a obrigatoriedade
da circuncisão como manifestação de fideli-
dade à Lei de Moisés. A seu ver, somente
assim se poderia obter a salvação.
Paulo e Barnabé, missionários junto às
nações, não concordam com essa obrigato-
riedade, pois a verdadeira fonte de salvação 13 faixas

é Jesus Cristo. Com tal convicção dirigem-se


à Igreja-mãe, Jerusalém. O conflito é evi-
dente. Para discernir qual o caminho a ser
seguido, é convocada uma assembleia. Rea-
lizou-se, então, o que é normalmente co-
nhecido por “Concílio de Jerusalém”. Esta- 20 faixas

mos no ano 49.


O relato de Lucas tem a preocupação de
mostrar a disposição dos participantes desse
“concílio” para salvar a unidade da Igreja.
Percebe-se isso, especialmente, pela acolhida
mútua e carinhosa entre os representantes da 13 faixas

Igreja de Antioquia e os de Jerusalém. A uni-


dade vem junto com a preocupação de inclu- CDs – Momentos de Reflexão
Volumes I, II e III
são de toda a gente, pois a salvação que Jesus
Os CDs Momentos de Reflexão apresentam
trouxe é para todos os povos. O decreto final diversas seleções musicais ideais para
Imagens meramente ilustrativas.

determina a abstenção de algumas atitudes momentos de relaxamento, oração e


descanso. As composições incluem choros
que feriam profundamente a fé judaica: das
de violão, piano, e você relembrara antigos
“carnes sacrificadas aos ídolos”, pois isso sig- sucessos, como Mãe do Céu Morena, Maria
nificaria participar dos cultos pagãos, o que de Nazaré, A 13 de Maio, entre outros.

seria um sacrilégio; do “sangue e das carnes


sufocadas”, pois o sangue expressa a própria
Vendas: (11) 3789-4000
vida, que só a Deus pertence (por isso, ao 0800-164011
ser sacrificado, o sangue do animal deveria SAC: (11) 3789-4119
nº- 290

ser totalmente derramado – cf. Lv 1,5); das


V i s i te n os s a l oj a V i rtu aL
“uniões ilegítimas” (cf. Lv 18). Transparece

paulus.com.br
ano 54

claramente, nas decisões da assembleia, uma


estratégia pastoral com o objetivo mais alto:

proporcionar a acolhida do evangelho da sal-


Vida Pastoral

vação por todas as culturas.

37
3. II leitura (Ap 21,10-14.22-23):
A nova humanidade III. Pistas para reflexão
Os dois últimos capítulos do Apocalipse A utopia do “novo céu e da nova terra”
apontam para a nova criação, em que já não exerceu um papel de resistência, de coragem
há lugar para a maldade. O texto da liturgia e de perseverança nas comunidades cristãs
deste domingo relata essa visão utópica que do Apocalipse. As violentas perseguições pe-
se dá num alto monte. Na tradição judaica, a las quais passaram as pessoas discípulas de
montanha carrega um significado simbólico Jesus, por causa do testemunho de fé em Je-
de muita importância. Basta lembrar a con- sus Cristo, desafiaram a sua fidelidade. Mui-
cessão dos Mandamentos a Moisés e a morte tas foram mortas. O seu martírio, porém, é o
salvadora de Jesus. Também a Jerusalém his- sinal por excelência que ilumina e confirma o
tórica se situa no monte Sião. caminho do seguimento de Jesus.
O alto monte contrasta com o deserto para O testemunho dos primeiros cristãos
onde o visionário João havia sido levado ante- nos interpela profundamente. A fidelidade
riormente (cf. 17,3). Enquanto o deserto é, aos valores evangélicos permanece como
simbolicamente, a morada da meretriz, a mon- caminho para um mundo novo. É neste
tanha é o lar da Noiva de Cristo, a nova Jerusa- mundo onde vivemos que Deus deseja esta-
lém constituída pelo povo justo. A meretriz belecer sua morada. Tudo, então, torna-se
representa a “Babilônia”, nome simbólico de sagrado. Quando nossas palavras e nossas
Roma, promotora da morte e da destruição. A ações respeitarem a presença de Deus em
nova Jerusalém é a cidade perfeita que desce cada ser humano, na natureza e em toda a
do céu trazendo a própria glória de Deus. A sociedade, o mundo será outro.
muralha, grossa e alta, tendo os anjos como No evangelho, Jesus anuncia e garante a
guardas, está totalmente protegida e segura. presença de Deus Trindade nas pessoas que
O número doze é articulado no texto o amam e ouvem a sua Palavra. Dessa verda-
como expressão da nova realidade da qual de decorre o nosso compromisso de con-
participa o novo povo de Deus. É o número templar cada pessoa como morada de Deus
da perfeição teocrática que lembra as doze e, portanto, respeitá-la em sua dignidade.
tribos de Israel, os doze apóstolos e, por ex- Daí decorre também o nosso compromisso
tensão, o povo fiel a Jesus Cristo. Esse núme- de proteger e promover a vida em todas as
ro cruza-se com o número três, referindo-se suas dimensões.
quatro vezes às portas abertas para os quatro Por isso, iluminados pelas atitudes dos
cantos do mundo. É, portanto, a realidade- primeiros discípulos e missionários, reuni-
-síntese de um mundo novo. mo-nos em comunidade para celebrar, reali-
A cidade perfeita é dom de Deus. Nela já zar encontros e assembleias para discernir e
não há templo, pois toda ela é habitação divi- decidir o que fazer, tendo em vista a vida
na. Essa perspectiva teológica do Apocalipse digna sem exclusão.
aponta para a realização plena do desígnio de
nº- 290

Deus inaugurada com a vinda de Jesus, o Mes- ►  alorizar os diversos momentos de reu-
V
sias. Ele é o Cordeiro: a lâmpada que ilumina a niões, encontros, celebrações, estudos e

ano 54

cidade. A situação da humanidade transfor- assembleias que se realizam na paróquia (e


mou-se. Seu relacionamento com Deus se dá em outros espaços), bem como refletir so-

de forma íntima, perfeita e definitiva. A aliança bre a importância da participação neles


Vida Pastoral

é plenamente acolhida e vivida com fidelidade. como Igreja viva que somos.

38
ASCENSÃO DO SENHOR
II. Comentário dos
12 de maio
textos bíblicos
Missão de Jesus: 1. Evangelho (Lc 24,46-53):
missão dos A bênção de Jesus

discípulos O Evangelho de Lucas e os Atos dos


Apóstolos são dois volumes da mesma obra.
Tanto no final do Evangelho como no come-
ço do livro de Atos consta o relato da ascen-
I. Introdução geral são de Jesus, de formas diferentes. Original-
mente, como muitos estudiosos defendem,
Os relatos da ascensão do Senhor não não havia dois volumes, mas, sim, uma uni-
querem indicar o afastamento de Jesus des- dade, com apenas um relato da ascensão (o
te mundo. Querem, sim, revelar plena- que se encontra em Atos). O que importa
mente quem é Jesus, conforme já anunciado aqui, porém, é o sentido teológico dos dois
nas Sagradas Escrituras: o Messias sofredor relatos, assim como se encontram na Bíblia.
que é glorificado. Revelam também que a No Evangelho de Lucas, percebemos que
missão de Jesus deve ser continuada pelos todos os fatos acontecidos após a morte de
seus discípulos. Em nome dele, a boa notí- Jesus se realizam no mesmo dia. Em Atos, Je-
cia do perdão dos pecados, mediante o ar- sus ressuscitado permanece 40 dias entre
rependimento, deverá ser proclamada a seus discípulos, ensinando-lhes coisas refe-
todas as nações. O Espírito Santo, promes- rentes ao Reino de Deus. Teologicamente, o
sa de Deus, é a força do alto que revestirá tempo de um dia ou de 40 dias tem o mesmo
os discípulos missionários. Sem essa força, significado: é o tempo propício concedido
prevalecem os interesses próprios e as am- aos discípulos para serem testemunhas quali-
bições de poder. Confessar a fé em Jesus, ficadas de Jesus Cristo ressuscitado. Esse tes-
que morreu, ressuscitou e subiu ao céu, é temunho inaugura um novo tempo e deverá
voltar o olhar para a realidade deste mun- ser irradiado para o mundo inteiro. Para essa
do e comprometer-se com sua transforma- missão eles precisam ser preparados.
ção (evangelho e Atos). Sejam dadas honra É por isso, então, que Lucas enfatiza a
e glória a Deus, pois nos ama de maneira preocupação de Jesus em “abrir a mente”
humilde e criativa. Sua grandeza e seu (v. 45) dos discípulos a fim de que entendam
amor revelam-se plenamente em Jesus as Escrituras. Aprofunda a tarefa catequética
Cristo. O seu Espírito abre a nossa mente de Jesus, já demonstrada no episódio dos
para que possamos conhecê-lo verdadeira- dois discípulos a caminho de Emaús (24,13-
mente. E nos chama a participar do Corpo 35). Parece insistir na necessidade de uma
Místico, a Igreja, cuja cabeça é Cristo, o retomada dos textos do Primeiro Testamento
nº- 290

qual está acima de todo poder (II leitura). à luz do evento Jesus de Nazaré. Assim, tudo
Esta unidade precisa ser conservada e cul- ficará esclarecido a respeito do Messias, o

ano 54

tivada em cada comunidade e também en- Salvador.


tre as Igrejas cristãs, pois as divisões entre De fato, entre os apóstolos, bem como

os membros do mesmo corpo impedem a entre as comunidades cristãs, o processo de


Vida Pastoral

vida digna e saudável. entendimento da pessoa de Jesus e de adesão

39
Roteiros Homiléticos

profunda ao seu projeto não foi tão tranquilo comunidade cristã. Enquanto o primeiro vo-
como se pode pensar à primeira vista. É o lume tratou da vida de Jesus Cristo, o segun-
que se percebe pelas reações dos discípulos do vai ocupar-se da vida da Igreja, guiada
diante das aparições de Jesus ressuscitado: os pelo Espírito Santo. Ela está intimamente li-
de Emaús caminham um longo trecho sem gada à vida e à missão de Jesus, bem como à
reconhecê-lo, pois eram “lentos de coração história de Israel, representada pelo seu cen-
para crer no que os profetas anunciaram” tro religioso, Jerusalém, e pelo cumprimento
(24,25); ao apresentar-se aos onze, dese- da promessa anunciada na Sagrada Escritura.
jando-lhes a paz, eles ficaram “tomados de O cristianismo tem suas raízes no judaís-
espanto e temor, imaginando que fosse um mo. Não há ruptura entre Israel e a Igreja: há
espírito”, além de “perturbados e cheios de continuidade. O testemunho dos apóstolos
dúvidas em seus corações”, a ponto de Jesus deverá percorrer uma trajetória sempre mais
insistir para que o apalpassem e entendessem ampla, partindo de Jerusalém até os confins
(cf. 24,36-40). do mundo (1,8). Para isso, deverão antes
Diante dessas dificuldades, Jesus lhes mergulhar na experiência do Espírito Santo,
anuncia o que o Pai prometeu: a força do que descerá sobre eles no dia de Pentecostes.
alto. Enquanto isso não acontece, pede-lhes Para a narrativa da ascensão em Atos, Lu-
que permaneçam em Jerusalém, que, para cas inspira-se em passagens do Primeiro Tes-
Lucas, tem uma importância teológica muito tamento, como o arrebatamento de Elias aos
especial, pois aí se deu o acontecimento sal- céus (2Rs 2,1-18). Eliseu, discípulo de Elias,
vador mediante a morte e ressurreição de Je- por testemunhar o arrebatamento do seu
sus. A partir desse espaço, a proclamação do mestre, recebe “dupla porção” do seu espírito
arrependimento e da remissão dos pecados e torna-se o continuador da missão profética;
atingirá o mundo inteiro: é a boa notícia da como testemunhas oculares da ascensão de
salvação oferecida a toda a humanidade. Jesus, seus discípulos receberão o Espírito
Lucas, porém, distingue a Jerusalém teo- Santo para continuar a sua obra. Os dois ho-
lógica da cidade em seu sentido político-eco- mens vestidos de branco são os mesmos de
nômico, com suas instituições opressoras. Lc 24,4, que anunciam às mulheres a ressur-
Não é por acaso que Jesus os tira dessa cida- reição de Jesus e as fazem recordar as pala-
de e os leva a Betânia. Isso lembra o êxodo do vras por ele ditas. Aqui, em Atos, eles recor-
povo de Israel, tirado da escravidão do Egito. dam aos discípulos a verdade da ascensão.
É em Betânia que ele os abençoa enquanto se Ressurreição e ascensão são dois momen-
eleva ao céu. As pessoas aí abençoadas tor- tos que exprimem o novo modo de ser de
nar-se-ão portadoras da bênção divina a to- Jesus: aquele que foi obediente ao Pai até a
dos os povos. morte é glorificado e exaltado, mas permane-
ce na comunidade. O transcendente manifes-
ta-se na história humana.
2. I leitura (At 1,1-11):
A exaltação de Jesus
nº- 290

