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DE JOÃO BETHENCOURT
1971
Personagens
Samuel Leibowitz, motorista de taxi
Irving )
) Seus filhos
Miriam )
Papa Alberto IV
Rabino Meyer
Cardial O´Hara
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- O DIA EM QUE RAPTARAM O PAPA -
ATO I
CENA I
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ENTRA O PAPA ALBERTO IV, UM VELHINHO MUITO SIMPÁTICO, ROBUSTO
AINDA, INTELIGENTE, VESTE-SE COMO O PAPA, MESMO, MAS NÃO
TOTALMENTE APARAMENTADO E TEM POR CIMA UMA CAPA DE CHUVA, POS
ESTÁ CHUVENDO. SAM APONTA UMA ARMA.
PAPA - Já lhe disse para guardar o revolver. Eu sigo o senhor de boa vontade.
Não precisa ficar me apontando ele a cada instante.
SAM - Prá que quer saber? Estamos num subúrbio de Brooklyn que é um
subúrbio de Nova York. A estrada fica a mais de cinqüenta metros e a
casa mais próxima também, portanto não adianta o senhor gritar.
PAPA - Já lhe disse que não me apontasse a arma. O que que é aí?
SAM - A despensa.
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JORNAL DO BOLSO DA CAPA, FECHA A JANELA PORQUE O VENTO
ESTAVA SOPRANDO A CHUVA PARA DENTRO.)
SAM - O que?
SAM - É?
SAM - Prá que que eu quero saber as notícias mais recentes se eu ainda não sei
as outras.
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SAM - Eu também sei.
SARA - Aonde?
SARA - Claro que só podem ser raptores, uma empreitada dessas não pode ser
feita por um homem só.
SAM - Já.
SAM - Obrigado.
SARA - Ein?
SARA - Eim?
SAM - Você jura que não vai contar prá pessoa nenhuma desse mundo?
SARA - Juro.
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SAM - Pelos teus filhos.
SARA - O papa!
SAM - Ao vivo.
SARA - Não. Não é verdade. Não acredito. Sam Leibowits, você raptou
o papa e guardou ele na nossa despensa?
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SAM - Isso mesmo.
SARA - Não. Não pode ser. Pelo amor de Deus digam-me que não pode ser.
Essa desgraça não me aconteceu. Meu Deus, diz que eu estou
sonhando. Faz um sinal para mim prá dizer que
eu estou sonhando.
SARA - Você enche o jardim de explosivos e diz que são minas contra formiga.
Você tira as calças no prédio da Dupont para protestar
contra poluição.
SAM - No prédio da Dupont eu estava procurando o banheiro.
SARA - Sabe quantos católicos eu vou ter contra mim? Todos. Todos. A Igreja
Católica toda. Já não bastam os Leibowitz, que nos odeiam desde que
você explodiu uma bomba de fabricação caseira no jardim deles, já não
chega o Martin Kehn e a mulher que nos invejam Deus sabe porque, já
não basta sermos acusados de matar Cristo... você agora vai e joga
contra nós o mundo católico inteiro? Sabe quantos católicos tem na Itália?
100%. Todos são católicos na Itália. É aonde está o papa.
SARA - E por que ele está aqui? Por que você raptou o papa, Sam?
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SARA - Más prá que, prá que, prá que, prá que, prá fazer o que com
ele?
SAM - Prá pedir um resgate.
SARA - O seu paranóico irresponsável, você não sabe que a esta altura deve Ter
100.000 policiais de NY revirando cada pedra do caminho para encontrar
o Papa?
SAM - Eles podem revirar quantas pedras quiserem que o homem não estará
debaixo de nenhuma.
SARA - E se ele tiver um enfarte e morrer? Nós vamos todos para a cadeira
elétrica. Você, eu e os nossos filhos.
SAM - Deixa de ser pessimista. Por que é que haveria de ter um enfarto logo
aqui em casa, um dos ambientes mais sem tensão que eu conheço ?
SARA - Ah, como minha mãe tinha razão! Ah, como o meu pai tinha razão! Um
louco! Não casa com Samuel Leibowitz porque ele é louco. Todo mundo
sabe que ele é louco. Desde criança que ele só faz coisas diferentes, que
ele é diferente de todo mundo! É pacifista! Desfila com negros! Tira as
calças na ONU. Mata formiga com explosivo! Mas não! Eu tive que ir atrás
da minha fixação sexual, eu tive que ir atrás desta minha maldita libido.
Toma pra aprender, toma! (SE ESBOFETEIA.)
SAM - Pois eu estou muito satisfeito comigo mesmo. Executei sozinho um plano
que custaria à Máfia mais de 160.000 dólares e que não daria certo. Há
coisas que uma pequena empresa faz muito melhor que uma grande.
ENTRA IRVING, FILHO DOS DOIS. TEM DEZOITO ANOS. TRAZ SAPATOS DE
BASQUETE NA MÃO, UNS LIVROS.
SAM - Genial.
SARA- Quantas vezes já te disse prá não entrar sem enxugar os pés ?
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IRVING - Raptaram o papa.
SAM - Não.
IRVING -Num avião da Aeroflot ruma para a Sibéria. Vão guardá-lo até os judeus
recuarem as fronteiras anteriores à guerra de seis dias. (TENTA ABRIR A
PORTA.) Trancaram a dispensa ? (FOI PROCURAR A CHAVE.)
SARA - Tem.
IRVING - Quem é?
SARA - O papa.
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SARA - Não deixe de enxugar os pés.
IRVING - Você não sabe o quanto vale a pena você uma maçã.
IRVING - Miriam, vai lá na despensa e apanha uma maçã prá ver o que que te
acontece.
MIRIAM - Porque? O que que pode me acontecer?
MIRIAM - Não.
MIRIAM - Vi.
IRVING - Quem?
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IRVING - E o que que ele respondeu?
MIRIAM - Qualquer coisa em italiano. (PAUSA.) Ei. Porque é que o primo Harry
falou italiano comigo? (VOLTA E ESPIA PELO BURACO DA
FECHADURA) Irving.
