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Práticas

discursivas
Olhares da Linguística Aplicada

Organizadores Maria da Penha Casado Alves


Orlando Vian Jr
Governo Federal

Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff

Vice-Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia

Ministro da Educação
Aloízio Mercadante Oliva

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Reitora Diretora da EDUFRN


Ângela Maria Paiva Cruz Maria da Conceição Fraga

Vice-Reitor Diretor Adjunto da EDUFRN


José Daniel de Mel Wilson Fernandes de Araújo Filho
Catalogação da publicação na fonte. Bibliotecária Verônica Pinheiro da Silva – CRB-15/692.

Conselho Editoral

Maria da Conceição Fraga (Presidente) Maria Aniolly Queiroz Maia


Práticas discursivas : Olhares da Linguística Aplicada / Organizado por
Ana Karla Pessoa Peixoto Bezerra Maria da Conceição F. B. S. Passeggi
Anna Emanuella Nelson dos S. C. da Rocha Maria de Fátima Garcia
Maria da Penha Casado Alves e Orlando Vian Jr. – Natal: EDUFRN, 2015.
Anne Cristine da Silva Dantas Maurício Roberto Campelo de Macedo     430 p : il. color.
Carla Giovana Cabral Nedja Suely Fernandes
Edna Maria Rangel de Sá Paulo Ricardo Porfírio do Nascimento    ISBN - 978-85-425-0517-7
Eliane Marinho Soriano Paulo Roberto Medeiros de Azevedo
Fábio Resende de Araújo Regina Simon da Silva
Francisco Wildson Confessor Rosires Magali Bezerra de Barros
   1. Gênero do Texto. 2. Gênero do Discurso. 3. Ensino – Língua.
George Dantas de Azevedo Tânia Maria de Araújo Lima 4. Linguística Aplicada. 5. Linguística. I. Alves, Maria da Penha Casado.
Lia Rejane Mueller Beviláqua Tarcísio Gomes Filho II. Vian Jr, Orlando. III. Título.

Supervisora Editorial Revisor da EDUFRN  CDU 81’33


Alva Medeiros da Costa Francisco Wildson Confessor  P912

Supervisor Gráfico Revisão de Língua Portuguesa


Francisco Guilherme de Santana Andreia Maria Braz da Silva
© Copyright 2015. Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRN
Av. Senador Salgado Filho, 3000 | Campus Universitário | Lagoa Nova | 59.078-970 | Natal/RN
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Ivana Lima Fax: 84 3215-3206
Práticas
discursivas
Olhares da Linguística Aplicada Os organizadores

Possui doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo. Atualmente, é professora associada
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, atuando na graduação e
nos programas de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem e Mestrado
Profissional em Letras. Realiza pesquisa e orienta trabalhos na área da
Linguística Aplicada a partir das reflexões de Bakhtin e o Círculo, nos
seguintes temas: estilo, ensino de Língua Portuguesa, livro didático, leitura
e escrita.
Maria da Penha Casado Alves

É mestre e doutor e Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC- SP.


Realizou estágios pós-doutorais na PUC-SP, sob supervisão de Antonieta Celani,
e na Universidade de Sydney, Austrália, sob supervisão de James R. Martin. É
professor do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas
e do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da UFRN.
Coordenou o Procad/Casadinho “Análise de práticas discursivas em Linguística
Aplicada: abordagens teórico-metodológicas no trabalho com gêneros,
identidades, tecnologias e ensino de línguas” entre UFRN, Unicamp e UFSC.
É bolsista em produtividade CNPq Nível 2.
Orlando Vian Jr

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Práticas
discursivas
Olhares da Linguística Aplicada Prefácio

Este livro é umas das ações resultantes a necessidade de compreensão, pela perspectiva
do projeto interinstitucional MCTI/CNPQ/MEC/ da Linguística Aplicada, dos diferentes aspectos
CAPES – Ação Transversal nº 06/2011/Casadi- relacionados a tais práticas, dentre elas as prá-
nho/PROCAD – UFRN – UFSC- UNICAMP, Análi- ticas escolares e de outras esferas relacionadas
se de práticas discursivas em Linguística Aplicada: à escola; que as interações são guiadas pelos
abordagens teórico-metodológicas no trabalho gêneros do discurso, instrumentos semiótico-
com gêneros, identidades, tecnologias e ensino de -discursivos que são essenciais nas interações
línguas, que envolveu três programas de pós- sociais; que nas interações sociais imiscuem-se
-graduação: o Programa de Pós-Graduação em as identidades dos sujeitos nelas envolvidos;
Estudos da Linguagem (programa não consoli- e que muitas dessas interações são mediadas
dado) da Universidade Federal do Rio Grande pelas tecnologias da informação, o projeto teve
do Norte (UFRN), o Programa de Pós-Gradua- como objeto principal o estudo de práticas discur-
ção em Linguística (programa consolidado) da sivas contemporâneas em que se engajam sujeitos,
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em especial aquelas que se dão em situações es-
e o Programa de Pós-Graduação em Linguística colares no ensino de línguas. Além disso, consi-
Aplicada (programa consolidado) da Universida- derando-se a finalidade do PROCAD, o objetivo
de Estadual de Campinas (UNICAMP), no período central foi incrementar a prática de pesquisa dos
de 2012 a 2015. professores e pós-graduandos do programa da
Considerando que as práticas discursivas UFRN, para fortalecimento e consolidação de
dos sujeitos contemporâneos tornam-se cada suas atividades de ensino, pesquisa e extensão,
vez mais híbridas e complexas, fazendo emergir em associação com os pesquisadores de dois

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programas de pós-graduação consolidados, da b) Programa de Pós-Graduação em Linguística,
UFSC e da UNICAMP, estimulando, assim, a for- área de concentração Linguística Aplicada,
mação pós-graduada e a mobilidade docente e linhas de pesquisa: Ensino e Aprendizagem
discente de seus membros, por meio de ações de Língua Materna e de Língua Estrangeira1:
conjuntas de cooperação. Adair Bonini, Adja Balbino de Amorim Barbie-
Assim, este projeto envolveu dezoito pro- ri Durão, Marcos Antonio Rocha Baltar, Maria
fessores desses três Programas e seus orientan- Inêz Probst Lucena, Rosângela Hammes Ro-
dos, que atuam em seis linhas de pesquisa, duas drigues (Coordenadora) e Rosely Perez Xavier.
de cada Programa:
c) Programa de Pós-Graduação em Linguística
a) Programa de Pós-Graduação em Estudos da Aplicada, área de concentração Linguagem
Linguagem, área de concentração Linguística e Educação, linhas de pesquisa Linguagem e
Aplicada, linhas de pesquisa Linguagem e Prá- Educação Linguística e Linguagem, Culturas e
ticas Sociais e Ensino-aprendizagem de Lín- Identidades: Inês Signorini, Márcia Rodrigues
guas: Ana Graça Canan, Janaina Weissheimer, de Souza Mendonça, Roxane Helena Rodri-
Maria da Penha Casado Alves, Maria Bernade- gues Rojo (Coordenadora) e Terezinha de
te Fernandes de Oliveira, Marília Varella Bezer- Jesus Machado Maher.
ra de Faria, Orlando Vian Junior (coordenador),
Renata Archanjo e Selma Alas Martins.
1 Após reformulação do Programa, essas duas linhas se reagruparam numa
só: Ensino e Aprendizagem de Língua Materna e de Língua Estrangeira.

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A partir da articulação de professores e pesquisa e projetos) visando ao enfoque do
pós-graduandos desses três Programas, o pro- ensino de línguas.
jeto delineou os seguintes objetivos específicos:
8.Ampliar a formação de mestres e doutores e a
4.Consolidar o Programa de Pós-Graduação em produção científica das equipes participantes
Estudos da Linguagem da UFRN. na área de ensino de línguas.

5.Fortalecer os grupos de pesquisa do Programa 9.Promover a mobilidade inter-regional docente


de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem e discente das equipes participantes.
da UFRN por meio do intercâmbio científico-
-acadêmico com os grupos de pesquisa oriun- 10.Incrementar a produção científica das equi-
dos da UFSC e da UNICAMP. pes envolvidas por meio de publicações e pro-
dutos resultantes das pesquisas dos docentes
6.Fortalecer e consolidar a área de concentração e discentes participantes deste projeto.
em Linguística Aplicada do Programa de Pós-
-Graduação em Estudos da Linguagem da UFRN. 11.Construir conhecimento visando à ressig-
nificação do ensino de línguas, tendo como
7.Criar uma rede de cooperação científico-aca- referência o campo da Linguística Aplicada e
dêmica entre UFRN – UFSC – UNICAMP (pós- os temas articuladores deste projeto, quais
-graduações, graduação, linhas, grupos de sejam: práticas discursivas, gêneros do dis-
curso, tecnologias e identidades.

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Para dar conta desses objetivos, foram pro-
postas uma série de ações, dentre as quais des-
tacamos: missões de estudo e docência, realiza-
ção de eventos internos envolvendo docentes
e pós-graduandos do Projeto, participação em
eventos e bancas de dissertações e teses, publi-
cação de artigos em periódicos, publicação de
livros. Nesse contexto, este livro Práticas discur-
sivas: olhares da Linguística Aplicada é uma das
ações apresentadas como resultado do Projeto.
Considerando que os objetivos desse Proje-
to foram atingidos, ressaltamos a importância de
ações dessa natureza para o fortalecimento da
pós-graduação no Brasil e para a consolidação
de redes de pesquisa.

Rosângela Hammes Rodrigues (UFSC)


Roxane Helena Rodrigues Rojo (UNICAMP)

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Sumário

Os organizadores4

Prefácio5

Apresentação10

Os autores15

Tema 1 – Gêneros do texto e do discurso  23

Texto 1: Novos multiletramentos na era digital: a questão das metodologias de pesquisa24


Texto 2: Por uma análise dialógica de discurso: reflexões61
Texto 3: Portfolios, Flash Fiction e Podcasts: a inserção de novos gêneros no ensino de inglês na universidade85
Texto 4: O gênero piada como ferramenta de ensino-aprendizagem de inglês115
Texto 5: A polêmica velada nos diários de leitura: o que os jovens têm a dizer sobre o comportamento feminino132
Texto 6: Construção identitária da cidade de Santa Cruz/RN: ordem ou desordem?154

Tema 2 – Formação de professores171

Texto 1: O desempenho de alunos de inglês em prática repetida de tarefa de compreensão oral apoiada em vídeo172
Texto 2: Formação inicial de professores e construção identitária: um estudo com graduandos de curso de licenciatura em letras198
Texto 3: O problema [ana]crônico da formação inicial do professor de língua portuguesa [brasileira]225
Texto 4: Práticas de leitura no ensino fundamental: uma construção coletiva252

Tema 3 – Ensino
e aprendizagem de línguas287

Texto 1: Produção oral e escrita em inglês como L2 mediada por tecnologias digitais288
Texto 2: Educação plurilíngue: delimitação do campo de pesquisa sobre a intercompreensão entre línguas românicas311
Texto 3: O ensino de LEs nos documentos oficiais brasileiros: um breve histórico339
Texto 4: O papel da atividade lúdica como motivadora da aprendizagem da língua inglesa: análise de um livro didático358
Texto 5: A contribuição do estudante de ensino médio ao processo avaliativo de língua inglesa401
Práticas
discursivas
Olhares da Linguística Aplicada Apresentação

A forma como este volume foi concebido práticas discursivas e os aspectos teóricos e prá-
está ligada diretamente às experiências desen- ticos envolvidos no uso dos gêneros em diferen-
volvidas durante os intercâmbios entre os pesqui- tes contextos. Nessa seção, o artigo de Roxane
sadores da UFRN e seus pares da Unicamp e da Rojo, Eduardo de Moura Almeida e Jezreel Ga-
UFSC, objetivando a união de trabalhos que abor- briel Lopes intitulado Novos multiletramentos na
dassem os temas que guiaram as ações propostas era digital: a questão das metodologias de pesqui-
e realizadas pelo projeto: gêneros, identidades, sa aborda, como tem sido a tônica do grupo de
tecnologias e ensino de línguas, que funcionaram pesquisa liderado pela Profa. Dra. Roxane Rojo,
como a base do Projeto Procad/Casadinho, de- a questão dos novos multiletramentos na era
senvolvido no período de 2012 a 2015. digital e de como as práticas escolares, os currí-
Os textos aqui apresentados, a partir culos e os materiais didáticos para o ensino de
desses motes, foram organizados como forma Língua Portuguesa/Linguagens e Códigos podem
de mostrar as diferentes pesquisas que se de- incorporá-los.
senvolveram ou se consolidaram no âmbito do Rosângela Hammes e Rodrigo Acosta em
projeto nas três instituições, adotando como seu artigo Por uma análise dialógica de discurso:
norte a análise de práticas discursivas a partir reflexões abordam os diversos escritos do Círculo
do escopo da Linguística Aplicada. de Bakhtin a fim de apresentar um dispositivo
O volume encontra-se organizado em três teórico-analítico para uma Análise Dialógica do
seções. A primeira delas, Gêneros do texto/ Discurso, especificamente, para o campo da Lin-
discurso, contempla trabalhos relacionados a guística Aplicada.
aspectos metodológicos e teóricos de diferentes

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A proposta do artigo Portfolios, flash fiction por Paulo Rodrigo Pinheiro de Campos e Ana
e podcasts: a inserção de novos gêneros no ensino Graça Canan enfoca o componente cultural do
de inglês na universidade de Orlando Vian Junior, ensino-aprendizagem de línguas, com vistas à
Jennifer Sarah Cooper e José Mauro de Souza elaboração de atividades para a sala de aula. Os
Uchôa, associa os gêneros aos novos contextos autores elegeram a piada como ferramenta de
digitais, nos quais circulam novas ferramentas ensino-aprendizagem de Inglês como modo de
fornecidas pelas novas tecnologias e que propi- identificar e interpretar aspectos culturais nelas
ciam novas práticas. Os autores partem do con- contidos. O texto parte do princípio de que o
texto de gênero conforme utilizado na Linguís- texto humorístico permite a veiculação de dis-
tica Sistêmico-Funcional de Halliday. cursos comuns a comunidades discursivas, con-
No texto, A polêmica velada nos diários de forme preceituado por Kramsch (1996), mesmo
leitura: o que os jovens têm a dizer sobre o compor- a partir da universalidade dos temas.
tamento feminino, Rhena Raíze Peixoto de Lima e A segunda seção, centrada em aspectos
Maria da Penha Casado Alves analisam, a partir relacionados à Formação de professores, traz
de princípios bakhtinianos, enunciados sobre pesquisas ligadas a diferentes aspectos envolvi-
como autores se posicionam em seus textos a dos na formação de professores de línguas e no
respeito do comportamento feminino. que diz respeito às pesquisas em formação de
Ainda no campo dos gêneros do texto/dis- professores desenvolvidas no âmbito do projeto.
curso, o texto O gênero piada como ferramenta O artigo O desempenho de alunos de inglês
de ensino-aprendizagem de inglês apresentado em prática repetida de tarefa de compreensão oral

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apoiada em vídeo, de Rosely Perez Xavier e Clarita experiências vividas nos espaços de socialização
Gonçalves de Camargo apresenta um estudo de acadêmico-profissionais.
caso de base qualitativa e conduzido em sala de O artigo O problema [ana]crônico da forma-
aula, cujo objetivo é investigar se a repetição de ção inicial do professor de língua portuguesa [bra-
uma mesma tarefa de compreensão oral influen- sileira] de Marcos Baltar, Milene Peixer Loio e
cia o desempenho de alunos de língua inglesa Camila Farias Fraga expõe as inquietações sobre
no que se refere ao seu entendimento de infor- o fato de, apesar de as pesquisas em Linguística
mações gerais e específicas de um texto apoiado e em Linguística Aplicada terem avançado muito
por imagens. nas últimas décadas no Brasil, o ensino-apren-
Maria Bernadete Fernandes de Oliveira e dizagem de Língua Portuguesa [brasileira] nas
Deny de Sousa Gandour abordam, em Formação escolas, refém de uma concepção autônoma de
inicial de professores e construção identitária: um letramento (STREET, 1984), não apresenta res-
estudo com graduandos de curso de licenciatura postas para o analfabetismo funcional.
em Letras, questões relacionadas aos saberes do- Concluindo essa seção, o artigo Práticas de lei-
centes e à construção da identidade profissional tura no ensino fundamental: uma construção coletiva
no contexto da formação inicial de professores de Ivone Rodrigues Diniz Monteiro e Maria da Penha
de línguas. O estudo dos autores revela que as Casado Alves aborda as práticas de leitura a partir das
marcas identitárias profissionais são predomi- vozes sociais de professores e de estudantes do Ensino
nantemente constituídas e expressas a partir de Fundamental das escolas públicas estaduais do Rio
Grande do Norte que apresentam resultados exitosos,

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conforme o Índice de Desenvolvimento da Educação lia Pereira de Lima, Janaína Michelle França de
Básica (IDEB) 2009. Oliveira, Luíza de Marilac Veras Uchôa e Maria
Por fim, a terceira seção, Ensino e aprendi- Carolina Lúgaro Izuibejeres objetiva apresen-
zagem de línguas, agrupa trabalhos que tomam tar pesquisas centradas na intercompreensão
como objeto de pesquisa o ensino e a aprendiza- entre línguas românicas e que procura desenvol-
gem de línguas a partir de diferentes concepções ver a capacidade de compreensão escrita e oral
e abordagens. em várias línguas estrangeiras tipologicamente
O artigo Produção oral e escrita em inglês aparentadas, vizinhas ou próximas, tendo como
como l2 mediada por tecnologias digitais de Ja- ponto de partida a própria L1 do aprendiz, língua
naína Weissheimer, Lorena Azevedo de Sousa e materna ou da família, com base em línguas do
Diêgo Cesar Leandro com enfoque na teoria da seu conhecimento.
Hipótese do Output proposta por Swain (1985, O artigo O ensino de LEs nos documentos ofi-
1993), baseada na Teoria de Noticing desenvolvi- ciais brasileiros: um breve histórico de Ana Graça
da por Schmidt (1990), visa a reportar resultados Canan e Bruno Ferreira de Lima tem como ob-
de um estudo semi-experimental (NUNAN, 1992) jetivo discutir como se apresenta o ensino de
para o desenvolvimento da produção oral e da línguas estrangeiras nos documentos oficiais
produção escrita em inglês como L2. brasileiros, fazendo um histórico dessa trajetória
O artigo Educação plurilíngue: delimitação nesses documentos que tanto orientam como
do campo de pesquisa sobre a intercompreen- parametrizam o ensino de LEs no Brasil.
são entre línguas de Selma Alas Martins, Carmé-

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Ana Graça Canan e Vitória Maria Avelino da Este ebook apresenta-se, portanto, como
Silva Paiva no artigo A contribuição do estudante resultado das ações de um projeto que propi-
de ensino médio ao processo avaliativo de língua ciou o diálogo, a troca, o intercâmbio de sabe-
inglesa discutem a avaliação da aprendizagem res e de práticas em três instituições nas quais
de língua inglesa desenvolvida em uma escola pesquisadores de diferentes formações, mas
pública de ensino médio do município de Lajes/ compartilhando interesses comuns, encontra-
RN, em 2011, a partir de uma proposta quali- ram-se para a produção de conhecimento sobre
tativa de avaliação, objetivando a produção de práticas discursivas, considerando, para tanto,
conhecimento acerca do processo de avaliação gêneros discursivos/textuais diversos, identida-
desenvolvido nas aulas de língua inglesa, envol- des, tecnologias e ensino de línguas, sob a pers-
vendo as contribuições dos estudantes. pectiva da Linguística Aplicada.
Por fim, o artigo O papel da atividade lúdica
como motivadora da aprendizagem da língua ingle- Os organizadores
sa: análise de um livro didático de Luis Ferdinando
Silva Patriota e Ana Graça Canan tem como ob-
jetivo, dada a importância que atribui à escolha
de atividades lúdicas, analisar o livro On Stage
(MARQUES, 2010), destinado aos alunos do pri-
meiro ano do ensino médio e adotado em um
instituto federal no Rio Grande do Norte.

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Práticas
discursivas
Olhares da Linguística Aplicada Os autores

Ana Graça Canan possui mestrado e doutorado em estudos da Camila Fraga é mestranda do Programa de Pós-Graduação em
linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), área
e pós-doutorado pela Universidade de Brasília/UnB, no Programa de concentração em Linguística Aplicada. Exerce o cargo de Pe-
de Pós-graduação em Linguística Aplicada. Professora associada da dagoga no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
UFRN, tem experiência na área de ensino-aprendizagem de línguas Santa Catarina (IFSC - Campus Florianópolis) desde 2009. Licencia-
estrangeiras, com ênfase em língua inglesa. Desenvolve pesquisas da em Letras Língua Portuguesa pela UFSC em 2013. Especialista
com o objetivo de elaborar atividades para a sala de aula de línguas em Educação pela UFSC em 2011. Graduada em Pedagogia com
estrangeiras, com base na metodologia comunicativa do ensino de habilitação em Orientação Educacional pela Universidade do Esta-
línguas, nas suas várias possibilidades de utilização. do de Santa Catarina (UDESC) em 2009.

Bruno F. de Lima é graduado em Letras (2003) pela Universidade Carmélia Pereira de Lima é graduada em Letras licenciatura –
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Em 2012 terminou o Mes- habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas pela Universidade
trado e atualmente desenvolve seus estudos de Doutorado pelo Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em 2005. Especialista em
Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem na mesma Ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, pela UFRN, em 2006.
universidade, além de atuar como docente de Língua Inglesa do Mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos da Lingua-
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande gem (PPGEL-UFRN), com pesquisa em andamento sobre o uso da
do Norte – Campus Natal Zona Norte. Intercompreensão de Línguas Românicas (ILR) em leituras literárias
no Ensino Fundamental. É professora efetiva da rede estadual de
ensino do Rio Grande do Norte.

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Clarita Gonçalves de Camargo é mestre em Linguística pela Diêgo César Leandro possui graduação em Administração pela
Universidade Federal de Santa Catarina e especialista em Litera- Faculdade Estácio de Natal (2011). Pela Universidade Federal do Rio
tura e História Nacional pela Universidade Tecnológica Federal do Grande do Norte possui graduação em Letras Língua Inglesa e Li-
Paraná. Atua como professora de língua portuguesa e inglesa na teraturas (2013), especialização em Ensino-Aprendizagem de Inglês
rede pública e particular de ensino do estado do Paraná. Trabalha como Língua Estrangeira (2014) e mestrado em Estudos da Lingua-
ainda com produção de material didático de língua portuguesa gem (2015), na área de Linguística Aplicada – Ensino e Aprendiza-
para o preparatório em concurso público do Aprovação. gem de Línguas Estrangeiras. Atualmente, é professor substituto no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande
do Norte, onde atua como professor de inglês nos cursos técnicos
em Guia de Turismo e Eventos.
Deny de Souza Gandour possui o título de doutor em Linguísti-
ca Aplicada junto ao Programa de Pós-graduação em Estudos da
Linguagem da UFRN. É professor adjunto do Departamento de Le-
tras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, onde atua Eduardo de Moura Almeida é formado em Arte e Cultura Foto-
nas atividades de pesquisa e ensino de graduação. No âmbito do gráfica pela Faculdade SENAC e em Letras Português/Francês pela
ensino, atua nas disciplinas relacionadas com o campo da didática Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Desenvolve
de línguas estrangeiras e na orientação de pesquisas que abordem pesquisa de Mestrado em Linguística Aplicada no Instituto de Estu-
temas ligados à identidade profissional. No âmbito da pesquisa, co- dos da Linguagem (IEL) da UNICAMP sob orientação da Profa. Dra.
ordena projeto voltado para a investigação dos processos de cons- Roxane Helena Rodrigues Rojo. Trabalha com produção de mate-
trução da identidade de professores de língua inglesa durante a riais didáticos para ensino de Língua Portuguesa, criando sequen-
formação inicial. cia didáticas e oficinas de leitura e produção de História em Quadri-
nhos, Fotonovela, Fanzine, Rádio, Cinema e Animação.

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Ivone Rodrigues Diniz Monteiro possui graduação em Letras Janaina Weissheimer possui mestrado em Linguística Apli-
- Licenciatura Plena pela Universidade Federal do Rio Grande do cada pela UNISINOS e doutorado em Letras pela UFSC. Reali-
Norte (1985), mestrado em Estudos da Linguagem pela Universi- zou estágio pós-doutoral no Kutas Cognitive Electrophysiology
dade Federal do Rio Grande do Norte (2001) e doutorado em Es- Lab na University of California at San Diego. É professora do
tudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras Moder-
Norte (2013). Atualmente é permanente - Secretaria de Estado da nas na UFRN em Natal, membro do Programa de Pós-Gradu-
Educação e da Cultura. Tem experiência na área de Linguística, com ação em Estudos da Linguagem e colaboradora no Instituto
ênfase em Linguística Aplicada. do Cérebro. Seus interesses de pesquisa são: o estudo dos
correlatos neurais e comportamentais da leitura; o papel das
funções executivas no processamento linguístico em L1 e L2;
e a aprendizagem de L1 e L2 mediada por tecnologias digitais.
Janaina Michelle França de Oliveira graduada em Letras Inglês
e Literaturas - Licenciatura Plena, Especialista em Ensino-aprendi-
zagem de Inglês como Língua Estrangeira e mestranda do Progra-
ma de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Jennifer Sarah Cooper possui doutorado em Estudos da Lin-
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com pesquisa em anda- guagem da UFRN, mestrado em Literatura Comparada da Uni-
mento sobre a Intercompreensão de Línguas Românicas (ILR) como versidade Estadual de São Francisco, California (SFSU), e gradua-
proposta pedagógica para o aumento da autoestima de alunos da ção em Inglês – Creative Writing (SFSU). É professora adjunta no
Educação de Jovens e Adultos (EJA) nas aulas de Inglês. É professora Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas
efetiva do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN). da UFRN. Atua na área de Linguística Aplicada e ensino/aprendi-
zagem da língua inglesa. Os principais temáticas e áreas de pes-
quisa inclui: “Englishes” na língua e na literatura/oratura pós-co-
lonial, gêneros de discurso, práticas de ensino da compreensão
e produção escrita da língua estrangeira por uma perspectiva
de gêneros baseada nas teorias de gênero e registro do Sydney
School e modelos de writer’s workshops.

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Jezreel Gabriel Lopes possui graduação em Letras pelo Centro Lorena Azevedo possui graduação em Letras Língua Inglesa e Li-
Universitário Adventista de São Paulo (2011). Atualmente, é mes- teraturas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2010),
trando no programa de pós-graduação do departamento de Lin- graduação em Turismo pela Universidade do Estado do Rio Gran-
guística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem, da Univer- de do Norte (2011), especialização em Docência para a Educação
sidade Estadual de Campinas. Desenvolve pesquisa em Linguagens Profissional pelo SENAC RN (2013) e mestrado pelo programa de
e Tecnologias, sob orientação da Profa. Dra. Roxane Rojo. Estudos da Linguagem da UFRN (2014) na área de Linguística Apli-
cada - Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras. Atualmente,
é professora de inglês do Instituto Metrópole Digital, onde atua no
Bacharelado e nos cursos técnicos em Tecnologia da Informação.
José Mauro Souza Uchôa possui graduação em Letras Inglês pela
Universidade Federal do Acre, especialização em Língua Inglesa
pela PUC-Minas, mestrado em Letras (Linguagem e Identidade) pela
Universidade Federal do Acre e doutorado pelo Programa de Pós- Luiz Ferdinando Silva Patriota possui graduação em Letras-Lín-
-graduação em Estudas da Linguagem, da Universidade Federal do gua Inglesa e Literaturas pela Universidade Federal do Rio Grande do
Rio Grande do Norte. Atualmente é professor adjunto da Universi- Norte- UFRN (2002). Possui especialização em Educação pela Univer-
dade Federal do Acre, Campus Floresta em Cruzeiro do Sul. Atua na sidade Castelo Branco (2006). É mestre em Estudos da Linguagem,
área de Linguística Aplicada. Está envolvido principalmente com as Linguística Aplicada pelo PPGEL/Universidade Federal do Rio Grande
seguintes temáticas: ensino de língua inglesa como língua estran- do Norte (2013) e é doutorando no Programa de Pós-graduação em
geira, gêneros do discurso, letramento digital, Pesquisa Narrativa e Estudos da Linguagem da UFRN.  Atualmente é professor efetivo de
a prática de podcasting no ensino de Língua Inglesa. língua inglesa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Norte – IFRN, campus Zona Norte, desde 2010.
Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Linguística Aplica-
da, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino-aprendiza-
gem de língua inglesa, ensino de literatura e cultura.

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Luiza de Marilac Veras Uchôa graduada em Licenciatura Plena Marcos Baltar é graduado em Letras, português-francês, pela
em Letras Português/Francês pela Universidade Federal do Piauí Universidade Federal de Pelotas (1992), mestre em Linguística pela
– UFPI. Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará Universidade Federal de Santa Catarina (1995), doutor em Letras
– UFC. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003) e pós-dou-
da Linguagem  na Universidade Federal do Rio Grande do Norte tor pela Universidade de Genebra, Suíça (2006) e pela Academia
(PPGEL/UFRN), com pesquisa em andamento sobre a Intercompre- de Versailles – ESPE (2015). Professor da Universidade Federal de
ensão no ensino-aprendizagem de línguas: uma estratégia para de- Santa Catarina, atua no campo da Linguística Aplicada: teorias do
senvolver a competência leitora e compreensão oral plurilingues agir humano, teorias de gêneros textuais/discursivos, estudos do
em alunos de cursos profissionalizantes da área de hotelaria. letramento, mídia e formação de professores.

Magda Renata Marques Diniz é licenciada em Letras/Língua Por- Maria Bernadete Fernandes de Oliveira possui o título de Dou-
tuguesa e Literaturas, especialista em Ensino/Aprendizagem de Lín- tor em Linguística pela Universidade de São Paulo. Atua junto ao
gua Portuguesa, mestra e, atualmente, doutoranda em Estudos da Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Univer-
Linguagem, da área de Linguística Aplicada, pela Universidade Fe- sidade Federal do Rio Grande do Norte, exercendo atividades de
deral do Rio Grande do Norte. Sua experiência profissional abrange ensino, pesquisa e orientação de dissertações e teses no campo da
os ensinos médio e superior no Instituto Federal do Rio Grande Linguística Aplicada. Desenvolve projetos de pesquisa nas linhas te-
do Norte nas áreas do Ensino de Língua Portuguesa e Literaturas máticas Linguagem e Educação; Linguagem, Alteridade e Ética, nas
e da Prática do Ensino de Língua Portuguesa. É integrante destes esferas escolar e midiática. É líder do Grupo de Pesquisa Práticas
Grupos de Pesquisa registrados no CNPQ: Grupo de Estudos da Discursivas na Contemporaneidade, inscrito no CNPq, e participa
Linguagem, Memória, Identidade e Território; Uma visão interdisci- de Conselhos Editoriais de Revistas na área da Linguística Aplicada
plinar da Educação nos Institutos Federais de Educação e Práticas e dos Estudos da Linguagem.
discursivas na contemporaneidade.

19
María Carolina Lúgaro Izuibejeres é graduada em Letras Espa- Milene Peixer Loio é mestre em Linguística pelo Programa
nhol e Literaturas - Licenciatura Plena, mestranda do Programa de de Pós Graduação em Linguística da Universidade Federal
Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Fede- de Santa Catarina (UFSC/2014), bacharel em Letras/Língua
ral do Rio Grande do Norte (UFRN), com pesquisa em andamento Portuguesa e Literatura Vernáculas pela UFSC (2012) e licen-
sobre a Intercompreensão de Línguas Românicas (ILR) nas aulas ciada em Letras/Língua Portuguesa e Literatura Vernáculas
de espanhol como língua estrangeira. É professora de espanhol também pela UFSC (2010). Tem como interesse de pesquisa
como língua estrangeira no colégio Salesiano e no Senac; Profes- o ensino e aprendizagem de língua materna e a Educação,
sora Temporária do Magistério Superior junto ao Departamento atuando na área de Linguística Aplicada, com ênfase nos se-
de Práticas Educacionais e Currículo da UFRN na área de Didática guintes temas: letramento, gêneros do discurso, linguagem,
e Ensino de Espanhol. formação de professores, currículo, educação do campo,
educação nos movimentos sociais, educação na cultura digi-
tal, entre outros.

Marília Varella Bezerra de Faria possui doutorado em Estudos da


Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e pós-
-doutorado em Linguística Aplicada pela Unicamp. Atua no curso de Paulo Rodrigo Pinheiro de Campos é Professor D-301 de
Licenciatura em Letras/Inglês da Universidade Federal do Rio Grande Língua Inglesa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec-
do Norte e na Pós-Graduação da mesma universidade, vinculada ao nologia do Rio Grande do Norte (IFRN). É Doutorando e Mestre
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. É pesquisa- (2013) em Estudos da Linguagem, Linguística Aplicada, pela Uni-
dora do Grupo de Pesquisa/CNPq “Práticas Discursivas na Contempo- versidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Possui espe-
raneidade”, tendo como interesses centrais questões de identidade, cialização em Gramática, Texto e Discurso pela UFRN (2010). É
discurso, cultura, crenças, língua inglesa. graduado em Letras com habilitação em Língua Inglesa e Lite-
raturas também pela UFRN (2008). Interessa-se principalmente
por metodologias, abordagens e métodos de ensino-aprendi-
zagem de línguas estrangeiras e por análise de discurso. Atual-
mente desenvolve sua tese intitulada Inglês com humor e tarefas:
uma proposta intercultural para o ensino médio.

20
Rhena Raíze Peixoto de Lima Mestre em Linguística Aplicada Rosângela Hammes Rodrigues é mestra em Linguística pela Uni-
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Trabalha como versidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutora em Linguís-
professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no Instituto tica Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. Católica de São Paulo (PUC/SP). Atua como docente e pesquisadora
Especialista em Texto, Gramática e Discurso e em Literatura Brasi- na UFSC desde 1994. Desenvolve pesquisas no campo da Linguís-
leira pela UFRN. tica Aplicada, nas áreas de ensino e aprendizagem das práticas de
linguagem, formação de professores e estudos dialógicos da lingua-
gem. Foi coordenadora do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos
em Linguística Aplicada (NELA), do Programa de Pós-Graduação em
Rodrigo Acosta Pereira é professor de Linguística Aplicada no De- Linguística e do Programa Mestrado Profissional em Letras, foi vice-
partamento de Língua e Literatura Vernáculas (DLLV), no Programa -presidente da ANPOLL e editora-chefe de periódicos acadêmicos.
de Pós-graduação em Linguística (PPGLg) e Mestrado Profissional
em Letras (PROFLETRAS) na UFSC. Pesquisa temas voltados à análise
de discurso e de gêneros discursivos sob o matiz dos escritos do
Círculo de Bakhtin. Atualmente integra o grupo de pesquisa Práticas Rosely Perez Xavier é doutora em Linguística Aplicada pela Uni-
discursivas na contemporaneidade (UFRN) e Núcleo de Estudos em camp. Atua no Curso de Licenciatura em Letras Inglês da Universi-
Linguística Aplicada - NELA (UFSC). Lidera o Grupo de Estudos em dade Federal de Santa Catarina nas disciplinas de Metodologia de
Linguagem e Dialogismo - GELID (UFSC). Ensino e Estágios Supervisionados (I e II), e no Programa de Pós-
-Graduação em Linguística na linha de pesquisa ‘Ensino e apren-
dizagem de língua materna e de língua estrangeira’. Na pesquisa,
seus interesses centram-se na área de aprendizagem de língua
estrangeira em contextos formais e informais, ensino baseado em
tarefas, relação entre material didático e aprendizagem e formação
de professores.

21
Roxane Rojo possui graduação em Letras Neolatinas Português- Vitória Maria Avelino da Silva Paiva é professora de Língua
-Francês/Língua e Literatura pela Universidade Presbiteriana Ma- Inglesa nas Escolas Estaduais Pedro II (município de Lajes) e
ckenzie, mestrado e doutorado em Linguística Aplicada ao Ensino Francisco de Assis Bittencourt (município de João Câmara), no
de Línguas pela PUC-SP. Fez estágio de Pós-Doutorado em Didáti- Rio Grande do Norte. É Doutoranda e Mestre (2012) em Es-
ca de Língua Materna na Université de Genève, Suíça, sob a dire- tudos da Linguagem, Linguística Aplicada, pela Universidade
ção do Prof. Dr. Jean-Paul Bronckart. Atualmente, é professora as- Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Possui especializa-
sociada livre docente do Departamento de Linguística Aplicada da ção em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Estadual
UNICAMP e pesquisadora 1C do CNPq. Atua principalmente nos do Rio Grande do Norte (UERN) (2008). É graduada em Le-
seguintes temas: (multi)letramentos, gêneros do discurso, ensino- tras/Língua Inglesa e Literaturas também pela UERN (2002).
-aprendizagem de Língua Portuguesa e avaliação e elaboração de Interessa-se principalmente por avaliação, metodologias,
materiais didáticos. abordagens e métodos de ensino-aprendizagem de línguas
estrangeiras. Atualmente desenvolve sua tese, pesquisando
a autoavaliação para a aprendizagem de língua inglesa .

Selma Alas Martins é Professora Associada de Língua Francesa


(UFRN) e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Lingua-
gem- PPgEL. Possui pós-doutorado em Ciências da Educação pela
Université de Lyon 2, França (2010); doutorado em Educação pela
Universidade de São Paulo (FEUSP-2002); experiência nos temas
relacionados ao ensino e aprendizagem de línguas, com foco na
formação de professor, metodologia de ensino e intercompreen-
são entre línguas românicas.

22
Tema

Gêneros do texto
e do discurso
Texto
1 Novos multiletramentos na era digital:
a questão das metodologias de pesquisa

Roxane Rojo
Eduardo de Moura Almeida Roxane Rojo e pelas Profas. Dras. Jacqueline Pei-
Jezreel Gabriel Lopes
xoto Barbosa (PUC-SP) e Rosineide Melo (CUFSA),
tem-se debruçado, desde 2010, sobre a questão
Nosso grupo de pesquisa, composto essen- dos novos multiletramentos na era digital e de
cialmente pelos mestrandos e doutorandos1 do como as práticas escolares e os currículos e mate-
Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplica- riais didáticos para o ensino de Língua Portuguesa/
da (PPGLA) do Instituto de Estudos da Linguagem Linguagens e Códigos podem incorporá-los.
(IEL) da UNICAMP, sob a orientação da Profa. Dra. Juntos, temos já publicado alguns volumes
e artigos/capítulos2 que resenham, descrevem e
1 O grupo é composto pelos doutorandos sob orientação de Profa. Dra. Ro-
xane Rojo, Profa. Marly Aparecida Fernandes e Profa. Liliane P. Da Silva (DO,
reinterpretam os conceitos de novos letramentos
ambas pesquisando repositórios de objetos digitais); Profa. Ana Amélia Cala- e de multiletramentos, buscando refletir sobre
zans da Rosa e Prof. Adolfo Tanzi Neto (DO, ambos pesquisando Ambientes
Virtuais de Aprendizagem (AVA) em cursos EaD e seu impacto nos multile- sua entrada na escola e no ensino-aprendizagem
tramentos); Prof. Eduardo de Moura Almeida (DO) e Profa. Nayara Moreira
Santos (ME) (ambos pesquisando dois gêneros de vidding – os AMV e os ví-
de línguas/linguagens na contemporaneidade.
deo-minuto); Profa. Kátia Sayuri Fujisawa (ME, pesquisando a arquitetônica Por essa razão, não retomaremos aqui
das redes sociais, em especial o Facebook, e suas propiciações em relação
aos novos multiletramentos); Prof. Jezreel Gabriel Lopes (ME, pesquisando essas definições e discussões anteriormente ci-
os objetos e livros didáticos digitais interativos e seu impacto no ensino e na tadas, mas, complementarmente, pretendemos
dinâmica de sala de aula) e Prof. João Reynaldo Pires Jr. (ME, pesquisando
os games e a aprendizagem baseada em games – game based learning). Já enfocar neste texto os desafios metodológicos
a Profa. Dra. Jacqueline P. Barbosa, foi professora de alguns dos pesquisa-
dores antes mencionados na Iniciação à Pesquisa e compartilha com Profa.
Dra. Roxane Rojo a autoria de algumas publicações, e a Profa. Dra. Rosineide
Melo realizou seu Pós-Doutoramento em interlocução com Profa. Dra. Ro-
xane Rojo, avaliando o valor do conceito bakhtiniano de “arquitetônica” para 2 (ROJO; BARBOSA; COLLINS, 2005; ROJO; MOURA, 2012; ROJO, 2013; ROJO;
esses estudos. BARBOSA, 2013; no prelo a; no prelo b; MELO; ROJO, 2014).

24
a que estão sujeitos os pesquisadores desse diferentes objetos e campos, com diferentes ob-
campo3. jetivos e interesses primários de pesquisa.
Na última vez em que tivemos oportunida- No que diz respeito ao que aqui nos inte-
de de levar a efeito a discussão sobre as me- ressa, ou seja, a pesquisa sobre os novos e mul-
todologias de pesquisa no campo dos multile- tiletramentos na era digital, o manual de Someck
tramentos e dos novos letramentos, em uma e Lewin tinha pouco ou quase nada a acrescen-
disciplina de Pós-Graduação sobre Metodologias tar. Três capítulos se destacavam a esse respei-
de Pesquisa4, buscamos inspiração em dois ma- to: Carson et al. (2005), Kress e Mavers (2005) e
nuais de metodologias de pesquisa, organizados Lankshear e Leander (2005).
respectivamente por Someck e Lewin (2005) e No primeiro deles (CARSON et al., 2005), os
Coiro, Knobel, Lankshear e Lew (2008). autores recorriam a Saussure (Cours), a Barthes
Iniciamos por Research Methods in the Social (1977) e a Chaplin (1994), para sustentar que a
Sciences (SOMECK; LEWIN, 2005), pelo fato de a teoria da representação e a “sociologia visual”
disciplina atender a alunos que adotavam os poderiam se apoiar nos insights dessa semiolo-
mais variados tipos de metodologia, enfocando gia. Os autores concluíram que,

[...] se você trabalha com imagens visu-


3 Agradecemos aos organizadores do 11º Congresso Brasileiro de Ensino Su-
perior a Distância – ESUD 2014 que, ao proporem que realizássemos um ais ou em movimento, você irá utilizar
Workshop intitulado “Metodologias de pesquisa: Letramento na era digital”
(ROJO; MOURA; LOPES), provocaram as reflexões que integram este texto. essencialmente a mesma “gramática”
4 LP030 – Metodologia de Pesquisa, 2º/2013, única disciplina obrigatória do [de Saussure, de Barthes] para dar su-
Mestrado no PPG-LA/IEL/UNICAMP.

25
porte a sua análise e examinar os modos especialmente se relida à luz dos trabalhos de
pelos quais as práticas sociais criam sig- Barthes (1987, 1964).
nificado e como mesmo a mais aparen- Ora, nossa tendência era naturalmente re-
temente natural das significações car- jeitar uma posição como essa. Entendíamos que
regará marcas de poder (CARSON et al., os autores eram da área de Ciências Sociais e
2005, p. 166, grifos nossos). não de Ciências da Linguagem e que estavam
se referindo a métodos de pesquisa em Socio-
Ou seja, os autores buscavam sustentar logia, Antropologia e História que, por exemplo,
que, embora esses textos (“representações”) baseavam-se em documentação fotográfica ou
fossem compostos ou entremeados por imagens em vídeo. Mesmo assim, supor que a proposta
estáticas ou em movimento, embora pertences- estruturalista feita para a descrição do sistema
sem a outras semioses, poderiam ser analisa- semiótico verbal (la langue) possa se estender
dos com base nas descobertas sobre a língua do com ganhos a outras semioses (imagem estática
Curso de Ferdinand de Saussure, ou ainda com ou em movimento, música) leva a uma análise
base na Semiologia barthesiana. Logo, a meto- metaforizada que se arrisca a perder o caráter
dologia de análise da materialidade dos textos
multissemióticos poderia ser a “mesma” da do
estruturalismo francês com sua rede de concei-
tos (língua e fala; motivação e arbitrariedade; pa-
radigma e sintagma; significado e significante),

26
topológico e não tipológico desses outros siste- era difícil acatar que o sistema estrutural arqui-
mas (ver LEMKE, 1998, s/p5). tetado por Saussure para a análise da língua ou
Para nós, que estávamos definindo os mul- mesmo a semiologia (inicialmente estrutural) de
tiletramentos como uma multiplicidade de se- Roland Barthes que reinterpretava esse sistema
mioses que compõem os textos contemporâ- para a análise da fotografia, por exemplo, pudes-
neos e que, ainda mais, incorpora e hibridiza/ sem nos valer. Desconfiávamos que não.
mescla uma grande diversidade cultural em sua Já antes havíamos resistido às sugestões de
tesscitura (COPE; KALANTZIS, 2006 [2000/1996]) uma semiótica social (e não estrutural) proposta
e os novos letramentos não somente como por Gunther Kress e colaboradores, apoiados na
novos artefatos digitais (new stuff), mas principal- Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday para
mente como uma nova mentalidade e um novo o verbal, como uma base de análise potente para
ethos que norteiam os letramentos, as práticas os textos contemporâneos. Por exemplo, Kress e
e os enunciados multissemióticos/pluriculturais Mavers (2005, p. 172, grifos do autor), no mesmo
que deles resultam (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007), volume, defendiam que a Semiótica Social

5 “Começo a acreditar que criamos significação de duas maneiras fundamen- [...] desafia a pressuposição – implí-
talmente complementares: (1) classificando coisas em categorias mutua-
mente exclusivas e (2) distinguindo variações de grau (ao invés de tipo) em cita ou explícita – de que a teoria lin-
vários contínuos de diferença. A linguagem opera principalmente da primei-
ra maneira, que chamo de tipológica. A percepção visual e gestual/espacial
guística pode prover uma abordagem
(desenhar, dançar) opera principalmente da segunda maneira: a topológi- satisfatória da representação e da
ca. Como já disse, a real criação de significação geralmente envolve combi-
nações de diferentes modalidades semióticas e, logo, também combinações comunicação que possa ser aplicada
desses dois modos gerais” (LEMKE, 1998, s/p).

27
em geral e defende que precisamos de e analogia. Ao mesmo tempo, preci-
uma teoria que possa dar conta igual- samos descrições que focam nas ca-
mente dos gesto, da fala, da imagem, racterísticas de modos específicos, ca-
da escrita, de objetos tridimensionais, tegorias tais como verbos ou vetores
da cor, da música – uma teoria que se (para tratar de dinamismo, ação, movi-
aplique a todos os modos – e que a mento), sujeito ou entidades salientes
linguística não nos pode fornecer um (para tratar de funções de tipo grama-
modelo apropriado. tical), nomes ou retratos (para tratar
com representações de tipo objetal).
No entanto, logo abaixo no mesmo texto,
Kress (p. 172-173, grifos do autor) afirmava que a Ou seja, o autor parecia aceitar que os acha-
Semiótica Social é capaz de prover categorias que, dos das teorias da língua/linguagem relativos à
semântica e ao discurso podem ser aplicados às
[...] em um nível, aplicam-se a todos diversas modalidades de linguagem, mas que os
os modos igualmente, à fala assim achados da Linguística de níveis mais baixos – le-
como à imagem, ao gesto assim como xical ou sintático – têm de achar seus elementos
à música, à escrita assim como a obje- correspondentes em cada modalidade. E parece
tos tridimensionais e assim por diante: ser mesmo o que é feito, por exemplo, em Kress
categorias tais como signo, texto, e Van Leeuwen (2006), já desde o título da obra:
gênero, discurso, ou ainda metáfora Uma “gramática” (aspas nossas) do design visual.

28
Já Lankshear e Leander (2005, p. 326), no •• estudos de análise de texto e discurso de co-
mesmo volume, alertavam para o fato de que “a municação e interação em espaços online ba-
pesquisa no ciberespaço envolve a internet de seados em texto;
dois modos: como uma ‘ferramenta de pesqui-
sa’ e como uma ‘mídia social’ que apresenta fe- •• estudos baseados em entrevistas sobre prá-
nômenos a serem pesquisados (JONES, 1999, p. ticas sociais online;
X)”. Tendíamos, nosso grupo, ao segundo modo.
Mas então, os autores passavam a enumerar os •• Surveys sobre fenômenos sociais diversos per-
principais tipos de pesquisa levadas a efeito na tencentes a ambientes online e offline, usando
internet – e neles, novamente não víamos o se- questionários online;
gundo modo (“uma ‘mídia social’ que apresenta
fenômenos a serem pesquisados”). Os principais •• Pesquisa documental que usa a internet prin-
tipos de pesquisa enumerados incluíam: cipalmente como uma ferramenta para cole-
tar dados e/ou para levar a cabo análise e in-
•• estudos etnográficos e outras formas de ob- terpretação (muitas vezes colaborativamente).
servação participante de práticas sociais nos
espaços e “comunidades” online; Ora, mesmo aqui, o que víamos era o uso
das tecnologias digitais como uma ferramenta
de coleta e análise de dados, mas baseadas em
metodologias (e teorias, supomos) anteriores ao

29
advento da cibercultura – e que, logo, ignoram Assim, nós do grupo de pesquisa, insatisfei-
as mudanças que esta trouxe às linguagens e tos com o que esse manual nos trouxe, busca-
práticas: etnografia (ou, pior, netnografia6 como mos outro manual: Handbook of research on new
querem alguns); observação participante; pes- literacies (COIRO et al., 2008). E aí nos reconhece-
quisa documental; análises de texto/discurso/ mos em algumas observações em favor da inter
interação; surveys. ou transdisciplinaridade, tais como:
Claro fique que não estávamos aqui que-
rendo “reinventar a roda redonda”. É claro que, As principais tendências, perspecti-
mesmo com um objeto inusitado na história da vas teóricas e pesquisa interdiscipli-
humanidade como os novos multiletramentos, nar sobre os novos letramentos [...]
teremos de nos valer do conhecimento acumu- reconceitualizam a pesquisa sobre o
lado, seja em termos metodológicos ou teóricos. letramento a partir de um esforço in-
Mas não para reencontrar o velho e sim para terdisciplinar. Trata-se, muito mais de
vislumbrar uma sombra do novo. levantar perguntas que de fornecer
respostas [...]

6 “One methodology recently introduced in the consumer research literature Como a internet e outras tecnologias
is that of netnography, an interpretive method devised specifically to inves-
da informação e da comunicação
tigate the consumer behavior of cultures and communities present on the
Internet. Netnography can be defined as a written account resulting from (TDIC) alteram a natureza do letra-
fieldwork studying the cultures and communities that emerge from on-line,
computer mediated, or Internet-based communications, where both the
mento (novos letramentos)? [...]
field work and the textual account are methodologically informed by the tra-
ditions and techniques of cultural anthropology” (KOZINETS, 1998, p. 336).

30
Novos letramentos são múltiplos, Como dissemos, não que fôssemos “rein-
multimodais e multifacetados. Assim, ventar a roda redonda”, mas um posicionamen-
são mais bem enfocados por análises to como esse nos alertava principalmente para
que trazem múltiplos pontos de vista uma postura (metodológica) que deveríamos de-
para entendê-los. Em um mundo de senvolver, aliás já bastante valorizada na área de
crescimento explosivo de tecnologias Linguística Aplicada: a busca pela inter ou trans-
e práticas de letramento, torna-se cada displinaridade; a tentativa de um olhar “fractal”,
vez mais difícil pensar o letramento prismático, que revela o caráter múltiplo e mul-
como um construto singular que se tifacetado do objeto (novo); o apoio em teorias
mantém através de todos os contex- e metodologias já conhecidas que parecem
tos. Isso sugere que é mais interessan- úteis para desvelar facetas desse olhar prismá-
te nos valermos de pesquisas que se tico, mas não para reafirmá-las como tal e sim
movem na complexidade que múlti- para desvelar um novo prisma; lidar de maneira
plas perspectivas trazem ao estudo da tranquila com a diversidade desses prismas e
questão (Labbo & Reinking, 1999). Isso suspender a busca por totalizações; buscar lidar
também sugere que a área é mais bem com a complexidade. Embora sem dispormos de
estudada em equipes interdisciplina- uma equipe interdisciplinar, buscar afinar um
res, na medida em que as questões se olhar transdisciplinar para os fenômenos.
tornam demasiado complexas para o Assim, na continuidade de nossas pesqui-
modo tradicional de investigação soli- sas e discussões, concertamos um conjunto
tária. [...] (COIRO et al., 2008, s/p). de princípios que tem nos servido de guia. En-

31
quanto grupo de pesquisa, estamos de comum •• buscar teorias de base amplas e abertas, que
acordo de que devemos: admitam novos objetos e outras semioses,
como é o caso, por exemplo, da teoria dialó-
•• fazer pesquisa aplicada – isto é, que busque gica do discurso do Círculo de Bakhtin;
interferir no mundo e na vida, e não teórica
ou descritiva; no nosso caso, os principais •• buscar teorias e metodologias demandadas
campos de aplicação têm sido a educação e pelos objetos específicos em seu campo ori-
o ensino de línguas/linguagens, a gestão de ginal de elaboração (como artes plásticas, fo-
currículos e da formação docente, a edição de tografia, cinema, dança, música, games etc.); e
objetos, cursos e protótipos de ensino digitais;
•• buscar derivar da pesquisa objetos aplicados
•• fazer pesquisa transdisciplinar, recorrendo a com impacto social.
várias teorias de diferentes áreas a partir das
demandas do objeto de estudo e do interesse Na continuidade deste texto, apresentamos
primário (aplicado) de pesquisa; duas diferentes pesquisas do grupo – uma vol-
tada à descrição de um gênero de vidding muito
•• reconhecer os novos multiletramentos como apreciado pelos jovens (o AMV) e aos novos
um novo universo e com isso buscar não multiletramentos que sua recepção/produção
transpor teorias/metodologias à revelia dos requerem (MOURA, no prelo) e outra que testa
objetos e interesses de pesquisa; protótipos de materiais didáticos interativos

32
para dispositivo móvel (tablet) em seu uso em partilhada que percorre as redes, que escolhem
sala de aula, tanto para avaliar os materiais em um mesmo espaço para distribuir, divulgar e es-
si e seu efeito na aprendizagem como as alte- tabelecer contato.
rações que o uso do dispositivo acarreta para a Segundo Jenkins (2012), o YouTube, por
dinâmica de sala de aula (LOPES, em prep.). O exemplo, promove uma espécie de casa para
leitor poderá então avaliar se esse conjunto de diferentes comunidades que representam tradi-
princípios fundamentais antes mencionado tem ções diversas, mas também cria outras intersec-
mesmo norteado nossa ação de pesquisa. ções: desenvolve uma nova ecologia de mídias,
comunidades, subgrupos e estéticas, estabele-
1.AMV: Estéticas de sampling cidas no cruzamento cultural que o próprio site
em movimento representa. Inovações estéticas e tradições for-
mais transitam rapidamente de uma comunida-
Nos últimos anos, as práticas de remix e de produtora para outra. Dessa forma, torna-se
mashup têm tomado fôlego devido à prolifera- desafiador manter qualquer linha divisória entre
ção de arquivos de vídeos digitais online e ao de- os diferentes remixes de imagem em movimento
senvolvimento e acesso aos softwares de edição. que circulam no YouTube (JENKINS, 2012, s/p).
Esse momento ainda é potencializado por sites Diante desse contexto, constatamos que al-
de compartilhamento e divulgação de vídeos gumas práticas e produções tornaram-se, de certa
que impactam no resultado final de subgrupos forma, parte de uma “cultura comum” do YouTube.
de remix, dando início a uma nova cultura com-

33
Quadro 1 – Alguns exemplos de vídeos e práticas de edição
que circulam no YouTube e seu real potencial criativo, devemos considerar
como a gravação e a reprodução mecânicas evo-
Prática Definição Exemplo
luíram em uma estética de seleção e sampling7; de
Vídeos virais feitos para serem
redistribuídos em redes
captura e manipulação de arquivos digitais.
sociais. Consistem no remix
Hitler fica sabendo: Navas (2012) reconhece quatro estágios na
Legendagem de um mesmo fragmento de
material audiovisual, acrescido
http://goo.gl/dPMLUh
formação do remix como o reconhecemos e pra-
de, somente, uma nova
legenda. ticamos na atualidade.
Recurso de áudio utilizado
Em um primeiro momento, o próprio
para alterar a altura e a mundo é capturado e ressignificado. Uma vez
afinação de vocais. Por meio Joel Santana
Auto-tune
desse recurso, vídeos são http://goo.gl/VeAoJ6 que a gravação mecânica é difundida e torna-se
transformados em uma canção
ou videoclipe. mais comum, desenvolve-se um novo estágio
Vídeos que recebem o nome
em que materiais são gravados e arquivados em
da técnica utilizada em sua grande quantidade, o que viabiliza as fotocola-
produção: a seleção de som Dunga em um
Overdubbing ou (re)dublagem de um dia de Fúria!: gem, fotomontagem, found footage8 etc., durante
filme, sincronizada com o http://goo.gl/coUmsL.
movimento labial dos atores os anos 20.
do material original.

Fonte: Elaboração dos autores com base no Youtube. 7 O sampling é, segundo Navas (2012), a cópia/captura de um determinado
fragmento feita a partir de qualquer forma de gravação mecânica.

8 Found footage é o nome dado aos filmes que empregam a prática de


Contudo, Eduardo Navas (2012, p. 12) argu- apropriação de materiais audiovisuais preexistentes com o intuito
menta que, para compreendermos melhor o remix de recontextualizar e inscrever novos significados, por meio de mon-
tagens criativas.

34
Durante os anos 70, máquinas de remix são tunidade de criar seus remixes, por meio da com-
criadas e apropriadas por DJs (segundo momento). binação e recombinação de estéticas, linguagens
Nesse contexto, desenvolve-se um terceiro mo- e semioses tidas, anteriormente, como distintas.
mento na estética do sampling: a popularização Diante das características aqui levantadas e
de comentários socialmente reconhecidos, feitos do momento atual em que se encontra a estética
a partir da manipulação de gravações musicais. O do sampling, acreditamos que seja essencial bus-
remix9, scratch10 e sampling tornam-se comuns e carmos entender melhor as tradições de edição
populares em movimentos como o Hip-Hop e tran- e montagem audiovisual em jogo nas “transcodi-
sitam para outras manifestações culturais como a ficações”11 presentes nos remixes de imagem em
literatura, as artes plásticas e o cinema. movimento que circulam em sites de compartilha-
Por fim, temos o estágio atual da estética do mento e divulgação de vídeos como o YouTube.
sampling, em que se privilegiam criações feitas a Podemos, em um primeiro momento e de
partir de materiais e arquivos preexistentes no maneira provisória, destacar três grandes “refe-
lugar de representações do mundo em si. Com rências culturais” importantes que antecedem
isso, os estágios anteriores combinam-se em um o desenvolvimento das novas tecnologias de in-
“metanível” em que é dada aos usuários a opor-
11 Princípio que, para Manovich, descreve “a consequência mais substancial
da computadorização da mídia” (MANOVICH, 2001, p. 44). Para o autor, a
9 Segundo Navas (2012), o termo remix só começa a ser usado nesse período transcodificação resultaria em uma mistura de sistemas de significação
e em contexto musical. “não digitais” e computacionais; uma hibridização entre “formas tradicio-
10 Scratch é uma técnica usada por DJs para produzir sons distintos, movendo nais por meio das quais as culturas humanas modelam o mundo e o modo
um ou mais discos de vinil para frente e para trás. O scratch é, comumente, próprio dos computadores representarem esses mundos” (MANOVICH,
ligado ao Hip Hop e está associado ao remix. 2001, p. 46)

35
formação e comunicação e que têm os remix de Os Anime Music Videos (AMV, na sigla em
vídeo como um discurso fundamental em suas inglês) são produções transformativas13 basea-
interações sociais e culturais (ROJO; MOURA, das, principalmente, na edição de vídeo e áudio,
2013, p. 20-42). Cada uma dessas redes sociais criados pela combinação de materiais e elemen-
assume relações e formas diferentes de se apro- tos retirados de diferentes animações japone-
priar e reconverter os bens simbólicos e os di- sas (animês) e montados com uma determinada
versos gêneros vindos da cultura pop em remixes música, com intuito de destacar uma leitura par-
variados de imagens em movimento. ticular sobre um determinado material original.
O videoclipe FLASH14 é um exemplo sig-
Quadro 2 – Referências culturais e tradições importantes para nificativo de AMV. Segundo o autor, foi criado
remixes de imagens em movimento com objetivo de parodiar o herói Flash Gordon.
Referência Categoria de
O autor queria brincar com a trilha sonora, por
Exemplo
cultural Remix de Vídeo julgar divertido o fato de a música criada pela
A Thousand Points of Night –
Cultura Jamming12 Political Remix (PRV)
http://migre.me/f5NZp
13 Segundo o glossário do Organization for Transformative Works, produções
Cultura de Fã Fan Vid Closer – http://goo.gl/8jodN6 transformativas são obras criativas desenvolvidas a partir de uma obra ori-
ginal. As produções transformativas acrescentam algo de novo com propó-
Safety Dance – sitos diferentes, alterando e agregando novos significados e/ou mensagem
Cultura otaku AMV
http://migre.me/fojQh
ao material fonte. São exemplos de produções transformativas: fanfictions,

Fonte: Adaptado de Rojo e Moura (2013, p. 233-263). remixes, mashups, fan vids, AMV etc. Disponível em: <http://transformati-
veworks.org/glossary/13 - lettert>. Acesso em: 20 ago. 2014.
12 Cultura que busca aplicar diferentes técnicas para propagar o anticonsu-
mismo, romper e subverter a cultura “padrão”; normalmente, também é 14 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=zqJcn35ZMf4>. Aces-
associada a movimentos de contracultura. so em: 20 ago. 2014.

36
banda Queen ser mais popular do que o pró- mativas e de remixes de imagens em movimento,
prio filme e por considerar irônico Flash Gordon as comunidades AMV organizaram-se em torno
transformar-se em “cult”, apesar da “breguice” e de um mesmo portal: o AnimeMusicVideos.org
da “estética duvidosa”. Vlad G. Pohnert comenta (http://www.animemusicvideos.org/).
que, na verdade, só definiu seu projeto de fato No the.org, como é conhecido o AnimeMu-
quando constatou que a personagem do seu sicVideos.org, os participantes promovem com-
animê preferido, Tengen Toppa Gurren Ragan15, petições, encontros, projetos colaborativos de
o jovem Kamina, compartilhava características edição de vídeo, fóruns de discussão, entrevistas
com o próprio Flash Gordon. com criadores que se destacaram na comunida-
Vídeos como FLASH fazem, cada vez mais, de, documentos sobre a estética AMV e tutoriais
parte do universo dos jovens de hoje em dia: re- sobre criação e edição de vídeos que delimitam
presentam novas práticas de letramentos, estão certos aprendizados dentro da comunidade.
apoiados em novos valores, estéticas e em novas Os guias de técnicas de edição de vídeo e
maneiras de se criar e compartilhar significa- remix de imagem em movimento são divididos
dos (LANKSHEAR, 2007; LANKSHEAR; KNOBEL, em três tópicos no the.org: “sincronização”, “con-
2010; 2011). ceito” e “efeitos”.
De maneira muito particular, diferente de A “sincronização” é apontada, dentro da co-
outras redes de criação de produções transfor- munidade, como um aspecto importantíssimo
15 Traduzido para o português como “Ultrapassando os céus com Gurren-Lag-
na criação de um bom AMV. Por meio de edição
ann”. É uma série de animê que narra a saga de uma civilização futurista que promova uma sincronia adequada entre
em que os poucos sobreviventes humanos vivem no subterrâneo.

37
“música”, “letra” e “clima” do material original, “sincronização”. Centramos nossa abordagem
os editores conseguem dar vasão a inúmeros interpretativa na perspectiva enunciativo-dis-
projetos e materializar diferentes categorias de cursiva bakhtiniana (BAKHTIN/MEDVIÉDEV,
AMV: terror, drama, humor, ação etc. 2012[1928]; BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2009
Considerando a relevância que os remixes [1929]; BAKHTIN, 2010 [1934-35/1975]; 2003
de imagem em movimento assumem nas cul- [1952-53/1979]), a qual nos permite considerar
turas juvenis, temos, desde 2013, nos dedicado contextualmente as culturas juvenis e otaku.
a descrever os AMV por meio da observação do Contudo, a descrição e análise de textos e
próprio portal AnimeMusicVideos.org16. Para tanto, enunciados contemporâneos multissemióticos
concentramo-nos no conjunto de princípios ante- que envolvem diversas linguagens, mídias e tec-
riormente mencionados neste artigo, os quais têm nologias, dentre eles os AMV, colocam novos de-
nos servido de guia enquanto grupo de pesquisa. safios para a teoria de gêneros de discurso pro-
Dessa forma, pautamo-nos nos mate- posta pelo Círculo Bakhtiniano, que privilegiou
riais criados e distribuídos na comunidade, di- em suas teorização o texto escrito, impresso e
recionando nosso olhar à prática de edição e literário (ROJO, 2013, p. 26-27).
montagem, principalmente, ao fenômeno da Dessa forma, temos proposto um desenho
de pesquisa misto, quantitativo-qualitativo, ba-
16 Refere-se ao projeto Anime Music Video (AMV), multi e novos letra- seado em distribuições estatísticas de escolhas
mentos: O remix na cultura otaku. Doutorado em desenvolvimento, sob
orientação da Profa. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo, vinculado à área formais e estilísticas em que os AMV são prepa-
de concentração Linguagem e Educação, do Programa de Pós-Graduação
em Linguística Aplicada (PPGLA/IEL/UNICAMP) e de autoria de Eduardo de rados para descrição e análise a partir de técni-
Moura Almeida.

38
cas de visualização de dados denominadas de
rs) segue uma tendência de edição baseada em
media visualization por Manovich (2011, 2010).
cenas escuras e menos contrastadas (Figura 1).
Manovich denomina de media visualization o
desenvolvimento de processamentos computa-
Figura 1 – Gráfico de desvio padrão referente à variação de tons de cinza.
cionais combinados com “visualizações” (gráficos, Comparação entre La tristesse durera toujours e Written in the spirals.
infográficos, montagens e outras representações
visuais de dados) que permitem uma “engenha-
ria reversa” de aspectos de mídia baseadas em
imagem em movimento (MANOVICH, 2011, p. 13).
As diferentes técnicas de visualização de-
senvolvidas por Manovich e seus alunos (MANO-
VICH, 2011, 2010) nos permitem criar imagens e
gráficos que revelam relações e padrões existen-
tes no conjunto de dados audiovisuais dos AMV.
Por exemplo, ao compararmos dois AMV de
categorias diferentes, La tristesse durera toujours17
(drama) e Written in the spirals18 (ação), por meio
de gráficos de desvio padrão referentes à varia- Fonte: Comparação dos AMVs La tristesse durera toujours e Written in the spirals,
ção de tons de cinza, rapidamente, comprovamos disponíveis conforme notas 17 e 18, respectivamente.
que o AMV de drama (La tristesse durera toujou-
No AMV La tristesse durera toujours, o ponto
17 Disponível em: <http://goo.gl/2yBKB1>. Acesso em: 20 ago. 2014. de concentração dos frames ocorre na área do
18 Disponível em: <http://goo.gl/IAMMSH>. Acesso em: 20 ago. 2013.
gráfico com maior presença de tons escuros, en-

39
quanto que, em Written in the spirals, o mesmo
Acreditamos que técnicas de visualiza-
ponto de concentração encontra-se na região de
tons de cinza médio e mais saturados. Se apro- ção de dados como as propostas por Manovi-
ximarmos o Gráfico (Figura 2) no ponto em que ch (2011, 2010) e refinadas em nosso trabalho
se concentram o maior número de frames, po- podem iluminar produtivamente certos concei-
demos observar, ainda, tendência à seleção de tos propostos por Bakhtin e seu Círculo, como
imagens em closes e ambiente soturnos. os de forma de composição e estilo, por exem-
plo. No entanto, é importante frisar que os pro-
Figura 2 – Zoom, Gráfico de desvio padrão referente a variação
de tons de cinza –La tristesse durera toujours cedimentos técnicos aqui descritos devem ser
subordinados à ordem metodológica de análise
bakhtiniana que privilegia as instâncias sociais e
que vai da situação social de enunciação à mate-
rialização do gênero/enunciado/texto. Portanto,
só quando o nível de análise ligado ao “momento
material” é atingido, é possível passarmos às téc-
nicas desenvolvidas por Manovich (2011, 2010) e
às interpretações e às teorias semióticas disponí-
veis de análise de edição de vídeo (AMIEL, 2001;
2007; DANCYGER, 2011; HORWATT, 2009; MA-
CHADO, 2000; NAVAS, 2012; SANTAELLA, 2007).
Fonte: Aproximação em zoom pelos autores.

40
2 Protótipos didáticos digitais interativos
para tablets e interação em sala de aula gundo Rojo (2013, p. 6), “estão relacionadas a
uma nova mentalidade, que pode ou não ser
Ao considerarmos a popularização e conse- exercida por meio de novas tecnologias digitais”.
quente inserção de tablets e demais dispositivos Tal constatação evidencia que apenas o uso de
móveis nas escolas, podemos perceber a emer- tecnologia nas escolas não significa a inclusão
gência de questionamentos acerca de como devida das novas práticas de multiletramento
promover uma integração eficaz entre tais tec- em seu currículo. Para que a instituição escolar
nologias, as tecnologias do impresso e as práti- apodere-se dessas novas práticas, é preciso, pri-
cas educacionais. Encontrar respostas para tais meiramente, compreender que, associado aos
questões, além de analisar os impactos dessa novos letramentos, encontra-se um novo ethos
integração nos principais componentes da do- (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007), no qual paradig-
cência, são os objetivos desta pesquisa. mas são superados e novas relações na produ-
A convergência de semioses e discursos, o ção e veiculação de informação se estabelecem
acesso à informação vasta e ilimitada por meio (inclusive na docência).
de hipertextos e hipermídias, além da demo- Nesse contexto, a pedagogia dos multile-
cratização da autoria e da veiculação de dis- tramentos (COPE; KALANTZIS, 2006 [2000]), de-
cursos em diferentes modalidades, evidenciam senvolvida pelo Grupo de Nova Londres, enfoca
um fenômeno maior que as consequências dos a necessidade de uma profunda mudança de
avanços tecnológicos. As novas práticas de le- paradigmas no ensino, pois a análise do desen-
tramento resultantes desse novo contexto, se-

41
volvimento da forma escolar evidencia a preser- Como consequência da instituição de um
vação de um paradigma há muito cristalizado: espaço e tempo de ensino, Soares explica que
surge, então, a necessidade de sistematizar esse
A diferença fundamental entre o apren- tempo por meio do planejamento de atividades
dizado medieval e o aprendizado esco- que, por fim, estende-se na sistematização do
lar que se difundiu no mundo ociden- próprio conhecimento. A partir desse momento,
tal a partir sobretudo do século XVI foi, nasce a escola como instituição burocrática, na
segundo Petitat19, “uma revolução do qual alunos são organizados por categorias, que
espaço de ensino, pela substituição dos determinam um tratamento escolar específico
locais dispersos mantidos por profes- como horários, volume de trabalho, saberes a
sores “independentes” por um prédio aprender, processos de avaliação e de seleção
único abrigando várias salas de aula”. (HUTMACHER apud SOARES, 2002, p. 156).
Como consequência e exigência dessa Se a grande diferença entre o ensino me-
invenção de um espaço de ensino, uma dieval e o difundido no mundo ocidental está na
outra “invenção” surge: um tempo de instituição de um espaço e um tempo de ensino,
ensino (SOARES, 2002, p. 155). percebe-se a permanência, em ambos os perío-
dos, da figura de um professor – posteriormente
a figura de um professor e a de um livro didático
19 PETITAT, A. Produção da escola, produção da sociedade: análise
– detentor do conhecimento.
sócio-histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar no oci-
dente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

42
O advento de novas tecnologias, por meio movimento e sons. A partir de suas travessias,
das quais se estabelecem novas relações com a o aluno poderá criar seus próprios caminhos,
detenção, difusão e mesmo com a durabilidade sempre permeados por diversas vozes sociais
desse conhecimento, torna o papel de profes- (BAKHTIN, 1981 [1935] apud LEMKE, 2002, p.
sor, perpetuado ao longo das eras, algo sujeito 323), das quais emergirão significações diversas.
a reflexões e reinvenções. Além disso, em uma Essas novas formas de interação com a infor-
sociedade digital na qual a dimensão espacial mação e a nova organização da economia (COPE;
representa cada vez menos obstáculo, assim KALANTZIS, 2000) chamam atenção ainda para
como, em muitos casos, a dimensão temporal, revisões dos processos avaliativos, de forma que
para se “estar” em algum lugar ou interagir com eles possam levar em conta também o gerencia-
pessoas, percebemos que duas das bases funda- mento e a aplicabilidade de determinado conte-
mentais da escola ocidental moderna tornam-se, údo e questões relacionadas à colaboratividade.
aos poucos, sujeitas a ressignificações. Ressigni- A instituição escolar, em cada momento
ficações também necessárias à seleção de con- histórico, define-se pelo contexto social, econô-
teúdos e aos processos metodológicos, pois, na mico, cultural (SOARES, 2002) e também tecno-
contemporaneidade, é permitido ao aluno fazer lógico. Períodos de transição como o atual, em
travessias (LEMKE, 2002), por meio do hipertexto que se discutem novas relações culturais advin-
e da hipermídia, a partir das quais ele mergulha das da dissolução de fronteiras nacionais e do
em uma rede de informações materializadas advento do multiculturalismo, novas formas de
em forma de textos, imagens estáticas ou em manifestação e veiculação da informação e, con-

43
sequentemente, novas demandas educacionais 2005 e 2011, e divulgada em 2013, a respeito
e econômicas, exigem profunda observação, re- do uso de telefones móveis e do acesso à inter-
flexão e ressignificação. Dessa forma, o processo net no Brasil20, as projeções de Norris e Soloway
de transição não pode limitar-se ao simples des- (2009) demonstraram-se precisas. Segundo os
cartar e substituir, mas precisa estar embasado dados do IBGE, entre os anos pesquisados, o
em análises da realidade e pesquisas que sejam uso de celulares por pessoas com mais de 10
capazes de apontar as demandas da educação anos cresceu em 102,2%. O estudo ainda apon-
na contemporaneidade. tou que o percentual de pessoas de 10 anos ou
Norris e Soloway (2009, p. 243) afirmaram, mais de idade que acessam a internet passou de
em seu artigo A disruption is coming, que os anos 20,9% (31,9 milhões), em 2005, para 46,5% (77,7
vindouros seriam marcados por mudanças signi- milhões) em 2011. Desse total de internautas,
ficativas no contexto escolar, a ponto de gerarem 72,6% eram estudantes.
uma ruptura no sistema. Segundo os autores, a A disseminação de dispositivos móveis
popularização e o barateamento de dispositivos no ambiente escolar obrigou as instituições de
móveis permitiria aos alunos, independentemen- ensino, inicialmente, a adotarem medidas drásti-
te de sua classe social, que fossem às escolas cas para lidar com a situação. Em seu livro Mobile
equipados com celulares, por meio dos quais o Technology for Children, Druin (2009), apresen-
mundo estaria literalmente em suas mãos. ta diversas experiências ao redor do mundo
Se considerarmos a pesquisa feita pelo Ins- 20 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/im-
tituto Brasileiro de Geografia e Estatística entre prensa/ppts/00000012962305122013234016242127.pdf>. Acesso em:
17  maio 2014.