3. II leitura (Ef 1,17-23):


O prólogo de Atos dos Apóstolos faz liga-
Jesus, cabeça da Igreja
ção com o início do Evangelho de Lucas, es-

ano 54

clarecendo que se trata da continuação da A carta aos Efésios, com muita probabili-
obra endereçada ao mesmo destinatário, Teó­ dade, é fruto da reflexão das comunidades

filo (etimologicamente “amigo de Deus”), o fundadas por Paulo. Escrita ao redor do ano
Vida Pastoral

qual, no plano simbólico, pode representar a 90, enfatiza o projeto de salvação de Deus

40
para todos os seres humanos. O texto de
hoje, num estilo litúrgico, apresenta a figura
de Jesus glorioso como aquele que tem a so-
berania sobre toda a criação, está acima de Celebrando
toda autoridade e de todo poder. com alegria e segurança
O conhecimento de Deus dá-se por sua
graça. É ele que nos concede “o espírito de
sabedoria e de revelação”; é ele que “ilumina
os olhos do coração” para compreendermos
“a extraordinária grandeza do seu poder para
nós” manifestada em seu Filho, Jesus Cristo.
A ressurreição e a ascensão de Jesus são aqui

80 págs.
lembradas como sinais que revelam sua gló-
ria e soberania em tudo e em todos.
Culto eucarístico fora da missa
O discernimento da verdade a respeito
Valter Maurício Goedert
de Jesus estende-se à verdade sobre a Igreja: Guia seguro e de grande utilidade pastoral
formamos o Corpo Místico, cuja cabeça é para sacerdotes, religiosos(as), diáconos
e ministros extraordinários. Também os
Cristo. Ao mesmo tempo que está sujeita à fiéis em geral encontrarão elementos para
autoridade de Jesus Cristo, a Igreja vive inti- purificar, orientar e aprofundar sua devoção
mamente unida a ele. É uma união vital, ao Santíssimo Sacramento.

pois sem a cabeça não existe corpo e não


existe vida.

III. Pistas para reflexão


192 págs.

A ascensão de Jesus não significa que ele


tenha ido embora para retornar no final dos
tempos. Na verdade, ele é exaltado, mas per- Celebrando o dia do Senhor
Subsídio para celebrações
manece no meio de nós. Os olhos da fé o dominicais da Palavra de Deus nas
comunidades - Tempo Comum ABC
veem perfeitamente e o coração dos que acre-
V.V.A.A
Imagens meramente ilustrativas.

ditam o acolhe com amor e gratidão. Este volume se refere às celebrações do


Jesus Cristo e a Igreja formam um corpo. Tempo Comum dos anos A, B e C, das
Ter essa consciência implica cuidar uns dos solenidades e festas do Senhor, da Virgem
Maria e dos santos e santas que ocorrem
outros com muito carinho e respeito. Signifi- nesse período.
ca responsabilizar-se pela promoção da vida,
dando prioridade aos membros que sofrem.
Vendas: (11) 3789-4000
Significa acolher os que são diferentes, sem 0800-164011
julgamentos superficiais, mas exercitando o SAC: (11) 3789-4119
nº- 290

diálogo e a mútua compreensão.


V i s i te n os s a l oj a V i rtu aL
Nesta semana, situada entre as festas de

paulus.com.br
ano 54

Ascensão e Pentecostes, celebra-se no Brasil a


“semana de oração pela unidade dos cristãos”.

Participar desse grande mutirão em favor da uni-


Vida Pastoral

dade das Igrejas cristãs é expressão concreta

41
Roteiros Homiléticos

de pertença ao Corpo de Jesus e de edificação a Jesus Cristo como Senhor e Salvador. É ele
do seu reino de fraternidade no mundo. quem nos une num só corpo e distribui os
dons diversos para a edificação da comunida-
►  uma boa oportunidade de lembrar os no-
É de (II leitura). A graça divina nos é concedida
mes das Igrejas cristãs que possuem comu- em abundância. Somos convidados a acolhê-
nidades no espaço geográfico da paróquia -la e fazê-la frutificar.
ou da região. Durante a semana, pode-se
celebrar um culto ecumênico e/ou outras
iniciativas com as Igrejas que desejarem. II. Comentário dos textos
Para informações sobre a semana de oração bíblicos
e ecumenismo: <www.conic.org.br>.

1. I leitura (At 2,1-11):


PENTECOSTES O Espírito Santo, dom de Deus
19 de maio
Originalmente, entre os israelitas, Pente-

Espírito Santo: costes era a festa da colheita (cf. Ex 34,22).


Era celebrada num clima de muita alegria e

dom de Deus para de ação de graças. Posteriormente passou a


ser a comemoração do aniversário da pro-

a vida do mundo mulgação da Lei de Deus no monte Sinai. Lu-


cas, ao descrever o Pentecostes cristão, rein-
terpreta essa festa como o momento propício
não mais da concessão da Lei, mas da graça
I. Introdução geral do Espírito Santo. Os símbolos do furacão e
do fogo lembram a teofania no Sinai. Numa
A vinda do Espírito Santo sobre os discí- casa, em Jerusalém, estão reunidos em ora-
pulos é o cumprimento da promessa de Je- ção os apóstolos, “algumas mulheres, entre as
sus: “Recebereis uma força, a do Espírito San- quais Maria, a mãe de Jesus, e os seus irmãos”
to que descerá sobre vós, e sereis minhas (At 1,14). O tempo da espera se completou,
testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e a promessa de Jesus se cumpre.
e Samaria, e até os confins da terra” (At 1,8). Os judeus da diáspora acorrem a Jerusa-
É, portanto, em vista da irradiação universal lém, “vindos de todas as nações que há de-
do testemunho de Jesus Cristo que a graça do baixo do céu”. Estão aí para celebrar a festa,
Espírito nos é dada. Todo discípulo é tam- fiéis à sua tradição religiosa. Tornam-se teste-
bém missionário. A missão deve atingir todos munhas da efusão do Espírito Santo sobre a
os povos, pois a salvação oferecida gratuita- comunidade dos discípulos e discípulas de
mente por Deus é universal (I leitura). Jesus Jesus. O acontecimento de Pentecostes quer
mesmo é o missionário do Pai e é quem envia mostrar a continuidade com a história de Is-
os discípulos: “Como o Pai me enviou, tam- rael. O Deus que se revelou aos antepassados
nº- 290

bém eu vos envio” (Jo 19,21). Soprando sobre é o mesmo que se revela em Jesus Cristo e se
eles, concede-lhes o dom do Espírito, junta- dá a conhecer ao mundo inteiro.

ano 54

mente com o poder de perdoar pecados. O Lucas enumera ainda a presença de vá-
Espírito, então, liberta-nos de tudo o que im- rios povos, do Oriente e do Ocidente, repre-

pede a graça de Deus de atuar em nós (evange- sentantes de todas as nações. A Palavra do
Vida Pastoral

lho). É pelo Espírito Santo que reconhecemos evangelho deverá alcançar a todos. Em suas

42
próprias línguas ouvirão o anúncio das mara- Ele se põe no meio deles como o doador da
vilhas de Deus. Portanto, o dom do Espírito paz. A fé em Jesus, presente no meio da co-
tem, essencialmente, uma finalidade missio- munidade, garante a superação do medo e da
nária. A comunidade de Jerusalém é o ponto insegurança que estagnam. Ele é o centro ao
de partida para a difusão da fé cristã; é a mãe redor do qual se forma a comunidade. Ele é o
de todas as comunidades cristãs. Por isso, vai fator de união e de garantia da paz. Já havia
ser caracterizada como a comunidade ideal anunciado em seu discurso de despedida, an-
(cf. 4,32-35). Com base nesse modelo, em tes de sua morte: “Eu vos disse essas coisas
círculos sempre mais amplos, a Palavra será para terdes paz em mim. No mundo tereis
disseminada universalmente. muitas tribulações, mas tende coragem: eu
O Espírito Santo é o principal protago- venci o mundo” (16,33).
nista da evangelização. É quem garante a uni- Ao mostrar-lhes as mãos e o lado, Jesus
dade da fé em Jesus Cristo na diversidade de lhes revela os sinais de seu amor vitorioso.
línguas e culturas. Como podemos constatar Nenhuma força será capaz de destruir a vida,
no conjunto do livro de Atos dos Apóstolos, pois a morte foi vencida definitivamente. Ao
os discípulos, após a experiência transforma- verem o Senhor, os discípulos enchem-se de
dora do Espírito, enchem-se de ousadia e co- alegria e recobram o ânimo.
ragem e lançam-se nessa tarefa profética de A paz, a alegria e a coragem deverão
testemunhar a fé no Salvador, Jesus Cristo, acompanhar os apóstolos na missão que rece-
vários deles até ao martírio. bem do Senhor Jesus. Deverão seguir o exem-
plo do Mestre, que cumpriu fielmente a mis-
são recebida do Pai. A fidelidade à missão,
2. Evangelho (Jo 20,19-23):
porém, não se deve à boa vontade dos envia-
A paz, dom do Ressuscitado
dos. Deve-se, sim, à ação do Espírito Santo. O
O texto se inicia indicando o dia em que sopro de Jesus sobre os discípulos lembra o
Jesus ressuscitado se manifestou aos discípu- sopro de Deus nas narinas do primeiro ser
los. O primeiro dia da semana tem ligação humano, infundindo-lhe a vida. O Espírito
com o primeiro dia da criação. Portanto, a cria uma nova condição: a vida divina nos
ressurreição de Jesus marca uma nova cria- discípulos lhes garante a capacidade de amar
ção. A situação em que se encontram os dis- como Jesus amou. É um amor que liberta o
cípulos, trancados e com medo, será trans- mundo de todo o pecado, o qual, para João,
formada com a presença de Jesus no meio representa a ordem social baseada na opres-
deles. A alusão à hora do dia (ao anoitecer) são e na injustiça. O Espírito Santo, que age
guarda relação com o momento em que os por meio dos seguidores de Jesus, oferece to-
discípulos enfrentam forte tempestade na das as condições para o estabelecimento da
travessia do mar. Jesus vem ao seu encontro, paz, da justiça e da fraternidade no mundo.
caminhando sobre as águas, e manifesta seu
poder de salvação (cf. 6,16-20). Percebe-se
3. II leitura (1Cor 12,3b-7.12-13):
que João retrata a situação em que se encon-
nº- 290

Diversos serviços, um só Espírito


tram as comunidades cristãs ao redor do ano
100: atemorizadas e escondidas devido à Paulo, ao escrever à comunidade cristã

ano 54

hostilidade e perseguição tanto da parte do de Corinto, intenta orientá-la nas questões


império romano como de grupos judaicos. ainda não bem esclarecidas que estão causan-

Jesus jamais abandona os seus, como havia do conflitos no meio dela. Uma dessas ques-
Vida Pastoral

prometido: “Não vos deixarei órfãos” (14,18). tões refere-se aos dons do Espírito Santo.

