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ENERGIA DA PARTÍCULA
F :R3 × R → R3 ,
(r, t) 7→ F(r, t).
15
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16 ENERGIA DA PARTÍCULA
A dr B
C
r
r + dr
Figura 2.1
2.2 Trabalho
Definimos o trabalho de uma força estática F sobre um corpo, após este deslocar-se,
retilineamente, de d como
W = F · d.
Quando a força ou o movimento são arbitrários essa expressão faz sentido apenas
para deslocamentos infinitesimais, uma vez que nesse intervalo a força é aproxima-
damente constante. Considere uma partı́cula se movendo de A para B, ao longo da
trajetória C, mostrada na figura 2.1. Durante seu movimento a partı́cula está sob
ação de um campo de força contı́nuo, F, em geral não uniforme. Se o campo de
força é independente do tempo, o seu trabalho após a partı́cula deslocar-se de r até
r + dr é
dW = F · dr.
Integrando ao longo da curva obtemos o trabalho realizado pela força sobre a partı́cula,
no deslocamento de A a B ao longo de C,
Z B
C
WA→B = F · dr, (2.1)
A,C
enquanto que o trabalho realizado pela partı́cula contra a força é o negativo deste
valor. Note ainda que ao invertermos o sentido do movimento obtemos
C C
WB→A = −WA→B .
TRABALHO 17
C’
O a x
Figura 2.2
√
Exemplo 2.3. Uma partı́cula se desloca ao longo do semi-cı́rculo y = − R2 − x2 ,
x ∈ [−R, R], sujeita à força F = ay î + bĵ. O trabalho da força é
Z Z
dr
W = F · dr = F · dθ,
dθ
e θ é o ângulo usual das coordenadas polares. Substituindo x = R cos θ e y =
R sin θ, obtemos
Z 2π
aπR2
−aR2 sin2 θ + bR cos θ dθ = −
W = .
π 2
Notando que
d 2 d dv
v = (v · v) = 2 · v,
dt dt dt
obtemos Z B 2 2
C m mvB mvA
WA→B = d(v 2 ) = − ,
2 A,C 2 2
onde vP é a velocidade no ponto P . Definindo a energia cinética da partı́cula como
1
K= mv 2 ,
2
podemos reescrever o resultado anterior da seguinte forma,
Note o caráter geral desse teorema, uma vez que não assumimos nenhuma hipótese
quanto à força ou à trajetória. Além disso, apesar de omitirmos o superscrito C,
indicando a trajetória da partı́cula, fica implı́cito que, em geral, ∆K depende do
caminho.
Exemplo 2.4. Uma partı́cula de massa m é fixa na extremidade de uma haste rı́gida
de comprimento l e massa desprezı́vel. A haste está pivotada na outra extremidade
e pode girar em um plano vertical. Se ela for liberada, a partir do repouso, de um
ângulo inicial θ0 entre a haste e o segmento vertical para cima, podemos obter a
magnitude da velocidade da partı́cula em função do ângulo θ arbitrário, usando o
teorema trabalho-energia. Do teorema, temos que
r
2Wθ0 →θ
v(θ) = .
m
Se T é a tração ao longo da haste e mg a força peso na partı́cula, o trabalho
infinitesimal vale
F · dr = mg · dr = mgl sin θdθ.
20 ENERGIA DA PARTÍCULA
C1
B
C2
Figura 2.3
Como vimos no exemplo 2.2, dados os mesmos pontos iniciais e finais, em geral, o
trabalho da força sobre a partı́cula depende do caminho. No entanto, existem forças
para as quais o trabalho independe da trajetória. É conveniente conveniente destacar
tal classe de forças.
Definição 2.2. Uma força é dita conservativa se o trabalho por ela realizado, entre
A e B, independe do caminho, para quaisquer pontos A e B. Caso contrário, ela é
dita não conservativa.