IRVING - Ein.
SAM - O papa.
SARA - Seu pai raptou o papa. (MIRIAM OLHA ESTARRECIDA.) Vai lavar as
mãos. Quem come sopa?
IRVING - Eu.
SAM - Claro que me zango, pipocas. Nunca ninguém aprova nada do que eu
faço nesta casa. Sou sempre o maluco, o errado, o azarão. Tô cheio,
ouviram, tô cheio. (ATIRA O JORNAL PRO LADO, CHEIO DE RAIVA, E
SAI DA SALA.)
MIRIAM - ( PARA IRVING.)`Tá vendo o que você fez?
IRVING - Eu ?!
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SARA - Pois agora vai comer porque eu já servi. Quando eu perguntou você não
disse nada. Vai chamar o Papa. (FALA PARA IRVING.)
IRVING - Eu?
SARA - Sam, senta e come, e não briga que faz mal prá digestão.
SARA - Eu sou Sara Leibowitz, mulher do raptor. Esta é minha filha Míriam,
aquele é o meu filho Irving. O senhor foi raptado por Samuel Leibowitz,
motorista de praça, 52 anos, mecânico e louco.
PAPA - Gosto muito de kosher. Como muita comida kosher na casa do meu
amigo rabino Reubem Loew.
ESCURECE
FIM DA CENA I
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INTERMEZZO
LOCUTOR 1 Alberto IV, que goza de extrema simpatia popular, é também uma figura
humana curiosa, Gosta de passear incógnito, conversar com as pessoas
livre do cerimonial, afim de conviver melhor e compreender a gente de
seu tempo.
CENA II
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AO SE ACENDEREM AS LUZES ESTAMOS NO MEIO DO JANTAR.
CONSIDERÁVEL ANIMAÇÃO.
PAPA - Adoro um peixe fresquinho. Sabe que uma da minhas paixões é a pesca?
MIRIAM - É Manischewits.
TODOS Ein?
IRVING - Eu ein?!
IRVING - E o que que tem? Todo mundo sabe que o Vaticano tem uma cacetada
de tesouros acumulados.
SARA - Todo mundo sabe. Todo mundo sabe. Todo mundo sabe que os judeus
tem muito dinheiro. Agora eu pergunto: se a gente tivesse muito dinheiro
a gente estaria comendo borscht de lata?
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SARA - Porque entrou na Máfia, aprendeu a falar italiano, preparar talharim e
tudo.
PAPA - Irving, a maioria dos tesouros do Vaticano são obras de arte, expostas em
galerias que são visitadas por milhares de turistas o ano inteiro.
SARA - Tá vendo? O Vaticano pelo menos é mais inteligente que o nosso primo
que põe tudo em ações da IBM. Que turista ia gastar seu tempo
percorrendo galerias cheias de ações da IBM? Tô certa ou tô errada?
IRVING - Mamãe a senhora está querendo me convencer que o Papa aí não vale
um milhão de dólares?
SARA - (BALANÇANDO A CABEÇA.) Que falta de educação, meu filho falar
assim.
IRVING - (COMENDO.) E como a senhora quer que fale o filho do homem que
raptou o papa?
SARA - Nunca com a boca cheia.
SARA - Claro que ele acha muito um milhão de dólares. Até eu acho muito um
milhão de dólares. Seria o gefuellte fisch mais caro da História. Ninguém
dirá que Sara Leibowitz cobrou um milhão de dólares por duas porções de
geffuellye fisch e um prato de borscht.
PAPA - O que eu acho é que já se raptou um papa, o resgate deveria ser muito
mais do que qualquer dinheiro.
SARA - (ESPANTADA.) O senhor acha?
MIRIAM - Eu também acho. Mesmo porque a gente não poderia receber o dinheiro
nunca, que a polícia dá sempre um jeito de seguir a pista do dinheiro e
prender os raptores.
PAPA - (SE REFERINDO À FOTO DO JOVEM FARDADO.) Seu filho mais velho?
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IRVING - Enterrado.
IRVING - Claro. Se tivesse morrido aqui não iríamos mandá-lo prá ser enterrado no
Vietnã. Pro Vietnã a gente só manda os que tão vivos. É uma política de
governo.
SARA - Mas você é grosso, ein? (PARA SAM QUE VEM VOLTANDO COM O
VINHO.) Vê o exemplo que você dá aos seus filhos?
MIRIAM - Taí eu quero ver: a senhora rindo dentro da sua cova é um espetáculo
que eu não quero perder.
PAPA - É natural que os jovens andem revoltados: há muita coisa no mundo que
precisa de conserto.
IRVING - Tudo.
SAM - O mal deles é que eles não precisam ganhar o seu sustento, como eu e
Vossa Santidade: tem pais que trabalham por eles.
SAM - Eu, se fosse governo, decretava: todo cidadão é obrigado a trabalhar para
ganhar seu sustento, especialmente os que tem menos de trinta anos. O
senhor podia propor isso na ONU.
SARA - Meu ele não é. Meu ele é hóspede. Livre de ir quando quiser.
SAM - Livre, livre... Também não é assim. Você também não dispor assim do
fruto do meu trabalho.
SARA - Que trabalho? Rapto agora é trabalho?
IRVING - É trabalho sim, mamãe, é o trabalho que a ONU deve decretar para os
jovens com menos de trinta anos.
MIRIAM - Boa.
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IRVING - Acho muito engraçado papai falar em sustento tendo que raptar o papa
para sustentar a família.
SAM - E quem foi que disse que eu raptei o papa prá sustentar a família? Não
preciso do papa prá sustentar a minha família. Não preciso de ninguém
prá sustentar a minha família. Não preciso nem da minha família. Preciso
do meu carro e é só. Sabe o quanto eu ganho como motorista de praça?
SARA - Pouco.
IRVING - Então porque o senhor raptou o papa se não foi pelo resgate?
SAM - Oh, pedaço de imbecil, e quem foi que te disse que o resgate é dinheiro?
MIRIAM - É ações?
IRVING - Ah, conversa, o senhor nem teve tempo de pedir o resgate ainda.