43
Roteiros Homiléticos

Para isso, o apóstolo dedica os capítulos 12 a afirmativamente, pois acreditamos no mes-


14. O texto da liturgia de hoje enfatiza que a mo sonho de Jesus.
diversidade de dons, ministérios e modos de Ao redor de Jesus ressuscitado se organi-
ação provém da Trindade santa: do mesmo za a comunidade cristã. Sua presença é ga-
Espírito, do mesmo Senhor e do mesmo rantia de união, de paz, de alegria e de segu-
Deus que realiza tudo em todos. De Deus rança. Como seus discípulos missionários,
provém somente o que é bom para os seus vivemos e anunciamos seu amor e seu per-
filhos e filhas. A diversidade revela a magna- dão. A realidade de egoísmo, de opressão e
nimidade e a criatividade divinas. de todas as formas de injustiça será transfor-
A graça de Deus não pode ser acolhida de mada se nos amarmos como Jesus nos amou.
forma egoísta. Por isso, todo dom ou carisma Portanto, o empenho pela promoção da
desdobra-se em serviços concretos em favor unidade no mesmo projeto de vida digna para
do bem comum. Não importa o tipo de mi- todas as pessoas é sinal concreto de adesão a
nistério, pois, sendo graça divina, todos têm a Jesus. A acolhida e a contemplação das diver-
mesma importância. Daí decorre a atitude de sas expressões religiosas e culturais colaboram
serviço humilde e solidário. Cada ação deve para um mundo de paz, dom de Jesus ressus-
estar ligada ao conjunto das demais. O que citado. A valorização dos diferentes ministé-
deve projetar-se não é a figura da pessoa que rios, exercidos com amor, é expressão de lou-
serve. Isso seria utilizar os dons de Deus, que vor e gratidão a Deus, fonte de todas as graças.
é Amor, em proveito próprio. O que deve bri-
lhar é o projeto comum, que, no caso de uma ►  celebração da festa de Pentecostes pode
A
comunidade cristã, é o mesmo projeto de Je- ser um bom momento de valorização dos
sus. No Espírito reconhecemos que ele é nos- diversos ministérios exercidos na comuni-
so Senhor e com ele formamos um só corpo. dade. É oportuno para a renovação deles,
juntamente com a bênção da comunidade
sobre os ministros e ministras.
III. Pistas para reflexão
SANTÍSSIMA TRINDADE
A festa de Pentecostes nos oferece a opor-
26 de maio
tunidade de reconhecer o dom do Espírito
Santo em cada pessoa e na comunidade.
Quem o acolhe tem todas as condições de A comunidade
vencer a timidez, o medo, a tristeza, o desâ-
nimo e a solidão. Em cada um de nós, a partir divina: modelo
do batismo, existe essa força do alto que nos
enche de autoestima e nos impulsiona a fazer para a comunidade
o bem, do mesmo modo como Jesus fez. O
Espírito Santo nos impulsiona a participar
ativamente na comunidade, leva-nos ao en-
humana
nº- 290

gajamento em serviços diferentes e ao com-


promisso de transformar as realidades de pe- I. Introdução geral

ano 54

cado e de morte. Ele nos dá a capacidade de


diálogo entre nós, com as diversas Igrejas e as A fé em Deus Trindade nos leva a reco-

diversas culturas. É para a vida em abundân- nhecer a beleza e a profundidade da reali-


Vida Pastoral

cia que Deus nos chamou. Nós respondemos dade humana. Deus é UM em três pessoas,

44
mistério de amor e comunhão, perfeita uni-
dade na diversidade. A comunidade humana
encontrará a sua verdadeira realização à me- Músicas para
dida que buscar conviver numa relação de
igualdade entre todos os seus membros, res-
todas as ocasiões
peitando as diferenças. Pela fé tivemos acesso
a essa revelação. Pela fé conhecemos a Deus e
entramos na sua intimidade. O caminho que
nos conserva na comunhão com Deus e com
os irmãos é o da sabedoria. Ela é a primeira

29 faixas
de todas as obras divinas, a que orienta o des-
tino de tudo e de todos (I leitura). Dessa rela-

19 faixas
ção íntima com Deus e com o próximo pro-
vêm a paz, a perseverança nas tribulações e a
firmeza no amor, derramado em nossos cora-
ções pelo Espírito Santo (II leitura). Ele nos
dá a conhecer toda a verdade revelada em

Imagens meramente ilustrativas.


28 faixas
Jesus Cristo (evangelho). Essa certeza nos faz
assumir com convicção e destemor a missão
de testemunhar, no meio deste mundo, o

24 faixas
amor que torna possível a inclusão de todos
os seres numa sociedade justa e fraterna,
imagem e semelhança da Trindade santa. CDs – Celebrações Especiais
Volumes I, II, III, IV
A coletânea Celebrações Especiais vols. I,
II. Comentário dos textos II, III, IV apresenta uma grande variedade
de músicas para diversas ocasiões da vida
 bíblicos cristã: Vol. I – Celebração do Batismo, Missa
para a 1ª- Eucaristia, Missa da Confirmação,
Celebração dos Quinze Anos. Vol. II –
Celebração de Formatura, Casamento com
1. II leitura (Rm 5,1-5): e sem Missa, Celebração de Bodas.
Vol. III – Missa do Coração de Jesus, Missa
  A esperança não decepciona de Nossa Senhora, Missa do Padroeiro,
Missa de Ação de Graças. Vol. IV –
Um dos temas prioritários que Paulo se Celebração da Reconciliação, Celebração
dedica a aprofundar, especialmente na Carta da Esperança, Missa dos Enfermos, Vigília
Exequial. Uma grande oportunidade de
aos Romanos, é o da justificação pela fé. Para aproveitar a arte musical para louvar a Deus.
ele, não é o cumprimento das leis nem qual-
quer obra humana que nos tornam justos
Vendas: (11) 3789-4000
diante de Deus. Se assim fosse, a justificação 0800-164011
teria por base os méritos pessoais. Paulo parte SAC: (11) 3789-4119
nº- 290

da premissa de que todos somos radicalmente


V i s i te n os s a l oj a V i rtu aL
pecadores e, portanto, necessitados da inter-

paulus.com.br
ano 54

venção gratuita de Deus. Ela se deu em Jesus


Cristo, o libertador de todos os pecados. Por

meio dele, Deus realizou sua ação misericor-


Vida Pastoral

diosa de salvação para todo o gênero humano.

45
Roteiros Homiléticos

Percebe-se que Paulo indica um processo ambos. Os discípulos, porém, demonstram


de amadurecimento no caminho da fé, até incompreensão diante das palavras de Jesus.
que, de livre vontade e com consciência lúci- Apesar de conviverem com Jesus por um bom
da, aceitemos a Jesus como nosso Salvador e tempo, permanecem num estágio de imaturi-
vivamos, como ele nos ensinou, na vontade dade espiritual. São incapazes de apreender o
divina. Pelo seu sangue ele nos reconciliou sentido verdadeiro do testamento de Jesus.
com Deus e nos concede a paz em plenitude. Necessitam de ajuda.
A paz de que o texto nos fala carrega o senti- O texto faz, então, referência ao Espírito
do do termo hebraico shalom, o qual indica o Santo, que dará prosseguimento à missão de
estado de perfeita intimidade e harmonia en- Jesus. Ele instruirá os discípulos e os libertará
tre os seres humanos, com a natureza e com das amarras que impedem o reconhecimento
Deus. Dele provêm todas as bênçãos que ga- do Salvador. É o Espírito que conduz à verda-
rantem uma vida de dignidade, de bem-estar de plena que é o próprio Jesus Cristo, Deus
e de profunda alegria. encarnado, conforme já havia anteriormente
A fé, portanto, não se reduz ao assenti- se revelado: “Eu sou o caminho, a verdade e a
mento racional a um sistema doutrinário. vida” (Jo 14,6). A verdade é, pois, a própria
Também não consiste apenas em momentos realidade divina manifestada no amor de Je-
de oração. A fé é a atitude de entrega total e sus, que entrega sua própria vida em resgate
confiante a Deus, que nos salva mediante seu da vida de todos. Jesus reza para que os discí-
Filho, Jesus Cristo. Por meio dele, pela fé, pulos sejam santificados na verdade (17,17.19)
temos acesso à graça da salvação, nos mante- e possam viver na perfeita unidade, assim
mos e nos alegramos nela. como ele e o Pai são UM (17,21-23).
Tudo isso nos motiva a nos gloriar em A comunidade de João demonstra a sua
Deus mesmo nas tribulações, pois “a tribula- caminhada de amadurecimento na fé em Jesus
ção produz a perseverança, a perseverança Cristo. As novas circunstâncias que emergem
produz a fidelidade comprovada e a fidelida- do contexto ao redor do final do século I exi-
de comprovada produz a esperança”. Trata- gem novas reflexões e novas posturas. Cresce
-se da esperança militante, manifestada por a compreensão a respeito de Jesus, de sua ínti-
meio do empenho cotidiano em acolher e ma relação com o Pai e de sua missão de amor
fazer frutificar o amor de Deus derramado neste mundo. Ilumina-se, com maior profun-
pelo Espírito Santo em nossos corações. Essa didade, o sentido da morte e ressurreição de
esperança “não engana”. Jesus. Ele veio “para que todos tenham vida e
a tenham em abundância” (10,10).
Os discípulos e discípulas são convida-
2. Evangelho (Jo 16,12-15):
dos a abrir-se às novas interpretações e exi-
  O Espírito da verdade
gências suscitadas pelo Espírito Santo no
O texto faz parte do “livro da comuni- contexto histórico em que vivem. Prestar
dade”, também conhecido como o “livro da atenção no Espírito é assumir os desafios da
glorificação” (Jo 13-17). Após o gesto do história e viver, com novas expressões e novo
nº- 290

lava-pés, Jesus faz um longo discurso de des- ardor, o mesmo amor revelado em Jesus.
pedida. De modo afetuoso, anuncia aos dis- As três pessoas divinas são manifesta-

ano 54

cípulos a sua partida iminente. É um discur- mente citadas no texto. Entre elas há perfeita
so que possui caráter de testamento. De cora- comunicação e perfeito entendimento. Essa

ção aberto, Jesus revela tudo o que recebera realidade divina, em toda sua beleza e pro-
Vida Pastoral

de seu Pai e demonstra a íntima relação entre fundidade, é comunicada por Jesus aos seus

46
discípulos. O Pai deu tudo ao Filho; assim da criação de Deus, está presente para gover-
também o Filho dá a conhecer tudo o que re- nar o universo, conservar a ordem e dirigir a
cebeu do Pai aos seus filhos e filhas. Podemos vida dos habitantes da terra. Vemos que a Sa-
aqui trazer presente o que São Paulo escreve: bedoria guarda uma ligação muito estreita
com a missão do Espírito Santo, conforme
Todos os que são guiados pelo Espírito
vai ser concebida no Segundo Testamento.
de Deus são filhos de Deus. E vocês não
receberam um espírito de escravos para
recair no medo, mas receberam um Es-
pírito de filhos adotivos, por meio do III. Pistas para reflexão
qual clamamos: Abba! Pai! O próprio
A festa da Santíssima Trindade é momen-
Espírito assegura ao nosso espírito que
to especial para refletir sobre nossa própria
somos filhos e filhas de Deus. E, se so-
identidade e missão no mundo. Somos a fa-
mos filhos, somos também herdeiros:
mília humana, formada por povos diversos e
herdeiros de Deus, herdeiros junto com
de culturas diferentes. Somos homens e mu-
Cristo (Rm 8,16-17).
lheres chamados a nos acolher no respeito
mútuo e na igualdade de direitos. Somos di-
ferentes uns dos outros: na diferença nos
3. I leitura (Pr 8,22-31):
completamos. Somos diversos: na diversida-
  A exaltação da Sabedoria
de nos unimos.
O livro dos Provérbios apresenta a Sabe- No texto da carta aos Romanos, ouvi-
doria como uma personagem. Ela já estava mos que o amor de Deus se revela com total
com Deus mesmo antes da criação do mun- benevolência e gratuidade. De nossa parte,
do. Ou melhor: ela é a primeira obra da cria- resta-nos acolhê-lo com gratidão e perseve-
ção e toma parte ativa em todas as outras coi- rar na fidelidade a esse amor sem limites. A
sas criadas por Deus, como se fosse mestre de justificação pela fé não legitima atitudes de
obras ou arquiteto. Deus e a Sabedoria, por- egoísmo e acomodação, mas nos incentiva a
tanto, estão em íntima comunhão; Deus é a viver segundo o modo de Deus agir em nós:
própria Sabedoria personificada. na doação plena e gratuita. É um caminhar
O texto quer ressaltar que todas as coisas na esperança militante que nos faz viver,
têm sua fonte em Deus; cada ato criador é aqui e agora, a vida plena que nos será dada
manifestação de sua sabedoria eterna e sobe- por Deus, sabendo que a “esperança não
rana; cada criatura é comunicação de seu decepciona”.
próprio ser infinito. O livro da Sabedoria diz O livro dos Provérbios fala da Sabedoria
que ela “tudo atravessa e penetra”, é o pró- que convive intimamente com Deus. Tudo o
prio “hálito do poder de Deus e a pura ema- que ele faz é expressão de seu próprio ser;
nação da glória do Onipotente” (Sb 7,24-25). portanto, o universo, com tudo o que nele
O último versículo dessa 1ª leitura revela existe, é penetrado pelo Espírito da Sabedo-
a imensa satisfação que a Sabedoria encontra ria divina. Todas as coisas são revestidas de
nº- 290

na superfície da terra e o seu prazer de estar dignidade e devem ser respeitadas, conforme
entre os seres humanos. A terra e seus habi- nos orienta a verdadeira Sabedoria. De acor-

ano 54

tantes são obras divinas. A relação íntima da do com o modo pelo qual nos relacionamos
Sabedoria com o Criador, desde toda a eter- entre nós e com todas as coisas criadas, co-

nidade, ocorre agora com as criaturas. Da lhemos frutos de bênção ou de maldição, de


Vida Pastoral

mesma maneira que esteve presente nos atos vida ou de morte.