Exemplo 2.5. Uma força constante é conservativa, pois, como vimos no exemplo
2.2,
C
WA→B = F · (rB − rA ),
o qual independe do caminho.
Fica como exercı́cio, para o leitor, mostrar que a recı́proca é verdadeira, ou seja, se o
trabalho em um caminho fechado arbitrário é nulo, então ele independe do caminho.
Podemos, portanto, enunciar o seguinte teorema:
Teorema 2.2. Uma força é conservativa se e somente se o trabalho, por ela reali-
zado, em qualquer trajetória fechada, é nulo.
Note que até aqui não fizemos restrições ao tipo de força, podendo esta depender
explicitamente do tempo ou da velocidade. No entanto, se a força depende explici-
tamente do tempo, sempre podemos encontrar um caminho fechado onde o trabalho
não se anula e, assim, vemos que ela é não conservativa.
Exemplo 2.6. Para ilustrar, considere uma partı́cula eletricamente carregada entre
as placas de um capacitor de placas planas paralelas. O campo elétrico dentro do
capacitor é uniforme, mas devido a um isolamento imperfeito a carga das placas, Q,
decai com o tempo o que faz com que o campo elétrico e, consequentemente, a força
elétrica sobre a partı́cula não sejam constante. Para um caminho fechado ao longo
de uma reta perpendicular às placas, o trabalho na volta terá uma magnitude menor
que o trabalho na ida, uma vez que Q(t) → 0 e o trabalho no caminho fechado será
diferente de zero. O resultado geral será mostrado na seção 2.7.
Através do teorema 2.2 podemos, eventualmente, rapidamente afirmar que uma
força é não conservativa, quando for o caso. Considere o campo de força F =
−ay î + axĵ mostrado na Fig. 2.4. É fácil encontrar um caminho fechado para o qual
o trabalho é diferente de zero, por exemplo, o cı́rculo de raio R centrado na origem.
Se o sentido da trajetória é horário, o elemento de linha dr será sempre paralelo à
força naquela posição. Portanto, F · dr = F (R)dr = F (R)Rdθ, onde F (R) = |a|R
é a magnitude da força a uma distância R do centro. Logo, o trabalho é 2π|a|R2 e
a força é não conservativa. Por outro lado, o teorema não tem a mesma praticidade
22 ENERGIA DA PARTÍCULA
para verificar se uma força é conservativa. Para afirmarmos, usando o teorema 2.2,
que F = a(y î+xĵ), mostrada na Fig. 2.5 é conservativa, precisamos mostrar que seu
trabalho é nulo para qualquer caminho fechado. Para cı́rculos concêntricos à origem,
não é difı́cil ver, devido à simetria do campo de forças, que isso é satisfeito. Já para
qualquer outro caminho fechado, a visualização, e até mesmo o cálculo explı́cito,
são não triviais. Precisamos de outro critério, mais poderoso, para verificarmos se
uma força é ou não conservativa. Com esse intuito, ao invés de estudarmos propri-
edades globais, como integrais em caminhos arbitrários, estaremos interessados em
propriedades locais, como derivadas, as quais comparam, apenas, pontos vizinhos.
onde r0 é o vetor posição associado a O. Note que, uma vez que a força é con-
servativa, podemos escolher qualquer caminho para calcular a integral. Cada força
conservativa possui sua própria energia potencial e esta é uma propriedade do sis-
tema interagente e não de um de seus constituintes. Quando falamos algo como
a energia potencial do bloco em queda livre, por exemplo, estamos cometendo um
abuso de linguagem. A energia potencial se refere a interação do bloco com a Terra.