44
em que escolas baniram o uso de dispositivos rializam as rupturas em sua estrutura clássica de
móveis da sala de aula. No Brasil, observou-se ensino sobre as quais discorrem Norris e Soloway
movimento similar. Em 2008, o Distrito Federal (2009), rupturas essas originadas pela emergência
aprovou o Projeto de Lei nº 4.131/2008, da de- das novas tecnologias da informação e comuni-
putada Eurides Brito, que proibia o uso de celu- cação e de suas possibilidades, que evocam um
lares, mp3 players e videogames nas escolas21. A novo ethos ainda não assimilado pela escola.
justificativa para a medida consistia no fato de Embora presenciemos recentemente ações
que os celulares podiam gerar desatenção em que indiquem uma tentativa das instituições
sala aula, conflito entre professores e alunos e educacionais de inserção nessa nova ética, como
mesmo conflito entre os próprios alunos. a crescente introdução de tablets nas escolas da
Na região de Campinas, ao longo de minha rede particular de ensino e as intenções dos go-
experiência docente, constatei nas escolas em vernos de estender tal ação às escolas da rede
que lecionei uma postura similar à encontrada na pública de ensino, essa inserção não depende
lei do Distrito Federal: proibição de dispositivos apenas da disseminação desses dispositivos.
móveis, além de restrição ao acesso à internet ou É notável o fato de que a adoção das tec-
limitação de acesso aos computadores do labora- nologias móveis afasta-se de tendências redu-
tório da escola. Movimentos nessa direção reve- cionistas como a sinalizada pela lei de Eurides
lam o despreparo da instituição escolar e mate- Brito. Entretanto, “o conteúdo presente nesses
21 Disponível em: <http://www.sinprodf.org.br/wp-content/up-
dispositivos é tão importante quanto o hardware
loads/2011/03/lei-n%C2%BA-4.131-de-02-de-maio-de-2008.pdf>.
Acesso em: 17 maio 2014.

45
em si” (DRUIN, 2009, p. 9)22. Assim, uma vez su- não sejam tão lucrativas. Porém, o custo de sua
perada, em parte, a resistência, não apenas es- ausência é alto”24.
colar, mas de toda a sociedade, à adoção dessas Os reflexos da ausência de conteúdo focado
novas tecnologias para o ensino, novos proble- em educação revelam-se no uso, por exemplo,
mas emergem, tais como a produção de aplica- de tablets nas escolas de forma limitada, sem
tivos e de conteúdo com foco em aprendizagem acesso pleno à internet e apenas como leitores
para dispositivos móveis. de arquivos de texto. Ou seja, muda-se o su-
Segundo pesquisa do MEF23 (Mobile Enter- porte, mas se mantêm as mesmas práticas de
tainment Forum), no segundo semestre de 2013, leitura e interação observadas na utilização de
houve um aumento considerável no consumo de livros impressos. Dessa forma, exclui-se o acesso
aplicativos para celular e tablet no Brasil, porém, a hipertextos, à hipermídia e a ferramentas cola-
os conteúdos mais populares das lojas de apli- borativas, que são expressões básicas dos novos
cativos relacionam-se a entretenimento. Sobre multiletramentos necessários para a vida na so-
isso, Druin (2009, p. 11) observa que “talvez ciedade contemporânea.
quando comparadas às vendas de jogos e de Outras questões que devem ser conside-
ringtones, as vendas de recursos educacionais radas no processo de inserção de tecnologias
móveis nas escolas ― e que se relacionam à cons-
tatação acima de seu uso limitado ―, é a capa-
22  “the contend on these mobile technologies are as important as the hard-
ware itself”.
24 “Perhaps when comparing to ringtones and gaming sales, education re-
23 Disponível em: <http://www.mefmobile.org/activities-and-analytics/ sources are not the most profitable. But the expense of their absence is
analytics/global-consumer-survey-2013>. Acesso em: 17 maio 2014. even more costly”.

46
citação do corpo docente para utilização de tais Ao considerar o uso de tecnologias móveis,
ferramentas e a capacidade da infraestrutura es- a pesquisa aponta que apenas 2% das escolas
colar para suportar a adoção dessas tecnologias. pesquisadas dispõem do tablets e a porcenta-
Segundo pesquisa de 2012 do Centro Regional gem de professores que possuem tal equipa-
de Estudos para o Desenvolvimento da Socieda- mento em seu domicílio é de apenas 8%. Embora
de da Informação (CETIC.br), a respeito dos usos esse número ainda seja baixo, ao se considerar
das TDIC nas escolas25, a presença de dispositi- o acesso à internet de professores por meio de
vos móveis nas escolas da rede pública de ensino celulares, houve um aumento de 16% de 2010 a
vem crescendo desde 2010. Entretanto, a baixa 2013. Diante desses dados, a pesquisa revela o
velocidade de conexão com a internet limita seu fato de que o professor tem aderido à tendência
uso. Segundo o estudo, a velocidade de internet de mobilidade, mesmo que a formação inicial
mais presente nas escolas públicas é de 1 me- docente ainda não integre tais tecnologias.
gabyte e apenas 57% delas apresentam conexão Se não há formação de professores para
sem fio à internet. Escolas que pretendam adotar o uso de tecnologias móveis, mesmo sua for-
o uso de dispositivos móveis fracassarão se não mação para o uso de computadores e internet
planejarem melhorias e adequações em sua rede ainda não é a ideal, pois, segundo os dados do
de acesso à internet de forma que ela seja capaz estudo, menos da metade dos professores de
de suportar um dispositivo móvel por aluno. escolas públicas cursaram alguma disciplina vol-
tada especificamente ao uso do computador e
25 Disponível em: <http://www.cetic.br/educacao/2012/apresenta- internet em sua formação inicial. Entretanto, a
cao-tic-educacao-2012.pdf>. Acesso em: 18 maio 2014.

47
internet é praticamente universalizada entre os Os dados da pesquisa feita pelo CETIC.br
docentes brasileiros e apenas 2% deles afirmam sinalizam um longo caminho para que haja uma
não saber utilizar o computador. inserção eficaz de tablets nas escolas. Além de
Quanto às práticas pedagógicas que fazem capacitação docente e adequação de infraestru-
uso das TDIC, a pesquisa aponta que o uso de tura, é preciso discernir os paradigmas instituí-
computador em sala de aula é ainda instrumen- dos pelo uso de tecnologias móveis na educação.
tal em aulas que são, em sua maior parte, fo- Segundo Rogers e Price (2009, p. 61), estamos
cadas na exposição teórica, em exercícios para caminhando para uma era caracterizada pela
fixação de conteúdo e na interpretação textual. aprendizagem móvel (mobile learning), aprendi-
Sem muitos dados que remetam a práticas situ- zagem contínua (seamless learning) e aprendiza-
adas de multiletramentos, temos a impressão gem ubíqua (ubiquitous learning).
de que as análises feitas por Hutmacher (1992) e Os autores afirmam que as tecnologias
Soares (2002), constatando poucas mudanças na móveis permitem transitar por espaços físicos,
estrutura das instituições de ensino ao longo dos digitais e comunicativos sobrepostos. Além
últimos séculos, se materializam perfeitamente. disso, essa mobilidade pode ser alcançada de
Inserem-se computadores e a internet nas es- forma individual ou em grupos e, por meio de
colas, mas os paradigmas, em muitos sentidos tais tecnologias, encontra-se a continuidade
obsoletos, permanecem e as práticas continuam através de várias experiências de aprendizagens,
distantes daquelas necessárias ao mundo con- permitindo às crianças estabelecer conexões
temporâneo.

48
entre o que é observado, coletado, acessado e A despeito das potencialidades pedagó-
pensado (ROGERS; PRICE, 2009, p. 63)26 gicas dos dispositivos móveis, eles também
Embora o trabalho de Rogers e Price tenha podem ser fato gerador de alguns problemas
foco na utilização dos dispositivos móveis na na prática docente. Tais problemas motivaram,
educação infantil, os paradigmas instituídos por em grande parte, a inicial rejeição dessas tecno-
seu uso se estendem a todos os níveis de edu- logias sobre a qual discorremos anteriormente.
cação. Verifica-se, em exemplos utilizados pelos Rogers e Price (2009, p. 89), com base em suas
autores, o fato de que tais tecnologias propiciam pesquisas, elencaram três desafios a serem su-
a adoção de estratégias de aulas que valorizam perados. Segundo os pesquisadores, deve-se
a colaboratividade, a descentralização do conheci- evitar a sobrecarga de informação, prevenir a
mento na figura do professor – que passa a atuar distração em sala de aula e direcionar e estrutu-
com um mediador –, o trabalho com práticas rar as atividades que façam uso dos dispositivos
que envolvem os novos multiletramentos e a móveis. Percebe-se que o último desafio pode
superação de limitações espaciais e temporais. ser a base para evitar os demais problemas ad-
vindos do uso dessas tecnologias.
Por fim, é importante considerar o fato de
26 “Central to these notions is the idea that mobile technologies can be de- que os desafios para a incorporação desses dis-
signed to enable children to move in and out of overlapping physical, digital
and communicative spaces. This mobility can be achieved individually, in
positivos à educação não se restringem à prática
pairs, in small groups or or as whole classroom together [...]. It is assumed docente. Ching, Shuler, Lewis e Levine (2009, p.
that mobile technologies provide continuity across various learning expe-
riences, enabling children to make connections between what they are ob- 108) afirmam que inicialmente é preciso repen-
serving, collecting, accessing and thinking [...]”.

49
sar os conceitos de letramento e numeramento. convocam educadores, acadêmicos e a indústria
A argumentação dos autores vai ao encontro do a buscar evidências científicas produzidas por
defendido por Cope e Kalantzis (2006 [2000]), pesquisas na área a respeito do potencial educa-
abarcando questões referentes à multiplicidade cional desses aparelhos. Por fim, outra barreira
de linguagens e de culturas do mundo contem- a ser vencida também apontada pelos pesqui-
porâneo. Além disso, os pesquisadores salien- sadores, e talvez uma das mais importantes, é a
tam a importância de se buscar equidade digital, compatibilidade dos softwares entre os dispositi-
ou seja, proporcionar acesso universal às tecno- vos móveis. A falta dessa compatibilidade entre
logias móveis a toda população. os sistemas operacionais disponíveis no merca-
No Brasil, percebe-se um contexto favorá- do dificulta a criação de softwares e aplicativos e
vel a isso, como provam os dados anteriormente sua utilização em sala de aula.
expostos da pesquisa do IBGE e as iniciativas go- Levando em conta todo o anteriormente
vernamentais de inserção de tablets nas escolas exposto, estamos desenvolvendo nossa pesqui-
da rede pública de ensino. Finalmente, os auto- sa para a dissertação de mestrado27 buscando
res atentam à importância de se promover uma responder às seguintes questões:
mudança cultural a respeito da concepção que
se tem de dispositivos móveis (p. 124). É preciso, 27 Refere-se ao projeto Multiletramentos e Novas Tecnologias: ressignifi-
de acordo com os pesquisadores, reenfocar o cações do ensino de Língua Portuguesa. Mestrado em desenvolvimen-
to, sob orientação da Profa. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo, vincula-
caráter de mero entretenimento que parece in- do à área de concentração Linguagem e Educação, do Programa de Pós-
trínseco a essa tecnologia. Para isso, os autores -Graduação em Linguística Aplicada (PPGLA/IEL/UNICAMP) e de autoria
de Jezreel Gabriel Lopes.

50
•• Como os alunos interagem com dispositivos Segundo Rojo (2006, p. 264), pesquisas si-
de telas de toque? tuadas na área da Linguística Aplicada devem
considerar problemas com “relevância social
•• Quais os caminhos utilizados pelos alunos em suficiente para exigirem respostas teóricas que
contato com um material didático digital inte- tragam ganhos a práticas sociais e a seus partici-
rativo para dispositivos móveis? pantes, no sentido de uma melhor qualidade de
vida”. A autora ainda aponta para a importância
•• Há dificuldade ou proficiência no uso do dis- de se buscar reflexões sobre as novas possibi-
positivo pelos alunos? lidades, a partir dos novos instrumentos alvos
das pesquisas.
•• Os padrões interacionais verificados na litera- Dessa forma, com base na problemática
tura sociointeracional sobre interação em sala anteriormente discutida, é possível afirmar que
de aula (GUMPERZ; COOK-GUMPERZ, 2008; este estudo apresenta questões de relevância à
BATISTA, 2001) são alterados na presença de Linguística Aplicada, pois busca criar inteligibili-
material didático digital interativo para dispo- dade sobre os efeitos de materiais didáticos digi-
sitivos móveis? tais interativos para tablets na dinâmica em aulas
de Língua Portuguesa (Ensino Médio), ao mesmo
•• Há alteração no papel do professor e na rela- tempo em que propõe uma forma de trabalho
ção com e entre os alunos diante do uso de com tal tecnologia situada em um contexto per-
dispositivos móveis?

51
meado por novas práticas, novas tecnologias e Ensino Médio, que foram registradas por dois
novas configurações de discurso. focos de câmera. Valemo-nos, nesse processo,
Para isso, elaboramos um protótipo de ma- de metodologia da pesquisa qualitativa interpre-
terial didático digital interativo (MDDI) focado tativa de observação de sala de aula30, especifi-
em gêneros da divulgação científica28, por meio camente a observação participante. Além disso,
do qual é possível acessar um acervo de gêne- a tela do tablet de alunos da turma também foi
ros29 e textos nas mais diversas modalidades registrada, a fim de se verificar como se dava
de linguagem, além de navegar por hipertextos sua interação com o MDDI e com o dispositivo.
e pela hipermídia. O MDDI também apresenta Ao questionarmos como se dá a interação
atividades de produções de textos em gêneros do aluno com os dispositivos com telas de toque
do letramento convencional e dos novos multi- e com o material didático digital interativo, a pri-
letramentos. meira e a segunda pergunta objetivam consta-
O protótipo foi utilizado em duas aulas tar se, e como, as práticas de leitura dos alunos
de Interpretação/Produção Textual em Língua são modificadas diante das funcionalidades de
Portuguesa com uma turma de segundo ano do navegação oferecidas pelos tablets. Nota-se que,
a partir de tal recurso tecnológico, o aluno pode
28 Aquecimento global: consensos e controvérsias (Produção e Interpre- navegar pela internet, deparar-se com gêneros
tação Textual).
discursivos e textos nas mais diversas modalida-
29 Por gêneros, entendemos a concepção proposta por Bakhtin (2003 [1952-
53/1979]), como tipos relativamente estáveis de enunciados, elaborados 30  Na pesquisa em questão, os autores que fornecem suporte teórico para
em uma esfera social e caracterizados por tema, estilo e construção formal essa metodologia são: Cardoso e Penin (2009); Dornei (2009); Erickson
ditados pela valoração que os orienta. (1985); Jones e Somekh (2005); Tedlock (2005) e Vianna (2003).

52
des de linguagem, além de estar imerso em hiper- e alunos assume novas formas ou se mantém a
textos e hipermídias. Possibilidades como essas, mesma. É preciso considerar que, em uma sala
inseridas no e direcionadas para o ensino em sala de aula na qual os alunos utilizam dispositivos
de aula, eram impensáveis há algum tempo na móveis, há muitos mais estímulos a fazer con-
ainda vigente era do quadro negro e do caderno. corrência com a aula oferecida pelo professor.
Assim, com a introdução dos dispositivos Assim, é possível que o papel do professor neces-
móveis na escola, inicia-se a transição para um site assumir um caráter cada vez mais mediador
ensino situado em um novo contexto, com novas entre os alunos e a infinidade de conhecimentos
práticas que precisam ser estudadas no intuito acessíveis por meio das novas tecnologias digitais.
de torná-las cada vez mais eficazes para a prática No momento, estamos iniciando a análise
docente. Além disso, apesar de a atual geração dos dados coletados e esperamos atingir resul-
se valer diariamente de tecnologias móveis com tados que possam ter impactos aplicados tanto
tela de toque e acesso à internet, ao inseri-las no na inserção dos dispositivos móveis na escola
contexto escolar, é preciso questionar, como o faz como na prática e formação docente para sua
a terceira pergunta de pesquisa, se há proficiên- utilização e na elaboração de materiais didáticos
cia ou dificuldade no uso dos dispositivos móveis adequados a esse novo contexto.
aplicados ao ensino por parte dos alunos.
Por fim, as duas últimas perguntas de pes-
quisa intencionam verificar se, ao situar o ensino
nesse novo contexto, a interação entre professor

53
3 Considerações finais Referências

Os dois trabalhos brevemente expostos AMIEL, V. Esthétique du montage. Paris:


acima compartilham da vocação transdisciplinar Nathan, 2001.
– como mostram suas discussões teóricas; o re-
conhecimento dos novos multiletramentos como _____. Poética da montagem. In: GARDIES, R.
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pesquisa; e a busca de teorias e metodologias de-
mandadas pelos objetos específicos em seu campo BAKHTIN, M. M./VOLOCHINOV, V. N.
original de elaboração. O primeiro deles está mais Marxismo e filosofia da linguagem. 13. ed.
voltado para a descrição do gênero AMV e o se- São Paulo: Hucitec, 2009 [1929].
gundo tem um caráter mais ditado pelo interesse
primário de pesquisa, um caráter mais aplicado. BAKHTIN, M. M. Questões de literatura e
No entanto, ambos derivam da pesquisa objetos de estética: A teoria do romance. São Paulo:
aplicados com impacto social. Hucitec, 2010 [1934-35/1975]. 6. ed.
Assim sendo, são bons exemplos do que
o grupo vem buscando desenvolver. Deixamos _____. Problemas da poética de Dostoiévski.
agora ao leitor o julgamento final. Rio de Janeiro: Forense-Universitária,
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60
Texto
2 Por uma análise dialógica de discurso: reflexões

Rodrigo Acosta Pereira


Rosângela Hammes Rodrigues consolidando como resposta dos interlocutores
contemporâneos aos escritos de Bakhtin, Volo-
Introdução chínov e Medviédev.
A partir dessa consideração inicial, objetiva-
Em Linguística e Linguística Aplicada, dife- mos neste capítulo, percorrer os diversos escri-
rentes caminhos têm sido trilhados no campo tos do Círculo de Bakhtin, a fim de apresentar-
dos estudos do discurso, do qual resultam dife- mos um dispositivo teórico-analítico para uma
rentes vertentes teórico-metodológicas, como ADD, especificamente, para o campo da Linguís-
as de ordem francófona, se pensarmos nas tica Aplicada. Para tanto, contemplamos seções
pesquisas atuais sob o escopo dos estudos de que intencionam revisitar (i) as considerações
Foucault, Pêcheux, Maingueneau e Charaudeau; sobre o conceito de discurso, em consórcio com
anglo-saxã, se pensarmos nas pesquisas à luz o das relações dialógicas; (ii) as postulações do
das postulações de Fairclough, Wodak, Roger, Círculo sobre ideologia; (iii) as discussões sobre
Kress e Talbot, dentre outros. Além de desses o conceito de valoração/avaliação como índice
dois caminhos já consolidados nas Ciências da social de valor que consubstancia o discurso e,
Linguagem, compartilhamos com diversos pes- por fim, (iv) as diversas passagens nas obras do
quisadores, como, por exemplo, Brait (2006; Círculo em torno de diretrizes metodológicas
2007), Rodrigues (2001, 2005) e Acosta-Pereira para a análise do discurso, em diálogo com es-
(2008, 2012), uma terceira via de acessos aos tudos atuais de seus interlocutores nos campos
sentidos da prática discursiva: a Análise Dialó- da Linguística e da Linguística Aplicada.
gica de Discurso (doravante ADD), que vem se

61
2 Por um conceito dialógico de discurso
desse posicionamento teórico, considera essen-
Em Problemas da Poética de Dostoiévski, es- cial o estudo de aspectos da língua que não são
pecificamente no capítulo “O discurso em Dos- considerados pela linguística da época, uma vez
toiévski”, Bakhtin (2008 [1963], p. 207) enfatiza que esta lida com a língua abstraída da intera-
que irá iniciar a discussão no capítulo em tela a ção. Explica inclusive que, em função dessa sua
partir de “algumas observações metodológicas posição epistemológica, o estudo em vista não
prévias”, e assim o faz. seria exatamente linguístico “[...] no sentido rigo-
A primeira observação metodológica diz roso do termo” (p. 207), mas poderia ser deno-
respeito ao próprio conceito de discurso. Como minado de metalinguístico. Bakhtin nesse ponto
explica, o discurso é entendido como “[...] língua nos conduz a sua segunda observação metodo-
em sua integridade concreta e viva e não a língua lógica – a extrapolação dos limites da linguística
como objeto da linguística, obtido por meio de para a criação de novo campo de estudos que,
uma abstração absolutamente legítima e neces- em referido momento, o autor chamou de estu-
sária de alguns aspectos da vida concreta do dis- dos metalinguísticos.
curso” (BAKHTIN, 2008 [1963], p. 207). Em outras Como pontua, as pesquisas metalinguísti-
palavras, o autor reitera que objetiva estudar a cas podem ser entendidas como “[...] um estudo
língua não sob o matiz imanente, concepção – ainda não constituído em disciplinas particula-
vigente da linguística de sua época, mas como res definidas – daqueles aspectos da vida do dis-
objeto social, concreta e viva – a língua em uso, curso que ultrapassam – de modo absolutamen-
ou seja, a língua nas práticas interativas. A partir te legítimo – os limites da linguística” (BAKHTIN,

62
2008 [1963], p. 207). Tal caminho para o estudo as relações dialógicas são extralinguísticas” (p.
da vida concreta da língua – o discurso – não pre- 209). E, em sua terceira observação, completa:
cisa, segundo elucida o autor, ignorar a linguísti-
ca, pois “a linguística e a metalinguística estudam Na linguagem, enquanto objeto da
um mesmo fenômeno concreto, muito complexo linguística, não há e nem pode haver
e multifacético – o discurso, mas estudam sob di- quaisquer relações dialógicas: estas
ferentes aspectos e diferentes ângulos de visão” são impossíveis entre os elementos
(p. 207). Dessa forma, em termos metodológicos, no sistema da língua [...] ou entre os
devem completar-se, mas não fundir-se. Eis a elementos do “texto” num enfoque ri-
segunda observação teórico-metodológica para gorosamente linguístico deste. [...] Por
olhar a língua sob o matiz discursivo. isso, ao estudar “o discurso dialógico”,
Das observações supracitadas, Bakhtin nos a linguística deve aproveitar os resul-
encaminha para a terceira observação que, de tados da metalinguística (BAKHTIN,
certa forma, é o cerne de toda a questão em 2008 [1963], p. 209, grifos do autor).
volta da análise dialógica do discurso: as rela-
ções dialógicas. Para o autor, o “ângulo dialógi-
co” do discurso “[...] não pode ser estabelecido
por meio de critérios genuinamente linguísticos
[sistêmicos] [...]” (p. 208), dado que as relações
dialógicas que se consubstanciam na vida do
discurso, tornando-o vivo, não pertencem ao
campo puramente linguístico, lógico, porque “[...]

63
Entendemos, assim, que, ao estudar o dis- são possíveis também entre outros fenômenos
curso, isto é, a língua viva e em sua concretude, conscientizados [...]. Por exemplo, as relações
posicionamo-nos no estudo do “discurso dialó- dialógicas são possíveis entre imagens [...]” (p.
gico” (p. 209) que, em essência, pressupõe o “[...] 211), desde que se constituam como enuncia-
o verdadeiro campo da vida da linguagem” (p. dos, isto é, sejam vistos como representando
209). Contudo, lembra o autor que as relações um enunciado, “[...] desde que expressos numa
dialógicas são impossíveis de se constituírem no matéria sígnica” (p. 211, grifo do autor).
discurso sem as relações lógicas; essas relações Em convergência com as discussões elen-
se completam, mas não se fundem, reitera. Além cadas em “O discurso em Dostoiévski”, Bakhtin
disso, em torno do estudo das relações dialógi- (1998 [1975]), em Questões de literatura e de es-
cas do discurso, Bakhtin (2008 [1963]) explica tética, especificamente no ensaio “O discurso no
que estas se constituem não apenas entre enun- romance”, escrito em 1934/35, ratifica a ideia
ciados integrais, “mas o enfoque dialógico é pos- do discurso como “um fenômeno social” (p. 71),
sível a qualquer parte significante do enuncia- isto é, no referido texto, Bakhtin procura aus-
do” (p. 210). Dessa forma, as relações dialógicas cultar “a vida social do discurso” (p. 71) a partir
podem engendrar-se: (i) no âmago de uma pa- do estudo da “palavra viva” (p. 71), mesma tese
lavra isolada; (ii) entre estilos de linguagem; (iii) defendida em “O discurso em Dostoiévski”. Para
entre dialetos sociais e (iv) na enunciação como tanto, apresentando a defesa do romance como
um todo. Ao final, ainda esclarece que “numa um gênero literário, afirma que a língua viva é
abordagem ampla das relações dialógicas, estas não apenas “ideologicamente saturada” (p. 81),

64
como, por conseguinte, naturalmente estratifi- discurso [...]. A orientação dialógica é
cada por forças dessa “vida verbo-ideológica” (p. naturalmente um fenômeno próprio
82). Para o autor, o discurso é o ponto no qual a todo o discurso. Trata-se da orienta-
se imbricam forças centrípetas (de unificação) e ção natural de qualquer discurso vivo.
centrífugas (desunificação); a vida do discurso, (BAKHTIN, 1998 [1975], p. 85-88).
portanto, se entrelaça historicamente na corren-
te dessas forças. Como em “O discurso em Dos- Assim, mesmo apenas retomando duas
toiévski”, remetendo-se às relações dialógicas, obras do conjunto dos escritos do Círculo, é clara
em “O discurso no romance”, Bakhtin reitera que uma orientação para o conceito de discurso sob
as questões “[...] ligadas com a vida e com o com- o matiz dialógico. Em outras palavras, ao percor-
portamento do discurso” (p. 84) ainda não foram rermos o capítulo do livro e o ensaio cujos títulos
devidamente abordadas pelo estudo da língua. têm foco no “discurso”, podemos compreender
Na voz do autor, a concepção dialógica de discurso do Círculo: a
Além das fronteiras da filosofia da lin- língua viva, real, concreta, ideológica e estratifi-
guagem, da linguística e da estilística cada; portanto, um fenômeno social, ideológico
que está fundamentada nelas, os fe- e valorativo – eis o tema das próximas seções.
nômenos específicos do discurso per-
manecem inexplorados em sua quase
totalidade. Estes fenômenos [...] se
definem pela orientação dialógica do

65
3 A ideologia e o discurso
(2006[1929], p. 46), “não pode entrar no domí-
Bakhtin (1998[1975]; 2003[1979]; [VOLO- nio da ideologia, tomar forma e aí deitar raízes
CHÍNOV] 2006[1929]) entende que há uma re- senão aquilo que adquiriu um valor social” Em
lação intrínseca entre ideologia e linguagem, outras palavras, conforme explica Medviédev
porque postula que a ideologia se materializa na (2012 [1928], p. 50), “cada produto ideológico
linguagem, logo, toda ideologia é semioticamen- (ideologema) é parte da realidade social e ma-
te construída. “Em outros termos, tudo o que é terial que circunda o homem, é um momento do
ideológico é um signo. Sem signos não existe ide- horizonte ideológico materializado”.
ologia.” (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006[1929], p. O aspecto semiótico de todo fenômeno ide-
31). Dessa forma, o signo é sempre ideológico e ológico e da mediação nas diversas situações de
construído histórico-culturalmente nas diferen- interação social se constrói efetivamente no uso
tes situações e relações sociais. da linguagem. Nesse uso, Bakhtin entende a pa-
A especificidade do signo ideológico reside lavra, ou seja, a linguagem verbal, como signo
no fato de que ele se constitui entre sujeitos, privilegiado para observamos a relação entre
tecido em suas diferentes relações interpesso- signo e linguagem. Para o autor, a palavra (como
ais. “A realidade dos fenômenos ideológicos é a discurso) não é apenas um fenômeno ideoló-
realidade objetiva dos signos sociais. [...] É nisso gico por excelência (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV],
que consiste a natureza de todos os signos ide- 2006[1929]), como também “é o modo mais puro
ológicos” (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006[1929], e sensível de relação social” (p. 36). Para o autor,
p. 36). Com isso, para Bakhtin [Volochínov] “[...] a representatividade da palavra como fe-

66
nômeno ideológico e a excepcional nitidez de interior e fenômeno acompanhante de todo ato
sua estrutura semiótica já deveriam nos fornecer consciente” (p. 10, grifo da autora).
razões suficientes para colocarmos a palavra em Além disso, as palavras mediam tanto as in-
primeiro plano no estudo das ideologias” (BAKH- terações da vida cotidiana como as dos sistemas
TIN [VOLOCHÍNOV], 2006[1929], p. 36). formalizados. As ideologias centradas sobre a
Para Bakhtin, o material privilegiado da co- vida cotidiana correspondem às atividades ideo-
municação é a palavra (como discurso), também lógicas não fixadas em sistemas, ou seja, não for-
porque ela penetra em todas as relações interin- malizadas. Essas estão em contato direto com as
dividuais e, dessa forma, deve ser entendida à ideologias formalizadas, porém são mais móveis
luz das diferentes possibilidades e orientações e sensíveis, indicando e repercutindo as diferen-
ideológicas possíveis. Como explica Rodrigues tes mudanças sociais de forma mais rápida do
(2001), dado que para o Círculo os fenômenos que as ideologias dos sistemas constituídos.
ideológicos não podem ser reduzidos à consciên- Os sistemas ideológicos constituídos, por
cia ou ao psiquismo, posto que todo fenômeno sua vez, como a ciência, a arte, a religião, o jorna-
de ordem ideológica tem materialidade sígnica, lismo, são produtos do desenvolvimento social e
a palavra (como discurso) estabelece-se como econômico da sociedade e se cristalizam a partir
signo ideológico por excelência em função de da ideologia do cotidiano e, em retorno, “[...] dão
sua “[...] pureza semiótica e por sua ubiquidade normalmente o tom a essa ideologia.” (BAKH-
social: “neutralidade” ideológica, implicação na TIN [VOLOCHÍNOV], 2006[1929], p. 123). Como
comunicação cotidiana, implicação no discurso já mencionado, Bakhtin [Volochínov] explica que

67
esses dois grandes sistemas ideológicos se in- A filosofia idealista e a visão psicolo-
ter-relacionam no seu terreno comum: “Os sis- gista da cultura situam a ideologia na
temas ideológicos constituídos da moral social, consciência. Afirmam que a ideologia
da ciência, da arte e da religião cristalizam-se a é um fato de consciência e que o as-
partir da ideologia do cotidiano, exercem por sua pecto exterior do signo é simplesmen-
vez sobre esta, em retorno, uma forte influência e te um revestimento, um meio técnico
dão assim normalmente o tom a essa ideologia” de realização do efeito interior, isto
(BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006[1929], p. 119). é, da compreensão. O idealismo e o
Em adição, acerca da perspectiva de traba- psicologismo esquecem que a própria
lho do Círculo de Bakhtin sobre o conceito de compreensão não pode manifestar-se
ideologia, concordamos com Miotello (2007) que senão através de um material semió-
o grupo procura se distanciar de uma compre- tico (por exemplo, o discurso interior),
ensão subjetiva ou internalizada (aquela que que o signo se opõe ao signo, que a
entende a ideologia como uma ideia presa à própria consciência só pode surgir e
mente humana, vivendo na consciência indivi- se afirmar como realidade mediante a
dual do homem) ou de uma corrente idealista- encarnação material em signos. [...] A
-psicologizada (ideologia como ideia já dada ao consciência adquire forma e existência
homem). Como esclarece Bakhtin [Volochínov] nos signos criados por um grupo orga-
(2006 [1929], p. 33, 35-36, grifos do autor): nizado no curso de relações sociais. Os
signos são o alimento da consciência

68
individual, a matéria de seu desen- Miotello (2007, p. 168), “Bakhtin vai construir o
volvimento, e ela refletem sua lógica conceito [de ideologia] no movimento, sempre
e suas leis. A lógica da consciência é se dando entre a instabilidade e a estabilidade
a lógica da comunicação ideológica, e não na estabilização [...].”
da interação semiótica de um grupo A ideia de consciência como produto ide-
social. Se privarmos a consciência de ológico é também discutida por Bakhtin [Volo-
seu conteúdo semiótico e ideológico, chínov] em O Freudismo (2004 [1924]). Bakhtin
não sobra nada. A imagem, a palavra, [Volochínov] explica, por exemplo, que a relação
o gesto significante, etc. constituem entre o médico e seu paciente não se constitui
seu único abrigo. Fora desse mate- como uma relação entre forças psíquicas, mas
rial, há apenas o simples ato fisiológi- como resultado de forças ideológicas (a autori-
co, não esclarecido pela consciência, dade do médico versus as experiências emocio-
desprovido do sentido que os signos nais do paciente, por exemplo). Na mesma obra,
lhe conferem. Bakhtin [Volochinov] (2004 [1924], p. 87) assim
sintetiza a relação entre psiquismo e ideologia:
Bakhtin [Volochínov] (2006 [1929]) busca
entender a ideologia na concretude dos acon- Em realidade, entre o conteúdo do psi-
tecimentos (e não numa perspectiva idealista), quismo individual e a ideologia enfor-
isto é, materializada enunciativamente (posto mada não há uma fronteira em termos
que toda ideologia é semiotizada). Como afirma de princípio. Em todo caso, o conteú-

69
do do psiquismo individual não é nada tabilidades e instabilidades que a ideologia se
mais compreensível nem mais claro constrói entrelaçada em nossas relações sociais,
que o conteúdo da criação cultural e em nossa compreensão do mundo e, por conse-
por isso não lhe pode servir como ex- guinte, significando nossas interações1. Ponzio
plicação. Uma vivência individual cons- (2009) assim nos esclarece:
cientizada já é ideológica; por tal razão,
do ponto de vista científico, ela não é, O termo “ideologia” que Bakhtin usa
de maneira alguma, um dado primário não se identifica completamente com
e indecomponível; é já uma determina- “falsa consciência”, com “pensamento
da elaboração ideológica do ser. distorcido”, falso. Não se trata, exa-
tamente, de mistificação nem de au-
O que podemos perceber é que há uma tomistificação ou falsificação social-
resistência em tratar a ideologia como masca- mente determinada. O significado de
ramento ou ocultamento do real, assim como ideologia para Bakhtin é, portanto, di-
algo dado ou recortado do real, pois Bakhtin [Vo- ferente do significado que esse termo
lochínov] (2006 [1929]) trata a ideologia a partir adquire em Marx e Engels em seus es-
de uma posição, de uma projeção construída a critos juvenis [...], nos quais o termo
partir das interpretações da realidade social. É
1 A esse respeito, Medviédev (2012 [1928], p. 134) explica que “se nós [...] nos
a expressão de uma tomada de decisão, situa- distanciarmos das relações sociais que o atravessam e das quais ele é uma
da axiologicamente. Assim, é nesse jogo de es- das mais sutis manifestações, se o retirarmos do sistema de interação social,
então, nada restará do objeto ideológico”.

70
“ideologia” identifica-se com ou apro- p. 42). Por isso, a ideologia para Bakhtin [Volochí-
xima-se de “falsa consciência”, certa- nov] (2006 [1929]) é dialógica e semiotizada, bem
mente não no sentido de que possa como perpassa todas as situações de interação
servir como definição de ideologia social (não há enunciado neutro).
burguesa e ao seu valor com relação Ainda, o Círculo salienta que os signos só
ao conhecimento objetivo (PONZIO, emergem do processo de interação entre uma
2009, p. 114, grifos do autor). consciência individual e outra, isto é, nas rela-
ções intersubjetivas. E a própria consciência in-
A partir das discussões acima, podemos en- dividual é constituída por/está repleta de signos.
tender que a ideologia é um conceito central na “A consciência só se torna consciência quando
obra do Círculo e que não corresponde a um pro- se impregna de conteúdo ideológico (semióti-
duto de ordem internalizada, subjetiva, mas que co) e, consequentemente, somente no processo
se constitui na vida social, sendo a própria condi- de interação social” (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV],
ção de existência da consciência e da linguagem. 2006 [1929], p. 33-34). Após a discussão sobre
Em conclusão, entendemos que a ideologia ideologia, direcionamos nosso estudo para a
constitui-se como diferentes modos de conceber valoração, mais especificamente, para o tom
e compreender o real, mediados por signos, “[...] emotivo-volitivo que se constrói em qualquer
à medida que a realidade determina o signo e o ato humano.
signo reflete e refrata a realidade em transfor-
mação.” (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006[1929],

71
4 A avaliação/valoração social e o discurso
Como podemos perceber na passagem su-
Medviédev (2012 [1928], p. 183), em Método pracitada, Medviédev (2012 [1928]) argumenta
formal nos estudos literários, apresenta-nos uma que a língua tomada como sistema, sob as lentes
indagação: “o que então, na realidade, é aquele da linguística do início do século XX, é abstraída
elemento que reúne a presença material da pa- do uso concreto que dela se faz, portanto, é uma
lavra com o seu sentido?”, e, logo depois respon- concepção que se distancia da língua vista como
de, “supomos que esse elemento seja a avalia- discurso. A partir da consideração da avaliação
ção social.” (p. 183). O autor ainda reitera que social, Medviédev ratifica que qualquer uso con-
creto da língua é um ato social, portanto, saturado
É verdade que a avaliação social não é de valor, de avaliação social. Dado nosso objetivo
atributo exclusivo da poesia. Ela está nesta discussão em retomarmos as postulações
presente em cada palavra viva, já que do Círculo sobre discurso, compreendemos que
a palavra faz parte de um enunciado todo discurso, como ato social, é consubstancia-
concreto e singular. O linguista abs- do de avaliação. É, portanto, a avaliação social “[...]
trai-se da avaliação social, da mesma que reúne a presença material da palavra com o
forma que se abstrai das formas con- seu sentido” (p. 183). Em outras palavras, “[...] é
cretas do enunciado. Por isso, na a avaliação social que atualiza [o discurso] tanto
língua, como [...] sistema abstrato, não no sentido da sua presença factual quanto no do
encontraremos um valor social (MED- seu significado semântico.” (p. 184).
VIÉDEV, 2012 [1928]), p. 183).

72
Dado que todo discurso se materializa na ou seja, que se propõe a fazer uma análise dialó-
forma de enunciados concretos2, é a avaliação gica do discurso, a análise da atmosfera axioló-
social que determina, por assim dizer, “[...] a es- gica conduz o pesquisador a compreender que
colha do objeto, da palavra, da forma e a sua não apenas cada elemento da língua obedece aos
combinação individual nos limites do enunciado. matizes da avaliação social, como, por conseguin-
Ela [a avaliação] determina, ainda, a escolha do te, “as possibilidades de uma língua tornam-se
conteúdo e da forma, bem como a ligação entre realidade somente por meio da avaliação.” (MED-
eles.” (MEDVIÉDEV, 2012 [1928], p. 184). Além VIÉDEV, 2012 [1928], p. 187). Dessa forma, como
disso, como explica Medviédev, as avaliações são reitera Bakhtin [Volochínov] (2006 [1929], p. 137),
determinadas pela situação de interação e, em “toda palavra usada na fala real possui [...] um
essência, ligam-se a outras avaliações, como elos acento de valor ou apreciativo, isto é, quando
semântico-valorativos. Segundo o autor, “[...] é um conteúdo objetivo é expresso (dito ou escri-
impossível compreender um enunciado concre- to) pela fala viva, ele é sempre acompanhado por
to [forma material e concreta do discurso] sem um acento apreciativo determinado.” .
conhecer sua atmosfera axiológica e sua orien-
tação avaliativa no meio ideológico.” (p. 185). Pois bem, a avaliação social faz a me-
Com isso, para o analista de discurso que diação entre a língua, como um siste-
toma por base os estudos do Círculo de Bakhtin, ma abstrato de possibilidades, e sua
realidade concreta. A avaliação social
2 Dado o objetivo deste texto, não discutiremos o conceito de enunciado nos
escritos do Círculo. Sugerimos a leitura do ensaio “Os gêneros do discurso”, determina o fenômeno histórico vivo, o
em Estética da Criação Verbal (BAKHTIN, 2003 [1979]).

73
enunciado, tanto do ponto de vista das a ele, significa antes afirmá-lo de maneira emo-
formas linguísticas selecionadas quanto tivo-volitiva” (p. 87). Para Bakhtin, o pensamento
do ponto de vista do sentido escolhido. concreto é um pensamento emotivo-volitivo e o
A avaliação é social e organiza a comuni- tom emotivo-volitivo não apenas envolve o con-
cação (MEDVIÉDEV, 2012 [1928], p. 189). teúdo do pensamento (na sua realização), como
o relaciona com o evento concreto dessa reali-
Além disso, Bakhtin (2010 [1919-21]), em Por zação. “É este mesmo tom emotivo-volitivo que
uma filosofia do ato responsável, explica que para orienta no existir singular, que orienta e afirma
que o conteúdo da experiência viva possa tor- realmente o conteúdo-sentido” (p. 87) Assim,
nar-se real e incorporado ao histórico do evento
vivido, é preciso “[...] entrar em uma ligação essen- Um tom emotivo-volitivo, uma valora-
cial com a valoração efetiva; somente como valor ção real, não se referem ao conteúdo
efetivo ele é por mim experimentado (pensado), enquanto tal, tomado isoladamen-
isto é, somente posso pensá-lo verdadeiramente te, mas na sua correlação comigo no
e ativamente em tom emotivo-volitivo” (p. 87). evento singular do existir que nos
O autor ainda considera que todo conteúdo engloba. [...] Cada valor que apresen-
do evento (da real vivência) não se caracteriza im- te validade geral se torna realmente
penetrável ao tom emotivo-volitivo, pelo contrá- válido somente em um contexto sin-
rio, “viver uma experiência, pensar um pensamen- gular (BAKHTIN, 2010 [1919-21], p. 90).
to, ou seja, não estar, de modo algum indiferente

74
5P
 or uma teoria dialógica do discurso
A partir disso, ao relacionarmos as discus- nos escritos do Círculo e a resposta de
sões de Medviédev e Bakhtin, observamos a im- interlocutores contemporâneos
portância, para o analista do discurso, de com-
preender a relação entre discurso e avaliação/ Em Marxismo em Filosofia da Linguagem,
valoração social. Percebemos que os valores, Bakhtin [Volochínov] (2006 [1929]), de forma ex-
de fato, não são valores em si mesmos, mas so- plícita, explica diferentes diretrizes para o que de-
cioconstruídos e situados no existir-evento sin- nomina como um método sociológico de estudo
gular. Portanto, a avaliação/valoração não “[...] da língua, seja em função da relação entre signo
pode ser isolada, separada do contexto unitário e ideologia, seja nas discussões em torno da inte-
e singular de uma consciência viva [...]”, mas in- ração verbal. Duas passagens, na referida obra,
tegrada à situação concreta de uso da língua, à são elucidativas para essa questão:
situação discursiva (BAKHTIN, 2010, [1919-21],
p. 90). Analisar o discurso é analisar valores, [...] é indispensável observar as se-
não “[...] um valor igual a si mesmo, reconheci- guintes regras metodológicas:
do como universalmente válido, [...] mas por sua
correlação com o lugar singular” (p. 107) daquele Não separar a ideologia da realida-
que, em interação com outrem, constrói e re- de material do signo (colocando-a no
constrói sentido(s). campo da “consciência” ou em qual-
quer outra esfera fugidia e indefinível).

75
Não dissociar o signo das formas concre- As formas das distintas enunciações,
tas da comunicação social (entendendo- dos atos de fala isolados [os gêneros do
-se que o signo faz parte de um siste- discurso], em ligação estreita com a inte-
ma de comunicação social organizada ração de que constituem os elementos,
e que não tem existência fora deste isto é, as categorias de atos de fala [os
sistema, a não ser como objeto físico). gêneros do discurso] na vida e na cria-
ção ideológica que se prestam a uma
Não dissociar a comunicação e suas determinação pela interação verbal.
formas de sua base material (infra-es-
trutura). A partir daí, exame das formas da língua
na sua interpretação linguística habitual.
[...] (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006 [1929],
p. 45-128/129, grifos do autor).
[...] a ordem metodológica para o
estudo da língua deve ser o seguinte: Na 1ª parte da citação, a respeito da rela-
ção entre signo e ideologia, Bakhtin [Volochínov]
As formas e os tipos de interação (2006 [1929]) ratifica a concepção teórica de que
verbal em ligação com as condições as formas de comunicação social se realizam em
concretas em que se realiza. contextos específicos através de signos e estes,
por sua vez, são ideologicamente saturados. Disso

76
decorre que ao estudar a ideologia ou a língua em Na segunda parte da citação, Bakhtin [Volo-
sua concretude viva – estudar o discurso –, é pre- chínov] (2006 [1929]) ratifica a ideia de que a língua
ciso que compreendamos como “[...] as formas do viva – o discurso, na forma material do enunciado
signo são condicionadas tanto pela organização – só se realiza no curso da comunicação verbal,
social de tais indivíduos como pelas condições em assim, o estudo do discurso jamais poderá ser
que a interação acontece” (p. 45) Assim, para que desvinculado do estudo da situação de intera-
possamos compreender a relação entre signo e ção. Por isso, “uma análise fecunda das formas
interação, é preciso entender o imbricamento do conjunto de enunciações como unidades reais
entre a ideologia e a realidade material do signo na cadeia verbal só é possível de uma perspecti-
nas diversas e multiformes situações de interlo- va que encare a enunciação individual como um
cução (conforme também discutimos na seção 3 fenômeno puramente sociológico” (p. 131). Em
deste capítulo). E, ainda, se relacionarmos com síntese, “a língua existe não por si mesma, mas
as discussões da seção anterior sobre valoração, somente em conjunção com a estrutura individual
na análise precisamos considerar que todo signo de uma enunciação concreta” (p. 160).
ideológico é marcado pelo horizonte social de Brait (2013), ao discutir sobre o caminho de
uma determinada época, ou seja, “[...] não pode consolidação de uma análise dialógica de discur-
entrar no domínio da ideologia, tomar forma e aí so no campo das Ciências da Linguagem, desta-
deitar raízes senão aquilo que adquiriu um valor ca alguns aspectos que marcam e singularizam
social” (p. 46). o que se tem denominado de Análise Dialógica
de Discurso (ADD):

77
[...] é possível alinhavar e propor um rico-metodológico de que as relações
análise/teoria dialógica de discurso [...] dialógicas se estabelecem a partir de
tendo no sujeito histórico, social e múl- um ponto de vista assumido por um
tiplo, o centro de suas preocupações, sujeito; d) as consequências teórico-
entendendo a linguagem como cons- -metodológicas de que as relações dia-
titutiva desse sujeito. Destaco alguns lógicas não são dadas, não estando,
aspectos que marcam e singularizam portanto, jamais prontas a partir de
essa Análise/Teoria Dialógica de Discur- um ponto de vista [...] (BRAIT, 2013, p.
so: a) o reconhecimento da multiplici- 85, grifos da autora).
dade de discursos que constituem um
texto ou um conjunto de textos e que Acosta-Pereira (2012), em concordância
se modificam, alteram ou subvertem com a discussão de Brait (2013), explica que ao
suas relações por força da mudança percorrermos o conjunto de textos das obras
da esfera de circulação; b) as relações de Bakhtin e do Círculo não encontramos, em
dialógicas como objeto de uma disci- nenhum dos textos, uma sistematização de um
plina interdisciplinar, denominada por método científico propriamente dito, com parâ-
Bakhtin de metalinguística ou translin- metros e categorias de análise estabelecidos a
guística, e que hoje pode ser tomada priori para serem seguidos durante a pesquisa.
como embrião da análise/teoria dialó- Para o autor, retomando as discussões de Faraco
gica de discurso; c) o pressuposto teó- (2009), o pesquisador da obra do Círculo depara-

78
-se com grandes diretrizes que podem ser segui- [...] a ordem metodológica de análise
das para a construção de um entendimento mais vai da situação social ou de enuncia-
amplo das realidades em estudo. Além disso, ção para o gênero/enunciado/texto e,
Acosta-Pereira (2012) afirma que as investiga- só então, para suas formas linguísticas
ções bakhtinianas identificam-se com uma tra- relevantes [...]. Ao chegarmos nesse
dição hermenêutica dos estudos humanos, uma último nível de análise, vale a interpreta-
tradição que compreende que o fazer ciência em ção linguística habitual, isto é, as teorias
Ciências Humanas se concretiza por gestos inter- e análises linguísticas disponíveis, desde
pretativos, por uma contínua construção de sen- que seguida a ordem metodológica que
tidos e não por caminhos objetivo-matemáticos, privilegia as instâncias sociais [...].
percurso essencialmente positivista. Em termos
de filosofia da ciência, “podemos dizer, então, Em consonância com a discussão de Rojo
que Bakhtin se vinculava a um pensamento que (2005), Brait (2006) explica que a metodologia
costuma operar sobre o pressuposto de uma proposta por Bakhtin para o estudo da lingua-
distinção de fundo entre as ciências naturais e gem, embora se apresente como uma aborda-
as ciências humanas” (FARACO, 2009, p. 41). gem diferenciada, não exclui a Linguística, uma
A esse respeito, Rojo (2005, p. 199) conside- vez que Bakhtin (2008 [1963]) entende que a Me-
ra que, em termos de análise dialógica da língua, talinguística e a Linguística devem completar-se,
mas não fundir-se. Dessa forma, como ratifica
a autora, metodologicamente estaremos, em

79
termos bakhtinianos, ultrapassando a materia- discursivo. “A pertinência de uma perspectiva
lidade linguística, procurando desvendar a arti- dialógica se dá pela análise das especificidades
culação constitutiva que há entre o interno e o discursivas constitutivas de situações em que a
externo na linguagem. “O enfrentamento bakh- linguagem e determinadas atividades se interpe-
tiniano da linguagem leva em conta, portanto, as netram e se interdefinem [...]” (BRAIT, 2006, p. 29).
particularidades discursivas que apontam para Com isso, podemos considerar que, ao ana-
contextos mais amplos, para um extralinguístico lisar o discurso sob o escopo teórico e metodoló-
aí incluído” (BRAIT, 2006, p. 13). gico da ADD, o pesquisador tem em vista/atenta,
Como já dito, cabe ressaltar que no disposi- entre outras questões, para:
tivo metodológico bakhtiniano não há categorias
de análise a priori aplicáveis de forma sistemáti- (i) a concepção de discurso como língua viva, a
ca a textos, discursos, gêneros, com a finalidade língua em uso em contextos de interação es-
de construir uma análise acerca do uso situado pecíficos;
da língua. Em Bakhtin, há, na verdade, uma ar-
quitetônica das diferentes formas de conceber (ii) o estudo do enunciado como a forma mate-
o enfrentamento dialógico da linguagem, que se rial do discurso;
constituem de movimentos teórico-metodológi-
cos multifacetados. De fato, cabe ao pesquisador (iii) o estudo do discurso a partir das relações
desbravar esse caminho, construindo, por conse- dialógicas com outros discursos;
guinte, uma postura dialógica diante de seu objeto

80
(iv) o estudo das relações dialógicas enquanto Além disso, como reitera Rodrigues (2005) acerca
relações semântico-axiológicas, isto é, rela- dos estudos dos gêneros do discurso, mas que
ções de sentido que se engendram na consti- neste capítulo podemos considerar importante
tuição e no funcionamento do discurso, satu- para o estudo dialógico do discurso, é preciso que
radas de projeções valorativas e ideológicas; o analista considere também outros conceitos da
arquitetônica epistemológica do Círculo, isto é, é
(v) o estudo das projeções valorativas e ideológi- necessário que o analista busque compreender
cas como índices sociais plurivalentes que con- o discurso e seus gêneros, por exemplo,
substanciam o discurso e o situam em deter-
minados horizontes sócio-histórico-culturais; [...] no conjunto das formulações [das
obras], ou seja, compreender a noção
(vi) o estudo das formas da língua (uso de recur- [de discurso] a partir de fundamentos
sos lexicais, gramaticais, textuais) como resul- nucleares, como a concepção sócio-
tado da relação expressiva do sujeito com o -histórica e ideológica da linguagem,
seu discurso em situações singulares e con- o caráter sócio-histórico, ideológico e
cretas de interação verbal. semiótico da consciência e a realidade
dialógica da linguagem e da consciência;
As considerações acima não são exaustivas, portanto, não dissociá-la das noções de
mas caracterizam-se como reflexões em torno de interação verbal, comunicação discursi-
um caminho teórico-metodológico para a análi- va, língua, texto, enunciado e atividade
se do discurso com base nos estudos do Círculo. humana [...] (RODRIGUES, 2005, p. 154).

81
Assim, consideramos o discurso como uma indiciam procedimentos metodológicos que, no
“[...] rede de relações dialógicas estabelecidas e Brasil, passamos a identificar como análise dia-
assumidas por um sujeito [...] expressas na lin- lógica do discurso (ADD)”.
guagem a partir de um ponto de vista” (BRAIT,
2013, p. 90). Em outras palavras, compreende- Referências
mos o discurso, na perspectiva dialógica, como
uma construção sociossemântica e axiológica de ACOSTA-PEREIRA, R. O gênero carta de
dizer no e para o mundo. conselhos em revistas online: na fronteira
entre o entretenimento e a autoajuda. Tese
Considerações finais (Doutorado em Linguística) – PPGLg) – UFSC,
Florianópolis, 2012.
Neste artigo, procuramos, de forma refle-
xiva, mas não exaustiva, percorrer algumas das ______. O gênero jornalístico notícia:
discussões do Círculo de Bakhtin e de seus in- dialogismo e valoração. Dissertação (Mestrado
terlocutores contemporâneos em torno do dis- em Linguística) – UFSC, Florianópolis, 2008.
curso e dos caminhos metodológicos para sua
análise. Ao final, concordamos com Brait (2013, BAKHTIN, M. M. Questões de literatura e de
p. 97): “embora sem o conforto de um manual de estética: a teoria do romance. Tradução do
procedimentos, ou de amarras contundentes, as russo por Aurora Fornoni Bernardini et al. 4.
obras, de forma explícita e por meio de análises, ed. São Paulo: UNESP: Hucitec, 1998 [1975].

82
______. Estética da criação verbal. Tradução ______ . Para uma filosofia do ato
do russo por Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos
Martins Fontes, 2003 [1979]. Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João. 2010
[1920/1924].
______. [VOLOCHÍNIV, V. N.]. O Freudismo: um
esboço crítico. Tradução do russo por Paulo BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In:
Bezerra. São Paulo: Perspectiva, 2004 [1924]. BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: outros conceitos-
chave. São Paulo: Contexto, 2006. p. 9-32.
______ [VOLOCHÍNOV, V. N]. Marxismo
e filosofia da linguagem: problemas ______. O discurso sob o olhar de Bakhtin. In:
fundamentais do método sociológico na GREGOLIN, M. R. do; BARONAS, R. (Org.). Análise
ciência da linguagem. Tradução do francês por do discurso: as materialidades do sentido.
Michel Lahud e Yara F.Vieira.12. ed. São Paulo: 3. ed. São Carlos, SP.: Claraluz, 2007. p. 19-32.
Hucitec, 2006 [1929].
____. Construção coletiva da perspectiva
_____. Problemas da Poética de Dostoiévski. dialógica: história e alcance teórico-
Tradução do russo, notas e prefácio de metodológico. In: FIGARO, R. (Org.).
Paulo Bezerra. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Comunicação e análise do discurso. São
Universitária, 2008 [1963]. Paulo: Contexto, 2013. p. 79-98.

83
FARACO, C.A. Linguagem e diálogo: as ideias _____. Os gêneros do discurso na perspectiva
do Círculo de Bakhtin. São Paulo: dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin.
Parábola, 2009. In: MEURER, J. L; BONINI, A; MOTTA-ROTH, D.
(Org.) Gêneros: teorias, métodos e debates. São
MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 152-183.
estudos literários: introdução crítica a uma
poética sociológica. Tradução do russo por ROJO, R. Gêneros do discurso e gêneros
Ekaterina Américo e Sheila Grillo. São Paulo: textuais: questões teóricas e aplicadas. In:
Contexto, 2012 [1928]. MEURER, J. L; BONINI, A; MOTTA-ROTH, D.
(Org.). Gêneros: teorias, métodos e debates.
MIOTELLO, V. Ideologia. In: BRAIT, B. São Paulo: Parábola Editorial. 2005. p. 184-207.
Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo:
Contexto, 2007. PONZIO, A. A revolução bakhtiniana. São
Paulo: Contexto, 2009.
RODRIGUES. R. H. A constituição e o
funcionamento do gênero jornalístico artigo:
cronotopo e dialogismo. Tese (Doutorado em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) –
PUCSP, São Paulo, 2001.

84
Texto
3 Portfolios, Flash Fiction e Podcasts: a inserção de
novos gêneros no ensino de inglês na universidade

Orlando Vian Jr.


Jennifer Sarah Cooper comum entre os jovens dos contextos escola-
José Mauro Souza Uchôa
res do ensino fundamental, médio e superior. As
salas de aula, como consequência dessas trans-
Introdução formações, não podem ficar alheias a elas e os
Vivemos em uma sociedade em rede (CAS- profissionais veem-se na iminência de conjugar
TELLS, 1999) e imersos em uma modernidade novas práticas às já existentes para assimilar tais
líquida (BAUMAN, 2001) em que temos contato mudanças sociais nos contextos em que atuam.
com uma quantidade avassaladora de informa- Pensando nessa realidade e levando em
ções pelos mais diversos meios de comunicação consideração o professor de inglês em formação
e, principalmente, caracterizados por aspectos inicial, ainda em sua graduação em Letras, rela-
multimodais, nos quais palavras, sons e imagens tamos neste artigo experiências mediadas por
apresentam-se conjugados, exigindo, por conse- tecnologias pelo uso de três práticas emergentes
guinte, um usuário multimodal, capaz de intera- na sala de aula de ensino de Inglês como Língua
gir com essas novas modalidades. Estrangeira (doravante ILE) na universidade: pri-
Essa realidade também se deve ao fato de meiramente abordamos o uso de portfolios no
as novas Tecnologias da Informação e da Co- ensino de gramática, em seguida discutimos ex-
municação (TICs) propiciarem, nas mais distintas periências com o uso de flash fiction no ensino
esferas institucionais, novas formas de intercâm- da produção escrita e, por fim, como os podcasts
bio e muitos gêneros foram reconfigurados, já podem ser usados na formação inicial de profes-
que o contato pelos meios eletrônicos é prática sores e no ensino da compreensão oral.

85
1. Ensinar inglês na universidade
Adotamos nessas experiências a visão de
linguagem preceituada por Halliday (1985; 1978) O profissional que ensina língua inglesa em
e seguidores tais como Martin (1992), Martin e nosso país, de acordo com Celani (2001, p. 32),
Rose (2008, 2003), Halliday e Matthiessen (2004), deveria ser considerado como
Eggins (2004), dentre outros teóricos na Linguís-
tica Sistêmico-Funcional, focando principalmen- [...] um ser humano independente,
te na noção de gêneros discursivos e como estes com sólida base na sua disciplina,
podem otimizar as práticas educacionais, uma ou seja, na língua que ensina, mas
vez que funcionam como base de nossas inte- também com estímulo característico
rações cotidianas: todas as práticas sociais são de pensar (visão de ensino), como de-
mobilizadas pelo uso de gêneros específicos exi- senvolvimento de um processo refle-
gidos em cada contexto de cultura e de situação xivo, contínuo, comprometido com a
(HALLIDAY; HASAN, 1989) em que ocorrem. Con- realidade do mundo e não mera trans-
cluímos apontando características de tais expe- missão de conhecimentos.
riências e seu uso e suas consequências para o
ensino nos cursos de graduação em Letras, bem A responsabilidade pela formação desse
como aspectos relacionados a uma abordagem profissional, como indica Volpi (2001), cabe à uni-
de ensino com base em gêneros do discurso. versidade, de modo a satisfazer as necessidades
linguísticas e pedagógicas. Leffa (2001) acrescen-
ta a esse aspecto o fato de que essa não é uma

86
tarefa simples ou fácil, vista como um processo Como sinalizado na introdução, vivemos
árduo e que não pode estar restrito apenas ao em uma sociedade da informação e essa reali-
ambiente acadêmico, pois, como sabemos, deve dade apontada por Paiva (1997), que ainda per-
haver um constante diálogo entre teoria e prática. manece, pressupõe novos modos de observar
Ao questionar quem é o professor de inglês, o ensino e, em nosso caso, especificamente, o
ainda na década de 1990, Paiva (1997, p. 9) afir- ensino superior. Em um escopo ainda mais re-
mava que o professor ideal “deveria ter, além duzido, o ensino da língua inglesa nos cursos de
de consciência política, bom domínio do idioma Letras e a formação inicial de professores nos
(oral e escrito) e sólida formação pedagógica cursos de licenciatura. Há, portanto, inúmeros
com aprofundamento em linguística aplicada”. desafios que precisam ser enfrentados em face
A autora, no entanto, também indicava um outro dessa realidade e na relação de quem é o pro-
aspecto característico desses profissionais, em fessor de inglês no Brasil e como ocorre sua for-
seu caso, para o Estado de Minas Gerais, mas mação nos cursos de Letras.
que pode ser facilmente, e sem margem de Retomando o perfil do professor de inglês
erros, generalizado para todo o país: “profissio- apontado acima e inserindo-o no contexto da uni-
nais egressos de cursos de Letras (que lhes pro- versidade brasileira com vistas à sua formação, é
porcionaram poucas oportunidades de apren- preciso levar em consideração que, como aponta
der o idioma) e precária formação pedagógica” Masetto (2005), esse segmento apresenta dois
(PAIVA, 1997, p. 1, grifo do autor). paradigmas que podem perpassar a docência
nesse contexto: o paradigma do ensino e o para-

87
digma da aprendizagem. A abordagem sugerida cativa na aprendizagem para que o novo possa
pelo autor (MASETTO, 2005, p. 82-85) tem como se integrar ao que o aluno já sabe.
proposta a substituição da ênfase no ensino pela O enfrentamento dessas novas configura-
ênfase na aprendizagem. Devemos nos preocu- ções socioculturais que passaram a fazer parte
par, como sugerido pelo autor, com a melhoria da sala de aula no nível superior vai ao encontro
da docência, entretanto, não se pode deixar de do que propõem Pimenta e Anastasiou (2008),
lado o fato de que, “por trás do modo de lecionar já que, segundo as autoras, o papel da universi-
existe um paradigma que precisa ser explicitado, dade deve ser mais amplo de acordo com essas
analisado, discutido, a fim de que a partir dele novas realidades e “não deve simplesmente ade-
possamos pensar em fazer alterações significa- quar-se às oscilações do mercado, mas apren-
tivas em nossas aulas” (MASETTO, 2005, p. 80). der a olhar em seu entorno, a compreender e
Uma das possibilidades de focar na apren- assimilar os fenômenos, a produzir respostas
dizagem está em incitar o aluno a refletir sobre o às mudanças sociais, a preparar globalmente os
seu papel no processo por meio do qual apren- estudantes para as complexidades que se avizi-
de, para que possa compreendê-lo e otimizá-lo nham” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2008, p. 173).
em sua experiência acadêmica, ou seja, promo- As experiências com portfolios, flash fiction
ver uma aprendizagem reflexiva e, a partir da e podcasts a seguir relatadas, portanto, inseri-
perspectiva que aqui propomos, trabalhar com das em práticas no ensino superior, têm como
gêneros com os quais os alunos estejam familia- um de seus objetivos promover a preparação
rizados e relacionados às TICs podem auxiliar no de futuros professores como cidadãos críticos
encaminhamento para uma abordagem signifi- engajados às práticas sociais em seu entorno.

88
2. O papel de uma visão de
linguagem e os gêneros discursivos que são produzidos e, por fim, (4) por abordar
a função que os textos desempenham na cons-
As experiências educacionais não podem trução de sentidos, uma nomenclatura funcional
ser desenvolvidas sem a filiação a uma visão de é utilizada, donde encontramos termos como
linguagem que embase o trabalho linguístico, já participante, processo ou circunstância para
que, como estamos tratando de cursos de licen- classificação dos elementos nos textos. Dado ao
ciatura em Letras/Inglês e, consequentemente, escopo deste texto, no entanto, esses aspectos
de educação inicial de professores, o trabalho funcionais não serão discutidos, apenas aqueles
com o conhecimento sobre a língua é essencial, relacionados aos gêneros discursivos e os con-
pois será a base do que será ensinado. textos em que ocorrem.
O modelo sistêmico-funcional de língua por Pela perspectiva sistêmico-funcional, por-
nós adotado, desse modo, pode ser compre- tanto, gêneros do discurso são considerados
endido a partir de quatro aspectos-chave: (1) a como “processos sociais que se desdobram em
língua, dentre diversos outros sistemas semióti- estágios para atingir metas”1 (MARTIN; ROSE,
cos, é um recurso para a construção de sentidos 2008, p. 8). Assim, entendemos que esse desdo-
em nosso meio social, isto é, é sociossemiótica; bramento em estágios constitui padrões recor-
(2) a unidade básica de sentido é o texto, já que rentes, previsíveis e compartilhados por comuni-
nossa comunicação cotidiana ocorre por meio dades de fala para que seja possível agir dentro
deles; (3) os textos que produzimos possuem da comunidade, alcançando determinados obje-
uma relação sistemática com o contexto em
1  Tradução nossa: staged, goal oriented, social processes.