47
Roteiros Homiléticos

No evangelho, Jesus nos promete o Espíri- humanidade. O rei Salomão constrói um gran-
to Santo para nos ajudar a viver conforme o dioso templo em Jerusalém como habitação
modelo da Trindade santa, a perfeita comuni- para Deus. Nesse lugar, pelo que se percebe na
dade. “O mistério da Trindade é a fonte, o mo- oração de Salomão, todos os povos teriam
delo e a meta do mistério da Igreja. Uma au- oportunidade de conhecer o nome de Deus
têntica proposta de encontro com Jesus Cristo conforme revelado ao povo de Israel (I leitu-
deve estabelecer-se sobre o sólido fundamento ra). A abertura a todos os povos completa-se
da Trindade-Amor. A experiência de um Deus com a vinda de Jesus. Ele (e não mais o tem-
uno e trino, que é unidade e comunhão inse- plo) é a fonte e o caminho de salvação univer-
parável, permite-nos superar o egoísmo para sal. Jesus é “Deus conosco”, independente do
nos encontrarmos plenamente no serviço para templo. Ele revela o verdadeiro nome de Deus
com o outro”. Nesse sentido, as comunidades que não se circunscreve num recinto sagrado,
eclesiais de base caracterizam-se como “casas e mas comunica-se no lugar social das pessoas
escolas de comunhão” (DAp 155, 170 e 240). necessitadas, libertando-as (evangelho). Deus
não faz acepção de pessoas, ultrapassa barrei-
ras culturais e manifesta-se a todos os povos
►  celebração da festa da Santíssima Trinda-
A
oferecendo-lhes gratuitamente a salvação em
de é uma boa oportunidade de valorizar as
Jesus Cristo. Esse é o evangelho assumido e
diferentes manifestações do amor de Deus
pregado pelo apóstolo Paulo. Na defesa dessa
na comunidade e no mundo: os serviços e
boa notícia da salvação gratuita, Paulo enfren-
ministérios, as etnias, as denominações e
ta toda espécie de conflitos (II leitura). Para
tradições religiosas, os movimentos e orga-
nós, hoje, como discípulos missionários de
nizações sociais, as iniciativas diversas em
Jesus, é importante compreender, acolher e
favor da vida, da ecologia etc.
anunciar com ousadia o evangelho da vida
plena para todos, sem exclusão.
O roteiro de CORPUS CHRISTI
(30 de maio) pode ser acessado no site
da Vida Pastoral II. Comentário dos textos
www.vidapastoral.com.br   bíblicos

1. I leitura (1Rs 8,41-43):


9º- DOMINGO DO TEMPO COMUM   A grandeza do nome de Deus
2 de junho
Esta pequena oração de Salomão situa-se

Deus se revela no contexto da festa da Dedicação do Templo


de Jerusalém. Lendo todo o capítulo 8 de

a todos os povos 1Reis, percebe-se que a Arca da Aliança que


acompanhou o povo de Israel desde a sua
saí­da da escravidão no Egito, é agora trans-
nº- 290

portada para dentro do templo num cerimo-


I. Introdução geral nial de grande pompa. Salomão, além de rei,

ano 54

exerce a função de sacerdote. Declara que


As leituras deste domingo nos proporcio- edificou uma casa para residência eterna de

nam a oportunidade de refletir quem é Deus, Deus (8,13), cumprindo-se assim a promessa
Vida Pastoral

onde ele mora e qual o seu plano para a feita ao seu pai Davi. Em sua oração, o rei

48
Salomão exalta o templo como o centro gra-
vitacional de todos os povos. Apesar de con-

A beleza
fessar que nem “os céus dos céus podem conter
Deus” (8,27), é para o templo de Jerusalém
que os estrangeiros poderão acorrer para re-
conhecer “a grandeza do vosso nome, a força da mensagem divina
de vossa mão e o poder do vosso braço”, con-
forme expressa o texto deste domingo. Ainda
mais, é a partir desse lugar que “todos os po-
vos da terra conhecerão o vosso nome, vos
temerão como o vosso povo de Israel e sabe-
rão que o vosso nome é invocado sobre esta
casa que edifiquei”.
Sabe-se que a construção do templo e a
centralização do culto em Jerusalém tiveram
por objetivo legitimar o poder monárquico e,
mais tarde, o sistema sacerdotal de pureza
que excluiu a maioria das pessoas da perten-
ça ao povo eleito. No entanto, a teologia do
texto indica uma abertura universal. A expe-
riência religiosa de Israel não pode ser exclu-
sivista. Deve irradiá-la a todos os povos. O
168 págs.

Deus da vida pode ser conhecido e invocado


por judeus e estrangeiros. Afinal, todos são

Imagens meramente ilustrativas.


seus filhos e filhas. A beleza como
experiência de Deus
Otávio Ferreira Antunes
2. Evangelho (Lc 7,1-10):
O objetivo desta obra é mostrar que a
  Jesus e a fé de um estrangeiro arte como comunicação das experiências
mais profundas do ser é, mais do que
Deus encarnou-se em Jesus de Nazaré. mero instrumento secundário, a própria
Fez sua morada no meio da humanidade. contemplação do mistério. Como a
eclesiologia se volta para a patrística e
Solidarizou-se com as vítimas do sistema re- para a teologia bíblica, a arte sacra como
ligioso de pureza organizado pela casta sacer- expressão da comunidade de fé se volta
para a arte dos primeiros séculos, trazendo
dotal do templo de Jerusalém. Em vez de para hoje a beleza da mensagem divina.
promover a abertura universalista segundo a
vocação que Deus dera a Israel, a elite religio-
sa fechou-se em suas concepções de pureza e
Vendas: (11) 3789-4000
impureza, mantendo o povo sob o jugo de 0800-164011
um emaranhado de leis. SAC: (11) 3789-4119
nº- 290

A prática de Jesus, porém, não correspon-


V i s i te n os s a l oj a V i rtu aL
de à doutrina disseminada pelos doutores da

paulus.com.br
ano 54

lei. Enquanto estes consideram os pobres e


estrangeiros como impuros e excluídos do

povo santo de Deus, Jesus promove a vida


Vida Pastoral

sem exclusão, como se constata no relato

49
Roteiros Homiléticos

evangélico deste domingo. Um centurião ro- alimentam-se essencialmente da Palavra.


mano dirige-se a Jesus, cheio de confiança, “Dize somente uma palavra e meu servo será
para fazer-lhe um pedido a favor de um servo. curado”. As comunidades de fé e de amor são
Os centuriões normalmente não eram bem o novo templo, o lugar da presença liberta-
vistos pelos judeus. Representavam a opres- dora de Jesus. Nelas não pode haver discri-
são que o império romano exercia sobre o minação de pessoas. Judeus e estrangeiros
povo. Aquele centurião, porém, sabia manter são igualmente portadores da boa notícia da
boas relações com a população de Cafarnaum vida em plenitude. É missão dos cristãos di-
e manifestava simpatia pela própria religião fundir o evangelho pelo mundo afora. Lucas
judaica. Não só construiu uma sinagoga, mas vai dedicar o livro de Atos dos Apóstolos
interessou-se pelo que diziam de Jesus. para mostrar a trajetória da Palavra, “de Jeru-
Este centurião, segundo o Evangelho de salém aos confins do mundo” (At 1,8). A Pa-
Lucas, não vai pessoalmente ao encontro de lavra que liberta não tem fronteiras. Não é
Jesus. Envia anciãos judeus para fazer-lhe um um sistema religioso, nem os laços de sangue
pedido. Na versão de Marcos (8,5-13) é o que determinam a pertença ao Reino de Deus
próprio centurião que se dirige a Jesus. Te- e sim a prática da justiça, como vai expressar
mos a impressão de que Lucas enfatiza a o apóstolo Pedro na casa de outro centurião,
consciência de “indignidade” manifestada chamado Cornélio: “De fato, estou compreen-
pelo centurião diante da grandeza do nome dendo que Deus não faz discriminação entre
de Jesus que ele ouvira falar. as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o
O centurião representa aqui o povo gen- teme e pratica a justiça, qualquer que seja a
tio. A mediação dos anciãos judeus resgata a nação a que pertença” (At 10,34-35).
vocação de Israel de promover a inclusão tam-
bém dos estrangeiros na graça libertadora de
3. II leitura (Gl 1,1-2.6-10):
Deus. A missão de Jesus não se restringe ao
  Não há dois evangelhos
povo de Israel. Ele veio para todos. Tem o co-
ração aberto para acolher e valorizar o teste- Paulo, após seu encontro com Jesus res-
munho de amor, de humildade, de respeito e suscitado, entregou-se por inteiro à missão
de fé dado por um estrangeiro. Testemunho de evangelizar os povos. Entre os diversos
de amor porque o centurião manifesta cuida- problemas pelos quais ele passou está o con-
do pela vida de um servo; de humildade por- flito com os chamados “judaizantes” que pre-
que se sente indigno de achegar-se a Jesus; de gavam a necessidade da circuncisão e do
respeito porque sabe que um judeu ficaria im- cumprimento de outras leis judaicas para os
puro se entrasse na casa de um pagão; e final- cristãos provindos do paganismo. Muitos se
mente o testemunho de fé porque, a partir de deixavam influenciar por esses judaizantes. A
sua própria experiência de obedecer e de dar autoridade de Paulo, como apóstolo e funda-
ordens, reconhece o poder das palavras. Pelo dor daquelas comunidades cristãs, estava
que ele ouviu falar de Jesus, tem certeza da sendo desprestigiada. Ao ser informado des-
eficácia de suas palavras. Jesus impressiona-se sas coisas, Paulo fica muito indignado. A in-
nº- 290

com a atitude daquele centurião. Volta-se para dignação é manifestada até mesmo no modo
o povo e declara: “Em verdade vos digo: nem como escreve a carta: não começa com a cos-

ano 54

mesmo em Israel encontrei tamanha fé”. tumeira ação de graças nem termina com a
O texto enfatiza a importância da Palavra bênção. Ele escreve num tom de muita firme-

de Jesus. As comunidades cristãs, organiza- za, gravidade e convicção. Já de início esclare-


Vida Pastoral

das após a morte e a ressurreição de Jesus, ce que seu apostolado não é por uma decisão