A energia potencial representa a interação da partı́cula com algum agente. Convém
notar, ainda, que se a energia potencial é constante em uma região, então a interação
correspondente nesta região é nula e vice-versa. Além disso, é conveniente escolher
ENERGIA POTENCIAL E O SEU GRADIENTE 23
Exemplo 2.7. Uma partı́cula movimenta-se, sem atrito, sobre o eixo x e, presa a
uma mola de massa desprezı́vel, está sujeita à Lei de Hooke, F = −k(x − l0 ), onde
k é a constante elástica da mola e l0 seu comprimento natural. O trabalho da força
elástica no deslocamento de x0 a x, quaisquer, é
Z x
k
(x − l0 )dx = − (x − l0 )2 − (x0 − l0 )2 .
Wx0 →x = −k
x0 2
GM m
F=− r̂,
r2
onde r é o vetor de M até m. Essa força é conservativa pois seu trabalho,
Z r
dr 1 1
Wr0 →r = −GM m 2
= GM m − ,
r0 r r r0
depende apenas das distâncias iniciais e finais entre as partı́culas. O valor da ener-
gia potencial de referência apropriada, neste caso, é U (r → ∞) = 0, pois no
infinito a interação vai a zero. Assim,
GM m
U (r) = − .
r
Vamos utilizar o resultado do último exemplo para calcular a energia potencial
gerada por uma distribuição contı́nua de massa interagindo com uma partı́cula. Para
isso, usamos também o princı́pio de superposição, o qual, neste caso, afirma que
a energia potencial da distribuição será a soma das energias potenciais das massas
24 ENERGIA DA PARTÍCULA
Gdm0 m
dU = − ,
|r − r0 |
dA0
Z
U (r) = −Gmσ ,
|r − r0 |
Daqui vemos que se a partı́cula está fora da esfera, a energia potencial é a mesma
caso toda massa da esfera fosse concentrada na origem,
GM m
U (r) = − .
r
Por outro lado, quando a partı́cula está dentro da esfera, a energia potencial é cons-
tante,
GM m
U =− ,
R
resultando em uma força nula. Como consequência, camadas esféricas externas à
partı́cula, não geram força gravitacional. No problema 6 deste capı́tulo, o leitor
poderá mostrar que para uma partı́cula de prova interagindo gravitacionalmente
com uma esfera maciça homogênea, a energia potencial gravitacional é
(
− GM m
2R3 3R2 − r2 , r ≤ R,
U (r) =
− GMr m , r ≥ R,
ENERGIA POTENCIAL E O SEU GRADIENTE 25
dU = −F · dr. (2.5)
∂U ∂U ∂U
dU = dx + dy + dz ≡ ∇U · dr, (2.6)
∂x ∂y ∂z
onde
∂U ∂U ∂U
∇U = î + ĵ + k̂,
∂x ∂y ∂z
é o gradiente de U no dado sistema de coordenadas. A relação dU = ∇U · dr
vale independentemente do sistema de coordenadas. Assim, das Eqs. (2.5) e (2.6)
obtemos que campos de força conservativos são escritos a partir de gradientes de
alguma energia potencial,
F = −∇U. (2.7)
A recı́proca é verdadeira, ou seja, se um campo de força F independe do tempo e é
escrito como o negativo do gradiente de uma função escalar bem definida, então
Z B Z B
F · dr = − ∇U · dr = −∆U, (2.8)
A A
∂U ∂U ∂U
Fx = − , Fy = − , Fz = − ,
∂x ∂y ∂z
ou ainda Z Z Z
U =− Fx dx = − Fy dy = − Fz dz, (2.9)
Se a Eq. (2.9) não puder ser satisfeita, significa que o campo de força não pode ser
obtido a partir de uma energia potencial, ou seja, ele é não conservativo.
Como a força conservativa pode ser escrita a partir do gradiente de uma ener-
gia potencial, esta fica determinada a menos de uma constante aditiva. Essa cons-
tante, as vezes chamada de energia de ponto zero, é justamente a energia do ponto
de referência U (r0 ). Além disso, o sinal negativo entre a força e o gradiente da
energia potencial implica que a força está na direção em que a energia potencial di-
minui, ou seja, o sistema tende a minimizar sua energia potencial. Se, por outro
lado, tivéssemos adotado a convenção W = ∆U , então terı́amos F = ∇U e o sis-
tema tenderia a aumentar sua energia potencial, o que, apesar se soar estranho, seria
apenas uma convenção.