89
tivos, que, por fim, estabelece normas culturais. explícitos os mecanismos da escrita a partir da
Dentre esses padrões recorrentes de estágios sua estrutura esquemática, têm favorecido avan-
e fases, alguns são obrigatórios e outros opcio- ços significativos e em prazos reduzidos, princi-
nais. Essa característica permite que os gêneros palmente entre os alunos que apresentam de-
discursivos possam ser mapeados, configuran- sempenho abaixo do esperado, conforme Rose
do a sua estrutura esquemática (MARTIN; ROSE, e Martin (2012), com o uso dessa abordagem em
2008, p. 6) e estabelecendo uma estrutura po- escolas de ensino básico australianas.
tencial do gênero que representa todo potencial Esses princípios, desse modo, são adotados
estrutural de cada gênero (HASAN, 1996, p. 53). para as experiências aqui relatadas, que utilizamos
Aplicado ao ensino, esse mapeamen- tanto em nossa prática, para reforçar a relação
to tanto auxilia a compreensão oral e escrita entre os textos produzidos e os contextos de onde
quanto a produção oral e escrita por oferecer se originam, como para conscientizar os alunos,
aos alunos uma ferramenta que, primeiramen- futuros profissionais, da relação texto-contexto e
te, orienta suas leituras: fazendo leituras de o papel dos gêneros no ensino de línguas.
exemplares de um determinado gênero discur-
sivo com a proposta de identificar os estágios e
fases, mapeando sua estrutura esquemática e,
no segundo momento, para então a produção
dentro da estrutura esquemática. Experiências
com esse modelo aplicado no ensino, de tornar

90
3. Experiências com diferentes
gêneros em diferentes contextos dos alunos. Por fim, a terceira experiência, em
razão de isolamento geográfico e dificuldade
Dadas as necessidades de cada contex- de acesso a materiais didáticos para embasar a
to surgidas de acordo com as práticas locais, prática, fez emergir a adoção de podcasts para
nossas experiências têm relação direta com os o ensino da compreensão oral, bem como as
contextos em que atuamos e os gêneros utiliza- experiências relacionadas ao planejamento de
dos também ecoam tais práticas. um curso com base em temas locais, conforme
Para deflagrar o processo reflexivo em pro- relatamos nos itens subsequentes.
fessores em formação inicial, para que refletis-
sem sobre o papel da gramática na formação do 3.1 Portfolios no ensino de gramática
professor de inglês, bem como a importância do
conhecimento linguístico, a primeira experiência Ao tratar do uso do portfolio na formação e
relata como portfolios são utilizados no relato de avaliação de professores, Silva et al (2011, p. 537)
tais vivências. Em seguida, a partir das variáveis sinalizam que “não é simplesmente um acúmu-
contextuais em que narrativas curtas são utiliza- lo de peças e produtos, mas sim um desdobra-
das para relatos de aspectos locais, associado à mento dos entendimentos pessoais do profes-
prática de produção escrita, a segunda experi- sor sobre o ensino e aprendizagem, bem como
ência discute como a prática de flash fiction pode acerca do seu desenvolvimento como um pro-
incrementar a produção escrita a partir do relato fissional”, e, por essa razão, uma de suas prin-
de aspectos culturais do contexto sociocultural cipais características é que portfolios podem ser

91
usados como fonte de descoberta, tanto de si compartilhem os arquivos e pastas para grupos
mesmo quanto do mundo que rodeia a pessoa determinados pelos usuários. O professor criou
que o produz. uma pasta compartilhada com os alunos inscri-
No caso específico da experiência aqui rela- tos na disciplina e todos inseriam seus textos,
tada, a adoção dos portfolios se deu em curso de permitindo, assim, a partilha de experiências
graduação em Letras, habilitação em Inglês, na com os colegas pelo acesso a seus textos. Todos
disciplina Aspectos Morfossintáticos da Língua os textos produzidos foram recolhidos e organi-
Inglesa, no curso de graduação em Letras da zados como o corpus utilizado para a pesquisa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e posterior análise, desenvolvida como projeto
em que se utilizam portfolios como forma de ava- de iniciação científica para análise dos proces-
liação e autoavaliação e como modo de incitar sos mentais da gramática sistêmico-funcional de
a reflexão tanto sobre os aspectos gramaticais Halliday e Matthiessen (2004) e o modo como os
estudados quanto a relação entre teoria e prá- alunos refletem sobre suas experiências (VIAN
tica na formação inicial de professores de ILE. JR; RAMALHO, no prelo).
O corpus utilizado para a pesquisa, por- Participaram do grupo sob estudo, inicial-
tanto, foi gerado a partir de textos produzidos mente, 16 alunos, porém apenas quinze deles
pelos alunos na referida disciplina, ministrada participaram efetivamente das atividades com os
no segundo semestre de 2012. Os portfólios de portfolios. Do ponto de vista demográfico, havia 8
cada aluno eram acessados e editados através alunos do sexo feminino e 7 do sexo masculino
do serviço online Dropbox, que permite que se e sua a faixa etária variava entre 19 e 49 anos,

92
sendo que quatro deles já haviam concluído Apenas a título de exemplo, ilustramos com
outras graduações e os demais 11 alunos cur- trechos dos portfolios de dois alunos em uma das
savam sua primeira graduação. Essa realidade entradas em que foi solicitado que relatassem a
também aponta para o fato de que alguns desses experiência de apresentar um pôster, desenvolvi-
alunos já atuavam como professores de inglês. do em grupos, para seus colegas em sala de aula
O primeiro passo no trabalho com os por- sobre aspectos teóricos e práticos do uso idioms,
tfolios é a conscientização sobre sua relevância phrasal verbs, collocations no ensino de inglês.
nos processos de ensino e de aprendizagem e de
reflexão. Além de apresentação aos alunos e das A4: The good thing was that our classma-
discussões, também foi disponibilizado a eles na tes and also the professor helped us by
pasta coletiva do DropBox o texto de Zubizarreta giving examples and binging up some in-
(2004) sobre o papel dos portfolios e suas carac- teresting discussions. In general, althou-
terísticas. Após essas experiências iniciais, eram gh it was a quite challenging experien-
solicitadas atividades a cada duas semanas, de ce to me, I think it was really important
modo que os alunos pudessem escrever sobre since we’ll have to do this kind of activity
os conteúdos gramaticais estudados e associá- in the future.
-las aos textos lidos e discutidos e à experiência
de cada um, tanto com o ensino quanto com a A14: It’s always good to put myself in the
aprendizagem da língua inglesa. students’ shoes and this was a fantastic
opportunity for that. Standing in front of

93
a group of students and teaching is one ser dissociada do contexto em que é produzi-
thing; having to present something to my da, uma vez que adotamos, como sinalizado
peers and be judged by them and a pro- anteriormente, os princípios da GSF de Halliday
fessor is totally different feeling. This kind (1985, 1978).
of experience makes me more aware of A adoção de portfolios como forma de avalia-
my students’ difficulties when they have ção deve-se ao fato de que, em vez de avaliações
to do oral presentations. específicas em momentos distintos e sobre temas
restritos, as avaliações passam a ser contínuas e
Relatar e colecionar experiências e ativida- propiciam a reflexão sobre os aspectos estudados
des de diferentes naturezas nos portfolios pro- teoricamente e sua conexão com a prática peda-
move a descoberta das questões teóricas e prá- gógica e a relação língua/gramática/contexto.
ticas envolvidas na formação inicial do professor Os portfolios são utilizados para atividades
de ILE e em sua aprendizagem de gramática. em que se narram a relação entre o conheci-
Uma vez que os associamos ao trabalho com mento pessoal e a prática profissional, além da
o conhecimento sobre a língua(gem) (Knowled- discussão de conceitos relacionados à prática crí-
ge About Language), leituras relacionadas à for- tico-reflexiva, tais como reflexão (na ação, sobre
mação do professor crítico e reflexivo também a ação), reflexão crítica, conhecimento prático,
são intercaladas aos aspectos léxico-gramaticais mudança, medo, representações, dentre outros.
abordados. O objetivo dessa correlação está em O objetivo central está no fato de, por ser
apontar para o fato de que a língua não deve um curso de licenciatura, pretende-se desvelar

94
a associação dos conceitos gramaticais e sua re- a superarem os seus limites de produção textual
lação com a prática, já que os participantes são na língua estrangeira” (SANTOS, 2011, p. 33).
considerados (1) tanto da perspectiva de alunos Nas experiências de Medeiros Jr (s/d), no
em um curso de Letras aprendendo conceitos curso de Saúde Pública da mesma universida-
gramaticais (2) quanto de futuros profissionais de, os portfolios são usados de modo bastante
que devem transformar tais conhecimentos para produtivo. Segundo o autor, os seguintes prin-
sua futura prática pedagógica para o ensino. cípios devem reger a elaboração dos portfolios:
Afinal, o portfolio, como afirmam Andrade e Gon- (i) organização, (ii) cumprimento dos prazos, (iii)
çalves (2006, p. 4), permite a monitoração e a criatividade, (iv) comunicação escrita, (v) teoriza-
avaliação do processo educativo, promovendo a ção e aplicabilidade na realidade, (vi) reflexão e
avaliação contínua e a partilha de conhecimen- posicionamento crítico, (vii) interação com cole-
tos no registro das atividades. gas, tutores, profissionais, (viii) habilidade para
Conforme relatado pelo estudo de Santos superar dificuldades, (ix) compromisso em al-
(2011), neste mesmo contexto, além de usados cançar os objetivos programados e, por fim, (x)
como ferramentas para a reflexão, nos quais são relacionam sentido, coerência e aprendizagem
registradas experiências para futuras reflexões, (MEDEIROS JR, s/d).
permitem, também, a consequente reconstrução Em relação ao uso de portfólios, deve ainda
da prática. A autora concebe os portfolios como ser considerado que, nessas duas primeiras dé-
“um instrumento que revela a qualidade do en- cadas do século XXI, temos presenciado, princi-
sino-aprendizagem e que desafia os aprendizes palmente em função da inclusão das novas tec-

95
nologias digitais e multiletramentos no cotidiano o contexto em que ocorre, proporcionando uma
escolar, conforme indicam autores como Cope visão de linguagem que possibilita tanto a desco-
e Kalantzis (2009, 2000) e Lankshear e Knobel berta quanto o aprendizado de diferentes habili-
(2011), e do acesso crescente às tecnologias di- dades na língua estrangeira. Ressaltamos que, em
gitais, o surgimento dos portfolios eletrônicos, nosso caso, estamos nos referindo aos preceitos
também conhecidos como e-portfolios e web- de Halliday e sua gramática sistêmico-funcional.
-portfolios, que também devem ser considerados
nessas práticas. Como bem sinalizam Lorenzo e 3.2 Flash fiction no ensino de produção escrita
Ittleson (2005), construir portfolios digitais pres-
supõe que diversas outras competências sejam Reportamos nesta seção uma experiência
desenvolvidas, bem como o pensamento crítico e de ensino/aprendizagem da produção escrita de
as habilidades tecnológicas a eles requeridas para ILE utilizando flash fiction – narrativas curtas, pro-
promoção de multiletramentos (ROJO, 2012). duzidas entre 100 e 1000 palavras – em uma série
Podemos afirmar, por fim, que os portfo- de oficinas que começou no primeiro semestre
lios, por meio das experiências proporcionadas de 2011, na Universidade Federal no Rio Grande
e nele colecionadas, armazenadas, registradas, do Norte, em um dos campi no interior do Estado.
bem como o acesso e a partilha com os demais Perante as grandes dificuldades e a desmotivação
colegas por meio das ferramentas digitais, inci- que os discentes, graduandos no curso de licen-
tam o aluno a perceber a relação da gramática e ciatura em Português-Inglês, reportaram a res-
sua interface indissociável com linguagem e com peito de produção escrita, resolvemos trabalhar

96
com o gênero flash fiction considerando as suas ta não seja novidade, e os benefícios de utilizar
necessidades de usar vários gêneros acadêmicos literatura nos cursos de língua sejam bem do-
e profissionais nos quais ser sucinto se faz ne- cumentados também (BRUMFIT; CARTER, 1986;
cessário, tais como a correspondência digital em LAZAR, 1993; dentre outros), existem poucos
inglês com universidades, editoras e organizações estudos a respeito do uso de flash fiction espe-
internacionais, resumos na língua inglesa, plane- cificamente no ensino de ILE, apontando que o
jamento de aulas, relatórios, redes sociais usadas seu uso nesse contexto não tem sido frequente,
profissionalmente (Twitter, Facebook, MSN, text como por exemplo, o trabalho de Parr (2010) e,
messages etc.), fichamentos, resenhas, blogs e no Brasil, o exemplo do trabalho de Leandro,
gêneros literários curtos em geral. Weissheimer e Cooper (2014).
No que concerne à caracterização da mais A experiência visou identificar possíveis be-
recente versão do gênero, o definimos a partir nefícios da prática da escrita desse gênero no
da caracterização de uma narrativa que compor- ensino de ILE partindo da hipótese de que, por
ta os estágios obrigatórios de uma narrativa, isto ser um gênero criativo, a produção envolveria o
é a complicação, a avaliação e a resolução, veri- lúdico, a imaginação, um grau maior de subjeti-
ficados em Martin e Rose (2008), porém, com a vidade e uma liberdade maior de brincar com a
adição de uma fase de truque final e a avaliação linguagem, ao mesmo tempo com uma estrutura
muitas vezes implícita. clara e um reduzido número de palavras. Por
Embora o uso de contos curtos no contexto fim, objetivamos identificar possíveis vantagens
de ILE para a prática de leitura e produção escri- de usar um gênero criativo no ensino/aprendi-

97
zagem ILE que admite variações que fogem à por (GARCÍA MARQUEZ, 1991) e outros textos
gramática normativa que os exercícios de livros de flash fiction mais curtos, de 50 a 100 palavras,
didáticos não admitem, como, por exemplo, como Washing Raspberries (RANDALL, 2001) e
frases incompletas, além de permitir aos alunos outros pesquisados individualmente pelos alunos
falarem do seu próprio contexto. na internet em sites sobre o assunto.
Os participantes do nosso estudo foram 35 Nessas leituras, mapeamos os estágios e
alunos, na faixa etária de 18 a 45 anos, do segun- fases que caracterizam a estrutura do gênero.
do e terceiro semestres das disciplinas de Língua Estabelecemos a estrutura potencial do texto
Inglesa, do curso de Licenciatura em Letras Por- narrativo, com base em Martin e Rose (2008),
tuguês-Inglês. Pelo fato de ser uma habilitação com os estágios obrigatórios de complicação e
dupla, a carga horária das disciplinas na língua de resolução e com uma fase de reviravolta ou
inglesa é reduzida comparada com outros cursos truque final, que ocorre no estágio da resolu-
com habilitação única em inglês. Alguns alunos já ção ou desfecho. Os aprendizes criaram seus
lecionavam, mas não necessariamente na língua textos em sessões em sala de aula, tanto indivi-
inglesa. Em sua maioria, os alunos encontravam- dualmente quanto em grupos de três ou quatro
-se no nível básico em relação à proficiência na alunos. Revisões foram feitas em outras sessões
língua inglesa, com poucos no nível pré-interme- com instruções básicas contidas em um ques-
diário, intermediário ou pré-avançado. Na fase tionário que os alunos preencheram nas ses-
inicial da experiência, lemos com os alunos: No
Speak English (CISNEROS, 1984), One of these Days

98
sões de revisão, chamado Peer Reviews2. Alguns alunos sobre o uso de flash fiction e oficinas de
compartilharam suas produções oralmente com escrita colaborativa em sala de aula.
o grupo, outros foram editados novamente e Resultados da pesquisa mostraram que
publicados no blog dos alunos: A Sertão Flash3. 99% dos alunos relataram impressões positivas
Nosso impulso de publicar a produção em um sobre o uso desse gênero para ensino/aprendi-
blog que seja conduzido pelos alunos baseia-se zagem de produção escrita, como ilustram os
na concepção de uma prática glocal proposta por exemplos a seguir:
García-Canclini (1997), isto é, levar questões e
práticas locais para um âmbito global, fomen- A-3: Para mim o gênero “flash fiction” é
tando o empoderamento do grupo local. Por uma maravilha, pois possui um número
fim, aplicamos questionários no final dos dois limitado de palavras e é onde podemos
semestres com perguntas abertas e outras di- expor toda a nossa criatividade.
recionadas para identificar as percepções dos
A-4: É um gênero interessante, pois colo-
2 As perguntas do Peer Review foram apresentadas aos alunos em inglês, camos de maneira rápida (100 palavras)
traduzidas aqui: Sobre o que é o texto? Onde ocorre? O texto atende aos
estágios do gênero? Qual é a complicação? Qual é a resolução? Há um
nossos conhecimentos relacionados a
momento de súbito impacto/iluminação? Qual é? Qual é a reviravolta na fase nosso vocabulário inglês, sem deixar de
de truque final? É cômico ou trágico? Há exatamente 100 palavras? Você
mencionar que é muito divertido criar ou
identifica erros gramaticais? É cativante?
até mesmo relatar fatos, que devem conter
3 O blog está disponível em: asertaoflash.blogspot.com. O título, combinação
da palavra sertão com a palavra flash, com o uso do artigo indefinido em inglês uma complicação e uma resolução.
“a”, sugerindo a ideia fotográfica de “um flash do sertão”, deve-se ao fato de o
referido campus estar situado no Sertão do Seridó, no Rio Grande do Norte.

99
Em suas respostas, os alunos relataram que Além das impressões e percepções dos
foi uma atividade prazerosa, que possibilitou aprendizes sobre sua aprendizagem, contamos
melhorias no uso da língua inglesa em geral. com a análise do uso de algumas estratégias da
escrita para atender às exigências do gênero
A-11 O flash fiction é um gênero muito in- e o uso de itens lexicais da língua inglesa que
teressante. Ele instiga nossa imaginação representam dificuldades para escritores da
e incentiva a capacidade criativa, além língua portuguesa, trabalhados nesse período
de desenvolver habilidades linguísticas em outras atividades como o uso dos pronomes,
durante as produções. Foi muito pro- contrações, tipos de processos e adjetivos. No-
veitoso o trabalho com os flash fictions, tamos que, quando precisavam reduzir o texto,
trabalhar em grupos também torna essa eliminavam os adjetivos e procuravam escolher
atividade mais lúdica e prazerosa. verbos que serviam para caracterizar a persona-
gem ou a situação.
A-15 Minha opinião é que com a produ- Os resultados mostram que as impressões
ção desse gênero textual, aprendemos dos alunos a respeito do ensino/aprendizagem
a escrever, a entender, e também a me- da produção escrita em língua inglesa utilizan-
lhorar o vocabulário em inglês e ainda do flash fiction traz benefícios tais como: motiva-
nos dirigimos a um momento engraçado ção, sendo uma atividade prazerosa, engajando
ou trágico. a criatividade; capacidade de atender aos está-
gios obrigatórios de uma narrativa e contemplar

100
3.3. Podcast no ensino de compreensão oral
gêneros discursivos em termos de uma estru-
tura esquemática (MARTIN; ROSE, 2008), e os Ao passo que as TICs se popularizam, novas
elementos de ficção; promover momentos para atividades humanas emergiram nas ambiências
refletir sobre questões metaestruturais e meta- digitais. A Web 2.0, caracterizada pelo compar-
linguísticas da construção de um discurso, além tilhamento remoto da produção compartilhada
de participar de uma prática social autêntica no e pela inserção dos recursos multimídias, tem
qual a língua inglesa é central, ao mesmo tempo contribuído para: (a) a ampliação dos suportes
que passa a fazer parte do contexto cultural dos de gêneros que já conhecemos, (b) a alteração
aprendizes – ou seja, prática de produzir um dis- das configurações de determinados gêneros e (c)
curso completo e significativo. o surgimento de novos gêneros. Dentre os gê-
Vale salientar algo caraterístico desse neros digitais emergentes, podemos citar o po-
grupo: percebemos que houve uma capacida- dcast educacional para ensino de ILE (UCHÔA,
de natural na elaboração da estrutura esquemá- 2014, 2010), que utilizamos para a experiência
tica de uma narrativa, que possivelmente seja relatada nesta seção.
fruto das múltiplas práticas sociais baseadas em Pesquisas têm revelado que o uso peda-
narrar histórias no seu contexto rural (CASCUDO, gógico de podcast tem mostrado resultados
2001). Atender aos estágios obrigatórios de uma promissores no desenvolvimento da habilida-
narrativa, de forma geral, a respeito de aconteci- de de compreensão e produção oral (BIRD-SO-
mentos nas suas vidas cotidianas, foi uma tarefa TO; RANGEL, 2009; DUCATE; LOMICKA, 2009) e
bastante natural para esses aprendizes. com esse propósito, o podcast educacional para

101
ensino de ILE foi empregado como instrumen- serem produzidos em contextos muito diferen-
to de ensino em uma experiência vivenciada no ciados do contexto de cultura dos aprendizes,
curso de Letras do campus Floresta da Univer- não permitirem a interação face a face e síncro-
sidade Federal do Acre, localizado na Amazônia na; adotarem uma linguagem artificial que não
extremo-ocidental, com a participação de 35 aca- condiz com práticas de linguagem em uso em
dêmicos convidados a refletir sobre o processo contextos reais de comunicação e não englobar
através de narrativas. questões locais inerentes as reais necessidades
Na oportunidade, a falta de consciência a dos aprendizes.
respeito da importância de uma concepção de Diante das constatações e limitações apre-
linguagem que orientasse a prática docente, as sentadas, identificou-se na prática de podcasting
experiências limitaram-se a: acessar os exem- (UCHÔA, 2014) outra oportunidade para desen-
plares de podcast produzidos em língua inglesa; volver as habilidades linguísticas de compreen-
ouvi-los juntamente com os professores em for- são e produção oral nesse contexto de ensino.
mação e solicitar a realização de atividades de Caracterizada também pela postagem de áudio e
compreensão oral. vídeo na Internet, a prática de podcasting amplia
Inicialmente, as primeiras experiências não os suportes para gêneros que já fazem parte do
foram produtivas nem animadoras. Porém, a ini- nosso dia a dia e adiciona novas configurações
ciativa com o podcast educacional para ensino textuais aos gêneros já existentes. Uma entrevis-
de ILE nos possibilitou refletir sobre os registros ta de rádio, um documentário, uma palestra pro-
do gênero, identificando limitações tais como: ferida em uma universidade etc., são exemplos

102
de gêneros que ganham novos suportes na Web e também com as dicas do professor,
2.0 como o Youtube, Daylimotion e Podomatic. tivemos uma base de como fazer uma
A partir de tais constatações, focamos as boa aula com temas da atualidade,
ações principalmente na produção de tarefas que com assuntos que vivenciamos em
permitissem envolver os acadêmicos com diferen- nosso dia a dia.
tes gêneros orais e em língua inglesa, priorizando
o desenvolvimento da habilidade de compreensão A-4 A elaboração deste trabalho vem
oral. As tarefas foram tomadas como práticas de nos mostrar quão importante é o Lis-
linguagem que precisam ser planejadas e elabo- tening no processo de aprendizagem
radas, com estágios bem definidos, objetivando de uma língua estrangeira e que, como
atingir procedimentos de ensino (ROSE; MARTIN, educadores, precisamos estar prepa-
2012). As percepções dos alunos são bastante po- rados para desenvolvê-lo dentro do
sitivas nas avaliações que fazem de sua prática de grau de assimilação dos aprendizes.
didatizar podcasts para o ensino, como podemos
verificar nos excertos a seguir: Para nortear a produção de tarefas,
adotamos o modelo sugerido por
A-10. Um ponto positivo na elaboração Field (2008), que consiste em estágios
deste trabalho foi conhecer melhor e etapas a serem seguidos durante
sobre os sintomas da malária e conhe- a confecção de atividades de ensino
cer algumas dicas de como prevenir visando o desenvolvimento da com-

103
preensão oral. Aliando esses procedi- importante recorrer aos elementos ou signos
mentos à visão de linguagem da LSF, que são inerentes ao contexto local e que são
definimos os seguintes procedimentos compartilhados pelos aprendizes daquela região
para a didatização dos gêneros possí- na Amazônia. Nesse sentido, optamos por dida-
veis de serem ancorados com a prática tizar gêneros ancorados com a prática de pod-
de podcasting: casting que englobassem as seguintes temáticas:
o homem amazônico, extrativismo e desenvol-
(a) P ré-compreensão: nesta primeira vimento sustentável, ecoturismo, enchentes,
etapa, prima-se pela contextualização combate à malária e tribos indígenas locais. São
textual. temas indispensáveis na construção de concei-
(b) Compreensão extensiva: em que se tos mais complexos ou científicos e que valori-
inicia o exercício da compreensão oral. zam os conhecimentos prévios dos alunos, pois
(c) Compreensão intensiva: nessa etapa, perfazem o imaginário local do homem amazô-
outra oportunidade de compreensão nico. A partir desses elementos, constitui-se um
oral é explorada. mundo de significações compartilhadas pelos
(d) Pós-compreensão: estruturas linguís- sujeitos que habitam tanto o ambiente citadino
ticas podem ser exploradas nessa fase. quanto por aqueles que estão diretamente in-
seridos nas pacatas colocações às margens dos
Associando tais procedimentos à noção de rios, como ocorre na maioria dos contextos de
contexto da LSF (HALLIDAY; HASAN, 1989), foi ensino de ILE da Amazônia.

104
Cientes de que o professor de ILE precisa e postar o trabalho, mas aprendemos
abdicar de práticas de ensino cristalizadas, na muito com tudo isso. Aprendi também,
experiência vivenciada na Amazônia brasileira, juntos com os demais integrantes do
procuramos desenvolver estratégias que objeti- meu grupo a ouvir mais na língua in-
vassem promover a oralidade a partir de discus- glesa. Ninguém fala um idioma que
sões relativas às relações sociais locais, trazendo não pratica, não escuta. Essa experi-
para a sala de aula temas que estão presentes ência serviu para eu entender melhor
no imaginário coletivo e que são objetos das ma- como usar o listening nas minhas
nifestações culturais do povo amazônico. A esse aulas sem deixar de lado os assuntos
respeito, um participante faz a seguinte reflexão: da região.

A-25 Aprendi no decorrer deste tra- As sugestões de Holliday (2001), Canaga-


balho que temos que usar diversas rajah (2005) e Kumaravadivelu (2011, 2003) di-
estratégias de ensino para estimular recionam-nos para a proposição de maneiras
o aluno que estuda Inglês. E cabe a alternativas de construção do conhecimento na
nós professores buscar essas estraté- sala de aula de línguas, desvinculando-se dos
gias para que o aluno tenha sucesso preceitos de determinado método rotulados por
na sua aprendizagem. Assim, o que princípios globais. Esses autores orientam ao
tenho a dizer deste trabalho, é que a professor partir do próprio contexto social em
parte mais difícil foi encontrar o áudio que está inserido. Nessa esteira, Kumaravadivelu

105
(2011) ensina que, em se pensando globalmente estavam acostumados. Essa dificuldade também
e agindo localmente, podem-se produzir conhe- fez emergir novas demandas de estudos sobre
cimentos necessários aos diferentes contextos a produção oral com temáticas locais.
que os aprendizes vivenciam ao longo da vida. Uma das opções para as próximas experi-
Como resultado da aprendizagem adquiri- ências será inserir os próprios professores em
da nessa vivência, é verdade que a maioria dos formação na produção de seus próprios pod-
registros de gêneros difundidos pela prática de casts, com temáticas a respeito do local em que
podcasting e que estão ancorados nos suportes estão inseridos, com base em uma abordagem
da Web 2.0 é produzida a partir da ótica do es- culturalmente sensível (HOLLIDAY, 2001). Com
trangeiro sobre a Amazônia. Mesmo assim, é conhecimento prático e teórico, além de motiva-
possível que o professor impulsione discussões ção, possivelmente podemos encaminhar a cons-
de questões relativas à alteridade que também trução de estratégias de ensino significativas, em
precisam adentrar o ambiente da sala de aula conformidade com as demandas dos aprendizes
como mais um elemento estimulador para opor- e do contexto em que estão inseridos.
tunizar discussões sobre práticas identitárias.
O difícil acesso aos gêneros com temáti-
cas locais proporcionou a inserção mais efetiva
em práticas de letramento digitais, levando os
alunos-professores a adotar critérios de busca
e seleção na internet com os quais ainda não

106
4. Considerações finais
especificamente à reflexão e possibilidades de
A partir do exposto neste capítulo, pode- ensino da produção oral e da compreensão oral.
mos inferir que uma abordagem de ensino com Nossas propostas levam em consideração
base em gêneros do discurso deve ser, primeira- as constantes transformações nas TICs e seu uso
mente, sensível ao contexto em que se insere e em práticas de sala de aula no ensino superior
deve estar associada a uma visão de linguagem, que, em nosso contexto específico, são os cursos
pois o trabalho com os gêneros não deve perder de Letras com habilitação em Inglês com vistas
de vista o trabalho com a língua, associado ao à formação inicial do professor, de modo a oti-
trabalho da formação inicial de profissionais de mizar as práticas em sala de aula que visem à
língua inglesa, ou seja, a relação entre texto e futura aplicação em seus contextos de atuação.
contexto deve ser a base para esse trabalho. Pode-se pensar, ainda, no uso das três pos-
As três experiências relatadas neste artigo sibilidades aqui sugeridas em conjunto. Carac-
propõem a adoção de práticas no ensino supe- terizando a multimodalidade típica dos meios
rior que estejam mais concatenadas às próprias virtuais e com as quais os alunos estão bastante
vivências dos alunos em seu cotidiano com gêne- familiarizados. Por exemplo, no site, http://www.
ros digitais e mais relacionadas à multiplicidade flashfictiononline.com/podcasts.html, as produ-
de práticas letradas em nossa sociedade (ROJO, ções de flash fictions estão também disponíveis
2012). Em nosso caso específico, abordamos o na versão oral em podcast, tornando possível
uso de portfolios, podcasts e flash fiction, visando que o professor utilize o mesmo material para
trabalhos de produção e compreensão oral e es-

107
Referências
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ou oral em vídeo para otimização de momentos ANDRADE, Ana Isabel; GONÇALVES,
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114
Texto
4 O gênero piada como ferramenta de ensino-aprendizagem de inglês

Paulo Rodrigo Pinheiro de Campos


Ana Graça Canan como ferramenta de ensino-aprendizagem de
Inglês e analisamos algumas piadas seleciona-
Introdução das com o intuito de identificar e interpretar
aspectos culturais. Contudo, a atividade aqui
Em conformidade com a observância do apresentada não constou em nossa dissertação.
que os documentos oficiais versam sobre cul- É válido salientar que não concebemos
tura no ensino de línguas estrangeiras e com as piadas como gênero privilegiado de cultura,
a necessidade de se promover uma formação mas que, como muitos outros gêneros textuais,
não somente técnica, mas também pessoal, o o texto humorístico veicula discursos comuns a
que implica em formação cultural e cidadã dos comunidades discursivas (KRAMSCH, 1996), por
estudantes, privilegiamos a abordagem cultural mais que um tema seja considerado universal
para orientar nossa prática de ensino-aprendi- (POSSENTI, 2002, 1998).
zagem de Língua Inglesa no Instituto Federal de Reconhecemos que, ao lado de uma abor-
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande dagem de ensino-aprendizagem, uma perspecti-
do Norte – IFRN. A fim de empreendermos essa va teórica da linguagem seria um grande auxílio
prática baseada numa perspectiva cultural, de- para a leitura analítica das piadas. Optamos pela
senvolvemos uma pesquisa que enfoca o com- Análise do Discurso de linha francesa (MAINGUE-
ponente cultural do ensino-aprendizagem de NEAU, 2010, 2004, 1996) por percebermos a per-
línguas, com vistas à elaboração de atividades tinência de algumas categorias de análise ado-
para a sala de aula. Para tanto, elegemos a piada tadas por essa corrente teórica, como a noção

115
de implícitos, a noção de cenas enunciativas e a Embora nem todas as piadas ridicularizem
noção de competências, com o trabalho com as uma determinada classe, podemos dizer que
piadas em sala de aula. elas sempre lidam com mais de um discurso
e, de acordo com o autor, esses discursos se
Abordagem cultural, piadas contrapõem. Nossa intenção de trabalhar com
e análise do discurso piadas em sala de aula de Língua Inglesa no
ensino médio não é, entretanto, compreender
O gênero piada, oral ou escrito, geralmente a cultura de outros povos somente com pistas
não tem autor determinado. As piadas retomam deixadas nos textos humorísticos. Como já sina-
sempre temas cruciais para uma sociedade, os lizado anteriormente, não percebemos as piadas
quais provêm de discursos profundamente ar- como lugar privilegiado de manifestação cultu-
raigados (POSSENTI, 2002, p. 159). O mesmo ral. Para Possenti (2010, 1998), por exemplo, não
autor assume que as piadas é o caráter cultural da piada uma característica
de destaque, mas sim a técnica de linguagem
[...] opõem dois discursos, que podem ali presente. Em palavras mais diretas, para o
ser caracterizados como positivo/ne- autor, não é o conteúdo da piada que veicula o
gativo [...] Assim, [...] as piadas fazem humor, mas sim a forma como ela se apresen-
aparecer, ao lado de um estereótipo ta. Possenti vai além e assevera que as piadas
básico, assumido pelo próprio grupo versam sobre poucos tópicos, que tais tópicos
(um traço de identidade?), o estereó- são sempre os mesmos com apenas umas algu-
tipo oposto (id. ibid.). mas especificidades que variam (id. 1998). Por

116
que, então, insistir em utilizar textos humorísti- Mas, como o próprio teórico indica, as piadas
cos com foco em aspectos culturais? Para res- vão além de construções linguísticas neutras,
ponder tal pergunta, valemo-nos do que diz o sendo construídas em solo cultural e ideológi-
mesmo autor: co diversificado, e isso pode ser material para a
formação cultural dos discentes.
[...] as piadas são interessantes para Entendemos que as piadas não são suficien-
os estudiosos porque praticamente só tes para a formação cultural dos estudantes, nem
há piadas sobre temas que são contro- ao menos são suficientes para compreender fa-
versos. Assim, sociólogos e antropólo- tores culturais em sua totalidade. Na linha desse
gos poderiam ter nelas um excelente pensamento percebemos que nenhum gênero
corpus para tentar reconhecer (ou con- textual pode contemplar tudo isso. As piadas se
firmar) diversas manifestações cultu- apresentam, então, como um gênero autêntico,
rais e ideológicas, valores arraigados plural como muitos outros gêneros, no que se
(id. 1998, p. 25). refere a temas e aspectos culturais e, portanto,
dignas de investigação com rigor científico, se pre-
A princípio, as piadas se mostram como tendemos concebê-las como recurso didático.
fontes autênticas de manifestação linguística, Destacamos que não é de nosso interesse
estratégias de linguagem variadas e, muitas o humor especificamente. Ou seja, não estamos
vezes, são surpreendentes, o que já seria valio- interessados em descobrir ou investigar o que
so para se trabalhar em sala de aula de línguas. provoca o riso. Mas podemos afirmar que nosso

117
interesse vai além do que é culturalmente cômico, esta hipótese pode ser postulada para
atinge o humor, que contempla estratégias de lin- qualquer tipo de texto de qualquer na-
guagem, técnicas linguísticas que podem trans- tureza (POSSENTI, 1998, p. 73).
formar uma situação comum em algo engraçado
(POSSENTI, 1998, p. 45, 46). Os textos humorís- A interação com as piadas, como declara-
ticos nos convidam ao trabalho em sala de aula do acima, não se faz por mera leitura superfi-
de línguas por serem amostras reais de culturas, cial, decodificação linguística. Concordamos
ideologias, preconceitos e por exigirem, sempre, com Garcez (2001, p. 26) ao assumir que para
um trabalho interpretativo, que apesar de pare- se compreender alguns textos é necessário que
cer simples, muitas vezes exige mais atenção, va- se leia também o que não está escrito. A inter-
riadas competências e habilidades: pretação das piadas requer também um vasto
número de competências e habilidades, dentre
[...] entender uma piada não é decodifi- as quais Chiaro (1992, p. 11, 12) destaca conhe-
car um texto, mas interpretá-lo, e [...] a cer a língua em uso e dispor de um vasto con-
interpretação demanda um trabalho do junto de informações socioculturais partilhadas,
ouvinte, enquanto que a decodificação em que se inclui o conhecimento enciclopédico.
demanda apenas um conhecimento. Foi com base na consideração desses auto-
Este é necessário, mas não é suficiente res e, principalmente, a partir de contatos pré-
para a interpretação. Restrinjo-me aqui vios com piadas selecionadas, que adotamos al-
ao domínio da piada, mas penso que gumas categorias de análise comuns à Análise

118
do Discurso, como os implícitos (MAINGUENEAU, the construction of culture, but in the
1996), a cena enunciativa (id. 2010, 2004) e as emergence of cultural change.1
competências (id. 2004).
Portanto, consideramos como via de acesso
Outro fator decisivo para adotarmos concei-
à identificação e interpretação dos aspectos cul-
tos da Análise do Discurso para o nosso trabalho
turais presentes em piadas, os discursos que as
com piadas com vistas à elaboração de atividades
constituem e por elas são veiculados, os quais
para sala de aula é o reconhecimento de que uma
muitas vezes apresentam-se em choque.
condição indispensável para entender integral-
mente a cultura de uma comunidade é entender
os discursos que circulam nessa comunidade. A noção de implícitos e as piadas
Quanto ao acesso à produção discursiva de uma
Pensamos que a utilização de implícitos
comunidade, Kramsch (1996, p. 3) declara:
obedece a princípios de economia linguística
(MAINGUENEAU, 1996). Ora, para evitar inúme-
Culture in the final analysis is always
ras repetições, um texto aproveita informações
linguistically mediated membership
já colocadas, convertendo-as em pressupostos
into a discourse community, that is (id. ibid.). Segundo Maingueneau (1996, p. 89), “a
both real and imagined [sic.]. Lan- atividade discursiva entrelaça constantemente o
guage plays a crucial role not only in
1 A cultura, na análise final, é sempre um direito linguisticamente mediado de
ser sócio de uma comunidade discursiva, que é tanto real como imaginada.
A língua atua num papel crucial não só na construção da cultura, mas na
emergência de mudanças culturais (KRAMSCH, 1996, p. 3).

119
dito e o não dito” e, portanto, nem tudo o que se Essa piada aborda um tema muito comum,
diz se dá de forma explícita. Partindo da distinção a infelicidade no casamento. Casamentos fra-
que Possenti (2010, 1998) faz entre comicidade cassados são comuns e mesmo um tema triste,
e humor, percebemos que o humor utiliza-se de longe de provocar risos. Mas nesse caso, a ma-
manobras e técnicas, verdadeiros jogos de lingua- neira como essa constatação é posta ao leitor/
gem, recorrendo, muitas vezes, aos implícitos. Já ouvinte nos faz esquecer de todo sofrimento im-
o cômico engloba situações culturalmente perce- plicado em histórias reais de pessoas infelizes
bidas como engraçadas, muitas vezes por serem no casamento e nos faz rir de um confronto de,
constrangedoras, ou grosseiras, sem, contudo, se pelo menos, duas imagens: (I) a imagem de que
valer de técnica de linguagem. O humor pode se o casamento é algo muito feliz e por isso são
valer de situações cômicas de coisas comuns, mas frequentes os momentos de grande emoção,
a maneira como um texto está organizado pode principalmente por parte dos noivos e de seus
fazer toda a diferença (POSSENTI, 1998). parentes mais próximos, os quais choram de
Tomemos como exemplo a piada a seguir: felicidade e (II) a imagem de que o casamento
é uma instituição fadada ao fracasso e, conse-
If it’s true that girls are inclined to marry men quentemente, ao sofrimento, motivo de tristeza
like their fathers, it is understandable why so e, por conseguinte, de pranto. A superposição
many mothers cry so much at weddings.2 da segunda imagem em detrimento da primei-
ra revela-nos um humor embasado no discurso
2 Se é verdade que garotas estão inclinadas a se casar com homens como seus feminista e tal revelação apoia-se em uma ideia
pais, é compreensível porque tantas mães choram tanto nos casamentos.

120
implícita de que os homens fazem as esposas posto, que é o nível de primeiro plano, o qual
sofrer e é a ciência desse sofrimento por qual a corresponde ao que o enunciado se refere; (II)
filha também passará, reproduzido pela seme- o pressuposto, que é o nível do plano de fundo,
lhança entre o marido e o noivo da filha, que leva sobre o qual o posto se apoia (id. ibid. p. 95).
a mãe da noiva aos prantos. O conflito aqui ana- Dessa forma, partindo do princípio de que o
lisado se dá entre o discurso religioso, que apoia pressuposto constitui base para a colocação do
o casamento, e o discurso feminista que, mesmo posto, podemos concluir que os pressupostos
sem condenar o casamento, atribui suas dificul- são construídos anteriormente aos enunciados
dades exclusivamente aos homens. Novamente (id. ibid. p. 100).
esclarecemos que não é do nosso interesse in- Maingueneau (1996) classifica os pressupos-
vestigar o motivo de a piada ser engraçada, mas tos em duas categorias: pressupostos semânticos
sabemos que sem a compreensão dos implíci- e pressupostos pragmáticos. Os pressupostos se-
tos presentes nessa piada, não há compreensão mânticos podem ser classificados em pressupos-
nem interpretação da piada (POSSENTI, 1998). tos da frase (fora de contexto) e pressupostos do
enunciado (em contexto, baseados na tematiza-
1.1 Pressupostos ção, a qual depende de meios prosódicos). Já os
pressupostos pragmáticos, que não são elemen-
Para compreendermos melhor a noção de tos do conteúdo do enunciado, são dependen-
pressupostos, Maingueneau (1996) assevera que tes da enunciação e “das condições êxito do ato de
o enunciado possui dois níveis de conteúdo: (I) linguagem”. Por exemplo, o ato de pedir perdão

121
2 A noção de cena de enunciação e as piadas
pressupõe que alguém cometeu uma falta contra
outrem, que reconheceu seu erro e que está se Falamos dentro de discursos, procedendo
retratando com a vítima de sua falha. a estratégias com vistas a uma interação mais
eficiente. Enquanto falamos, constituímos uma
1.2 Subentendidos cena de enunciação, a qual também institui/con-
firma o discurso em que é constituída. De acordo
Os subentendidos, diferentemente dos com Maingueneau (2004, p. 85), um “texto não
pressupostos, dependem de um contexto para é um conjunto de signos inertes, mas o rastro
serem compreendidos, de forma que, como as- deixado por um discurso em que a fala é en-
segura Maingueneau (1996, p. 105), uma mesma cenada”. Talvez alguns colegas linguistas até
frase pode liberar subentendidos totalmente questionem esse posicionamento de Maingue-
distintos se colocada em contextos diferentes. neau, indicando que ele desvaloriza o texto, re-
Recorrendo novamente à piada de casamen- baixando-o a um simples rastro. Não estamos,
to citada há pouco, podemos pressupor que (I) as com isso, conferindo pouca importância ao
noivas têm um pai e, portanto, não são filhas órfãs, texto, nem atribuindo tal feito a Maingueneau.
nem criadas por uma mãe solteira; (II) que a mãe e Todavia, concordamos com o autor em certo
o pai da noiva são casados, ou pelo menos foram ponto: os textos são a materialização de ativi-
casados durante certo tempo. Também com essa dades discursivas e essa materialização se efeti-
piada podemos subentender que (I) a relação con- va na enunciação que apresenta cenas as quais
jugal entre muitos casais é de sofrimento e (II) a
culpa desse sofrimento é do homem.

122
seguem uma organização pragmática e objetivos A cena de enunciação não legitima somente a
percebidos em cada situação de interação. enunciação, mas também o discurso que a institui,
As cenas enunciativas organizam-se em e a institui com o objetivo de convencer. Com isso
quadro cênico e cenografia. O quadro cênico é podemos afirmar que o conteúdo do texto permite
constituído pela cena englobante e pela cena validar – ou se propõe a isso – a cena de enuncia-
genérica. A cena englobante corresponde ao ção pela qual tal conteúdo se manifesta (id. ibid.).
tipo (político, publicitário, humorístico, feminis- Podemos exemplificar as categorias bre-
ta, machista etc.) e a cena genérica ao gênero vemente discutidas acima com o seguinte texto
de discurso (correspondência, piada, folder, re- humorístico:
ceita, bula etc.). Já a cenografia, que não é sim-
plesmente uma moldura, uma decoração inde-
pendente do discurso, mas que é instituída pelo
desdobramento da própria enunciação, colabo-
ra com o quadro cênico para a legitimação desta
última. A cenografia é, então, um dispositivo de
fala constituído progressivamente no desenvol-
ver da enunciação (MAINGUENEAU, 2004, 2010).
Nas palavras de Maingueneau (2004, p. 87), “[...]
a cenografia é ao mesmo tempo a fonte do discur-
so e aquilo que ele engendra [...]”.

123
My Dearest Susan, Percebemos nesse texto uma cena englo-
Sweetie of my heart. I’ve been so desolate
bante que é o discurso humorístico, neste caso,
ever since I broke off our engagement. Simply
exacerbando o discurso feminista de que os
devastated. Won’t you please consider
homens são materialistas, não amam de verda-
coming back to me? You hold a place in my
de, mas são interesseiros, principalmente por
heart no other woman can fill. I can never
dinheiro [e sexo]. No tocante à cena genérica,
marry another woman quite like you. I need
podemos afirmar que se trata de uma piada dis-
you so much. Won’t you forgive me and let us
make a new beginning? I love you so. ponível em um site de piadas na internet. Há
Yours always and truly, quem possa afirmar que se trata de um texto
John intergenérico. No entanto, valendo-nos do em-
P.S. Congratulations on you winning the preendimento teórico de Maingueneau (1996,
state lottery.3 2010), com o qual estamos trabalhando, pode-
(Disponível em: mos definir a cenografia como uma correspon-
<http://www.ahajokes.com/mar019.html>) dência pessoal, que não é, na verdade o gênero
do texto em questão. (Se o fosse, haveria muitas
falhas de composição, levando em considera-
3  Minha queridíssima Susan,
 Docinho do meu coração. Eu ando tão desolado desde que rompi nosso noivado! ção uma correspondência produzida em seus
Simplesmente arrasado. Você não poderia, por favor, considerar a hipótese de voltar
para mim? Você mantém um espaço no meu coração que nenhuma outra mulher pode padrões estabelecidos, ou estaríamos suposta-
preencher. Eu nunca conseguirei me casar com uma mulher igual a você. Preciso muito
de você. Você não quer me perdoar e nos dar a chance de recomeçar? Te amo demais. mente lidando com um fragmento de uma cor-
  Sincera e atenciosamente,
 John
respondência; e o texto enquanto piada apre-
  P.S. Parabéns por ganhar na loteria estadual.
sentar-se-ia em sua integralidade).

124
Se formos além, podemos dizer que o texto sempre terão o professor de inglês por perto
também se vale de uma cena validada (MAIN- para esclarecimentos instantâneos.
GUENEAU, 2004), a saber, um pedido de descul- Em concordância com o autor supracitado,
pa entre parceiros amorosos, no qual o homem afirmamos que as grandes instâncias que inter-
propõe que o relacionamento recomece. vêm na atividade verbal podem ser enquadradas
nas três seguintes competências: a competên-
3 A noção de competências cia linguística, a enciclopédica e a genérica (id.
ibid. p. 42). A competência linguística diz respei-
A noção das competências é necessária por to ao conhecimento da língua em uso, no caso
dois motivos em nosso caso: (I) o professor pre- do nosso contexto de ensino-aprendizagem, a
cisa prever que tipo de competência os estudan- Língua Inglesa. Esse conhecimento engloba es-
tes precisarão para compreender e interpretar truturação, léxico, expressões idiomáticas, ques-
cada piada e, posteriormente, interagir uns com tões gramaticais etc.
os outros nas atividades propostas (MAINGUE- A competência enciclopédica diz respeito
NEAU, 2004, p. 47); (II) os estudantes precisam a um amplo conhecimento de mundo que ad-
ter uma percepção das lacunas que faltam para quirimos com nossas experiências, dia após dia.
a compreensão, a interpretação e o desenvolvi- Por exemplo, é nossa competência enciclopédica
mento das atividades propostas e, então, proce- que nos permite conhecer quem foi Dom Pedro
der ao preenchimento dessas lacunas de forma I, o que foi a batalha do Álamo no processo de
mais precisa e econômica (rápida), já que nem desmembramento do Texas do México, o que é

125
ganhar na loteria. Também é englobado no co- Um de nossos desafios de professor de
nhecimento enciclopédico o conhecimento dos Língua Inglesa é a não aplicação do conceito de
muitos scripts, “sequências estereotipadas de leitor-modelo nas atividades com textos (MAIN-
ações” (id. ibid.). Daí advém nossa aptidão para GUENEAU, 2004). Apesar de trabalharmos com
encadear ações adequadamente de forma a al- textos autênticos, não podemos e, em muitas
cançar um objetivo (id. ibid.). Precisamos de certa ocasiões, não devemos nos limitar ao trabalho
competência enciclopédica para proceder cor- com textos de melhor acesso, isto é, de mais fácil
retamente ao embarque de um avião, desde a leitura pelos alunos. Isso se deve a uma ques-
compra das passagens, que pode ser efetuada tão aparentemente óbvia: em uma turma com
online, e também procedendo ao check-in, à aten- aproximadamente quarenta discentes, como se-
ção à chamada pelo locutor do aeroporto etc. lecionar somente textos para os quais todos os
A competência genérica, que pode “resu- estudantes serão leitores-modelo, ou como, a
mir” a competência comunicativa [sobre a qual cada atividade selecionar textos distintos, cada
Maingueneau garante consistir “essencialmente um adequado a um grupo de leitores-modelos
em se comportar nos múltiplos gêneros de dis- organizado previamente? Considerando que
cursos” (MAINGUENEAU, 2004, p.42)], se refere cada professor de Língua Inglesa tem diversas
ao conhecimento dos gêneros textuais e, apesar turmas, um trabalho voltado para leitores-mo-
de não dominar todos eles, saber como se com- delo não se aplica. Contudo, será útil aos estu-
portar adequadamente na interação com um de- dantes identificar quem seriam os “verdadeiros”
terminado gênero.

126
Nível Básico – 2º ano do ensino médio
leitores-modelo para auxiliar a interpretação de
1. Pedir que os estudantes leiam o texto
cada texto, e aqui não nos limitamos às piadas. silenciosamente.
2. Pedir que identifiquem o gênero textual e que
explicitem que fatores os levaram a tirar tal
conclusão.
4 Proposta de atividade para a sala
3. Pedir que os estudantes, em pares, leiam o texto
de aula de língua inglesa em voz alta duas vezes. Cada um lê uma vez, com
entonação apropriada à situação desenvolvida no
texto.
4. Conduzir uma breve e informal votação: Susan deve
reatar com John? Opção 01: sim; opção 02: não;
Atividade 01 opção 03: abstenções.
5. Logo após a breve votação, pedir que 03 estudantes
voluntários para cada uma das opções de votação
Nível Básico – 2º ano do ensino médio expliquem suas razões de terem votado nas
referidas opções.
Duração Dois horários de 45 min (90 min).
6. Apresentar aos estudantes, de forma deveras
Procedimentos simplificada e em multimídia, as seguintes noções,
•• Compreender o uso dos implícitos em textos
seguidas de explanações diretas e também
(pressupostos e subentendidos);
simplificadas, com exemplos textuais que não o
•• Desenvolver uma noção inicial de cena de enunciação texto com que os discentes estão trabalhando: (I)
Objetivos
(cena englobante; cena genérica; cenografia). pressupostos; (II) subentendidos; (III) cenografia; (IV)
cena genérica; (V) cena englobante;
•• Discutir sobre valores culturais ligados ao
relacionamento conjugal. 7. Pedir que, nas mesmas duplas, os estudantes
elaborem um pequeno quadro no caderno,
•• Leitura em nível analítico e interpretativo; exemplificando cada um dos conceitos abordados
com a piada do ex-noivo “arrependido”.
Competências •• Produção escrita com consciência da utilização de
implícitos e das cenas de enunciação. 8. Proceder a uma pequena enquete oral: o que nos
leva a crer, se for o caso, que John não está sendo
sincero?
9. Pedir que, em duplas, os estudantes redijam a
resposta de Susan à proposta de John, também com
uma carta pessoal.
10. Pedir que as duplas entreguem a última produção
textual ao professor.

127
Nível Básico – 2º ano do ensino médio Considerações finais
My Dearest Susan,
Podemos perceber, tanto pelo contato com
Sweetie of my heart. I've been so desolate ever since I os discentes quanto pelo contato com várias
broke off our engagement. Simply devastated. Won't
you please consider coming back to me? You hold a piadas, que a Análise do Discurso nos tem sido
place in my heart no other woman can fill. I can never

Texto
marry another woman quite like you. I need you so útil para explorar os aspectos culturais encon-
much. Won't you forgive me and let us make a new
beginning? I love you so. trados em piadas, muitos dos quais, implícitos,
Yours always and truly,
veiculados por discursos muitas vezes proibidos
John ou inconvenientes na escola. Nossa visão não
P.S. Congratulations on your winning the state lottery. de fazermos os estudantes exímios conhecedo-
<http://estagiarcansa.blogspot.com/2007/01/anedotas-
res de conceitos da Análise do Discurso. Alguns
Fonte
em-ingls.html>. conceitos mais simples podem ser apresenta-
dos aos estudantes, se o docente julgar que
isso dinamizará a aprendizagem. Tais conceitos
muitas vezes podem não ser explicitados aos
estudantes, mas devem auxiliar o professor em
sua análise mais acurada e reflexão dos textos
que propõe aos discentes.
A Análise do Discurso se apresenta, então,
disponível com seus conceitos e categorias de
análise, como mais um recurso para trabalhar-

128
mos com textos e com a Língua Inglesa para e a conscientização dos estudantes sobre alguns
além do nível lexical ou puramente estrutural. discursos e preconceitos que se nos apresentam
Podemos adentrar a cultura juntamente com frequentemente como dados.
nossos estudantes, abordando questões por Esperamos, com nosso trabalho, construir em
vezes polêmicas, difíceis de lidar e, por isso, conjuntura com nossos estudantes, um processo
muitas vezes evitadas ao longo dos anos por de ensino-aprendizagem de Língua Inglesa que con-
professores. Contudo, tais temas, muitos dos temple questões do dia a dia desses discentes, que
quais preconceituosos, já fazem parte do coti- aponte para sua formação cidadã e profissional e
diano dos discentes e não por meio de textos que os capacite para exercer tal censo de cidadania
científicos. Muitos dos textos humorísticos vei- e profissionalismo dentro e fora de nossas frontei-
culam vários discursos, muitas vezes encarados ras, também em Língua Inglesa.
como normais por nossos estudantes, e estes os
aceitam com naturalidade e sem reflexão. O que
resta, então, é incorporar tais discursos a sua
própria fala e atitudes, e isso é alienante.
Nossa proposta vai de encontro a tal carên-
cia: elegemos as piadas, gêneros comuns aos
estudantes e, com um trabalho embasado em
pesquisa rigorosamente científica, contempla-
mos a educação linguística, a formação cultural

129
Referências
CHIARO, D. The language of piadas: analyzing
BRASIL. Parâmetros Curriculares verbal play. London: Routledge, 1992.
Nacionais. Ensino Médio. Parte II:
Linguagens, códigos e suas tecnologias. GARCEZ, L. H. C. Técnica de redação: o que é
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MEC/SEM, 1998. Disponível em: <http:// Fontes, 2001.
portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
content&view=article&id=12598:publicacoes>. Piada. Disponível em: <http://estagiarcansa.
Acesso em: 31 mar. 2010. blogspot.com/2007/01/anedotas-em-ingls.html
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______. PCN+ Ensino Médio: Orientações
educacionais complementares aos KRAMSCH, C. The cultural component
Parâmetros Curriculares Nacionais. of language teaching. In: Zeitschrift für
Linguagens, códigos e suas tecnologias. Interkulturellen Fremdsprachenunterrich,
/ Secretaria de Educação Média. Brasília: Amsterdã, n. 1, v. 2, p. 1-13, 1996. Disponível
MEC/SEM, 2000. Disponível em: <http:// em: <http://www.spz.tu-darmstadt.de/projekt_
portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ ejournal/jg_01_2/beitrag/kramsch2.htm>.
content&view=article&id=12598:publicacoes>. Acesso em: 01 mar. 2006.
Acesso em: 03 maio 2010.

130
MAINGUENEAU, D. Doze conceitos em
análise do discurso. Sírio Possenti [et al]
(Org.). São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

______. Análise de textos de comunicação.


São Paulo: Cortez, 2004.

______. Pragmática para o discurso literário.


Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.

POSSENTI, S. Humor, língua e discurso. São


Paulo: Contexto, 2010.

______. Os limites do discurso. Curitiba:


Criar, 2002.

______. Os humores da língua: análises


linguísticas de piadas. Campinas: Mercado de
Letras, 1998.

131
Texto
5 A polêmica velada nos diários de leitura:
o que os jovens têm a dizer sobre o comportamento feminino

Rhena Raíze Peixoto de Lima


Maria da Penha Casado Alves nossos próximos passos estão sendo construí-
dos no presente, pois não somos meros repeti-
1 Contextualizando a pesquisa dores do passado, mas assimilamos o que nele
aconteceu e participamos na complementação
Exercendo o papel social de professor, muitas de discursos para construir um futuro que con-
são as conversas e atividades escolares que nos templa o passado e o presente, mas, ao mesmo
proporcionam o contato com os posicionamentos tempo, os modifica. Por isso, o autor nos diz que
dos nossos alunos. Esse contato nos faz ter uma
pequena noção da configuração dos ambientes [...] o apagamento de imagens de
(familiar, religioso, escolar...) em que esses alunos futuro cega a compreensão do presen-
transitam e como os discursos desses lugares so- te, já que este encontra naquelas o seu
ciais influenciam em suas opiniões. valor. Obviamente, os modos de cons-
Percebemos, então, que muitos desses trução do futuro, do qual nos sobram
posicionamentos são assumidos pelos alunos as memórias, podem derivar para um
como imutáveis. Mas a projeção que fazemos acabamento absoluto, prévio, pré-da-
do futuro, segundo nos aponta Geraldi (2010), é do: o futuro não como uma memória
de uma construção conjunta dos nossos posicio- no presente, mas como uma determi-
namentos e de nós mesmos enquanto sujeitos, nação fechada e autoritariamente im-
por meio do diálogo que vai além da interação posta. O sutil traço que separa a me-
face a face (BAKHTIN, 2010a). Desse modo, os mória do futuro da ideologia, é o fato

132
de esta fixar previamente como deve- de aula, é que iniciamos um projeto de pesquisa
-ser-o-futuro, descurando-se de que que teve como resultado a dissertação Vozes so-
cada ação do presente, tornando-se ciais em diálogo: uma análise bakhtiniana dos posi-
condição de possibilidade do futuro, cionamentos de alunos do Ensino Médio do IFRN12.
pode alterar os desenhos destes fu- O objetivo principal da pesquisa, como o próprio
turos. Numa perspectiva, o futuro é título já aponta, é analisar os posicionamentos dos
estabilidade instável, sem território, adolescentes registrados em diário de leitura.
perpetuamente deslocável; noutra, o O gênero diário de leitura consiste em uma
futuro é território mapeado, sem sur- atividade de sala em que os alunos registram,
presas, a ser implantado (GERALDI, diariamente, suas impressões pessoais acerca
2010, p. 110). de textos lidos dentro ou fora do espaço de sala
de aula. Essa atividade pode ser considerada
Nessa compreensão, estamos certos de que como diferenciada devido a algumas peculiari-
também fazemos parte da construção dos posi- dades: a) não há obrigação por parte do aluno de
cionamentos emitidos pelos alunos. Não apenas fundamentar teoricamente seu posicionamen-
nos momentos da sala de aula, mas também no
momento em que esses pontos de vista nos in- 1 O texto da dissertação pode ser lido na íntegra por meio do link <http://

quietam e tornam-se objeto de nossas pesquisas. repositorio.ufrn.br:8080/jspui/bitstream/1/8373/1/RhenaRPL_DISSERT.pdf>.

2  IFRN – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. Atualmente, o


Assim, compreendendo que a pesquisa deve ser, Instituto conta com 19 campi espalhados pelo estado. O campus em que
também, uma extensão de nossas práticas em sala foi feita a pesquisa é o campus Natal-Central, situado no bairro do Tirol, na
capital do estado.

133
to; b) não há obrigação com o cuidado acerca Outra característica do gênero, apontada
do uso de uma linguagem mais elaborada; c) é por Abreu-Tardeli et al. (2007), consiste na prio-
possível o registro de fatos, comentários não li- ridade dada ao processo da escrita e não ao seu
gados à temática do texto lido, que resultam em produto final. Ou seja, enquanto outras ativida-
produções de diversos gêneros dentro do diário. des desconsideram os chamados rascunhos, as
Essas características nos permitem dizer autoras orientam que a escrita do diário se dê
que a atividade do diário confere uma maior li- à medida que se lê o texto, registrando tudo o
berdade ao seu produtor por se tratar, segundo que vem à mente. Essa característica proporcio-
Machado (1998), de um gênero que une duas es- na um contato mais amplo com o registro das
feras: a esfera íntima e a esfera escolar. Por esse diversas vozes que participam da leitura, des-
motivo, o aluno escreve, em primeiro lugar, para pertadas pelas vozes presentes nos textos lidos.
si mesmo, e, em seguida, para o professor. Essa Além do mais, o exercício da escrita do
ordem não ocorre sempre dessa forma. Vemos diário, que obriga o aluno a se posicionar diante
claramente, nas produções que constituem o do texto lido, acaba se tornando um exercício
corpus, que alguns alunos escrevem sempre para a escrita e leituras responsivo-ativas (BAKH-
tendo o professor em vista, policiando-se com TIN, 2010a), no qual o leitor deixa de lado uma
relação ao que estão dizendo e como estão di- postura passiva diante do texto lido. Esse estí-
zendo; enquanto outros tiram o máximo de pro- mulo pode fazer com que os alunos se tornem
veito dessa liberdade e parecem, esquecer ou mais críticos, no momento em que precisam
não se importar, com a leitura do professor. se posicionar sobre o texto lido e não apenas

134
dublar as vozes neles presentes ou apenas omi- tema abordado nos enunciados. Um dos temas
tir-se diante delas. que se fez presente foi o comportamento femi-
Sendo assim, o diário de leitura torna-se nino, tema encontrado em três dos enunciados,
um espaço propiciador para a análise do embate dos quais apresentamos dois neste artigo.
de posicionamentos do aluno e dos discursos Outra questão que emergia desses enuncia-
com os quais têm contato por meio dos textos dos era a forma como os posicionamentos eram
lidos antes da produção do diário. Diante dessa apresentados. Por isso, recorremos ao conceito
atividade, a pesquisadora, juntamente com o de polêmicas discursivas (BAKHTIN, 2010b), que
professor colaborador, reuniu um corpus de du- representa o embate discursivo entre vozes dis-
zentos e noventa e dois diários, dos quais dez sonantes. Nesse sentido, a polêmica discursiva
foram selecionados durante a pesquisa, a partir se manifesta quando a voz do eu (aquele que
de um percurso que nos levou à definição de escreve) se posiciona contrária à voz do outro
critérios devidamente esclarecidos no texto da (produtor do texto analisado no diário). Bakhtin
dissertação, nos capítulos intitulados “Concep- vai mais além quando afirma que há dois tipos
ções teórico-metodológicas: relação entre con- de polêmicas discursivas: a polêmica velada e
ceitos e atitudes diante da pesquisa” e “Da teoria a polêmica aberta. Na primeira, o discurso do
à análise dos enunciados”. outro é refratado de maneira implícita, pois o
Para este momento, apresentamos apenas objeto do discurso do eu não é a voz refratada,
a informação de que uma das etapas finais para mas outra voz que nos faz perceber, por meio
a seleção dos diários foi a aproximação entre o das escolhas composicionais, que ela também

135
Quadro 1: Grupos de categorias
está sendo refutada, muitas vezes mais do que
a voz que pode ser percebida como objeto do
discurso do eu, conforme veremos em nossas
análises. A polêmica aberta, ao contrário, pode
ser representada por um discurso que faz do
discurso do outro o seu objeto e o refuta aber-
tamente.
Nos deteremos a analisar aqui os enuncia-
dos que abordam pontos de vista sobre o com-
portamento feminino de forma velada.
A seguir, reproduzimos o resultado da di-
visão em grupos e categorias feita durante a es-
crita da dissertação.

Fonte: Autoria própria, 2013.

Esclarecemos também que os enunciados


foram nomeados a partir de expressões utili-
zadas pelos alunos. Para este artigo, elegemos
os enunciados “Quero aparecer” e “Acerte no

136
Visual”, ambos, como já adiantamos e como é peça fundamental para sua interpretação. Nas
possível conferir no quadro, pertencentes ao palavras de Brait (2013, p. 52),
grupo polêmica velada.
Nas análises aqui apresentadas, será possí- Os enunciados, os dois textos, o verbal
vel perceber que os enunciados aqui reproduzi- e o visual, nascem separadamente.
dos foram divididos em duas partes por se tra- Primeiro o verbal e, depois, sob a influ-
tarem de enunciados verbo-visuais. Adotamos ência dele e de acordo com seu estilo
a nomenclatura verbo-visual, a partir das leitu- expressionista, Kubin ilustra O duplo.
ras de textos de Brait (2013) e de Puzzo (2012) A relação que se estabelece entre
que discutem a relação entre linguagem verbal ambos, entretanto, não é de simples
e visual, com base na teoria bakhtiniana. Ambas e submissa legenda, mas, ao contrá-
as autoras chamam a atenção para a importân- rio, é de entranhamento, de resposta
cia do papel do visual quando este exerce papel ativa ao processo criativo primeiro, à
fundamental para a compreensão integral do estética da alteridade [...].
texto. Assim, o visual não funciona como uma
complementação, ou mera ilustração, ou ainda Esse entranhamento de que fala a autora
como um elemento inserido em momento se- pode ser visto claramente nos enunciados esco-
cundário e que pode ser considerado dispen- lhidos para este artigo, nos quais a imagem do
sável. Do contrário, a presença do texto visual texto analisado é recortada e inserida em um
apresenta uma nova configuração ao texto e é novo texto e ganha, exatamente por isso, outra

137
2 A POLÊMICA VELADA EM
configuração. Essa junção dos textos verbal e QUERO APARECER
visual também reforça a concepção de enqua-
dramento (BAKHTIN, 2010c), que será abordada
PARTE I
mais adiante, durante as análises.
Finalizamos essa contextualização apre- O enunciado reproduzido a seguir foi cons-
sentando mais um conceito que embasa nossas truído após a leitura de uma entrevista de Geisy
análises que é a concepção de forma arquitetô- Arruda, publicada na revista Veja.
nica (BAKHTIN, 2010c), que considera a forma
do enunciado como componente importante e Não acredito que li isso!
estratégico para a apresentação de um ponto de Quero os 5 minutos de volta!
vista. Perceberemos, portanto, que o produtor A “entrevista” realizada com essa doida
de um texto rejeita tudo o que não se relaciona “da vida” (porque usar aquele vestido é a
com o seu posicionamento e abraça as expres- mesma coisa que dizer: “Olhem para mim!
sões, construções frasais, ordem de informações Sou uma “da vida!”), essa ridícula, foi super
que lhe convém, o que prova que a escolha da cômico. Parece que as perguntas que a re-
forma possui um caráter subjetivo e direciona-se vista fez foi só para “tirar onda”, pior ainda
para uma determinada intenção. são as respostas dessa louca, parecendo
A seguir, apresentamos os enunciados se- uma perua patricinha: “meu cabeleleiro é
lecionados para este artigo, juntamente com meu anjo da guarda” - ¬¬. E ela ainda
suas análises.

138
está se achando porque seu “anjo” disse universidade, dias depois, expulsou a estudante,
que ela parece com Carla Perez. Tomara alegando a “defesa do ambiente escolar” (ESTA-
que ela ganhe o mesmo apelido que Carla DÃO, 2009), assinando seu posicionamento fa-
ganhou! E querendo se tornar uma dessas vorável aos estudantes que assim se comporta-
“frutas” (estragadas) ela botou parte de ram. O assunto ganhou repercussão nas mídias
suas banhas no bumbum para dar uma nacional e internacional e levantou diversas opi-
“empinadinha” – triste. Isso tudo deve niões contra e a favor de Geisy, alguns deles vol-
ter sido para sair nua em alguma revista! tados para a forma como uma mulher deve se
Embora ela diga que é pro carnaval. A ex- portar e se vestir em determinados ambientes.
-gorda não quer se sentir inferior em feve- O produtor do primeiro enunciado anali-
reiro. Se enxerga!!! sado, desde as primeiras palavras, corrobora o
Mesmo assim gostei do tom usado da re- posicionamento daqueles que criticam a atitude
vista para entrevistar Geisy, é para tirar da estudante. Para ele, a leitura da entrevista foi
sarro mesmo! uma perda de tempo. As frases iniciais deixam
claro que o posicionamento do autor do enun-
ciado está voltado para o pensamento de que
Em outubro de 2009, a jovem estudante uma mulher só usa uma roupa curta quando
teve de sair da universidade em que estudava, a quer mostrar seu corpo, objetivando chamar a
Uniban, escoltada pela polícia militar, enquanto atenção de todos à sua volta. Além disso, ele as-
diversos estudantes dirigiam-lhe insultos e in- socia as mulheres que usam esse tipo de roupa
citavam a violência física contra ela. A própria

139
com mulheres “da vida”, o que, na nossa com- desejo, suas aspirações e, finalmente, seu propósito
preensão, diz respeito a mulheres que utilizam semântico, ainda que nada disso se manifeste em
o corpo como meio de vida, ou que se prosti- nada exterior, se enuncie, se reflita em seu rosto,
tuem. Como vemos, há uma visão generalizado- na expressão do seu olhar, mas seja apenas adi-
ra sobre a mulher que usa roupa curta. vinhado, captado por mim (do contexto da vida) –
Essa imagem que temos do outro de que são por mim encontrados fora de meu próprio
nos fala Bakhtin (2010a) é construída a partir da mundo interior (mesmo que de certo modo eu ex-
avaliação que fazemos sobre seus atos e com- perimente esses vivenciamentos, axiologicamente
portamentos, sempre tendo como parâmetro o eles não me dizem respeito, não me são impostos
que julgamos um comportamento bom ou ruim; como meus), fora do meu eu-para-mim, eles são
louco ou são; dentre outros adjetivos que podem para mim na existência, são momentos de existên-
ser atribuídos a esse outro pelo eu. Na posição cia axiológica do outro.” (BAKHTIN, 2010a, p. 93).
de avaliador dos comportamentos da universitá- E isso pode ser percebido no enunciado a
ria, o autor do diário interpreta o objeto que se partir do lugar axiológico ocupado pelo diarista.
encontra fora e, ao mesmo tempo, diante dele, O lugar de um telespectador, que já possui uma
a partir de um lugar axiológico que ocupa no visão de mundo sobre o que deve ser conside-
mundo. Nesse contexto, compreendendo o dia- rado ideal e o que deve ser considerado des-
rista como o eu e Geisy como o outro, prezível para o comportamento feminino. Essa
[...] todos os vivenciamentos interiores do visão de mundo encontra os discursos propaga-
outro indivíduo –sua alegria, seu sofrimento, seu dos pela mídia, impressa ou televisiva. No caso

140
da entrevista, como o próprio diarista percebe, Atentamos, ainda, para o papel social de
temos uma seleção estratégica de perguntas mulher que ocupa Geisy. Isso nos faz pensar,
para denegrir ainda mais a imagem da estudan- juntamente com Meyer-Pflug (2009), que os dis-
te. Ao entrar em contato com esse discurso, o cursos agressivos, ou discursos do ódio, como
diarista confirma seu posicionamento. são atualmente chamados, se voltam, em sua
Toda avaliação sobre o outro é, portanto, maioria, para os grupos histórico e socialmente
uma avaliação vinda de fora, isto é, o olhar de oprimidos, sejam eles negros, homossexuais ou
alguém que não vivencia de dentro aquilo que o mulheres. É como se houvesse uma permissão,
outro experimenta. E, assim, todo o posiciona- uma autorização social, para tratar a mulher da
mento deste eu acerca de Geisy parece contri- forma como a universitária foi tratada. Para re-
buir para seu posicionamento sobre a entrevista fletirmos sobre isso, basta pensarmos na mesma
analisada: “entrevista”, “Mesmo assim gostei do situação ocorrendo com um homem sem camisa
tom usado da revista para entrevistar Geisy, é transitando dentro da mesma universidade. A
para tirar sarro mesmo!”. Ou seja, o produtor reação de indignação seria a mesma? As agres-
do enunciado aplaude a atitude da revista, pois sões verbais, caso existissem, ocorreriam com a
o seu posicionamento é confirmado por meio mesma intensidade?
dela. Isso significa que a voz que circula no texto O diarista percebe essa autorização e segue
é determinante para o posicionamento do sujei- agredindo verbalmente a estudante, com as ex-
to-leitor sobre ele. pressões: “doida”, “essa ridícula”, “ex-gorda”,
“perua patricinha”, “fruta estragada”. Como

141
vemos, trata-se de expressões que depreciam Na próxima seção, analisamos a segunda
a imagem da estudante e que atestam, impli- parte deste enunciado.
citamente, que a atitude de Geisy é reprovável
porque não condiz com o que se espera do com- PARTE II
portamento de uma mulher dentro do espaço
da universidade. Ou seja, a polêmica velada se
instaura quando o diarista tem como objeto de
seu discurso a entrevista em análise, mas seu
posicionamento se volta para as atitudes da
pessoa entrevistada.
Os diversos pontos de exclamação pre-
sentes ao longo do enunciado nos finais de al-
gumas frases confirmam a forma agressiva do
posicionamento. Temos, portanto, uma voz que
se junta ao coro dos estudantes da Uniban, no
dia em que a expulsão da jovem ocorreu. Ambas Logo abaixo da parte I do enunciado analisa-
as atitudes, tanto a do diarista quanto a desses do anteriormente, aparece o que aqui chamamos
estudantes, embora distantes espacial e tempo- de parte II. Como vemos na imagem, o autor re-
ralmente, apontam para o mesmo discurso que corta a foto da universitária e a enquadra em um
dita as regras de comportamento feminino em novo enunciado em que a própria Geisy declara
nossa sociedade.

142
sua intenção, que está ligada ao posicionamento deste discurso dos procedimentos de
apresentado na parte I: “Quero aparecer”. seu enquadramento contextual (dialó-
Nesse caso, considerado o que vimos an- gico): um se relaciona indissoluvelmen-
teriormente sobre o texto verbo-visual, o en- te ao outro. Assim como a formação,
quadramento da imagem que antes ilustrava a também o enquadramento do discurso
entrevista em um novo texto pode ser conside- de outrem [...] exprimem um ato único
rado como a inserção do discurso do outro (a da relação dialógica com este discur-
imagem), uma palavra alheia, dentro do discurso so, o qual determina todo o caráter de
do eu. Assim, temos que: transmissão e todas as transformações
de acento e de sentido que ocorrem
A palavra alheia introduzida no contex- nele no decorrer desta transmissão
to do discurso estabelece com o discur- (BAKHTIN, 2010c, p. 141).
so que a enquadra não um contexto
mecânico, mas uma amálgama química Dessa forma, a construção da parte II do
(no plano do sentido e da expressão); enunciado cria uma relação de interdependência
o grau de influência mútua do diálogo entre texto verbal e visual, de modo que um só
pode ser imenso. Por isso, ao se estu- pode ser compreendido a partir da relação com
dar as diversas formas de transmissão o outro. Compreendemos, então, que a imagem
do discurso de outrem, não se pode se- não cumpre apenas o papel meramente ilustra-
parar os procedimentos de elaboração tivo, mas possui papel ainda mais importante

143
dentro do enunciado, pois funciona como a con- que vimos, na contextualização inicial, sobre a
firmação de um posicionamento já apresentado forma arquitetônica do texto, em que há relação
no texto verbal. entre a forma e o posicionamento.
Para exemplificarmos melhor as palavras Seguimos, neste momento, para a análise
de Bakhtin, podemos refletir que não seria qual- das duas partes do enunciado intitulado “Safa-
quer foto de Geisy que caberia na produção deza gratuita”.
desse enunciado para que a intenção de mos-
trar que ela era oportunista, se aproveitando da 2 A polêmica velada em safadeza gratuita
situação em que foi envolvida para ter espaço na
mídia. Esse objetivo só poderia ser alcançado a
partir de uma foto como a escolhida pelo diaris-
ta, em que o olhar e a postura da universitária PARTE I
aparentassem um certo ar de superioridade.
Além disso, a parte I, como sucessão da Risos, risos, o texto de hoje é um dos meus
parte II, funciona como uma introdução ao posi- favoritos, é o que fala sobre o Lift’n’Sha-
cionamento que circula em ambas as partes que pe (isso mesmo, com dois apóstrofes PE-
culmina na expressão “Quero aparecer”, uma es- DANTES). Começa falando que o exorbi-
pécie de resumo e confirmação da voz velada tante produto diminui o seu manequim
sobre o comportamento de universitária. Essa NA HORA, que é ideal para uma festa ou
progressão estratégica e intencional confirma o

144
no dia-a-dia. Tudo isso porque foi delica- de baleia e não terá o seu probleminha
damente pensado e projetado para agir de obesidade mórbida resolvido, claro.
NAQUELES pontos críticos e mais difíceis Além dessa sacanagem, a gente pensa
de modelar, e é um produto leve, suave, que pára por aí, mas o texto se supera no
confortável e imperceptível (propaganda estilo gueto! Primeiro, o povinho sapeca
de absorvente?) e possui um formato ex- da POLISHOP coloca modelos magras para
clusivo, que diminui a cintura sem eviden- usar essa porqueira, depois, a cinta aper-
ciar pneuzinhos e sem deixar marcas sob tou tanto as modelos que elas literalmen-
as roupas! E depois disso, mostra todos te prendem a respiração descaradamente
os benefícios do uso do sensual produto: para manterem a pose e não estragar o
ele reduz a barriguinha, afina a cintura, dá lift’n’shape, seguindo adiante, percebemos
uma levantada no bumbum, modela as que o produto só vai até metade da coxa,
coxas e muito mais. Sério, esse produto é ou seja, se uma gordona estiver usando
do balaco-baco. isso, metade da perna vai ficar apertada e
Nunca vi tanta safadeza gratuita na minha a outra inchada, ou seja, ela vai ser vítima
vida. Primeiramente porque o produto é o de bullying por aparentemente ter elefan-
famoso “disfarça banha”, mas elas sempre tíase. No geral, achei o texto interessan-
estarão lá, e, uma hora ou outra, a gordi- tíssimo e engraçado, imagens sacanas e
nha vai ter que tirar essa porcaria do corpo, reveladoras e organização boa.
logo, ela voltará a ser AQUELA chupetinha

145
O segundo enunciado que apresentamos percebido no parágrafo anterior. Essa quebra
neste artigo é uma análise da revista Polishop, pode ser percebida não apenas no posiciona-
escolhida pelo próprio diarista, quando a profes- mento explícito acerca da “safadeza” do produ-
sora-pesquisadora permitiu que os alunos esco- to, mas também no tipo de linguagem utilizada,
lhessem a revista que iriam analisar3. O anúncio considerada bem mais informal do que a que
objetiva vender uma vestimenta modeladora do pode ser vista no primeiro parágrafo: “disfarça
corpo feminino. O autor parece, de início, se diver- banha”, “chupetinha de baleia”, “a gordinha”,
tir com o anúncio, quando, no primeiro parágrafo, “porcaria”, “gordona”.
resume suas promessas, utilizado a linguagem Embora durante o enunciado seja possível
publicitária, com leves tons de ironia. As letras em perceber uma crítica ao consumismo e às estraté-
maiúsculo nas expressões “Pedante”, “na hora” e gias publicitárias utilizadas para convencer o leitor
“naqueles” evidenciam essa ironia e a surpresa do a adquirir o produto, ao pararmos para avaliar
diarista ao comentar as qualidades do produto, essas expressões, percebemos que grande parte
que promete fazer milagres; além de proporcio- delas se referem às mulheres gordas, enquanto a
nar um destaque maior a essas expressões. minoria delas se refere ao texto analisado. Desse
Já no segundo parágrafo, há uma quebra modo, a característica marcante desse enunciado
com os elogios que confirmam o tom de ironia é o fato de o diarista desviar sua atenção para se
referir às mulheres que estão acima do peso de
3 Em alguns momentos, os professores determinavam que revistas seriam
forma desrespeitosa.
lidas pelos alunos, em outros, os alunos eram responsáveis por essa esco-
lha. Essa permissão proporcionou uma grande diversidade na escolha das
revistas analisadas.