50
humana, mas “por Jesus Cristo e por Deus movimentos proféticos e sapienciais, o seu
Pai que o ressuscitou dos mortos”. Portanto, plano de salvação universal. Enviou o seu Fi-
a carta aos Gálatas se reveste de uma profun- lho, Jesus Cristo, cuja proposta de Reino de
da seriedade. Caracteriza-se como uma forte Deus visa a inclusão de todos na vida em ple-
advertência com a intenção de fazer que nitude. O episódio do evangelho deste
aquelas comunidades cristãs retomem o ca- domingo – Jesus e o centurião romano – ca-
minho do único evangelho. racteriza-se como um apelo a todos os discí-
A que evangelho Paulo se refere? No pulos de Jesus, no sentido de abrir-se ao
conjunto da carta constata-se que se refere “outro”, acolhendo e valorizando sua fé.
ao “evangelho da liberdade” que se baseia na Outro dado importante é a autoridade da Pa-
certeza de que a salvação é obra gratuita de lavra de Jesus: o que ele diz acontece. A Pala-
Deus por Jesus Cristo. Não tem mais senti- vra de Deus é viva e eficaz! Jesus rompe com
do a obrigatoriedade da circuncisão nem do as barreiras impostas pelo sistema do templo,
legalismo. Não têm mais sentido as barreiras supera o legalismo, ensina com autoridade e
entre povos. Agora todos fazem parte do oferece seu amor e salvação a todos.
corpo de Cristo: “Não há mais diferença A salvação gratuita de Deus a todos os po-
entre judeu e grego, entre pessoa escrava e vos – ofertada através da vida, morte e ressur-
livre, entre homem e mulher, pois todos reição de Jesus –, foi assumida pelo apóstolo
vocês são um só em Jesus Cristo” (3,28). Paulo como “único evangelho”. O seu teste-
Cristo uniu a todos numa única família e munho de total entrega por essa causa de in-
concedeu a todos a verdadeira liberdade: “É clusão de todos os povos no plano de salvação
para sermos livres que Cristo nos libertou. de Deus ilumina e fortalece a nossa missão
Portanto, fiquem firmes e não se submetam hoje como discípulos missionários de Jesus.
de novo ao jugo da escravidão” (5,1).
Para Paulo é fundamental compreender e ►  ode-se ligar a Palavra de Deus da liturgia
P
assumir esse evangelho, que torna as pessoas deste domingo com a primeira urgência
maduras, convictas, responsáveis e não mais da ação evangelizadora da Igreja no Bra-
dependentes de normas externas. É uma vida sil: Igreja em estado permanente de missão
pautada segundo o Espírito de Deus. Não há (cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangeliza-
outro evangelho. Caso contrário coloca-se a dora da Igreja no Brasil, 2011-2015).
perder o significado da vida, da morte e da
ressurreição de Jesus Cristo. 10º- DOMINGO DO TEMPO COMUM
9 de junho

III. Pistas para reflexão


Palavras e gestos
Deus revelou-se na história do povo de
Israel como aquele que liberta os oprimidos
de todo tipo de escravidão. A aliança que fez
que ressuscitam
nº- 290

com o seu povo visou abranger toda a huma-


nidade. A vocação de Israel é irradiar o nome I. Introdução geral

ano 54

do Deus da vida e da libertação para todos os


povos. Apesar das tentativas de centralização Deus se dá a conhecer como aquele que

e de exclusividade da eleição do povo de Is- caminha com seu povo e o liberta de toda opres-
Vida Pastoral

rael, Deus sempre manifestou, através dos são. Demonstra sua ternura e misericórdia

51
Roteiros Homiléticos

especialmente às pessoas que se encontram Suas ações, de forma predominante, são


em situação de sofrimento. Escolhe e envia desdobramento do compromisso com a solu-
os profetas que, inseridos no lugar social dos ção dos problemas que afetam o cotidiano
excluídos, abrem caminhos novos, suscitan- das pessoas necessitadas. A necessidade é o
do-lhes esperança e vida. O profeta é o porta- critério-chave que faz o profeta aproximar-se
dor da Palavra de Deus, capaz de transformar e pôr-se a serviço de quem precisa de ajuda.
radicalmente a realidade pessoal e social (I Essas pessoas são vítimas de um sistema mo-
leitura). Deus envia o seu próprio Filho, que, nárquico que produz alto índice de exclusão
junto às pessoas marginalizadas e exauridas, social. O desenvolvimento econômico se dá
lhes devolve a vida e a garantia de um futuro com a exploração do povo. O fortalecimento
feliz. Sua prática revela o caminho alternati- político do Estado privilegia um grupo que
vo para uma sociedade justa (evangelho). Je- concentra poder e dinheiro. A expropriação
sus escolhe e envia discípulos missionários, dos bens (cf. 1Rs 21) e o abuso da mão de
como Paulo, para anunciar a Palavra que li- obra dos pequenos causam empobrecimen-
berta e salva a todos os povos. É a proposta to, miséria, fome e morte.
de vida plena, revelada por Jesus (II leitura). A viúva de Sarepta e seu filho sintetizam
Os discípulos e discípulas de Jesus, hoje, es- a situação da maioria do povo, cujo futuro
tão convidados a acolher a Palavra de Deus permanece fechado. As viúvas, os órfãos e os
como boa notícia e torná-la boa realidade por estrangeiros (Sarepta não faz parte do territó-
meio de gestos concretos de compaixão e so- rio de Israel) representam, na Bíblia, as cate-
lidariedade. gorias de necessitados. Deus não os quer
abandonados nem quer a morte de ninguém.
Elias põe-se a serviço de Deus, acolhe o cla-
II. Comentário dos mor das pessoas que sofrem, vai ao seu en-
textos bíblicos contro para defender e promover o direito à
vida digna.
O profeta se hospeda na casa da viúva
1. I leitura (1Rs 17,17-24):
pobre e estrangeira: a profecia é acolhida pe-
  A profecia vence a morte
las pessoas empobrecidas, e elas se tornam o
A missão profética de Elias revela-se lugar teológico-social onde são gestados no-
como fundamento de todo o movimento vos caminhos. Essa gente marginalizada é ca-
profético ao longo da Bíblia. Ele é conside- paz de solidariedade e partilha. A proximida-
rado o pai dos profetas. Sua prática serve, de com as pessoas sofredoras, o anúncio da
ademais, de inspiração para a prática liber- Palavra que liberta, a oração confiante ao
tadora de Jesus. Deus da vida, a insistência em passar a
A atuação do profeta Elias se dá no Rei- energia profética ao que já se encontra em
no do Norte, durante o reinado de Acab e situação de morte são atitudes que revelam o
de Ocozias, entre os anos de 874 e 852 método de restauração, transformação e res-
a.C. Elias demonstra profundo zelo pela surreição. Na verdade, a profecia é a manifes-
nº- 290

vontade de Iahweh, de quem se põe total- tação da presença e da misericórdia de Deus,


mente a serviço, conforme ele mesmo de- que age por meio do amor afetivo e efetivo. É

ano 54

clara no início de sua missão: “Pela vida de boa notícia para os pobres. É o projeto de
Iahweh, a quem sirvo...” (1Rs 17,1). Faz Deus sendo acolhido a partir da casa. Consti-

jus, assim, ao significado de seu nome: tui-se em fidelidade à aliança sagrada. Os pro-
Vida Pastoral

“Meu Deus é Iahweh”. tagonistas são as próprias pessoas excluídas

52
do sistema oficial. Nelas reside a força e a be-se, aqui também, como na narrativa de
criatividade divinas, capazes de mudanças Elias, alguns verbos-chave reveladores da
radicais. A palavra profética infunde nelas metodologia que proporciona a transforma-
essa consciência. ção de uma realidade de morte.
As pessoas que testemunham o fato glori-
ficam a Deus, reconhecem Jesus como profe-
2. Evangelho (Lc 7,11-17):
ta e exclamam: “Deus visitou o seu povo”. É
  Jesus liberta das garras da morte
o eco do cântico de Zacarias, que bendiz a
O relato do episódio da ressurreição do Deus “porque visitou e redimiu o seu povo e
filho da viúva de Naim encontra-se somente suscitou-nos uma força de salvação” (1,68s).
no Evangelho de Lucas. Tem estreita ligação Não é por acaso que Lucas situa o féretro vin-
com o episódio de Elias: ambos tratam da do da cidade, lugar onde o poder se articula
morte do filho único, cuja mãe é viúva. Os e se organiza. É como um seio que, ao invés
filhos únicos representam a garantia de fu- de gerar a vida, provoca a morte. Jesus, força
turo para as famílias. A situação de morte de salvação, vem com outro projeto que faz
não pode deixar acomodadas as pessoas que parar essa procissão de gente sem vitalidade.
servem a Deus. Junto com a vida, também restitui ao jovem a
Nos evangelhos, os sinais de cura e liber- palavra. O povo, assim, é chamado a resgatar
tação, em sua maior parte, são realizados por o direito à palavra e à vida e tornar-se prota-
Jesus em atendimento à súplica dos necessi- gonista de uma nova sociedade.
tados. No caso da viúva de Naim, porém, é
Jesus mesmo que toma a iniciativa de ir ao
3. II leitura (Gl 1,11-19):
seu encontro. “Seus discípulos e numerosa
  A graça da conversão
multidão caminhavam com ele.”
Naim é uma cidade amuralhada. Do seu Na Carta aos Gálatas, Paulo aprofunda,
interior para a porta vem uma procissão, especialmente, o evangelho da liberdade:
acompanhando o enterro do filho único de “Foi para sermos livres que Cristo nos liber-
uma viúva. “Grande multidão da cidade esta- tou” (Gl 5,1). A primeira dimensão dessa
va com ela.” Duas procissões em sentido con- liberdade se verifica na própria pessoa. Nesse
trário encontram-se na “porta da cidade”. Je- sentido, Paulo dá o seu próprio testemunho.
sus vê a situação em que se encontra aquela Quando arraigado no judaísmo, era ferre-
mãe e fica comovido, isto é, “ele é movido em nho perseguidor das comunidades cristãs
suas entranhas”, conforme o verbo grego com o intuito de destruí-las. Como judeu,
(splanchnizomai). É o mesmo sentimento de seguia zelosamente as tradições de Israel.
amor e compaixão que leva o samaritano a Conhecia muito bem as leis e se esforçava
socorrer a pessoa espancada e abandonada à por praticá-las, pois aprendera que a salva-
beira do caminho (10,33); é também o mes- ção de Deus seria concedida por meio da
mo sentimento que leva o pai do filho pródi- observância legalista.
go a ir correndo ao seu encontro, acolhê-lo Com a conversão, porém, muda radical-
nº- 290

nos braços e beijá-lo (15,20). mente a sua visão teológica. Adquire a cons-
Jesus, movido pela compaixão, dirige-se ciência de que Deus o escolheu desde o seio

ano 54

à mulher com palavras de consolação e espe- materno e o chamou por sua graça. Em seu
rança: “Não chores”. Não são palavras de me- itinerário pessoal, sempre com maior clareza

ras condolências. Ele se aproxima, toca no e profundidade, percebe que a salvação


Vida Pastoral

esquife e pede que o jovem se levante. Perce- oferecida por Deus se fundamenta na total