Para qualquer função escalar U , com derivadas parciais de segunda ordem contı́nuas,
vale
∇ × ∇U = 0, (2.10)
ROTACIONAL DE UM CAMPO DE FORÇA 27
Como a única componente não nula da força é Fr = K/r2 , vemos facilmente que o
rotacional se anula.
Para forças definidas no plano, temos o Teorema de Green,
I Z
∂Fy ∂Fx
F · dr = − dA,
C S ∂x ∂y
o qual também requer derivadas parciais de primeira ordem contı́nuas e região sim-
plesmente conexa. Nesse caso, interpretamos o integrando do lado direito como
axial. Diferentemente do vetor ou vetor polar, as componentes do rotacional do campo não ganham
sinal sob uma reflexão do sistema de coordenadas. Por simplicidade cometeremos o abuso de linguagem
chamando o rotacional do campo em três dimensões simplesmente de vetor.
2 Uma região é dita simplesmente conexa quando qualquer caminho fechado pode ser continuamente con-
−y î + xĵ
F= , (2.11)
ρ2
p
onde ρ2 = x2 + y 2 , definido sobre o plano, exceto na origem. Da sua representação
na Fig. 2.6 vemos imediatamente que a circulação deste campo é, em geral, não
nula, ou seja, ele é não conservativo. De fato, a circulação vale
3 Diferentemente de um escalar, um pseudo escalar inverte o sinal sob uma reflexão das coordenadas.
ROTACIONAL DE UM CAMPO DE FORÇA 29
Figura 2.7
Figura 2.6
I I
F · dr = F dr = 2π,
C C
φ̂
F= ,
ρ
e calcular o rotacional neste mesmo sistema de coordenadas,
1 ∂ ∂
∇×F= (ρFφ ) − Fρ = 0.
ρ ∂ρ ∂φ
Esse resultado, entretanto, não pode ser usado para afirmar que a força é conserva-
tiva, pois como ela está definida sobre uma região que não é simplesmente conexa,
o teorema 2.4 não se aplica. Note também que o campo de força em questão pode
ser obtido a partir do gradiente de uma função escalar, mais especificamente,
∂ 1 ∂
F = ∇φ = ρ̂ + φ̂ φ.
∂ρ ρ ∂φ
Porém, isso não está em contradição com o teorema 2.3, pois a função escalar acima
não é bem definida na origem, além de ser multivalorada, o que não é aceitável para
uma função de estado. Para um caminho entre A e B quaisquer, dando n voltas em
30 ENERGIA DA PARTÍCULA
−y î + xĵ
F= ,
r2
p
com r = x2 + y 2 + z 2 . Nesse caso, o espaço é simplesmente conexo e o teorema
2.4 se aplica. Portanto, como a circulação em torno do mesmo caminho usado
anteriormente continua resultando em 2π, o rotacional deve ser não nulo. De fato,
usando coordenadas esféricas, temos
φ̂
r̂ θ̂
r 2 sen θ rsen θ r
∂ ∂ ∂ r̂ cot θ
∇×F= det ∂r = .
∂θ ∂φ r2
0 0 sen θ
∂U 1 ∂U 1 ∂U
∇U = r̂ + θ̂ + φ̂,
∂r r ∂θ rsen θ ∂φ
as equações correspondentes às Eqs. (2.9) ficam
Z Z Z
−U = Fr dr = rFθ dθ = rsenθFφ dφ.
cujas igualdades não são satisfeitas, pois os resultados das integrais são f (θ, φ),
rf2 (r, φ) e φsen θ + f3 (r, θ). Assim, não há função escalar cujo gradiente é a força.