SAM - Mas não, ein? Escrevi o resgate num papel de embrulhar pepinos, no
caminho para cá parei junto duma caixa de correio do Brooklin e meti o
envelope subscrito : Resgate do Papa.
IRVING - E qual é o resgate do papa?
SARA - Vocês são de uma indelicadeza incrível: Olhem, o papa se encheu tanto
com esta conversa besta que adormeceu. (DE FATO O PAPA ESTÁ
AFUNDADO EM SUA CADEIRA, DORMINDO
PLACIDAMENTE.)
MIRIAM - Foi o vinho
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SARA - Com certeza está muito cansado. Também o dia que teve: aclamado na
Quinta avenida, recepcionado pelo prefeito, raptado por Samuel
Leibowitz... é dose para elefante. Vou guardar um pedaço de torta pra ele.
SAM - Por que é que ele vai ser diferente das outras pessoas?
SAM - Como?
SAM - Nem por isso deixaria de ter febre se estivesse doente. Mas a respiração
está pesada...
SARA - Preocupado, ein? Confessa.
SAM - O que?
SARA - Por que você não leva ele ao convento das Carmelitas ?
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SAM - O convento fecha às oito.
TOCA A CAMPAINHA. SAM OLHA PARA SARA. MIRIAM PÁRA DE COMER BOLO.
IRVING TINHA SAÍDO PELOS FUNDOS.
SAM - Você espera alguém?
SAM - O rabino? O Meyer? O que que ele vem fazer aqui a essa hora?
SARA - Entrei, em pânico aquela hora, chamei para consultá-lo sobre o que
deveríamos fazer.
SAM - Mas logo o Meyer, Sara, um intrometido, um inquiridor, está sempre
perguntado o porque de tudo.
MIRIAM - Só lê romance policial.
SARA - Porque você já trouxe de tudo no seu táxi ao voltar para casa: espantalho,
sabão em pó, canário belga, mas papa é a primeira vez que você traz.
SARA - (URGÊNCIA.) Cobre ele bem, apaga esta luz, vamos recebe-lo na
cozinha. (FALANDO ALTO.) Por favor, entre pelos fundos, Meyer.
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raptar um rabino também. Se me aparecer um pastor protestante eu
inauguro um conselho ecumênico.
SARA - Não vai precisar de conselho ecumênico nenhum, fica calmo. (ALTO.) Já
estou abrindo, rabino.
SAI PELOS FUNDOS ENQUANTO EM PRIMEIRO PLANO IRVING E MIRIAM AGEM,
COBRINDO O PAPA. APAGANDO A LUZ, ARRUMANDO A SALA.
SAM - (NERVOSO.) Calma.
SARA - Não, não, é um primo do meu marido, chegou de Chicago, está muito
cansado, deitou-se.
RABINO - Ahn.
RABINO - Absolutamente.
SAM - Eu não!
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SARA - Fui eu que telefonei, Meyer, mas na verdade não há nada. Aquela hora
tinha surgido um pequeno problema mas felizmente já passou.
RABINO - É muito triste raptar um homem como papa para trocá-lo por dinheiro.
RABINO - (PARA SARA.) Quer dizer que você não quer me dizer porque me
chamou aqui.
RABINO - Sara Leibowitz, não vá me convencer que você me chamou aqui porque
seu marido de repente teve a idéia de raptar o papa.
SARA - Foi sim. (BAIXINHO, SÓ PARA O RABINO.) Você sabe como ele anda
desde que nosso filho morreu...
RABINO - (NO MESMO TOM.) Ele teve mais um ataque daqueles?...
SARA - (FAZ SIM COM A CABEÇA.) Chorou, gritou, quis até me bater...
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SAM - (VOLTANDO COM A CERVEJA.) O que que vocês estão cochichando aí?
RABINO - Com que então você chegou mais cedo hoje do trabalho?
SAM - Viu?
RABINO - Vi.
SARA - É, não teve mais passageiro então ele se recolheu mais cedo.
SAM - Tinha.
RABINO - Bem, quer dizer que levou-o até a casa do Padre Flanagan.
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RABINO - Estrangeiro.
RABINO - Elementar, meu caro Sam. Padre normalmente não tem muito dinheiro.
Se ele fosse daqui ele não iria do Manhattan, onde você faz ponto, ao
Brooklin de táxi porque é muito caro. Donde ele só pode ser de fora,
provavelmente estrangeiro.
SARA - Fantástico. Você é genial, Meyer. (O RABINO FAZ UM AR MODESTO.)
RABINO - É muito fácil. Os padres em maior número nesta área são irlandeses ou
italianos. O padre Flanagan, que é irlandês, está naturalmente brigado
com a maioria de seus colegas, portanto se um padre o visita deve se
italiano.
O PAPA SE REMEXE NO SOFÁ E MURMURA ALGO.
SARA - Quem?
SAM - Exatamente.
RABINO - Então por que quando ele dorme ele fala em latim?
PAUSA.
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RABINO - Excelente cerveja.
SAM - Gosta?
RABINO – Muito. Mas então você levou o padre italiano à casa do padre Flanagan e
depois voltou para casa.
SAM - Foi.
SAM - Isso.
SAM - Ein?
SAM - Nada.
SAM - Não sei, acho que talvez o Harry está diminuindo com a idade.
RABINO - Hoje.
RABINO - Às cinco.
SAM - Aqui.
SAM - Também.
SAM - Também.
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SAM - Ein?
SAM - Como ?
RABINO - Você chegou em casa inesperadamente mais cedo, encontrou tua mulher
com este homem e lhe deu uma surra.
SAM - (AGARRA O RABINO.) Surra você vai é levar se não se puser no olho da
rua imediatamente! (COMEÇA A ARRASTÁ-LO PARA FORA.)
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LOCUTOR 2 - Mensagem ou... mensagens ? Até o presente momento o cardeal
O’Hara recebeu uma dezena de mensagens exigindo os mais
absurdos resgates.
LOCUTOR 1 - Para devolver o Papa uma carta exige dois milhões e quinhentos
mil dólares... em uísque escocês.