53
Roteiros Homiléticos

gratuidade. A sua experiência pessoal o com- boa notícia aos pobres, proclamar a liberdade
prova: ele foi agraciado por Deus quando aos presos, recuperar a vista aos cegos e liber-
ainda era pecador e confiava nas seguranças tar as pessoas oprimidas (cf. Lc 4,18s). Tanto
humanas. Com essa nova compreensão, Pau- o profeta Elias como Jesus de Nazaré revelam
lo se desvencilha de seu apego à raça de Israel o caminho que deve ser seguido por todas as
e lança-se ao anúncio do evangelho da salva- pessoas que amam a Deus.
ção a todos os povos. Encontra, nessa mis- O desafio de uma sociedade justa e fra-
são, forte oposição, especialmente da parte terna permanece atual. Os discípulos missio-
de alguns pregadores judeu-cristãos. É o que nários do Senhor não podem acomodar-se. O
se depreende ao ler o texto imediatamente testemunho de Paulo nos alerta para a neces-
anterior ao da liturgia de hoje (cf. Gl 1,6-10). sidade do desapego das seguranças baseadas
Esses pregadores, também conhecidos no poder, normalmente legitimado por siste-
como “judaizantes”, procuravam convencer mas religiosos. A liberdade em Cristo nos
os gentio-cristãos a aderir a certas normas leva a acolher a graça da salvação que ele nos
judaicas, especialmente à circuncisão. Cer- trouxe e, por isso mesmo, a amar gratuita-
tamente diziam que o evangelho pregado mente os irmãos. “O povo pobre das perife-
por Paulo não era verdadeiro. Vários cristãos rias urbanas ou do campo necessitam sentir a
deixam-se influenciar por tais pregadores. proximidade da Igreja, seja no socorro de
Paulo põe-se veementemente contra a dou- suas necessidades mais urgentes, como tam-
trina desses missionários e alerta as comuni- bém na defesa de seus direitos e na promoção
dades da Galácia para não se deixarem en- comum de uma sociedade fundamentada na
ganar (cf. Gl 1,6-10). justiça e na paz. Os pobres são os destinatá-
Ao enfatizar o seu próprio testemunho de rios privilegiados do evangelho” (DAp 550).
conversão, Paulo quer reafirmar a ação da
graça de Deus, revelada em Jesus Cristo. A ►  ode-se fazer a memória dos profetas e
P
salvação por ele trazida estende-se a todos os profetisas de nossos tempos. Pode-se tam-
povos sem discriminação. Este é o evangelho bém levantar as situações de morte que
da liberdade a que todos podem ter acesso nos desafiam hoje e valorizar as diversas
pela fé. É dom de Deus! ações que estão sendo desenvolvidas em
favor da vida, estimulando a participação e
a criatividade para novas iniciativas.
III. Pistas para reflexão
11º- DOMINGO DO TEMPO COMUM
Deus, desde a criação do mundo, estabe-
16 de junho
leceu um plano de amor e salvação para toda
a humanidade. Firmou uma aliança com o
seu povo, protegendo-o e amando-o com fi- O perdão dos
delidade. O egoísmo humano, porém, que-
bra a aliança sagrada e organiza sistemas que pecados: vida nova
nº- 290

excluem e matam. Deus, no entanto, não


abandona o seu povo. Chama pessoas, como

ano 54

o profeta Elias, capazes de ouvir o grito dos I. Introdução geral


necessitados e comprometer-se com sua li-

bertação. Deus envia o seu próprio Filho, Je- Os textos deste domingo tratam do tema
Vida Pastoral

sus, que assume o programa de anunciar a do perdão dos pecados. A compreensão a

54
respeito desse assunto vai se aperfeiçoando porém, Davi esquece-se de servir a Deus e
ao longo da tradição judaico-cristã. Deus se abnegar-se em favor do povo. Enquanto seus
revela como misericórdia. Ele perdoa ao pe- soldados estão em batalha, Davi permanece
cador arrependido por maior que possa ser tranquilamente em seu palácio, usufruindo
o pecado por este cometido. O reconheci- de uma vida mansa e descomprometida. Dei-
mento da transgressão à lei divina e o arre- xa-se conduzir pela luxúria e comete a pri-
pendimento sincero demonstram a determi- meira violação grave: adultério com Betsa-
nação de deixar-se conduzir pela vontade de beia, a mulher de Urias, general de seu exér-
Deus, manifestada nas palavras do profeta. cito. Ao constatar que ela engravidara, o rei
É o que podemos constatar na atitude do deixa-se conduzir pelo orgulho e comete a
rei Davi perante a denúncia do profeta Natã segunda violação grave: assassinato. Manda
(I leitura). Jesus exerce o poder de perdoar que posicionem Urias no lugar mais perigoso
pecados, mesmo contestado pelos adversá- numa guerra contra os amonitas, a fim de
rios. Ele é o rosto misericordioso de Deus que fosse ferido e morresse. O desrespeito a
presente no meio da humanidade pecadora. esses dois mandamentos da Lei de Deus lhe
O perdão de Jesus revela que sua prioridade valeria a morte (cf. Lv 20,10 e 24,17).
é a pessoa humana, chamada a ser livre e Davi parece não dar-se conta da gravida-
íntegra (evangelho). O perdão é a manifes- de de seus pecados. O poder obscureceu a
tação da justiça de Deus baseada não nos sua consciência. Deus, porém, que perscruta
méritos humanos, mas na grandeza de seu os corações, envia o profeta Natã, que, ao
amor. Todos somos pecadores e necessita- apresentar-se ao rei, lhe conta uma história
dos da intervenção divina para nos salvar. de dois homens: um rico que retira de um
Jesus Cristo, pela sua morte, redimiu-nos pobre o único bem que este possuía (cf. 2Sm
dos pecados e nos resgatou para a vida. Pela 12,1-4). Davi, na sua pretensão de justo,
fé acolhemos essa graça e nos deixamos mostra-se indignado contra tal explorador.
Natã, então, aponta o culpado: “Esse homem
moldar por Jesus Cristo (II leitura). O per-
és tu!” Lembra-lhe toda a trajetória da sua
dão que Deus nos concede gratuitamente
vida e como Deus lhe manifestou o seu amor.
nos torna capazes de amar como ele nos
Os pecados de Davi não consistiram numa
ama, superando todo egoísmo e construindo
traição somente a Urias, mas a todo o povo
relações justas e fraternas.
de Israel e ao próprio Deus.
A intervenção do profeta Natã acorda a
consciência adormecida de Davi, que reco-
II. Comentário dos textos nhece seu pecado e se arrepende com since-
bíblicos ridade. Deus lhe perdoa e o livra da morte.
Porém não o livra das consequências prove-
nientes de suas faltas. A responsabilidade
1. I leitura (2Sm 12,7-10.13):
dos atos deve ser assumida. O perdão, de
  Deus perdoa ao pecador
todo modo, proporciona a nova oportuni-
nº- 290

 arrependido
dade de entrar na dinâmica do amor de
Davi foi ungido para governar o povo de Deus. Davi pode voltar a governar com jus-

ano 54

Israel. Deus o abençoou e o defendeu das ar- tiça, respeitando a Lei de Deus e o direito de
madilhas dos inimigos. Como escolhido de todas as pessoas à vida digna. O perdão re-

Iahweh, deveria agir exemplarmente e seguir conduz a pessoa arrependida ao caminho da


Vida Pastoral

os mandamentos. No ápice de seu poder, vontade divina.

55
Roteiros Homiléticos

2. Evangelho (Lc 7,36-8,3): Jesus, beija-os e enxuga-os com os cabelos.


  Jesus, o rosto misericordioso Os detalhes da ação da mulher revelam pro-
  de Deus fundo sentimento de amor e gratidão. Simão,
diante do que está vendo, não ousa criticar
O Evangelho de Lucas aprofunda, de ma-
abertamente a atitude de Jesus, mas em seu
neira especial, o tema da misericórdia. É o coração põe em dúvida a sua qualidade de
caminho que proporciona a inclusão de to- profeta, pois está acolhendo uma pecadora.
das as pessoas na proposta de amor e salva- A parábola que Jesus conta tem por fina-
ção revelada em Jesus. A casa de Simão, o lidade desmascarar a atitude de superiorida-
fariseu, serve de cenário para a mensagem a de e arrogância da parte dos que se conside-
ser assimilada e jamais esquecida pelas co- ravam justos diante de Deus. Tem endereço
munidades cristãs. O fariseu convida Jesus certo. A concepção farisaica de justiça divi-
para comer com ele, em sua casa. Casa e co- na relacionava-se com o cumprimento das
mida são dois elementos que apontam para o leis. O perdão dos pecados e a salvação esta-
projeto de “comunhão de mesa”. As comuni- riam condicionados pela observância lega-
dades primitivas reuniam-se nas casas para lista. Essa segurança que o sistema religioso
atualizar a memória de Jesus, a oração, a par- lhe dava impedia o fariseu de entender e
tilha da comida e a ceia. acolher a gratuidade do perdão e da salva-
Sentar-se à mesma mesa representava a ção. Somente quem deve muito, isto é,
determinação de relacionar-se na igualdade e quem tem consciência profunda de seus pe-
na fraternidade, sem discriminação de raça, cados conseguirá fazer a experiência do
sexo ou classe social, expressando as mesmas amor sem limites de Deus.
convicções religiosas. Esse projeto, porém, A mulher pecadora irrompe, sem pedir
não foi tão tranquilo. A dificuldade maior se permissão, naquele ambiente fechado e ex-
deu na relação entre cristãos de origem ju- cludente. Sua atitude faz abrir os olhos para
daica e cristãos gentios. Além disso, na época enxergar a presença de Jesus, o Filho de
da redação do Evangelho de Lucas, percebe- Deus, que vem trazer o perdão e a paz sem
-se forte tendência de discriminar as mulhe- atrelamento ao sistema legalista do Templo.
res, abafando o seu protagonismo na anima- Na pessoa e na proposta de Jesus, a mulher se
ção das comunidades cristãs. sente contemplada. É acolhida como sua dis-
O fato de Jesus aceitar o convite do fari- cípula; pode comungar da mesma mesa da
seu demonstra que o mestre não faz acepção Palavra e do Pão; pode fazer parte da mesma
de pessoas. Sente-se livre em qualquer am- Igreja, o Corpo de Jesus.
biente. É portador do amor de Deus que se Não é difícil perceber que a narrativa
estende a todos, sem discriminação. Na mesa tem uma função de denúncia da exclusão de
há outros convivas. Entre eles dificilmente mulheres que, com muita probabilidade,
estariam também mulheres. Decerto seriam está em processo na época da redação do
os amigos de Simão, pertencentes ao mesmo evangelho, pelo final do primeiro século. O
partido farisaico. Estariam, quem sabe, tam- texto exerce também a função de atualiza-
nº- 290

bém os apóstolos? ção da proposta de Jesus, que inclui no seu


A narrativa apresenta uma mulher que seguimento tanto os homens – os Doze –

ano 54

aparece de repente e se coloca aos pés de Je- como as mulheres: Maria Madalena, Joana,
sus. Ela é da cidade, sem nome e conhecida Susana e várias outras. Diz delas o que não

como pecadora. Trouxe um frasco de perfu- diz dos Doze: serviam a Jesus com seus bens
Vida Pastoral

me precioso e, entre lágrimas, unge os pés de (cf. 8,1-3).

56
3. II leitura (Gl 2,16.19-21):
  A vida nova em Cristo
O dízimo
Paulo, com base em sua experiência pes-
soal, procura anunciar uma de suas desco-
sem mistérios
bertas mais profundas: a salvação não provém nas páginas dos
da observância da Lei, mas do amor gratuito nossos livros
de Deus. Ele sabe o que diz: foi fariseu prati-
cante e, agora, após ser encontrado por Jesus,
percebe as coisas de forma totalmente dife-
rente. A cruz de Jesus, para Paulo, é a chave
por excelência que permite abrir a mente e o
coração para a verdadeira compreensão do

120 págs.
desígnio divino. Está plenamente convenci-
do de que as obras humanas, a circuncisão e As sete chaves do dízimo
o cumprimento das leis não garantem a salva- Segredo a ser descoberto
ção. Se assim fosse, Jesus Cristo teria morrido Pe. Jerônimo Gasques
inutilmente. Se ainda depositamos nossa O dízimo é um caminho que se aprende
fazendo a experiência em conjunto, nem
confiança no poder dos ritos e normas como

Imagens meramente ilustrativas.


sempre fácil, pelos obstáculos que surgem e
condicionantes de salvação, então não preci- pela dificuldade de reflexão e entendimento.
Ele remete a portas que podem ser abertas
samos de Jesus Cristo. quando se confia na verdadeira Palavra de
Mas não! Jesus veio e nos amou de tal ma- Deus, que jamais falha.

neira que entregou sua vida por nós. Portanto,


na cruz de Jesus, encontra-se o segredo da jus-
tificação. Somos todos pecadores! Na cruz de
Jesus podemos morrer também nós para tudo
o que impede o acolhimento da gratuidade do
amor de Deus. Nessa entrega confiante pela fé
144 págs.

reside a verdadeira justiça que nos faz viver


como novas criaturas. A vida iluminada pela fé Dízimo e captação de recursos
Desafio às comunidades do século 21
no Filho de Deus, que morreu por nós, torna-
-nos verdadeiramente livres. Pe. Jerônimo Gasques
Como evangelizar com o dízimo e somente
nele confiar? Podemos contar somente com
esse recurso? O autor, neste livro, reflete
sobre essa possibilidade e acredita que
III. Pistas para reflexão é possível um dízimo rendoso e cheio de
testemunhos de comunhão e partilha.