Podemos ainda nos questionar, como é possı́vel explicar, em termos da analogia
da hélice, a irrotacionalidade deste campo mesmo tendo circulação não nula? Na
Fig. 2.7 podemos ver a representação desta analogia. Nela, as linhas curvilı́neas
representam as linhas de escoamento, estando a densidade de linhas associada à
intensidade do campo vetorial, e as setas identificam as forças atuando em cada
pá da hélice. Na pá superior o escoamento é mais lento, gerando pouco torque,
em relação ao centro da hélice, saindo do plano. Já na pá inferior o escoamento
é rápido e o torque entrando no plano é grande. A diferença é compensada pelos
torques saindo do plano oriundos das pás laterais.
por I
1
(∇ × F) · n̂ = lim F · dr,
σ→0 σ ∂σ
∂vj
= 0,
∂ri
32 ENERGIA DA PARTÍCULA
dB(r) ∂B dx ∂B dy ∂B dz
= + + = (v · ∇)B,
dt ∂x dt ∂y dt ∂z dt
e assim
1 dB
∇×F=− = 0,
q dt
uma vez que o campo é estático. Ou seja, a força de Lorentz é irrotacional.
Considere agora um fio infinito, ao longo do eixo z, carregado eletricamente. Se
essas cargas movem-se com velocidade constante, elas geram um campo magnético
µ0 I φ̂
B(x, y) = ,
2π ρ
p
onde ρ = x2 + y 2 , enquanto que seu rotacional, fora do eixo z, se anula. Esse
campo é análogo ao campo de forças dado por (2.11) e aqui circulação também é,
em geral, não nula. Da lei de Ampére, a circulação através de qualquer caminho
fechado, circulando o fio n vezes, vale nµ0 I. Apesar disso, o campo é irrotacional
fora do fio. Não há nenhuma inconsistência, pois, novamente, a topologia do espaço
é relevante. Neste caso, o espaço não é simplesmente conexo. Por outro lado, se as
cargas no fio estão em repouso, existe um campo elétrico dado por
λ ρ̂
E(x, y) = .
2π0 ρ
Para esse campo, tanto o rotacional, quanto a circulação se anulam.
Vamos considerar uma partı́cula em um referencial inercial sob ação de uma força
arbitrária F, a qual iremos decompor em dois termos: uma componente potencial,
Fp , correspondente a um campo de força escrito a partir de uma energia potencial
e que pode ser conservativo ou não, Fp = −∇U , e uma componente não poten-
cial, Fnp , que não pode ser escrita a partir de nenhuma energia potencial aceitável,
também podendo ser conservativa ou não. Assim,
Definimos a energia mecânica da partı́cula como a soma entre sua energia cinética e
e sua energia potencial. Dessa forma,
E = K + U.
ENERGIA MECÂNICA 33
∂U
dU = ∇U · dr + dt,
∂t
chegamos a
∂U
dE = dW + ∇U · dr + dt.
∂t
Agora note que o trabalho dW se deve a força total sobre a partı́cula, enquanto que
∇U · dr é o trabalho apenas da força potencial. Assim chegamos à equação que nos
dá a variação da energia mecânica do sistema4 ,
∂U
dE = Fnp · dr + dt. (2.12)
∂t
Esse resultado pode ainda ser escrito como uma taxa de variação temporal da energia
mecânica,
dE ∂U
= Fnp · v + , (2.13)
dt ∂t
ou, após integrarmos no tempo, como a diferença entre as energias mecânicas inicial
e final, Z Z
∂U
∆E = Fnp · dr + dt.
C ∂t
Dizemos que a energia mecânica se conserva quando ela é constante, ou seja,
dE = 0 para qualquer deslocamento infinitesimal ou qualquer infinitésimo temporal.