LOCUTOR 1 - Outra carta exige uma lei liberando imediatamente o uso de tudo o
que é droga , o estupefaciente, a cocaína, o ópio, haxixe, etc.
LOCUTOR 1 - Diz o autor da missiva: “Se vocês quiserem o papa de volta, tratem
de suspender vossas estúpidas guerras, revoluções, execuções e
agressões e cuidem de não matar ninguém durante um dia inteiro a
começar das 18 horas de amanhã”.
LOCUTOR 2 - Esta última mensagem, meus amigos, veio até com restos de
pepino junto e com um sobescrito. Resgate do Papa. Eis o papel.
DURANTE ESSAS ÚLTIMAS FALAS SAM JÁ TINHA ENTRADO SEM O
RABINO E COM UM AR BASTANTE SATISFEITO. TODOS OLHAM PARA ELE.
SARA - Este não é aquele saco que eu te dei para embrulhar pepinos ?
SAM - É.
IRVING - Então o senhor me joga fora uma chance dessas de faturar um milhão?
MIRIAM - Shhhh!
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SARA - (LEVANTOU-SE MEIO APAVORADA) Me ajuda a fechar as janelas,
Miriam, vai molhar tudo. t
PAPA - Ao menos, Sam, de todos os resgate o seu é o único para o qual eu daria
uma colaboração.
IRVING - Então aproveita. Pode escrever. (ENFIANDO UMA CANETA E UM
PAPEL SOB O NARIZ DO PAPA.) Escreve um bilhete: o cardeal O’Hara
deve estar morrendo de inquietação.
SAM - Que fazer o favor de não encher tanto o santo saco do papa?
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- O DIA EM QUE RAPTARAM O PAPA -
ATO I I
CENA I
SARA - Aí, em qualquer lugar. Por favor sente-se, não se canse, eu já vou lhe dar
o seu café da manhã.
PAPA - Café da manhã a uma tarde: me sinto até envergonhado. Normalmente
estou de pé ãs seis.
SARA - Ótimo. De vez em quando um descanso desses é necessário. Quer dizer
que dormiu bem?
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PAPA - Eu diria: o sono dos justos, se não parecesse pretensioso. (SENTAM-SE.)
Como consegue pepinos tão grandes na sua horta?
SARA - É o meu marido, adora jardinagem. O senhor não viu ele agora mesmo
plantando aquelas bombas anti-formiga de fabricação caseira? Adora
cavoucar a terra.
PAPA - Ele mata formiga com explosivo?
PAPA - Quer?
PAPA - Meu pai cultivava hortaliças e frutas. Tinha uma lojinha em Livorno.
PAPA - Compreendo.
SARA - Samuel é bom sujeito mas um tanto destrambelhado. O senhor está com
muita raiva dele porque lhe raptou?
PAPA - Hoje em dia eu penso muito antes de ter raiva de alguém.
SARA - Depois que morreu nosso filho mais velho o pobre do Sam piorou muito.
Ele era unha e carne com esse filho.
PAPA - E a senhora?
SARA - Eu, Vossa Santidade, quando falo nisso é como se eu fosse uma outra
pessoa. É a única maneira que tenho de agüentar: pensar que não foi
comigo. E que há nisso tudo alguma finalidade, algo que não compreendo
mas que existe. O senhor acredita num Ente Superior?
PAPA - Sim, normalmente eu acredito.
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SARA - (REPARANDO QUE O PAPA A ESSA ALTURA JÁ DESCASCOU UMA
BATATA DEPOIS DA OUTRA COM GRANDE DESTREZA.) Escuta,
Santidade, o senhor não precisa ...
PAPA - Deixa, Sara, me faz um grande bem trabalhar com as mão, pode crer.
SAM - Você ficou mechugene? Botando Sua Santidade para descascar batatas?
Foi prá isso que eu raptei o papa, para ele descascar batata na minha
casa?
SARA - Mas Sam...
SAM - Por favor perdoe-a que ela não sabe o que faz.
PAPA - Foi sim, Sam, ninguém me obrigou não. Como vão suas minas?
SARA - Tenho pavor dessas coisas, Depois você se esquece, vai na horta colher
uma cenoura, em vez disso você puxa um fio e eu explodo.
SARA - A partir Das dez e meia, onze horas, começaram a passar policiais lá na
estrada, espiando aqui pra casa. Primeiro passou um, depois outro,
depois passou um carro, agora taí um de bicicleta.
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SAM - Eles não sei, eu estou. Por isto que aumentei as cargas. Fica vigiando.
(RETORNA À SALA ONDE VAI APANHAR UM ALICATE EM CIMA DUM
MÓVEL E MAIS FIOS NA DESPENSA.) Não devia ter soltado o rabino
Meyer. Não tenho a menor confiança nele.
SARA - Mas ele é seu parente, Sam.
SARA - Ele deu a palavra de honra que não ia falar com ninguém.
SAM - Há uma recompensa de 20.000 dólares para quem der uma pista. Meyer está
louco para conseguir uma bolsa de estudos em Religião Comparada. Ele
não ficou de aparecer em uma hora?
PAPA - Ficou de jogar xadrez comigo.
IRVING - Não posso. Tenho que vigiar a estrada que papai mandou.
SARA -Você pode lavar a louça e vigiar a estrada ao mesmo tempo. Deixa de
conversa.
MIRIAM VEM DO QUARTO ONDE, COMO SEMPRE, ESTIVERA OUVINDO A TV.
OUVE-SE EM SEGUNDO PLANO O LOCUTOR, PORQUE MIRIAM
DEIXOU A PORTA DO QUARTO ABERTA, MAS NÃO SE ENTENDE O
QUE DIZ.
MIRIAM - (RUMANDO PARA A COZINHA.) Mao Tse Tung telegrafou à ONU dizendo
que topa: se houver o Dia da Paz ele não executa mais amanhã os 22
revisionistas reacionários burgueses. Ainda tem café?
SARA - Ali no bule.
IRVING - Mais um policial... num Chevrolet marrom. Ah, é o rabino. A gente podia
fazer uma brincadeira com ele: ligamos a chave das bombas, o rabino
abre o portão e explode.