O tempo em que vivemos prima pela su-


Vendas: (11) 3789-4000
perficialidade das relações entre nós e com
0800-164011
Deus. Paramos e meditamos muito pouco. SAC: (11) 3789-4119
nº- 290

Damos pouca atenção à Palavra de Deus. Re-


V i s i te n os s a l oj a V i rtu aL
zamos apressadamente. Priorizamos celebra-

paulus.com.br
ano 54

ções triunfalistas. Vivemos dispersos e não


encontramos o essencial.

São Paulo descobriu que somente Deus


Vida Pastoral

nos realiza profundamente. Somente sua

57
Roteiros Homiléticos

graça nos transforma. Ela nos foi dada plena- caminho do Reino de Deus. Junto às pessoas
mente na morte de Jesus. A cruz tornou-se a excluídas, manifestou-lhes o poder de Deus
chave para entendermos o amor infinito de que liberta, cura, perdoa, sacia... Jesus conta
Deus. Nele podemos apostar com toda a con- com os seus seguidores. Envia-os em missão
fiança, entregando-lhe a nossa vida inteira. para continuarem a sua obra. A compreen-
Jesus é nosso mestre. A seus pés nos lança- são a respeito de Jesus dá-se, porém, grada-
mos com tudo o que somos e temos, como tivamente. Predomina nos discípulos a ideia
fez a mulher pecadora na casa do fariseu. triunfalista de Messias. Precisam ainda to-
Como seus discípulos missionários, assumi- mar consciência do verdadeiro significado
mos sua cruz como caminho de vida nova. do seguimento de Jesus. Não basta crer que
A misericórdia divina, se permitirmos, ele é o Messias. Jesus assume o caminho da
pode penetrar o mais profundo do nosso ser cruz, e não a postura triunfalista; solidariza-
e nos transformar em criaturas novas. Se, no -se com a dor da humanidade que anseia
passado, cometemos muitas e graves faltas, por libertação (evangelho). Na história de
podemos, no presente, acolher o perdão de Israel, o sofrimento foi sendo entendido
Deus e entrar numa nova dinâmica de vida. como processo de purificação do pecado e
O rei Davi é um exemplo nesse sentido. Ne- de encontro com o verdadeiro Deus que
cessitamos radicalmente do perdão que nos ouve a súplica do povo em crise (I leitura).
liberta e nos devolve a integridade. Uma pes- Como filhos e filhas de Deus, somos chama-
soa reconciliada com Deus sente-se inteira e dos à autêntica liberdade, deixando-nos
feliz. Sente-se fortalecida para irradiar esse guiar pelo seu Espírito. Restabelece-se a dig-
amor, exercitando o perdão sincero e profun- nidade e a igualdade entre todos, superando
do a partir de si mesma e de sua casa. as barreiras de raça, gênero e classe social (II
leitura). São importantes indicações para to-
►  ode-se incentivar os gestos de perdão e re-
P das as pessoas de boa vontade que desejam
conciliação entre o casal, pais e filhos, vizi- viver uma vida nova, com renovado entu-
nhos, Igrejas, religiões, povos. Pode-se tam- siasmo e realismo histórico.
bém valorizar o sacramento da penitência e
da reconciliação e oferecer momentos cele-
brativos especiais para a sua administração.
II. Comentário dos textos

12º- DOMINGO DO TEMPO COMUM 1. I leitura (Zc 12,10-11; 13,1):
23 de junho   Deus ouve a súplica do povo

Jesus: fé e Os estudiosos distinguem, no livro de


Zacarias, dois blocos distintos: o primeiro

seguimento (Zc 1-8) teria sido escrito ao redor do ano 520


a.C., duas décadas após o exílio da Babilônia.
Nesse bloco, os autores apontam os pecados
nº- 290

do povo como causadores do exílio. Deus,


I. Introdução geral porém, concede o perdão e defende os inte-

ano 54

resses dos repatriados. Jerusalém e o Templo


O Filho de Deus se fez um de nós. Reve- (que está sendo reconstruído) são projetados

lou o rosto misericordioso do Pai. Formou uma como fonte de bênçãos e de um futuro mes-
Vida Pastoral

comunidade de discípulos. Ensinou-lhes o siânico de paz e de alegria para o povo.

58
O segundo bloco (Zc 9-14), escrito em de monarca, da linhagem de Davi, capaz de
torno do final do século IV a.C. e, portanto, libertar o povo da dominação romana.
mais recente do que o primeiro, apresenta Portanto, se essa era a mentalidade domi-
um conteúdo centrado no messianismo. Je- nante a respeito do Messias, ela deveria cau-
rusalém – a casa de Davi – é considerada sar grandes problemas para os políticos da
como centro do mundo; é o lugar onde época. De fato, vários líderes messiânicos fo-
Deus mostra sua ternura e proteção ao povo ram simplesmente exterminados antes de Je-
“transpassado” pelo sofrimento, causado es- sus. Nenhuma das respostas dadas a Jesus
pecialmente pelas dominações externas e sobre o que as multidões diziam a seu respei-
por seus tentáculos internos. Desde a inva- to contempla a ideia de Messias. Lucas reser-
são babilônica em 587 a.C., quando a cida- va essa concepção para Pedro, o representan-
de e o templo de Jerusalém foram arrasados, te dos discípulos: “Tu és o Messias de Deus”.
muita gente foi morta e muitos foram expa- Imediatamente Jesus os proíbe severa-
triados de sua terra. A idolatria é reconheci- mente de espalhar essa afirmação para outras
da como a causa desses acontecimentos la- pessoas. Ele conhece os seus seguidores e
mentáveis. sabe que estão ainda fanatizados pela ideolo-
Deus mostra-se extremamente solícito gia dominante. Podem dar azo ao seu fanatis-
com o clamor do povo que chora e se la- mo e comprometer a missão de Jesus. Eles
menta, reconhecendo seus pecados. Deus sabem que Jesus é o Messias, mas ainda não
mesmo vai purificá-lo, enviando-lhe um compreendem que tipo de Messias é Jesus.
“espírito de graça e de súplica” para que to- Segundo Lucas, Jesus vai dedicar uma
dos voltem o olhar para ele. Espírito de gra- caminhada inteira (novo êxodo), da Galileia
ça porque Deus será reconhecido como a Jerusalém, ao empenho especial de educar
aquele que ama na gratuidade, apesar das os discípulos na verdadeira compreensão do
infidelidades do povo; espírito de súplica Messias. O início dessa caminhada se dá em
porque o povo, em situação de extrema ne- 9,51, quando Jesus “toma a firme decisão de
cessidade, se volta para Deus com fé e con- partir para Jerusalém”. Antes disso, ele faz
fiança, invocando sua ajuda e proteção. dois anúncios de sua paixão e morte. No
Jerusalém, com a vida nova adquirida primeiro, logo após a declaração teórica,
por intervenção divina, transforma-se em por parte dos discípulos, de que ele é o Mes-
fonte irradiadora de purificação e bênção. sias: “É necessário que o Filho do homem
Podemos aqui lembrar a leitura que a comu- sofra muito, seja rejeitado pelos anciãos, pe-
nidade joanina vai fazer a respeito de Jesus, los chefes dos sacerdotes e escribas, seja
morto em Jerusalém, o “transpassado” para o morto e ressuscite ao terceiro dia” (9,22).
qual todos voltarão seus olhos (Jo 19,37). O No segundo anúncio (9,44-45), Jesus pre-
Messias assassinado na cruz torna-se a fonte para os discípulos para o destino do Mes-
de todas as bênçãos para a humanidade. sias, alertando-os: “Abram bem os ouvidos...
O Filho do homem será entregue às mãos
dos homens”. O terceiro anúncio (18,31-
nº- 290

2. Evangelho (Lc 9,18-24):


34) Jesus o fará em plena caminhada, próxi-
  que tipo de Messias é Jesus?
mo a Jerusalém: “De fato, ele será entregue

ano 54

A compreensão do messianismo de Jesus aos gentios, escarnecido, ultrajado, coberto


por parte de seus discípulos foi acontecendo de escarros, depois de açoitá-lo, eles o mata-

lentamente. Imersos na ideologia religiosa do rão...”. Apesar da tríplice insistência, os dis-


Vida Pastoral

Templo, esperavam um Messias com poder cípulos “não entenderam nada”.

59
Roteiros Homiléticos

A cruz e a morte estão intimamente liga- de Jesus, mergulhamos na sua própria vida.
das ao messianismo de Jesus. A concepção A Lei fazia distinção de pessoas e legitimava a
triunfalista cai por terra. “Se alguém quer vir exclusão de mulheres, pobres e estrangeiros.
após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua Agora nos tornamos uma unidade na diversi-
cruz cada dia e siga-me.” A escolha de Jesus é dade. Portanto, “não há mais diferença entre
o caminho do “servo sofredor”, inspirado no judeu e grego, entre escravo e livre, entre ho-
Segundo Isaías (Is 40-55). Decorre daí que o mem e mulher”. Ficam assim eliminadas as
seguimento de Jesus se concretiza por meio barreiras que nos separavam, seja de raça,
de rupturas e opções: rupturas com toda de gênero ou de classe social. Pertencendo,
forma de egoísmo e poder, com toda preocu- assim, a Cristo, somos herdeiros da promessa
pação de buscar o brilho próprio dos que do- que Deus fez a Abraão de uma descendência
minam; opções pelo serviço humilde e abne- numerosa e feliz.
gado em vista de uma sociedade de amor, de
justiça e de paz. De fato, Jesus não anuncia a
sua morte como fato definitivo. A ressurrei- III. Pistas para reflexão
ção é o destino dos que dão a vida pelo Rei-
no. O êxodo pelo qual Jesus tem de passar, Temos a graça de conhecer a Jesus por
incluindo a própria morte, vai possibilitar a meio do testemunho dos discípulos que o
entrada na terra da liberdade e da vida plena, conheceram pessoalmente e também das
onde já não haverá egoísmo nem dominação comunidades cristãs primitivas. Constata-
de nenhuma espécie. mos que o seguimento de Jesus se dá num
processo de compreensão gradativo. Assim
como aconteceu com os seus discípulos, to-
3. II leitura (Gl 3,26-29):
dos nós somos contaminados com falsas
  Revestidos de Cristo
ideologias que vão introduzindo pseudova-
Nesse texto, Paulo continua explicando lores, segundo os interesses dos que domi-
às comunidades cristãs a importância da fé nam a sociedade.
em Jesus Cristo como caminho de superação Desde o âmbito familiar, os pais tendem
de todo legalismo. A Lei funcionou como a educar os filhos para serem os melhores, os
“pedagogo” enquanto ainda estávamos num mais fortes, os mais espertos. Ao entrar na
estágio imaturo. Com seus preceitos e proibi- escola, a maior preocupação é vencer na vida,
ções, foi útil para nos ajudar a descobrir o entendendo isso como ter dinheiro, fama e
que pode nos levar à maldição e o que atrai a poder. Num mundo competitivo como o
bênção. O problema é que a lei nos tornou nosso, há pouco lugar para o serviço humilde
seus dependentes e até nos escravizou, a e para uma política que vise à inclusão de to-
ponto de condicionar a salvação ao cumpri- das as pessoas nas condições de uma vida
mento de inúmeras normas. digna. É grande ainda a discriminação entre
Com o advento de Jesus, é-nos dado o pessoas devido à sua condição social, à cor
tempo da maturidade. Então, podemos sair da pele ou ao sexo. Precisamos realizar um
nº- 290

da dependência da Lei e abraçar a autêntica “novo êxodo” rumo a uma terra sem males,
liberdade de filhos e filhas de Deus. Não se onde as diferenças sejam respeitadas e aco-

ano 54

pode voltar atrás, sob o risco de anular a gra- lhidas; onde as relações se fundamentem na
ça de Deus. dignidade intrínseca de cada ser humano;

Pela fé em Jesus Cristo nos tornamos se- onde a liberdade se concretize em ações a fa-
Vida Pastoral

melhantes a ele. Pelo batismo nos revestimos vor da vida sem exclusão.