Como os infinitésimos da Eq. (2.12) são independentes, a energia mecânica se con-
serva se e somente se o trabalho da força não potencial é sempre nulo, Fnp · dr = 0,
e a energia potencial não depende explicitamente do tempo. Essas duas condições
implicam que as forças atuantes são conservativas, sejam elas campos de força ou
não. Em particular, um sistema sob ação apenas de campos de forças conservativos
terá sua energia mecânica conservada. Daı́ a origem dos termos “conservativo” e
“não conservativo” com os quais as forças são classificadas. Se definirmos que um
sistema conservativo é um sistema sob ação apenas de forças conservativas, então
acabamos de demonstrar o seguinte resultado:
É possı́vel, como veremos no próximo exemplo, haver forças não potenciais, mas
ainda assim o sistema conservar a energia mecânica.
Exemplo 2.14. Uma partı́cula de massa m está presa a uma mola, de constante
elástica k, e restrita a um aro vertical de raio R. O outro extremo da mola é preso
no ponto mais baixo do aro. O comprimento natural da mola é muito menor que o
4 O termo “sistema” usado aqui faz referência à partı́cula e ao modo com que ela interage. Não diz respeito
a um “sistema de partı́culas”.
34 ENERGIA DA PARTÍCULA
raio do aro, de modo que pode ser desprezado. Vamos calcular o módulo da veloci-
dade da partı́cula em função do ângulo θ, indicado na Fig. 2.8, sabendo que ela foi
liberada do topo do aro5 , a partir do repouso, e que ela desliza sem atrito. Preci-
R θ
Figura 2.8
k
Ei = mg2R + (2R)2 ,
2
onde l é o comprimento da mola. Já a energia mecânica final vale
m 2 k
Ef = v (θ) + mgl(θ) cos θ + l2 (θ).
2 2
A lei dos cossenos aplicada ao triângulo isósceles com dois dos lados iguais ao raio
e o terceiro lado igual a l nos dá
R2 = R2 + l2 − 2Rl cos θ,
5O topo do aro corresponde a um ponto de equilı́brio instável, onde qualquer perturbação, por menor que
seja, fará com que a conta deslize aro abaixo. Discutiremos com mais detalhe os conceitos de equilı́brio e
estabilidade na seção 4.1.
ENERGIA MECÂNICA 35
onde G(x) é a primitiva de F (x). O resultado vale para qualquer ponto x0 e qualquer
curva fechada C. Assim, podemos obter a posição da partı́cula, em função do tempo,
a partir da da energia mecânica
2
m dx
E= + U (x).
2 dt
Vamos resolver essa integral nos mı́nimos detalhes, inclusive mantendo as duas
possı́veis escolhas de sinal, pois nesse tipo de problema é fundamental ter atenção
nas sutilezas
p que aparecem na resolução. Fazendo a substituição trigonométrica
senθ ≡ k/2Ex chegamos a
r Z θ(t)
m cos θdθ
x(t) = ± p .
k θ0 1 − sen 2 (θ)
√ √
Observe que 1 − sen 2 θ = cos2 θ = | cos θ|. Considerando
p um triângulo retângulo
com cateto oposto O = x e hipotenusa H = 2E/k, de modo que sen θ =
ENERGIA MECÂNICA 37
p p p p
k/2Ex, temos cos θ = A/H = (2E/k − x2 )/ 2E/k, onde A = (2E/k − x2 )
é o cateto adjacente. Portanto, | cos θ| = cos θ. Resolvendo para θ(t) e voltando à
variável inicial obtemos
r r !
2E k
x(t) = sen ± t + θ0 ,
k m
q
k
com θ0 = arcsen 2E x0 . Temos um problema aqui. Os sinais no argumento
do seno levam a soluções distintas, apenas uma das duas está correta. Não conse-
guimos remover essa ambiguidade porque não especificamos a velocidade inicial,
sabemos apenas a posição inicial e a energia mecânica. O sentido da velocidade
está justamente associado ao sinal do coeficiente multiplicando o tempo, como já
sugere a dedução da Eq. (2.14). Derivando x(t) obtemos a velocidade,
r r !