146
Nesse sentido, o objeto do discurso é o Fazendo isso, seguindo a mesma lógica
anúncio, considerado uma “safadeza gratuita”, de muitos anúncios de produtos femininos, o
uma vez que expõe um produto que não cumpre autor do enunciado desconsidera a diversida-
com a sua real função. Uma safadeza gratuita de existente no nosso país quanto ao peso das
seria, portanto, uma safadeza desnecessária, de- mulheres. Desconsidera também as mulheres
liberada, que trata-se da enganação do produto que, mesmo acima do peso, sentem-se felizes
direcionado às mulheres. com seu corpo, assim como todos aqueles que
Porém, sobretudo no segundo parágrafo, preferem mulheres gordas do que aquelas que
percebemos que, de forma velada, o posiciona- seguem o padrão estabelecido pela mídia atu-
mento do diarista se volta para o corpo femini- almente. Ou seja, ao criticar o anúncio, o aluno
no. Como sabemos, os modeladores corporais não percebe que incorre no mesmo equívoco
são destinados a mulheres, gordas ou não, que generalizador e preconceituoso que considera
desejam esconder aquilo que consideram im- que todas as mulheres pensam de uma mesma
perfeito em seu corpo. Porém, o autor considera forma ou veem o mundo da mesma forma.
que o produto está voltado apenas para mulhe- Ainda sobre o que pensa acerca das mulhe-
res que estão muito acima de seu peso e que res gordas, o aluno desconsidera que apresen-
jamais conseguirão utilizá-lo devido a isso. Con- tar obesidade mórbida inclui ser gordo, mas ser
sidera, também, de uma forma generalizadora, gordo não necessariamente implica em obesida-
que todas as mulheres gordas intencionam es- de mórbida. Para ele, as duas coisas são equiva-
conder sua gordura, recorrendo a uma espécie lentes. Além das expressões depreciativas que
de maquiagem.

147
já mencionamos, pondo o anúncio em destaque aberta, quando o autor se posiciona criticamente
e transformando-o em motivo de riso, o diarista acerca do anúncio; e a polêmica velada, quando
também expõe a mulher gorda e a transforma, o autor diz, implicitamente, que ser gorda é um
também, em objeto de chacota: defeito e que, por esse motivo, todas as gordas
devem emagrecer para não parecerem “chupe-
[...] seguindo adiante, percebemos tinhas de baleia”.
que o produto só vai até metade da Não podemos deixar de mencionar que
coxa, ou seja, se uma gordona estiver esse tipo de pensamento dialoga com a ditadu-
usando isso, metade da perna vai ficar ra da beleza atual que dita como a mulher deve
apertada e a outra inchada, ou seja, ela se apresentar nos dias de hoje. Como sabemos,
vai ser vítima de bullying por aparente- ser gorda não se encaixa no padrão estabeleci-
mente ter elefantíase. No geral, achei do. Basta apenas olharmos para os comerciais,
o texto interessantíssimo e engraçado, anúncios de produtos femininos, novelas, filmes
imagens sacanas e reveladoras [...]. e demais produções artísticas. Ou até mesmo
para a revista analisada que, como veremos a
Em outras palavras, o produto não cumpre seguir, na parte II, utiliza-se de mulheres magras
com sua função porque, seu consumidor, as mu- para fazer propaganda do produto em questão.
lheres gordas, não conseguirão utilizá-lo devido
ao seu sobrepeso. Instalam-se nesse momen-
to duas polêmicas no mesmo texto: a polêmica

148
PARTE II
adquirido pelo público-alvo. Ao ser inserido na
análise, serve de confirmação da voz do aluno
sobre as estratégias femininas para alcançar um
ideal de beleza.
Ao lado das imagens, encontramos três
frases: “Peitos grátis”, “Processo de transforma-
ção de um corpo normal numa linguiça arro-
A continuidade do enunciado anterior se chada” e “Eu não entendi como funciona o sutiã
dá na inserção da parte II representada pelas siliconado”. As duas primeiras frases apontam
fotos das mulheres utilizando o produto apre- para um processo de artificialização e imedia-
sentado. Mais uma vez, temos o processo de tismo proporcionado pelos produtos. Ou seja, o
enquadramento do discurso do outro em um corpo “normal” é moldado para que se adéque
novo texto. Assim, o texto visual que intencio- aos padrões estabelecidos pela sociedade, pois
nava, no texto da revista, exemplificar o uso do é preciso aumentar os seios e esconder as gor-
produto, é ressignificado e ganha um novo pro- duras indesejadas.
pósito: confirmar o posicionamento do diarista, Chamamos atenção, principalmente, para
já apresentado na parte I do enunciado. Isto é, a segunda frase, que aponta o corpo da mulher
no contexto da revista, o material iconográfico como uma “linguiça arrochada”, retomando
serviu de exemplificação de como o produto assim, não a mulher da foto, mas a imagem
funciona no corpo feminino, a fim de que seja criada na parte I do enunciado da mulher acima
do peso tentando utilizar o produto.

149
A terceira frase confirma o que já dissemos [...] o grande desafio que se apresenta
sobre não conhecer uma realidade e mesmo para o Estado e para a própria socieda-
assim opinar sobre ela: “Então, eu não entendi de é permitir a liberdade de expressão
como funciona o produto, mas pra mim ele é sem que isso possa gerar um estado
apenas uma forma de se adquirir ‘peitos grátis’”. de intolerância, ou acarrete prejuízos ir-
reparáveis para a dignidade da pessoa
3 Considerações finais humana e também para a igualdade.

Ao final deste artigo, a reflexão que julga- Como participantes da sociedade, exercen-
mos necessária, a partir dos enunciados analisa- do o papel de profissionais da educação, espe-
dos, é como devemos lidar com o tipo de postu- cificamente ministrando a disciplina de Língua
ra de um aluno que objetiva criticar a sociedade Portuguesa, é de extrema importância o auxílio
em que vive, mas, ao fazer isso, não percebe que da compreensão de que o uso de determinadas
seu discurso propaga a eliminação de direitos expressões, como também toda a configuração
de grupos sociais que lutam por alcançar o seu do meu texto, pode contribuir ou amenizar as
espaço dentro da sociedade. diferenças instaladas por diversos discursos que
Assim, o direito que o diário confere ao aluno circulam em nossa sociedade.
de se posicionar livremente pode resultar no apa- Por outro lado, existe também a importân-
recimento de discursos que ferem a dignidade do cia do registro de discursos como os que aqui
outro. Assim, para Meyer-Pflug (2009, p. 99), foram analisados para que possamos perceber

150
o quanto resta em nós de preconceito e de falta ria o repouso satisfeito do que somos.
de aceitação das diferenças. Além disso, é muito O nosso não é o lamento nem a sere-
comum no discurso de alguns colegas de traba- nidade, mas o desconcerto. Por isso o
lho, o tom pessimista que acredita ser vã a tenta- nosso é, melhor dizendo, um tom caó-
tiva de construir um pensamento mais tolerante tico no qual o incompreensível do que
em nossos alunos e em nossa sociedade. somos se nos mostra disperso e con-
Nesse sentido, fuso, desordenado, desafinado, em
um murmúrio desconcertado e des-
[...] é o presente o que nos é dado concertante, feito de dissonâncias, de
como o incompreensível e, ao mesmo fragmentos, de descontinuidades, de
tempo, como aquilo que nos dá o que silêncios, de causalidades, de ruídos
pensar. Por isso, ao nosso tempo não (LARROSA; SKLIAR, 2011, p. 8).
lhe cabe um tom elegíaco, de perda e
lamento, no qual ressoaria a perda do Cuidemos, portanto, para que nossas prá-
que fomos e já não somos; nem um ticas de sala de aula não caiam em nenhum
tom épico, de luta e entusiasmo, no desses dois extremos: ou considerar que não há
qual caberia a conquista do que sere- mais jeito ou não dar ouvidos aos ruídos que nos
mos e, entretanto, não conseguimos desconcertam e nos perturbam a todo instante.
ser; nem tampouco um tom clássico, O papel do professor-pesquisador na atualidade
de ordem e estabilidade, no qual cabe- talvez seja enfrentar os discursos perturbado-

151
res, tentando sempre compreender a desafina- humanas e pesquisa: leituras de Mikhail
ção, o desconcerto e a fragmentação de nossa Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 11-25.
sociedade, de seus indivíduos e de seus discur-
sos. Apenas assim não incorreremos no mesmo BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 5. ed.
equívoco da generalização e da expressão de um São Paulo: Martins Fontes, 2010a. 512 p.
posicionamento precipitado, como foi visto nos
dois enunciados ora analisados. BRAIT, B. Olhar e ler: verbo-visualidade em
perspectiva dialógica. Bakhtiniana, São Paulo,
REFERÊNCIAS 8 (2), p. 43-66, jul./dez 2013.

ABREU-TARDELLI, L. S.; LOUSADA; E. BAUMAN, Z. O mal-estar na pós-


MACHADO, A. R. Trabalhos de pesquisa: modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
diários de leitura para uma revisão 1998. 276 p.
bibliográfica. São Paulo: Parábola Editorial,
2007. 152 p. ESTADÃO. 2009. Uniban expulsa aluna
assediada por usar vestido curto em aula.
AMORIM, M. A contribuição de Mikhail Disponível em: <http://educacao.estadao.
Bakhtin: a tripla articulação ética, estética com.br/noticias/geral,uniban-expulsa-
e epistemológica. In: FREITAS, M. T.; JOBIM aluna-assediada-por-usar-vestido-curto-em-
E SOUZA, S.; KRAMER, S. (Org.). Ciências aula,462814>. Acesso em: 30 nov. 2014.

152
GERALDI, J. W. A diferença identifica. A PUZZO, M. B. A linguagem verbo-visual na
desigualdade deforma: percursos bakhtinianos construção de sentido em capas da revista Veja.
de construção ética através da estética. In: ____. Revista Intercâmbio, v. XXV, p. 92-105, 2012.
Ancoragens: estudos bakhtinianos. São Carlos,
SP: Pedro & João Editores, 2010. p. 103-122. ______. Problemas da poética de Dostoiévski.
5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
LARROSA, J.; SKLIAR, C. Babilonos somos. A 2010b. 368 p.
modo de apresentação. In: _____. Habitantes
de Babel: políticas e poéticas da diferença. 2. ______. Questões de literatura e de estética:
ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. p. 7-29. a teoria do romance. 6. ed. São Paulo: Hucitec,
2010c. 429 p.
MACHADO, Anna Rachel. O diário de leituras:
a introdução de um novo instrumento na
escola. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MEYER-PFLUG, S. R. Liberdade de expressão


e discurso do ódio. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. 272 p.

153
Texto
6 Construção identitária da cidade de
Santa Cruz/RN: ordem ou desordem?

Marília Varella Bezerra de Faria


Magda Renata Marques Diniz múltiplos discursos, é possível que se busquem
significados e se construam imagens urbanas no
Introdução entrecruzamento de seus enunciados.
Nesse sentido, a paisagem linguística
A cidade produz sentidos. É um espaço de (SHOHAMY, 2012, 2010), que compõe o espaço
idas e vindas onde os que a habitam falam do público da cidade, incluindo letreiros, nomes de
cotidiano que os cerca, relatam suas próprias ex- ruas, de monumentos, lugares e instituições,
periências, ou seja, retratam-na, pois dela fazem sinais de trânsito, placas comerciais etc., torna-
parte; constroem sobre ela um mundo real ou -se particularmente interessante se analisada
imaginário. A cidade é o “lugar do homem” (PESA- no seu contexto multilinguístico e multicultural
VENTO, 2002, p. 9), a combinação do real, do ma- a partir, por um lado, do conjunto de formas ou
terial com o imaginário, o simbólico. Nela, tanto modos de comunicação disponíveis no espaço
a comunicação social quanto a concretude dos público e, por outro lado, a partir dos seus usos
seus objetos desenham e definem os cenários e valorizações. Ademais, as preferências linguís-
que a compõem e o dia a dia de seus moradores. ticas para compor esse cenário não são o resul-
De acordo com Orlandi (2001, p. 7), a cidade tado de escolhas arbitrárias, antes evidenciam
é “um espaço que significa e é significado”, no atitudes individuais e/ou coletivas sócio-histori-
sentido de que se pode observá-la e interpretá-la camente determinadas.
por meio dos seus símbolos e de sua linguagem. Assim, este artigo se propõe a refletir sobre
Em outras palavras, sendo a cidade objeto de a construção identitária da cidade de Santa Cruz/

154
RN a partir de enunciados que compõem seu ce- mas, sim, sobre o que dizemos também nos
nário urbano, particularmente, enunciados que constitui e permite, por conseguinte, apresen-
remetem à santa padroeira da cidade. O percurso tar um posicionamento. Conforme Hall (1996,
que adotamos para apoiar nossa discussão inclui, p. 70, grifo do autor), identidade cultural pode
primeiramente, considerações acerca do conceito ser definida como
de identidade cultural e de paisagem linguística,
com o objetivo de melhor contextualizar o objeto [...] pontos de identificação, os pontos
deste estudo. Em seguida, apresentamos, respec- instáveis de identificação ou sutura,
tivamente, a metodologia da pesquisa e a cidade feitos no interior dos discursos da
de Santa Cruz. As breves análises que empreen- cultura e da história. Não uma essên-
demos encontram-se na sequência. Para con- cia, mas um posicionamento. Donde
cluir, tecemos algumas considerações, as quais haver sempre uma política da identi-
apontam para a inconclusibilidade do processo dade, uma política de posição, que não
de construção identitária da cidade. conta com nenhuma garantia absoluta
numa “lei de origem” sem problemas,
1 Identidade cultural e paisagem linguística transcendental.

A identidade cultural é constituída por meio Alguns autores compreendem o caráter de


da representação (HALL, 1996). Assim, nós, sujei- representação coletiva e da identidade como um
tos, não refletimos apenas sobre o que já existe, conjunto de significados partilhados (BAUMAN,

155
2005; GIDDENS, 2002; HALL, 2012, 2009, 2005, linguística é o cenário no qual o espaço público
2003; WOODWARD, 2012; CANCLINI, 2003). A é simbolicamente construído” (BEN-RAFAEL et
questão da identidade é, sobretudo, um concei- al, 2010, p. xi, tradução nossa1).
to que está localizado sobre um problema, ba- Para essa área, importam as marcas lin-
seado na fragmentação e no deslocamento das guísticas que compõem e constroem o espaço
identidades contemporâneas (KELLNER, 1992). público da cidade (HABERMAS, 1989), formado
Nessa perspectiva, estudar a identidade cul- incessantemente a partir de diferentes motiva-
tural é, de forma alguma, constituir um conjunto ções e preferências, numa espécie de “desordem
de padrões, mas sim dar a permissão de os su- ordenada” (BEN-RAFAEL et al, 2010, p. xi-xxviii,
jeitos se posicionarem e perceberem que as dife- tradução nossa2). Em suma, a paisagem linguís-
rentes temporalidades podem ocupar um mesmo tica da cidade é, ao mesmo tempo, uma constru-
espaço, pois o moderno e o tradicional coabitam ção social, histórica, cultural, política, geográfica
e estão sempre em renovação (BRUNNER, 1991). e demográfica.
A paisagem linguística, enquanto campo de Os estudos realizados até o momento tratam
investigação, por sua vez, é uma área de estudos dessa temática envolvendo diferentes línguas
relativamente recente que se constrói a partir de que coexistem em um mesmo espaço urbano,
interesses investigativos diversos de linguistas a partir da linguagem em uso, desvelando prá-
aplicados, sociolinguistas, sociólogos, psicólo-
1 The common interest of all is the understanding that the LL [Linguistic Landscape]
gos, geógrafos, dentre outros. O interesse que is the scene where the public space is symbolically constructed (BEN-RAFAEL et
os une “é a compreensão de que a paisagem al, 2010, p. xi).

2 ‘Ordered Disorder’ (BEN-RAFAEL et al, 2010, p. xi-xxviii).

156
ticas sociais, escolhas e valores de determinada Em 2010, a cidade ganhou um espaço des-
comunidade, em um tempo também determina- tinado ao culto de sua padroeira, Santa Rita de
do. Nosso estudo, no entanto, toma o conceito Cássia, com a inauguração de um monumento
emprestado para tratar de um outro modo de colossal representando a imagem da santa. O
olhar essa paisagem, pois considera, apenas, a município passou, então, a ser ponto turístico e
língua portuguesa em uso, analisada como sendo de romarias, fazendo com que novos aspectos
responsável pela construção de uma possível sociais, culturais, religiosos e políticos mudas-
identidade cultural de uma cidade. O que variam sem a realidade santa-cruzense.
nesta investigação, são os diferentes pontos de Independentemente do lugar onde se
vista daqueles que escolheram os dizeres para esteja em Santa Cruz, dificilmente não se vê a
seus enunciados (letreiros), visto que o espaço gigantesca estátua e, por sua vez, não se conse-
urbano constitui uma experiência única para cada gue estabelecer, de alguma forma, relação com
indivíduo (LEFEBVRE, 1991; BAUMAN, 1997). a história da Santa Rita de Cássia.
O maior evento religioso da cidade é, sem
2 A cidade de Santa Cruz dúvida, a festa da padroeira, que acontece no
mês de maio de cada ano, organizada pela igreja
Santa Cruz é um município do nordeste bra- católica local e pela comunidade. Inspirada pelo
sileiro, localizado na Mesorregião Agreste Norte- tema da festa, a paróquia da cidade criou um
-rio-grandense, com 36 mil habitantes aproxima- projeto social intitulado Ritas e viúvas que tem
damente (IBGE, 2010), distribuídos numa área de por objetivo principal visitar as muitas Ritas (e
624 km², a 111 km da capital, Natal.

157
3 Os dados
as não-Ritas) como também as mulheres viúvas
nos diversos bairros da cidade. Em função desse contexto de louvor à Santa
Nessa cidade é marcante a produção de Rita de Cássia, decidimos selecionar para análi-
muitos escritores (romancistas, cordelistas e se, cinco letreiros não oficiais3, aleatoriamente
poetas) cujo objetivo é, em especial, fazer desper- escolhidos, sendo três comerciais e dois utiliza-
tar na população o (re) conhecimento da história dos em fachadas de residências. Também entre-
e da cultura local por meio de publicações em vistas semiestruturadas foram realizadas com
blogs ou em jornais de bairro. Santa Rita de Cássia os proprietários dos três letreiros comerciais.
ganha, ainda, expressão nos enunciados dos mo- Os moradores das duas residências não foram
radores quando esses narram sua história. encontrados para a realização das entrevistas.
Outro aspecto relevante é o de que há em As entrevistas tiveram como objetivo com-
Santa Cruz inúmeros estabelecimentos comer- preender as escolhas dos três proprietários para
ciais cujos nomes de fantasia exibem o quali- as marcas linguísticas utilizadas na composição
ficador “Santa Rita”. Dessa forma, há letreiros dos seus enunciados. A escolha linguística do
espalhados por todo o espaço urbano da cidade espaço público é carregada de significados (AIES-
contendo referências à santa padroeira. TARAN et al, 2010). Nesse caso, eles responde-
ram a perguntas da entrevistadora, tais como:
“Por que esse nome foi escolhido?”, “Qual o

3 Os dados analisados neste estudo fazem parte da pesquisa de mestrado de


Magda Renata Marques Diniz (2013).

158
motivo que o levou a escolher esse título para o na em relação ao outro (ao discurso do outro).
seu estabelecimento?”, “E as cores, como foram Baseamos nossas análises na concepção de lin-
selecionadas?”. Buscamos “ouvir” as vozes pre- guagem bakhtiniana, segundo a qual toda enun-
sentes nos ditos e nos não ditos dos discursos ciação pressupõe pelo menos duas vozes: “toda
dos sujeitos proprietários dos pontos comer- palavra serve de expressão a um em relação ao
ciais, na tentativa de compreender e interpretar outro. [...] A palavra é uma espécie de ponte lan-
os sentidos construídos por eles. çada entre mim e os outros” (BAKHTIN; VOLO-
A análise dos dados se ancorou no modelo CHINOV, 1992, p. 113, grifos do autor).
sócio-histórico da linguagem, no qual a lingua- Consideramos, ainda, que a construção
gem é compreendida como prática social (BAKH- identitária se encontra sempre em processo,
TIN, 2010, 2009, 2002). Investigar o discurso a “formada e transformada continuamente em
partir dessa perspectiva é compreendê-lo como relação às formas pelas quais somos represen-
uma construção social. É analisar como os parti- tados ou interpelados nos sistemas culturais que
cipantes envolvidos na construção dos diferen- nos rodeiam” (HALL, 2005, p. 13).
tes significados agem no mundo em condições
sócio-históricas específicas e sobre esse mundo
se constroem como sujeitos sociais (MOITA
LOPES, 2009, 2006, 2002). Essa visão indica que
a construção identitária emerge na interação
entre indivíduos de forma que um se posicio-

159
4 Ordem ou desordem?
[...] Ela não perde uma Missa da Coroa4.
Ao serem questionados sobre suas prefe- Nossa mãe sempre se esforçou para
rências na composição da forma (cores, layout, que os filhos dessem certo no trabalho,
tamanho das letras, símbolos etc.), os proprie- e com esse nome nosso comércio vem
tários indicaram não ter nenhuma participação melhorando cada vez mais [...].
nessa etapa da construção dos seus letreiros,
tendo sido essa tarefa delegada a terceiros. Já Figura 1 - Centro de Formação de Condutores Santa Rita
com relação às escolhas da temática, os motivos
foram de ordem pessoal, conforme podemos
constatar nos três exemplos a seguir.
Ao ser questionado sobre a escolha do le-
treiro para o Centro de Formação de Conduto-
res (Figura 1), um dos proprietários disse que a
nomeação desse ponto comercial deu-se porque
os dois donos (ele próprio, juntamente com seu
irmão) quiseram homenagear a padroeira da
cidade como também prestar uma homenagem
Fonte: Diniz (2012).
à matriarca da família, que é devota de Santa Rita.

4 Prática religiosa católica, que vem ocorrendo desde novembro de 2004, na


Paróquia de Santa Rita de Cássia, em Santa Cruz, na data 22 de cada mês.

160
O proprietário não soube explicar o motivo [...] Qualquer ponto comercial que eu e
da escolha do azul como cor de fundo para a sua meu marido abríssemos teria o nome
da Santa. Qualquer negócio seria com
placa comercial. É possível, no entanto, que esta
o nome dela! [...]
tenha sido uma associação com a cor do céu do
lugar, numa tentativa de reproduzir o ambien-
A proprietária explicitou ainda que tanto
te do monumento construído no Alto de Santa
ela quanto seu esposo eram nascidos e criados
Rita, localizado próximo ao centro da cidade,
em Santa Cruz, e que a escolha do letreiro se
conforme apontado anteriormente. Como po-
deu porque se tratava de um nome tradicional
demos verificar, há, na placa, uma reprodução
e muito forte na cidade.
da imagem da santa. Também não explicou o
porquê da escolha da cor do prédio, que tem sua Figura 2 – Gesso Santa Rita
parede amarela, embora esta seja a mesma cor
utilizada em sinais de trânsito.
O segundo letreiro analisado foi o perten-
cente ao Gesso Santa Rita (Figura 2), de pro-
priedade de um casal. A proprietária, ao ser
questionada sobre a preferência pelo nome do
estabelecimento, falou que a devoção que tem
por Santa Rita de Cássia foi a responsável por
essa escolha. De forma categórica afirmou que,
Fonte: Diniz (2012).

161
Embora não constem outros símbolos [...] Essa sucata é [grifo nosso] de Santa
nesse letreiro, a cor escolhida para as letras do Rita. Eu estou o tempo todo vendo [a
nome Santa Rita também foi azul, a exemplo da santa], e ela me vendo e me ajudando
placa anteriormente analisada. O letreiro princi- [...].
pal com o nome do estabelecimento encontra-se
pintado sobre a parede amarela, em tamanho Segundo ainda sua explicação, o nome do
crescente, acompanhando o formato do telhado ponto foi atribuído bem antes da construção da
da edificação. Também nesse caso, os proprie- estátua. De acordo com o excerto acima, o pro-
tários não sabiam explicar o porquê das cores. prietário procura demonstrar certa intimidade
Abaixo do título, encontram-se, apenas, núme- com a santa, considerando-se sempre protegi-
ros telefônicos. do por ela, enquanto declara orgulhoso que a
Nosso terceiro exemplo é a Sucata Santa sucata “é de Santa Rita”.
Rita (Figura 3), localizada em um ponto estraté-
gico em relação à visualização da estátua, fato
celebrado pelo proprietário do estabelecimento.
Ele diz que do seu ponto comercial pode sempre
ver a estátua, e que Santa Rita, além de vê-lo, fica
ajudando-o nas dificuldades diárias, conforme
narrativa, a seguir.

162
Figura 3 – Sucata Santa Rita
Observa-se que nos três estabelecimentos
analisados não há qualquer ligação entre a reli-
gião católica e o serviço que prestam (um centro
de formação de condutores, uma loja de gesso e
uma sucata). O único vínculo se estabelece entre
o nome Santa Rita e a devoção dos seus proprie-
tários para com a santa.
Nesse ponto, consideramos importante re-
tomar o fato de que, durante as entrevistas, os
proprietários afirmaram não ter participado da
Fonte: Diniz (2012).
seleção dos layouts dos seus letreiros, porém,
nos informaram que os responsáveis pela sua
Conforme se verifica, a sucata tem seu le- manufatura também eram moradores da cidade
treiro azul pintado sobre uma parede branca. A de Santa Cruz. As escolhas que compuseram
escolha da cor segue o padrão dos dois letreiros cada um dos enunciados, portanto, não repre-
anteriores. Do lado direito, números de telefone sentam produtos de consciências solitárias, fora
do proprietário e à esquerda, os serviços ofe- do processo interacional; antes, são consciências
recidos. Também nesse letreiro não há outros que dialogam com os mesmos valores éticos e
símbolos que façam remissão à santa. religiosos que circulam na cidade.

163
Figura 4 – Lateral de residência
Além dos estabelecimentos apresentados,
há muitos outros espaços que, com seus letrei-
ros, compõem a paisagem da cidade, tais como:
o açude, a olaria, o mercadinho, a confeitaria, a
loja de bijoux, a rádio, a eletrônica, a empresa de
água mineral, enfim, todos possuindo o qualifi-
cador “Santa Rita”.
Há, ainda, moradores que colocam faixas,
Fonte: Diniz (2012).
cartazes ou mesmo placas em suas residências
com dizeres alusivos à santa. Conforme apon-
Figura 5 – Fachada de residência
tado anteriormente, dois desses letreiros foram
considerados na composição da paisagem lin-
guística de Santa Cruz. No primeiro, pode-se ler
“Santa Rita, exemplo de santidade” (Figura 4) e
no outro, “Santa Rita, nós te amamos!” (Figura 5).

Fonte: Diniz (2012).

164
Ambos são enunciados simples na forma, ciados, e por outro, esses moradores mostram
porém, carregados de simbolismo cultural em laços comuns na construção dessa identidade
seus conteúdos, na medida em que expressam urbana ao basearem suas escolhas na devoção à
a devoção dos moradores das duas residências. santa padroeira. Seria o princípio da identidade
São verdadeiras declarações de amor à santa. coletiva? De acordo com Shohamy et al (p. xviii,
2010, tradução nossa5), esse princípio, que se
5 Considerações Finais vincula a “particularidades regionais, étnicas ou
religiosas”, tem despertado o interesse de pes-
O objetivo deste artigo foi o de refletirmos, quisadores cujo olhar se volta para a importância
de forma breve, sobre a construção identitária de comunidades socioculturais contemporâneas
de Santa Cruz/RN, observando-se a composição e para a linguagem em uso nessas sociedades.
da sua paisagem linguística, construída a partir De acordo com Hall (2005, p. 23), o sujei-
de enunciados contidos em letreiros que reme- to é uma “figura discursiva”, um ser de lingua-
tem à santa padroeira da cidade. Os letreiros gem que se constitui desde sempre nas relações
analisados neste estudo e que se espalham por com os outros e com as coisas da vida, tendo
toda parte parecem estabelecer uma certa “de- consciência do que enuncia por meio da e na
sordem ordenada” (BEN-RAFAEL et al, 2010, p. linguagem. Dessa forma, podemos dizer que
xi-xxviii) na cidade, na medida em que, por um os enunciados aqui analisados se ancoram na
lado, cada proprietário apresenta suas prefe-
rências pessoais e motivações para seus enun- 5 This collective-identity principle, which is bound to regional, ethnic or religious
particularisms […] (SHOHAMY; BEN-RAFAEL; BARNI, 2010, p. xviii).

165
Referências
noção de identidade cultural, centrada no caso
dessa análise, na devoção de um povo. O uso de AIESTARAN, J.; CENOZ, J.; GORTER, D.
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dos sujeitos proprietários dos estabelecimentos preferences of the inhabitants of the city of
ao justificarem suas preferências simbólicas e Donostia-San Sebastian. In: SHOHAMY, E.;
linguísticas, tornam a cidade plena de significa- BEN-RAFAEL, E.; BARNI, M. (Org.). Linguistic
dos. É a cidade que se constrói identitariamente landscape in the city. Bristol, UK: Multilingual
a partir das marcas linguísticas que compõem Matters, 2010.
sua paisagem, nesse caso, marcas de apelo reli-
gioso inspiradas no culto à padroeira da cidade. BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal.
A brevidade das observações aqui relatadas, Tradução de Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo:
no entanto, revela uma visão parcial da cons- Martins Fontes, 2010.
trução identitária de uma cidade a partir de um
segmento da diversidade linguística presente em BAKHTIN, M. M. Marxismo e filosofia da
enunciados que compõem seu cenário urbano. linguagem. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2009.
Outros estudos seriam necessários para dar
conta da fluidez linguística desse espaço, o qual, BAKHTIN, M. M. Questões de literatura e
por sua vez, está sujeito a múltiplos discursos. de estética: a teoria do romance. Trad. A. F.
Bernardini. 5. ed. São Paulo: Hucitec, 2002.

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170
Tema

Formação
de professores
1
O desempenho de alunos de inglês em prática
Texto repetida de tarefa de compreensão oral apoiada em vídeo

Rosely Perez Xavier


Clarita Gonçalves de Camargo dos brasileiros (PARANÁ, 2008; RIO GRANDE DO
SUL, 2009, por exemplo) também consideram
Introdução a compreensão oral uma habilidade que deve
estar presente na prática pedagógica por meio
A compreensão oral é uma das habilidades de textos de gêneros diversos e direcionados
linguísticas que, se comparada à leitura, é pouco para o contexto real dos alunos, devendo ser
explorada na aulas de língua inglesa, pelo menos tratada na interação com outras habilidades.
no sistema de educação básica, como mencio- Nessas e em outras diretrizes curriculares,
nam Lucas (1996) e Moura Filho (2008). o tratamento pedagógico dado aos textos orais é
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais de bastante similar àquele proposto para os textos
Língua Estrangeira (BRASIL, 1998, p. 22, 95), a escritos. Flowerdew e Miller (2005) explicam que
compreensão oral é vista como habilidade vin- a abordagem de ensino mais comum para a com-
culada “à função de aumentar a consciência lin- preensão oral tem sido a mesma que a utilizada
guística do aluno” e ao “processo de construção para a leitura – perguntas de interpretação tex-
de significados”, a partir do conhecimento de tual –, como se ambas as habilidades envolves-
mundo, do conhecimento sistêmico e do conhe- sem a mesma forma de processamento. Na visão
cimento de organização textual do aprendiz. desses autores, a linguagem falada “tem o poten-
Não muito diferente dos Parâmetros Cur- cial para muitas sutilezas emocionais, sensibilida-
riculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCN des contextuais, influência pessoal, armadilhas
– LE), as propostas curriculares de alguns esta- interativas e referências ao mundo real, fora dos

172
meandros do texto” (FLOWERDEW; MILLER, 2005, Independentemente dos efeitos que esses
p. 51-52). Assim sendo, textos escritos e orais são vários fatores exercem no desempenho do aluno,
muito diferentes e, consequentemente, necessi- a questão que nos interessa, neste trabalho, é a
tam ser explorados de formas distintas. eficácia de uma dada estratégia pedagógica no
Trabalhar a compreensão oral em sala de desenvolvimento da compreensão oral de alunos
aula não é uma tarefa fácil, devido a uma série de de inglês como LE. Essa estratégia é conhecida
fatores que afetam a compreensão do aprendiz, como “tarefa repetida” (BYGATE, 2001, 1996) e
como aqueles relacionados ao texto (velocidade refere-se à exposição do aprendiz a uma mesma
de fala, tamanho, estrutura discursiva, posição tarefa em momentos diferenciados, consideran-
e frequência das pausas, nível de barulho envol- do que, para cada momento de exposição, a aten-
vido, sotaque e registro dos falantes, quantida- ção do aluno é liberada para outros aspectos da
de de redundância, existência ou não de apoio LE não percebidos na primeira exposição.
visual, entre outros); à atividade (propósito, O objetivo do presente estudo é investigar
formato de resposta, clareza dos enunciados, se a repetição de uma mesma tarefa de compre-
quantidade de contexto antecipado, presença ensão oral influencia o desempenho de alunos
ou não de pré-tarefa, número de vezes que o de língua inglesa no que se refere ao seu enten-
texto é escutado, quantidade de informação a dimento de informações gerais e específicas de
ser coletada, entre outros) e ao próprio estu- um texto apoiado por imagens. Trata-se de um
dante (nível de proficiência na LE, motivação, estudo de caso, conduzido em sala de aula, e de
conhecimento de mundo, atitude, entre outros). base qualitativa.

173
O artigo inicia com as definições dos prin- alguns autores (WILLIS, 1996; SKEHAN, 1998;
cipais construtos deste estudo, a saber: tarefa, ELLIS, 2003; XAVIER, 2007, 2011), a noção de
tarefa repetida e prática, tratados nas seções 1 tarefa inclui um resultado comunicativo final,
e 2. Na seção 3, o papel do contexto visual é a partir da proposta de trabalho com a LE/L2,
abordado na relação com o texto oral. Na se- gerando uma produção verbal ou não verbal.
quência, a metodologia do presente estudo é Outros autores (PRABHU, 1987; NUNAN, 1989)
apresentada com a descrição dos participantes, entendem tarefa independentemente do resul-
os instrumentos e procedimentos de coleta, e os tado comunicativo, podendo ser “um trabalho
procedimentos de análise de dados. A seção 5 de sala de aula que envolve os aprendizes na
discute os resultados e, ao final, as conclusões compreensão, manipulação, produção ou inte-
são apresentadas. ração na língua-alvo, enquanto sua atenção recai
principalmente sobre o significado/ sentido da
1 Tarefa repetida informação ao invés de sua forma linguística”
(NUNAN, 1989, p. 22). Este estudo segue a noção
Na literatura sobre ensino e aprendizagem de Nunan (1989), pois o objetivo final da tarefa
de língua estrangeira (LE) e segunda língua (L2), é permitir que o aprendiz de língua inglesa de-
a noção de tarefa está associada a atividades monstre sua compreensão oral.
que engajam o aprendiz no uso comunicativo Uma tarefa de compreensão oral se distin-
da LE. Entretanto, não há consenso com rela- gue de outras tarefas pela modalidade de texto
ção aos traços definidores de uma tarefa. Para

174
compreendido (oral) e pelo objetivo a que se aspectos da vida britânica (comida, vestimen-
propõe (resumir, classificar, criar hipóteses etc.). ta, arquitetura). As perguntas iniciais pediam
Pesquisas com tarefa repetida têm sido comentários dos alunos sobre o que mais lhes
basicamente realizadas na área da produção chamava a atenção nas figuras, e se elas mos-
oral de L2/LE (BYGATE, 2001; LYNCH; MACLEAN, travam semelhanças ou diferenças em relação
2001, entre outros). Bygate (2001) investigou os às imagens de seu próprio país.
efeitos da repetição de tarefas orais na fluência, Ambos os grupos (da narrativa e da entre-
precisão gramatical e complexidade linguística. vista) foram solicitados a repetir a mesma tarefa
Participaram de sua pesquisa 48 estudantes es- e, também, a praticar o mesmo tipo de tarefa
trangeiros que estudavam inglês como L2 na Uni- para, assim, ser possível responder a uma das
versidade de Reading, Inglaterra. Os estudantes perguntas de pesquisa: Existe alguma diferença
foram divididos em três grupos: Grupo Controle, significativa entre as realizações dos alunos em
Grupo Experimental I e Grupo Experimental II. O tarefa repetida e entre tarefas do mesmo tipo?
Grupo Experimental I, com 16 alunos, teve que O estudo mostrou que a prática de um
assistir a um fragmento do desenho Tom e Jerry, mesmo tipo de tarefa não trouxe ganhos no
transmitido sem áudio e legenda, para poder re- desempenho de língua dos alunos, no que se
contar a história ao pesquisador (tarefa de nar- refere à sua fluência, precisão gramatical e com-
rativa). O Grupo Experimental II, também com plexidade linguística. Quanto aos efeitos da re-
16 alunos, engajou-se em uma entrevista, que petição de uma mesma tarefa, verificaram-se
foi estruturada com base em figuras ilustrando resultados positivos para as medidas de fluên-

175
cia e complexidade, mas não para a precisão colegas e outros), em um processo de reformu-
gramatical. Bygate (2001, p. 41) concluiu que a lação das informações apresentadas. Foram seis
prática com tarefas pode afetar positivamente ciclos propostos para essa atividade. O resultado
o desempenho dos alunos quando elas são re- da pesquisa, que envolveu apenas três partici-
petidas, mas não necessariamente quando se pantes, mostrou que a produção oral foi mais
referem ao mesmo tipo. acurada nos ciclos sucessivos, em particular no
Ainda na modalidade de tarefas de produ- aspecto da pronúncia, vocabulário e gramática.
ção oral, Lynch e Maclean (2001) investigaram os Os autores atribuíram essa melhora às corre-
efeitos de uma tarefa de carrossel de pôsteres ções implícitas dos interlocutores (recasts) e à
(poster carousel) no desempenho de 14 médicos autocorreção (self-correction), envolvendo o con-
de diferentes nacionalidades, que estavam cur- teúdo e a forma.
sando inglês como L2 para fins específicos na Embora o presente estudo não trate da prá-
Universidade de Edimburgo. Essa tarefa consis- tica repetida de tarefas de produção oral, essa
tiu na leitura de um artigo da área da Medicina, mesma estratégia foi utilizada para investigar se
cabendo a cada participante escolher o assun- o desempenho do aprendiz em uma dada tarefa
to de sua preferência. O material era resumido de compreensão oral varia em dois momentos
para ser colocado em um pôster (fase de plane- distintos de sua realização, isto é, se uma tarefa
jamento). Em forma de congresso, cada partici- repetida pode trazer benefícios para o entendi-
pante tinha que responder às perguntas orais mento maior de um texto oral autêntico.
elaboradas pelos visitantes de seu pôster (seus

176
2 Conceitos de prática
aos estímulos e respostas, sem qualquer reflexão
O termo prática pode ter várias acepções na sobre os processos que envolvem o aprendizado.
área do ensino de LE/L2. Dekeyser (2007) ana- De acordo com a teoria cognitiva de apren-
lisou esse vocábulo sob a perspectiva de três dizagem de L2/LE, desenvolver fluência requer
áreas do conhecimento: a Psicologia Cognitiva, prática no uso da língua, “no sentido de comuni-
a Psicologia Educacional e a Linguística Aplicada. car algo nessa língua, enquanto o aluno mantém
Na Psicologia Cognitiva, a noção de práti- o conhecimento declarativo relevante na memó-
ca está atrelada às teorias de aquisição de ha- ria de trabalho” (DEKEYSER, 1998, p. 52). Nessa
bilidades (skill acquisition theories) e é entendida perspectiva, a prática refere-se às atividades que
como um processo que conduz o indivíduo a uma possam tornar um determinado conhecimento
melhora de desempenho em uma tarefa. Esse (estrutura, habilidade, estratégia) automático em
processo é definido de várias formas. Uma delas, uso comunicativo.
segundo Dekeyser (2007), é descrita na definição Já na Psicologia Educacional, prática é en-
de Carlson (1997, p. 56 apud DEKEYSER, 2007, p. tendida como a realização de atividades que
2) como um “desempenho repetido das mesmas possibilitam ao aluno transferir o conhecimen-
rotinas ou de rotinas semelhantes”. Entretanto, to aprendido na escola para contextos externos
esse conceito, na visão de Dekeyser (2007), pode a ela, como para o ambiente de trabalho, por
ser mal interpretado e facilmente associado ao exemplo. O problema, no entanto, reside na
behaviorismo, cuja prática era entendida como forma como a prática é realizada na escola e a
um processo de repetição mecanizada em meio sua conexão com o mundo real.

177
Na Linguística Aplicada, por sua vez, Dekey- Se considerarmos que a prática de qual-
ser (2007) explica que a prática está relacionada quer habilidade deva ser de forma contextuali-
às oportunidades de desenvolvimento da fluência zada e propositada, então é pertinente afirmar
na LE/L2 ou de “conhecimento implícito procedi- que o uso de tarefas repetidas apresenta boas
mentalizado” (ELLIS, 1993 apud DEKEYSER, 2007, perspectivas para a aquisição do conteúdo e
p. 6), o que significa dizer que a prática está a da forma linguística de um texto. Sendo assim,
serviço do uso da língua, da performance, e não cabe verificar, neste estudo, se a prática de uma
exatamente da competência linguística na LE/L2. mesma tarefa pode mesmo apresentar bons re-
Com o advento da abordagem comunica- sultados, em particular na habilidade de com-
tiva, a prática, como comenta Ortega (2007), se preensão oral.
fez presente por meio de atividades contextuali-
zadas, permitindo a interação propositada entre 3 Relação entre compreensão
os aprendizes. Segundo a autora, na Linguísti- oral e contexto visual
ca Aplicada, surgiram pensamentos recorren-
tes sobre como a prática deveria ser realizada Um texto oral pode ou não ser acompanha-
em sala de aula: de maneira “interativa, verda- do de um contexto visual. Quando há suporte
deiramente significativa e com foco construído visual, gestos, expressões faciais, movimentos
em aspectos selecionados do código da língua corporais, entre outros recursos que acompa-
que integram a própria natureza dessa prática” nham o percurso da mensagem, nos ajudam a
(ORTEGA, 2007, p. 182). compreender as informações e podem, inclu-

178
sive, construir uma percepção sobre o falante, coerência ao que vê. Assim sendo, pode-se dizer
pela sua forma de se comunicar visualmente. que a compreensão oral apoiada em imagens é
No contexto de ensino de LE/L2, o suporte construída através de informações decorrentes
visual é considerado facilitador da compreensão de pistas visuais e auditivas.
oral (LONERGAN, 1984; NUNAN, 1989; BRESSAN, Neste estudo, partimos do pressuposto
2002), beneficiando o aluno com informação de que a compreensão proveniente do aporte
paralinguística e favorecendo a construção de visual é manifestada pela aproximação das des-
sentidos que os diálogos podem representar no crições das imagens apresentadas (comporta-
contexto visual (LONERGAN, 1984). Esse recurso mentos pragmáticos, traços paralinguísticos,
pode ainda aumentar o interesse e a motivação comunicação não verbal) e que a compreensão
dos aprendizes, como salienta Lonergan (1984). linguística é manifestada pelo entendimento de
Para Bressan (2002), imagens de vídeo auxiliam informações que requerem decodificação e in-
no processamento descendente das informações, terpretação textual. Ambas se complementam.
contribuindo para a interpretação da situação
apresentada. Contudo, Anderson e Lynch (1988) 4 Metodologia
esclarecem que o elemento visual não substitui
a compreensão das informações linguísticas, e Para nortear este estudo, partimos das se-
que há informações transmitidas pelo contexto guintes perguntas de investigação: 1) Que dife-
visual que necessitam ser compreendidas com o renças de desempenho são observadas quando
apoio do texto oral para que o ouvinte possa dar aprendizes de inglês como LE são submetidos à

179
prática repetida de uma mesma tarefa de com- vontade de viajar ou estudar no exterior ou de
preensão oral?; 2) O desempenho dos aprendi- conseguir um bom emprego. Há ainda aqueles
zes, no que se refere à compreensão de informa- que veem o inglês como um meio de atender às
ções gerais e específicas do texto oral, melhora suas necessidades imediatas, como navegar na
com a prática de uma mesma tarefa?; e 3) Como internet, assistir a filmes sem a preocupação de
os alunos avaliam a experiência de repetir duas ler as legendas e ouvir músicas.
vezes uma mesma tarefa de compreensão oral? Todos os alunos disseram que a compre-
ensão oral é uma habilidade importante e que
4.1 Participantes da pesquisa deve ser desenvolvida nas aulas de inglês. Suas
justificativas estão relacionadas às suas expec-
O estudo contou com a participação de 18 tativas de aprendizagem para essa língua, isto
alunos de uma turma de 7º ano do ensino fun- é, necessitam compreender o inglês para poder
damental de uma escola particular da região me- viajar, comunicar-se com outras pessoas, assistir
tropolitana de Curitiba, cuja idade variava entre a filmes e entender músicas.
12 e 14 anos, sendo treze do sexo masculino e
cinco do sexo feminino. 4.2 Instrumentos e procedimentos de coleta
Com base em um questionário de perfil,
aproximadamente 83,3% dos alunos disseram Três atividades foram elaboradas para esta
gostar de estudar inglês. Sua motivação tem pesquisa, com base em uma cena de comédia da
natureza intrínseca, como por exemplo: sua série Friends, famosa nos Estados Unidos e em

180
outros países. A cena escolhida conta a história de 1. Você vai assistir, por duas vezes,
três amigos (Joey, Ross e Rachel) que vivenciam a uma cena de um episódio de uma
um mal-entendido. Joey visita Rachel no hospital e série de TV norte-americana. Assista
acaba encontrando um anel, o que é interpretado com muita atenção para depois fazer
por ela como sendo um pedido de casamento. um resumo em português do que você
Quando Ross a visita, duvida que alguém possa entendeu da cena que assistiu. Colo-
ter feito a ela uma proposta de casamento, mas que TUDO que você conseguiu enten-
Rachel insiste que Joey havia feito o pedido. Após der. Utilize o espaço abaixo para o seu
muitas contradições, a situação é esclarecida e resumo. Se necessário, utilize o verso
Rachel percebe que toda a discussão não passou da folha.
de um grande equívoco de sua parte.
A Atividade 1, reproduzida a seguir, con- A Atividade 2, parcialmente reproduzida
sistiu na elaboração de um resumo da histó- abaixo, compreendeu 10 sentenças para serem
ria, visando a avaliar a compreensão geral dos completadas com informações sobre o contexto
alunos. Permitiu a eles centrar em pontos rele- da história, isto é, o local da interação, a identifi-
vantes (BUCK, 2001) e relatar o que entenderam cação dos participantes, o relacionamento entre
de forma espontânea. eles, o assunto da conversa e o seu propósito. O
objetivo foi avaliar a compreensão de informa-
ções referentes ao contexto da situação.

181
Agora, complete as frases abaixo com A Atividade 3 apresentou 13 afirmações
base no que você entendeu da cena. sobre o enredo da história para os alunos ava-
Responda em português. liarem a sua veracidade. O objetivo foi verificar
a compreensão de acontecimentos específicos
1. A cena se passa ___________________ da história. Segue uma amostra das afirmações
______________________________________ elaboradas.

2. Ross é o nome do homem que____ Leia as afirmações abaixo e verifique se elas


_______________________________________ são verdadeiras ou falsas, assinalando com
um X a alternativa correspondente. Se você
[...] não sabe ou está em dúvida, assinale a alter-
nativa “não sei”.
10. O propósito da discussão mostra-
da na cena é___________________________ 1. Joey não quer que Ross saiba da situação
que se criou em relação ao anel.
_______________________________________
a) ( ) FALSO
b) ( ) VERDADEIRO
c) ( ) NÃO SEI

182
2. Ross explica que ninguém de seus ensão oral consistiu em três fases, aplicadas na
colegas (Chandler, Joey), muito menos sequência.
ele, pediu Rachel em casamento.
No primeiro encontro com os alunos, foi
perguntado se já haviam assistido à série Friends.
a) ( ) FALSO
Somente aqueles que desconheciam o progra-
b) ( ) VERDADEIRO
ma tiveram seus dados analisados (n=18). Ainda
c) ( ) NÃO SEI
nesse encontro, o questionário de perfil foi apli-
cado e a tarefa realizada (atividades 1, 2 e 3). No
[...]
segundo encontro, dois dias após o primeiro, a
tarefa foi reaplicada e, ao final de sua realização,
13. No final da história, Rachel não
um questionário com duas perguntas foi pro-
admite que o mal-entendido foi
posto para avaliar a proposta de se repetir uma
culpa dela.
mesma tarefa na opinião dos alunos.
a) ( ) FALSO
1. Você gostou de realizar duas vezes
b) ( ) VERDADEIRO
c) ( ) NÃO SEI as mesmas atividades?

Por fazerem uso da mesma cena, as ativida- ( ) SIM


des 1, 2 e 3 foram consideradas partes de uma ( ) NÃO
mesma tarefa. Desse modo, a tarefa de compre- POR QUÊ?

183
4.3 Procedimentos de análise dos dados
2. Você acha que compreendeu
melhor o vídeo na segunda vez do que O desempenho dos alunos no primeiro mo-
na primeira? mento de realização da tarefa de compreensão
oral foi comparado com o seu desempenho no
( ) SIM segundo momento, permitindo avaliar a quanti-
( ) NÃO dade e a qualidade de entendimento da história
POR QUÊ? nos dois momentos de realização da tarefa.
Os resumos produzidos na Atividade 1
A aplicação da tarefa de compreensão oral foram submetidos a uma análise textual de di-
e a sua reaplicação nos dois encontros com os mensão semântica, que envolve os sentidos de-
alunos iniciou com a distribuição da Atividade 1. notativos e conotativos do texto. A análise visou
Seu enunciado foi lido e explicado. Alguns segun- a identificar as unidades de “informação básica”
dos foram dedicados às perguntas/dúvidas dos para a compreensão geral da cena assistida.
alunos antes de sua exposição ao material de Essas unidades foram previamente definidas
vídeo. Logo após, o vídeo foi tocado duas vezes. pelas pesquisadoras:
Na sequência, um tempo de dez minutos foi esta-
belecido para que a turma pudesse resumir o que A cena se passa em um hospital
havia entendido da história. Finalizado o tempo, (local da cena) e envolve três amigos,
as atividades foram recolhidas e a Atividade 2 Rachel, Ross e Joey (participantes e
distribuída. Os mesmos procedimentos foram sua relação), que discutem um mal-
utilizados para a aplicação das demais atividades.

184
5 Resultados e discussão
-entendido sobre um anel que Joey
encontrou por acaso em um paletó, e Na análise dos dados, verificou-se que
que Rachel pensa que Joey quer casar 100% dos alunos conseguiram, em ambas as
com ela (conteúdo do texto). O pro- versões, identificar corretamente o local da cena
pósito da discussão é esclarecer se (hospital, quarto de hospital) e situá-la dentro
Joey realmente pediu ou não Rachel do gênero comédia. Essas informações puderam
em casamento (propósito). A cena é ser facilmente deduzidas pelo contexto visual e
uma comédia (tom do texto) auditivo (as risadas da plateia). Entretanto, per-
cebeu-se que, na versão 2, alguns alunos deta-
As respostas dos alunos à Atividade 2 servi- lharam melhor o local da cena, oferecendo infor-
ram para complementar a análise dos resumos mações como “na maternidade” e “no hospital
produzidos, permitindo que informações con- depois de ter um filho”, sinalizando maior com-
textuais não presentes nos resumos dos alunos preensão do contexto.
pudessem ser recuperadas. As respostas dos No que se refere à relação entre os per-
alunos à Atividade 3 serviram para avaliar se as sonagens da história, tanto na primeira como
unidades de “informação específica” haviam sido na segunda versão, Joey e Ross foram vistos
compreendidas. como tendo alguma relação de afetividade com
Rachel. Ross foi interpretado como “namorado”
ou “marido”, possivelmente pelas pistas visu-
ais: ele leva flores para Rachel; ele a abraça e se

185
Quadro 1 – Papel dos personagens masculinos em relação à per-
senta ao lado dela na cama do hospital. Joey, por sonagem feminina na primeira e na segunda versão da tarefa.

outro lado, foi visto como “amante”, “namorado” VERSÃO 1 VERSÃO 2


ou “noivo”, pois, na cena, ele mostra uma aliança
A4, A19 Joey - noivo Joey - amigo
para Rachel, dando a impressão de que a pediria
A7 Joey - marido Joey - namorado
em casamento. Todas essas interpretações, ob-
servadas nos resumos, sugerem que os alunos A11 Joey - amigo Joey - namorado

estavam buscando dar coerência ao papel dos A17 Joey - ----- Joey – amigo

interagentes na história. Embora essas possíveis A8 Ross - namorado Ross - amigo


interpretações pudessem ser estabelecidas com A19 Ross - noivo Ross - amigo
a ajuda das pistas visuais, a construção da coe-
A14 Ross - marido Ross - amigo
rência na relação entre os interagentes da his-
tória foi melhor articulada na segunda versão
da tarefa, diminuindo as inconsistências, como Alguns alunos perceberam que Joey não
mostra o Quadro 1, a seguir. poderia ser noivo ou marido de Rachel (versão
1), talvez por compreenderem melhor o mal-en-
tendido mostrado na cena (A4 - “Joey por engano
pegou o anel e ela pensa que ele a pediu em
casamento” – versão 2) ou por interpretarem
que tanto Joey como Ross seriam pretendentes
de Rachel (A17 – “Entendi que os dois homens
gostavam da mesma mulher” – versão 2).

186
Quadro 2 – Resumos de A4 e de A7 em suas versões 1 e 2 para
Com relação ao conteúdo da história, na pri- ilustrar os conteúdos reformulados no segundo momento de
realização da Atividade 1.1
meira versão dos resumos, os alunos se apoia-
ram mais na leitura visual dos acontecimentos VERSÃO 1 VERSÃO 2

(ações, gestos e expressões faciais dos perso- Eu entendi que a mulher está no
hospital e um homem não sei
nagens), o que também aconteceu na versão 2; se é marido ou sei-lá ele acha Joey por engano pegou o anel
e ela pensa que ele a pediu em
porém, os alunos puderam apurar as informa- uma aliança e pede a mulher
casamento e o outro cara achou
A4 em casamento, a mulher quer
ções, retificando conteúdos que, na primeira que ele coloque a aliança na mão que ele a pediu e começou.
dela, mas nessa hora um outro
versão, pareciam ser do seu entendimento. A4, cara chega com um buque de
flores, etc.
por exemplo, havia entendido que o homem que
tinha achado a aliança estava pedindo a mulher Eu entendi que uma moça estava
doente e um amigo foi visitala
em casamento, mas, na segunda versão, retifica. e foi mecher nas coisas dele e
caiu um anel de casamento ele O moço acha no meio das coisas
A7, por outro lado, influenciado pelas expres- se abaixou para pegar um anel uma aliança e vira e a mulher
de casamento e ela o chamou acha que é um pedido de
sões faciais dos personagens masculinos (“ele ele abaixado virou, ela olhando casamento, mas não é, então
A7 um amigo deles explica para ela
ficou nervoso”; “ele fica brabo”), dispensa essas o anel e disse sim eu aseito ele
e a moça e o moço discutem até
ficou nervoso pois não era essa
informações quando resume a história pela se- a intenção dele, chega outro cara ela cair na real.
e eles conversão após isso ela
gunda vez, desvencilhando-se do recurso visual. conta para esse cara que eu acho
que gosta dela e ele fica brabo e
depois os três discutem.

1  Os erros de português dos alunos foram mantidos.

187
Na segunda versão dos resumos, foi possí- próprio resumo, mostrando consciência linguís-
vel observar que os alunos dependeram menos tica no momento da compreensão. Os exemplos
do contexto visual e mais da compreensão tex- a seguir ilustram alguns desses aspectos.
tual para o entendimento da história. A8 relata
informações como: “Ross entra e pergunta a Quadro 3 – Resumos de A8 e de A14 em suas versões 1 e
Rachel se Joey a pediu em casamento”; “Joey 2 para ilustrar informações mais precisas, detalhamento
de conteúdo e inclusão de falas no segundo momento de
consegue convencer Rachel”, assim como no realização da Atividade 1.
resumo de A13: “Rachel começa a contar [para
VERSÃO 1 VERSÃO 2
Ross] que Joey pediu a mão dela...” ou, ainda,
no resumo de A14: “Rachel diz que Joey tinha Um homem estava mexendo em
um casaco num sofá, caiu uma
Em um hospital Joey está
mexendo um casaco, quando
pedido em casamento” e “Joey explica direitinho caixinha do casaco, o homem derrepente caiu um anel,
se ajoelhou, pegou a caixinha ele se ajoelhou para pegar
o que aconteceu”. Essas interpretações sugerem abriu e se virou a moça, que e mostrou para cachel, que
achou que ele estava pedindo surpresa disse ok! Quando
compreensão textual. em casamento, a moça ficou de repente Ross entra pela
Foi ainda possível verificar nos resumos da surpresa e aceitou, mas o
homem nem sabia que o anel
porta e surpreende Joey, que
rapidamente se levanta e
segunda versão: (i) informações mais precisas, A8 estava lá. diz: Oi Ross. Todos saem da
sala menos Rachel, o Ross
(b) maior detalhamento do conteúdo da história, entra e pergunta Rachel se
Joey a pediu em casamento
agregando quantidade maior de dados coeren- quando Joey entra na sala
tes com a cena assistida, (c) maior organização e sai, mas Ross pergunta a
ele, Joey nega quando Rachel
textual do que as produções realizadas na pri- afirma. No final Joey consegue
convencer Rachel.
meira versão e (d) acréscimo de falas da cena no

188
VERSÃO 1 VERSÃO 2
requer, inicialmente, muito esforço do aprendiz
Eu entendi que um homem Joey encontra um anel e
está visitando uma mulher no Rachel pensa que ele está em termos de processamento cognitivo e de
hospital e acha uma aliança, há pedindo em casamento,
sem querer ela acha que ele Ross entra e Joey se levanta.
memória de trabalho, limitando o seu foco de
está pedindo ela em casamento, Ross vai visitar Rachel e atenção. Isso significa dizer que a familiaridade
outro homem entra na sala com conversa com ela, Rachel

A14
um buque de flores, e dá para diz que Joey tinha a pedido do aprendiz com o conteúdo das informações
entender que ele quer há pedir em casamento. Joey explica
em casamento. Na outra cena direitinho o que aconteceu, e na LE, possibilitada pela tarefa repetida, aumen-
fica os três na sala do hospital e é Rachel percebe que o erro foi
tudo esclarecido por eles. dela e fica assustada.
ta suas chances de sintonizar sua atenção para
novas informações no insumo e para a forma
linguística (SKEHAN, 1998, p. 175), “conduzindo[-
No geral, o desempenho dos alunos na -o] a uma maior fluência e precisão gramatical
versão 2 foi melhor do que o demonstrado na no seu desempenho”.
versão 1, considerando os resumos (Atividade 1) Com relação ao propósito da discussão entre
e as respostas dos alunos ao contexto da situa- os personagens da cena, que seria esclarecer se
ção (Atividade 2). Essa melhora pode ser expli- Joey havia ou não pedido Rachel em casamento,
cada pela oportunidade que os alunos tiveram observou-se que, na segunda versão, apenas sete
de realizar a mesma tarefa pela segunda vez, o alunos se aproximaram do objetivo da discussão,
que lhes permitiu liberar maior atenção para o percebendo que se tratava de um impasse.
significado das informações e para os conteú- Quanto às informações específicas, que exi-
dos que não haviam sido percebidos de início. giram compreensão textual, avaliadas por meio
Para VanPatten (2007, p. 116), a compreensão da Atividade 3, pode-se dizer que houve um au-

189
mento percentual de alunos que passaram a Para a compreensão dessas informações,
compreender melhor as seguintes informações era necessário o entendimento das seguintes
na versão 2. falas dos personagens, pois o elemento visual
per se não daria conta dessa tarefa (ANDERSON;
Quadro 4 – Porcentagem de acertos de informações específi- LYNCH, 1988).
cas nas versões 1 e 2

1. Rachel, I didn’t propose to you, Joey


Informações específicas Versão 1 Versão 2
didn’t propose to you, and Chandler
1. Ross explica que ninguém de seus
colegas (Chandler, Joey) muito didn’t propose to you.
33,3% 55,5%
menos ele, pediu Rachel em
casamento.
2. Joey, did you propose to her?
3. And confused [...].
2. Ross pergunta para Joey se ele
realmente pediu Rachel em 66,6% 94,4% 4. You didn’t propose to me. Joey did.
casamento.
5. No, I didn’t.// I did not ask her to marry
3. Ross fica meio confuso quanto à
possibilidade de Rachel estar noiva.
55,5% 72,2% me!// “No”// “Technically, I didn’t” // “I
didn’t propose”.
4. Rachel diz a Ross que Joey a pediu
27,7% 38,8%
em casamento.

5. Joey insiste que não pediu Rachel


O aumento de alunos que mostraram com-
33,3% 55,5%
em casamento. preender melhor as informações específicas
acima pode ser explicado pela repetição de al-
gumas falas na cena (Questões 1, 4 e 5), pela fala

190
pausada (Questões 1 e 4) e destacada (Questão Considerando a experiência dos alunos
3), e pela semelhança fonológica entre os vocá- com a tarefa repetida, 94% deles disseram ter
bulos “confused” e “confuso” (Questão 3), fatores gostado de realizar as atividades por duas vezes,
que podem ter contribuído para que, no segun- pois perceberam uma melhora em seu desem-
do momento, esses alunos compreendessem penho. Para eles, essa prática aumentou sua
melhor tais informações. Segundo VanPatten percepção sobre o conteúdo, possibilitando a
(2007, p. 116), os aprendizes são processadores compreensão de mais detalhes (A2 – “a gente
com capacidade de atenção limitada e não con- presta atenção em outros detalhes que não per-
seguem processar e armazenar a mesma quan- cebemos na 1a vez”, A7 – “porque eu vi detalhes
tidade de informação como fazem os falantes que não tinha visto”, A9 – “[...] eu pude acertar
nativos durante o seu processamento. Nesse mais coisas”, A10 – “pude reparar muitas outras
caso, a repetição da tarefa ajudou esses alunos coisas”, A11 – “eu entendi melhor [...]”).
a avançar na compreensão de alguns significa- Os participantes ainda consideraram a
dos específicos, permitindo maior compreensão tarefa repetida como algo “importante”, “útil”,
textual. Esses dados corroboram o papel signifi- “mais fácil” e “legal”, sugerindo que essa prática
cativo da tarefa repetida na sala de aula, isto é, contribuiu para o seu bom desempenho. Esse
de que essa estratégia pode melhorar o desem- resultado corrobora o estudo de Shintani (2012),
penho do aluno, porque realoca o seu foco de que também investigou a motivação dos alunos
atenção (BYGATE, 2001). com tarefa repetida de produção oral.

191
6 Considerações finais
das ações dos personagens, a partir do contexto
A prática repetida de uma mesma tarefa visual, que traz indicações de que ambos pudes-
de compreensão oral pode apresentar boas sem ter alguma pretensão em desposá-la. De
perspectivas para o aprendizado de LE em uso um lado, Ross, o personagem que traz flores,
comunicativo, pois os dados analisados nesta abraça Rachel, senta ao seu lado e demonstra
pesquisa sugerem que essa prática contribuiu expressões de espanto quando Joey aparece e
para melhorar a compreensão das informações explica o acontecido. De outro lado, Joey, o per-
gerais e específicas do texto oral. sonagem que encontra e mostra a aliança para
O contexto visual favoreceu o entendimen- Rachel. Assim sendo, é possível concluir que o
to da história (local da cena, tom do texto, os elemento visual pode ajudar na compreensão,
interagentes e um pouco do conteúdo). No en- porém não substitui a necessidade de entender
tanto, o elemento visual pode ser muitas vezes as informações linguísticas, como já apontavam
uma armadilha e provocar compreensão distor- Anderson e Lynch (1988).
cida, uma vez que ele permite inúmeras possibi- Com a repetição de uma mesma tarefa de
lidades de interpretação e inferência. Foi o que compreensão oral, o aluno se familiariza com o
aconteceu nesta pesquisa. Alguns alunos enten- formato da atividade, com o seu objetivo, com os
deram que Ross e Joey estariam interessados procedimentos de realização e com o conteúdo
em se casar com Rachel e, por essa razão, esta- linguístico, favorecendo sua autoconfiança no
riam disputando o seu afeto. Essa interpretação processo de aprendizagem.
equivocada parece ter suas raízes na inferência

192
Referências
Por fim, pode-se afirmar que a tarefa repe-
tida trouxe impactos positivos e boa receptivida- ANDERSON, A.; LYNCH, T. Listening. New York:
de por parte dos alunos. Como sugestão para fu- Oxford University Press, 1988.
turas pesquisas, uma mesma tarefa poderia ser
repetida outras vezes e contemplar atividades BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental.
de percepção de uma ou mais formas linguísti- Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro
cas “encharcadas” (input flooding) ou destacadas
fonologicamente (input enhancement) no insumo e quarto ciclos do ensino fundamental - Língua
oral, de modo a avaliar se a tarefa repetida é Estrangeira. Brasília: MEC/SEF, 1998.
capaz de promover percepção consciente (noti-
cing) e a aprendizagem dessas formas. BRESSAN G. C. A elaboração de tarefas com
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196
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F. G.; KANEKO-MARQUES, S. M.; SALOMÃO,
C. B. (Org.). A formação de professores de
línguas: novos olhares. Campinas: Pontes,
2011.p. 147-172. v. 1.