60
Como filhos e filhas de Deus, podemos evangelho; a de Paulo, na segunda leitura.
desenvolver sempre melhor a potencialidade Mas a primeira leitura cria um espaço para
divina que está em nós; como mulheres e ho- falar dos dois: mostra que Deus está com
mens, podemos exercitar cotidianamente o seus enviados. Baseando-se na compreensão
serviço mútuo, dando-nos as mãos para popular dos dois santos, pode-se combinar,
construir o Reino de Deus. Jesus nos ensinou nesta celebração, a ideia da pessoa de refe-
o caminho da vida plena, caracterizado pelas rência para a unidade da Igreja, como foi
rupturas com o poder que domina e pelas Pedro, e a do incansável missionário, que foi
opções de profunda solidariedade com o Paulo. O lema que se pode repetir na prega-
povo transpassado pelo sofrimento. Somos ção é: “Missão a todos, na unidade”.
convidados a seguir a Jesus, o Messias. Lem-
bremos, porém, que em seu messianismo
não ambicionou fama e triunfalismo, mas es-
II. Comentário dos textos
colheu livremente ser fiel ao Pai, sendo servo
de todos até a morte. bíblicos

►  odem-se levantar algumas situações evi-


P 1. I leitura (At 12,1-11)
dentes de discriminação e de exclusão na
família e na sociedade. Ressaltar as atitu- A primeira leitura, tomada dos Atos dos
des de serviço humilde e anônimo de mui- Apóstolos, narra o episódio da prisão e liber-
tas pessoas normalmente esquecidas e des- tação de Pedro. Por volta de 43 d.C., o rei
valorizadas. Esclarecer quais as rupturas e judeu, Herodes Agripa I, vassalo dos roma-
as opções a serem feitas pelos seguidores e nos, mandou executar o apóstolo Tiago, filho
seguidoras de Jesus. de Zebedeu. Depois mandou aprisionar Pe-
dro. Mas o “anjo do Senhor” o libertou, como
libertou os israelitas do Egito. A comunidade
13º- DOMINGO DO T. C. / recorreu à arma da oração: é Deus quem age,
S. PEDRO E S. PAULO ele é o libertador. Assim, Pedro é libertado da
30 de junho prisão pelo anjo do Senhor. Esse feito confir-
Por Pe. Johan Konings, sj ma sua missão especial na Igreja, ressaltada

Missão a todos,
no evangelho. O significado desse episódio
pode ser estendido à vida de Paulo, que, con-

na unidade
forme At 16,16-40, viveu uma experiência
semelhante, além de muitas outras situações
de perigo e aperto (cf. 2Cor 11,16-33).

I. Introdução geral 2. Evangelho (Mt 16,13-19)


A festa que hoje celebramos é popular- O evangelho apresenta Pedro como a pe-
nº- 290

mente reconhecida como o dia do papa, su- dra ou rocha da Igreja. A situação é a seguin-
cessor de Pedro. Mas não podemos esquecer te: Jesus havia enviado os Doze em missão, e

ano 54

de que, ao lado de Pedro, é celebrado tam- eles tomaram conhecimento das reações do
bém Paulo, o apóstolo, o missionário por povo diante de Jesus, além do acontecido

excelência. A figura de Pedro é destacada com João Batista, decapitado por Herodes Agri-
Vida Pastoral

principalmente na primeira leitura e no pa. Quando os discípulos voltam da missão,

61
Roteiros Homiléticos

Jesus lhes pergunta quem o povo e quem eles Deus das quais ele é constituído “ministro”, e
mesmos dizem que ele é. Pedro responde pe- essa “nomeação” vai acompanhada de uma
los Doze e chama Jesus de Messias (em grego, promessa: as “portas” (cidade fortificada, rei-
Cristo: cf. Mc 8,29) e Filho de Deus (como no) do inferno não poderão nada contra a
diz Mt 16,16; cf. 14,33). Enquanto o relato Igreja. Esse ministério está a serviço do Reino
de Marcos (Mc 8,27-30) é mais simples, o de dos céus (maneira de Mateus dizer o Reino
Mateus mostra que Jesus reage à profissão de de Deus). Assim como as chaves das portas
fé feita por Pedro em nome dos Doze com da cidade são entregues a seu prefeito (cf. Is
três observações. Primeiro, reconhece nela 22,22), assim Pedro recebe o governo da co-
uma inspiração divina: “não foi um ser hu- munidade que instaura o Reino de Deus no
mano (literalmente, ‘carne e sangue’) que te mundo. Em Mt 18,18, autoridade semelhan-
revelou isso” (Mt 16,17). Além disso, muda o te é exercida pela comunidade, mas Pedro
nome de Simão, chamando-o, com um jogo tem uma responsabilidade específica, unifi-
de palavras, de Pedro, porque “sobre esta pe- cadora, que dá solidez à Igreja.
dra edificarei a minha Igreja, e o poder (lite-
ralmente, ‘as portas’) do inferno nunca pode-
3. II leitura (2Tm 4,6-8.17-18)
rá vencê-la” (Mt 16,18). Enfim, Jesus confia a
Pedro o serviço de governar a comunidade A segunda leitura evoca Paulo. Ele, que
(as “chaves” e o poder de ligar e desligar, ou sempre trabalhou com as próprias mãos, está
seja, obrigar e deixar livre, poder de decisão), agrilhoado; na defesa, ninguém o assistiu.
com ratificação divina (“será ligado/desligado Contudo, fala cheio de gratidão e esperança.
no céu”, Mt 16,19). “Guardou a fidelidade”: a sua e a dos fiéis.
Jesus dá a Simão o nome de Pedro, “Pe- Aguarda com confiança o encontro com o Se-
dra”, que sugere solidez: Simão deve ser a nhor. Ofereceu sua vida no amor, e o amor
“pedra” (rocha) que dará solidez à comunida- não tem fim (cf. 1Cor 13,8). Seu último ato
de de Jesus (cf. Lc 22,32). Isso não é um re- religioso é a oblação da própria vida (cf. Rm
conhecimento de suas qualidades naturais, 1,9; 12,1). Sua vida está nas mãos de Deus,
embora possamos supor que Simão deva ter que a arrebata da boca das feras.
sido um bom empresário de pesca! Pelo con- Sua vocação se deu por ocasião da apa-
trário, não se refere ao que Pedro foi, mas ao rição de Cristo no caminho de Damasco: de
que será. Trata-se de uma vocação que o perseguidor, Paulo se transformou em após-
transforma. Muitas vezes, na Bíblia, a imposi- tolo e realizou, mais do que os outros apósto-
ção de um novo nome significa que a pessoa los, a missão de ser testemunha de Cristo
recebe nova vocação e deverá transformar-se até os confins da terra (At 1,8). Apóstolo
para corresponder. Na Bíblia, ser “rocha” é, dos pagãos, tornou realidade a universalida-
antes de tudo, um atributo de Deus mesmo, de da Igreja, da qual Pedro é o guardião. A
o “Rochedo de Israel” (cf. Dt 32,4 etc.). Jesus, segunda leitura que hoje ouvimos é o resu-
com certeza, não quer colocar Pedro no lugar mo de sua vida de plena dedicação à evan-
do “Rochedo de Israel”, mas o incumbe, por gelização entre os pagãos, nas circunstân-
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assim dizer, de uma missão que tenha quali- cias mais difíceis: a Palavra tinha de ser
dade análoga. A firmeza e a proteção evoca- ouvida por todas as nações (2Tm 4,17). A

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das pela imagem da rocha não são algo que ninguém podia ficar escondida a luz de
Simão Pedro tem em si mesmo (ele negará Cristo! O mundo em que Paulo se movi-

conhecer Jesus na hora em que deveria teste- mentava estava dividido entre a religiosida-
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munhar), mas são a firmeza e a proteção de de rígida dos judeus farisaicos e o mundo

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pagão, entre a dissolução moral e o fanatismo de “ligar e desligar” – o poder da decisão, de
religioso. Nesse contexto, o apóstolo anun- obrigar ou deixar livre –, exatamente como
ciou o Cristo crucificado como a salvação: último responsável da comunidade (a qual
loucura para os gregos, escândalo para os também participa nesse poder, como mostra
judeus, mas alegria verdadeira para quem Mt 18,18). Não se trata de um poder ilimita-
nele crê. Missão difícil. No fim de sua vida, do, mas de responsabilidade pastoral, que
Paulo pode dizer que “combateu o bom com- concerne à orientação dos fiéis para a vida
bate e conservou a fé”. Essa afirmação deve em Deus, no caminho de Cristo.
ser entendida como fidelidade na prática, Se Pedro aparece como fundamento ins-
tanto de Paulo como dos fiéis que ele ganhou. titucional da Igreja, Paulo aparece mais na
Como Cristo, o bom pastor, não deixa as ove- qualidade de fundador carismático. Trans-
lhas se perderem, assim também o apóstolo, formado por Cristo em mensageiro seu
enviado de Cristo, as conserva nesse laço de (“apóstolo”), ele realiza, por excelência, a
adesão fiel, marca de sua própria vida. missão dos apóstolos de serem testemunhas
de Cristo “até os extremos da terra” (cf. At
1,8). As cartas a Timóteo, escritas na prisão
III. Pistas para reflexão em Roma, são a prova disso, pois Roma é a
capital do mundo, o trampolim para o evan-
Conforme o evangelho, Simão responde gelho se espalhar por todo o mundo civiliza-
pela fé dos seus irmãos. Por isso, Jesus lhe dá do daquele tempo. Paulo é o “apóstolo das
o nome de Pedro, que significa sua vocação nações”. No fim da sua vida, pode entregá-la
de ser “pedra”, rocha, para que seja edificada como “oferenda adequada” a Deus, assim
sobre ele a comunidade dos que aderem a Je- como ensinou (Rm 12,1). Como Pedro, ele
sus na fé. Pedro deverá dar firmeza aos seus experimenta Deus como o Deus que liberta
irmãos (cf. Lc 22,32). Essa “nomeação” vai da tribulação (cf. a primeira leitura).
acompanhada de uma promessa: o reino do Hoje, celebra-se especialmente o “dia do
inferno não poderá nada contra a Igreja, que papa”. Isso enseja uma reflexão sobre o servi-
é uma realização do Reino do céu. A liberta- ço da responsabilidade última. Importa liber-
ção da prisão, lembrada na primeira leitura, tar-nos de um complexo antiautoritário de
ilustra essa promessa. Jesus confia a Pedro “o adolescentes. Pedro e Paulo representam
poder das chaves”, o serviço de administra- duas vocações na Igreja, duas dimensões do
dor de sua “cidade”, de sua comunidade. À apostolado – diferentes, mas complementa-
medida que a Igreja é realização (provisória, res. As duas foram necessárias para que pu-
parcial) do Reino de Deus, Pedro e seus su- déssemos comemorar, hoje, os cofundadores
cessores, os papas, são “administradores” da Igreja universal. A complementaridade
dessa parcela do Reino. Eles têm a última res- dos dois “carismas” continua atual: a respon-
ponsabilidade do serviço pastoral. Pedro, sabilidade institucional e a criatividade mis-
sendo aquele que “responde” pelos Doze, ad- sionária. Essa complementaridade pode pro-
ministra ou governa as responsabilidades da vocar tensões (cf. Gl 2); por exemplo, as preo-
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evangelização (não a administração mate- cupações de uma “teologia romana” podem


rial). Quem exerce esse serviço hoje é o papa, não ser as mesmas que as de uma “teologia

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sucessor de Pedro e bispo de Roma, cidade latino-americana”. Mas tal tensão pode ser
que, pelas circunstâncias históricas, se tornou extremamente fecunda e vital para a Igreja

o centro a partir do qual melhor se exercia toda. Hoje, sabemos que o pastoreio dos fiéis
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essa missão. Pedro recebe também o poder – a pastoral – não é exercido somente pelos

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“pastores constituídos” como tais, pela hie- exploração desavergonhada, que até se serve
rarquia. Todos os fiéis são um pouco pastores dos símbolos da nossa religião para fins lu-
uns dos outros. Devemos conservar a fideli- crativos; por outro, a tentação de largar tudo
dade a Cristo – a nossa e a dos nossos irmãos e dizer que a religião é um obstáculo à
– na solidariedade do “bom combate”. emancipação humana. Nossa luta é, preci-
E qual será, hoje, o bom combate? Como samente, assumir a libertação em nome de
no tempo de Pedro e Paulo, a luta pela Jesus, sendo-lhe fiéis, pois, na sua morte,
justiça e pela verdade em meio a abusos, ele realizou a solidariedade mais radical que
contradições e deformações. Por um lado, a podemos imaginar.

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