2E k
v(t) = ± cos ± t + θ0 ,
m m
e,
q
k
|x | cos mt , x0 > 0,
0
x(t) = q
k
−|x | cos mt , x0 < 0,
0
r !
k
= x0 cos t .
m
Como vemos, o uso desse método para obter a solução do sistema massa-mola é
cheio de sutilezas. No capı́tulo 4 resolveremos explicitamente a equação diferencial
que descreve o movimento do sistema massa-mola, o que será bem mais simples
e direto. Ainda assim, para certos problemas pode ser útil e simples encontrar a
solução x(t) a partir da Eq. (2.14).
E2
E1
xa x0 xb xc x
Figura 2.9
xmin O xmax x
Figura 2.10
xmax , os quais são obtidos a partir de E = U (xR ), onde R = min, max. Portanto,
r
2E
xmin = − = −xmax .
k
Já a velocidade máxima da partı́cula ocorre quando a energia cinética é máxima, ou
seja, quando a diferença entre a energia mecânica e a energia potencial é máxima.
No diagrama de energia deste exemplo vemos que isso acontece na origem, de onde
temos energia cinética igual a energia mecânica e a velocidade máxima dada por
r
2E
vmax = .
m
Podemos ainda calcular o perı́odo do movimento a partir da Eq. (2.14),
Z xmax r
dx m
T =2 q = 2π ,
xmin 2
E − kx 2 k
m 2
40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A energia mecânica não é a única grandeza que pode ser usada para obter resul-
tados sobre os estados da partı́cula. Os conceitos de momento linear e momento an-
gular também resultam em estratégia semelhante, onde se usa a conservação dessas
grandezas, nos casos em que isso ocorre, para se obter o comportamento da partı́cula.
Entretanto, essa abordagem é fundamental apenas para sistemas de partı́culas ou
casos bem particulares como o da partı́cula sob ação de uma força central. Esses
tópicos serão estudados em capı́tulos subsequentes, dedicados inteiramente a esses
temas.
Referências Bibliográficas
[1] T. M. Apostol, Calculus, Volume II: Multi-Variable Calculus and Linear Alge-
bra, with Applications to Differential Equations and Probability. John Wiley &
Sons, 1969.
[6] H. M. Schey, Div, Grad, Curl, and All that: An Informal Text on Vector Calculus.
W.W. Norton, 2005.
Exercı́cios e problemas
11 - Considere o campo de forças F = f (x2 + y 2 ) cos θî + f (x2 + y 2 ) sin θĵ, onde
o ângulo θ é o ângulo usual das coordenadas polares planas. Calcule o rotacional
deste campo. Com base neste resultado, é possı́vel afirmar algo sobre a natureza
deste campo? Caso não seja possı́vel, como descobrir se este campo é conservativo
ou não? Qual a resposta? R: Rotacional nulo, não é possı́vel afirmar nada. Verificar
circulação. Conservativo.
42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
14 - Uma partı́cula de massa m, restrita ao eixo x > 0, está sujeita às seguintes
forças: F1 = xA2 , repulsiva a partir da origem, e F2 = B = const., atrativa na
direção da origem.
q Desenhe o diagrama de energia. Encontre a posição de equilı́brio,
A
x0 . R: x0 = B.
15 - Uma partı́cula possui posição inicial x0 e se movimenta sobre o eixo x com ener-
gia mecânica nula sob ação da chamada energia potencial de Morse, U = A(e−2ax −
2e−ax ), onde A e a são positivos. Esboce o diagrama de energia e encontre o(s)
ponto(s) de retorno(s). Através da integração explı́cita da Eq. (2.14), calcule a
posição da partı́cula em função do tempo. Escreva a resposta em ambas as situações:
velocidade inicial para a esquerda e velocidade inicial para a direita. R: x(t) =
2
h q i2
1 1 a A
t ± am ax0 − 1
a ln 2 + m 2A e 2