197
2
Formação inicial de professores e construção identitária:
Texto um estudo com graduandos de curso de licenciatura em letras

Deny de Sousa Gandour


Maria Bernadete F. de Oliveira para o enfrentamento de antigos problemas
educacionais. No campo específico da Formação
Introdução de Professores, por exemplo, interessam-nos as
possibilidades de compreensão e explicação dos
As recentes publicações no campo das ci- processos que envolvem a docência no que con-
ências sociais e humanas têm permitido verifi- cerne ao modo de ser ou tornar-se professor
car um interesse crescente pelos estudos sobre (NÓVOA, 2008, 2007, 1991). Observamos que a
identidades sociais, que têm se constituído como investigação desses processos tem se configura-
um dos temas mais presentes na agenda de de- do como um acesso à compreensão dos diversos
bates de estudiosos de filiações teóricas as mais fatores que influenciam o modo de pensar e agir
diversas. Segundo Hall (2005, p. 103), “estamos em sala de aula e o modo como o profissional
observando, nos últimos anos, uma verdadei- encara, se dedica e se prepara para o exercício
ra explosão discursiva em torno do conceito de da prática docente.
‘identidade’”, fato que tem contribuído para o No presente artigo, o foco de nossa observa-
surgimento de novas perspectivas teóricas para ção orienta-se para a formação inicial de profes-
a compreensão dos problemas sociais. sores, em curso de Licenciatura em Letras, objeti-
Dentre essas perspectivas, destacam-se as vando refletir sobre a relação entre a construção
contribuições originárias da Sociologia e dos Es- da identidade profissional e a construção dos sa-
tudos Culturais, que têm subsidiado novas inves- beres docentes durante esse processo formativo.
tigações, abrindo novos modelos e abordagens

198
1 A formação docente na
sociedade do conhecimento emerge como exigência e muitas vezes como me-
canismo de inclusão. Ou como diz Castells (2001),
Sabemos que a sociedade contemporânea aos elementos clássicos dos direitos do cidadão
tem se caracterizado pela ocorrência de mudan- – sociais, políticos e jurídicos – deve ser acrescen-
ças significativas, em um ritmo cada vez mais tado o direito de acesso ao conhecimento e sua
acelerado, principalmente sob a influência da re- mediação através do mundo dos signos.
volução tecnológica. Essa tem sido nomeada de Nesse cenário, o conhecimento surge como
várias maneiras, dependendo do ângulo que ela elemento constitutivo e identificador dessa socie-
é observada ou analisada. Interessa-nos, neste dade, necessitando de abordagens teórico-meto-
momento, a denominação de “sociedade do co- dológicas que possam dar conta de suas inova-
nhecimento”, esta, segundo Stehr (2000), exige ções e complexidade. Coloca-se, portanto, para
dos seres humanos que estes sejam informados, os profissionais da área da linguagem, a tarefa
autônomos, criativos e bastante à vontade em de desenvolver mecanismos que possibilitem a
situações de instabilidade, transitando de um compreensão e a interpretação, nas mais diversas
lado para o outro, em um cenário inundado pela esferas das atividades humanas, dos materiais
imagem e pela expansão do conhecimento. No simbólicos aos quais, enquanto seres humanos
dizer desse autor, na sociedade contemporânea, estamos expostos, no nosso cotidiano, ganhando
o conhecimento tornou-se um mecanismo de relevância, nesse contexto, a capacidade de ler e
estratificação social, portanto e, nesse contexto de produzir textos (CANCLINI, 2005).
afirma ele, que a capacidade de ler e de escrever

199
Essa constatação remete para a importân- permitidos pela noção de estrutura que limita
cia da linguagem na contemporaneidade, isto a realização de conexões àquelas que ocorrem
é, aponta para uma necessidade de que se re- entre pontos de encontros fixos, em geral uni-
conheça a relevância do estudo dos sistemas direcionalmente (CASTELLS, 2001).
semióticos, como diz Stuart Hall (2003), face à No campo de estudos da Linguística Apli-
constatação do papel de destaque especial que cada, de uma determinada visão dessa área de
hoje é atribuído ao mundo dos signos, enquanto produção do conhecimento, defende-se que a
materialização da realidade a partir dos pontos pesquisa acadêmica procure dar visibilidade às
de vista de seus sujeitos sociais. Aliás, estudiosos questões de linguagem que, materializadas nos
do círculo de Bakhtin e Vygotsky já apontavam, enunciados circulantes em diferentes esferas,
desde o início do século passado, para a impor- afetem a vida social (MOITA LOPES, 2006). Uma
tância do signo verbal e sua relação constituti- visão do Estado da Arte, na área, aponta uma di-
va em todas as esferas das atividades humanas cotomia entre formação pedagógica e específica,
(VOLOSHINOV, 1979; BAKHTIN, 1990; VYGOT- pondo em evidência a falta de projetos globais
SKY,1979). Uma outra característica, igualmen- com relação à formação do professor, processo
te importante da sociedade contemporânea, é esse que envolve complexidade e saberes múl-
o seu funcionamento em rede, uma sociedade tiplos. Por isso, assim como as discussões de
que sob o impacto da revolução tecnológica fun- muitas outras questões de interesse das ciên-
ciona “por conexões múltiplas”, possibilitando cias sociais e humanas, qualquer discussão que
o surgimento de novas formas de arranjos, não envolva algum repertório de saberes, e mesmo

200
a própria questão da formação de professores, de professor de línguas no Brasil parece atraves-
de suas identidades profissionais, requer neces- sar um momento de crise, permeada de incerte-
sariamente uma atenção às transformações em zas, inseguranças e conflitos.
curso na sociedade contemporânea. Um dos aspectos que concorrem para esse
Em uma época em que observamos uma estado de coisas pode estar relacionado ao fato
verdadeira explosão discursiva em torno do con- de que, segundo Gauthier (1998), embora o
ceito de identidade (HALL, 2005), é possível cons- ensino seja um ofício exercido em quase todas
tatar que as pesquisas que abordam a construção as partes do mundo, ainda se sabe muito pouco
da identidade profissional docente representam a respeito dos saberes que lhe são inerentes.
uma área de estudos ainda em construção. Es- Nessa mesma perspectiva, Nóvoa (1997,1995)
treitando o foco para a construção da identida- refere-se à construção da identidade do profes-
de de professores de línguas no Brasil, verifica-se sor a partir da posse de um corpo de saberes
que a produção científica na área ainda é muito que vão orientá-lo no exercício da profissão. Isso
pequena, de modo que ainda não dispomos de tem impulsionado muitos estudos a concentrar
parâmetros claros para definir os saberes de re- suas atenções na busca por descrever um reper-
ferência requeridos para esse profissional, ou tório de saberes inerentes à prática pedagógica
para definir um perfil desejável para o professor (TARDIFF, 2000; TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991).
de línguas, construído a partir de uma discussão Esses e outros estudos contribuem para que o
ampla e consistente. Não por acaso, estudiosos processo de construção da identidade docente
na área em questão consideram que a identidade possa ser estudado a partir do exame dos sabe-

201
res que vão constituir a sua prática profissional. aos participantes de nossa pesquisa para dis-
Por isso, a investigação das práticas discursivas cutirmos os conceitos de identidades propostos
onde esses saberes são construídos passa a ser por esses estudiosos, ao mesmo tempo em que
um passo fundamental para o reconhecimento buscamos compreender o modo como ocorre
dos processos de construção da identidade do- a construção identitária durante o processo de
cente, principalmente considerando que todas as formação inicial de professores de línguas.
etapas do saber estão intimamente relacionadas As informações foram obtidas por meio de
com o exercício da profissão. Para alguns autores entrevistas realizadas individualmente, via inter-
(CHARLOT, 1997; FREIRE, 1996), essa relação cons- net, por meio da ferramenta Messenger, o que nos
titui, em sua essência, uma relação de identidade. permitia um contato online, em uma situação com
características bastante semelhantes à interação
2 Por um conceito de identidade face a face, especialmente no que diz respeito ao
controle do tempo de resposta (próximo ao que
Recorremos, inicialmente, aos estudos se pode chamar de resposta instantânea). Isso
desenvolvidos por Hall (2006, 2005) e Giddens nos permitiu verificar as opiniões e os conheci-
(2002), considerando, entre outros aspectos, mentos de que os alunos-professores dispunham
o fato de que esses teóricos dão uma especial sem que esses pudessem recorrer a livros ou a
atenção aos impactos da condição pós-moderna outras formas de consulta. Como complemento
(ou alta modernidade) na constituição do sujei- aos depoimentos prestados pelos participantes,
to. Utilizaremos as informações obtidas junto incluímos ao nosso corpus a Matriz Curricular do

202
Curso de Letras, ampliando as possibilidades de A-P2: - Bem, durante a minha vida esco-
análise e a triangulação de dados, visando auferir lar ser professora era algo tipo “fora de
maior segurança às nossas constatações. cogitação” e ao final do ensino médio o
Nesta investigação, participam como infor- meu sonho de estudar direito se afastou
mantes uma amostragem composta por sete de mim por morar distante da capital,
alunos-professores (A-P1, A-P2, A-P3... A-P7) de Natal. E os cursos superiores da cidade
uma turma concluinte do Curso de Letras, com mais próxima eram na maioria destina-
habilitação em Língua Inglesa, de uma universi- dos à docência. Por esse motivo prestei
dade pública no Estado do Rio Grande do Norte. vestibular para Letras. Mas até então
Iniciamos com a análise das respostas atri- não me via dando aula.
buídas à seguinte pergunta: (1) Em que momento
da sua vida você decidiu ser professor? Podemos verificar, inicialmente, uma di-
versidade de posicionamentos assumidos pelos
A-P1: - Primeiro desde criança pensava alunos-professores, deixando evidentes as trans-
em ser professora, mas imaginava uma formações e as mudanças de posicionamento
coisa completamente diferente, os anos adotados com relação às suas afinidades e às
foram passando e não queria mais ser, consequentes opções de vida, o que concorre
porém passei no vestibular para letras e para reforçar o caráter provisório, fluido e polissê-
aqui estou eu, então não foi pensado, eu mico das identidades, corroborando a compreen-
quero ser professor, foi mais uma opção. são de identidade não como uma essência do ser,
ou falta dela

203
mas como sendo construída na vida social (HALL, variável e problemático” (HALL, 2006, p. 12). E
2006, 2005). Para esse autor, o sujeito não com- outra consequência da condição pós-moderna
porta uma identidade única, seja em um momen- na constituição do sujeito, também apontada
to específico, seja em um período tão extenso, de por Hall (2006, p. 75), tem a ver com o fato de
modo que as identidades estão em permanente que, “quanto mais a vida social se torna mediada
estado de incompletude, de indefinição, de tran- [...] pelos sistemas de comunicação globalmen-
sitoriedade. O autor deixa mais clara essa multi- te interligados, mais as identidades se tornam
possibilidade quando argumenta que “O sujeito, desvinculadas – desalojadas – de tempos, luga-
previamente vivido como tendo uma identidade res, histórias e tradições específicos e parecem
unificada e estável, está se tornando fragmenta- ‘flutuar livremente’”, fazendo com que o concei-
do; composto não de uma única, mas de várias to de identidade seja muito pouco desenvolvido
identidades” (HALL, 2006, p. 12). e muito pouco compreendido na ciência social
Ainda recorrendo aos estudos de S. Hall, contemporânea.
devemos levar em consideração o fato de que Na obra de Giddens (2002), o conceito de
vivemos um momento de intensa globalização, identidade, assim como em Hall, é construído
caracterizado pelo desenvolvimento incessan- em função do impacto causado pelas transfor-
te das tecnologias de transporte e comunica- mações da modernidade na constituição do su-
ção, em que “o próprio processo de identifica- jeito, porém, com destaque especial para o modo
ção, através do qual nos projetamos em nossas como cada um de nós vive as experiências da
identidades culturais, tornou-se mais provisório, identidade no cotidiano, fato que contribui signi-

204
ficativamente para uma melhor compreensão do Isso contribui para que, em Giddens, a identi-
fenômeno em si. Vejamos o depoimento abaixo: dade seja definida como uma narrativa reflexiva
do eu, ou seja, é construída entre a experiência
A-P3: - Optei pela docência no momen- subjetiva e os modos de organização social. En-
to que me identifiquei com as aulas de tretanto, para esse autor, os sujeitos são cons-
uma ex-professora que lecionou Inglês no tituídos por oposições, conflitos e negociações
Ensino Fundamental. A partir daquele mo- que vão sendo constantemente inventados por
mento vi que o idioma me interessava e, esses sujeitos, em um processo rotineiramente
uma forma que encontrei de praticá-lo foi criado e sustentado nas atividades reflexivas.
me tornando um docente. Dessa forma, Desse modo, o sujeito participa ativamente na
decidi fazer a graduação na referida área. construção ou na transformação daquilo que os
outros e ele próprio dizem de si, em um proces-
A fala de A-P3 nos remete a algumas das so de (re)construção contínua, que cada um faz
considerações de Giddens (2002), especialmente de si próprio, cotidianamente.
quando esse autor considera que as experiên- Outro aspecto importante enfatizado por
cias se constituem como momentos decisivos, já Giddens, e também relacionado ao dia a dia, diz
que, em última instância, provocam o confronto respeito à grande frequência com que fazemos
entre os sujeitos e as situações da vida cotidiana, escolhas. Uma dessas escolhas se refere ao estilo
forjando, com isso, novas configurações para o de vida, que o autor define como “um conjunto
projeto reflexivo da identidade (GIDDENS, 2002). mais ou menos integrado de práticas que um

205
indivíduo abraça, não só porque essas práticas A-P5: - Já na faculdade. acho q o q pri-
preenchem necessidades utilitárias, mas porque meiramente despertou essa ideia foram
dá forma material a uma narrativa particular da as aulas de metodologia de ensino,
auto-identidade” (GIDDENS, 2002, p. 79). Esse depois veio a prática de ensino. Antes
autor considera ainda que, nas condições da da faculdade, ñ tinha essa ideia.
alta modernidade, estamos constantemente
sendo levados a seguir determinados estilos de A-P6: - Bom, quando no ensino funda-
vida, de modo que “somos obrigados a fazê-lo mental e médio, sempre admirei meus
– não temos escolha senão escolher”, indepen- professores e a princípio a vontade de le-
dentemente da nossa vontade. Essas escolhas cionar partiu desse ponto. Ao terminar o
também vão contribuir para a reformulação do ensino médio me identifiquei com o curso
eu, já que são escolhas sobre como agir e sobre de letras e mais ainda por se tratar de
quem ser, e que fazem parte do nosso cotidiano. ensinar/aprender uma LE. Então decidi
Outra questão que desperta o nosso inte- seguir esse caminho e até então estou nele.
resse nos estudos desse autor diz respeito aos
conflitos que são decorrentes dessa necessidade A-P7: - desde cedo, ainda criança tinha
de fazer as escolhas. Para ilustrar, observemos as vontade de passar meus conhecimentos,
respostas que os informantes A-P5, A-P6 e A-P7 minhas experiências.
forneceram à mesma primeira pergunta (Em que
momento da sua vida você decidiu ser professor?):

206
Essa aparente conformidade e coerência pela incerteza quando precisamos tomar deci-
nas respostas, não significa, entretanto, a ine- sões, ou dar um rumo ao “projeto reflexivo do
xistência de conflitos. Segundo Giddens (2002), eu”. O quarto dilema, por sua vez, surge na rela-
viver a modernidade tardia envolve uma diver- ção entre a experiência mercantilizada em oposi-
sidade de tensões e dificuldades, que o autor ção à experiência personalizada.
propõe explicá-las como dilemas. O primeiro Portanto, as escolhas feitas pelos alunos-
dilema tem origem na relação entre a unificação -professores com relação à profissão, devido
e a fragmentação. Enquanto que a unificação se às “aulas de metodologia de ensino, depois veio
refere à construção de uma narrativa coerente a prática de ensino” (AP5), ou “quando no ensino
sobre si, a fragmentação tem a ver com uma di- fundamental e médio, sempre admirei meus pro-
versificação dos contextos de interação de que fessores” (AP6), demonstram representar apenas
participamos. O segundo dilema é entre a im- uma aparente situação de conformidade, pois,
potência e a apropriação, que dispõe as oportu- na verdade, as pessoas não fazem suas escolhas
nidades disponibilizadas pela globalização em cientes de todas alternativas disponíveis, nem
confronto com situações de riscos globais em cientes de que todas as possibilidades não estão
que o sentimento de impotência se amplia. O abertas para todos.
terceiro dilema é o que contrapõe autoridade e Outra consequência ligada ao dilema da re-
incerteza, bastante frequente nas condições da lação entre a experiência mercantilizada em opo-
alta modernidade devido à escassez de autori- sição à experiência personalizada tem a ver com
dades definitivas, o que nos leva a ser tomados os padrões de consumo disponibilizados pela

207
modernidade. Segundo Giddens (2002), a exis- aquilo que é disponibilizado pela modernidade e
tência de determinados padrões de consumo, e que parece ser razoável para atender não apenas
que costumam ser realçados pela propaganda e às necessidades individuais, mas para que possa
pelos meios de comunicação de massa, influencia trazer a sensação de equilíbrio tranquilizador
a formação das identidades no sentido de pro- diante das situações sociais que serão vivencia-
mover certos estilos de vida, fazendo com que o das na vida real.
projeto reflexivo de se construir uma identidade E na realidade, a experiência personaliza-
venha a se traduzir na posse de determinados da, devido às pressões exercidas pelo capitalis-
bens. Porém, Giddens esclarece que na sociedade mo, acaba por se configurar como experiência
contemporânea nem tudo é mercantilização. Os mercantilizada, fazendo com que não apenas os
indivíduos também tendem a reagir criativamen- estilos de vida, mas também a autorrealização
te a esses processos, selecionando da sua própria profissional acabe sendo empacotada e distribu-
maneira os tipos de informação ou algumas das ída segundo critérios de mercado (e mais ainda
escolhas que lhes são disponibilizadas, tentando por se tratar de ensinar/aprender uma LE. Então
adotar ou criar os seus próprios estilos de vida. decidi seguir esse caminho e até então estou nele –
Segundo Giddens (2002, p. 81), “a seleção ou cria- AP6). E assim, a modernidade vai gerenciando as
ção de estilos de vida é influenciada por pressões situações do dia a dia, mantendo cada vez mais
de grupo e pela visibilidade de modelos, assim uma forte relação de interdependência com as
como pelas circunstâncias socioeconômicas”, escolhas profissionais feitas por cada indivíduo.
ou seja, acaba sendo aquilo que está ao alcance,

208
Falar sobre as escolhas profissionais dos dades não têm um caráter rígido, como uma es-
indivíduos vai nos remeter à necessidade de trutura que não se transforma, mas, ao contrá-
discutir especificamente uma das dimensões rio, têm um caráter dinâmico, que permite a sua
da identidade, a qual constitui o tema central construção, desconstrução e reconstrução. Indo
de nosso interesse nesta discussão. Trata-se da além na explicação do fenômeno, Dubar (2006)
dimensão profissional das identidades. acrescenta que a identidade social não é trans-
mitida de uma geração para a outra geração; ao
3 A dimensão profissional das identidades contrário, cada geração constrói a sua própria
identidade, com base em categorias e posições,
A conceituação teórica de identidades pro- aí sim, herdadas da geração precedente.
fissionais utilizada nesta pesquisa repousa sobre Essas compreensões se constituem como a
os estudos do sociólogo francês Claude Dubar base para a célebre definição estabelecida pelo
(DUBAR, 2006, 2005, 2003). Além de um rigoro- autor: “a identidade nada mais é que o resultado
so aprofundamento teórico acerca do conceito a um só tempo estável e provisório, individual
de identidades profissionais, esse autor também e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e es-
empreendeu algumas discussões que têm con- trutural, dos diversos processos de socialização
tribuído substancialmente para a compreensão que, conjuntamente, constroem os indivíduos e
geral do conceito de identidades sociais. Consi- definem as instituições” (DUBAR, 2005, p. 136).
deremos, inicialmente, o fato de que em Dubar, E ao desenvolver esse raciocínio, o autor utiliza
assim como vimos em Giddens e Hall, as identi- o termo “múltiplas dimensões da identidade”

209
(DUBAR, 2005, p. 156), nelas incluindo a dimen- A socialização profissional, segundo Dubar,
são profissional, tema ao qual tem dedicado adquire uma grande relevância no campo do tra-
grande parte de sua atenção. balho, do emprego e da formação profissional.
Assim, mobilizando conceitos das múltiplas Voltado para este último campo, o autor desen-
dimensões da identidade, Dubar considera que volve diversos conceitos de nosso interesse, os
as identidades profissionais são resultado de quais têm sido de grande valia para a compre-
processos de socialização, que ele define como ensão dos processos de construção identitária
sendo “um processo biográfico de incorporação profissional dos alunos-professores. Por isso,
das disposições sociais oriundas não somente iniciamos a discussão do conceito de identida-
da família e da classe de origem, mas também de profissional trazendo para o debate a opi-
do conjunto dos sistemas de ação atravessados nião dos informantes acerca de suas primeiras
pelo indivíduo no decorrer de sua existência” vivências na universidade, ou seja, no processo
(DUBAR, 2005, p. 93-94). Desse modo, o autor de formação inicial.
enfatiza a relação histórica entre o passado e Nesse sentido, perguntamos:
o presente, entre a história vivida e as práticas
atuais. Nesse processo, incluem-se os percursos (2) – Como ficou esse seu (não)desejo de
de continuidade e ruptura, de fazer e refazer, ser professor durante o primeiro ano
possibilitando ao sujeito forjar a sua própria de curso?
identidade (DUBAR, 2005).

210
Antes de analisarmos esses depoimentos guística II, Teoria da Literatura I, Tópi-
dos alunos-professores, convém observarmos cos de Gramática do Português2.
as disciplinas que compõem a Matriz Curricular
referente aos dois primeiros semestres do Curso O que observamos, inicialmente, na confi-
de Letras1: guração da estrutura curricular do primeiro ano
do curso é a ausência total daquelas disciplinas
01º Semestre: Fundamentos da Língua que exercem maior peso na construção da iden-
Inglesa, Língua Brasileira de Sinais, Lin- tidade profissional docente, além de uma quan-
guística I, Metodologia do Trabalho Cien- tidade irrisória de disciplinas que exercem maior
tífico, Produção Textual (português); peso na construção da identidade de professor
de língua inglesa. Veremos, posteriormente, se
02º Semestre: Argumentação, Filoso- esse aspecto tem influência nas respostas dos
fia da Linguagem, Língua Inglesa I, Lin- alunos-professores.
2 Um primeiro evento a ser observado nessa configuração curricular diz res-
peito ao fato de que pode haver disciplinas ou processos de socialização que
sejam mais favoráveis à construção da identidade de professor e da identi-
dade de professor de língua inglesa. Por razões óbvias, admitimos que as dis-
ciplinas de Didática, Psicologia da educação, Metodologia etc., podem exercer
um peso maior do que o peso exercido por outras disciplinas na construção
da identidade profissional docente (caso os processos de socialização sejam
1 Para uma melhor compreensão acerca dessas disciplinas, torna-se indis- favoráveis, conforme veremos adiante). Do mesmo modo, disciplinas como
pensável considerar as suas respectivas ementas, disponíveis em: <http:// Língua Inglesa, Literaturas Inglesa e Norte-americana etc. devem ter um maior
www.uern.br>. peso na construção da identidade de professor de língua inglesa.

211
Visando a uma compreensão preliminar A-P3: – Minhas expectativas foram reduzi-
mais ampla, iniciamos apresentando a transcri- das. Atribuo isso ao fato de nos primeiros
ção de todas as respostas dadas pelos alunos- semestres haver uma grande quantidade
-professores participantes da nossa pesquisa: de disciplinas que não trabalham com en-
sino-aprendizagem do Inglês, especifica-
A-P1: – Bom, o não desejo foi piorando mente. Há algumas que são voltadas para
cada vez mais, era desestimulante, não as duas licenciaturas, porém o graduando
tinha a menor vontade de ir as aulas por de Letras - Habilitação em Língua Inglesa
diversos motivos, os professores, a falta entra no curso com o anseio de ver muito
de amigos (pois so fui ter amizade com conteúdo no idioma alvo. Dessa forma,
a maioria do pessoal do 4 periodo para ao deparar-se com a realidade, o discen-
a frente), e com isso a certeza que não te sente-se um pouco mais desmotivado
era aquilo que eu queria com o curso, o que foi o meu caso.

A-P2: – Como estudava Letras via


outras possibilidades de traba- A-P4: – Despertaram em mim a vontade
lhar, como por exemplo, ser tra- de pôr em prática esses conhecimentos
dutora em jornais, intérprete e etc. em sala de aula, não no sentido pedagó-
Não havia despertado para a sala de gico, mas mais para analisar o compor-
aula a tão gratificante tarefa de ensinar tamento de cada aluno
os caminhos da aprendizagem.

212
A-P6: – Esse desejo de lecionar ficou in- que, segundo Dubar, os processos de formação
ternalizado, quase que caiu no esqueci- costumam exercer grande influência nas dinâ-
mento pelo fato de, ao ingressar no curso micas identitárias profissionais, principalmente
de letras, eu não me enxergar como pro- porque esses processos costumam se prolongar
fessor em formação, pelo contrário, me por muito tempo nas vidas das pessoas.
sentia como um aluno de cursinho de LI. Dentre as especificidades que caracterizam
O curso, logo no inicio, não deixa Claro as identidades profissionais, Dubar (2005) apre-
para o professor em formação que ele senta a noção de grupo profissional. Para esse
está lá para aprender a lecionar dando autor, o grupo profissional, por ser portador de
aquela impressão de que estAmos na uma identidade coletiva e enquanto contexto de
universidade para somente aprender emergência identitária, acaba tendo um peso
uma segunda língua. preponderante, congregando um conjunto de
conhecimentos técnicos específicos.
A-P7: – Bem, a vontade não diminuiu, mas Ao analisarmos o depoimento do A-P1, já
também não aumentou devido as dificull- podemos obter algumas constatações importan-
dades q enfrentei no decorrer do curso no tes acerca do seu processo de construção identi-
q tange à aquisição da lingua inglesa tária profissional. Um aspecto a ser considerado
é o fato de que, em resposta à pergunta anterior,
Um aspecto importante para iniciarmos a o A-P1 já havia demonstrado sentimentos de de-
análise desses depoimentos vem a ser o fato de sinteresse pela profissão. Admitindo o posicio-

213
namento de Dubar com relação ao conceito de Podemos observar que o fato do desinte-
grupo profissional e ao seu peso preponderante resse (ou a não identificação com a profissão)
na construção da construção da identidade pro- ter aumentado a partir da vivência com o grupo
fissional (doravante, IP), era de se esperar que profissional, não significa necessariamente uma
A-P1, a partir do contato com os pares, pudesse negação à afirmação de Dubar com relação ao
mudar de opinião, ou pelo menos demonstrasse peso do grupo na construção da IP. Ao contrário,
alguma leve tendência favorável com relação à o fato de A-P1 haver justificado o seu desinte-
profissão de professor; entretanto, não foi o que resse em virtude da “falta de amigos” pode sig-
aconteceu. Vejamos novamente a sua resposta, nificar que, consciente ou inconscientemente3,
quando indagada sobre o modo como estava A-P1 reconheça o papel desempenhado pelo
o seu desejo de ser professor ao ingressar no grupo profissional nesse processo de construção
curso de Licenciatura em Língua Inglesa: identitária. Apresentar tal justificativa, de certo
modo, o isentaria de uma suposta obrigação de
A-P1: - Bom, o não desejo foi piorando se engajar com mais afinco na construção de sua
cada vez mais, era desestimulante, não identidade profissional docente.
tinha a menor vontade de ir as aulas por A análise dos depoimentos prestados por
diversos motivos, os professores, a falta esse informante em resposta a perguntas sub-
de amigos (pois so fui ter amizade com sequentes é que pode corroborar de forma
a maioria do pessoal do 4 periodo para
3 Utilizamos o termo na acepção normalmente utilizada no senso comum, já
a frente), e com isso a certeza que não que a utilização do termo no sentido acadêmico escapa ao alcance dos ref-

era aquilo que eu queria erenciais teóricos aqui adotados.

214
peremptória a proposição de Dubar. Ao recor- como processos ou espaços que favorecem o
rermos à quarta pergunta da entrevista (E no desenvolvimento dos processos de socialização
segundo ano, você viu alguma mudança nas disci- profissional. Dentre esses espaços, ganham des-
plinas, ou nos professores, alguma coisa que tenha taque as disciplinas, que, desse modo, podem
provocado alguma mudança no seu modo de ser?), ser definidas como espaços de socialização aca-
podemos ver mais claramente essa tendência: dêmico-profissional. É principalmente nesses es-
paços que temos observado o vínculo entre os
A-P1: Sim, as materias foram melhorando processos de construção da IP e a construção
e eu me interessando mais, me interando dos saberes da profissão.
com os outros colegas de sala, apesar da De volta aos depoimentos de A-P1, temos
vontade de desistir do curso era grande, que, não obstante a não identificação e o conse-
mas as aulas começaram a mudar, os pro- quente desinteresse previamente demonstrado
fessores mudaram, as disciplinas, as ami- pela profissão, (ver resposta à pergunta anterior),
zades, tudo deu estimula para continuar vemos o início de um despertar para a docência,
relacionado a uma necessidade de pertencer ao
Esse depoimento, além corroborar a força grupo profissional. Longe de acreditarmos que
do grupo profissional na construção da IP, refor- esse interesse seja totalmente espontâneo, pois
ça a ideia de uma relação bastante próxima entre sabemos da força que tem o apelo do mercado
essa construção e o envolvimento nas ativida- de trabalho para que os indivíduos se integrem
des curriculares/formativas, aqui vistas também a ele, vemos o grupo profissional também como

215
4 As vivências nos espaços de
uma forma inicial, imaginária, mas que se mate- socialização acadêmico-profissional
rializa como meio de acesso a esse mercado de
trabalho. É, portanto, uma espécie de adesão a Retornando aos depoimentos relativos à se-
gunda pergunta das entrevistas, podemos cons-
um novo grupo, que toma forma de um grupo
tatar nas falas de A-P2 e A-P4 que as vivências que
acadêmico-profissional.
tiveram com o grupo profissional foram positivas
Ao ser impelido a pertencer a esse grupo,
no sentido de que despertaram expectativas de
os alunos-professores acabam por entrar em
crescimento na carreira profissional. Vejamos:
processos de construção, ou transformação
identitária, levados pelos processos de socializa-
A-P2: - Como estudava Letras via outras
ção acadêmico-profissional. Entretanto, Dubar
possibilidades de trabalhar, como por
(2006) adverte para o fato de que o trabalho,
exemplo, ser tradutora em jornais, in-
por passar por mudanças a cada dia mais im-
térprete e etc.
pressionantes no mundo contemporâneo, acaba
Não havia despertado para a sala de
por submeter os indivíduos a transformações
aula a tão gratificante tarefa de ensinar
identitárias cada dia mais delicadas. E isso se os caminhos da aprendizagem.
dá em virtude da necessidade do indivíduo de
acompanhar todas as transformações do mer- A-P4: - Despertaram em mim a vontade
cado e da sociedade moderna, globalizada. E os de pôr em prática esses conhecimentos
depoimentos dos alunos-professores nos têm em sala de aula, não no sentido pedagó-
mostrado que essas configurações são repro- gico, mas mais para analisar o compor-
duzidas na formação inicial. tamento de cada aluno

216
Interpretamos esses depoimentos como em vivências desfavoráveis com o grupo pro-
afirmativas no sentido de que o contato com o fissional, assumiram posições adversas, volta-
grupo profissional foi favorável à construção da das no sentido do distanciamento da profissão
IP, o que corrobora com o conceito de Dubar. docente. Isso nos leva a acrescentar à afirma-
Por outro lado, semelhante ao depoimento do ção de Dubar, afirmação sobre o peso do grupo
primeiro informante, A-P1, interpretamos os profissional nos processos de construção da IP,
depoimentos de A-P3, A-P6 e A-P7 como sendo que esse peso (favorável) parece restringir-se às
afirmações negativas, ou de descontentamento ocasiões em que a experiência for positiva para
com relação ao processo de socialização junto os sujeitos. É o que indicam os nossos dados (de-
ao grupo profissional, fato que, a nosso ver, não poimentos de A-P2 e A-P4, de um lado, e os de-
foi favorável à construção da IP docente. Isso poimentos de A-P1, A-P3, A-P6 e A-P7, de outro).
nos leva a duas importantes constatações: em Em segundo lugar, essa constatação nos
primeiro lugar, embora não haja como negar leva a refletir sobre a função do curso de Letras
que esse processo de socialização com o grupo no sentido de promover a construção da identi-
profissional intervenha na construção de iden- dade profissional nos alunos-professores. Nessa
tidades, também não há como se afirmar que turma de concluintes, dentre os sete participan-
esses processos, no caso dos alunos-profes- tes, apenas dois deles (cerca de 28%) demonstra-
sores, tenham sido favoráveis à construção da ram, em suas falas, que as ações formativas, ou
identidade profissional. Ao contrário, os depoi- socializações acadêmico-profissionais, promovi-
mentos nos levam a crer que os informantes, das no primeiro ano do curso, foram favoráveis à

217
construção da IP docente. Para os demais, A-P3, A-P3: - Minhas expectativas foram reduzi-
A-P6 e A-P7, as socializações acadêmico-profis- das. Atribuo isso ao fato de nos primeiros
sionais, materializadas nas disciplinas e demais semestres haver uma grande quantida-
atividades curriculares, foram desfavoráveis à de de disciplinas que não trabalham com
construção da IP. ensino-aprendizagem do Inglês, especifi-
Cabe-nos, também, reexaminar os depoi- camente. Há algumas que são voltadas
mentos desses outros alunos-professores. Não para as duas licenciaturas, porém o gra-
apenas para constatar o que já ficou dito, mas, duando de Letras - Habilitação em Língua
principalmente, para procurar indícios que nos Inglesa entra no curso com o anseio de
levem a identificar os motivos que levaram os ver muito conteúdo no idioma alvo. Dessa
alunos a um distanciamento da IP docente logo forma, ao deparar-se com a realidade, o
no início de sua formação profissional. discente sente-se um pouco mais desmo-
Dentre os depoimentos desfavoráveis à tivado com o curso, o que foi o meu caso.
construção da IP, vemos, de modo mais claro
em A-P3 e A-P6, o descontentamento com as A-P6: - Esse desejo de lecionar ficou in-
primeiras disciplinas ou atividades do curso, ou ternalizado, quase que caiu no esqueci-
seja, com os primeiros processos de socialização mento pelo fato de, ao ingressar no curso
acadêmico-profissional. de letras, eu não me enxergar como pro-
fessor em formação, pelo contrário, me
sentia como um aluno de cursinho de LI.

218
O curso, logo no inicio, não deixa Claro em que este, por meio dos saberes da profissão,
para o professor em formação que ele almeja identificar-se como um dos elementos do
está lá para aprender a lecionar dando grupo de trabalho. Segundo esse autor, o senti-
aquela impressão de que estAmos na mento de pertença será mais reforçado quanto
universidade para somente aprender maior for a identidade coletiva e relacional do
uma segunda língua. indivíduo com o respectivo grupo profissional,
o que vai lhe permitir obter uma representação
Outro aspecto importante a ser observa- social de si mais favorável na profissão. Essa re-
do nesse depoimento tem a ver com o fato de presentação social de si, portanto, está direta-
que esses informantes, em suas falas, remetem mente relacionada com as representações do
à questão dos saberes da profissão, tema com que seja um bom ou um mal profissional, o que
o qual Dubar também lida em seus estudos. Se- passa, necessariamente, pela questão do domí-
gundo o autor, esse conjunto de conhecimentos nio dos saberes da profissão.
é um aspecto que vai contribuir significativamen-
te para a estruturação da identidade profissio-
nal, além de favorecer a construção nos indivídu-
os de um sentimento de pertença junto ao grupo
profissional. Para Dubar (2005), esse sentimento
está relacionado com a participação do indiví-
duo em atividades coletivas formais e informais,

219
5 Considerações finais
a sociedade espera que seja o profissional que
Partindo das contribuições teóricas iniciais construiu todas as competências requeridas para
oferecidas pela sociologia e pelos estudos cul- o exercício da profissão. Mas o que sabemos é que
turais, pudemos discutir os modos como os alu- o domínio dos saberes não é alcançado por todos
nos-professores do se tornam professores de na mesma proporção, mesmo que futuramente
língua inglesa. todos venham a receber o mesmo diploma, que
Por meio dessa análise foi possível verificar, lhes confere o mesmo status.
inicialmente, uma dificuldade dos alunos-profes- Sobre esse aspecto, recorremos a Dubar
sores em associar, por um lado, os saberes disci- (2006) quando esse autor considera o diploma
plinares que compõem o processo de formação como um mecanismo de burocratização das
inicial e, do outro lado, com a atividade profis- carreiras, um processo que permite, segundo
sional docente. Isso faz com que a maior parcela as palavras do autor,
desses saberes se percam no decorrer do curso,
já que, em princípio, não teriam uma utilidade im- [...] estabelecer uma cisão entre os
portante em suas futuras carreiras profissionais. “verdadeiros profissionais” integrados
Entretanto, as discrepâncias no domínio à instituição e que transpuseram todo
desses saberes pode ocasionar situações contra- ou parte do curso e os “falsos profis-
ditórias envolvendo os profissionais entre si, como sionais” periféricos que não transitaram
também entre os profissionais e a sociedade. Da- pela “via regia”. Em seguida, permite dis-
queles que portam um diploma de curso superior, tinguir, no interior da profissão, quem

220
entrou pela “porta principal” da via uni- agências responsáveis pela formação e, do outro
versitária fundada em uma formação lado, os profissionais em processo de formação,
geral valorizada e quem entrou pela aqueles que serão agraciados com o diploma.
“porta dos fundos” da via profissional Cabe-nos investigar a opinião desse autor
especializada e desvalorizada (DUBAR, acerca de quem são os maiores responsáveis
2006, p. 194-195, grifos do autor). pela construção dos saberes representados pelo
diploma. Na opinião de Dubar (2006, p. 99),
Essas considerações nos conduzem a incluir
nesse processo aqueles que seguiram a mesma [...] não é a escola nem a empresa
“via regia” da formação universitária, mas que, em (mesmo coordenadas) que produzem
seu percurso, apresentaram desempenhos dife- as competências que os indivíduos
rentes nos processos de socialização acadêmico- necessitam para aceder ao mercado
-profissionais, obtendo desempenhos superiores de trabalho, obter um rendimento e
ou inferiores no tocante ao domínio dos saberes serem reconhecidos: são os próprios
docentes. Se considerarmos que o diploma repre- indivíduos. Eles são responsáveis pelas
senta, simbolicamente, um corpo de saberes e suas competências nos dois sentidos do
competências adquiridos em um processo de for- termo: cabe-lhes a eles adquiri-las e são
mação e que serão necessárias ao exercício legíti- eles que sofrem se as não possuem.
mo da profissão, veremos que essa situação acaba
por colocar em posições distintas os envolvidos Levar essa compreensão para o campo
nesse processo: de um lado, os formadores, ou da formação de professores pode significar o

221
mesmo que colocar em xeque toda uma tradição identitárias profissionais que têm se configurado
educacional centrada no formador, ou nas agên- como elementos catalizadores no processo de
cias formativas, a quem normalmente é atribuí- aquisição/construção dos saberes da profissão.
da a responsabilidade pelo êxito ou fracasso no
processo de formação.
Tudo isso nos leva a compreender a impor- Referências
tância do envolvimento dos alunos-professores
em assumir papéis mais efetivos em seu próprio BAKHTIN, M. Questões de literatura e de
processo de desenvolvimento profissional, o que estética. São Paulo: Hucitec, 1990.
significa estar, ele mesmo, construindo para si
uma identidade profissional docente. Devemos CANCLINI, N. Diferentes, desiguais e
enfatizar, ainda, que as marcas identitárias pro- desconectados. Rio de Janeiro:
fissionais, embora possam ter sua origem em vi- Editora UFRJ, 2005.
vências anteriores ao processo de formação ini-
cial, elas são predominantemente constituídas CASTELLS, M. O poder da identidade. Rio de
e expressas a partir de experiências vividas nos Janeiro: Paz e Terra, 2001. v. 2.
espaços de socialização acadêmico-profissionais,
identificados como espaços em que se estabele- CHARLOT, B. Du rapport au savoir:
cem os principais vínculos entre os processos de élements pour une théorie. Paris: Éditions
construção da identidade profissional e a constru- Economica, 1997.
ção dos saberes da profissão. E são essas marcas

222
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224
3
O problema [ana]crônico da formação inicial
Texto do professor de língua portuguesa [brasileira]

Marcos Baltar
Milene Peixer Loio avançado muito nas últimas décadas no Brasil,
Camila Farias Fraga
o ensino-aprendizagem de língua portuguesa
[brasileira] nas escolas, refém de uma concep-
Introdução ção autônoma de letramento (STREET, 1984), não
A formação para o ensino de língua por- apresenta respostas para atacar os problemas
tuguesa [língua brasileira] tem sido objeto de acima apontados, notadamente o analfabetis-
pesquisa entre educadores e linguistas aplica- mo funcional. O fato é que, apesar de ter havido
dos, há algumas décadas no país. Os estudos maior discussão sobre diferentes concepções de
têm buscado oferecer respostas para problemas língua e linguagem na academia, essa discussão
concretos da sociedade brasileira, tais como: os ainda é restrita ao âmbito da pesquisa e da pós-
baixos índices de alfabetismo entre os jovens; a -graduação e, por conta disso, por não atingir a
necessidade de integração desses jovens à so- graduação, seus frutos ainda não reverberaram
ciedade grafocêntrica de forma crítica; a sua in- nas escolas.
serção no mercado de trabalho numa economia Nos anos 80, a partir da implementação da
globalizada; a necessidade de lidar consciente- Linguística como disciplina nos cursos de Letras,
mente com as novas tecnologias de informação assistimos ao início de uma mudança de para-
e comunicação, entre outros. digma epistemológico que refutou a concepção
Neste artigo expomos nossas inquieta- de ensino de língua prescritivista, alicerçada no
ções sobre o fato de, apesar de as pesquisas trabalho com a gramática tradicional, em favor
em Linguística e em Linguística Aplicada terem de uma concepção de língua e linguagem de

225
base estruturalista-formalista. Embora as fron- No ano de 1991, a publicação de Portos de
teiras entre um paradigma e outro não sejam Passagem, texto de Geraldi, orientado pelos es-
tão demarcadas e rígidas, é possível dizer que, tudos do Círculo de Bakhtin, vem sedimentar o
dando sequência a essa mudança, nos anos 90 debate iniciado em O texto na sala de aula, or-
inicia-se um processo de sedimentação de uma ganizado pelo mesmo autor em 1984. As publi-
concepção de linguagem funcionalista-interacio- cações constituem-se obras de referência, que
nista em contraste com a concepção estrutura- buscam estabelecer uma ponte entre a acade-
lista-formalista. Esse movimento foi promovido mia e a escola ao proporem um diálogo entre
pelos avanços dos estudos da ciência da lingua- uma nova concepção de língua sociointeracionis-
gem, fruto da aproximação com os estudos da ta e as propostas de ensino. Os pontos principais
antropologia, da sociolinguística, da psicolin- dessa concepção de língua e de ensino podem
guística, da psicologia interacional e da filosofia ser resumidos na relação sujeito e linguagem,
da linguagem de base enunciativa, discursiva e no funcionamento sócio-histórico da linguagem,
interacionista. Nesse contexto, os estudos dos nas ações linguísticas e, por fim, nas práticas pe-
letramentos, da linguística do texto e do discur- dagógicas dialógicas. Para Britto (1997, p. 153):
so e dos gêneros textuais-discursivos, paulatina-
mente, vêm ocupando espaço de destaque nas Uma perspectiva totalmente diferen-
pesquisas do campo da ciência da linguagem, te de entender o ensino de língua, a
nas universidades brasileiras. um só tempo operacional e reflexivo,
é aquela assumida por Franchi e Ge-

226
raldi, entre outros, que partem da re- gem. [...] Considerar a articulação dos
flexão sobre o modo como o sujeito conteúdos nos eixos citados significa
constrói conhecimento sobre a língua. compreender que tanto o ponto de
Esta corrente insiste em um desloca- partida como a finalidade do ensino
mento radical do papel de aluno e pro- de língua é a produção/recepção de
fessor, que deixam de serem funções discursos (BRASIL, 1998, p. 34).
que se exercem no interior da escola
e passam à condição plena de interlo- Uma nova orientação para o ensino, antes
cutores, assim como no privilégio do pautado nos conteúdos gramaticais, em dire-
uso efetivo da língua. ção aos dois eixos propostos pelos PCN, vem
auxiliando a implantação de novas propostas
Em 1998, a publicação e divulgação dos Pa- curriculares em diversos estados brasileiros.
râmetros Curriculares Nacionais (PCN) pretendeu No entanto, a mudança desse paradigma ainda
contribuir para a continuidade dos avanços nas está em curso e, consequentemente, muitas
questões do ensino de língua portuguesa no país: questões têm emergido provenientes das pes-
quisas em Linguística Aplicada sobre as práticas
Os conteúdos de língua portuguesa de ensino de língua portuguesa [brasileira] na
articulam-se em torno de dois eixos escola. Passados dezesseis anos da publicação
básicos: o uso da língua oral e escrita, dos PCN, as pesquisas em LA têm apontado a
e a reflexão sobre a língua e a lingua- dificuldade dos professores e das escolas no tra-

227
balho com a língua/linguagem numa perspectiva 2008; GERALDI, 2010; BALTAR, 2012). Entre esse
interacionista social. grupo de pesquisadores é possível afirmar que
Uma questão a ser colocada é: que forças há consenso sobre a necessidade de serem re-
vistos os Projetos Político-Pedagógicos e os Cur-
têm atuado para manter a distância entre a pro-
rículos de Cursos de Licenciatura em Letras das
dução de conhecimento gerado pela pesquisa
Universidades Brasileiras.
acadêmica e a prática do professor de língua
Se, por um lado, a pesquisa acadêmica em
portuguesa [brasileira] nas escolas?
linguística e em linguística aplicada muito tem
O que apontam as pesquisas é um distan-
contribuído para uma nova concepção de língua,
ciamento muito grande entre as práticas coti-
linguagem e ensino-aprendizagem; por outro
dianas dos professores de língua portuguesa
lado, ainda é um problema a ser vencido o fato de
[língua brasileira] e os estudos da Linguística ou
a maioria dos professores de língua portuguesa
da Linguística Aplicada, mesmo depois de esses
[brasileira] que atua nas escolas brasileiras ainda
estudos terem sido transformados em parâme-
agir orientada por concepções de língua e de en-
tros curriculares nacionais (RODRIGUES, 2011;
sino-aprendizagem, em tese, vencidas pelas dis-
CERUTTI-RIZATTI, 2012). Uma possível resposta
cussões acadêmicas. A questão paradoxal é que
está na necessidade de, ao discutir a educação esses mesmos professores foram formados nas
linguística em nosso país, colocar mais em evi- universidades brasileiras. Defendemos, portanto,
dência o papel da universidade na formação a tese de que o problema deve ser enfrentado a
do professor de língua portuguesa [brasileira] partir de uma mudança radical na formação ini-
(KLEIMAN, 2006; ALMEIDA FILHO, 2008; BAGNO, cial do professor pela universidade.

228
1 A formação do professor
como política linguística O processo de educação passa a ser carac-
terizado pela ótica produtivista-utilitarista, servil
Gimenez e Mateus (2009) expõem as trans- ao mercado de trabalho, e o professor, longe
formações históricas, explicitando o que signi- de ser visto como intelectual e pesquisador da
ficava ser professor nas décadas de 60, 70, 80, educação, assume a função de gerenciador de
90 e hoje, no início do novo século, com a de- conteúdos e técnicas para aplicá-los em sala de
nominada “virada sócio-histórica e cultural”. aula, mantendo o controle do processo de en-
Nas décadas de 60 e 70, os currículos tinham sino-aprendizagem dos alunos, sem levar em
como orientação o paradigma positivista, pois conta a escola como uma instituição viva do
se pautavam no domínio de habilidades apon- tecido social. Apesar de algumas tentativas de
tadas pelas pesquisas como imprescindíveis ao mudanças nas propostas pedagógicas e cur-
bom professor e na capacidade de reproduzir riculares dos cursos de Letras, ainda estamos
técnicas e atividades em sala de aula. Do final longe, no âmbito estrutural, de promover a for-
dos anos 70 até as últimas duas décadas, o novo mação de um professor à luz das concepções e
processo de reestruturação produtiva – neoli- do estágio a que chegou a pesquisa acadêmica
beralismo e a globalização – passa a exigir que na compreensão dos fenômenos da linguagem.
o trabalhador seja polivalente e multifuncional, Segundo Gimenez e Mateus (2009, p. 117-118):
o que provoca mudanças na função social da
escola e, consequentemente, na área de forma- A década de 90 não conseguiu romper
ção de professores. a tendência dualista que segrega licen-

229
ciatura e bacharelado, prática e teoria, uma lacuna entre as propostas oficiais de ensino
conhecimento tácito e conhecimento de língua, a formação docente nas universidades
histórico-científico, ação e produção e as demandas sociais por uma educação capaz
de conhecimento, profissionalização e de assegurar os direitos linguísticos do cidadão
ciência, ensino e pesquisa. Ao mesmo e de lhe permitir construir sua cidadania”. Os
tempo, aprofundou o deslocamento autores criticam a formação inicial dos cursos de
da formação de professores para a Letras pelas faculdades e universidades públicas
perspectiva prático-adaptativa, como e particulares e propõem áreas de ação:
iniciada na década de 80, e fortaleceu
o abandono de uma formação de ca- A tarefa mais urgente, nos parece, é
ráter científico-acadêmica (FREITAS, promover a reflexão e a ação capazes
2003). [...] Esses percursos históricos de articular (i) as demandas sociais por
acabam por acirrar as contradições uma educação linguística de qualida-
nos processos de formação docente de, (ii) as políticas públicas de ensino
e a lacuna existente entre os mundos de língua e (iii) a pedagogia de educa-
da universidade e da escola. ção em língua materna praticada na
escola. Evidentemente, esse processo,
Numa outra perspectiva, com base no con- se exitoso, viria a interferir na própria
ceito de educação linguística, Bagno e Rangel formação dos professores de portu-
(2005, p. 67) discutem a necessidade de uma guês, o que decerto acarretaria uma
política linguística no Brasil, visto que “ocorre

230
reavaliação e reformulação dos cursos para crianças brasileiras, prescrevendo o que é
superiores de Letras – que parecem certo ou errado falar e escrever, orientados por
ainda se prender, já pela própria de- normas escritas em gramáticas que seguem mo-
nominação, a estruturas sociais e dita- delos de textos literários do século XIX.
mes culturais do século XIX (BAGNO; De certo modo, é preciso considerar que
RANGEL, 2005, p. 68). o conhecimento produzido pelas pesquisas em
linguística aplicada pode auxiliar na compreen-
Para os autores, seria fundamental inter- são do processo histórico da construção tanto
ferir na formação do professor de português a da identidade do professor quanto da história
partir de uma reavaliação e reformulação dos do ensino de língua portuguesa [brasileira].
cursos superiores de Letras, introduzindo e Geraldi (2010) traça uma retrospectiva só-
aprofundando o debate sobre os eventos e práti- cio-histórica da identidade profissional do pro-
cas de letramento, referentes aos mais diversos fessor e observa que a trajetória se dá mais a
usos sociais da escrita, nas diferentes “esferas da partir da sua relação com o conhecimento [re-
atividade humana” em nossa sociedade, a partir lação axiológica], do que com sua atuação na
do trabalho com os gêneros textuais que, oriun- escola com os aprendizes [relação praxiológica].
dos dessas práticas, as revelam e as orientam. Segundo o autor, a formação inicial do professor
Além disso, é preciso vencer o problema (ana) de português vem ocorrendo a partir da seleção
crônico que se configura quando um profes- de um conjunto de conteúdos considerados es-
sor brasileiro tenta “ensinar” língua portuguesa senciais pela tradição para a formação desses

231
sujeitos sociais, sendo que tais conhecimentos Baltar (2012), concordando com Bagno e
deviam ser adquiridos para a construção da Rangel e Geraldi, propõe “a extinção da identida-
identidade profissional, situação que se inicia no de tradicional do professor de português como
século XVIII e dura até o início do XX. No entanto, um guardião da língua do século XIX e defensor,
segundo o autor, esse percurso apenas forma mesmo que inconscientemente, de um modelo
o professor, mas não o torna professor. Além do de letramento autônomo, desvinculado dos usos
mais, o modelo de professor que controla a sociais da escrita, encapsulado na esfera esco-
aprendizagem, decorrente do desenvolvimento lar [...]” e propõe “que seria necessário emer-
das novas tecnologias, a partir da segunda revo- gir outra identidade, qual seja, a do agente de
lução industrial, entra em crise nas últimas dé- letramento” (p. 314). O agente de letramento
cadas do século XX, e permanece até os nossos (KLEIMAN, 2006) mobilizaria a turma de apren-
dias. Apesar de não tratar, especificamente, da dizes em torno de situações concretas de uso
formação do professor de língua portuguesa da língua, descortinando junto com os alunos
[brasileira] pelos cursos de Letras, Geraldi (2010, formas de ação em diversas esferas da socieda-
p. 93) também assinala para a necessidade de de que requerem usos específicos de textos de
se construir uma nova identidade desse sujeito, gêneros também específicos.
caracterizada “por noções como a de professor Em relação à reformulação do currículo
reflexivo, professor pesquisador, pela defesa da de Letras, Almeida Filho (2000, p. 37) já argu-
pesquisa-ação e da pesquisa participante como mentava que “a Linguística Aplicada poderia
forma de agir em sala de aula [...]”. seguramente oferecer alternativas aos plane-

232
2 O Currículo como manifestação
jadores curriculares preocupados em formar de política linguística e cultural
professores de línguas (em pré-serviço) e outros
no campo da linguagem”. Concordamos com o No que concerne às teorias de currículo,
o campo da Educação vem aportando substan-
autor que o tema da renovação dos currículos
ciais contribuições. Nesta seção, discorreremos
de Letras, deve e pode ser tratado a partir da
sobre formas de conceber o currículo, a fim de
ótica da LA que, no escopo de suas pesquisas,
entender como se deu o processo de constitui-
sempre buscou respostas para os problemas
ção desse documento nas políticas educacionais,
concretos da vida cotidiana que envolvem a lin-
mais especificamente, do currículo escolar, es-
guagem; seja a partir de questões atinentes ao
tendendo o raciocínio até as concepções críticas
ensino-aprendizagem de línguas, seja buscando
que tratam do tema e a influência destas na for-
entender e orientar a formação de professores
mação de professores.
de línguas, seja em se tratando de compreender
Para tanto, partimos da seguinte colocação
os usos sociais da linguagem em sociedade por
de Lopes (2004, p. 11):
intermédio de ações que mobilizem diferentes
gêneros textuais. Toda política curricular é uma políti-
ca cultural, pois o currículo é fruto de
uma seleção da cultura e é um campo
conflituoso de produção de cultura, de
embate entre sujeitos, concepções de
conhecimento, formas de entender e
construir o mundo.

233
Pensar o currículo de uma perspectiva tra- para entender como se deu (e ainda se dá) o
dicional é entender sua consolidação como um processo de constituição do currículo.
instrumento meramente organizacional, buro- A constituição do currículo1 como se con-
crático, respaldado pelas instâncias de educa- cebe ainda hoje, está intrinsecamente ligada
ção. Baltar (2012) assevera que os caminhos são ao movimento de consolidação da fábrica2, isso
marcados por embates e confrontos porque os significa que no processo de industrialização
ambientes de trabalho funcionam sob a lógica houve a necessidade imediata da escolarização
de competição em detrimento da cooperação e de massa e de um modelo de currículo que via-
muitas vezes os aparelhos burocráticos servem bilizasse essa escolarização para a formação de
como dispositivos “mantenedores do sistema”. mão de obra. Nesse contexto, no ano de 1918,
Partindo de uma concepção de letramento crítico Bobbitt escreve o livro The curriculum, influen-
(GEE, 1994), é possível compreender o currículo ciando o campo de pesquisas educacionais num
como um instrumento organizacional delineador
de caminhos na educação, associado a movimen-
tos históricos a favor da renovação das mesmas 1 Comenius, na obra A didacta magna, já trazia uma preocupação organiza-
cional com o conhecimento, entretanto, o sentido que se atribui atualmen-
estruturas de poder, fortalecendo as camadas te à palavra está associado aos estudos americanos para a organização do
dominantes (BORDIEU; PASSERON, 1975). sistema escolar e influenciou diversos países, como a França, a Alemanha,

Aqui vale fazer uma breve incursão histó- Portugal, Espanha e também o Brasil (SILVA, 1999, p. 21).

2 O espaço de desenvolvimento do trabalho na fábrica é usado como um con-


rica nas questões de institucionalização do co- texto de comparação ao ambiente da escola, pois o importante para a esco-
nhecimento em forma de disciplinas curriculares larização de massa era o estabelecimento de padrões, ou seja, as crianças
precisariam sair “moldadas” de acordo com os objetivos pretendidos.

234
momento em que várias forças3 (econômicas, apenas mapear as habilidades necessárias para
políticas e culturais) discutiam a necessidade cada ocupação de trabalho:
de renovação dos conteúdos escolares a partir
de uma perspectiva utilitarista de educação in- A tarefa do especialista em currículo
fluenciando os objetivos4 educacionais. O autor consistia, pois, em fazer o levantamento
foi motivado por Frederick Taylor, estudioso dessas habilidades, desenvolver currícu-
do campo da administração e, se aproximando los que permitissem que essas habilida-
dessa área, seu modelo estava totalmente volta- des fossem desenvolvidas e, finalmen-
do para a economia. Na perspectiva de Bobbitt te, planejar e elaborar instrumentos de
(1918), o currículo não passava de uma questão medição que possibilitassem dizer com
organizacional, assim, a atividade do especia- precisão se elas foram realmente apre-
lista em currículo se encaixava na consolidação endidas (SILVA, 1999, p. 24).
de um trabalho burocrático, cuja função era de
Essa perspectiva se consolida por meio do
3 O modelo de Bobbitt concorreu com o modelo de John Dewey. Dewey estava livro de Raph Tyler, de 1949, e irá perdurar nos
preocupado com a construção da democracia e achava importante conside-
rar as experiências das crianças para a constituição de um currículo. Entre-
Estados Unidos até a década de 80, bem como
tanto, a influência de Dewey foi apaziguada pela necessidade de escolariza- em outros países, incluindo o Brasil. Tal modelo
ção de massa, em que o modelo de Bobbitt se enquadrava mais facilmente
confrontava a tradição humanista do ensino clás-
(SILVA, 1999, p. 21).

4 Esses objetivos eram definidos a partir da centralização da autoridade e orienta-


sico, alegando a inutilidade para as exigências da
vam o currículo para uma aprendizagem de cunho comportamental, o que obri- vida moderna representada, especialmente, pela
gava o professor a atuar como um perito de aprendizagem (DIAS; LOPES, 2003).

235
necessidade de as pessoas se adequarem/adap- produzir o statuo quo; em outros termos, porque
tarem ao mundo do trabalho (SILVA, 1999, p. 27). esse modelo se caracterizava como um modelo
A partir dos anos 70 do século XX começa de adaptação, aceitação e ajuste a estrutura
um movimento de contestação5 do modelo tec- social estabelecida.
nocrata de currículo, impulsionado, principal- Essa perspectiva contribui para o enten-
mente pelas desigualdades e injustiças sociais, dimento de que um currículo educacional não
pela necessidade de “colocar em questão pre- pode ser analisado fora de seu contexto social e
cisamente os pressupostos dos presentes nos histórico, pois não é possível pensar num currí-
arranjos sociais e educacionais” (SILVA, 1999, p. culo como modelo neutro de organização do co-
30). Esse movimento de resistência criticava o nhecimento. A partir disso, Moreira e Silva (1994)
currículo tradicional (modelo de Bobbit) por re- organizam um mapeamento em torno de três
eixos essenciais para reflexões empreendidas
5 Os principais nomes desse movimento são: Paulo Freire, Althusser,
Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron, Bernstein, Michael Apple,
pela Teoria Crítica e a Sociologia do Currículo,
entre outros. Todos esses autores publicam trabalhos questionan- quais sejam: ideologia, cultura, poder.
do a reprodução cultural dos sistemas de ensino, entre a década de
70 e 80 (SILVA, 1999, p. 30). Esse movimento tem repercussão bas- O conceito de ideologia, segundo os auto-
tante significativa no Brasil, afinal, Paulo Freire escrevia, em 1967, res, esteve desde o início da teorização crítica de
Educação como prática de liberdade e, posteriormente, passaria a ser
referenciado por Street (1984) e Gee (1994), e outros pesquisadores currículo, orientando e analisando o processo de
do campo do letramento crítico, os quais propunham uma educação
para a vida e para a liberdade, colocando a importância da educação
escolarização, em geral, e a do currículo, em par-
para compreender as experiências individuais e coletivas das pesso- ticular. O ensaio de Althusser (1983), Ideologia e
as no mundo, levando em conta as lutas de classe, as disputas de po-
der entre as culturas dominantes do centro do mundo e as culturas os Aparelhos Ideológicos do Estado, marca o início
vernaculares periféricas (FREIRE, 1967).

236
da preocupação com a questão da ideologia e a dade [...] e esse conhecimento transmutado em
educação. O Estado, para Althusser, atua como currículo escolar atua para produzir identidades
aparelho ideológico de perpetuação dos valo- individuais e sociais no interior das instituições
res dominantes da classe que detém o poder. O educacionais” (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 32-34).
conceito de ideologia tem como precedente as A cultura, pela perspectiva crítica de currí-
relações sociais estabelecidas pelos homens em culo, é vista como um processo fundamental-
uma determinada época histórica: o efeito que mente político: “A tradição crítica vê o currículo
essas relações provocam no homem será perpetu- como terreno de produção e criação simbólica,
ado em suas atividades de produção. cultural. [...] Nessa visão, a cultura é o terreno em
Para Moreira e Silva (1994), numa primei- que se enfrentam diferentes e conflitantes con-
ra fase da teorização crítica sobre currículo, a cepções de vida social, é aquilo pelo qual se luta
tendência era uma visão do campo ideológico e não aquilo que recebemos” (MOREIRA; SILVA,
como muito pouco contestado, dessa forma, a 1994, p. 35). Os conceitos de ideologia e cultura
ideologia era vista como uma imposição de de- envolvem uma série de questões relacionadas às
terminadas ideias da sociedade. estruturas da sociedade capitalista. Nesse senti-
É preciso admitir que o conhecimento se do, “o poder se manifesta através de linhas divi-
expressa, não como uma forma neutra de repre- sórias que separam os diferentes grupos sociais
sentação de uma realidade que existe indepen- em termos de classe, etnia, gênero, etc. Essas
dente dela, mas como um elemento “ativamente relações constituem tanto a origem quanto o re-
implicado na constituição e definição da reali-

237
sultado de relações e poder” (MOREIRA; SILVA, nesse processo? Saber que o poder
1994, p. 37). não é apenas um mal, nem tem uma
Entender que o currículo é constituído his- fonte facilmente identificável, torna,
toricamente por relações de poder e que é uma evidentemente, essa tarefa mais di-
forma de organização dos conhecimentos he- fícil, mas talvez menos frustrante, na
gemônicos ao longo do tempo não significa ser medida em que sabemos que o objeti-
fácil identificar essas relações, e isso vo não é remover o poder de uma vez
por todas, mas combatê-lo sempre.
[...] transforma a tarefa da teorização [...] O currículo como campo cultural,
curricular crítica em um esforço contí- como campo de construção e produ-
nuo de identificação e análise das rela- ção de significações e sentido, torna-
ções de poder envolvidas na educação -se, assim, um terreno central dessa
e no currículo. Quais são as relações luta de transformação das relações de
de classe, etnia, gênero, que fazem poder (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 39).
com que o currículo seja o que é e que
produza os efeitos que produz? Qual o Os três elementos citados anteriormente
papel dos elementos da dinâmica edu- (ideologia, cultura e poder) como essenciais para
cacional e curricular envolvida nesse a construção de significações acerca do currículo
processo? Qual é o nosso papel, como a partir de um viés da teoria crítica são traba-
trabalhadores culturais da educação lhados por outros autores nas décadas de 70

238
e 80, trazendo para as discussões das teorias báreas” que estão representadas na Associação
pós-críticas questões tais como: subjetividade, Nacional de Programas de Pós-Graduação em
identidade, representação, gênero, raça, etnia, Letras e Linguística. Realmente o problema das
sexualidade, multiculturalismo, entre outras6. denominações é muito complexo, revelando re-
lações históricas de cultura e poder e mereceria
3 O Currículo de “Letras”: professor um artigo à parte. Seguindo o raciocínio, o que
brasileiro estudando para ensinar significa ser graduado em Letras? É dominar a
língua portuguesa [brasileira]? gramática da língua portuguesa [de Portugal]?
É dominar a gramática da língua portuguesa
Inicialmente, mesmo que de passagem, do Brasil? Para depois ensiná-la na educação
gostaríamos de voltar à questão posta por básica? É conhecer a literatura em língua por-
Bagno (2003) sobre o nome do curso, conside- tuguesa [os clássicos da literatura portuguesa,
rado como um anacronismo do termo. De fato, brasileira, angolana, cabo-verdense etc.]? Para
hoje, ainda é estranho e constrangedor para depois ensiná-los nas escolas brasileiras? É um
alguns alunos do curso terem que assumir o degrau importante para entrar na esfera da pós-
ethos de graduados em Letras. Mas também soa -graduação em “Letras ou Linguística”? Essas
estranho ser graduado em “linguística”, ou ser questões de formação e configuração identitá-
graduado em “literatura”, as duas “áreas ou su- ria que inquietam os futuros formandos podem
auxiliar na formulação de um currículo para o
6 Ver Tomaz Tadeu da Silva (1999). O autor introduz algumas dessas questões, por curso, definindo uma trajetória coerente de es-
meio de revisão de literatura das temáticas envolvidas nas teorias de currículo.

239
tudos durante a graduação em Letras (até que hoje, haver orientação para que doravante os
se encontre uma denominação mais adequada). estudantes tenham ciência de que ao ingressa-
É interessante provocar os alunos do curso para rem no curso de Licenciatura ou Bacharelado
que pensem que são “cientistas da linguagem”; seguirão, do início ao fim de sua trajetória, dis-
assim, nas conversas no Restaurante Universi- ciplinas específicas desses distintos campos de
tário – RU, por exemplo, poderiam sentir mais formação profissional.
orgulho do que fazem, já que muitas vezes são Há ainda um ponto a avançar, no que tange
depreciados como estudantes de Letras. ao curso de Letras Língua Portuguesa [Brasilei-
Mas, voltando ao currículo de Letras, con- ra], em decorrência da lógica da divisão entre
forme apontaram Gimenez e Mateus (2009), re- licenciatura e bacharelado. As áreas de linguísti-
almente a maioria dos currículos de formação de ca, linguística aplicada, teoria literária e literatura
professores em Letras no Brasil está ainda orga- nem sempre estão distribuídas nos currículos do
nizada para fornecer diplomas diferentes de Li- curso de modo equânime, o que sobrecarrega
cenciado em Letras e/ou Bacharel em Letras, de os estudantes de conteúdos de disciplinas de um
acordo com algumas especificidades na trajetó- campo de saber negligenciando ou fragilizando
ria de estudos, normalmente escolhidas a partir a sua formação nos outros campos.
da metade do curso. O debate promovido pelos Para entendermos essa dinâmica de distri-
pesquisadores em formação de professores em buição das horas de estudo nas diferentes áreas,
torno dessa questão problemática parece ter re- propomos olhar mais de perto as disciplinas cur-
percutido no Ministério da Educação a ponto de, sadas pelos alunos passam em seu trajeto de

240
Organização curricular do curso de Licenciatura em Letras da UFSC
formação, a partir de uma análise preliminar da
Fonética e
organização curricular do curso de Letras – Por- Fonologia do 60h (52+08)
Português
tuguês da Universidade Federal de Santa Cataria. Morfologia do
60h (52+08)
Português

2ª Língua Latina I 60h (Teoria)


Quadro 1 – Organização curricular do curso de Licenciatura em
Literatura
Letras Português da UFSC Brasileira II
60h (52+08)

Teoria Literária II 60h (52+08)


Organização curricular do curso de Licenciatura em Letras da UFSC
Literatura
60h (52+08)
Portuguesa II
Área/Carga horária (Teoria/PCC 7)
Sintaxe do
Disciplinas 60h (52+08)
Fase Linguística/ Teoria Português
Obrigatórias Saberes
Linguística Literária/ Língua Latina II 60h (Teoria)
Pedagógicos
Aplicada/Latim Literatura
Literatura
História dos 3ª 60h (52+08)
Brasileira III
Estudos 60h (52+08)
Linguísticos Teoria Literária III 60h (52+08)

Estudos Literatura
60h (52+08) 60h (52+08)
Gramaticais Portuguesa III

Produção Textual Semântica 60h (52+08)


1ª 60h (52+08)
Acadêmica I Teoria da
Literatura Enunciação e/
60h (52+08) 60h (52+08)
Brasileira I ou Linguística
Textual
Teoria Literária I 60h (52+08) 4ª
Língua Latina III 60h (Teoria)
Literatura
60h (52+08) Estudos
Portuguesa I 60h (52+08)
Literários I
Teoria Literária IV 60h (52+08)

7 Prática como Componente Curricular.

241
Organização curricular do curso de Licenciatura em Letras da UFSC Organização curricular do curso de Licenciatura em Letras da UFSC

Aquisição da Análise do
Linguagem e/ou 60h (52+08) Discurso e/ou 60h (52+08)
Psicolinguística Pragmática
Sociolinguística Modelos
60h (52+08)
e/ou Dialetologia de Análise
Linguística e/ 60h (Teoria)
Estudos
45h (40+05) ou Filosofia da
Literários II
5ª Linguagem
Teoria Literária V 45h (Teoria)
7ª Estudos
45h (40+05)
Literatura e Literários IV
60h (PCC)
Ensino
Estudos de
Psicologia Teoria da 45h (Teoria)
Educacional: Literatura II
72h (60+12)
Desenvolvimento
Metodologia do
e Aprendizagem
Ensino de Língua
126h (90+36)
Linguística Portuguesa e
Aplicada: Ensino Literatura
90h (PCC)
de Língua
Estágio
Materna 8ª 252h
Supervisionado I
História da
Estágio
Língua e/ 9ª 252h
60h (52+08) Supervisionado II
ou Política
Linguística Total 2.886h (1961+421) 1.050h (864+186) 990h (827+163) 846h (270+72)

Estudos
45h (40+05) Fonte:
6ª Literários III
Estudos de
Teoria da 45h (Teoria) Nesse quadro é possível visualizar um
Literatura I
Didática do
resumo da grade curricular do curso de Licen-
Ensino de Língua
72h (60+12) ciatura em Letras da UFSC. Considerando a natu-
Portuguesa e
Literatura reza dos conteúdos trabalhados nas disciplinas,
Organização
Escolar
72h (60+12) estas foram divididas em três grandes áreas: 1)
Linguística/Linguística Aplicada/Latim; 2) Teoria

242
Literária/Literatura; e 3) Saberes Pedagógicos. No quadro, estão listadas as disciplinas
Para cada disciplina, indicamos sua carga horá- obrigatórias do curso, porém a integralização
ria, bem como a quantidade de horas/aula des- curricular efetiva-se após a realização de, no
tinada à teoria e à prática. mínimo, 3.371 h/a. A distribuição dessa carga
A título de orientação, atualmente, a UFSC horária dá-se da seguinte forma:
oferece o curso de Letras em dois turnos, diurno
e noturno. A diferença fundamental entre os dois •• 2.886h/a de disciplinas obrigatórias, sendo
turnos relaciona-se à distribuição das disciplinas 1.961h/a destinadas à teoria, 421h/a para PCC
em função do tempo de duração do curso, já que e 504h/a de estágio supervisionado;
no diurno é possível a realização de 25h/a sema-
nais, enquanto o noturno comporta 20h/a sema- •• 225h/a para disciplinas optativas presenciais,
nais. Em função disso, o curso diurno tem nove sendo 165h/a de teoria e 60h/a de PCC;
fases e o noturno dez. O quadro acima refere-se
à organização curricular do curso ofertado no •• 260h/a para atividades acadêmico-científico-
diurno. Cabe ressaltar que as fases iniciais – até -culturais (ACC).
a quarta no diurno e até a quinta no noturno,
conforme alertavam Gimenez e Mateus (2009), A Resolução CNE/CP2, de 19 de fevereiro de
fazem parte do núcleo comum à Licenciatura e 2002, que institui a duração e a carga horária dos
ao Bacharelado. cursos de licenciatura, de graduação plena, de
formação de professores da Educação Básica em

243
nível superior, determina que, da carga horária ensino e das disciplinas relativas aos saberes pe-
total do curso, no mínimo, 400 horas sejam des- dagógicos, não há indicação de referências que
tinadas à prática como componente curricular e atendam a essa demanda.
200 horas para atividades acadêmico-científico- Quanto às atividades acadêmico-científico-
-culturais, respectivamente, PCC e ACC conforme -culturais (ACC), ao longo do curso o estudante
Projeto Pedagógico do curso em análise. de Letras deverá cumprir 260 horas de ativida-
Tal resolução institui o PCC como uma pos- des desenvolvidas como ensino, pesquisa e/ou
sibilidade (garantia) de articulação entre a teoria extensão em Letras. Fica a critério do aluno a dis-
e a prática ao longo do curso. No quadro resumo tribuição dessa carga horária entre esses tipos
do currículo acima, pode-se observar a distribui- de atividades. A cada 90 horas de atividades de
ção da carga horária destinada ao PCC ao longo ensino, pesquisa e/ou extensão, o aluno solici-
das disciplinas obrigatórias. Fica evidente a pre- tará validação como disciplina não presencial
valência da teoria em relação à prática na carga (Ensino em Letras I e II; Pesquisa em Letras I e II;
horária total do curso. Extensão em Letras I e II).
Nas ementas dessas disciplinas, generica- Considerando as três áreas sugeridas para
mente, sugere-se a realização de reflexões sobre agrupamento das disciplinas, observamos a
a prática pedagógica no ensino médio e funda- preponderância da carga horária destinada ao
mental, no entanto, é curioso que na relação de estudo da língua (imanente, de base estrutura-
bibliografia mínima, com exceção de Linguística lista), seguida da literatura (com concentração
Aplicada: ensino de língua materna, Literatura e de disciplinas de teoria literária). Isso demons-

244
tra, por um lado, que o repertório de conteúdos busca articular a teoria à prática ao longo da for-
(saberes) linguísticos e literários do futuro pro- mação, não limitando a prática ao estágio, a pro-
fessor poderá ser consistente na formação do posta de uma formação docente integral ainda
profissional de “Letras” e, por outro lado, que não é uma realidade. O professor, como já dito,
os conteúdos (saberes) relacionados ao fazer e cabe ressaltar, poderá ter uma consistente for-
docente, às questões de ensino-aprendizagem, mação teórica a respeito da língua e da literatura
ainda não ocupam sequer o mesmo espaço dos na conclusão do curso, porém questionamos de
conteúdos linguísticos e literários no currículo. que forma tais conhecimentos serão agenciados
Além disso, o quadro das disciplinas obri- no trabalho com a linguagem em sala de aula.
gatórias indica a prevalência de concepções de Apesar de não ter sido objeto de análise, a natu-
língua e linguagem numa perspectiva estrutu- reza e a carga horária das disciplinas optativas
ralista-formalista, o que restringe o espaço no se assemelham às obrigatórias.
currículo para os estudos do letramento, da lin- Certamente, faz-se necessário um estudo
guística do texto e do discurso e dos gêneros mais profundo das ementas das disciplinas, no
textuais-discursivos, indiscutivelmente, neces- entanto, a grade curricular da licenciatura não
sários para a atuação do professor na contem- evidencia, mesmo com as reformas curriculares
poraneidade, conforme preconiza o texto dos desde a década de 90, discussões acerca dos
Parâmetros Curriculares Nacionais. letramentos, das práticas de produção textual
Com o quadro de disciplinas obrigatórias, (oral e escrita) de gêneros diversos, das práticas
observamos que, apesar da inclusão do PCC, que de leitura e de análise linguística de textos de

245
gêneros diversos na Educação Básica, em con- (v) a concepção sociointeracionista de língua/lin-
sonância com a realidade sócio-histórica dos es- guagem postulada nos PCN e em inúmeros
tudantes desse nível de ensino. documentos da área, em âmbito estadual e
Em síntese, a análise das disciplinas obriga- municipal, ainda é periférica no currículo.
tórias demonstra que na formação do professor
de Língua Portuguesa da UFSC:
Considerações finais
(i) há uma discrepância entre as cargas horárias
das três áreas apontadas; Para finalizar nossa contribuição, retoma-
remos alguns pontos discutidos nos tópicos
(ii) apesar de a instituição do PCC, do estágio anteriores e levantaremos algumas questões a
e do ACC, a teoria se sobressai à prática na serem debatidas:
grade curricular;
i) o primeiro ponto a ressaltar é o fato de termos
(iii) há maior concentração de disciplinas da lin- uma pesquisa sólida em linguística e linguísti-
guística formal/estruturalista e menos disci- ca aplicada no país, há décadas, no âmbito da
plinas com orientação da linguística aplicada; pós-graduação, de orientação sociodiscursiva,
que foi e ainda é utilizada como base de ela-
(iv) há maior concentração de disciplinas de boração de documentos parametrizadores da
teoria literária e menos disciplinas de litera- educação nacional (âmbito federal, estadual
tura e de ensino de literatura;

246
e municipal), mas que ainda não consegue se política linguística para nosso país, como pre-
estabelecer como um paradigma majoritário a coniza (BAGNO; RANGEL, 2005) e/ou como
ser seguido na elaboração de cursos de gradu- preconizam os especialistas que contribuí-
ação em Letras que vão formar os professores ram para os PCN, assumindo que o verdadei-
de língua portuguesa [brasileira]; ro objetivo do ensino de língua é a produção/
recepção de discursos;
ii) em segundo lugar, trazemos nossa inquieta-
ção em constatar que o debate sobre a revi- iv) e, por fim, levando em conta que o debate
são dos currículos de Letras nas universida- está em seu início e que a caminhada pode
des brasileiras, ainda bem incipiente, carece ser longa, precisamos agir de modo mais con-
da imprescindível discussão sobre a relação tundente nos fóruns de discussão acadêmi-
currículo, política, cultura e poder, como pre- ca do campo da linguística e da linguística
conizam os autores de uma abordagem crítica aplicada, para realizar a transformação “de-
de currículo (MOREIRA; SILVA, 1994); sejada” e construir uma formação inicial de
professores de língua portuguesa [brasileira]
iii) essa concepção levaria naturalmente a uma- que responda às necessidades da sociedade
reflexão sobre a importância de se pensar brasileira contemporânea. De fato, não con-
o currículo de Letras – formação inicial de seguiremos enfrentar o analfabetismo fun-
professores de língua portuguesa [brasilei- cional (até mesmo o analfabetismo político)
ra] como um dispositivo importante de uma enquanto a formação do professor de língua

247
portuguesa [brasileira] estiver orientada por que se trata ainda de um modelo muito recor-
uma concepção de letramento autônomo, rente; o qual na nossa percepção, pelas razões
distante da vida social, que se paute pela he- apresentadas acima, deve ser combatido.
gemonia da cultura grafocêntrica dominante
(língua e literatura patrimonialista), erguida Referências
nas bases do produtivismo da fábrica, estru-
turalista e formalista (concepção imanente ALMEIDA FILHO, J. C. P. Crise, transições
de língua), que acaba por inviabilizar a pers- e mudanças no currículo de formação de
pectiva enunciativa e discursiva histórica que professores de línguas. In: FORTKAMP, M.
revela a luta cotidiana no campo da lingua- B. M.; TOMITCH, M. B. B. (Org.) Aspectos da
gem entre as forças sociais antagônicas que linguística aplicada: estudos em homenagem
buscam o poder. ao professor Hilário Inácio Bohn. Florianópolis:
Insular, 2000. p. 33-71.
Se é certo que do ponto de vista estatís-
tico, somente o exemplo da “grade curricular” ALMEIDA FILHO, N. de. Universidade nova no
da UFSC não pode servir de base para genera- Brasil. In: SANTOS, B. V. de S.; ALMEIDA FILHO,
lização, visto que no Brasil há uma centena de N. de. A universidade do século XXI: para uma
cursos de Letras, também não se pode negar, e universidade nova. Coimbra: ALMEDINA, 2008.
isso é notável na literatura de referência da área
e nas falas e nos textos escritos dos congressos,

248
ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de currículos na universidade. In: FIGUEIREDO, D.
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251
Texto 4 Práticas de leitura no ensino fundamental: uma construção coletiva

Ivone Rodrigues Diniz Monteiro


Maria da Penha Casado Alves como também o ano escolar em que os estudan-
tes são avaliados por meio da Prova Brasil, cujos
Introdução resultados integram o cálculo do IDEB.
Ao analisar os resultados do IDEB 2009 das
Este artigo aborda as práticas de leitura a escolas estaduais do RN no que diz respeito ao
partir das vozes sociais de professores e de es- Ensino Fundamental – anos finais, observamos
tudantes do Ensino Fundamental das escolas pú- que algumas escolas apresentavam resultados
blicas estaduais do Rio Grande do Norte (RN) que exitosos. Essa informação contraria os resul-
apresentaram resultados exitosos, conforme o tados insignificantes obtidos pela maioria das
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica escolas estaduais, como também vai de encon-
(IDEB) 2009. Explicitar tais práticas foi o objetivo tro às discussões que incidem prioritariamente
principal de uma pesquisa de doutorado reali- sobre o fracasso escolar. Eis a motivação para
zada no período de 2011 a 2013, no Programa investigar os posicionamentos de professores e
de Pós‑Graduação em Estudos da Linguagem da de estudantes acerca das práticas de leitura no
Universidade Federal do Rio Grande do Norte Ensino Fundamental das escolas públicas esta-
(PPgEL – UFRN). Para tanto, essa pesquisa ocor- duais do RN que apresentam resultados exito-
reu nas aulas de Língua Portuguesa em turmas sos, conforme o IDEB 2009. A partir dessas cons-
do 9º ano do Ensino Fundamental. A escolha do tatações, direcionamos a pesquisa para aquelas
9º ano justificou-se por esse ser o ano escolar de instituições que, no atual contexto educacional,
conclusão da segunda etapa da Educação Básica, estão proporcionando aos estudantes apren-

252
dizagens significativas, que se diferenciam das estudante na Educação Básica está relacionado,
demais instituições. quase sempre, à sua formação leitora.
Convém destacar que a escola tem como Como enfatiza Casado Alves (2012):
uma de suas funções formar o cidadão, ou seja,
construir conhecimentos, atitudes e valores que Se o nosso ato ético em sala de aula
tornem o estudante solidário, crítico, ético e par- nos responsabiliza com a formação de
ticipativo. Assim sendo, para que haja a forma- cidadãos letrados, conceber a escola
ção do cidadão ciente de seus direitos e deveres como cronotopo singular onde se
e capaz de contribuir para que as transforma- gestam as práticas de leitura e de es-
ções sociais ocorram, é imprescindível que os crita para o mundo da vida é o primei-
professores estejam inquietos no que se refere ro movimento em prol de um ensino
ao processo de formação do leitor cooperativo, mais significativo para o aluno.
produtivo, sujeito do processo de ler. Segundo
Brandão e Micheletti (1998), a leitura como exer- Assim sendo, o professor não pode deixar
cício de cidadania exige um leitor privilegiado, de de, por meio do ensino da Língua Portuguesa,
aguçada criticidade. tornar as pessoas cada vez mais críticas, mais
Nesse sentido, o papel do professor no participativas e atuantes, política e socialmen-
processo de ensino-aprendizagem é essencial, te, não podendo, pois, ausentar-se do momen-
especialmente, no que diz respeito ao ensino de to atual. Segundo Antunes (2005, p. 15), o mo-
leitura. Ressalte-se que o fracasso ou o êxito do mento atual é de renovação, de mudanças, de

253
participação social, ou seja, de exercício pleno ensino de leitura, ou melhor, o ensino de Língua
da cidadania. Para tanto, é imprescindível que Portuguesa, tornando os estudantes mais críti-
o processo de ensino‑aprendizagem priorize o cos e atuantes na sociedade.
ensino da leitura crítica. A esse respeito Silva Na primeira parte do artigo abordamos a
(1998, p. 22) comenta: contextualização da pesquisa em referência e te-
cemos considerações sobre a linguagem como
[...] a leitura crítica encontra a sua prin- processo de interação e a leitura como prática dia-
cipal razão de ser nas lutas em direção lógica. Na segunda parte, apresentamos a análise
à transformação da realidade brasilei- dos dados construídos a partir das vozes sociais
ra, levando o cidadão a compreender dos professores, estudantes, diretores, bibliotecá-
as raízes históricas das contradições e a rias, coordenadoras pedagógicas e supervisoras.
buscar, pela ação concreta, uma socieda-
de onde os benefícios do trabalho produ- 1 Abordagem Teórico-Metodológica
tivo e, portanto, da riqueza nacional não
sejam privilégios de uma minoria. O aporte teórico que orientou a pesquisa
advém do pensamento bakhtiniano (2009, 2010),
Nessa perspectiva, este trabalho poderá que trata da perspectiva dialógica da linguagem
contribuir para que os professores da rede pú- e da compreensão responsiva ativa, e ancora-se
blica de ensino possam refletir sobre as suas nas reflexões teóricas de Antunes (2005, 2009) e
concepções e práticas de leitura, aprimorando o Geraldi (2003, 2006, 2010) acerca da leitura e da

254
escrita no país, as quais contribuem para o redi- de leitura, em turmas de Língua Portuguesa, no
mensionamento do processo de ensino‑apren- Ensino Fundamental, concebendo a linguagem
dizagem de Língua Portuguesa. como prática social no contexto de aprendiza-
De acordo com Oliveira (2009b), a Linguís- gem de língua materna ou em contextos onde
tica Aplicada está sendo compreendida como se evidenciem questões relevantes sobre o uso
uma área de produção de conhecimentos que da linguagem (MENEZES; SILVA; GOMES, 2009).
pretende assumir como objeto de estudo privi- Para atender aos objetivos propostos na in-
legiado a linguagem verbal em uso nos mais di- vestigação, optamos pelo enfoque metodológico
versos universos discursivos. Essa produção de da pesquisa qualitativa de cunho sócio-históri-
conhecimentos busca problematizar e compre- co por entendermos que este possibilitaria uma
ender questões de linguagem que respondam às melhor compreensão dos sentidos atribuídos
exigências da sociedade contemporânea. Segun- pelos sujeitos – professores e estudantes – às
do Moita Lopes (2008), tais exigências parecem práticas de leitura no Ensino Fundamental.
estar relacionadas à reinvenção da vida social, Nessa perspectiva, foram adotados os
o que implica a reinvenção do processo de pro- parâmetros da pesquisa qualitativa, haja vista
dução de conhecimento, tendo em vista que, ao que, segundo Freitas (2007, p.27), “na pesquisa
tentar entender a vida social, a construímos. qualitativa de orientação sócio-histórica, dentre
Dessa forma, a pesquisa de doutorado re- outros aspectos, procura-se compreender os su-
alizada está inserida no paradigma teórico da jeitos envolvidos na investigação para, por meio
Linguística Aplicada, a qual investiga as práticas deles, compreender também o seu contexto”.