MIRIAM - A Bolívia também aderiu: um golpe militar programado para hoje acaba de
ser adiado em 24 horas.
ENTRA O RABINO PELA FRENTE
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RABINO - Você sempre muito espirituoso.(ENTRA O PAPA.) Ah, Vossa Santidade já
acordou? Está com uma cara ótima.
PAPA - Este seqüestro está me fazendo um bem.
RABINO - Que excelente cheiro de talharim, Sara. O que que você está
cozinhando?
SARA - Talharim.
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MIRIAM - (SURGINDO NA PORTA) Eu acho que vão aprovar; já imaginou, pela
primeira vez na vida a idéia do papai vai dar certo.
RABINO - O senhor acha que o mundo vai agüentar 24 horas sem matar ninguém.
PAPA - O que?
RABINO - Esta reação confirma uma vez mais a sua fama de homem humano e
generoso, porém eu sei o que custa ao mundo ficar sem seu Papa, aflito,
desnorteado.
PAPA - Obrigado por se preocupar tanto comigo.
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PAPA - Já notei a discrição do xerife. Desde onze da manhã que os policiais
passam pela estrada e espiam ostensivamente a casa. Cheque-mate.
RABINO – Ué.
SAM -
Então precisa mandar examinar sua vista. Só por aqui já passaram uns
10, todos metendo o olhômetro. Entrou no drugstore?
RABINO - (ESPANTADO) Ein?
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SAM - Não seja mentiroso, você já escolheu até a universidade onde vai
estudar...
RABINO - Eu te dei minha palavra de honra que não ia falar com ninguém e não
falei.
SAM - Não falou?
SAM - Porque está na cara. Você dormiu aqui por causa da chuva, e saiu daqui
às nove e meia da manhã. Até lá tudo estava normal. Aí, uma hora depois
começam a aparecer policiais espiando ostensivamente a casa, o que
que você quer que eu pense ?
RABINO - Que eles acabariam descobrindo a tua pista de qualquer maneira porque
assim com eu te vi ontem com um clérigo no táxi alguém mais deve ter te
visto também.
SAM - Pois então vamos combinar o seguinte: se você me traiu você vai ser o
único assassinado no Dia da Paz.
MIRIAM - (INTERROMPE DO QUARTO) Olha o projeto: Olha o projeto do dia da
paz! Olha como vai ser se for aprovado!
E JÁ OUVIMOS O PREFIXO DO JORNAL FALADO E OS LOCUTORES DA TV CUJO
ESTARDALHAÇO ATRAI A ATENÇÃO DO PAPA , DO RABINO E DO
SAM. AOS POUCOS , ELES SE JUNTARÃO À PORTA SEMI-ABERTA
DO QUARTO, DALI ESPIANDO A TV. ALGUNS TALVEZ COMO O
PAPA E O RABINO ENTREM MESMO NO QUARTO;SAM É O QUE
FICA MAIS NA SALA PORQUE, ADIANTE, TERÁ UMA CENA COM O
IRVING. ESTE SAI.
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LOCUTOR 2 - Uma intensa publicidade deverá solicitar a colaboração dos
homens e das mulheres no mundo inteiro no sentido de exaltar a
solidariedade e de evitar a violência.
LOCUTOR 2 - Estes são slogans que correrão mundo caso seja aprovada a
proposta indiana.
SAM - Quantos?
IRVING - Cem.
SAM - O que?
MIRIAM - Não seria maravilhoso se a proposta indiana fosse aprovada? Vou botar
até uma roupa bacana para festejar.
SOBE AS ESCADAS ENQUANTO O PAPA E O RABINO RUMAM PARA
O TABOLEIRO DE XADREZ.
PAPA - Olhe senhor Meyer eu não tenho nada com isso, mas se eu fosse o
senhor, eu me mandava.
RABINO - Por que?
PAPA - Porque talvez por sua causa não haja um dia de paz.
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OS DOIS TOMARAM SEUS LUGARES EM TORNO DO TABOLEIRO, ENQUANTO
ISSO SAM E IRVING VEM VOLTANDO PELA FRENTE E SARA SURGE DOS
FUNDOS, TODOS APRESSADOS.
SARA - Sam, a polícia está à porta.
SARA - Ein?
VOZ - Alô, alô... alô, alô... testando um dois três... testando um dois três...
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SARA SOME NA DISPENSA, MIRIAM VAI ATRÁS, IRVING SUBIU AS ESCADAS, O
RABINO E O PAPA FORAM SE POSTAR NO UMBRAL DA ENTRADA DA FRENTE,
ANSIOSOS. ENQUANTO ISSO O ALTO FALANTE CONTINUA.
AF - Testando um dois três... Atenção Samuel Leibowitz...
DESCE IRVING AS ESCADAS COM UM MICROFONE, ALTO FALANTE, PEDAÇOS
DE SEU SISTEMA DE HI-FI, AO MESMO TEMPO QUE SAM VOLTA
DOS FUNDOS COM DOIS COLDRES NA CINTURA E UM CHAPÉU DE
SOLDADO DA GUERRA HISPANO-AMERICANA (TALVEZ SEU
UNIFORME DE SAPADOR DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.)
SAM - Trouxe?
IRVING – Telefunken.
AF - Atenção... Samuel Leibowitz... não disfarça que eu sei que você está ai
dentro...
SAM - (AO MICROFONE.) Claro que estou em casa, pois meu carro está na
porta e todo mundo sabe que quando meu carro está na porta eu não
estou trabalhando, eu estou em casa.
O RABINO REAPARECEU VOLTANDO DA ENTRADA DA FRENTE E SE APROXIMA
PARA VER SAM E IRVING OPERANDO.
AF - Atenção Samuel Leibowitz! Nós sabemos também que Sua Santidade o
Papa está aí com você.
SAM - (AO MICROFONE.) Ah é, quem foi que te disse isso?
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RABINO - (SE DEBATENDO.) Socorro! Socorro!
RABINO - Não fui eu... é uma mentira... é uma calúnia... não fui eu...