255
Foram selecionadas para participar da pes- os índices apontam que no IDEB 2009 as escolas
quisa as três instituições de ensino estaduais do pesquisadas se sobressaem em relação aos resul-
RN que obtiveram maior valor de IDEB em 2009 tados do Ensino Fundamental nos anos finais em
no que diz respeito ao Ensino Fundamental – 6º nível de Rio Grande do Norte (2,9) e de Brasil (3,8).
ao 9º ano, as quais estão elencadas na Tabela 1.

Gráfico 1 – IDEB 2005, 2007 e 2009 do Brasil, do RN e das esco-


Tabela 1 – Instituições Educacionais pesquisadas
las pesquisadas

Instituição de Ensino Localização


IDEB
2009
Escola Estadual Barão
Parelhas 5,3
do Rio Branco (EEBRB)

Escola Estadual Dr. José


Acari 4,6
Gonçalves de Medeiros (EEJGM)

Escola Estadual Joaquim


Cruzeta 4,5
José de Medeiros (EEJJM)

Fonte: Tabela com base em dados do Inep.

No Gráfico 1, podemos perceber a evolução


Fonte: Gráfico com base em dados do Inep.
dos resultados das três escolas estaduais no que
se refere ao IDEB 2005, 2007 e 2009. Além disso,

256
Considerando a noção bakhtiniana de su- com as equipes de direção e pedagógicas de
jeito que se constitui na e pela linguagem, lin- cada escola.
guagem concebida como atividade, realizada por Os dados da pesquisa foram construídos
sujeitos que são histórica, social e culturalmente e analisados com base nos posicionamentos de
situados, os sujeitos da pesquisa são professo- professores e estudantes sobre as práticas de
res e estudantes de turmas de Língua Portugue- leitura, a partir das vozes sociais que permeiam
sa dos anos finais do Ensino Fundamental. os enunciados presentes nos questionários apli-
A pesquisa foi realizada nas escolas citadas cados e nas aulas observadas. Foram conside-
em março de 2012 e dela participaram 102 dos radas também as vozes sociais das equipes de
110 estudantes, as três professoras de Língua direção e pedagógicas obtidas a partir de encon-
Portuguesa do 9º ano do Ensino Fundamental, tros dialógicos informais. Tais encontros foram
como também as equipes de direção e peda- realizados com os diretores, os coordenadores
gógicas das escolas. Com o intuito de manter pedagógicos, os supervisores e as bibliotecárias
o anonimato dos sujeitos pesquisados, nomea- e proporcionaram discussões acerca das ativida-
mos as professoras de P1, P2 e P3. O anonima- des pedagógicas desenvolvidas na escola, espe-
to dos estudantes também foi mantido. Desse cialmente, no tocante aos projetos sob a respon-
modo, foram aplicados questionários com os su- sabilidade da biblioteca e com a participação da
jeitos da pesquisa, além de observação de uma comunidade escolar. Foram, pois, apresentados
aula/hora relógio de Língua Portuguesa em cada os Planos de Ação das Bibliotecas, os Projetos
turma e a realização de um encontro informal

257
das Semanas Literárias e os Projetos de Incenti- ou a si próprio, expressando valores (OLIVEIRA,
vo à Leitura e à Escrita. 2005). Ademais, foi considerada a concepção de
O processo de compreensão dos dados linguagem como processo de interação e de lei-
foi norteado pelas orientações do pensamento tura como prática dialógica.
bakhtiniano que considera o ser expressivo e fa- Nesse sentido, Oliveira (2008, p. 178) desta-
lante (BAKHTIN, 2010) como objeto de estudo e ca que, “[...] para atender às exigências dessa so-
se refere à noção de texto como um conjunto ciedade, cada vez mais semiotizada, seria neces-
de enunciados. A esse respeito Bakhtin (2010, p. sária uma concepção de linguagem [...] pensada
307) enfatiza que “[...] o texto é a realidade ime- como atividade e ação no mundo, emergindo
diata (realidade do pensamento e das vivências). em situações intersubjetivas”. Assim, o processo
Onde não há texto não há projeto de pesquisa e educativo deve basear-se em uma concepção in-
pensamento”. Nesse sentido, o texto é o ponto terativa de linguagem, considerada em um pro-
de partida, quaisquer que sejam os objetivos da cesso discursivo de construção do pensamento.
pesquisa, e é por meio das relações dialógicas A leitura como atividade de linguagem é
que os sentidos são construídos. uma prática social, que promove a interação
A construção dos dados ocorreu a partir da entre os sujeitos, a fim de que estes sejam ca-
noção de vozes sociais, as quais são compreen- pazes de compreender o mundo e atuar como
didas como pontos de vista, posicionamentos, cidadãos. Desse modo, a partir das contribui-
manifestação de consciências que dialogam,
concordam, discordam, silenciam a voz do outro

258
ções das ideias de Bakhtin e seu Círculo1, enten- mente situados, bem como o entendimento de
demos a leitura como prática dialógica, na qual leitura como prática dialógica.
as relações de sentido entre os enunciados são
estabelecidas a partir da dinâmica do processo 2 Práticas de leitura no Ensino
de interação das vozes sociais. Fundamental: vozes sociais
A escola tem a responsabilidade de con-
tribuir para a construção da cidadania dos su- Passamos a abordar as vozes sociais pre-
jeitos. Para tanto, o ensino deve ser pensado sentes nos três principais momentos vivenciados
como produção de conhecimentos e não como na pesquisa de doutorado, a saber: aplicação de
aprendizagem do conhecido, uma vez que ensi- questionários com professores e estudantes, ob-
nar não é apenas transmitir e informar, ensinar servação em sala de aula e encontros dialógicos
é ensinar o sujeito aprendente a construir res- com as equipes de direção e pedagógica de cada
postas (GERALDI, 2010). Assim sendo, o processo escola investigada.
de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa
pressupõe a concepção de linguagem como in- 2.1 Vozes sociais dos professores
teração verbal entre sujeitos histórica e social-
As professoras, designadas P1, P2 e P3, res-
1 Segundo Faraco (2010), o Círculo de Bakhtin era constituído por pessoas de
diversas formações, interesses intelectuais e atuações profissionais e dele
ponderam a um questionário com cinco ques-
fazia parte, além do próprio Mikhail M. Bakhtin, Valentin N. Volochinov e tões abertas identificadas de 01 a 05, bem como
Pavel N. Medvedev, entre vários outros, o filosófo Matvei I. Kagan, o biólogo
Ivan I. Kanaev, a pianista Maria V. Yudina, o professor e estudioso de litera- a um questionário de caracterização do profes-
tura Lev V. Pumpianski.

259
Quadro 1 – Posicionamentos dos professores no que se refere
sor, também com 05 questões. As respostas das à questão 01

professoras são o ponto de partida para a com- Professor Posicionamentos


preensão dos seus posicionamentos2, as quais
Ensinar Língua Portuguesa no Ensino Fundamental
respondem as questões propostas em nossa requer uma constante busca de inovação, de acordo
com as mudanças que ocorrem na sociedade. Em face
pesquisa de doutorado. P1 dessa realidade, é necessário se buscar metodologias
Neste artigo, destacamos apenas a questão que levem o aluno a ser crítico, a desenvolver
habilidades leitoras que permitam a interpretação dos
01 do primeiro questionário. Convém ressaltar diversos tipos de textos.

que todas as análises de questionários, aulas Vejo o ensino de Língua Portuguesa no Ensino
Fundamental, no qual se privilegia a leitura e a
observadas e encontros dialógicos estão dispo- escrita, primordial ao crescimento intelectual e, por
níveis em Monteiro (2013). conseguinte, condicionador do sucesso do educando.
É nesse período que os hábitos propiciadores do
avanço cognitivo são cristalizados e que o leitor mais
P2 amadurecido adentra os conhecimentos do Ensino
•• Questão 01: Para você, o que significa ensinar Médio com mais profundidade, maior visão de mundo
e melhor interpretação da sociedade. Então, o ensino
Língua Portuguesa no Ensino Fundamental? de Língua Portuguesa é o construir alicerces firmes,
que farão o educando pleno nas atividades sociais,
profissionais e culturais que a sociedade almeja.

Momentos de satisfação e ao mesmo tempo de muita


P3 responsabilidade, pois a língua identifica um povo no
seu fazer cotidiano.

Fonte: Dados de pesquisa da autora.

2 As falas dos professores entrevistados foram transcritas literalmente.

260
Na primeira questão, os posicionamentos Língua Portuguesa é vida, pois está dentro e fora
de P1 revelam que para ensinar Língua Portu- das instituições educacionais, sendo enriquecida
guesa, cujo objetivo principal é a formação de e transformada cotidianamente.
leitores críticos, o professor deve estar bem in- Assim sendo, compreendemos que ensinar
formado, buscando inovações e metodologias Língua Portuguesa no Ensino Fundamental, para
adequadas e eficazes. Podemos encontrar essa essas professoras, significa comprometer-se com
mesma perspectiva de ensino nos posiciona- a causa, ou seja, com a educação dos estudantes
mentos de P2, os quais apontam para a rele- voltada para a formação escolar e para a vida. Re-
vância do ensino de Língua Portuguesa à vida do portando-se a Antunes (2005), percebemos que
estudante no que se refere ao seu desenvolvi- essas professoras estão envolvidas no processo
mento intelectual e, consequentemente, ao de- de transformação da sociedade, com entusias-
senvolvimento de suas atividades sociais e pro- mo e responsabilidade, buscando, por meio do
fissionais. Além disso, P2 destaca que o Ensino ensino de Língua Portuguesa, caminhos possíveis
de Língua Portuguesa é o alicerce para o estu- com vistas à formação cidadã dos jovens.
dante do Ensino Fundamental para ter acesso ao
Ensino Médio com conhecimentos que o levem 2.2 Vozes sociais dos estudantes
a compreender com clareza a sociedade em que
vivemos. Já P3 enfatiza a sua satisfação e res- Os 102 estudantes responderam a dois
ponsabilidade ao ensinar a Língua Portuguesa, questionários: o primeiro, com cinco questões
que faz parte de nossas vidas e nos identifica. A abertas e o segundo, composto por seis ques-

261
tões fechadas. Abordamos, neste trabalho, as •• Questão 01: Comente sobre a importância da
cinco questões abertas, cujas respostas foram disciplina Língua Portuguesa.
transcritas exatamente como se encontram nos
questionários aplicados. Creio que, a língua portuguesa tem grande
A análise de cada questão aberta se inicia importância. Não só na escola, e sim na so-
com a pergunta tal como proposta nos ques- ciedade. Se a pessoa teve um bom ensino
tionários aplicados. Em seguida, apresentamos em português, certamente irá saber se
algumas vozes dos estudantes reveladas nos expressar melhor, visando o bom enten-
enunciados respondidos. Logo após, iniciamos dimento. (Estudante A6)
a análise das vozes sociais. À medida que dife-
rentes posicionamentos emergiam, os mesmos
iam sendo agrupados em diferentes categorias. A disciplina de Português é esencial para a
Vozes idênticas reveladas a partir de enunciados vida do ser humano com ela nós estudan-
de estudantes diferentes foram contabilizadas, tes, podemos ler, escrever, recitar poemas,
de forma que os posicionamentos são elencados aprender as regras da língua portuguesa, e
em ordem decrescente de ocorrência, o que sig- principalmente, tomar o gosto pela leitura.
nifica que o primeiro item apresentado é o mais (Estudante B4)
mencionado pelos estudantes.

262
O estudo da Língua Portuguesa é extre- •• o desenvolvimento do processo de comunica-
mamente importante no convívio social, ção, ou seja, de interação social;
na formação de um indivíduo que saiba
posicionar-se perante a sociedade, uma •• conhecimentos para o futuro;
pessoa que saiba dialogar corretamente.
(Estudante C21) •• conhecimentos para aprovação no vestibular;

•• aprovação em concursos e inserção no mer-


Na primeira questão, os enunciados dos cado de trabalho;
estudantes apontam que a disciplina Língua
Portuguesa é relevante, tendo em vista que os •• conhecimentos para ter uma profissão;
proporciona:
•• formação de cidadãos melhores;
•• ler melhor, compreender;
•• aplicação das normas gramaticais; e
•• escrever corretamente;
•• conhecimentos e leituras para o Ensino Médio.
•• falar corretamente;
Os posicionamentos revelam que os estu-
•• uma formação escolar mais consistente; dantes do 9º ano têm clareza de quão impor-

263
tante é estudar Língua Portuguesa, a fim de que •• Questão 02: Durante as aulas de Língua Por-
possam construir conhecimentos para a sua vida tuguesa são desenvolvidas atividades que in-
escolar, acadêmica, profissional e social. Os posi- centivam/envolvem a leitura? Que atividades
cionamentos estão elencados em ordem decres- são essas? Quais as que você considera mais
cente do número de citações pelos estudantes. relevantes para a sua formação enquanto ci-
De acordo com as vozes dos estudantes, a lei- dadão(ã) crítico(a)? Justifique sua resposta.
tura e a escrita assumem um lugar de destaque
no processo de ensino-aprendizagem, uma vez
que foram os itens mais mencionados. Sim, textos populares com personagem
Nesse sentido, é imprescindível que os estu- que chama atenção de nós jovens, peças
dantes tenham cada vez mais ciência de que ler, de teatro, projetos com poesia e música
escrever, falar e ouvir são processos que se esta- para incentivar a leitura, a leitura de livros
belecem de interação social com o outro. A esse e peças de teatro, pois interpreta com mais
respeito, Faraco e Castro (2000) comentam que clareza a realidade do mundo de hoje. (Es-
o professor de linguagem deve privilegiar não só tudante B4)
o contato do estudante com a leitura e a produ-
ção de textos, como também fazer dessa leitura
e dessa produção uma relação linguística viva.

264
A professora incentiva a leitura, ela faz compreensão de texto. A semana literária
pequenos recitais na própria sala de aula, pois aprimora nossos conhecimentos ano
ela também incentiva a construir reda- passado por exemplo estudamos alguns
ções e apresentações pra toda a sala. A escritores do RN como Deífilo Gurgel e
leitura e apresentação poética é na minha textos que envolvem nossas vidas em
opinião a mais preciosa porque ela nos geral com os pais parecem ter sido feito
revela fatos mais coerentes com a vida para nós. (Estudante C15)
atual. (Estudante C14)

Os posicionamentos dos estudantes reve-


lam que, durante as aulas de Língua Portuguesa,
Sim. Durante as aulas são desenvolvidas são desenvolvidas as mais variadas atividades
várias atividades que incentivam a leitura que incentivam/envolvem a leitura. Entre as
como por exemplo encenações na qual a mais mencionadas, temos:
sala sempre participa; a semana literária,
na qual não só a sala participa mas a escola •• Leituras e exercícios de compreensão textual
toda; leitura e compreensão de texto;
atividades de leitura na internet, recitais •• Leitura de poemas
e outros. A semana literária e a leitura e

265
•• Organização e apresentação de seminários a •• Leituras e exercícios de compreensão a partir
partir de pesquisa de textos de textos da esfera jornalística

•• Leitura de textos do livro didático •• Organização e participação na Semana Literária

•• Produção textual •• Leitura e exercícios de compreensão de contos


e crônicas
•• Debates
•• Leitura e exercícios de compreensão de char-
•• Organização e apresentação de dramatizações ges e gibis

•• Pesquisas sobre temas atuais •• Compreensão a partir de vídeos assistidos na


telessala
•• Visitas à biblioteca para escolha de livros
•• Produção de livros
•• Leituras e exercícios de compreensão a partir
de letras de músicas •• Leitura e compreensão de textos obtidos da
internet.
•• Recitais

266
Desse modo, nas turmas de Língua Portu- das diversas atividades discursivas, ou seja, pe-
guesa investigadas, os estudantes vivenciam as dagógicas, que são desenvolvidas na interação
mais diversas práticas de leitura, o que favorece, entre professores e estudantes, considerando
de forma significativa, os resultados exitosos no a linguagem como atividade, como ação. A esse
processo de ensino-aprendizagem. respeito, Faraco (2010, p. 120), com base em
Os enunciados analisados mostram ainda Bakhtin, comenta que “a linguagem verbal não
que os estudantes consideram essas práticas im- é vista primordialmente como sistema formal,
portantes para sua formação enquanto cidadãos mas como atividade, como um conjunto de prá-
críticos, uma vez que proporcionam: ampliação ticas socioculturais”.
de conhecimentos sobre a sociedade atual; de-
senvolvimento da leitura e da escrita; conheci- •• Questão 03: A temática dos textos estudados
mentos sobre a cultura e a literatura no estado em sala de aula está em sintonia com o mundo
do RN e no Brasil; conscientização ambiental; em que você vive? Comente sua resposta.
preparação para enfrentar os desafios da vida;
conhecimentos sobre a cultura de outros países
e preparação para o mercado de trabalho. Sim, fala sobre a poluição no mundo e
Ante o exposto, podemos compreender também sobre cidadania. (Estudante A21)
que os estudantes estão cientes de que a lei-
tura exerce um papel fundamental na sua for-
mação escolar e na sua vida. Isso é resultado

267
Sim. Os textos trabalhados falam sobre Podemos perceber, a partir dos enunciados
meio ambiente, juventude, drogas, nos expressos nessa questão, que as temáticas dis-
mostra que temos que ir em frente, per- cutidas em sala de aula estão em sintonia com
sistir para realizar um sonho, trabalhamos o mundo atual, tendo em vista que os textos
a arte das cores, das formas, música, no- abordados envolvem fatos, acontecimentos
tícias, poesias, fatos reais entre outros. que ocorrem na vida dos estudantes. As vozes
(Estudante B3) dos estudantes ainda revelam a diversidade de
temas que são debatidos a partir dos textos,
dentre os quais podemos elencar:
Sim, os poemas que criamos referente a
natureza, textos sobre a discriminação e •• Bullying, drogas, religião,
bullyg e projetos desenvolvidos na escola adolescência, obesidade
(Poesia e canção, O amor o astro rei da
vida). (Estudante B4) •• Desmatamento, ecologia

•• Preconceito, racismo, pessoas com deficiência


Sim. A professora sempre procura falar
sobre assuntos que nos interessa sobre •• Violência
violência, gravidez na adolescência, políti-
ca, drogas, etc. (Estudante C27) •• Gravidez na adolescência

268
•• Amor, romance, namoro Pode-se perceber que os temas menciona-
dos pelos estudantes são de interesse da socie-
•• Política; dade, sendo alvo recorrente de reportagens nos
diversos meios de comunicação. Desse modo,
•• Poluição, meio ambiente, aquecimento global os temas discutidos estão coerentes com o atual
contexto socioeconômico e político.
•• Relações familiares, comportamento humano A discussão de temas tão significativos,
a partir de atividades de leitura e de compre-
•• Abuso sexual ensão de textos, aumenta o conhecimento e a
percepção do mundo, instigando o estudante a
•• AIDS confrontar ideias e valores. Desse modo, propi-
cia-se a formação de cidadãos éticos, dotados
•• Prostituição, doenças de valores e capacidade crítica.
Assim sendo, compreendemos que as práticas
•• Amizade, casamento de leitura são desenvolvidas a partir da concepção
de linguagem como forma de interação, conside-
Esses temas, segundo os enunciados, são rando os enunciados no mundo da vida. Bakhtin
discutidos a partir de textos obtidos do livro di- (1992 apud GERALDI, 2010, p. 141) afirma que “A
dático, da internet, de fábulas, de contos, além de língua penetra na vida através dos enunciados
filmes que os estudantes assistem na telessala. concretos que a realizam, e é também através dos
enunciados concretos que a vida penetra na língua”.

269
•• Questão 04: Na sua escola, há algum incenti- Sim. Visita a biblioteca de quinze em quinze
vo à leitura? Justifique. dias, passeios nos quais visam o estudo
e nesse passeio a escola dá total apoio
(transporte, professores, guias), Semana
Sim, temos nossa biblioteca e sempre a literária e texto em geral. (Estudante C15)
alguma exposição com os livros para nos
mostrar a importância da leitura. Além
disso, o incentivo dos professores na sala
de aula. (Estudante A30)
Sim, pois os incentivos tanto dos professo-
res, das diretoras e até mesmo dos nossos
pais é o que não falta. (Estudante C16)
Sim. Quando o professor necessita de
algum tipo de material ou uma aula dife-
rente a gestão está sempre dando o apoio
e o auxílio para que possa se realizar o pla- Os posicionamentos dos estudantes reve-
nejado. (Estudante B6) lam que as bibliotecárias, os diretores, os vice-
‑diretores, os supervisores e, especialmente, os
professores, incentivam a leitura por meio de:

270
•• Empréstimos de livros na biblioteca •• Organização de peças teatrais a partir de livros

•• Disponibilização de biblioteca para estudos e •• Promoção de debates sobre livros do acervo


pesquisas da biblioteca

•• Promoção de Semana Literária com a partici- •• Seminários


pação dos pais
•• Orientações para leitura de livros, revistas
•• Apoio dos diretores para a realização de pas- e jornais
seios, trabalhos, atividades
•• Produção de poemas
•• Projetos envolvendo poesias, musicais e recitais
•• Atividades desenvolvidas na sala de informática
•• Exposições de livros no pátio da escola
•• Palestras
•• Leitura e compreensão textual
•• Carrinho de leitura.
•• Aquisição de novos livros e exposições
Compreendemos, pois, que os docentes e
•• Leituras no livro didático as equipes de direção e pedagógicas das escolas

271
pesquisadas vivenciam o processo educativo a Para mim as aulas estão ótimas.
partir de um projeto pedagógico que consiste num (Estudante  A32)
trabalho coletivo, ou seja, num trabalho em que
há o envolvimento dos segmentos da escola com
atividades que priorizam a aprendizagem dos es- Aulas de campo com direito a leituras, poe-
tudantes no que se refere à formação de leitores. sias, peças de teatro e etc. (Estudante B27)
Como afirma Antunes (2009), devemos e
podemos promover a conversão da escola em
favor da leitura. Para tanto, é imprescindível que Pra mim não falta nada nas aulas, pois são
a construção de conhecimentos e o acesso a ele interessantes. (Estudante C13)
seja prioridade para a escola, assim como a am-
pliação das competências dos sujeitos, a qual
contribui para que estes intervenham positiva- A maioria dos estudantes respondeu que
mente na direção do bem coletivo. nas aulas de Língua Portuguesa não há neces-
sidade de que sejam acrescentadas novas ativi-
•• Questão 05: Enquanto estudante de Ensino dades. Os demais sugerem que ocorram mais
Fundamental, aponte o que você acha que aulas de campo, aulas passeio; mais projetos
falta nas aulas de Língua Portuguesa, no que envolvendo peças teatrais, poesias e músicas;
diz respeito às práticas de leitura. e mais leituras de livros e produções de textos.

272
Assim sendo, os estudantes do 9º ano estão percebem, compreendem e avaliam os aconte-
satisfeitos com as atividades pedagógicas desen- cimentos à sua volta”.
volvidas durante as aulas de Língua Portuguesa.
Isso favorece o processo de aprendizagem, além 2.3 Aulas observadas
de incentivar o estudante a permanecer na escola.
Nesse contexto, os estudantes, sujeitos Na pesquisa de doutorado, conforme men-
leitores, percebem-se como sujeitos sociais, os cionado, foram aplicados os questionários com
quais vivenciam práticas de leitura nas aulas de os professores e os estudantes, bem como ob-
Língua Portuguesa a partir da linguagem viva, da servada uma aula hora/relógio em cada turma
linguagem do mundo da vida. Percebemos que de 9º ano de Língua Portuguesa das escolas es-
a linguagem é trabalhada enquanto atividade taduais investigadas.
relacionada ao mundo da vida, o que propicia o Assim sendo, na aula de P1, tivemos a opor-
envolvimento e o interesse dos estudantes no tunidade de, no desenvolvimento das atividades
processo de ensino-aprendizagem. pedagógicas, explicitar várias práticas de leitura,
Nessa perspectiva, Oliveira (2009a, p. 7), a saber: discussões sobre o texto Mulheres na
com base em Bakhtin, ressalta que “a concepção Indústria; pesquisas de publicações eletrônicas;
de linguagem dos autores do Círculo implica a seminários com produção de textos e entrevis-
ideia de uma ação orientada sempre axiologi- ta com um policial que desenvolve atividades no
zada, emergindo entre os seres humanos que Programa Educacional de Resistência às Drogas
(PROERD); discussões sobre drogas, violência,

273
prostituição, juventude, pessoas com deficiência, violência contra a mulher em todas as classes
dentre outras. Práticas de leitura que levavam os sociais. Nesse momento, tivemos como prática
estudantes a questionar, a refletir, enfim a se po- de leitura uma atividade de compreensão textu-
sicionar ante as temáticas abordadas. No contex- al, que suscitou nos estudantes reflexões acerca
to da formação de leitores, essas práticas pedagó- das ideias do texto, relacionando-as às questões
gicas são relevantes, uma vez que proporcionam sociais da atualidade.
ao estudante o exercício da reflexão, levando-os A aula de P3 envolveu os estudantes no uni-
a se posicionar de forma consciente e crítica. verso da poesia de forma prazerosa, a partir do
Na aula ministrada por P2 ocorreu uma poema O tempo, de Mario Quintana; A menina
tempestade de ideias, a partir do texto A moça transparente, de Elisa Lucinda, e Meus oito
tecelã, de Marina Colasanti, que favoreceu a par- anos, de Casimiro de Abreu. A valorização da
ticipação dos estudantes no que se refere às in- poesia como fonte de conhecimento e entrete-
dagações e às opiniões quanto aos temas discu- nimento ocorreu a partir de práticas de leitura
tidos, tais como: a voz que foi dada ao esposo e como a compreensão oral do texto, as declama-
não à esposa; os valores como o amor e o respei- ções e as reflexões sobre o tempo reservado para
to; os conflitos de interesses; a valorização dos os estudos, para a leitura e as pesquisas, bem
bens materiais; relacionamentos amorosos; a como o amor e o respeito à família e ao próximo.
mulher e o trabalho. Enfim, P2 relaciona o conto Podemos perceber que, nas aulas obser-
com a realidade atual e conduz as discussões vadas de P1, P2 e P3, predominou o estudo de
para a Lei Maria da Penha, abordando sobre a texto, principalmente do texto literário, a partir

274
do trabalho com a linguagem, relacionando-a a ais, com os quais pudemos obter informações
vida, num processo de interação verbal. e compreender quais são os elementos que, a
As práticas de leitura desenvolvidas, nas partir de um trabalho coletivo, estão favorecendo
aulas observadas, considerando a linguagem no o processo de aprendizagem. Esses momentos
uso concreto da vida, propiciam aos estudantes, se configuraram como encontros dialógicos, nos
a partir de textos da esfera literária, o prazer es- quais construímos conhecimentos acerca do tra-
tético da criação artística, reflexões sobre a rea- balho educativo desenvolvido. Convém destacar
lidade, além de propiciar condições de responsi- que, nesses encontros, foram apresentados pelas
vidade ante os desafios e controvérsias da vida. equipes em referência os Planos de Ação das Bi-
bliotecas, os Projetos das Semanas Literárias e os
2.4 E
 ncontros dialógicos: Projetos de Incentivo à Leitura e à Escrita.
equipes de direção e pedagógicas Assim sendo, percebemos que as equipes
de direção, equipes pedagógicas e os docentes
Por ocasião da aplicação dos questionários são atuantes e desenvolvem atividades que têm
com os professores e os estudantes e da observa- como objetivo o êxito do processo de ensino-
ção em sala de aula, ocorreu, em cada escola, um ‑aprendizagem. Tais atividades envolvem uma
encontro com as equipes de direção e pedagógi- gestão participativa com projetos educativos que
cas. Nesse período de investigação, dialogamos envolvem todos os segmentos da comunidade
com os diretores, coordenadores pedagógicos, escolar; organização dos diversos setores da
supervisores e bibliotecárias das escolas estadu- escola; presença da família; trabalho disciplinar

275
com os estudantes; ambiente escolar organiza- essa habilidade e ocorre com fantoches e dra-
do, limpo e com carteiras adequadas; ações es- matizações.
portivas; formação de banda de música; trabalho
em equipe, cujas atividades envolvem projetos •• Dia D da leitura – uma vez ao mês, todos os
de incentivo à leitura e à escrita. segmentos da escola são convidados a fazer
As escolas estaduais pesquisadas dispõem um empréstimo na biblioteca para posterior
de bibliotecas com um bom acervo bibliográfi- leitura.
co, as quais elaboram um plano anual de ação,
cujas atividades são desenvolvidas envolvendo •• Sarau poético.
a direção, os coordenadores pedagógicos, os
supervisores, os professores, os estudantes e a •• Concursos literários – contos e poesias.
comunidade escolar.
Entre as atividades pedagógicas desenvol- •• Produção de um jornal, em que na construção
vidas, podemos destacar: da edição os estudantes discutem sobre temas
atuais. Na edição de dezembro de 2012, cujo
•• Rodas de leitura – atividade desenvolvida com tema foi a desertificação, os estudantes, sob a
livros, revistas, jornais. orientação de professores, da equipe pedagó-
gica de escola e de um técnico agrícola, partici-
•• Contação de histórias – é realizada por profes- param de palestras, aula de campo, pesquisas
sores ou pessoas da comunidade que tenham e entrevistas com proprietários de cerâmicas e

276
agricultores. Esse trabalho proporcionou uma Médio. Nesse período, também ocorre o Dia
edição com imagens e textos em versos e em da Família na Escola, com palestras acerca da
prosa produzidos pelos estudantes. importância da leitura, bem como a organiza-
ção da lanchonete literária, que oferece menus
•• Exposição de trabalhos realizados entre pro- especiais, tais como: na entrada, os petiscos
fessores e estudantes. são os clássicos da literatura infantojuvenil e
as histórias em quadrinhos; o prato principal é
•• 8ª, 9ª e 10ª Semana de Incentivo à Leitura e composto pelas obras de Monteiro Lobato; as
à Escrita – SILE – projeto que visa possibilitar sobremesas, pelas obras que compõem a co-
aos estudantes a compreensão da realidade leção literatura em minha casa; e, finalmente,
e, por conseguinte, a sua intervenção na socie- as bebidas, que são poemas, contos, crônicas
dade. Nesse evento ocorrem apresentações e revistas variadas.
da banda de música; grupos de dança; peças
teatrais; recitais; sarau cultural; além de lei- •• Instigando o Desejo e o Encantamento pelo
tura e compreensão de poemas com os estu- Mundo da Leitura – projeto que teve como
dantes do 6º ano; contos, 7º ano; cordéis, 8º objetivo estimular o estudante a descobrir o
ano; histórias em quadrinhos, 9º ano; pesqui- encantador mundo da leitura. Nesse projeto,
sa de poemas, 1ª série; edição e diagramação foram desenvolvidas atividades de contação de
de revistas, 2ª série, e edição de documentá- histórias; organização do cantinho da poesia;
rios com os estudantes da 3ª série do Ensino promoção de rodas de leitura; realização de

277
momentos literários em que as crianças e etc. Esse evento foi encerrado com a apresen-
jovens leem e fazem dramatizações; exposição tação da Orquestra Sanfônica da cidade.
de fábulas, adivinhações, piadas e charadas.
Desse modo, nas escolas estaduais pes-
•• Dos retalhos literários ao verso e reverso do quisadas, ocorrem práticas pedagógicas norte-
encanto – envolver a comunidade escolar nas adas por projetos e objetivos direcionados para
atividades literárias e culturais, com o propó- a formação de leitores e escritores, tais como
sito de intensificar o prazer pela leitura, foi o a organização de semanas literárias. Percebe-
objetivo desse projeto. Várias foram as ativi- mos que, subjacente a essas práticas, encontra-
dades desenvolvidas, dentre as quais, temos: -se a linguagem como forma de interação, uma
recitais; estudantes da escola tocando músicas vez que a natureza abstrata da língua torna-se
nordestinas; contação de histórias; palestras secundária. Além disso, a leitura é vivenciada a
sobre os encantos da leitura; rodas de leitu- partir de práticas dialógicas situadas no mundo
ra; entrelaçar cultural, que consiste em uma da vida, como algo vivo, compartilhado. Segundo
ação realizada por cada turma, oportunidade Oliveira (2009a, p. 4), “[...] o mundo da vida [...] é
na qual as crianças do 1º ao 5º ano e estudan- o mundo no qual se encontram sujeitos que, ao
tes do 6º ao 9º ano apresentam aos seus pais agir posicionadamente, transformam os valores
e familiares as oficinas realizadas durante o construídos socialmente na história dos seres
primeiro semestre letivo, bem como suas pro- humanos [...]”. Assim, a construção de sentidos
duções, a saber: painéis, livros, dramatizações, ocorre quando a linguagem é analisada no uso
concreto da vida em meio a relações dialógicas.

278
Considerações finais
Portanto, as vozes sociais dos professores,
dos estudantes, das equipes de direção e peda- Procuramos, neste momento, apresentar al-
gógicas presentes nos enunciados dos questio- gumas considerações e conclusibilidades sobre o
nários, nas aulas observadas e nos encontros ensino da leitura, a partir dos dizeres dos profes-
dialógicos apontam que as escolas realizam sores e dos estudantes, os quais foram sujeitos
práticas de leitura que se diferenciam no atual principais desta investigação; bem como a partir
contexto escolar, tendo em vista que todos os dos dizeres de pesquisadores, estudiosos, equi-
seus segmentos assumem a responsabilidade pes de direção e pedagógicas das escolas estadu-
de contribuir para a construção da cidadania ais envolvidas neste estudo. Os posicionamentos
de crianças e jovens. Essas práticas resultam de dos professores e dos estudantes expostos nos
um trabalho pedagógico desenvolvido em todos enunciados apresentados a seguir corroboram
os anos do Ensino Fundamental. Há, pois, uma as conclusibilidades acerca deste estudo.
construção coletiva, histórica, das práticas de lei-
tura realizadas pelas instituições de ensino pes-
quisadas, as quais são escolas com tempo para Sim. Todos os anos tem a Semana literária,
a leitura e cujas práticas buscam proporcionar nós fazemos apresentação de um texto e
ao estudante, como lembra Antunes (2009), a também os pais vem ver nossa apresenta-
leitura do livro e do mundo. ção. (Estudante C11)

279
Sim, tais como dinâmicas, leituras, tra- A professora estimula a leitura através de
balhos em grupo, etc. A atividade que eu um projeto chamado poesia e música. Pois
considero mais relevante para a minha além de estimular nossa leitura, ela nos
formação enquanto cidadão e crítico são ajuda a desenvolver redações, poemas.
as leituras de textos e poesias. (Estudante (Estudante B10)
A7, ao se referir às atividades desenvolvi-
das nas aulas de Língua Portuguesa que
incentivam a leitura) Na pesquisa de doutorado, tivemos como
questão principal: “Que práticas de leitura são ex-
plicitadas a partir das vozes sociais de professores
e de estudantes do Ensino Fundamental das es-
A escola contribui, incentiva e ajuda para colas públicas estaduais do RN que apresentam
que sempre possamos ir mais além, e que resultados exitosos, conforme o IDEB 2009?” Os
consigamos bater metas. Quando o pro- enunciados dos professores e dos estudantes ex-
fessor necessita algum material, espaço pressos nos questionários, as aulas observadas e
ou transporte a gestão providencia e faz os encontros dialógicos revelam que:
o possível para realizarmos trabalhos, pas-
seios, atividades, etc. (Estudante B3)

280
•• São realizadas diversas atividades pedagógi- •• Os estudantes são orientados a relacionar as
cas que incentivam os estudantes à leitura, temáticas discutidas nas aulas com o cotidiano;
ou seja, para as práticas de leitura, tais como:
leitura e exercícios de compreensão textual, •• Os professores usam recursos metodológicos
entrevistas, recitais, canções, dramatização, variados para motivar o interesse dos estu-
organização e apresentação de seminários a dantes, os quais estão sempre envolvidos em
partir de pesquisa de textos com temas atuais, projetos, aulas audiovisuais, aulas passeios,
leitura e compreensão de textos do livro didá- dentre outros;
tico, produção textual, leitura e compreensão
de poemas, contos, crônicas, charges, gibis e •• A escola busca interação com as famílias, as
reportagens, discussões de vídeos assistidos quais participam das atividades culturais de-
na telessala, leitura e compreensão de textos senvolvidas;
obtidos da internet, debates, dentre outras.
•• O ambiente escolar é organizado e atraente;
•• São realizadas semanas literárias com o en-
volvimento da comunidade escolar. •• A escola desenvolve um trabalho coletivo
que articula todos os segmentos da comu-
•• Os professores promovem um ambiente de nidade escolar.
diálogo e participação e se preocupam com a
prática de valores e atitudes almejadas;

281
Percebemos, pois, que o processo educa- Esse fazer pedagógico merece, pois, ser socia-
tivo desenvolvido nas escolas estaduais pes- lizado e, possivelmente, vivenciado em outras
quisadas não se limita à formação intelectual e instituições educacionais. A Figura 1 apresenta
cognitiva, é também direcionado à construção um resumo dos fatores que contribuem para o
de valores, posturas, princípios éticos e morais. êxito do processo de ensino‑aprendizagem nas
Ademais, podemos compreender que as práti- escolas pesquisadas, bem como a relevância do
cas exitosas ocorrem a partir de ações coletivas, trabalho coletivo.
haja vista que há, nessas escolas, uma organiza-
ção em rede, uma rede de responsabilidades, Figura 1 – Fatores que contribuem para as práticas exitosas
envolvendo equipes de direção e pedagógicas, de leitura

professores e comunidade.
Desse modo, nas instituições educacionais
pesquisadas, as boas práticas pedagógicas estão
relacionadas com o compromisso, com a atitu-
de dos professores, como também com o traba-
lho coletivo desenvolvido nas escolas, ou seja,
com o envolvimento dos segmentos da escola
no processo de ensino-aprendizagem. Assim,
podemos observar que as práticas exitosas de
leitura são feitas de ações coletivas da escola. Fonte: Diagrama com base em dados da autora.

282
Referências
Esperamos que esta pesquisa possa servir
de motivação e reflexão para que os professores, CASADO ALVES, Maria da Penha. O cronotopo
as equipes de direção e pedagógicas das esco- da sala de aula e os gêneros discursivos. In:
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no sentido de conquistar a adesão dos pais, da dez. 2012.
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instituição educacional, com o envolvimento de ANTUNES, Irandé Costa. Aula de português:
todos no processo de ensino-aprendizagem dos encontro & interação. São Paulo: Parábola
estudantes. Afinal, a construção desse processo Editorial, 2005. 184 p.
é coletiva, histórica e requer, dentre outros fa-
tores, o compromisso e a cooperação de todos. ______. Língua, texto e ensino: outra escola
Considerando, portanto, a escola pública possível. 2. ed. São Paulo: Parábola Editorial,
como um espaço de reflexões acerca das de- 2009. 238 p.
terminações sociais, formar leitores de aguça-
da criticidade é, realmente, um grande desafio, BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Estética da
que precisamos assumir com responsabilidade, criação verbal. 5. ed. São Paulo: Martins
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286
Tema

Ensino
e
aprendizagem
de línguas
Produção oral e escrita em inglês como
Texto 1 L2 mediada por tecnologias digitais

Janaina Weissheimer
Lorena Azevedo de Sousa vez que a tecnologia traz uma série de vantagens
Diêgo Cesar Leandro
(BROWN, 2007), dentre elas a prática multimo-
dal, adequando-se ao estilo de aprendizagem do
Introdução aluno, e a conveniência para praticar a produção
Na área da Linguística Aplicada, estudos con- oral e escrita em um espaço privado, propício
duzidos no Brasil (SOARES, 2013; SOUSA, 2014; para cometer erros sem constrangimento.
OLIVEIRA, 2014; WEISSHEIMER; BERGSLEITHNER; Cursos híbridos representam uma tentativa
WEISSHEIMER; LEANDRO, no prelo, entre outros) de combinar os melhores elementos da sala de
têm advogado em favor do uso de tecnologias aula presencial com os aspectos da educação
digitais no processo de aprendizagem de inglês a distância (ROSEN, 2009). Tendo em vista que
como L2, apresentando resultados positivos no cursos exclusivamente presenciais podem não
que concerne ao desenvolvimento de habilidades considerar o ritmo e a motivação do aprendiz,
específicas na língua-alvo. O fato de os alunos, os cursos híbridos permitem, alternativamente,
considerados nativos digitais por Prensky (2006), que o aprendiz passe o tempo que julgar neces-
utilizarem com desenvoltura as tecnologias digi- sário online, segundo a sua necessidade, o seu
tais certamente estimula a realização de estu- ritmo e a sua motivação para aprender. Blake
dos que buscam validar a inserção dessas fer- (2011) revela que alunos que participaram de
ramentas no processo de aprendizagem. Nesse aulas online obtiveram melhores resultados do
contexto, oferecer aos alunos uma experiência que alunos que participaram de aulas exclusiva-
híbrida de aprendizagem parece relevante, uma mente presenciais; alunos expostos a experiên-

288
1 A Teoria de Noticing e a Hipótese do Output
cias híbridas de aprendizagem (aula presencial
mais aula online), por sua vez, obtiveram resul- Schmidt (1995, 1990) e Schmidt e Frota
tados ainda melhores. (1986) propõem que apenas o input não é sufi-
Com isso em mente, conduzimos um estudo ciente para o aprendizado. É necessário, ainda,
semiexperimental (NUNAN, 1992) envolvendo 42 que o aprendiz faça o registro cognitivo1. Em
aprendizes de inglês como L2 expostos a uma outras palavras, o noticing é a condição básica
experiência híbrida de aprendizagem com as fer- para haver a aprendizagem dos aspectos lin-
ramentas VoiceThread (VT) e GoogleDocs (GD), uti- guísticos de uma L2. Essa ideia de noticing está
lizadas respectivamente, na prática sistemática relacionada com a descoberta individual, natural
da produção oral e escrita em inglês durante o e espontânea do aprendiz, sem nenhuma instru-
semestre acadêmico. Do total de 42 participan- ção de aspectos gramaticais ou ensino explícito
tes, 25 praticaram a produção oral com o VT e 17 pelo professor (BERGSLEITHNER, 2009). Sendo
praticaram a produção escrita colaborativa com assim, essa concepção de noticing não inclui a
o GD. A produção oral dos aprendizes foi analisa- instrução formal de gramática, fonologia, mor-
da estatisticamente em termos de complexidade fologia etc., em sala de aula. Os professores
sintática, enquanto que a produção escrita foi podem instruir os aprendizes com as regras,
analisada em termos de densidade lexical. Os explicitamente, porém o processo atencional
dados obtidos foram tratados quantitativamente
por meio da ferramenta SPSS.
1 Neste capítulo, os termos registro cognitivo e noticing são utilizados intercam-
biavelmente, como sinônimos, conforme Bergsleithner (2009).

289
dos aprendizes é, até certo ponto, independen- aquisição2. Ao investigar a relação entre a instru-
temente motivado (BERGSLEITHNER, 2009). ção e o noticing de mecanismos subsequentes
O noticing, como originalmente definido por de modificação da língua inglesa, Frota e Bergs-
Schmidt (1990), acontece quando o aprendiz per- leithner (2013) verificaram um aumento da sen-
cebe ocorrências de regras no input subsequente sibilidade à estrutura-alvo (oração substantiva)
à explicação, em um contexto de uso natural da no insumo mediante instrução.
língua por meio da interação. Entretanto, nesta Baseada na Teoria de Noticing, a Hipótese
pesquisa utilizamos a noção de noticing adotada do Output (SWAIN, 1993, 1985) propõe que a pro-
por Bergsleithner (2007, p. 104), a qual estabe- dução de L2, por meio da fala ou da escrita, pode
lece que o registro cognitivo “pode ser induzido estimular a aquisição por encorajar o aprendiz a
por qualquer tipo de instrução, implícita ou ex- processar a L2 sintaticamente. Enquanto o apren-
plícita, quer seja somente implícita ou somente diz pode compreender uma mensagem sem ana-
explícita, quer seja instrução explícita intercalada lisá-la sintaticamente, a produção o leva a prestar
com a instrução implícita”. atenção às formas com as quais ele pretende ex-
Para Ellis (1997), o conhecimento explícito pressar a mensagem. Consequentemente, essa
pode facilitar o processo de percepção de ele- hipótese sugere que a produção pode, de fato,
mentos linguísticos durante a exposição ao input,
bem como levar o aprendiz a perceber (notice) 2 No modelo computacional de aprendizagem de L2 (ELLIS, 1997), assimilando-
-se à teoria de Schmidt, teríamos, primeiramente, a exposição do aprendiz ao
as lacunas na sua produção, fazendo-o passar insumo linguístico (input), oportunizando a percepção de elementos linguís-
do processo de internalização (intake) para o de ticos (noticing), o que pode levar a um processo de internalização (intake) da
nova informação e, subsequentemente, à aquisição desses elementos.

290
promover a aquisição por fazer o aprendiz reco- somente parcialmente; (c) a função de testar hi-
nhecer as lacunas existentes na sua interlíngua e póteses a respeito das estruturas e significados,
tentar solucionar esses problemas (IZUMI; BIGE- em outras palavras, experimentar novas formas
LOW, 2000). Na mesma linha, Izumi (2002) argu- e estruturas, adicionando e reestruturando sua
menta que o output constitui não apenas o produ- interlíngua a fim de se comunicar; e (d) a função
to do aprendizado ou o meio pelo qual o aprendiz metalinguística, que é a reflexão sobre sua pró-
pratica a língua para aumentar sua fluência, mas pria produção oral ou a produção de outrem.
também um fator causal potencialmente impor- No estudo aqui reportado, os participantes
tante no processo de aquisição. produziram a L2 (inglês) oral e escrita, utilizando
Conforme foi proposto por Swain (1995, ferramentas da Web 2.0, nomeadamente o Voi-
1993), o output desempenha quatro funções ceThred e o GoogleDocs, apresentados a seguir.
no processo de aprendizagem de uma L2: (a)
a função de prática dos recursos linguísticos, 1.1 Desenvolvimento da produção oral e escrita
permitindo atingir gradativamente a automa- por meio do VoiceThread e do GoogleDocs
ticidade do seu uso (fluência); (b) a função de
gatilho, que diz respeito ao fato de que, ao pro- De acordo com Bottentuit Junior, Lisbôa e
duzir a L2 (vocal ou subvocalmente), os apren- Coutinho (2009) e com o site voicethread.com, o VT
dizes podem perceber uma lacuna entre o que é uma ferramenta colaborativa assíncrona por meio
querem dizer e o que sabem dizer, fazendo com da qual é possível criar apresentações com o auxílio
que reconheçam o que não sabem ou sabem de imagens, documentos, textos e voz, permitindo

291
que grupos de pessoas naveguem e contribuam com os alunos editarem seu output após se ouvirem
comentários por meio de cinco maneiras, utilizan- pode ajudá-los a melhorar sua produção oral.
do: voz (com microfone ou telefone), texto, arquivo O GD é um editor online de textos, similar
de áudio ou vídeo (webcam). Essas apresentações aos programas mais populares no mercado,
podem ser configuradas como privadas, podem ser que integra uma suíte de aplicativos do Google
compartilhadas com pessoas específicas ou, ainda, já incorporados à educação (MATTAR, 2013) e
podem ficar disponíveis para todo o mundo. que permite que usuários geograficamente dis-
Ao ter a oportunidade de gravar e regra- persos trabalhem, síncrona ou assincronamen-
var inúmeras vezes suas falas por meio da fer- te3, em um mesmo documento, planilha, apre-
ramenta VT, os participantes podem arriscar sentação ou formulário. As edições feitas pelos
mais, testar novas estruturas, perceber mais coautores são automaticamente registradas e
seus próprios erros e se autocorrigir. Presumi- podem ser visualizadas por meio do histórico de
mos que esses processos poderão levá-los ao revisões, que identifica o trecho editado, o usu-
registro cognitivo das estruturas e, consequen- ário que realizou a edição, a data e o horário da
temente, ao desenvolvimento da língua, pois es- edição. Esse tipo de registro foi fundamental em
tarão expostos a uma maior frequência do input investigações como a de Weissheimer e Soares
e do output (SKEHAN; FOSTER, 1996; SKEHAN, (2012) e Weissheimer, Bergsleithner e Leandro
1996). Essa hipótese se coaduna com o aponta-
3 Na comunicação síncrona, no caso do GD, os coautores acompanham em
do por Swain e Lapkin (1995), ou seja, o fato de tempo real as alterações feitas no texto e podem discuti-las por meio do
bate-papo, enquanto que na comunicação assíncrona, é possível inserir co-
mentários ao longo do texto e enviar e-mails aos coautores.

292
(2012), nas quais o foco da análise foi a natureza net [...] oferece situações de comunicação au-
das edições realizadas pelos coautores colabo- tênticas”. Acreditamos que por meio do uso da
rando por meio do GD. tecnologia, que é parte do nosso cotidiano social
Ao escrever colaborativamente por meio do e do cotidiano dos nossos aprendizes, é possí-
GD, os aprendizes de L2 lidam com o input dos vel chegar ao estágio de transformação descrito
colegas coautores, o que oportuniza o processo por Gibson (2001), modificando-se a postura do
de noticing, por meio da revisão textual e subse- professor e do aprendiz. Da mesma forma, en-
quente correção de erros, não somente os do tendemos que ao lidar com ferramentas digitais,
próprio autor, mas também dos colegas coauto- o aprendiz pode desenvolver sua autonomia, i.e.,
res (WEISSHEIMER; BERGSLEITHNER; LEANDRO, sua responsabilidade pela própria aprendiza-
2012). Pierre Lévy (2007) advoga que o papel do gem (HOLEC, 1981 apud FRANCO, 2013).
educador é ajudar os indivíduos a aprender co-
laborativamente, o que pode gerar um conheci- 2 Metodologia
mento mais profundo (PALLOFF; PRATT, 2002), à
medida que os aprendizes refletem sobre o con- O estudo reportado neste capítulo teve
teúdo escrito, a mensagem, o léxico empregado como objetivo verificar de que maneira a prática
etc. (LEANDRO; WEISSHEIMER; COOPER, 2013). com as ferramentas VoiceThread (VT) e GoogleDo-
Concordamos com Franco (2008, p. 149) cs (GD) pode impactar a produção oral e escri-
quando este pondera que, “ao contrário da sala ta de aprendizes de inglês como L2. Buscamos
de aula tradicional, que muitas vezes estimula a responder às seguintes perguntas de pesquisa:
mera imitação de modelos linguísticos, a Inter-

293
(1) De que forma a prática sistemática com mente a produção oral desses participantes, em
a ferramenta VT pode impactar a produção termos de complexidade sintática. Os escores do
oral, em termos de complexidade sintática, dos pré e do pós-teste do grupo experimental foram
aprendizes de inglês como L2? comparados aos escores do pré e do pós-teste
(2) De que forma a prática sistemática com do grupo controle, o qual não foi exposto ao VT.
a ferramenta GD pode impactar a produção es- Para responder à segunda pergunta de pes-
crita, em termos de densidade lexical, dos apren- quisa, 17 aprendizes de inglês como L2 (também
dizes de inglês como L2? oriundos da UFRN) foram requisitados a escrever
A fim de responder à primeira questão, 49 colaborativamente três narrativas na modalida-
aprendizes de inglês como L2 participaram da de flash fiction4, por meio do GD, durante 11 se-
pesquisa, divididos em grupo experimental (25 manas. A primeira e a última narrativa de cada
alunos) e grupo controle (24 alunos). À época grupo recebeu uma nota de densidade lexical,
da coleta de dados, os participantes cursavam o igualmente atribuída a cada um de seus coau-
nível três (pré-intermediário) do Instituto Ágora, tores. Logo, a primeira narrativa é configurada
na Universidade Federal do Rio Grande do Norte como pré-teste de densidade lexical e a segunda
(UFRN), que utiliza a abordagem comunicativa. narrativa é configurada como pós-teste de densi-
O grupo experimental foi exposto a uma ex- dade lexical. As notas foram comparadas estatisti-
periência híbrida com o VT durante oito semanas camente, por meio do SPSS (Statistical Package for
e, por meio de um pré e um pós-teste, verificamos 4 Trata-se de uma modalidade de escrita que surgiu nas comunidades virtuais
se essa prática sistemática influenciaria positiva- e que representa o interesse da nossa sociedade por informações e histórias
rápidas (GURLEY, 2000).

294
the Social Sciences), para verificarmos se, à medida te experimental, os participantes devem ser esco-
que escreviam colaborativamente, os participan- lhidos aleatoriamente (NUNAN, 1992; DÖRNYEI,
tes passariam a fazer mais substituições lexicais, 2007); entretanto, apesar da escolha dos parti-
o que representaria o desenvolvimento de seus cipantes não ter sido feita de maneira aleatória,
repertórios de palavras na L2 em questão. esta pesquisa ainda caracteriza-se como semiexpe-
Os dados gerados pelos pré e pós-testes rimental (NUNAN, 1992), por possuir grupos con-
de ambos os grupos – VT e GD – foram tabu- trole e experimental, além de terem sido aplicados
lados, calculando-se a complexidade sintática pré e pós-testes a ambos os grupos.
da produção oral dos aprendizes e a densidade
lexical da produção escrita. A complexidade é 2.1 Instrumentos e procedimentos
operacionalizada como o número de orações su- de coleta de dados
bordinadas por minuto (WEISSHEIMER, 2007); e
a densidade lexical é operacionalizada como a Nas produções orais no VT, o pré-teste
relação entre o número de palavras produzidas consistiu em descrever uma figura durante, no
com propriedades lexicais e o número de pala- mínimo, um minuto, para que a complexidade
vras produzidas com propriedades gramaticais sintática das falas dos participantes fosse ava-
(WEISSHEIMER, 2007; MEHNERT, 1998). liada. O teste foi baseado na terceira parte da
Segundo Dörnyei (2007), uma pesquisa quan- avaliação de speaking do PET (Preliminary En-
titativa caracteriza-se por compreender amostras glish Test), de Cambridge. O pós-teste consistiu
de informações numéricas e emprego de instru- no mesmo procedimento do pré-teste: os par-
mentos estatísticos. Em um estudo essencialmen- ticipantes de ambos os grupos, experimental e

295
Figura 1 – Interface da ferramenta VT
controle, tiveram que descrever uma figura, di-
ferente daquela utilizada no pré-teste, para que
sua complexidade fosse reavaliada.
Entre o pré e pós-teste, com um intervalo
de oito semanas, o grupo experimental passou
por uma intervenção pedagógica híbrida através
de sessões de atividades de produção oral por
meio da ferramenta VT (Figura 1), a cada 10 dias,
aproximadamente. A primeira sessão foi sobre
a última viagem que os alunos haviam feito ou
como haviam sido as últimas férias. A segunda
sessão consistiu em descrever quais seriam seus
planos para as próximas férias. Na terceira ati- Fonte: voicethread.com
vidade, eles tiveram que falar sobre sua rotina
diária e, por último, na quarta tarefa, tiveram Nas produções escritas, os 17 participantes
que falar sobre o seu melhor amigo5. produziram, em pequenos grupos, durante 11
semanas, um total de 16 narrativas flash fiction,
por meio do GD. Cada uma das 16 narrativas
5 As respostas completas dos participantes podem ser acessadas nos seguin- analisadas recebeu uma nota de densidade lexi-
tes endereços: <voicethread.com/share/4451867/>; <https://voicethread.
com/share/4507044/>; <voicethread.com/share/4569365/>; e <voicethread. cal, igualmente atribuída aos seus coautores. A
com/share/4596397/>.

296
Figura 2 – Narrativa flash fiction publicada no blog Flash Blast
primeira e a última narrativa produzida por cada
grupo de coautores representam, respectiva-
mente, o pré e o pós-teste de densidade lexical.
Todas as narrativas flash fiction publicadas
pelos participantes por meio do GD foram publi-
cadas no blog Flash Blast (Figura 2), para que pu-
dessem ser lidas e votadas por qualquer pessoa
online. Os autores das narrativas consideradas
mais interessantes eram premiados em sala de
aula, como estratégia de motivação para o de- Fonte: flashblast.blogspot.com.br
senvolvimento da tarefa.

2.2 Instrumentos e procedimentos


de análise de dados

As descrições orais das tarefas no VT, de


no mínimo um minuto, referentes ao pré e pós-
-testes foram transcritas e tabuladas, e a com-
plexidade sintática foi calculada dividindo-se o
total de orações subordinadas pelo tempo total
falado, multiplicando esse resultado por 60 Já na

297
análise da produção escrita dos textos gerados Wilcoxon6, equivalente ao teste-t paramétrico para
no GD, adotamos o modelo de análise descrito variáveis dependentes, utilizado para comparar
em Weissheimer (2007): primeiramente, dividi- 2 sets de pontuação de um mesmo grupo de par-
mos os itens linguísticos em itens gramaticais e ticipantes, ou seja, investigar se houve alguma
itens lexicais e, posteriormente, itens gramati- mudança do pré para o pós-teste dos grupos ex-
cais e lexicais foram divididos em itens grama- perimental e controle, no caso dos participantes
ticais de alta e baixa-frequência e itens lexicais que utilizaram o VT, e verificar se foram feitas
de alta e baixa-frequência. Para atribuir a nota mais substituições lexicais da primeira para a
de densidade lexical ponderada, dividimos o última narrativa flash fiction de cada grupo, no
total de itens lexicais ponderados pelo total de caso dos participantes que utilizaram o GD.
itens linguísticos ponderados e multiplicamos o
resultado por 100. O mesmo procedimento foi 3 Resultados e Discussão
seguido para analisar cada uma das narrativas
flash fiction produzidas pelos aprendizes. Nesta seção, trazemos os resultados obti-
A produção linguística dos aprendizes, oral dos por meio da análise quantitativa da produ-
e escrita, foi analisada quantitativamente por ção oral, mediada pelo VT, e da produção escrita,
meio de testes estatísticos da ferramenta SPSS. mediada pelo GD, de aprendizes de inglês como
Submetemos os dados ao teste não paramétrico L2 envolvidos na experiência de aprendizagem
6 Uma pré-análise dos dados numéricos revelou uma distribuição anormal (cf.
Dörnyei, 2007), o que nos levou a optar por testes não paramétricos, como é
o caso do teste Wilcoxon do SPSS.

298
híbrida descrita anteriormente. Primeiramente, Como podemos visualizar na Tabela 1, ao
apresentamos e discutimos os resultados da compararmos a complexidade sintática entre
complexidade sintática na produção oral e, em o pré e pós-testes, percebemos que não houve
seguida, apresentamos e discutimos os resulta- mudança na média do grupo experimental,
dos da densidade lexical na produção escrita. porém houve uma diminuição na média do
grupo controle de 2,54 pontos (10,46 – 13,00 =
3.1 O
 impacto da ferramenta VoiceThread -2,54). Podemos verificar, também, que a média
no desenvolvimento da produção oral do pós-teste do grupo experimental foi supe-
em termos de complexidade sintática rior à média do grupo controle (11,00 > 10,46)
e que, apesar de não ter atingido significância
A primeira pergunta de pesquisa aborda estatística, o valor de p do grupo experimental
de que forma a prática sistemática com a fer- apresentou um resultado mais próximo da sig-
ramenta VT impacta o desenvolvimento da pro- nificância (p = 0,339) que o do grupo controle (p
dução oral – em termos de complexidade sintá- = 0,758). Esses fatores podem ser interpretados
tica – dos aprendizes de inglês como L2. A fim como tendência a uma possível influência posi-
de respondermos a essa questão, investigamos tiva da ferramenta VT na complexidade sintática
se houve algum ganho significativo do pré para dos aprendizes, indicando que essa experiência
o pós-teste dos grupos experimental e controle pode ter impactado o número de orações su-
aplicando o teste Wilcoxon do SPSS. bordinadas produzidas por minuto, ou seja, a
complexidade na fala dos participantes.

299
Tabela 1 – Desenvolvimento da complexidade dos grupos ex-
perimental e controle e Skehan (1996), a frequência do input e do output,
Média
assim como a repetição da tarefa, levam ao no-
ticing e ao desenvolvimento da interlíngua. Ao
compararmos os grupos controle e experimen-
11,00
EXPprecomplexidade –
EXPposcomplexidade
tal, podemos perceber que o grupo experimen-
11,00
tal manteve seu padrão, enquanto que o grupo
13,00
CONprecomplexidade –
CONposcomplexidade
controle, que não teve a oportunidade de praticar
10,46
sua oralidade com o VT, obteve uma média de
EXPprecomplexidade –
EXPposcomplexidade
CONprecomplexidade –
CONposcomplexidade
complexidade sintática inferior no pós-teste.

Significância ,339 ,758


3.2 O impacto da ferramenta GoogleDocs no
Fonte: Dados da pesquisa.
desenvolvimento da produção escrita em
termos de densidade lexical
De acordo com Swain e Lapkin (1995), o ato
de gravar, se ouvir, editar e regravar inúmeras A segunda pergunta de pesquisa aborda
vezes suas falas com o VT, permite que os par- o impacto da escrita colaborativa com a ferra-
ticipantes testem novas estruturas e melhorem menta GD sobre o desenvolvimento da densida-
sua produção oral em termos de complexidade de lexical nas narrativas flash fiction produzidas
sintática (como podemos visualizar na Tabela 1). pelos aprendizes. A pontuação de densidade le-
Isso ocorre, pois, segundo Skehan e Foster (1996) xical da primeira e da última narrativa produzida

300
por cada grupo de coautores foi comparada por embora esse processo tenha durado apenas 11
meio do teste Wilcoxon do SPSS. semanas7.
Como podemos observar na Tabela 2, ao
compararmos a densidade lexical no pré-teste Tabela 2 – Desenvolvimento da densidade lexical nas narrati-
(primeira narrativa) e no pós-teste (terceira nar- vas produzidas colaborativamente

rativa), obtivemos um resultado estatisticamente Média


significativo (p = 0,004), o que nos permite afir-
mar que a escrita colaborativa mediada pelo GD
71,93
tem potencial para desenvolver a interlíngua dos EXPpredensidade –
EXPposdensidade 77,40
aprendizes de inglês como L2, os quais, durante
o processo de escrita, passam a produzir textos EXPpredensidade –
EXPposdensidade
com mais densidade lexical, i.e., com mais subs-
Significância ,004
tituições lexicais. Houve um aumento na média
dos coautores, de 71,93 no pré-teste para 77,40 Fonte: Dados da pesquisa.

no pós-teste, o que significa dizer que os apren-


dizes passaram a produzir textos lexicalmente Esse resultado positivo pode ser explicado
mais densos – i.e., com mais substituições lexi- pela própria natureza do trabalho colaborativo,
cais – durante o processo de escrita colaborativa, propiciado pelo uso de tecnologias como o GD.

7 Todavia, por não termos tido um grupo controle, não podemos afirmar que
os resultados advenham da prática de escrita colaborativa mediada pelo GD.

301
Durante as interações online via GD e também mensagem intencionada, sem ultrapassar o limite
presencialmente na universidade, o objetivo em de 100 palavras imposto pelo gênero produzido.
comum, ou seja, a produção das narrativas, fez
com que os aprendizes compartilhassem uns Considerações Finais
com os outros o conhecimento lexical que pos-
suíam na língua inglesa, levando-os a aprender A pesquisa reportada neste capítulo teve
novas formas de expressão do pensamento e, como primeiro objetivo verificar de que maneira
consequentemente, a empregar essas novas pa- a prática com a ferramenta VT poderia impactar
lavras, expressões, gírias etc. em suas narrativas, a produção oral dos aprendizes de inglês como
a fim de enriquecê-las lexicalmente. L2. Vinte e cinco alunos no grupo experimental
Semelhantemente, ao conduzir entrevis- utilizaram a ferramenta em uma abordagem hí-
tas com aprendizes que trabalharam colabora- brida, enquanto que outros 24 compuseram o
tivamente, Storch (2005) identificou como um grupo controle, que não foi exposto a essa ex-
dos pontos mais valorizados pelos aprendizes periência. De maneira geral, podemos afirmar
justamente a possibilidade de, ao trabalhar co- que nosso objetivo foi alcançado, pois os partici-
laborativamente, poder reunir e comparar mais pantes do grupo controle obtiveram uma média
ideias e, além disso, aprender novas formas de inferior de complexidade sintática no pós-teste,
expressar essas ideias. A produção escrita co- quando comparados aos participantes do grupo
laborativa parece ter forçado os aprendizes do experimental.
nosso estudo a buscar juntos novos itens lexicais, O segundo objetivo foi verificar de que ma-
os quais transmitissem mais satisfatoriamente a neira a prática de escrita colaborativa mediada

302
pelo GD impactaria o desenvolvimento da den- que o VT e o GD podem impactar positivamente
sidade lexical nas narrativas flash fiction produ- a produção oral e escrita dos aprendizes.
zidas pelos aprendizes ao longo de 11 semanas No tocante às limitações encontradas nesta
de intervenção pedagógica. O resultado da com- pesquisa, a principal foi o curto intervalo de
paração entre a primeira e a última narrativa tempo entre o pré e pós-testes e, consequen-
produzida pelos coautores foi estatisticamente temente, o reduzido período de tempo para a
significativo, o que significa dizer que, à medida prática da produção oral com a ferramenta VT
que praticaram a escrita colaborativa por meio e da produção escrita com o GD – limitação essa
do GD, os aprendizes passaram a realizar mais também citada pelos participantes. Outra limita-
substituições lexicais, o que supomos dever-se ção refere-se ao número de participantes deste
ao fato de compartilharem o conhecimento lexi- estudo. Acreditamos que uma exposição mais
cal uns dos outros durante os encontros online, duradoura ao VT e ao GD e uma amostra mais
via GD, e presencias, na universidade, com o ob- numerosa poderiam intensificar os resultados
jetivo de completar a tarefa. estatísticos obtidos com os dados quantitativos,
Independentemente de não termos alcan- tornando-os mais significativos.
çado uma significância estatística no caso da Por fim, em relação às implicações pedagó-
prática com o VT, os aprendizes do grupo expe- gicas deste estudo, esperamos ter contribuído
rimental apresentaram um resultado na direção para a discussão a respeito das potencialidades
esperada, ou seja, superior aos aprendizes do da tecnologia para a aprendizagem de L2. Alme-
grupo controle, corroborando o pressuposto de jamos que maior atenção seja dada à produção,

303
Referências
seja oral ou escrita, e que os professores a vejam
não somente como prática da língua – como tra- BERGSLEITHNER, Joara Martin. Working
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como um todo, de forma integral. Esperamos, – Universidade Federal de Santa Catarina,
também, que a tecnologia ajude na implemen- Florianópolis 2007.
tação de abordagens de ensino e aprendizagem
híbridas, a fim de que os aprendizes possam BERGSLEITHNER, Joara Martin. Mas
trabalhar no seu próprio ritmo, vencendo as afinal, o que é a Noticing Hypothesis?
suas limitações, sem a exigência de um raciocí- Revista Interdisciplinar, ano IV, v. 9,
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310
Texto
2 Educação plurilíngue: delimitação do campo de
pesquisa sobre a intercompreensão entre línguas românicas

Selma Alas Martins


Carmélia Pereira de Lima Delors (1996) propõe pilares para a educa-
Janaína Michelle França de Oliveira
Luíza de Marilac Veras Uchôa
ção do século XXI, baseado em um aprendizado
Maria Carolina LúgaroIzuibejeres que promova o conhecimento (aprender a co-
nhecer), a utilização do conhecimento adquirido
Introdução (aprender a fazer), assim como o desenvolvimen-
to integral das potencialidades dos aprendizes
O pensamento positivista não parece aten- (aprender a ser e a conviver). Morin (1999) trata
der às mudanças culturais, sociais, econômi- da construção de conhecimentos pertinentes
cas e geopolíticas que o mundo enfrenta neste para o (re)aprender a nossa própria condição
novo milênio. humana, de nossa própria identidade terrena,
Estamos assistindo, no século XXI, à passa- com base no ensinamento da compreensão,
gem de uma epistemologia positivista, de sim- diálogo e conhecimento, de forma a interagir
plificação e decomposição dos elementos, a uma com o outro, com respeito às suas diferenças
epistemologia da complexidade, de religação culturais e identitárias.
dos conhecimentos. No campo educacional, a O contexto político-social atual, portanto,
separação das disciplinas, a falta de integração praticamente exige o exercício de uma educa-
entre os conteúdos e disciplinas – influências do ção plurilíngue e pluricultural. É neste cenário de
modelo positivista –, está perdendo sua validade mudança de paradigma social e educacional que
para uma proposta mais integradora, formati- a intercompreensão entre línguas se apresenta
va, interdisciplinar e mais significativa para os
aprendizes.