SHERIFF - (ESPANTADO. PELO A.F.) Rabino Feldman, o que o senhor está fazendo
aí? O seu lugar não é aí!
SAM - (SACUDINDO-O) O lugar dele é no inferno e é pra onde ele vai.
TODO MUNDO CAIU ENCIMA DO SAM PARA LIVRAR O RABINO. TODO MUNDO
NO CASO. É O PAPA MAIS SARA E MIRIAM QUE VIERAM CORRENDO DA
DESPENSA. IRVING NÃO SE MEXE.
XERIFE - (AO A.F. DANDO ORDENS.) É uma emergência! Temos que invadir a casa
imediatamente para salvar os dois servos de Deus.
SARA - (PROCURA TIRAR SAM DE CIMA DO RABINO.) Não faça isso, Sam.
SAM - Vou piorar a dele! A dele vai ficar muito pior que a minha!
XERIFE - (PELO A.F.)Você está blefando, Sam, como sempre você está blefando.
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CORNETA TOCA PARA O ATAQUE LÁ FORA.
XERIFE - (PELO A.F. FALA COM ALGUÉM.) Sargento, vá com três homens e pule o
muro junto da macieira!
VOZ DO SARGENTO - Eu?
VOZ DO SARGENTO – (PELO AF, ESBAFORIDO) -Eu não vou mais lá! Manda outro!
Quase morri! Quase morremos!
SAM - (BEM HUMORADO. PELO MICROFONE.) Ei, Schultz, quando é que você
vai me pagar os 20 dólares que você me deve? Ro, ro, ro...
40
SAM RI SATISFEITO E BATE NO OMBRO DO FILHO.
RABINO - Sim, era pelo bem de você, era por você que eu fazia...
SAM - Você pode pegar a metade da recompensa e enfiar no tuches! Irving! leve
o rabino pro banheiro e bota pra tomar um banho de chuveiro frio!
RABINO - Não!
IRVING - Sim!
SAM - Ligue o chuveiro no mais gelado e coloque este Judas debaixo dele por
quinze minutos.
RABINO - Não, não, não, banho frio, não, inventa outra coisa, Sam...
SAM - O que?
SARA - Você é louco, que destruir o meu jardim todo? Você acabou de
estraçalhar minha macieira!
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SARA - Vou acabar com essa guerra já já! (APANHA O MICROFONE.)
XERIFE - (PELO A.F. UM POUCO FURIOSO.) Mas o seu marido não vai explodir as
minas?
SAM - Vou.
SARA - Eu te divorcio.
SAM - Não tem importância! Serei Só! Os mais fortes são os que estão mais só!
XERIFE - (LENDO PELO A.F.) O cardeal O’Hara acaba de chegar de Nova York...
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XERIFE - (PELO A.F.) Sua Eminência exige que você entregue o Papa
imediatamente...
SAM - Ah é? Então dia a Sua Eminência que ele pode fazer já sabe o que!
(VOLTA SARA COM O PAPA, “MANDANDO BRASA”.)
SARA - O Papa vai falar com o Xerife. ( ARRANCA O MICRO DAS MÃOS DO SAM
E PASSA-O AO PAPA NÃO SEM ANTES APRESENTÁ-LO) Schultz,
você conhece o Papa?
XERIFE - (PELO A.F.) Só da TV. É uma honra, Santidade.
PAPA - Otimamente.
SAM - Está vendo, seu Xerife de bosta, aqui em casa é assim, raptado ou não o
camarada passa bem.
(COCHICHOS PELO A.F.)
XERIFE - (PELO A.F.) E agora uma pergunta do repórter do New York Times.
VOZ - Como está se sentindo neste seu contato mais direto com o povo
americano.
PAPA - Maravilhosamente bem. É um povo simples, gentil, hospitaleiro.
VOZ - Pretende ainda viajar pelos EUA ou encerrar sua viagem em Nova York?
XERIFE - (PELO A.F.) Depende de nós e no que depender de nós Sua Santidade
ficará livre dentro de poucos instantes... Você não perde por esperar,
Sam!
SAM - Vem... experimenta... mandou buscar reforços? Que venham os reforços!
VOZ - Xerife, não acha que empregando a força bruta o senhor poderá levar o
raptor a um gesto de desespero?...
XERIFE - (PELO A.F.) Agora é tarde, o gesto de desespero ele já o cometeu!
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PAPA - Sr. Schultz, a fim de evitarmos atritos mais graves sugiro esperarmos a
decisão da ONU. Se houver um Dia de Paz no fim dele Sam por certo me
levará de volta ao meu hotel, não é Sam?
VOZ NOVA (COCHICHA COM ENERGIA PELO MICROFONE) Não faça isso!
XERIFE - (COCHICHANDO TAMBÉM.) O que?
VOZ NOVA - (PELO A.F.) Como você sabe que o papa não está sendo coagido
a dizer o que diz?
XERIFE - (PELO A.F.) Como?
VOZ NOVA - (COCHICHO ENÉRGICO CONTINUA.) Quem lhe diz que Sua
Santidade não está com um revolver apontado às costas?... E
obrigado a repetir tudo o que mandam.
PAPA - Ah, meu Deus, é o Cardeal O’Hara!
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SOPA. AGORA AO AJUDÁ-LA A APANHAR UMA PILHA DE PRATOS TROPEÇA
NUM FIO E ...
MIRIAM - Não!
E LÁ SE VÃO OS PRATOS.
CARDEAL - (PELO A.F.) O que foi isto? Ouviu isso, xerife? Um grito de dor! Estão
torturando Sua Santidade!
PAPA - Eduardo...
CARDEAL- (PELO A.F. AOS BERROS.) Parem com isso, miseráveis! É uma maldade
fazer isso com um ancião!
PAPA - (DANADO.) Ancião? !
CARDEAL - (PELO A.F.) Eu vou lá, Xerife! Eu preciso ir lá pra ver como tratam o
papa !
XERIFE - (PELO A.F.) Sam, você autoriza Sua Eminência a ir aí falar com Papa?
SAM - Um Cardeal.
SARA - Primeiro um Papa, depois um Cardeal, agora só falta Jesus Cristo descer
para tomar sopa com a gente.
IRVING - (DE NOVO APOSTOS COM O BINÓCULO. TALVEZ O PAPA AO SEU
LADO) Pegou na camisa do Xerife, vem vindo para cá...
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SARA - Vejam só.
SAM - O dedo duro é você, mas quem vai ser castigado sou eu. Bela noção de
justiça você tem.
LOCUTOR 3 - Atenção. O Cardeal O’hara de Nova York dispõe-se a trocar de
lugar com o Papa e está se encaminhando para a casa do raptor..
foi negociada uma trégua de alguns minutos enquanto o Cardeal se
aproxima da casa..
MIRIAM - (OLHANDO A TV.) Não se vê nada...
SARA - O que?
CARDEAL – Se algum desses patifes fez mal a Vossa Santidade, se tocaram num fio
de cabelo que seja de Vossa Santidade...
SAM - Ein?
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SAM - Reacionário!
CARDEAL - Você pagarão por isso, não se preocupem. A justiça tarda mas chega.
Não sei como Vossa Santidade tem tolerância para com uma gente tão
reles, tão vil! Então isso se faz?! (PARA SAM.) Você comprometeu
nosso país perante ao mundo.
SAM - Ele já anda mais que comprometido.
CARDEAL - Um hóspede do povo americano e o senhor faz isso com ele?! Some
com o Papa, abusa da boa vontade, do bom coração de um homem já
idoso, de seu preciosíssimo e curtíssimo tempo...
SAM - O que que você está falando? O Papa gostou daqui, não gostou? Ele
gostou de ficar com a gente. Descansou bastante com minha mulher,
que nem a Cinderela.
CARDEAL – O que?!
PAPA - Eduardo.
IRVING - Ein?
CARDEAL – (PARA O RABINO.) E o senhor devia sumir de vergonha, fazer isto com
um colega de profissão.
RABINO - O que?
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CARDEAL – Ah é? Então o senhor é o pior de todos. Judas.
PAPA – Eduardo...
SARA – Falou como homem, agora quem vai ter que reconstruir o jardim depois é a
mulher.
O CARDEAL OLHA PARA TODOS COM O MAIOR RANCOR.
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CARDEAL – Está vendo? Sempre evasivo, sempre duvidoso, fingindo que não
tem a autoridade que tem. Para que? Nostalgia da humildade?
Porque Vossa Santidade foi seqüestrado? Por sua culpa, na
verdade. Porque para não ser reconhecido e homenageado Vossa
Santidade preferiu sair pelas portas do fundos e trocar o carro
oficial por um táxi qualquer. Eis o resultado.
PAPA – Eu sei. Eduardo eu sei. Procuro perdoar-me por eu ser tão diferente de
você.
O CARDEAL DESCE A VARANDA E SOME.
SAM E IRVING TINHAM SAÍDO PARA INVESTIGAR AS FORTIFICAÇÕES; O
RABINO FICOU VENDO TV. SARA E MIRIAM SE ATAREFARAM NA COZINHA.
AGORA, ENQUANTO VOLTAM AS LUZES NA SALA E O PAPA VOLTA OUVIMOS O
LOCUTOR DA TV.
LOCUTOR 1 - Continuam as manifestações em todo mundo, de lideres e chefes
de estado, em prol do Dia da Paz. Agora uma declaração do
senhor Salvatore Magini industrial de Chicago.
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SARA – Graças a Deus.
XERIFE – O que?
CARDEAL – Conversei com Sua Santidade e Sua Santidade deseja a sua libertação
imediata!
PAPA – Mas é um louco!
XERIFE – Soa o ataque! Toque a corneta! Reúne os reforços! Preparar para invadir
o campo inimigo.
PAPA – Está vendo, D. Sara, agora fiquei com raiva!
XERIFE – (PELO A.F.) Vamos salvar o papa! Vamos libertar o papa! É a guerra santa!
Abaixo os infiéis!
SAM – Distribuam as armas! Defendam as seteiras! Fervam a água! Louvem a
Deus e passem a munição! Sua Santidade por favor vigiem os fundos! (O
PAPA SE COLOCA.)
IRVING – (BINÓCULO EM PUNHO) Três sapadores avançam rumo ao portão com
suas varas magnéticas anti-mina!
LOCUTOR - As negociações foram bruscamente rompidas, o Xerife se apressa
a atacar o reduto dos raptores do papa!
SAM – Preparar a chave da primeira bateria de minas!...
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LOCUTOR - O ataque dos policiais se concentra na entrada principal do jardim da
casa do motorista louco
Samuel Leibowitz...
SARA – (ENTRA) Alguém vai querer sopa agora?
IRVING – Atenção primeira bateria!...
IRVING – Agora!
SAM – Não está funcionando, não está funcionando, não sei o que há!
SAM – É mesmo.
RABINO – Vai começar o Sábado, quem for judeu está proibido de trabalhar. Sam
suspende a guerra!
SAM – Suspende uma ova, esse tempo já passou, prorroga o Sábado. Já viu
isso, Santidade?
PAPA – Maravilhoso, Sam, você é um gênio.
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LOCUTOR – Desbaratada a ofensiva da polícia, os patrulheiros correm
atordoados com os explosivos de fabricação caseira preparados
pelo motorista que raptou o papa.
LOCUTOR – Um louco.
PAPA – Fogo!
SAM LIGA NOVA CHAVE, NOVA EXPLOSÃO. JÚBILO DOS DEFENSORES. MAS
AGORA SARAIVADA DE TIROS DE FORA .CAEM OBJETOS NA SALA.
SAM – O que?
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IRVING - Está correndo para falar com o Xerife... atenção para novo ataque pela
frente...
SAM – Atenção baterias da segunda linha do portão....
IRVING – Já!
MIRIAM – (JUBILOSA IRROMPENDO COM A TV) Foi aprovado! Há uma hora atrás.