311
como proposta inovadora de promoção de uma A definição que trata da IC como atributo
educação plurilíngue. pessoal remete à competência e à flexibilida-
O trabalho centrado na intercompreensão de da pessoa para dar sentido às palavras des-
entre línguas românicas, atual destaque das conhecidas em outra língua. Nessa dimensão,
nossas pesquisas no Programa de Pós-gradua- considera-se a sensibilidade dos sujeitos peran-
ção em Estudos da Linguagem, procura desen- te línguas e culturas. Podemos dizer que trata
volver a capacidade de compreensão escrita e da abertura com que cada pessoa se relaciona
oral em várias línguas estrangeiras tipologica- com o diferente, na tentativa de quebrar barrei-
mente aparentadas, vizinhas ou próximas, tendo ras que nos separam e abrir caminhos que nos
como ponto de partida a própria L1 do aprendiz, unem, inclusive, na diferença.
língua materna ou da família, enfim, com base Colocando a IC como um mecanismo
em línguas do seu conhecimento. usado na e para a comunicação, temos aqui a
O conceito de intercompreensão (IC) se relação dessa estratégia com a interação social
apresenta multifacetado, com diferentes defi- e, nesse caminho, chegamos à segunda catego-
nições, dependendo do escopo estudado. Por ria de definições que as autoras realizam: as
isso, como estratégia de estudo, Jamet e Spiţă que consideram a IC como um evento e real-
(2010) colocam as várias definições de IC dentro çam a dimensão da interação como um processo
de três categorias, divididas em temáticas domi- de aprendizagem.
nantes. Essas categorias são: a IC como atributo Nesse aspect, estão em jogo as capacida-
da pessoa, como evento e como didática. des e estratégias que os participantes de um

312
ato comunicativo, no qual participam duas ou Em Natal, temos como foco a intercompre-
várias línguas, põem em prática para alcançar ensão definida como atributo pessoal, mas em
a compreensão, a construção de sentido do dis- um sentido mais alargado, pois além de desen-
curso do(s) outro(s). volvimento da capacidade linguística de compre-
A noção de língua, como ponte de enten- ensão das línguas-culturas, procuramos traba-
dimento, a ideia de que não existem línguas lhar a dimensão formativa. Nossa intenção é o
mais importantes que outras e a procura da co- desenvolvimento de competência compreendida
municação por meio de atitudes facilitadoras como uma aquisição, um aprendizado construí-
subjazem essa dimensão da IC. do (PERRENOUD, 2000), partindo da valorização
Essa visão se relaciona estreitamente com dos conhecimentos prévios dos aprendizes.
o conceito de aprendizagem, focando o desen- Sendo assim, nosso trabalho está compro-
volvimento de saberes por meio de novas si- metido com a valorização do crescimento pesso-
tuações, apresentando uma ideia de processo al, mais do que com a aquisição de conhecimen-
de crescimento cognitivo. Relacionada à apren- tos linguísticos. Como demonstram as pesquisas
dizagem, temos a terceira categoria, que reúne a seguir, nosso propósito é despertar para outras
as definições da IC como conceito de didáti- línguas, mas que por meio do contato com outras
ca, que abrange tanto as operações cognitivas línguas-culturas os aprendizes se percebam e
postas em prática como o evento de interação percebam a realidade em que vivem.
social no qual a IC se produz.

313
1 Intercompreensão de línguas
românicas nas aulas de espanhol O professor e, especialmente, o professor
de idiomas, na escola regular se vê desafiado
A trajetória deste trabalho tem início em para buscar atividades e procedimentos meto-
nossa experiência como professora de línguas dológicos que funcionem como elementos de
estrangeiras tanto do ensino médio e fundamen- motivação e propiciem, não só a aprendizagem
tal em escolas regulares e bilíngues quanto em de estruturas linguísticas, mas também de co-
escolas de línguas. nhecimento cultural e, em se tratando de ado-
Desde o ano 2000 assumimos essas fun- lescentes, a transmissão de valores que
ções buscando aplicar com nossos alunos os favoreçam a convivência social, o respeito
paradigmas da nova educação, que colocam o pelo outro e pelas diferenças, a colaboração, a
aluno como protagonista e agente de sua pró- solidariedade, entre outros.
pria aprendizagem e o professor como media- Para alcançar os objetivos propostos no
dor desse processo e estimulador do estudo. A plano de ensino da disciplina, um dos caminhos
procura por um ambiente propiciador da aqui- encontrados foi desenvolver o Intercâmbio Vir-
sição do conhecimento linguístico, mas também tual entre alunos de um colégio de Córdoba-
da formação integral do jovem como cidadão -Argentina e um de Natal-Brasil. Sabemos que
respeitoso e tolerante dentro de um mundo di- realizar intercâmbios é uma das formas mais
verso e plural, tem sido um constante desafio em eficientes para a consolidação das competências
nossa carreira profissional. discursivas e interculturais dos estudantes de
língua estrangeira, e uma das maneiras pelas

314
quais os alunos se sentem mais motivados a O projeto de Intercâmbio Virtual supra-
aprendê-las. Porém, nem sempre é possível citado se enquadra, então, numa didática de
que os alunos de um mesmo curso possam se Intercompreensão de Línguas Românicas entre
locomover de um país para outro, como é o caso espanhol e português.
de nossa realidade latino-americana. Uma das Do ponto de vista mais amplo e em relação
soluções que encontramos para esse proble- ao aspecto cultural, o ensino mediado pela IC
ma foi a de utilizar a internet como espaço implica o desafio de mostrar aos alunos a im-
pedagógico, unindo lugares tão distantes como portância de uma abordagem de aproximação
Córdoba na Argentina e Natal no Brasil. a diferentes idiomas, procurando sensibilizar
A nossa pesquisa de Mestrado se encon- o aprendiz em relação à existência de outras
tra inserida nesse projeto e busca compreender línguas e outras culturas, fazendo com que o
melhor o contexto de aprendizagem, no qual tra- aluno perceba sua cultura e realidade perante a
balhamos, na tentativa de melhorar nossa práti- diferença. É importante assinalar que o trabalho
ca pedagógica. com a intercompreensão não pretende substi-
Nesse intuito e na procura de metodologias tuir a forma clássica de se aprender línguas es-
que estimulem o aluno a se envolver ativamen- trangeiras, centrada nas quatro habilidades: ler,
te no processo de ensino-aprendizagem, decidi- escrever, ouvir e falar, mas “constitue ainsi une
mos embarcar numa nova maneira de abordar nouvelle approche, un point de vue différent sur
o ensino de línguas, por meio da IC. la didactique des langues et sur les langues el-
les-mêmes qui ne vient pas en remplacement de

315
l’enseignement traditionnel mais, au contraire, que aprende” (MUÑOZ, 2004). As experiências
en complément de cedernier1 (ALAS-MARTINS devem partir de conhecimentos e vivências pré-
et al., 2011, p.165-166). vias que serão integradas às novas experiências e
No caso do projeto que nos interessa, são se transformarão em experiências significativas,
trabalhadas as representações que os brasilei- derivando em aprendizagem significativa.
ros têm dos argentinos, as quais, na maioria das Durante o trabalho realizado, nossos estu-
vezes, contribuem para o afastamento de cultu- dantes puderam relacionar suas novas expe-
ras. Na aproximação dos jovens, de ambos os riências às prévias (conceitos, conteúdos, co-
países, e na reflexão dos pontos em comum nhecimentos) e tiveram o professor como um
e divergentes, como um exercício da tolerância, mediador, um facilitador e um orientador das
por meio da comunicação em suas próprias lín- aprendizagens. Os alunos também vivenciaram
guas, estaremos focando na riqueza social, po- um processo de autorrealização e puderam ela-
lítica e cultural que a IC nos propõe. borar, desde a interação, um juízo valorativo
Considerando a aprendizagem como a cons- (juízo crítico) das aprendizagens adquiridas e
trução de representações pessoais significativas, intercambiadas.
adotamos como princípio um dos pressupostos A experiência do projeto procurou contri-
da teoria da aprendizagem significativa: “el apren- buir para um aumento da motivação dos estu-
diz sólo aprende cuando encuentra sentido a lo dantes pela aprendizagem. A motivação pode
1 Constitui uma nova abordagem, um ponto de vista diferente sobre a didática
apresentar diversas variantes e se apresenta
das línguas e sobre as próprias línguas, que não pretende substituir o ensino
tradicional, senão, pelo contrário, complementá-lo. Tradução nossa.

316
como um fenômeno complexo, pelo fato de di- (vídeos, cartas, encontros online, etc.) nas aulas
ferir de pessoa para pessoa. de língua estrangeira em escolas regulares? Como
Na área da Psicologia da Educação, estar a reflexão sobre as questões anteriores fornecem
motivado é mover-se para fazer algo (RYAN & caminhos para o desenvolvimento do pensamen-
DECI, 2000, p.54), se bem que a motivação não to crítico dos jovens, a fim de desenvolver valores
depende exclusivamente do indivíduo envolvi- e mudar representações estereotípicas? É pos-
do na aprendizagem, mas, também, nesse caso, sível perceber um incremento na motivação da
da criatividade com que o professor apresenta aprendizagem de uma língua estrangeira traba-
o conteúdo a ser trabalhado, tendo em vista lhando situações de língua autêntica e com base
que “a motivação é o conceito-chave para ter em uma aprendizagem significativa?
sucesso na aprendizagem de uma nova língua” Como objetivo geral propomos estudar
(DÖRNYEI, 2001; ELLIS, 1994). A interação com como um projeto de intercâmbio virtual entre
jovens pares de outro país, via textos autênti- jovens de países com línguas diferentes, porém
cos em diversos suportes textuais, utilizando a próximas (espanhol-português), pode contribuir
tecnologia que os adolescentes tanto gostam e para a formação integral do adolescente. Os ob-
dominam, é crucial na procura do aumento da jetivos específicos são: situar o processo de en-
motivação dos alunos do projeto em estudo. sino-aprendizagem de uma língua estrangeira
As inquietações que nos levam a fazer esta em uma abordagem de IC em uma perspectiva
pesquisa são as seguintes: é possível aplicar ati- relacionada a uma visão atual do ato pedagógi-
vidades diferenciadas e de maneira multimodal co; conhecer as representações dos alunos em

317
relação aos diversos aspectos culturais, identitá- No final do projeto, em julho de 2014, foi
rios e sociais que surjam a partir das interações, aplicado um novo questionário para conhecer
promovendo reflexão de forma a contribuir a opinião dos alunos sobre a experiência e as-
para uma atitude mais tolerante e de respeito pectos decorrentes da vivência do projeto. Es-
às diferenças; analisar a contribuição do projeto tamos na fase de análise do material coletado,
no incremento da motivação, interesse e signifi- com vistas a atingir nossos objetivos.
cância na aprendizagem da língua-alvo.
A presente pesquisa, etnográfica e quali- 2 Intercompreensão de línguas
tativa, está sendo desenvolvida em uma sala de românicas no ensino profissionalizante
aula de 1ª série e três salas de aula de 2ª série
de Ensino Médio de uma escola particular da No Brasil, a educação profissional já as-
cidade de Natal, onde a disciplina de Espanhol sumiu diferentes funções no decorrer de toda
é ministrada duas vezes por semana em aulas a história educacional. Na atualidade, objeti-
de 50 minutos cada uma. Para a geração dos va criar cursos que garantam perspectivas de
dados utilizamos um questionário inicial para trabalho e facilitem a qualificação de jovens
conhecer as expectativas que os alunos possu- para atender às demandas do mercado. Assim
íam a respeito do trabalho que seria desenvol- sendo, a formação profissional não se esgota
vido, as representações e crenças em relação na conquista de um certificado ou diploma. A
à cultura argentina e, especificamente, sobre nova política educacional estabelece a educa-
a cidade de Córdoba, além de outras questões ção continuada, permanente, como forma de
relevantes à pesquisa.

318
atualizar, especializar e aperfeiçoar jovens e cipalmente, em alunos provenientes do ensino
adultos em seus conhecimentos tecnológicos público, quanto à capacidade de aprendizagem
(LDBEM, 1996). de uma outra língua.
Visando ampliar o conhecimento desses Nossa grande motivação vem do desejo de
alunos, propomos o desenvolvimento da pes- favorecer uma quebra de paradigma acerca da
quisa intitulada “A intercompreensão no ensino- capacidade de aprendizagem de alunos oriun-
-aprendizagem de línguas: uma estratégia dos, em sua maioria, do ensino público e que,
para desenvolver a competência leitora e por escolha ou falta de oportunidade, não ti-
compreensão oral plurilíngues em alunos de veram acesso a um curso superior. No ensino
cursos profissionalizantes da área de hotela- profissionalizante, esperamos encontrar uma
ria”, que tem por objetivo desenvolver, através miscelânea de níveis de conhecimento, de expe-
da Intercompreensão de Línguas Românicas, a riências de vida; o que torna a realização desta
competência de leitura e compreensão oral de pesquisa mais desafiante, pois, ao propormos a
textos plurilíngues em alunos de cursos profis- esses sujeitos a imersão em um terreno move-
sionalizantes na área de hotelaria. diço do contato com línguas de mesma origem
As inquietações que nos impulsionam ao de sua língua materna, particularmente, as lín-
empreendimento desse trabalho se constituem guas francesa, italiana e espanhola, por meio da
a partir de nossa empiria como professora de Intercompreensão de Línguas Românicas, com-
língua portuguesa e francesa, em que observa- petência que se desenvolve apoiada nas seme-
mos um sentimento de baixa autoestima, prin- lhanças entre línguas, via estratégias de leitura

319
e compreensão oral de uma língua estrangeira tratégias da compreensão se fundam nas trans-
(JAMET, 2010), buscamos despertá-los para novas ferências e semelhanças linguísticas e culturais.
aprendizagens, aquisição de novas competências Diante da proposta de pesquisa, levanta-
para que, assim, percebam que têm capacidade mos os questionamentos a seguir: 1. É possí-
de aprendizagem superior ao que imaginam. vel desenvolver, através da Intercompreensão,
Fundamos nossa pesquisa na visão de que uma competência leitora e de compreensão
todo indivíduo possui capacidades plurilíngues, oral de línguas românicas? 2. O trabalho com a
em razão de dominar diferentes variedades lin- Intercompreensão de Línguas Românicas pode
guísticas. O plurilinguismo constitui o “repertó- ajudar no aumento da autoestima, fazendo com
rio de línguas utilizadas por um indivíduo, que que o aluno busque mais conhecimento? 3. O
engloba a língua materna e todas as outras va- desenvolvimento da competência leitora e da
riedades de língua que o indivíduo conhece” compreensão de textos orais em línguas româ-
(ESCUDÉ; JANIN, 2010). nicas pode contribuir para aumentar as poten-
A habilidade de leitura/compreensão oral cialidades dos sujeitos?
de textos é uma necessidade da vida moderna e, Escolhemos como público-alvo para desen-
na perspectiva da intercompreensão, trabalhar volver nossa pesquisa alunos de curso profis-
com textos em línguas românicas pode propor- sionalizante na área de hotelaria, em formação
cionar ao aluno abertura do seu conhecimento pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comer-
de mundo, aumento das perspectivas no merca- cial (Senac), no hotel-escola Barreira Roxa, em
do de trabalho, elevação da autoestima. As es- Natal-RN. Pretendemos desenvolver o trabalho

320
com a realização de um Curso de Extensão escopo. No entanto, partilhamos a opinião de
com carga horária de 60h/a, com material ela- Morin (2011, p.20), de que “há estreita relação
borado por nós, visando cada etapa de aprendi- entre inteligência e afetividade: a facul-
zagem do aluno, com uso de textos autênticos dade de raciocinar pode ser diminuída, ou
nas línguas-alvo da pesquisa – francês, espanhol mesmo destruída, pelo déficit de emoção”.
e italiano – que versem sobre a área do curso do As pesquisas iniciais envolvendo a afetivi-
aluno, ou seja, hotelaria. dade no ensino-aprendizagem de língua partem
Cada etapa da aprendizagem será acom- da hipótese de Krashen (KRASHEN, 1985, 2009),
panhada. Inicialmente, traçaremos o perfil so- ao afirmar que fatores como motivação, ansie-
cioeconômico e linguístico dos sujeitos com a dade e autoconfiança interferem no processo
aplicação de questionários. O aluno participará de aquisição de uma língua, sendo que, quanto
ativamente de todo o processo, quer nas ativida- mais alto for o filtro afetivo do aprendiz (an-
des propostas em sala de aula, quer na narração siedade), mais esse bloqueia a aprendizagem
de seu aprendizado por meio da elaboração de (hipótese do filtro afetivo).
um diário reflexivo de seu percurso plurilíngue, Mastrella-de-Andrade (2011) expõe a visão
no qual poderá expor suas descobertas, medos, de diversos autores acerca do papel da afetivi-
estratégias, dificuldades, etc. dade. Podemos condensá-los a partir das seguin-
Trabalhar tentando aferir fatores afetivos tes afirmações: a aprendizagem de uma língua
relacionados à aprendizagem de língua é um estrangeira (LE) em sala de aula é apontada
desafio, pois, no Brasil, ainda são incipientes como causa de ansiedade em alguns alunos,
os estudos que tenham essa proposta como em razão de eles terem que participar da aula,

321
demonstrar seu conhecimento; a aprendiza- siedade em relação ao desafio que lhe está sendo
gem de língua estrangeira seria uma das áreas proposto, vamos aumentando o grau de dificul-
que mais geram ansiedade nos aprendizes; a dade, ou melhor, de exigência de compreensão
aprendizagem de LE é um processo perturbador. nas línguas-alvo. Assim, pretendemos iniciar com
Atribuímos o sentimento de “ansiedade” e con- a compreensão leitora e, gradativamente, chegar-
sequente abalo à autoestima, ao fato de o pro- mos até à compreensão oral, buscando sempre
cesso de ensino-aprendizagem estar marcado fazer com que o aluno perceba seu progresso,
pela visão negativa de “avaliação”. O que causa por meio da autoavaliação.
a ansiedade não é o ensino- aprendizagem em
si, mas a forma como é trabalhado, a pressão
por um rendimento satisfatório, a avaliação.
Em nossa pesquisa, o trabalho com textos
plurilíngues se dará de forma gradual, levando
sempre o aluno a ativar e valorizar conhecimentos
que já possui. Como não haverá um fator explícito
de avaliação, a atribuição de nota; acreditamos
ser esse um fator que favorecerá o desenvolvi-
mento da pesquisa, pois, à medida que o sujeito
for se percebendo capaz, plurilíngue, aumente
sua autoestima, autoconfiança e diminua sua an-

322
3 A Intercompreensão
nas aulas de língua inglesa línguas estrangeiras, então, devemos repensar
a nossa prática quando alguns aprendizes não
A experiência como professora nos permi- se projetam como bem- sucedidos, nesse caso,
tiu observar por diversas vezes a insegurança acerca da compreensão da língua inglesa.
por parte de alguns alunos no que diz respeito Diante desse contexto, foram levantados
à aprendizagem da língua inglesa, bem como a os seguintes questionamentos: 1) o que gera a
negação da capacidade de compreender e inte- baixa autoestima nos aprendizes, levando-os a
ragir quando em contato com textos ou falantes não se reconhecerem como indivíduos capazes
dessa e de outras línguas. de compreender a língua inglesa? 2) Será que
O estudo da língua-cultura inglesa, assim é possível aumentar a confiança e autoestima
como de qualquer outro idioma, deve possibi- por meio de uma abordagem plurilíngue? De que
litar a promoção de maior abertura para dife- maneira a Intercompreensão de Línguas Româ-
rentes formas de estruturar o mundo, possibi- nicas pode contribuir para o aumento da autoes-
lidades e oportunidades de agir no mundo de tima dos aprendizes da língua inglesa? 3) É pos-
forma crítica, permitindo que o cidadão tenha sível que esse tipo de abordagem traga reflexos
mais voz política, de acordo com os Parâmetros positivos para aprendizagem da língua inglesa?
Curriculares Nacionais (PCN, 1999), assim como Este estudo tem por objetivos: i) elencar o(s)
as Orientações Curriculares Nacionais (OCN) possível(is) motivo(s) apontado(s) pelos apren-
para o Ensino Médio no Brasil (BRASIL, 2006). dizes como gerador(es) de baixa autoestima; ii)
Refletindo dessa maneira, nós, professores de promover a confiança e a autoestima dos apren-

323
dizes por meio de uma abordagem plurilíngue ouvir relatos de professores sobre o baixo ren-
que valorize seus conhecimentos prévios; dimento das turmas dessa modalidade.
iii) avaliar se uma abordagem plurilíngue Pensando na insegurança que revela essa
centrada na intercompreensão de línguas ro- baixa autoestima entre certos alunos e na
mânicas pode refletir positivamente na apren- grande ansiedade que esse sentimento pode
dizagem da língua inglesa. gerar, elegemos como abordagem plurilíngue
Participam da pesquisa colaboradores de a Intercompreensão de Línguas Românicas, que
uma turma do 5º período, que corresponde a será utilizada como estratégia de aprendizagem
cinco semestres, do curso integrado de Manu- socioafetiva. Trabalho esse que será desenvolvi-
tenção e Suporte em Informática da Educação do por meio de músicas, textos curtos e palavras
de Jovens e Adultos (EJA) do Instituto Federal em línguas românicas – tais como italiano, espa-
do Rio Grande do Norte (IFRN) do campus Cur- nhol e francês – e também em língua inglesa.
rais Novos. A EJA é uma modalidade de ensino Embora não seja de origem românica, boa
que visa proporcionar aos indivíduos que não parte do vocabulário da língua inglesa é româ-
tiveram acesso ou que não conseguiram con- nico, derivado do francês. O francês aparece
cluir o ensino fundamental ou médio, na idade também como uma ponte entre as línguas ro-
apropriada, uma oportunidade de ingressarem mânicas e germânicas (BRITO et al., 2013, p.21).
ou terminarem os estudos. Por esses alunos es- A Intercompreensão (IC) para a aprendizagem
tarem desnivelados e, muitas vezes, por terem da língua inglesa é justificada pelo fato de ela
passado algum tempo sem estudar, é comum compartilhar, em parte, com as línguas români-

324
cas mencionadas acima, uma origem comum, o Para tanto, foram planejadas três sequên-
latim. Partindo da proximidade entre as línguas, cias didáticas (SD), equivalendo a primeira sequ-
a IC envolve a gestão de competências e conheci- ência a 10h/aula, a segunda a 20h/aula e a tercei-
mentos prévios, principalmente, linguístico e cul- ra, a 10h/aula. Na primeira, está sendo feita uma
tural, que encorajam as comparações e a trans- sensibilização para as línguas, voltando a atenção
ferência de uma língua para a outra (SANTOS & dos alunos para a identificação das línguas en-
ANDRADE apud VALENTE, 2010, p.68) Com isso, volvidas e para o conhecimento linguístico que
acreditamos que a IC ajudará a baixar o filtro está em nosso entorno e como aproveitá-lo; na
afetivo (KRASHEN, 1985, 2009) dos participantes segunda, serão trabalhados textos com um tema
no que diz respeito à compreensão escrita da comum em quatro idiomas, a citar o italiano, o
língua inglesa. espanhol, o francês e o inglês, explorando a fa-
Para favorecer a confiança dos alunos, miliaridade entre as línguas, valorizando o co-
procuramos, também, a valorização do conhe- nhecimento prévio e as estratégias de leitura; na
cimento prévio, esperando resultar em uma terceira, serão trabalhados somente textos em
aprendizagem mais significativa (AUSUBEL apud inglês, esperando-se que as estratégias utilizadas
MOREIRA, 2011). Ou seja, procuramos valorizar para a compreensão dos três primeiros idiomas
os conhecimentos que os aprendizes já pos- citados, bem como a percepção em relação aos
suem sobre as línguas estrangeiras para, então, conhecimentos prévios e o apoio na língua ma-
nos aproximarmos daquela língua mais distan- terna, o português, sejam transferidos em bene-
te, neste caso, a língua inglesa. fício da compreensão da língua inglesa.

325
Além disso, utilizamos, inicialmente, como Santos (2010), Lemos (2011); Degache (2012),
ferramenta metodológica, questionários, entre- Robert (2013) para embasar a Intercompreen-
vistas e, ao longo do processo, utilizaremos ano- são; e o conceito de aprendizagem significativa
tações de campo e relatos dos alunos de como de Ausebel (apud Moreira, 2011).
se sentem em relação ao processo e à compreen- A expectativa gerada em torno deste estudo
são de diferentes línguas, principalmente, frente é que, por meio de um trabalho de valorização
à língua inglesa. Esses instrumentos têm como dos conhecimentos prévios em uma abordagem
objetivo mostrar o ponto de partida em que os plurilíngue de Intercompreensão de Línguas Ro-
alunos se encontram quanto à autoestima em mânicas e inglesa, seja possível aumentar a auto-
relação à aprendizagem de línguas (questionário confiança e a autoestima dos envolvidos na pes-
e entrevista) e analisar o processo (anotações de quisa acerca da compreensão, sobretudo escrita,
campo feitas pelopesquisador e depoimento dos da língua inglesa. E, por que não, também ampliar
alunos quanto ao desenvolvimento das ativida- os estudos sobre Intercompreensão em Línguas
des e seu engajamento com elas). Românicas sob a perspectiva da afetividade e de
Para fundamentar este estudo traremos sua utilização como estratégia de ensino e apren-
para as nossas reflexões, dentre outros auto- dizagem que sensibiliza e proporciona a abertu-
res, Edgar Morin (2011), Mastrella (2011), Ma- ra para as diversas culturas em um ambiente de
turana e Varela (1995), Maturana (1998, 2001), ensino diferente, o da aula de inglês.
Krashen (1985, 2009); para afetividade, autores
como Martins (2010), Andrade e Pinho (2010),

326
4 Intercompreensão nas aulas
de língua portuguesa valorização da leitura literária nos livros didáti-
cos (utilizados, geralmente, como base para o
Como professora de língua portuguesa, ensino gramatical)?
percebemos que na educação infantil os alunos Como a compreensão de um texto, muitas
gostam de manusear livros infantis, ouvir ou vezes, requer toda uma contextualização por
ler histórias de contos de fadas e sonhar com parte do professor, que se depara, quase
os heróis de narrativas clássicas da literatura. sempre, com situações que requerem uma ex-
No entanto, ao chegarem ao ensino fundamen- plicação da formação da língua e sua história,
tal do 6º ao 9º ano esse encanto parece acabar essa adequação na aula nos leva ao esclareci-
por algum motivo. Essa constatação nos leva a mento da origem românica da língua portugue-
refletir e nos questionar sobre o que provoca o sa. Assim, procuramos articular uma aula plu-
desinteresse de alguns alunos/leitores nos anos rilíngue à de língua portuguesa, trabalhando a
finais do ensino fundamental, cuja base leitora é intercompreensão de Línguas Românicas numa
extremamente importante para sua formação, turma do ensino fundamental de uma escola
já que estão quase chegando ao ensino médio, pública de Natal.
onde terão de ler textos mais complexos. Essa Como o trabalho em sala de aula ocorre
desmotivação pela leitura estaria associada por meio do texto escrito, a utilização da didática
à dificuldade de compreensão leitora, falta do plurilinguismo nos parece apropriada para
de motivação para as aulas de leitura, poucas promover a diversificação do ensino- aprendi-
aulas diretamente com o livro literário ou pouca zagem de línguas, favorecendo a compreensão

327
leitora, uma vez que valoriza a capacidade de o Para a realização deste estudo partimos das
aluno “caminhar” por diferentes línguas – prin- seguintes questões: Como melhorar o interesse
cipalmente, por não se tratar de uma aula de pela literatura nos alunos? É possível viabilizar o
língua estrangeira –, e perceber, por meio de trabalho com textos literários plurilíngues numa
diversos textos, como os de cunho literário, a ri- aula de leitura do ensino fundamental? A utiliza-
queza de um vocabulário que vem do latim e que ção de estratégias de intercompreensão de lín-
perpassa por diferentes línguas, até chegar ao guas românicas pode motivar os alunos para a
português. Com essa dinâmica, intencionamos, leitura literária? Partindo dessas inquietações,
também, favorecer o aumento da motivação e formulamos como objetivo geral de nosso tra-
participação nas aulas de Língua Portuguesa. balho investigar como os alunos do Ensino Fun-
Assim, surgiu o interesse de desenvolver damental se utilizam do texto literário em sala
nossa pesquisa, intitulada “A intercompreen- de aula, através da aplicação de uma estratégia
são de línguas românicas no ensino fundamen- de educação plurilíngue por meio da Intercom-
tal: articulando Plurilinguismo e Educação em preensão de Línguas Românicas como método
uma proposta para a leitura literária em sala de de ensino. Os objetivos específicos são: (I) In-
aula”, que tem como objeto de estudo a aplica- vestigar o que pensam os alunos sobre a aula
ção da Intercompreensão de Línguas Românicas de língua materna e leitura literária; (II) aplicar
na aula de língua materna do ensino fundamen- atividades de leitura de textos literários tendo
tal como estratégia para aumentar o interesse como base a IC; (III) analisar se houve mudança
pela leitura de textos literários. em suas representações sobre leitura, escrita e

328
intercompreensão de textos após aplicação das Como metodologia utilizada neste estudo
atividades e (IV) apontar possibilidades quanto à destacamos que foi proposta uma pesquisa
inserção do Plurilinguismo e Intercompreensão etnográfica e qualitativa, na qual utilizamos a
como proposta pedagógica na motivação para a observação participativa, a entrevista e o ques-
aula de leitura literária do ensino fundamental. tionário como recursos principais para a gera-
É importante salientar que o trabalho se ção de dados, assim como notas de campo e
insere no processo de ensino-aprendizagem de a elaboração de atividades didáticas nas quais
leitura do texto literário como essencial para a promovemos, inicialmente, o encontro do aluno
formação leitora dos alunos. Assim, temos como com a literatura, dando-lhes oportunidade de ler
fundamentação teórica autores que tratam a lei- e conhecer alguns textos de gêneros literários,
tura literária em sala de aula como fundamen- como o conto, o poema, a crônica e o romance.
tal na formação leitora, como Amarilha (2003); A IC foi aplicada nas aulas de língua por-
Resende (1993); Kleiman (1999); Aguiar (1991); tuguesa de uma turma do 8º ano do Ensino
Silva Neto (2005); Solé (1998); Perrone-Moisés Fundamental em uma escola da rede pública es-
(2000); Lajolo (1993); entre outros. Sobre a in- tadual, onde atuamos como professora titular
tercompreensão, a revisão bibliográfica priori- da disciplina. Inicialmente, como sensibilização,
zou autores que buscam uma formação didática foram utilizados textos, vídeos e apresentação
plurilíngüe, como: Araújo e Sá; De Carlo; Antoine de slides que mostravam um pouco das línguas
(2011), Alas-Martins (2010; 2011), além de Doyé românicas e da cultura de alguns países falantes
(2005), entre outros. das mesmas. O objetivo era contextualizar as

329
línguas utilizadas nos textos apresentados jun- A pesquisa se encontra ainda em desenvol-
tamente com as atividades de leitura e produção vimento, no entanto, já podemos adiantar alguns
de textos, normalmente utilizadas em nossas resultados observados. Nas referidas atividades,
aulas. A partir dessa contextualização, foi possí- o aluno conheceu um pouco sobre as línguas es-
vel observar que os alunos tiveram oportunida- panhola, italiana e francesa, ao ler os textos su-
de de refletir a respeito de outras línguas, que geridos. Trabalhamos sempre com a ideia de que
não a materna, nem a língua estrangeira ensina- o texto literário traz muito mais do que apenas
da na escola, no caso o inglês. Trouxemos para um momento de diversão nas aulas. Ao lerem os
a turma pesquisada trechos de textos clássicos textos em sua própria língua, também aprende-
da literatura mundial, que compreendessem ram a fazer referências ao mesmo lido na língua
cada língua românica proposta pelo objetivo original dos autores, aprendendo sobre suas na-
geral da pesquisa e que tivessem palavras pare- cionalidades, as características dogênero estuda-
cidas com nosso idioma, assim como tivessem do; os conflitos vividos pelos personagens, que
ensinamentos que fossem importantes e atuais eram universais; as palavras parecidas com as
para o contexto da turma, no caso jovens ado- da língua portuguesa nas histórias; o desenvolvi-
lescentes entre 14 e 16 anos. Foram escolhidos mento do enredo e dos personagens caracterís-
os textos dos seguintes títulos: “D. Quixote de ticos de uma narração; assim como a discussão
la mancha”, de Cervantes (em espanhol e portu- de temas dos textos debatidos em sala de aula,
guês); “O pequeno príncipe”, de Antoine de Sain- como a coragem de ir atrás dos seus sonhos,
t-Exupéry (francês e português); e “Pinóquio”, de como em Quixote; a necessidade de cativar o
Carlo Collodi (italiano e português).

330
outro para a amizade e o companheirismo e a zê-los refletir sobre os temas universais tratados
aceitação, que ocorre com o pequeno príncipe; nos textos e que auxiliam na formação leitora e
e, por fim, o enfrentamento de desafios neces- cidadã. A literatura, utilizada desde sempre como
sários para o nosso crescimento e as causas e fonte de conhecimento, não pode ser esquecida
consequências de nossas ações, princípio visto ao ponto de ficar relevada apenas a um momen-
em Pinóquio. Tudo isso sem haver nenhum tipo to de uso da biblioteca escolar, ou, ainda, para
de separação entre os conteúdos bimestrais e entreter os jovens como preenchimento do horá-
os textos plurilíngues, uma vez que, em nenhum rio da aula. Concluímos nosso estudo reforçando
momento, tivemos a pretensão de ensinar uma que a intercompreensão nos parece concorrer
língua estrangeira, mas mostrar aos alunos um para a diversificação do ensino-aprendizagem de
conhecimento que pode ser adquirido se tiver- línguas, favorecendo a compreensão leitora, uma
mos acesso aos textos originais de uma literatura vez que valoriza a capacidade de o aluno “cami-
em outras línguas. nhar” por diferentes línguas e perceber, através
Sabemos que o aprendizado se dá por meio de diversos textos, como os de cunho literário,
do contato direto com o objeto do conhecimento. a riqueza de um vocabulário que vem do latim
O livro, neste contexto, serviu para o professor e que perpassa diferentes línguas até chegar ao
ir além do puro ensinamento gramatical de uma Português, podendo também servir para o au-
aula de língua. Trabalhando com a literatura, pro- mento da motivação e participação nas aulas de
curamos sempre atingir objetivos para melhorar Língua Portuguesa, contribuindo para seu desen-
a leitura e a escrita dos alunos, mas, também, fa- volvimento intelectual e formativo.

331
Considerações finais
2010). Muitos professores, por mais que fiquem
É incontestável que a opção de se trabalhar fascinados em contato com a proposta, ainda
com diversas línguas constitui um grande desa- têm receio de inovar e ousar em suas práticas.
fio didático-pedagógico, mas vale a pena. Uma A universidade procura cumprir seu papel,
dinâmica de valorização das línguas, inclusive da buscando construir, coletivamente, (comuni-
materna, deve ser percebida como um recurso dade universitária e professores de educação
cognitivo e não como um obstáculo para o pro- básica) novos saberes que possam orientar
cesso de aprendizagem. novas práticas. É levar conhecimento que a co-
Nosso objetivo é trabalhar a descoberta munidade científica produz para além da uni-
das línguas de um lado e, de outro, a própria versidade e, por outro lado, trazer, para dentro
percepção de si e do outro, em uma dinâmica de da universidade, novos agentes e conteúdos,
educação ao longo da vida. revelando uma dimensão mais real do processo
A investida é, portanto, ousada. Por mais dialógico do ensinar e do aprender. As pesquisas
que se evidenciem vantagens da didática da in- aqui apresentadas validam esse posto.
tercompreensão, nem sempre é fácil colocá-la
em prática. As pesquisas empíricas validamos Referências
benefícios de uma educação plurilíngue, porém,
são, na maioria das vezes, conduzidas por pro- AGUIAR, Vera Teixeira et al.. Leitura em crise
fessores e/ou pesquisadores familiarizados com na escola: as alternativas do professor. Porto
a didática da intercompreensão (MEISSNER, Alegre, Mercado Aberto, 1991.

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338
O ensino de LEs nos documentos
Texto 3 oficiais brasileiros: um breve histórico

Bruno F. de Lima
Ana Graça Canan Outro aspecto marcante nesse período foi
a preocupação em oferecer apoio metodológico
O ensino de Línguas Estrangeiras na Educa- ao ensino de LEs modernas, em especial ao de
ção Básica do Brasil ganhou destaque durante as Francês e ao de Inglês. Por isso, havia nesses
décadas de 1940 e 1950, precisamente a partir documentos não só uma indicação para uso
da reforma do ensino promovida pelo ministro do Método Direto, como também um detalha-
Gustavo Capanema. mento de procedimentos pedagógicos a serem
Na exposição de motivos em defesa das adotados em sala de aula a fim de garantir um
Leis Orgânicas do Ensino, o ministro Capanema aprendizado eficiente. Entre esses procedimen-
argumenta que a educação como um todo não tos destacam-se as orientações para a leitura,
deveria se prestar somente a fins instrumentais, começando com histórias fáceis até a progres-
comportamento que repercutiu no ensino de são para obras literárias completas, e o amplo
Línguas Estrangeiras – LEs (LEFFA, 1999). Con- uso de recursos audiovisuais como giz colorido,
forme o publicado na Portaria Ministerial 114, discos e filmes.
de 29 de janeiro de 1943, o ensino de LEs devia Entretanto, no caminho do ministério às
ser orientado também por objetivos educativos salas de aula, o Método Direto acabou se trans-
e culturais que contribuíssem, assim, para a “[…] formando num arremedo do Método de Leitura
formação da mentalidade, desenvolvendo hábi- Americano, já que, de acordo com Chagas (1957
tos de observação e reflexão e para o conheci- apud LEFFA, 1999, p. 11), a prática escolar to-
mento da civilização estrangeira” (BRASIL, 1943). mou-lhe apenas a forma exterior, tendo capta-

339
do somente sua “[…] liturgia, sem penetrar-lhe o ensino de Línguas Estrangeiras não era mais
o verdadeiro e profundo sentido”. obrigatório. Com isso a aprendizagem de Inglês
Já na segunda metade do século XX, o não era mais garantida à população que fre-
ensino de Línguas Estrangeiras em geral não quentava o ensino público no Brasil justamente
gozava de muito prestígio no Brasil. A partir dos em uma época na qual, em função de resquícios
anos 1960, as sucessivas reformas do ensino da Segunda Guerra Mundial, da dependência
foram, paulatinamente, reduzindo a carga ho- econômica em relação aos EUA e da influência
rária e a importância dessas disciplinas nos cur- da cultura americana por aqui, a necessidade de
rículos da Educação Básica. aprender a língua inglesa já havia se instalado
Um dos primeiros marcos nesse processo e a exigência dela no mercado de trabalho era
foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB notável (CHINA, 2008).
de 1961 (BRASIL, 1961). Essa lei deixava a cargo Dez anos depois era publicada a LDB de
dos Conselhos Estaduais de Educação a inserção 1971 (BRASIL, 1971a). Com foco na promoção do
de disciplinas optativas, entre elas as LEs, no cur- ensino profissionalizante, essa lei levou o ensino
rículo do Ensino Médio, desde que existissem as de LEs a uma condição crítica. Esse documento
devidas condições para fazê-la. Medidas como estabeleceu que o Ensino Médio (então chama-
essa terminaram por reduzir em dois terços o do de 2º grau) teria três anos de duração, nos
tempo semanal dedicado às Línguas Estran- quais o aluno deveria ser preparado com “[…] o
geiras em relação aos anos anteriores (LEFFA, mínimo a ser exigido em cada habilitação pro-
1999). Assim, em atendimento à LDB de 1961, fissional” (BRASIL, 1971a, Art. 4º, § 3º). Some-se

340
isso a expressa recomendação do governo fede- Não subestimamos a importância
ral para “[…] especial relevo ao estudo da língua crescente que assumem os idiomas
nacional como expressão da cultura brasileira no mundo de hoje, que se apeque-
[…]” (BRASIL, 1971a, Art. 4º, § 2º) e o resultado na, mas também não ignoramos a
é praticamente a retirada das LEs da organiza- circunstância de que, na maioria de
ção curricular do Ensino Médio. De acordo com nossas escolas, o seu ensino é feito
Leffa (1999), muitas escolas, a partir de então, sem um mínimo de eficácia. Para su-
não ofereciam mais que uma hora de aula de LE blinhar aquela importância, indicamos
por semana, às vezes durante apenas um ano. expressamente a “língua estrangeira
A expressão da pouca importância dada às moderna” e, para levar em conta esta
LEs na época se encontra também na Resolução realidade, fizemo-la a título de reco-
nº 08 do Conselho Federal de Educação, a qual, mendação, não de obrigatoriedade, e
em seu Artigo 7º, recomenda o ensino de uma sob as condições de autenticidade que
língua estrangeira moderna, a título de acrésci- se impõem (BRASIL, 1971c).
mo, “[…] quando tenha o estabelecimento con-
dições para ministrá-la com eficiência” (BRASIL, Somente mais de vinte anos depois, o
1971b). Noutro documento, o Parecer nº 853/71 ensino no Brasil passou por outra reforma sig-
do Conselho Nacional de Educação, apresenta- nificativa. Em 20 de dezembro de 1996, era pro-
-se a seguinte justificativa para esse tratamento mulgada a Lei nº 9.394, conhecida como a nova
ao ensino de LEs:

341
LDB1 (BRASIL, 1996). Segundo esse documento, estrangeira moderna, como disciplina obrigató-
em seu Art. 22, a Educação Básica, formada pela ria, escolhida pela comunidade escolar, e uma
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino segunda, em caráter optativo” (BRASIL, 1996).
Médio, tem por finalidades “[…] desenvolver o É também interessante pontuar que a nova
educando, assegurar-lhe a formação comum in- LDB, ao contrário de leis educacionais anterio-
dispensável para o exercício da cidadania e for- res, abandona a indicação de uma metodologia
necer-lhe meios para progredir no trabalho em específica para o ensino de LEs. Essa medida é
estudos posteriores” (BRASIL, 1996). coerente com o elenco de princípios da educa-
Graças à nova LDB, o ensino de Línguas ção nacional disposto pela LDB de 1996, no qual
Estrangeiras começa a recuperar um pouco da está o do “pluralismo de ideias e concepções pe-
importância dilapidada ao longo das décadas dagógicas” (BRASIL, 1996, Art. 3º, inciso III).
anteriores. O documento estabelece, no Artigo O pluralismo de concepções pedagógi-
26, § 5º, a obrigatoriedade da inclusão de pelo cas apresentado na LDB repercute no Parecer
menos uma língua estrangeira na parte diver- nº 15/98 do Conselho Nacional de Educação.
sificada do currículo do Ensino Fundamental, a Embora trate da organização das Diretrizes
partir da 5ª série. Para o Ensino Médio, etapa de Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e
aprofundamento dos conhecimentos adquiri- tenha força de lei, esse documento reconhece
dos no Ensino Fundamental, a lei recomenda, no a autonomia das escolas na montagem de suas
Artigo 36º, Inciso III, a inclusão de “[…] uma língua propostas pedagógicas e o protagonismo do
professor em sua execução. Vejamos a seguir o
1 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996).
que diz o parecer a esse respeito:

342
O currículo ensinado será o trabalho O documento, assim, passa a organizar os
do professor em sala de aula. Para que saberes em áreas curriculares, num esforço de
ele esteja em sintonia com os demais traduzir as recomendações da LDB em termos
níveis – o da proposição e o da ação mais próximos do fazer pedagógico da escola. Fica,
– é indispensável que os professores então, estabelecida a área de Linguagens, Códigos
se apropriem, não só dos princípios e suas Tecnologias que, entre outras coisas, obje-
legais, políticos, filosóficos e pedagó- tiva a constituição de competências e habilidades
gicos que fundamentam o currículo que permitam ao educando “[…] conhecer e usar
proposto, de âmbito nacional, mas língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como instru-
da própria proposta pedagógica da mento de acesso a informações e a outras culturas
escola. Outro reconhecimento, por- e grupos sociais” (BRASIL, 1998, p. 62).
tanto, aqui se aplica: se não há lei ou Foi também com base na constituição
norma que possa transformar o currí- dessas áreas que foram formatados documen-
culo proposto em currículo em ação, tos como os Parâmetros Curriculares Nacionais:
não há controle formal nem proposta Ensino Médio (BRASIL, 2000) e as Orientações
pedagógica que tenha impacto sobre Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
o ensino de sala de aula, se o profes- (BRASIL, 2006).
sor não se apropriar dessa proposta Além da área de Linguagens, Códigos e suas
como seu protagonista importante Tecnologias, os Parâmetros Curriculares Nacio-
(BRASIL, 1998, p. 58). nais: Ensino Médio (BRASIL, 2000) têm como um
de seus principais pilares a organização das dis-

343
ciplinas em outras duas áreas: Ciências da Na- que implicaram a não aplicação dos textos legais
tureza, Matemática e suas Tecnologias; Ciências (BRASIL, 2000). Para Almeida Filho (2001, p. 17),
Humanas e suas Tecnologias. O elo entre essas faltava também “[…] produção específica própria
áreas é a linguagem que, de acordo com o texto em teorização sobre ensino de línguas e crítica
do documento, media os atos de cognição que sustentada do ensino estruturalista fortemente
levam à aprendizagem. ortodoxo e em franca consolidação no país”.
A proposta de mudança no tocante ao De acordo com os PCNEM, uma vez inseri-
ensino de Línguas Estrangeiras como um todo das numa grande área – Linguagens, Códigos e
visa a reverter práticas monótonas e repetiti- suas Tecnologias –
vas, pautadas, “[…] quase sempre, apenas no
estudo de formas gramaticais, na memorização […] as Línguas Estrangeiras Moder-
de regras e na prioridade da língua escrita e, em nas assumem a sua função intrínse-
geral, tudo isso de forma descontextualizada e ca que, durante muito tempo esteve
desvinculada da realidade” (BRASIL, 2000, p. 26). camuflada: a de serem veículos fun-
Os PCNEM chamam a atenção para o fato de damentais na comunicação entre os
que, embora a legislação da primeira metade homens. Pelo seu caráter de sistema
do século XX já apontasse para um ensino de simbólico, como qualquer linguagem,
caráter mais prático, a redução da carga horá- elas funcionam como meios para se
ria, a falta de docentes devidamente qualificados ter acesso ao conhecimento e, portan-
e a escassez de materiais didáticos são fatores to, às diferentes formas de pensar, de

344
criar, de sentir, de agir e de conceber a um perfil comunicativo. Entretanto, como bem
realidade, o que propicia ao indivíduo afirma Almeida Filho (2001, p. 26), “[…] a prática
uma formação mais abrangente e, ao do ensino comunicativo não tem sido generali-
mesmo tempo, mais sólida (BRASIL, zada nos contextos nacionais e nem farta nos re-
2000, p. 26). sultados de uma aprendizagem eficaz”. O autor
salienta que tampouco existe um quadro teórico
Assim, ao abraçar esses compromissos, que respalde a prática de ensino comunicativo,
o ensino de LEs tenta se afastar do repasse de entre outras razões porque
conhecimentos metalinguísticos e da ênfase a
regras gramaticais, os quais refletem um foco […] o denominar(-se) comunicativo/a
exacerbado na forma. Para Widdowson (1991), por uma faceta errônea, superficial e/
a superconcentração na forma acaba por dire- ou fragmentada banaliza os sentidos
cionar a atenção do aluno para questões que o mais centrais da abordagem comunica-
uso normal da língua exigiria que ele ignorasse. tiva levando as críticas de espantalhos
Como efeito, tem-se o deslocamento da língua comunicativos criados para serem des-
que está sendo aprendida para um ponto distan- truídos em argumentação “vanguardis-
te da própria experiência linguística do aprendiz. ta” ou “ingênua” (2001, p. 27).
Vê-se, no texto do documento e na análise
dos autores citados, a clara recomendação para A exemplo disso, os PCNEM observam que
que a disciplina de Inglês no Ensino Médio tenha na ocasião de sua produção, a maioria das esco-

345
las centrava as aulas de Línguas Estrangeiras no […] podemos prontamente concor-
domínio dos aspectos formais da língua-alvo, ou dar com o fato de que a habilidade de
seja, focando as habilidades linguísticas de en- produzir orações é importantíssima na
tender, falar, ler e escrever, acreditando que, com aprendizagem de uma língua. É preci-
isso, os alunos seriam capazes de se sair bem so reconhecer, no entanto, que essa
numa situação real de comunicação. Todavia, não é a única habilidade de que ne-
o trabalho com essas habilidades, “[…] por dife- cessitam os estudantes. A pessoa que
rentes razões, acaba centrando-se nos preceitos domina uma língua estrangeira sabe
da gramática normativa, destacando-se a norma mais do que compreender, falar, ler e
culta e a modalidade escrita da língua” (BRASIL, escrever orações. Ela também conhe-
2000, p. 28). Nessa conjuntura, o ensino está mar- ce maneiras como as orações são uti-
cado por movimentos cíclicos ou pendulares, ora lizadas para se conseguir um efeito co-
ensinando a forma explicitamente, ora só implici- municativo (WIDDOWSON, 1991, p.13).
tamente (ALMEIDA FILHO, 2001, p. 21).
Widdowson (1991) considera que um Os Parâmetros se alinham com essa ideia
ensino com essas características redunda no de- ao afirmarem que é necessário conhecer as
senvolvimento da habilidade de produzir frases razões por que alguém precisa aprender uma
corretas, proposta ratificada por muitos profes- ou mais Línguas Estrangeiras para que, enfim,
sores, mas que, por várias razões, não é satisfa- se possa conceber uma aprendizagem signifi-
tório. Ele pondera que cativa. Defendem, ainda, que, se em vez de nos

346
determos às habilidades linguísticas, pensarmos •• compreender em que medida os enunciados
em competências a serem dominadas, talvez refletem a forma de ser, pensar, agir e sentir
seja possível determinar as razões que de fato de quem os produz;
justificam a inclusão de uma Língua Estrangeira
no currículo do Ensino Médio. Assim, a compe- •• utilizar os mecanismos de coerência e coesão
tência comunicativa seria alcançada a partir do na produção em língua estrangeira (oral e/ou
momento que fossem desenvolvidas as demais escrita). Todos os textos referentes à produ-
competências que a compõem, quais sejam ção e recepção em qualquer idioma regem-se
(BRASIL, 2000, p. 28-29): por princípios gerais de coerência e coesão
e, por isso, somos capazes de entender e de
•• saber distinguir as variantes linguísticas; sermos entendidos;

•• escolher o registro adequado à situação na •• utilizar as estratégias verbais e não verbais para
qual se processa a comunicação; compensar falhas na comunicação (como o fato
de não ser capaz de recordar, momentaneamen-
•• escolher o vocábulo que melhor reflita a ideia te, uma forma gramatical ou lexical), para favo-
que pretende comunicar; recer a efetiva comunicação e alcançar o efeito
pretendido (falar mais lentamente ou enfatizar
•• compreender de que forma determinada ex- certas palavras, de maneira proposital, para
pressão pode ser interpretada em razão de obter certos efeitos retóricos, por exemplo).
aspectos sociais e/ou culturais;

347
Os PCNEM ressaltam que a compartimenta- tes aos alunos, mantenha laços com seus “mundos
lização das competências, como o que pode ser reais” e propicie a comunicação. O autor explica
visto acima, tem caráter puramente didático. O que matérias como História, Geografia e Artes, por
documento reforça que, na busca de caminhos exemplo, fazem parte da própria experiência dos
para um trabalho efetivo com as competências, alunos e não há razão que justifique a disciplina
tanto essas quanto as próprias disciplinas da de Inglês não se relacionar com o mundo exterior
área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias por meio delas. Assim como Widdowson, Morin
têm de estabelecer inter-relação e interligação. (2011) argumenta que para que o conhecimen-
Ao proporem a articulação das Línguas to seja pertinente, a educação deve desenvolver
Estrangeiras com outras disciplinas a partir de formas de torná-lo evidente. Um modo plausível
uma abordagem conjunta de temas como hábi- de tornar o conhecimento evidente poderia ser
tos alimentares de outros povos, os Parâmetros justamente a abertura de diálogo entre os diver-
Curriculares querem deixar claro que nenhuma sos componentes do currículo.
área de conhecimento prescinde de outras e que Nesses termos, a aprendizagem passaria a
qualquer tentativa de desvinculá-las resultará na ser concebida como ampliação dos horizontes,
criação de situações altamente artificiais e gera- permitindo a compreensão de valores sociocultu-
doras de desinteresse (BRASIL, 2000). rais que são carregados por um idioma e promo-
Widdowson (1991) defende exatamente a vendo a quebra de estereótipos e preconceitos.
interdisciplinaridade como estratégia para que o Conforme expresso nos PCNEM, essa meta
ensino de Inglês proporcione experiências relevan- não é fácil. Mas, se o que se almeja é pôr em práti-

348
ca os princípios fundamentais do ensino de Inglês a fim de atender às necessidades e às expectati-
estabelecidos pelos documentos oficiais, a inter- vas das escolas e dos professores na estruturação
disciplinaridade pode ser o meio mais viável. É do Ensino Médio” (BRASIL, 2006, p. 8).
possível que no estreitamento das relações entre Conforme se pode ler desde a sua introdu-
as disciplinas, o aluno tome consciência da rele- ção, o cerne das orientações das OCNEM para
vância prática da língua-alvo como meio de co- o ensino de todas as línguas estrangeiras é a
municação e integração com o mundo. função educacional e a relevância que elas têm
Alguns anos depois dos PCNEM, a Secre- na construção da cidadania do aluno. China
taria de Educação Básica, por meio do Departa- (2008, p. 83) corrobora esse pensamento ao afir-
mento de Política do Ensino Médio, encaminha mar que o objetivo primordial para a inserção
aos professores as Orientações Curriculares da disciplina no currículo do Ensino Médio é o
Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), papel educacional da língua estrangeira, isto é,
com o objetivo de apresentar um conjunto de “[…] o ensino de língua estrangeira não tem fins
reflexões que alimente a prática docente. apenas de conhecimento linguístico, engloba os
Passados seis anos da publicação dos aspectos de interação social também”.
PCNEM (BRASIL, 2000), surgiu a demanda de As OCNEM começam a defender essa ideia
aprofundar alguns pontos apresentados por eles, citando pesquisas recentes que demonstram
bem como de “[…] desenvolver indicativos que que os alunos desconhecem o motivo da inser-
pudessem oferecer alternativas didático-pedagó- ção das LEs no currículo do Ensino Médio. Nas
gicas para a organização do trabalho pedagógico, falas desses alunos, observa-se que o sucesso

349
ou fracasso do ensino de Língua Estrangeira é aprendizes e na formação desses. A
analisado a partir de objetivos puramente lin- concentração em tais objetivos pode
guísticos que, quando não alcançados a conten- gerar indefinições (e comparações)
to, motivam a procura por institutos de idiomas. sobre o que caracteriza o aprendizado
O documento destaca a falta de clareza quanto dessa disciplina no currículo escolar e
às finalidades diferenciadas dessas duas insti- sobre a justificativa desse no referido
tuições, que fica evidente quando contexto (BRASIL, 2006, p. 90).

[…] a escola regular tende a concen- O ensino que enfatiza os aspectos linguís-
trar-se no ensino apenas linguístico ticos, ou seja, os conteúdos, contribui para um
ou instrumental da Língua Estrangei- tipo de educação cuja premissa básica é o acú-
ra (desconsiderando outros objetivos, mulo de conhecimentos como via de formação
como os educacionais e os culturais). do “ser completo” (BRASIL, 2006, p. 91).
Esse foco retrata uma concepção de Em vez disso, o que as OCNEM pontuam é
educação que concentra mais esfor- que as necessidades da sociedade atual conver-
ços na disciplina/conteúdo que propõe gem para um trabalho educacional em que as dis-
ensinar (no caso, um idioma, como se ciplinas do currículo, entre elas, Inglês, se tornem
esse pudesse ser aprendido isolada- meios pelos quais se buscam o desenvolvimen-
mente de seus valores sociais, cultu- to da consciência social, a criatividade, a mente
rais, políticos e ideológicos) do que nos

350
aberta para novas aprendizagens etc. Enfim, bus- Assim, em função da clara intenção de valo-
ca-se a formação de cidadãos completos. rizar a inserção das línguas estrangeiras no cur-
O conceito de cidadania trazido pelo do- rículo do Ensino Médio para fins educacionais,
cumento assume que “[…] ser cidadão envolve visando à construção da cidadania, da concep-
a compreensão sobre que posição/lugar uma ção de linguagem heterogênea e da ênfase no
pessoa (o aluno, o cidadão) ocupa na sociedade” uso contextualizado da língua, as OCNEM reco-
(BRASIL, 2006, p. 91). Com isso, a escola passa a mendam o ensino de LEs vinculado a projetos
ter o dever de “[…] desenvolver nos alunos uma de multiletramento e propostas de inclusão, por
habilidade de engajar em diálogos difíceis que considerar que essas ideações permitem traba-
são uma parte inevitável da negociação na diver- lhar a linguagem (em língua materna e estrangei-
sidade2” (KALANTZIS; COPE, 2000, p. 139). ra) desenvolvendo “[…] modos culturais de ver,
Dentro dessa perspectiva, o ensino de Inglês descrever e explicar” (BRASIL, 2006, p. 98).
contribui para ampliar o horizonte de comunica- Apresentado aos professores pelo texto das
ção do aprendiz para além da sua própria comu- Orientações, o termo multiletramento “[…] engloba
nidade linguística, proporcionando-lhe a opor- a multiplicidade de canais de comunicação e mídia
tunidade de compreender a heterogeneidade e a crescente proeminência da diversidade cultural
contextual, social, cultural e histórica inerente ao e linguística3” (COPE; KALANTZIS, 2000, p. 5).
uso de qualquer linguagem (VAN EK; TRIM, 1984).
2 Tradução nossa para o trecho: “[...] develop in students an ability to engage 3 Tradução nossa para “[...] the multiplicity of communications channel and
in the difficult dialogues that are an inevitable part of negotiating diversity” media [...] the increasing salience of cultural and linguistic difference” (COPE;
(KALANTZIS; COPE, 2000, p. 139). KALANTZIS, 2000, p. 5).

351
Mais adiante, os autores dizem que a noção próxima da linguagem do que a “mera
de multiletramento vai de encontro à tradicional alfabetização” jamais poderia permitir.
pedagogia da “mera alfabetização”, centrada Multiletramentos também criam um
numa única forma da língua nacional, concebi- tipo diferente de pedagogia: uma na
da como um sistema estável baseado em regras qual a língua e outros modos de sen-
como a relação direta entre som e letra. Para eles, tido são recursos representacionais
dinâmicos, constantemente sendo re-
[…] tal ponto de vista sobre a linguagem feitos por seus usuários conforme eles
deve traduzir-se tipicamente em uma trabalham para alcançar seus vários
pedagogia mais ou menos autoritária. propósitos culturais4 (COPE; KALANT-
Uma pedagogia de Multiletramentos, ZIS, 2000, p. 5).
ao contrário, está focada em modos
representacionais mais abrangentes
4 Tradução nossa para “such a view of language must characteristically trans-
que somente a língua. Eles diferem de late into a more or less authoritarian kind of pedagogy. A pedagogy of Mul-
acordo com a cultura e o contexto, e tiliteracies, by contrast, focuses on modes of representation much broader
than language alone. These differ according to culture and context, and have
têm efeitos cognitivos, culturais e so-
specific cognitive, cultural and social effects. In some cultural contexts – in
ciais específicos. Em alguns contextos an Aboriginal community or in a multimedia environment, for instance – the
culturais – numa comunidade aboríge- visual mode of representation may be more powerful and closely related
to language than ‘mere literacy’ would ever be able to allow. Multiliteracies
ne ou num ambiente multimídia, por
also creates a different kind of pedagogy: one in which language and oth-
exemplo – a modalidade visual de re- er modes of meaning are dynamic representational resources, constantly

presentação pode ser mais poderosa e being remade by their users as they work to achieve their various cultural
purposes” (COPE; KALANTZIS, 2000, p. 5).

352
O que vemos na explanação da pedagogia gramática de forma mais indutiva, ou seja, em
dos multiletramentos é a efetiva descrição do vez da regra se antecipando ao uso, temos a
ensino preconizado pelas OCNEM. A relevância regra sendo depreendida a partir do uso da lin-
da heterogeneidade da linguagem e seus com- guagem num contexto específico.
plexos usos – interligando o verbal e o visual – Quanto às habilidades, o documento propõe
inviabilizam o ensino de Inglês baseado na orto- o desenvolvimento da leitura, da comunicação
doxia das quatro habilidades isoladas umas das oral e da prática escrita como práticas culturais
outras. Tampouco tem lugar o ensino sustentado contextualizadas. Embora recomende que todas
na gramática, que denuncia uma concepção de essas habilidades comunicativas sejam trabalha-
linguagem como um sistema fixo e homogêneo. das ao longo do Ensino Médio, o documento en-
Contudo, o conceito de multiletramentos tende que a proporcionalidade delas deve levar
não implica o abandono do ensino da gramática. em conta as diferenças regionais/locais, tendo
Implica, sim, vê-lo como o ensino de regras que sempre em vista o que de fato se constitui como
estruturam o uso de formas contextualizadas de necessidades dos alunos. As OCNEM admitem
linguagem, “[…] apontando a dinâmica entre a que no 3º ano do Ensino Médio as escolas real-
sistematicidade (e sua fixidez aparente) da regra cem o trabalho de leitura visando à preparação
sempre presente na linguagem e a mutabilidade para o vestibular, mas advertem que essa opção
da regra ao longo da história ou conforme con- não deve desconsiderar o caráter da leitura como
textos socioculturais diferentes” (BRASIL, 2006, prática cultural e crítica de linguagem, essencial
p. 111). Em termos práticos, passa-se a ensinar para a formação do cidadão.

353
As OCNEM sugerem ainda que todo o pla- para lidar com conflitos de valores e identidades.
nejamento dos cursos de Língua Estrangeira no Afinal, como argumenta Morin (2011, p. 36), o
Ensino Médio seja pautado por temas ou contex- conhecimento significativo caminha para o en-
tos locais de uso, com as habilidades sendo tra- frentamento da complexidade, e em consequên-
balhadas a partir deles. Entre os referidos contex- cia disso, cabe à educação promover uma “[…]
tos locais de uso estaria, por exemplo, a oferta de ‘inteligência geral’ apta a referir-se ao complexo,
orientações a visitantes em cidades com vocação ao contexto, de modo multidimensional e dentro
turística. Figurando entre os temas estão: a cida- de uma concepção global”.
dania, a diversidade, a igualdade, a justiça social,
a dependência/independência, os conflitos, os
valores e as diferenças regionais/nacionais.
Referências
Enfim, com base nas Orientações Curricu-
lares Nacionais para o Ensino Médio, podemos ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes de. O ensino
afirmar que o ensino de Inglês é concebido de de línguas no Brasil de 1978: e agora? In:
modo que tenha fins educacionais os quais vão Revista Brasileira de Linguística Aplicada,
além de simplesmente preparar o aluno para o São Paulo, v. 1, n. 1, 2001.
momento presente, isto é, o momento da comu-
nicação. Esse ensino deve objetivar a capacitação ______. O professor de Língua(s) profissional,
do aprendiz para um futuro desconhecido, para reflexivo e comunicacional. In: Revista
agir em situações novas, imprevisíveis e incertas, Horizontes de Linguística Aplicada, Brasília,
as quais certamente demandarão a competência v. 3, n. 1, Editora da UnB, 2004.

354
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Brasília, 2000.
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de 12 de novembro de 1971. Brasília, 1971c.

355
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MORIN, EDGAR. Os sete saberes necessários


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Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São
Paulo: Cortez, 2000.

357
Texto
4 O papel da atividade lúdica como motivadora da
aprendizagem da língua inglesa: análise de um livro didático

Luís Ferdinando Silva Patriota


Ana Graça Canan eficaz. Apesar de possuírem grande liberdade,
os professores são praticamente levados a tra-
Introdução balhar com o quadro-branco, pois a disciplina
de língua inglesa, por exemplo, nem sempre foi
O ensino da língua inglesa é hoje uma ferra- contemplada em programas governamentais de
menta de grande importância para os estudan- escolha de livro didático.
tes brasileiros entrarem no mercado de traba- O Ministério da Educação, o Estado do Rio
lho, devido às exigências cada vez maiores que Grande do Norte e o município de Natal pas-
as empresas fazem para que seus trabalhadores saram muito tempo sem disponibilizar um livro
dominem uma língua estrangeira. didático para o aluno de rede pública. De acordo
Nas escolas por onde passamos, vimos um com a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, a comu-
dado comum: quando o aluno está motivado, ele nidade escolar tem a opção de escolher a língua
pode, de fato, aprender mais rápido e ficar mais estrangeira a ser incluída no currículo. Muito
interessado em participar da aula e de todo o embora a lei não especifique qual língua deva
processo de ensino e aprendizagem. ser trabalhada nas escolas, sabe-se que a língua
Até recentemente, a metodologia utilizada estrangeira escolhida pela maioria dos estados
no ensino da língua estrangeira, na rede pública, e municípios é a língua inglesa, apesar de haver
ficava mais a cargo da decisão do professor, pois algumas regiões que preferem optar por outra
ele tinha a liberdade de trabalhar com qualquer língua, como o espanhol, o francês ou o alemão,
metodologia ou abordagem que acreditasse ser entre outras. Acreditamos que não é o fato de

358
o aluno da rede pública não ter o livro didático atividades de compreensão oral, enquanto
(doravante Livro Didático) que o leva a sua falta nenhum apresentou atividades lúdicas ou jogo.
de interesse e motivação pela disciplina, mas Por que isso ocorreu? Para Widdowson
sim que a presença do livro poderia, juntamente (1978), o professor que produz o material didático
com atividades motivadoras, aumentar o inte- tende a se concentrar na forma gramatical, des-
resse pelo aprendizado da língua. prezando, assim, atividades que tenham objetivos
Dada a importância que atribuímos à esco- comunicativos. Por experiência própria de quase
lha de atividades lúdicas, surgiu o interesse de doze anos de sala de aula, como professores de
trabalhar com a análise de um material didático um instituto de idiomas e de escolas regulares
que começou a ser utilizado na instituição onde do município de Natal e do interior do Estado do
lecionamos desde o início do primeiro semes- Rio Grande do Norte, procuramos sempre utili-
tre de 2012. O material didático escolhido é o zar jogos nas aulas e pudemos perceber o que
livro On Stage, de autoria de Amadeu Marques, esse tipo de atividade é capaz de proporcionar.
destinado aos alunos do primeiro ano do ensino Por essa razão, decidimos pesquisar no LD citado
médio e adotado pelo Instituto Federal de Educa- se o autor menciona a utilização ou não dessas
ção, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte atividades, haja vista que elas proporcionam mo-
(IFRN), que foi selecionado pelo corpo docente de mentos nos quais os alunos se sentem motiva-
língua inglesa do Campus Zona Norte de Natal. dos intrinsecamente e interessados em estudar
No ano de 2011, o PNLD analisou sete livros e praticar a língua-alvo sem inibição, ignorando
didáticos, dos quais apenas três contemplavam os prováveis erros que venham a cometer.

359
Considerando que as atividades lúdicas [...] sabe-se que na aprendizagem de
podem constituir um recurso motivador, pro- uma língua estrangeira, fatores como
curaremos responder às seguintes questões de quantidade, intensidade e continui-
pesquisa: 1) Que tipos de atividades podem pro- dade de exposição à língua são de-
porcionar mais motivação aos alunos?; 2) Como terminantes no nível de competência
são apresentadas as atividades do livro didático desenvolvida e na rapidez com que as
On Stage selecionado pelo IFRN, campus Zona metas podem ser atingidas. A admi-
Norte?; 3) Os alunos ficam mais motivados em nistração e a organização do ensino
aprender a língua inglesa quando realizam ati- de Língua Estrangeira, no entanto, são
vidades lúdicas? inadequadas em relação àqueles as-
Muitos estudos mostram evidências de pectos. O número de horas dedicadas
que, quando a atividade lúdica é usada em sala à Língua Estrangeira é reduzido, rara-
de aula, tem-se uma melhora substancial na mente ultrapassando duas horas se-
motivação dos alunos (BROUGÈRE, 1999, p. 136; manais, a carga horária total, por sua
WRIGHT; BETTERIDGE; BUCKBY, 2006; LANGRAN; vez, também é reduzida; a alocação da
PURCELL, 1994). disciplina muitas vezes está em horá-
Podemos dizer que o ensino de inglês no rios menos privilegiados etc. Essas li-
Brasil encontra inúmeras dificuldades e barreiras mitações são inaceitáveis.
pela frente. Segundo os PCN (BRASIL, 1998, p. 66):

360
Percebemos que o texto dos PCN é crítico Natal durante seis anos, e escutávamos muitos
em relatar as dificuldades que os professores colegas da área dizerem que preferiam usar a
e alunos enfrentam no ensino e aprendizagem metodologia da Gramática e Tradução (GT) por
de uma língua estrangeira como, por exemplo, ser mais cômoda e mais fácil, visto que a rede
salas lotadas, baixa carga horária, horários in- municipal da cidade, até o ano em que atuamos
convenientes e salários defasados. nela – maio de 2010 –, ainda não tinha tomado
Podemos dizer, ainda, que muitos dos do- providências para mudar essa realidade.
centes de língua inglesa que atuam nas esferas Quando tivemos a oportunidade de usar
municipal e estadual tendem a usar o método jogos em nossas aulas, percebemos muitos
de Gramática e Tradução. Mas, como foi dito an- pontos positivos, dentre eles, um maior interes-
teriormente, o professor se sente desmotivado se dos alunos em pronunciar as palavras corre-
muitas vezes por não ter recursos disponíveis tamente em inglês; até aqueles mais tímidos se
que possam lhe auxiliar, como por exemplo, um dispuseram a participar das atividades e havia
projetor de multimídia, um livro didático, um uma interação muito grande da turma como
computador conectado à internet, dicionários e um todo. Logo, isso contribuía para uma maior
acesso à reprodução de materiais. união do grupo.
Por essas razões, é mais viável usar o quadro O fato de o instituto federal oferecer uma
porque, de certa forma, os alunos parecem estar melhor infraestrutura, de certa forma, motiva o
mais concentrados na aula. Nós próprios já atu- aluno, pois ele tem conhecimento que o ensino
amos na rede municipal de ensino da cidade de oferecido na rede tende a ser mais rígido e que

361
precisará se esforçar para poder acompanhar mos alunos com um nível de proficiência nessa
as disciplinas. área melhor do que temos atualmente.
Assim, o aluno precisa estar motivado para O propósito deste trabalho foi alcançar
aprender melhor e mais rápido, pois se ele está os seguintes objetivos: 1) Verificar a motivação
estudando uma língua estrangeira só porque dos alunos por atividades lúdicas; 2) Analisar os
ela é obrigatória no currículo escolar e em tipos de atividades propostas pelo livro didáti-
exames nacionais como o ENEM, a sua apren- co selecionado pelo IFRN, campus Zona Norte,
dizagem pode ficar comprometida. Por isso, para o ensino da LI; 3) Aplicar atividades lúdicas
o autor citado acima assinala que os alunos e relacioná-las ao aumento da participação e da
devem ser mais bem informados sobre a im- interação em sala de aula.
portância da sua aquisição, como, por exemplo,
o fato de que em muitos países a educação su- 1 P
 esquisas sobre atividades lúdicas e a
perior depende fortemente de um conhecimen- aprendizagem de línguas estrangeiras
to efetivo de uma língua estrangeira, e que do-
miná-la ainda pode ser considerado um ponto Muitos estudiosos, dentre eles Wright,
muito positivo para o discente universitário no Betteridge e Buckby (2006), Langran e Purcell
que tange à pesquisa. Daí concluirmos que essa (1994), Littlewood (2008), Rivoluncri (2008), Lar-
consciência sobre a importância da aprendiza- sen-Freeman (2000), Crookall e Oxford (1990)
gem de uma língua estrangeira ainda falta aos e Ur (2001) já apontaram a eficácia do uso do
alunos brasileiros, pois caso ela existisse, tería- lúdico na sala de aula de língua estrangeira, es-

362
pecialmente do inglês, como uma ferramenta forma estrutural (a gramática), mas centralizan-
importante na aprendizagem. do as atividades em práticas comunicativas reais.
Wright, Betteridge e Buckby (2006) se mos- Em relação ao estudo do inglês como língua
tram favoráveis ao uso dos games na escola. Eles estrangeira, pudemos perceber nos locais onde
elencam quatro motivos principais que justifi- trabalhamos uma grande desmotivação entre os
cam a utilização dos games nas aulas de língua alunos de escola pública devido à forma como o
estrangeira: 1) a aprendizagem de uma língua é inglês é ensinado pelos profissionais de educa-
um trabalho árduo; 2) com os games há a possi- ção responsáveis por esse ensino. O fato é rele-
bilidade de vivenciar a língua; 3) há um uso re- vante porque, para seguir a carreira docente na
petido de itens da língua e, 4) os games têm um rede pública de ensino, especialmente na rede
papel central na aprendizagem. municipal e estadual, o candidato não precisa
Assim, pode-se entender que quando o comprovar a fluência no idioma, basta que seja
professor faz uso de atividades lúdicas, ele deve graduado em Letras.
fazê-lo não para passar o tempo, e sim fazê-lo Por essa razão, profissionais que come-
com algum propósito pedagógico. As ativida- çam suas carreiras na rede pública de ensino
des lúdicas podem promover a motivação pela precisam superar alguns obstáculos estruturais
aprendizagem, dependendo do grau de interes- apresentados pelo sistema e isso influencia a
se que cada aluno demonstre por esse recurso forma como ensinam. Decorrente disso, muitos
de complemento didático, e por último, podem poderiam se indagar sobre a maneira pela qual
promover o uso da língua sem se prender a sua a língua estrangeira está sendo ensinada e pen-

363
sarem uma possível reformulação, pois pode- geira conflita com a maneira pela qual
ríamos nos perguntar se o foco de ensino da ele sabe que uma língua realmente fun-
língua estrangeira fosse apenas a comunicação, ciona, e isso necessariamente impede
a receptividade dos discentes seria a mesma? qualquer transferência que poderia de
A resposta para essa indagação provavel- outra forma ocorrer.
mente seria que não, pois o que se vê nos dias
de hoje são centros de idiomas lotados em todo O autor deixa claro que a forma pela qual a
o país e com alunos muitos mais motivados do língua é ensinada na sala de aula influencia con-
que aqueles que estudam a mesma disciplina sideravelmente o grau de interesse e motivação
por sete anos em instituições públicas e priva- que o aluno vai desenvolver ao longo do período
das. Para Widdowson (1978, p. 35), que estiver estudando a disciplina. Se um aluno
estudou uma língua estrangeira por um longo
[...] A maneira pela qual a língua estran- período, por exemplo, com o método de Gramá-
geira é apresentada na sala de aula não tica e Tradução, ele pode desenvolver uma anti-
corresponde à experiência do aprendiz patia pela disciplina e chegar ao ponto de dizer
com a sua própria língua fora da sala que não gosta ou que nunca aprenderá esse
de aula, ou nas salas de aula onde ele componente curricular. Certamente, não po-
usa a língua para o estudo de outras demos afirmar categoricamente que o método
matérias. Ao contrário, a maneira dele não funciona ou que é totalmente falho, porque
exigida para aprender a língua estran- o mesmo não tem o foco no desenvolvimento

364
da oralidade, mas sim na leitura e tradução de Poderíamos nos perguntar, qual seria a im-
textos na língua-alvo. Segundo Larsen-Freeman portância de se ensinar uma língua, por meio
(2000, p. 17): de uma abordagem centrada na comunicação,
atualmente. Segundo Crookal e Oxford (1990, p.
[...] De acordo com professores que 11), cerca de 60% da população mundial é mul-
usam o Método de gramática e tradu- tilíngue e o domínio de outras línguas como um
ção, o propósito fundamental de se meio de uma comunicação que abranja outras
aprender uma língua estrangeira é ser culturas se tornou decisivo para a sobrevivência
capaz de ler textos literários na língua- do mundo. É necessário analisar alguns exem-
-alvo. Para isso, os alunos precisam plos, pois os mesmos destacam a necessidade
aprender sobre as regras gramaticais de ser capaz de se comunicar em mais de uma
e o vocabulário da língua-alvo. Assim, língua e eles ajudam a manter a atenção acerca
acredita-se que estudar uma língua es- dos métodos que usamos para aprender outras
trangeira dá ao aluno um bom exercí- línguas2 (CROOKAL; OXFORD, 1990, p. 11).
cio mental que ajudará a desenvolver Além disso, alguns documentos oficiais bra-
sua habilidade mental1. sileiros, como os PCN (1998), PCNEM (2000), PCN+
1 “According to the teachers who use the Grammar-Translation method, a 2 “Today, about 60 percent of world’s population is multilingual, and the mas-
fundamental purpose of learning a foreign language is to be able to read tering of other languages as a means of cross-cultural communication has
literature written in the target language. To do this, students need to learn become crucial to the survival of the world. It is useful to look at some exam-
about the grammar rules and vocabulary of the target language. In addition, ples, for they highlight the necessity of being able to communicate in more
it is believed that studying a foreign language provides students with good than one language, and they help focus attention on the methods we use to
mental exercise which helps develop their minds” (tradução nossa). learn other languages” (tradução nossa).