Em todo o mundo! Suspenderam as hostilidades, as brigas, a violência
em todo mundo. Foi aprovada por vinte e quatro horas a Paz!
TODOS – Ein?
GENERAL – Parem com isso! Começou o dia da paz. Estão suspendendo todos os
combates armados no mundo inteiro! O presidente assinou!
XERIFE – Como?
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CARDEAL – Não toque a retirada coisa nenhuma...
GENERAL – O senhor manda nos seus fieis, nos meus soldados quem manda sou eu!
(AOS BERROS.) Toque a retirada corneteiro ou eu lhe taco uma corte
marcial!
O SOM DOS CLARINS ROMPE O AR.
LOCUTOR – A polícia acaba de suspender o cerco à casa do raptor louco e recua para
suas posições iniciais...
TODOS COMEÇAM A CANTAR E A DANÇAR – Ganhamos! Ganhamos!
SARA – (CAINDO NOS BRAÇOS DE SAM.) Oh, Sam, você é um louco de pedra! Você
é um maravilhoso louco de pedra!
SAM – Mas até você, Sara
MÚSICA.ESCURECE.
A MÚSICA FESTIVA DESTE FINAL DE CENA SE TRANSFORMA EM PREFIXO DE
NOTICIÁRIO. EVENTUALMENTE PODERÁ DESCER UMA TELA
MOSTRANDO IMAGENS CORRESPONDENTES AO QUE ESTÁ
SENDO NARRADO.
LOCUTOR 1 - Toda a Terra acompanha em suspense crescente o Dia da Paz.
Conseguirão os homens passar 24 horas seguidas sem cometer uma
única vez o crime de matar seu semelhante?
LOCUTOR 2 - Cada país, cada província, cada cidade, toma cuidados extremos,
anda pisando em ovos, para que não seja cometido o crime que
desonraria para sempre aquele lugar. O chanceler da Alemanha Ocidental
declarou: “Matar um homem é hoje um crime de lesa-humanidade”.
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LOCUTOR 1 Ninguém está bebendo demais, as brigas foram adiadas, o governo
francês pediu encarecidamente a todos os casais que adiassem os
eventuais encontros clandestinos... a paz reina no mundo. MÚSICA.
FIM DA CENA 1
CENA 2
TARDE DO DIA SEGUINTE. CENÁRIO O MESMO. SARA PASSANDO ROUPA. SAM
MEIO INQUIETO ANDANDO DE UM LADO PARA O OUTRO. IRVING
NO SEU POSTO NA PORTA DA ENTRADA DA FRENTE. MIRIAM
COMO SEMPRE VENDO TELEVISÃO.
SARA – Chega Miriam, tá, seu pai está nervoso. (MIRIAM SE RECOLHE.)
IRVING – Não é pra menos, o xerife está no portão queimando de impaciência. No que
bater seis horas, ele invade isso aqui prá levar todo mundo em cana.
SAM – Neste caso ele vai levar até Sua Santidade pois o Papa defendeu o front do
Leste.
SARA – Falta muito ainda? (..)
SAM – Como é?
RABINO – Tão discutindo à beça, mas parece que o Papa já dobrou ele. Ele vai fazer
o que o Papa quiser.
SAM – E o que é que o Papa quer?
RABINO – Eu não fui lá encima pra ficar espionando, fui pra fazer xixi; não sou espião.
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SAM – Então mudou muito.
CARDEAL – (VAI ATÉ A PORTA, OLHA.) Porque o Xerife está me apontando umas
algemas?
SAM – É pra mim.
CARDEAL – Ahn..
CARDEAL – Como?
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PAPA – Sara. (ABRAÇA-A.)
SARA – O senhor tem certeza que não ficou... com raiva da gente?
SARA – Quando chegar lá fora não vai mudar de idéia e ficar com raiva?
SARA – Ô.
PAPA – Miriam.
VOZ DO XERIFE – Atenção Samuel Leibowitz. Falta um minuto para término do prazo.
Dentro de um minuto entramos prá te buscar.
CARDEAL – ( QUE SE COLOCOU ANTE O MICROFONE. PARA SAM) Está
funcionando?
SAM – Pode falar.
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CARDEAL – Atenção, Xerife.
CARDEAL – Sou eu, o cardeal O’Hara. Sua Santidade o Papa pede para que os
policiais aglomerados no portão da casa sejam retirados.
VOZ DO XERIFE – Retirados? O senhor está delirando? Nós vamos entrar já, e
prender este motorista louco.
CARDEAL – Não vai não Xerife.
,
XERIFE – Vamos prendê-lo pelo crime de seqüestro e cárcere privado de Sua
Santidade, o Papa.
XERIFE – Como?
CARDEAL – Sua Santidade apenas descansou dois dias na casa de velhos amigos.
PAPA – Xerife, o cardeal O’Hara lerá para você a declaração oficial do Vaticano, que
será entregue aos jornalistas na ONU.
CARDEAL – (LENDO) Sua Santidade, o Papa Alberto IV, passou dois dias em
recolhimento espiritual e repouso na casa de velhos amigos. Este fato
desencadeou uma série de mal-entendidos e boatos de um seqüestro do
qual teria sido vítima. O Papa admite que se tornou conivente com estes
boatos, por omissão, ao ver que desencadeavam uma inesperada união e
solidariedade entre os homens. Reitera porém que nunca esteve detido
contra a uma vontade na residência do motorista Samuel Leibowitz, de
quem é velho admirador e amigo.
VOZ DO XERIFE – Mas que mentiroso.
CARDEAL – Não houve rapto houve apenas uma sincera e aflita tentativa de apressar
a paz entre os homens, que terá de vir um dia.
SINOS. FESTIVOS.
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SAM – Papai.
SARA – Sam
MIRIAM – Papai.
LOCUTOR – E atenção para as notícias destes primeiros minutos após o Dia da Paz
! Combates encarniçados no sudeste asiático, revolução na Bolívia.
Executados dez conspiradores na Síria; louco mata cinco e foge em
Chicago.
MIRIAM - (INDO PARA TV) O que é isso?!
DESCE O PANO
FIM DA COMÉDIA
1971
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