365
(2007), OCN (2006) mencionam a presença da ha- Segundo Crookal e Oxford (1990, p. 14),
bilidade comunicativa como objetivo a ser alcan- os games também podem ser chamados de si-
çado pelo aluno, por exemplo, o que se espera do mulações. Os mesmos autores usam o termo
simulação, pois todas as atividades nas quais os
aluno ao término do ensino fundamental. Os PCN
alunos simulam uma situação real de comunica-
(1998, p. 67) destinados ao ensino fundamental
ção, onde a vida real é representada na sala de
ressaltam que o aluno seja capaz de:
aula, também podem ser consideradas ativida-
des lúdicas. Eles ainda dizem que,
[...] vivenciar uma experiência de co-
municação humana, pelo uso de uma
A simulação tem vivenciado um desen-
língua estrangeira, no que se refere a
volvimento espetacular nos últimos
novas maneiras de se expressar e de
anos e essa atividade tem sido ampla-
ver o mundo, refletindo sobre os cos-
mente reconhecida como uma forma
tumes ou maneiras de agir e intera-
valiosa de aprendizagem em uma
gir e as visões de seu próprio mundo,
vasta gama de campos e fenômenos,
possibilitando maior entendimento
particularmente aqueles onde a comu-
e um mundo plural e de seu próprio nicação é importante [...]3 (CROOKAL;
papel como cidadão de seu país e do OXFORD, 1990, p. 14).
mundo (BRASIL,1998, p. 67).
3 “Simulation has witnessed a spectacular development in recent years and
has come to be widely recognized as a valuable means of learning about a
whole range of phenomena and fields, particularly those in which communi-
cation is important […]” (tradução nossa).

366
Sendo assim, se faz necessário definir que O role-play é um termo mais popular entre
termo iremos usar para nos referirmos a jogo os professores de inglês por ser uma prática de
neste artigo. atividades onde os alunos representam determi-
Na literatura acerca de jogos, há três termos nadas situações que se assemelham à vida real.
muito comumente usados, são eles, simulação, Já a palavra game, segundo Crookal e Oxford
role-play, e jogo (em inglês, simulation, role-play (1990, p. 18), “[...] geralmente se refere a ativida-
e games; jeu de rôle em francês). Para Crookal e des curtas que têm o objetivo de permitir aos jo-
Oxford (1990, p 17), o termo simulação é usado gadores praticar um componente linguístico ou
como uma categoria geral ou um termo curto, uma estreita variação dele”5. Porém, esse enten-
que pode conter elementos de jogos ou de ro- dimento não se estende a outros pesquisadores
le-play, ou seja, simulações são atividades que que usam games nas suas pesquisas. Alguns au-
representam o mundo real. Por isso, “As simu- tores como Wright, Betteridge e Buckby (2006),
lações encorajam os alunos a utilizarem os co- Langran e Purcell (1994), Rivoluncri (2008), Lar-
nhecimentos da língua recém-aprendida de ma- sen-Freemnan (2000), Crookall e Oxford (1990) e
neiras como a maioria das pessoas em outras Ur (2001) adotam a palavra jogo, indistintamente
situações (similares, mas reais) faz”4 (CROOKAL; para simulação, role-play e jogo (nesta última de-
OXFORD, 1990, p. 15). finição, especificamente).

4 “Simulations thus encourage language participants to use their new langua- 5 “[…] the term ‘game’ usually refers to small-scale activities, which aim prin-
ge in the ways most people do in other (similar, but real) situations” (tradu- cipally at allowing players to practice a language component or a narrow
ção nossa). range of them” (tradução nossa).

367
Neste trabalho, optou-se por utilizar o onde haja um trabalho acumulativo;
termo games com a respectiva tradução de jogos, verificar as palavras-chave da ativida-
conforme a maioria dos estudiosos da área, pelo de com os alunos; certificar-se de que
fato de ser o termo mais utilizado na literatura as instruções são claras; demonstrar,
específica, apesar de reconhecermos que nem se necessário; contextualizar a cena;
todo game pode ser classificado como atividade oportunizar a agência e a escolha; du-
lúdica, pois a palavra lúdico em si é muito mais rante a atividade, monitorar, auxiliar e
ampla e pode englobá-lo. mostrar-se disponível; interromper o
Langran e Purcell (1994, p. 8) sugerem jogo na hora certa; promover um mo-
ainda uma lista de pontos a serem levados em mento sequencial da atividade eficaz;
consideração quando se planeja usar jogos em deixar claro aos alunos o motivo pelo
sala de aula. Eles recomendam: qual você decidiu usar jogos como
uma estratégia de ensino; introduzir
[...] definir a estrutura trabalhada e o jogos nos níveis mais iniciais6 (LAN-
vocabulário pertinente; escolher um GRAN; PURCELL, 1994, p. 8).
tópico relevante; atentar para a via-
6 “Define the structure and vocabulary; choose a relevant topic; check the lo-
bilidade logística; certificar-se de que gistics; make sure the room is suitable; prepare the activity; look for opportu-
nities for ‘pyramid’ work; check for the key words; make sure the instruction
a sala de aula é adequada para a ati- is clear; demonstrate, if necessary; set the scene; maximize ownership and
vidade; preparar a atividade com an- choice, during the activity; monitor, prompt, be on hand; stop the game at
the right time; look for effective follow-up; make sure learners understand
tecedência; procurar oportunidades why you have decided to use language games as a teaching strategy; intro-
duce games early on in a beginner’s class” (tradução nossa).

368
Os defensores do uso de games no ensino aula, pois os alunos devem ser o foco principal
de língua estrangeira argumentam que os jogos de toda atividade lúdica proposta em sala de
são interessantes porque simulam situações aula. Como também a seriedade da atividade
reais, ou seja, situações que os alunos irão vi- deve ser levada em consideração, pois se sabe
venciar em suas vidas. Além disso, a linguagem que toda atividade lúdica proporciona momen-
usada nessas atividades sempre tem um objeti- tos de alegria e diversão, mas a atividade não
vo, um propósito, cada atividade possui sua pe- tem como objetivo principal propiciar o riso, e
culiaridade (LANGRAN; PURCELL, 1994; WRIGHT; sim a prática do idioma e a internalização do as-
BETTERIDGE; BUCKBY, 2006). Além do mais, os sunto de uma forma mais prazerosa e divertida
jogos têm a vantagem de que podem ser usados (RIVOLUNCRI, 2008; CROOKAL; OXFORD, 1990).
com alunos de quaisquer níveis, do básico ao Acreditamos que o uso de atividades lúdi-
avançado, não importando o nível de conhe- cas pode melhorar a motivação pela participação
cimento que o aluno tenha na língua, e, além nas aulas e, por conseguinte, o desenvolvimento
disso, essas atividades também podem servir da expressão oral devido aos jogos serem ativi-
para praticar qualquer conteúdo que se esteja dades novas e atrativas para os alunos e de não
estudando (LANGRAN; PURCELL, 1994). serem usadas cotidianamente por professores
Em relação ao papel de cada um na sala de de línguas. Na literatura disponível sobre esse
aula, Rivoluncri (2008) defende que o professor tema, há algumas pesquisas que confirmam os
é livre para descobrir o que os alunos realmente benefícios da atividade lúdica: Nogueira (2007),
sabem sem se tornar o foco principal na sala de Silveira (2007), Silva (2003), Oliveira (2009), Olivei-

369
ra (2008), Valério et al. (2012), Costa (2008), Ro- medicina ou direito, cursos muitos requisitados,
drigues (2007), Souza (s.d.), Yolageldili e Arikan deve estar ciente de que terá uma tarefa difícil
(2011), são alguns exemplos de pesquisas que pela frente, especialmente se visa ao ingresso
abordaram esse tema. numa universidade pública. A saída é então se
dedicar muito aos estudos e abdicar de algumas
2 A motivação formas de lazer, de certos hábitos de consumo
etc., a fim de encarar com sucesso esse desafio.
Mencionamos na seção 1 que os games são Em outra situação, se um aluno precisa aprender
atividades motivantes por estimularem os alunos a falar um idioma para conseguir com urgência
a participar mais na sala de aula. Mas o que seria uma posição melhor no mercado de trabalho,
uma atividade motivante? A seguir, vamos tentar ele terá um estímulo maior do que aquele que
explicar o que entendemos por essa ideia. não tenha a mesma urgência motivadora.
O que pode fazer um aluno ter sucesso ou Para Ellis (2012, p. 75), ela “envolve as atitu-
fracasso em qualquer atividade que faça de- des e estados afetivos que influenciam o grau de
pende do estímulo que tenha para executá-la. esforço que os aprendizes fazem para aprender
Se uma pessoa quer comprar um objeto que uma L27”. Assim, podemos dizer que quando a
tenha um valor elevado, em geral vai precisar motivação se apresenta, a aprendizagem é faci-
economizar e sacrificar certos gastos por alguns litada, pois este é um fator que certamente afeta
meses e até por anos, dependendo do montante o sucesso do aluno.
em questão, até levantar o valor requerido. Do
mesmo modo, se uma pessoa pretende cursar 7 “[...] involves the atitudes and affective states that influence the degree of
effort that learners make to learn an L2” (Tradução nossa).

370
2.1 A motivação extrínseca
de uma punição por parte dos pais. Esses fatores
Para alguns alunos que estudam uma língua irão motivar o aluno na realização da tarefa.
estrangeira se sentirem motivados em estudar
e aprender o novo idioma, e consequentemen- 2.2 Resultativa
te, atingir a competência comunicativa, eles se
motivam com fatores externos à sala de aula, ou Para Ellis (2012), a motivação é o resultado
seja, com objetivos que vão além de conseguir da aprendizagem, ou seja, o sucesso anterior em
uma aprovação no ano escolar ou de compe- um aprendizado de uma língua com um deter-
tir com outros colegas. Por exemplo, conseguir minado método pode motivar o aluno a apren-
uma bolsa de estudos fora do país ou conhecer a der mais eficazmente. Do mesmo modo, o aluno
cultura da língua-alvo. Para Sarrazin e Trouilloud pode também ficar menos motivado a aprender
(2006, p. 125), a motivação extrínseca “corres- se tiver tido insucesso. Tudo irá depender do
ponde a todo engajamento em uma atividade sentimento que o aprendiz tiver em relação ao
cujo objetivo é alcançar um resultado qualquer aprendizado do novo idioma. Por exemplo, se
que lhe esteja associado”8. Esse resultado que os um aluno conseguiu aprender um idioma com o
autores mencionam sempre está relacionado a método de Gramática e Tradução e se ele achar
fatores externos, podendo ser uma recompensa que esse método é o melhor, ele terá dificuldade
ao realizar a atividade com sucesso ou o medo para estudar outro idioma utilizando uma abor-
dagem comunicativa.
8 “[…] correspond à tout engagement dans une activité, consenti dans le but
d’atteindre un résultat quelconque qui lui est associé” (Tradução nossa).

371
2.3 A motivação intrínseca
aluno fica motivado pelo prazer, pelo sentimen-
De acordo com Ellis (2012, p. 76), “a moti- to de curiosidade ou até mesmo por achar a ati-
vação envolve o surgimento e a manutenção da vidade desafiadora e não por fatores externos.
curiosidade e pode ir e vir como resultado de O segundo fator é o método utilizado pelo
alguns fatores, como os interesses particulares professor como determinante na motivação do
dos aprendizes e a intensidade com que eles se aluno. Isso claramente influencia sua atitude na
sentem envolvidos em atividade de aprendiza- aprendizagem de uma língua estrangeira, pois
gem”9. Essa visão de Ellis engloba o interesse pes- se ele achar o método interessante e tiver con-
soal que o aprendiz tem em relação à língua e ao fiança nele, ele o achará motivante e, com isso,
tipo de atividade que é exposto em sala de aula. estará mais encorajado a aprender. Esse pro-
De acordo com Sarrazin e Trouilloud (2006, blema do método acontece com frequência no
p. 125), a motivação intrínseca acontece “quando cenário brasileiro, pois o método de Gramática
um indivíduo realiza uma atividade pela satisfa- e Tradução ainda é muito utilizado e o mesmo
ção que retira ao realizá-la e não por qualquer recebe muitas críticas, como citado na seção 2
consequência que obtenha dela”10. Ou seja, o deste artigo, por não priorizar a comunicação e
sim o estudo de regras gramaticais e a tradução
9 […] motivation involves the arousal and maintenance of curiosity and can de palavras fora de um contexto real.
ebb and flow as a result of such factors as learners’ particular interests and
the extent in which they feel personally involved in learning activities” (tra- Dessa forma, o que o professor faz em
dução nossa).
sala de aula, como a escolha de atividades di-
10 […] quand un l’individu realize une activité pour la satisfaction qu’elle procu-
re en elle-même, et non pour une quelconque consequence qui en décou- vertidas e dinâmicas, contribui para aumentar
lerait” (tradução nossa).

372
a motivação dos alunos, sejam eles de escolas têm fluência no idioma iriam se sentir incapazes
públicas ou privadas. Por conseguinte, o profes- de realizar tal avaliação, podendo, em situações
sor também pode desmotivar o aluno, caso não extremas, até desistir do curso.
tenha criatividade na elaboração de atividades
ou não domine o conteúdo. 2.4 A Teoria da autodeterminação
O quarto fator tem a ver com o sucesso que
se espera obter dos alunos, seja com uma apro- A teoria da autodeterminação é uma abor-
vação, seja com o aprendizado de uma língua, dagem da motivação humana que enfatiza as
ou com um bom desempenho em uma atividade fontes motivacionais naturais das pessoas ao
ou avaliação proposta. Por exemplo, na apren- explicar o desenvolvimento da personalidade
dizagem de inglês como língua estrangeira, se a saudável e a autorregulação autônoma (REEVE;
maioria dos alunos de uma determinada turma DECI; RYAN, 2004 apud CAVENAGHI); (SARRA-
se caracteriza como nível iniciante, o professor ZIN; TROUILLOUD, 2006). Ela também procura
não pode exigir que os mesmos se submetam descobrir como as tendências naturais para o
a avaliações orais nas quais tenham de se ex- crescimento e as necessidades psicológicas inte-
pressar sobre determinado assunto, opinando ragem com as condições sociais que nutrem ou
contra ou a favor e demonstrando fluência e frustram essas fontes naturais, resultando em
pronúncia. Essa seria uma atitude muito equivo- níveis de funcionamento efetivo e de bem-estar.
cada por parte do professor e causaria um senti- Assim, um aluno pode se sentir motivado ou não
mento de desmotivação, pois os alunos que não para fazer uma atividade meramente por pensar

373
que vai alcançar uma nota boa, ou porque vai re- intrínseca se refere a um comportamento mo-
ceber algum tipo de punição de seus pais. Esses tivado pela atividade em si, pela satisfação em
fatores terão o poder de afetar a sua motivação realizar tal atividade. Assim, para poder desenvol-
e, consequentemente, a sua aprendizagem. ver essa motivação, o aluno precisa se interessar
Essa teoria foi inicialmente estudada por pela atividade e sentir prazer em realizá-la, não
Deci e Ryan (1985). A teoria da autodetermina- se preocupando com fatores externos.
ção é uma teoria da motivação que oferece uma
proposta de como incrementar a motivação dos 2.4.2. A teoria da integração organísmica
alunos. Ademais, ela é composta por quatro sub-
teorias: a teoria da avaliação cognitiva, a teoria da A segunda subteoria da teoria da autode-
integração organísmica, a teoria das necessidades terminação é a teoria da integração organísmica,
básicas e a teoria das orientações de causalidade. que foi apresentada para especificar as formas
diferentes de motivação extrínseca e seus fato-
2.4.1 A teoria da avaliação cognitiva res contextuais (CAVENAGHI, 2009). Para Deci e
Ryan (2000), a motivação extrínseca se refere a
Essa primeira categoria da teoria da autode- um comportamento que busca fins instrumen-
terminação explica como eventos externos, como tais como alcançar recompensas ou evitar puni-
as recompensas e o feedback, podem apoiar e al- ções. Essas recompensas podem variar de um
gumas vezes atrapalhar a motivação intrínseca simples presente até a promessa de um empre-
dos alunos. Para Deci e Ryan (2000), a motivação

374
go para poder ativar o grau de motivação extrín- safios no cenário da sala de aula. Essas necessi-
seca do aluno. dades são a experiência de autonomia, compe-
De acordo com esses autores acima, a teoria tência e pertencer.
da integração organísmica focaliza os processos A autonomia é uma função que precisa
motivacionais extrínsecos sobre o desenvolvi- ser estimulada pelo professor a fim de que os
mento de motivações internalizadas. Além disso, alunos possam desenvolver a vontade de rea-
eles propõem a existência de um continuum de lizar determinada atividade motivados por um
autodeterminação que é organizado por tipos de sentimento de satisfação própria.
motivação distintos, tendo como primeiro tipo A competência, por sua vez, é a necessida-
a desmotivação, sendo seguida pelos tipos de de de ser eficiente na realização de uma ativi-
motivação extrínseca11, e chegando por último dade ou na interação com o ambiente, sempre
à motivação intrínseca. buscando vencer novos desafios, e assim, am-
pliando suas capacidades (REEVE et al., 2004).
2.3.3. A teoria das necessidades básicas Para Cavenaghi (2009), “o pertencer é a
necessidade de estabelecer vínculos com os
Essa teoria aponta três necessidades psi- outros, refletindo o desejo de estar vinculado
cológicas básicas como subjacentes à tendência e envolvido de forma emocional e interpessoal
natural dos alunos para buscar novidades e de- em relacionamentos atenciosos e respeitosos”.
11  Segundo Deci e Ryan (2000), há quatro tipos de motivação extrínseca: re-
Assim, esse sentimento de pertencer é uma ne-
gulação externa, regulação introjetada, regulação identificada e regulação cessidade importante para ser desenvolvida na
integrada.

375
sala de aula de língua estrangeira, pois o que se intrínseca, ajuda a determinar com que suporte
vê nas escolas públicas são salas de aulas lota- de autonomia os professores avaliam uma maior
das e alunos desmotivados e sem nenhum sen- motivação intrínseca, um sentimento de curiosi-
timento de integração e pertencimento. dade e desejo para o desafio. Assim, o sentimen-
to de controle faz os alunos perderem a motiva-
2.3.4. A teoria das orientações de causalidade ção de participar da aula, como também podem
deixar de aprender por se sentirem controlados.
A quarta subteoria da teoria da autodeter- Portanto, a nossa proposição de uso de
minação descreve as diferenças individuais nas jogos como motivantes na sala de aula de língua
orientações pessoais sobre quais são as forças inglesa está coerente com a teoria da autodeter-
motivacionais que causam seu comportamento. minação, por acreditarmos que os jogos podem
Assim, de acordo com Reeve et al. (2004), o indi- promover a autonomia e o sentimento de per-
víduo pode ter uma orientação de causalidade tencimento em quaisquer alunos, independen-
para autonomia devido ao alto grau de motiva- temente do seu nível de conhecimento.
ção intrínseca e aos tipos autônomos de motiva-
ção extrínseca. Por conseguinte, o sujeito pode
ter uma orientação de causalidade para o con-
trole, possuindo como motivação a extrínseca.
Para Deci e Ryan (2000), o contraste autono-
mia x controle, para a manutenção da motivação

376
3 Metodologia da pesquisa
Esta pesquisa está dividida em duas partes:
em um primeiro momento, como uma análise
3.1 Natureza da pesquisa documental, pois há um documento, um livro
didático, sendo avaliado quanto à tipologia de
A pesquisa realizada é do tipo qualitati- seus exercícios e suas possíveis características
vo-quantitativa, qualitativa porque analisamos lúdicas. Alguns autores veem vantagens no uso
o livro didático sob o aspecto de classificação de documentos na pesquisa. Segundo Guba e
quanto às habilidades que poderiam ser traba- Lincoln (1981 apud ANDRÉ; LUDKE, 1986), “[...]
lhadas e quanto à proposta ou não de ativida- os documentos constituem uma fonte estável
des lúdicas; e, quantitativa porque utilizamos e rica. Persistindo ao longo do tempo, os docu-
dois questionários e quantificamos os resulta- mentos podem ser consultados várias vezes e in-
dos com dados numéricos. Utilizamos o modelo clusive servir de base a diferentes estudos, o que
apresentado por Richards e Rodgers (2001) para dá mais estabilidade aos resultados obtidos”.
a análise do LD no que concerne à avaliação da Em um segundo momento, esta pesquisa
abordagem e método usados pelo autor do livro, se encaixa nos moldes de uma pesquisa-ação,
o plano ou design e os procedimentos adotados pois desenvolvemos um ciclo de ações na nossa
para o ensino de línguas. Além disso, adotamos sala de aula: diagnóstico do problema, formu-
a nomenclatura utilizada por Widdowson (1991) lação de hipóteses sobre esse problema, uma
para classificar os tipos de exercícios presentes investigação preliminar com a aplicação de um
no livro didático. questionário piloto sobre o conhecimento que

377
os alunos tinham sobre jogos, uma segunda in- quatro delas. Logo após a quarta, aplicamos o
tervenção prática sobre o grau de interesse que segundo questionário com frases reflexivas em
os alunos possuíam acerca de jogos, por meio de uma escala Likert12.
outro questionário. Em seguida, apresentamos
o relato de suas respostas, juntamente com os 3.2. Contexto da pesquisa
resultados dos questionários aplicados e alguns
depoimentos dos participantes. Por último, vol- O local onde desenvolvemos a presente
taremos a tratar do mesmo tema com eles com pesquisa foi o campus do IFRN localizado na
uma rápida explanação do uso de jogos didáti- Zona Norte de Natal, bairro Potengi, conjunto
cos na aprendizagem de uma língua estrangeira. Santa Catarina, e a sua escolha se deu por ele
Em vista disso, observamos a turma por um ser o local onde trabalhamos atualmente. Isso
período de duas semanas (ao todo seis aulas), propiciou o acesso facilitado aos alunos que in-
apenas trabalhando com o livro didático e depois gressaram na escola no início do ano de 2012
desse período, formulamos uma hipótese de que e os mesmos são sujeitos importantes para a
os alunos estavam desmotivados com a discipli- nossa pesquisa.
na, como também com o LD. Assim, aplicamos
12 A escala Likert é um tipo de escala de resposta psicométrica usada habitual-
um questionário preliminar no qual detectamos mente em questionários, e é a escala mais usada em pesquisas de opinião.
a falta de motivação desses alunos. Em vista Ao responderem a um questionário baseado nessa escala, os perguntados
especificam seu nível de concordância com uma afirmação. Normalmente,
desse resultado, planejamos doze atividades lú- o que se deseja medir é o nível de concordância ou não concordância à
dicas para complementarem o LD e aplicamos afirmação, e geralmente são usados cinco níveis de respostas, como por
exemplo, concordo totalmente, concordo parcialmente etc.

378
3.3 Os participantes da pesquisa
Conforme apresentado anteriormente, foi
feita uma análise documental do LD de língua in- Selecionamos para participar da presente
glesa On Stage selecionado para o IFRN, campus pesquisa 36 alunos do primeiro ano do ensino
Zona Norte, onde classificamos as atividades médio do curso integrado de nível médio de in-
presentes no material quanto ao aspecto da lu- formática, turno matutino, do campus no qual
dicidade. O Campus Natal-Zona Norte é fruto trabalhamos. Os mesmos foram escolhidos e
da primeira fase do Plano de Expansão da Rede convidados a responder dois questionários, o
Federal de Educação Profissional e Tecnológica, primeiro com questões abertas e fechadas e o
implementado pelo Governo Federal por meio segundo somente com questões fechadas de
do Ministério da Educação, no período de 2003 a múltipla escolha. Eles responderam o primeiro
2006. O mesmo teve seu funcionamento autori- questionário antes de participar da primeira ati-
zado no dia 29 de junho de 2006, porém iniciou vidade lúdica e o segundo, depois da realização
suas atividades acadêmicas provisoriamente no da quarta atividade. A escolha por essa turma
Campus Natal-Central, em 18 de setembro do em especial foi determinada por a mesma ser
mesmo ano. a única turma do primeiro ano de nível médio
integrado na qual lecionamos e decidimos tê-la
como a turma referência para a nossa pesquisa.
Ademais, a maioria desses alunos é oriunda da
rede pública de ensino e a menor parte vem de
escolas privadas da capital.

379
3.4 Instrumento de coleta de dados
tificados do que dados discursivos
Para iniciarmos a coleta de dados, procede- como, por exemplo, formulários livres,
mos a análise documental do LD, investigando relatórios de observadores participan-
de uma forma geral a estrutura de organização tes e transcrições de linguagem oral13.
do material e a análise de suas atividades.
Com o segundo momento da investigação, Sendo assim, a pesquisa por meio de ques-
apresentamos questionários aos alunos partici- tionário já é um recurso bastante utilizado por
pantes desta pesquisa. Os questionários foram muitos pesquisadores e decidimos utilizá-lo
pensados com o objetivo de verificar o interesse como um dos instrumentos de coleta de dados
dos alunos por atividades lúdicas, conhecer suas desta pesquisa, pois pensamos o questionário
opiniões acerca do tema e verificar o grau de ser uma fonte mais adequada de coleta para que
motivação que eles apresentam quando a ativi- possamos atingir um dos objetivos propostos
dade é realizada em sala de aula. neste trabalho. Assim, visando atingir o primei-
De acordo com Nunan (2010, p. 143), ro objetivo desta pesquisa, que é o de verificar
a motivação dos alunos por atividades lúdicas,
[...] o questionário é um meio relati- preparamos no primeiro questionário sete per-
vamente popular de coleta de dados.
Ele permite que o pesquisador colete 13 “[...] the questionnaire is a relatively popular means of collecting data. It
enables the researcher to collect data in field settings, and the data them-
dados em quaisquer cenários, e os
selves are more amenable to quantification than discursive data such as
dados são mais fáceis de serem quan- free-form field notes, participant observers’ journals, the transcripts of oral
language” (tradução nossa).

380
guntas, sendo quatro abertas e três fechadas, e No final do livro há uma seção que resume
no segundo elaboramos dez afirmações, seguin- os tópicos gramaticais vistos em todo o material
do o modelo da escala Likert. didático, como também uma lista de verbos irre-
gulares, um glossário de palavras menos usuais
4 Análise dos dados com suas respectivas traduções e um índice que
contempla os tópicos gramaticais trabalhados
nos três volumes da coleção.
4.1. Apresentação do livro
Ao fazermos uma análise mais detalhada
O volume I de que tratamos é compos- das sessões da unidade 1, chamada Before you
to de 12 unidades, sendo que cada uma delas Read, observamos que há um breve texto de in-
contém uma seção de pre-reading, textos com trodução ao texto principal, nas duas línguas,
temas transversais, questões de compreensão acompanhado de imagens relacionadas. Nessa
textual, atividades para aquisição de vocabulá- seção, espera-se que o professor trabalhe o co-
rio, seção gramatical, questão de compreensão nhecimento prévio do aluno, habilitando-o a for-
oral (listening), de produção oral, de produção mular hipóteses sobre o texto a ser lido e, ainda,
escrita, e atividades que finalizam cada unidade que o aluno seja capaz de explorar a linguagem
envolvendo textos curtos. Atividades reflexivas não verbal presente no texto.
acerca do tema central abordado na unidade A seção Reading apresenta um texto intro-
complementam o volume. duzindo a unidade com temas socioculturalmen-
te relevantes. De acordo com o autor do livro,

381
essa seção tem o objetivo de oferecer ao aluno texto introduzido na unidade, buscando assim
contato com textos de diversos gêneros sobre que o aluno saiba procurar informações mais
temas de relevância sociocultural, bem como le- detalhadas do assunto que se abordou no texto.
vá-lo a verificar as hipóteses levantadas antes da Espera-se que o aluno desenvolva ainda mais
primeira leitura. sua habilidade de leitura, fortalecendo a estra-
A seção General Comprehension contém tégia tipo Scanning.
questões de compreensão geral do texto com Na parte Structure, há uma apresentação
vários formatos. Nessa seção, espera-se que o contextualizada do tópico gramatical da unida-
aluno possa desenvolver a habilidade de leitu- de, com exemplos retirados do próprio texto tra-
ra, permitindo-lhe o uso de estratégias e, por balhado na unidade, proporcionando ao aluno
último, abordar e discutir questões relacionadas uma visão contextualizada da gramática, evitan-
ao tema da unidade. do, assim, frases isoladas. Segundo o autor do
A seção Word Study explora questões con- livro, há também um resumo de informações
textualizadas e de variados formatos para a sobre o sistema linguístico do idioma inglês, se-
apresentação e ampliação de vocabulário do guido de comentários sobre registros formais e
aluno. A meta é apresentar vocabulário novo e informais. Essa seção apresenta o mesmo pro-
oportunizar sua prática sempre seguida de ex- blema que formulamos no começo deste capí-
plicações e exercícios de fixação. tulo, que é a presença da língua materna.
A seção Detailed Comprehension aborda Na seção Listening, há atividades de compre-
questões de interpretação mais específica do ensão oral com diversos textos orais e tarefas va-

382
riadas para que o aluno possa desenvolver a ha- no idioma. O que podemos perceber é que em
bilidade de compreensão global de um texto oral, todas as unidades do LD, há um guia para ajudar
obviamente sabendo que essa não é uma habili- o aluno na produção do texto oral, isso é um
dade elementar e requer muita prática e atenção. fator positivo, apesar de acharmos insuficiente a
Entretanto, nos exercícios presentes no ênfase dada a essa habilidade ao longo de cada
LD, há situações relacionadas, na maioria dos unidade, pois há seções que introduzem e fina-
casos, com o tema transversal da unidade, mas lizam a unidade, porém ambas são propostas
tanto as questões quanto as respostas parecem para serem trabalhadas na língua materna com
não estimular o aluno a pensar no idioma, pois debates e discussões sobre diversos temas, ine-
muitas da perguntas e respostas são exigidas xistindo recomendações ao uso da língua-alvo
na língua materna, desconfigurando, assim, o nesse tipo de exercício.
principal objetivo desse tipo de exercício, que é A seção Writing apresenta atividades de pro-
familiarizar o aluno com os sons do novo idioma, dução escrita em diversos gêneros textuais. Para
e não estimular uma prática de tradução cons- o autor, um dos objetivos dessa seção é levar o
tante, como o que se vê no método de gramática aluno a entender a escrita como prática social
e tradução (RICHARDS; RODGERS, 2001). e processo contínuo de avaliação e reescritura.
A seção Speaking aborda atividades de Para isso, há sempre atividades-modelo para que
cunho oral onde o aluno poderá trabalhar em o aluno tenha um padrão a seguir e busque ela-
dupla, em grupo ou até mesmo individualmente, borar suas próprias produções escritas.
com o objetivo de pôr em prática essa habilidade

383
Acreditamos que o livro poderia conter de cartas e frases como exercícios comuns de
todas as informações escritas na língua ingle- prática de conhecimentos sistêmicos da língua.
sa, pois, dessa forma, incentivaria o aluno a se A seção In a Few Words apresenta textos
familiarizar mais com a língua, pois cremos que curtos de diversos gêneros sobre assuntos rela-
o livro ficaria mais interessante se fosse escrito cionados ao tema central da unidade e questões
exclusivamente na língua-alvo. De outro modo, de compreensão escrita. Essa seção possibilita o
somos levados a pensar que o autor está suge- estabelecimento de relações de intertextualida-
rindo que o professor ensine sobre a língua, e de com o texto principal da unidade.
não a língua propriamente dita, segundo o que A seção Think about It apresenta uma refle-
preconiza o método da Gramática e Tradução. xão e um debate sobre o assunto visto na unida-
Mas, o autor se equivoca quando diz que o de. Para o autor do livro, espera-se que o aluno
desenvolvimento da escrita das atividades pre- busque uma reflexão e aprenda a se posicionar
sentes no LD “[...] envolve usos contextualizados sobre questões socioculturais, como também
da língua, como escrever e responder mensa- desenvolva o senso crítico, a capacidade de aná-
gens [...]”, pois das doze atividades de writing lise e as noções de cidadania.
ao longo do livro, apenas quatro delas pedem Entretanto, reiteramos nossa crítica ao fato
ao aluno que se posicione e use os seus conhe- de a seção estar escrita em língua portuguesa
cimentos para escrever em inglês, já que as e não na língua-alvo, pois, se escrita em inglês,
demais se limitam ao preenchimento de lacunas poderia estimular o aluno a dar mais valor ao
material e à aula em si e, com isso, motivá-lo

384
a estudar mais para poder compreender o que Na primeira pergunta, questionamos se
está escrito no LD. os alunos consideravam a disciplina de inglês
A seção Exploring Other Sources apresen- importante para eles. 97,2% responderam afir-
ta sugestões de fontes de leitura para o aluno mativamente, enquanto 2,8% responderam que
que quiser aprofundar o conhecimento do tema não. O resultado mostrou que a maioria dos
abordado ao longo da unidade, como endereços alunos considera a disciplina importante para
eletrônicos, nomes de revistas, jornais etc. sua formação escolar. Na segunda pergunta,
indagamos qual era a habilidade que os alunos
4.3 Análise dos questionários consideravam mais difícil. 83,3% elegeram a ex-
pressão oral. Os 16,7% restantes apontaram a
Como forma de verificar o interesse dos escrita. Alguns justificaram suas respostas ale-
alunos por atividades lúdicas, elaboramos um pri- gando que escolheram a parte oral por sentirem
meiro questionário com sete perguntas de múlti- dificuldade em assimilar a pronúncia das pala-
pla escolha, onde, em quatro delas, os discentes vras, informado por 76,7% dos alunos; não pos-
são convidados a justificar suas respostas. suírem o hábito de falar a língua fora do ambien-
Participaram do primeiro questionário 36 te escolar (10%), e o restante (13,3%) afirmou ter
alunos, sendo a maior parte deles formada por dificuldade em entender o assunto, justificando
estudantes do sexo masculino. As perguntas do assim seu pouco conhecimento do vocabulário
questionário abordaram temas do nosso trabalho: inglês. Em relação à escrita, metade dos entre-
a atividade lúdica, a motivação e o livro didático. vistados alegou possuir dificuldade em escrever,

385
enquanto a outra metade apontou a grande va- Na pergunta abaixo, os alunos foram in-
riedade de regras da língua inglesa como um dagados se gostaram quando usamos jogos na
grande obstáculo no estudo do inglês. Seguem sala de aula. Quase todos responderam que sim.
abaixo alguns depoimentos14 dos alunos acerca Esse dado comprova que games são atividades
da dificuldade na expressão oral: motivantes e divertidas, como afirmam Langran
e Purcell (1994).
A1- “Na maioria das vezes, não consigo Na quarta pergunta, os alunos foram inda-
traduzir na hora para o gados se o uso de games poderia aumentar sua
português e não consigo participação nas aulas de inglês. Novamente, a
entender”. maioria respondeu que sim e alguns alegaram
A2- “A pronúncia do inglês é muito que, ao participar de um jogo, conseguem in-
complexa”. teragir entre si, se descontraem, ou seja, parti-
A5-“Não sei pronunciar certas palavras”. cipam de momentos divertidos, conforme jus-
A17- “Não tenho costume de ouvir em tificado por A7: “Porque a interação de forma
inglês”. divertida pode ajudar bastante”; Já A18 justificou
A33-“Porque é mais complicado saber sua resposta afirmativa dizendo: “Torna as aulas
a pronúncia das palavras do que menos cansativas”; e A14 relatou que, “pois nos
escrevê-las”. motiva. Além da diversão, aprendermos a ma-
14 Os alunos participantes desta pesquisa que responderam ao primeiro
téria”. Esse último depoimento vem ao encontro
questionário serão nomeados de A1 até A36, como forma de preservar das ideias de Wright, Betteridge e Buckby (2006)
suas identidades.

386
sobre o uso de jogos: “Os jogos ajudam e enco- maioria respondeu que sim, acrescentando que
rajam muitos alunos a manterem seu interesse os games motivam e estimulam a pronúncia cor-
e o bom trabalho”15. reta, conforme o relato de alguns alunos:
O dado obtido nessa pergunta também
comprova o que Langran e Purcell afirmam A15- “Porque motivam mais”.
(1994, p. 7): “Jogos fornecem variedade, aumen- A16- “Incentiva mais a falar inglês”.
tam a motivação e mantêm o interesse”. 16 A22- “Eu iria treinar mais”.
Por conseguinte, podemos afirmar que os A24- “É mais divertido e a gente não
alunos entrevistados mostraram um interesse tem tanta vergonha de errar”.
maior em participar das aulas de inglês depois A25- “Porque visto que todos já estão
que começamos a trabalhar com jogos. Além do brincando e aprendendo, não dá
mais, percebemos que os alunos mais inibidos vergonha de participar”.
da turma também passaram a participar mais
das aulas devido ao uso regular de games. Com esses depoimentos, podemos com-
Na quinta pergunta, questionamos se os provar a opinião positiva que os alunos têm do
alunos achavam que era possível desenvolver uso dos jogos em sala de aula, pois, segundo
a expressão oral em inglês por meio de jogos. A dizem, motivantes, incentivam a participação
mesmo daqueles que são tímidos e são ativida-
15 “Games help and encourage many learners to sustain their interest and
work” (tradução nossa). des divertidas.
16 “Games provide variety, raise motivation, and maintain interest” (tradução
nossa).

387
Na sexta pergunta, os alunos foram inda- Portanto, o resultado da última questão
gados sobre o livro didático e se eles o achavam ajuda a responder a nossa primeira pergunta de
interessante e motivador. Mais da metade res- pesquisa, visto que a maioria afirma que gostaria
pondeu que o LD não era motivante nem inte- da presença de atividades lúdicas no livro didáti-
ressante. Os alunos que responderam que o LD co, por as acharem motivadoras e interessantes.
não era interessante elencaram alguns motivos, Em vista desse primeiro resultado, pode-
entre eles que o livro torna a aula monótona mos afiançar que os alunos entrevistados acre-
e possui diferentes aspectos de entendimen- ditam no uso benéfico da atividade lúdica na
to, ou seja, ele aborda um assunto por muito aprendizagem da língua inglesa e gostariam que
tempo, tornando a aula monótona, sendo isso o LD utilizado contivesse jogos para praticar as
um fator negativo na concepção de quase 37% quatro habilidades linguísticas, assimilar conteú-
dos alunos. dos com mais facilidade e promover uma maior
Os alunos que acharam o livro interessante interação entre eles.
e motivador (quase 39%) disseram que o livro Logo após a realização de quatro atividades
tinha textos interessantes e atualizados, tinha lúdicas, elaboramos outro questionário, dessa
muitos exercícios e era muito ilustrado. vez com dez perguntas de múltipla escolha, em
Na última pergunta desse questionário, uma escala Likert para responder a nossa ter-
perguntamos aos alunos se eles gostariam que ceira pergunta de pesquisa, que é verificar se os
o livro tivesse atividades lúdicas e a grande maio- alunos ficam mais motivados a aprender a língua
ria, quase 90%, respondeu positivamente. inglesa quando realizam atividades lúdicas.

388
Os sujeitos participantes da pesquisa são Logo, os alunos que participaram dos dois
identificados de A1 até A35 nesse segundo ques- questionários conservaram a mesma opinião,
tionário, correspondendo aos mesmos sujeitos tanto antes de participar da primeira ativida-
participantes do primeiro questionário. de lúdica quanto após a quarta, ou seja, que os
Primeiramente, os alunos opinaram sobre jogos podem facilitar a aprendizagem. Nas pa-
a relação entre a motivação e uso de games em lavras de um aluno, isso se dá A12 – “Porque
sala de aula. Conforme a nossa hipótese inicial, aprender brincando é melhor”.
a maioria concordou que quando usamos jogos Na terceira afirmativa, os alunos refletiram
nas nossas aulas, eles se sentem mais motivados acerca da possibilidade de aumento de vocabu-
a participar da atividade lúdica. lário com o uso de jogos e a maioria ou concor-
Nesse questionário tivemos a participação dou, total ou parcialmente, que é possível expan-
de 35 alunos, sendo a maior parte dos entrevis- dir o vocabulário com essas atividades.
tados mais uma vez formada por meninos. Em seguida, pedimos que os alunos opinas-
Na segunda questão, os alunos refletiram sem sobre como reagiram depois que soube-
se os games os ajudavam a aprender mais rápido ram que íamos trabalhar com jogos nas aulas.
o conteúdo estudado. A maioria concordou. No A maioria concordou que iria ficar animada com
primeiro questionário aplicado, o aluno A1 justi- o uso de tais atividades. A opinião deles é co-
ficou sua resposta sobre o mesmo tema, dizen- erente com o que diz Langran e Purcell (1991,
do: “Quando fazemos uma coisa que nós gosta- p. 5): “Jogos são atividades divertidas e podem
mos, fica muito mais fácil o aprendizado”.

389
ajudá-lo a criar uma atmosfera criativa, relaxante acreditam que os games reforçam o aprendiza-
e cooperativa nas suas turmas”.17 do, confirmando que o adágio popular “apren-
Na quinta questão, os alunos refletiram der brincando” (grifo nosso) pode ser usado
se, ao jogar, poderiam interagir entre si e, mais nesse contexto. Esses dados, aliás, estão de
uma vez, a maioria concordou com a afirmação. acordo com o que muitos autores (WRIGHT;
O aluno A-11 falou do mesmo tema no primei- BETTERIDGE; BUCKBY, 2006; RIVOLUNCRI, 2008;
ro questionário dizendo: “É uma forma mais CROOKAL; OXFORD, 1990; COSTA, 2008) defen-
interessante de interagir”. Esse depoimento é dem sobre o uso de jogos em sala de aula.
coerente com o que acreditamos ser uma das Na oitava assertiva, os alunos julgaram suas
funções da atividade lúdica, que é promover a ausências nos jogos aplicados por não acharem-
interação, porque com isso os alunos têm mais -lhes interessantes. Quase 80% discordaram,
oportunidade de se conhecer melhor e trocar ex- pois em todos os jogos que aplicamos em sala
periências, favorecendo assim a aprendizagem. de aula a participação sempre foi muito boa,
Na sétima afirmação do questionário, os pois até aqueles alunos que não costumavam
alunos analisaram a frase acerca do uso de fazer perguntas ou comentários, participaram
games a qual diz que eles não ajudam a apren- ativamente. Logo, a opinião deles está coerente
der a língua inglesa. A maioria discordou, total com a nossa base teórica (WRIGHT; BETTERID-
ou parcialmente. Daí se pode concluir que eles GE; BUCKBY, 2006; LANGRAN; PURCELL, 1994;
RIVOLUNCRI, 2008, LARSEN-FREEMNAN, 2000,
17 “Games are good fun and can help you create a relaxed, friendly and co- CROOKAL; OXFORD, 1990, dentre outros).
-operative atmosphere in your groups” (tradução nossa).

390
Esse dado serve para confirmar o que os Sobre o primeiro questionário, concluímos
estudiosos da área defendem sobre o uso de que a pesquisa seria mais informativa se todas
jogos em aulas de língua inglesa relacionado ao as perguntas fossem abertas, visto que estimu-
interesse dos alunos. laria o senso crítico dos alunos acerca dos temas
Na penúltima questão, percebemos que os inquiridos.
alunos discordam da frase que diz não gostarem Tivemos a mesma impressão no que tange
das aulas de inglês e o fato de estudá-la somen- ao segundo questionário, pois talvez fosse mais
te por ser obrigatória no currículo escolar. Quase interessante a formulação de questões abertas,
70% dos alunos discordaram, logo concluímos que porque a opinião dos alunos daria mais credibili-
a maioria gosta de estudar a disciplina, mesmo dade e confiabilidade ao trabalho desenvolvido.
sendo ela obrigatória no currículo escolar. Sendo assim, lamentamos o fato de só atentar-
Na última parte do questionário, os alunos mos para isso no final da presente pesquisa.
refletiram sobre a presença de jogos em livros Porém, esse tema não se esgota aqui e espera-
didáticos de língua inglesa. Mais uma vez, a mos que haja mais pesquisas na nossa cidade e
maioria achou relevante a presença desse tipo no meio acadêmico local sobre o papel do uso
de atividade em livros didáticos. Esse dado con- de games na aprendizagem da língua inglesa.
firma a nossa hipótese inicial e responde a duas
de nossas perguntas de pesquisa, que leva em
consideração o incremento da motivação ao re-
alizarem atividades lúdicas.

391
Considerações finais
Todas as nossas perguntas de pesquisa
No início da nossa pesquisa, tínhamos algu- foram respondidas com êxito e os objetivos, al-
mas ideias acerca do uso de games ou atividades cançados. Logo, pudemos perceber que a ati-
lúdicas no ensino da língua inglesa por experiência vidade lúdica em si é, indubitavelmente, um
própria em sala de aula, tanto em um centro de recurso que poderia ser mais explorado por
idiomas como em escolas regulares do Rio Grande nossos colegas professores, mesmo sabendo
do Norte (município de Natal, Estado e IFRN). das dificuldades com relação à carga horária e
Sempre acreditamos que essas atividades aos poucos recursos disponíveis presentes ainda
eram muito interessantes de serem trabalha- em muitas escolas espalhadas por nosso país.
das com todos os alunos e sempre pensávamos Temos consciência de que a nossa pesquisa
de que forma poderíamos criar uma atividade foi feita em uma escola de referência de ensino.
que fosse coerente com o assunto e ao mesmo Em vista disso, propomos e elaboramos ativi-
tempo fosse prazerosa de se fazer. Essa foi a dades que podem ser utilizadas com quaisquer
nossa motivação inicial para a escolha do tema alunos, não se restringindo aos da escola A ou B.
do presente trabalho, pois queríamos estudar Abordamos o tema da motivação por achar-
mais a respeito desse assunto, apesar de sa- mos, no começo, e o confirmamos no final do
bermos que o mesmo já é muito difundido no presente trabalho, que o aluno, quando moti-
ensino de línguas, embora saibamos também vado, pode aprender mais rápido. O livro estu-
que as pesquisas nesse campo, em nossa cidade, dado tem uma proposta sociointeracionista e se
ainda são muito escassas. baseia nos documentos oficiais como os PCNEM,

392
OCNEM e LDB para a escolha dos temas dos pelo contrário, contamos que novas pesquisas
textos e preparação das atividades. afins sejam realizadas em nossa cidade no sen-
Concluímos que o LD não apresenta nenhu- tido de promover e aprimorar o interesse pelo
ma atividade que possamos classificar de lúdica, estudo do idioma inglês, para o sucesso dos
visto que para tal a atividade deve proporcionar nossos alunos.
momentos de entretenimento e estimular o uso
criativo e espontâneo da língua. Percebemos a Referências
presença de algumas atividades dessa espécie
abordando a produção oral, mas elas não têm ALLRIGHT, Dick; BAILEY, Kathlleen M. Focus
características lúdicas, apenas fornecem ao aluno on the language classroom: an introduction
uma prática controlada de uma estrutura que não to classroom research for language teachers.
foi trabalhada em nenhum momento do material. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
Portanto, gostaríamos que os todos os
livros didáticos de língua inglesa contemplassem ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes. Dimensões
atividades lúdicas, pois mesmo sabendo que comunicativas no ensino de línguas.
elas são muito usadas em centros de idiomas, Campinas: Pontes: 1993.
há a possibilidade de adaptação para o seu uso
em escolas regulares. ______. Linguística aplicada: ensino de línguas
Finalizamos, então, a presente pesquisa rei- e comunicação. 4. ed. Campinas: Pontes
terando que o nosso tema não se esgota aqui, Editores e Arte Língua, 2011.

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400
Texto
5 A contribuição do estudante de ensino
médio ao processo avaliativo de língua inglesa

Vitória Maria Avelino da Silva Paiva


Ana Graça Canan Entendemos que a avaliação é uma ativi-
dade primariamente linguística porque começa
Introdução em uma situação em que se faz necessário o uso
da linguagem. Não se avalia sem se fazer uso de
A investigação que este artigo considera pelo menos um tipo de linguagem, pois a verba-
pertinente a respeito da avaliação da aprendiza- lização, as imagens e os enunciados avaliativos
gem de língua inglesa se origina de um problema se valem da linguagem para se constituir.
recorrente na sala de aula: o discurso construído A linguagem é por si mesma comunicativa,
pelos estudantes a partir do resultado de suas expressiva, dinâmica, sensível e plural. Ela não
avaliações finais, nas quais, se eles são aprova- pode se acomodar com uma avaliação priorita-
dos, atribuem a si mesmos a aprovação obtida, riamente exata e singular, escolhida e aplicada
porém, quando são reprovados, eximem-se da por só uma das partes do processo avaliativo,
responsabilidade, atribuindo-a ao professor. mas requer uma avaliação que provoque ações
Esse problema nos fez querer saber como o es- representativas e responsáveis, portanto, es-
tudante de Ensino médio (EM) se constrói ou se pecíficas para ambas as partes envolvidas. Não
define enquanto agente de seu processo avalia- podemos continuar avaliando uma matéria ge-
tivo e que razões ou sugestões ele apresentaria nuinamente interativa do mesmo modo que ava-
para corresponsabilizar-se pelos resultados de liamos disciplinas memorizáveis ou de lógica.
seu desempenho escolar. Dessa forma, buscamos novas inteligibilida-
des sobre o processo avaliativo de língua inglesa

401
a partir de duas premissas básicas: O estudante da somente pelo professor e ampliando o papel
como co-construtor, ou seja, um parceiro ativo na participativo-ativo do estudante na construção
realização do processo avaliativo e uma proposta desse processo, antes resumido numa função
de avaliação qualitativa que redefina os objetivos de participante-passivo, apenas aceitando e res-
da avaliação de uma língua estrangeira. pondendo de acordo com a avaliação que lhe
era imposta.
1 O estudante enquanto co-construtor Não obstante as diretrizes e os estudos vol-
do processo avaliativo tados ao tema avaliação, os avanços nessa área
ainda acontecem de forma lenta e a contribui-
A tentativa de incluir os estudantes como ção do estudante praticamente inexiste, o que
responsáveis no processo do ensino-aprendiza- deveria ser mais estimulado, pois surte resulta-
gem não é atual, mas ainda acontece de forma dos positivos, como observou Canan (1996, p. 30).
gradativa. Uma das diretrizes propostas pela Segundo a autora, os estudantes envolvidos no
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio- processo avaliativo “se sentem responsáveis pelo
nal (LDB) no seu Artigo 36, que reaparece nos processo de avaliação, tornando-se conscientes
PCNEM, trata do currículo do EM e nos diz que dos critérios usados, capazes de participar do de-
ele “adotará metodologias de ensino e de avalia- senvolvimento de critérios próprios e se tornando
ção que estimulem a iniciativa dos estudantes” mais independentes dos resultados”.
(BRASIL, 2002, p. 46-69), desfazendo, assim, o
paradigma de que a avaliação deve ser elabora-

402
A avaliação que é conduzida somente pelo liativo, se considerarmos que somos avaliados e
professor é caracterizada como conservadora avaliamos constantemente e que são essas ava-
por Luckesi (2003, p. 28), que assim a define: liações rotineiras que influenciam e modificam
nossas vidas sociais. De acordo com Sant’anna
Estando a atual prática da avaliação (2002, p. 33):
educacional escolar a serviço de um
entendimento teórico conservador da Afirma-se que o educando é o sujeito, e
sociedade e da educação, para propor não o objeto da ação educativa; no en-
o rompimento dos seus limites, que tanto ele próprio não participa do pro-
é o que procuramos fazer, temos de cesso de sua avaliação, apenas recebe,
necessariamente situá-la num outro direta ou indiretamente, o resultado de
contexto pedagógico, ou seja, temos sua vitória ou fracasso. É lhe comunica-
de, opostamente, colocar a avaliação da apenas a sentença final.
escolar a serviço de uma pedagogia
que entenda e esteja preocupada A metáfora da “sentença final” representa a
com a educação como mecanismo de nota bimestral que o estudante recebe de forma
transformação social. descontextualizada da sua aprendizagem. Sendo
uma nota satisfatória, ele não questiona. Porém,
A transformação social mencionada por se obtiver uma nota que ponha em risco sua
Luckesi (2003) é característica do processo ava- promoção para a série seguinte, o estudante e

403
seus “advogados providenciais” (geralmente pais Ponderamos que tanto a apatia quanto a
ou responsáveis) procuram saber do professor idolatria acima descritas são resultados de uma
o motivo da “sentença”. avaliação que permanece ainda muito restrita ao
professor que a aplica. Sendo o professor que es-
Observa-se uma certa apatia dos en- colhe os instrumentos, determina os períodos em
volvidos, que parecem não reagir, que a avaliação deve acontecer, decide a quan-
de modo proativo, à situação. A ten- tidade de pontos de cada quesito e corrige-os,
dência é que a força dinamogênica não será mesmo o culpado? Quer dizer, não está
da avaliação ceda lugar à aceitação/ se colocando na posição de culpado, com quem
negação pura e simples da medida familiares e estudantes devem tomar satisfações
informada, mesmo quando esta não quando não alcançam os resultados desejados?
leva em conta os fatores associados. A busca pela participação dos estudantes
Constrói-se uma cultura de indiferen- em um processo avaliativo interativo é defendi-
ça aos dados de avaliação, e, por outro da por Sant’anna (2002, p. 27), que afirma:
lado, presencia-se uma certa idolatria
das notas boas, que passam a orien- A avaliação só será eficiente e eficaz
tar a escola a buscá-las, mesmo que se ocorrer de forma interativa entre
discursivamente contestem seu valor, professor e aluno, ambos caminhan-
sua exatidão ou suas formas de obten- do na mesma direção, em busca dos
ção (DE SORDI; LÜDKE, 2009, p. 19). mesmos objetivos. O aluno não será

404
um indivíduo passivo; e o professor, a aprendam para que possam ocupar um lugar na
autoridade que decide o que o aluno sociedade e nela atuar como sujeitos históricos”.
precisa e deve saber. O professor não É necessário denunciar a aprovação ou reprova-
irá apresentar verdades, mas com o ção advindas de uma avaliação que responde a
aluno, irá investigar, problematizar, períodos de tensão ou modismos educacionais,
descortinar horizontes, e juntos avalia- pouco contribuindo para a aprendizagem e não
rão o sucesso das novas descobertas permitindo que os seus sujeitos atuem social-
e pelos erros, as melhores alternativas mente. Sobre a atuação dos estudantes em as-
para superá-los. suntos de cunho educacional, vemos que:

A avaliação que permanece sendo condu- É inconcebível falar em informação


zida de forma unilateral, sem a participação dis- crítica, consciente, para a cidadania
cente, é constantemente acompanhada de um se os sujeitos dessa formação, ou
período de tensão com muitos equívocos decor- seja, os estudantes, ainda continuam
rentes desta. Professores têm tomado posições sendo convocados para ocuparem a
extremistas de aprovadores ou reprovadores em posição de meros expectadores, de
massa, negligenciado o saber que pertence ou receptores de informações e das de-
deveria pertencer ao educando. De Sordi e Lüdke cisões repassadas, transmitidas pelos
(2009, p. 14) afirmam: “não basta que os alunos mais experientes, por aqueles consi-
não sejam reprovados na escola. Importa que derados aptos a se pronunciarem. Ou,

405
em alguns casos, são convocados para seus desafios de aprendizagem. O docente so-
fazerem figuração em processos ditos mente compreenderá seu aprendiz no momento
democráticos, ou seja, são apenas in- em que lhe ceder espaço na participação de as-
seridos, mas não participam de fato, suntos escolares que são do interesse de ambos.
pois sua voz não tem credibilidade, Estamos vivenciando uma época em que a
não é considerada significativa (PEREI- educação não pode mais tentar “enformar” seus
RA, 2009, p. 203). estudantes, achando que todos têm os mesmos
estilos de aprendizagem, da mesma maneira que
Os estudantes ainda são figurantes em boa têm os mesmos uniformes escolares. Vivemos
parte dos assuntos escolares que diretamente em tempos de inteligências múltiplas (GARDNER,
lhes dizem respeito. Antes da tomada de deci- 1993) e diversos saberes (MORIN, 2000), portan-
sões que envolvam os estudantes, os professo- to, há diversidade na aprendizagem.
res devem se conscientizar de que “é preciso Ceder espaço ao educando é uma maneira
compreender quem é o educando e como ele se de conhecê-lo melhor. É dar-lhe a oportunida-
expressa, a fim de, consequentemente, definir de de expressar como aprende e, consequente-
como atuar com ele para auxiliá-lo em seu pro- mente, como é melhor avaliado. O instrumen-
cesso de autoconstrução” (LUCKESI, 2011, p. 29). to de avaliação não pode ser alheio às técnicas
Ao compreender quem é seu educando, o de ensino que provocaram a aprendizagem. “É
professor poderá atuar por meio de instrumen- preciso ressaltar, no entanto, que a avaliação
tos avaliativos que façam o estudante vencer da aprendizagem precisa ser coerente com a

406
2 Avaliação qualitativa como proposta para
forma de ensinar” (MORETO, 2007, p. 87). Para se avaliar a língua inglesa no EM
ilustrarmos uma avaliação incoerente com a
prática de ensino, remetemo-nos à pesquisa Ao tratarmos da avaliação qualitativa como
de Silva (2007), na qual observou um professor proposta para se avaliar o ensino de inglês no
que ensinava de um jeito e avaliava de outro, o Ensino Médio, procuramos expressar uma res-
que sempre provocava notas perdidas e baixas significação do termo qualitativo para indicar
e gerava uma situação confusa, porque na hora a avaliação que, ao ser empregada, não faz uso
da aula eles pareciam saber dos conteúdos, mas apenas de dados quantitativos e metodologias
na hora da avaliação os “desaprendiam”. somativas e cujo produto seja apenas o sistema
No ambiente escolar, em que o ato de de notas como medida de conhecimentos, ao
avaliar se evidencia constantemente, devemos término do período avaliativo, “já que na busca
“fazer da avaliação um verdadeiro instrumento por uma exatidão excessiva, esquecem-se de dar
de pilotagem das aprendizagens” (PERRENOUD, conta da subjetividade presente em qualquer
2009, p. 10). Partindo do pressuposto de que o atividade da área de ciências humanas” (CANAN,
estudante percebe a avaliação como um meio 1996, p. 21), mas que a preocupação com o de-
de obter nota para passar de série, é interes- senvolvimento seja tão relevante quanto o re-
sante saber como ele reage (e por que reage) ao sultado, priorize os envolvidos no processo e
processo avaliativo a que se submete e buscar seja suscetível a mudanças e novas ideias que
envolvê-lo na construção desse processo, para venham a contribuir com a aprendizagem.
que ele o compreenda melhor.

407
Ao ressignificarmos a avaliação como qua- ministrado. Para o avaliador qualitativo, a impor-
litativa, baseamo-nos em definições como as de tância que se dedica à quantidade de estudantes
Saul (1988 apud CANAN, 1996) e Demo (2008) e que serão promovidos de uma série para outra é
acrescentamos nosso próprio entendimento do semelhante à importância devida ao preparo, ou
que seja essa avaliação, que prima pela qualida- seja, os conhecimentos adquiridos que os estu-
de da aprendizagem do educando. dantes estarão levando para a série subsequente.
Por qualidade na avaliação, entendemos É uma avaliação que faz uso da combina-
uma avaliação cíclica e contínua (HOFFMAN, 2001) ção de diferentes tipos de metodologias e ins-
que serve de reflexo às práticas de ensino, mostra trumentos que podem ser escolhidos de acordo
os avanços da aprendizagem e contribui, por com o momento de aprendizagem em que se
meio de um retorno reflexivo, para que o educan- encontra inserida, levando em consideração a
do recupere os seus conhecimentos a respeito de opinião do discente a esse respeito, por enten-
um conteúdo que não assimilou completamente der que não é um processo unilateral, cabível
ou avance para os conteúdos seguintes. Essa ava- apenas ao professor.
liação possui caráter diagnóstico (LUCKESI, 2003), A avaliação qualitativa acontece não para
que identifica as carências e as potencialidades testar ou verificar se o estudante aprendeu, mas
dos estudantes, para que ambos, professor e para ajudá-lo a aprender. É uma etapa recorren-
aprendizes, dediquem-se a elas. te e não uma etapa conclusiva, durante o pro-
É uma avaliação que se preocupa igualmen- cesso de ensino-aprendizagem. Seu resultado,
te com o processo e com o resultado do ensino mesmo que expresso em notas, norma padrão

408
da maioria das escolas públicas, deve ser comu- dentre outros procedimentos e recursos didáti-
nicado descritivamente, demonstrando cuidado cos, os conteúdos que para seus colegas ainda
e interesse pelo desenvolvimento do aprendiz. eram inéditos. Questionamo-nos se esse estu-
Demo (2008) observa que não faz mal para a dante, ao ser avaliado de outra forma, não pode-
avaliação qualitativa a presença de dados quan- ria demonstrar a qualidade (expressa pelos seus
titativos inevitáveis, como é o caso das notas bi- conhecimentos e competências) necessária para
mestrais. Porém os dados numéricos não devem estar na turma subsequente. Ao ser constante-
ser os únicos indicadores decisivos na promoção mente retido com base apenas nos números de
ou retenção dos estudantes nas séries escolares. sua média anual, esse estudante sempre apare-
Gostaríamos de exemplificar essa posição cerá como reprovado (portanto, desqualificado),
tomando como base a pesquisa que desenvolve- o que é ruim tanto para ele quanto para a escola.
mos a respeito de avaliação de língua inglesa no Resultados como reprovação e evasão,
ensino fundamental (SILVA, 2007). Citamos como tidos como negativos, fazem-nos refletir se algo
exemplo a situação de um estudante que, por está errado, não apenas com o estudante que
não obter um resultado numérico satisfatório, os apresenta ou desenvolve, mas também com
ficou com a sua nota abaixo da média numérica o processo de ensino-aprendizagem-avaliação,
pretendida para a disciplina e não conseguiu ser que apresenta deficiências. Se durante três anos
aprovado. Esse aluno já repetia a série por mais o estudante está exposto aos mesmos procedi-
de três anos consecutivos, chegando a constran- mentos, às mesmas metodologias, talvez até às
ger os professores e a si mesmo por já conhecer,

409
mesmas atividades dos anos anteriores, o que avalia indiretamente, considerando o impacto
o impede de avançar? O que o limita? psicológico das avaliações formais (SILVA, 2007).
Entendemos que o processo de recupera- A maneira de “corrigir” de um avaliador qua-
ção de uma proposta de avaliação qualitativa, litativo deve ser peculiar, ao promover os acertos,
quando se faz necessário acontecer, é promo- sem, no entanto, ignorar os erros, que devem ser
vido paralelamente ao ensino e é contínuo, por tratados como algo que faz parte da aprendiza-
tratar-se de uma avaliação apreciativa (PRESKILL; gem e não como sinal de falta de inteligência.
CATSAMBAS, 2006). O avaliador qualitativo não O discente deve sentir-se alertado e instigado a
pode conceber que a recuperação aconteça de aprender com seus erros e não corrigido, enver-
forma isolada, em períodos finais do curso pres- gonhado e reprimido. De acordo com Carvalho
tado, separando o estudante que dela precisa (1997, p. 20, grifo do autor): “apontar um erro ou
dos seus demais colegas, de forma talvez até inadequação não significa ‘podar a criatividade’,
discriminatória. nem decretar o fracasso. Significa instrumentali-
A avaliação qualitativa prioriza nos estudan- zar os alunos para que adquiram uma capacidade
tes aspectos como: assiduidade, pontualidade, que não podemos pressupor que tenham”.
comprometimento com os estudos, participação Um dos aspectos mais importantes dessa
e responsabilidade (CANAN, 1996). O avaliador avaliação é o fato de ela não ser uma etapa final,
qualitativo geralmente se interessa por acom- mas um processo que deve iniciar, acompanhar
panhar os registros feitos nos cadernos de seus e concluir o trabalho do docente, sendo indis-
estudantes, atribui pontos pela frequência e pensável um retorno ao estudante da avaliação

410
feita por ele, o qual não pode ser apenas numé- existe para ensinar, de que vale uma
rico, mas também reflexivo, revisando e ensinan- avaliação que só confirma “a doença”,
do ao discente a melhor forma de corresponder sem identificá-la ou mostrar sua cura?
ao que dele foi exigido nas atividades avaliativas
empregadas, de forma a habilitá-lo para o pró- A partir dessa observação, deduzimos que
ximo conteúdo. Pellegrine (2003)1 observa que: o retorno ou feedback (VARELA, 2011) avaliativo
para os estudantes deve ser uma das atribuições
Quem procura um médico está em dos professores, visando orientá-los na sua tra-
busca de pelo menos duas coisas, um jetória de aprendizes de uma língua estrangei-
diagnóstico e um remédio para seus ra, mostrando a “doença” do erro, mas também
males. Imagine sair do consultório se- apontando a “cura” das possibilidades. Penna
gurando nas mãos, em vez da receita, Firme (2009, p. 46) nos alerta para termos o cui-
um boletim. Estado geral de saúde nota dado de não agredir a autoestima do estudante,
6, e ponto final. Doente nenhum se con- “confundindo seu desempenho com seu valor
tentaria com isso. E os estudantes que como pessoa”, ao justificar que o aprendiz pode
recebem apenas uma nota no final de se sentir incapaz, improdutivo ou sem inteligên-
um bimestre, será que não se sentem cia devido à expressão dos professores diante
igualmente insatisfeitos? Se a escola de suas notas bimestrais. Para Carvalho (1997, p.
20, grifo do autor), os professores devem estar
1 Revista Nova Escola, versão on-line (jan. 2003), sem indicação do número de cientes de que:
página.

411
Não existimos para decretar fracassos, Considero que o reducionismo da ava-
mas para promover aprendizagens. E liação à concepção de medida denun-
nesta tarefa, os erros, frutos das tenta- cia uma consciência ingênua do edu-
tivas de operar com novos conceitos e cador no tratamento desse fenômeno,
procedimentos, têm um papel funda- pois ele não se aprofunda nas causas e
mental, posto que a partir do seu exame consequências de tais fatos, cometen-
crítico desenvolve-se o discernimento. do equívocos de maneira simplista. Ou
seja, os educadores aceitam e reforçam
O desempenho dos estudantes, o seu su- o velho e abusivo uso das notas, sem
cesso ou fracasso escolar, ainda tendo nas notas percebê-lo como um mecanismo pri-
bimestrais o seu principal indício, pode compro- vilegiado de competição e seleção nas
meter o desenvolvimento do discernimento dos escolas. Ingenuamente ou arbitraria-
aprendizes sobre a função da avaliação. A dema- mente, obstaculizam o projeto de vida
siada preocupação com as notas é um dos prin- de crianças e adolescentes com base
cipais equívocos dos avaliadores, alimentado em décimos e centésimos. Preocupam-
pela exigência dos pais dos estudantes (quando -se sobremaneira em atribuir nota 7 ou
estes são menores de idade) e pela competição 7,5, enquanto relegam a último plano
em sala de aula entre os próprios estudantes. os sérios problemas de aprendizagem
(HOFFMANN, 2004, p. 45).

412
A maneira peculiar de cada professor corri- valores conceituais e não apenas numéricos à
gir e expor os resultados da avaliação da apren- língua estrangeira.
dizagem em sua disciplina poderá desencadear Ainda podemos dizer que nessa avaliação
o empenho de seus estudantes ou até mesmo a que entendemos como qualitativa o estudante
ausência deste. Um professor que apresenta um e seu mestre são agentes construtores. As res-
retorno punitivo aos seus estudantes pode estar ponsabilidades são divididas e o contexto de
contribuindo para a inibição destes em situações aprendizagem é privilegiado, visando sempre o
futuras. Kuenthe (1978) observa que a punição aprendizado a ser desenvolvido.
pode reduzir a participação estudantil em situa- Sobre os aspectos qualitativos que dese-
ções semelhantes àquela em que o educando foi jamos que façam parte da avaliação da apren-
repreendido, por receio de ser repreendido outra dizagem, Demo (2008, p. 13) traz uma descri-
vez. Carvalho (1997, p. 20) defende que as corre- ção propícia:
ções de erros “devem ser sinais regulamentadores
que levam o aluno a criar seu próprio caminho”. Na qualidade, não vale o maior, mas o
A correção ou o retorno é um dos momen- melhor; não o extenso, mas o intenso;
tos fundamentais de uma proposta de avaliação não o violento, mas o envolvente; não
qualitativa, o qual não pode ser negligenciado a pressão, mas a impregnação. Quali-
nem subornado, mas deve ser amplamente dis- dade é de estilo cultural, mais que tec-
cutido e refletido pelas duas partes do processo nológico; artístico, mais que produtivo,
de ensino-aprendizagem-avaliação, para, dessa lúdico mais que eficiente, sábio mais
forma, contribuir com a maneira de se atribuir que científico.

413
Com essa definição, o autor expressa o Consideramos também que a avaliação é a
que entendemos ser o objetivo de uma avalia- investigação do resultado dos processos meto-
ção qualitativa, que demanda atenção, sobre- dológicos de ensino aplicados pelo professor, já
tudo, ao desenvolvimento das aprendizagens. que somos cientes de que na investigação nada
Essa avaliação qualitativa é diagnóstica (LU- é feito ingenuamente, sem haver um envolvi-
CKESI, 2003), para identificar o que prejudica mento entre a intenção e a execução. Depreen-
o desempenho dos nossos aprendizes ou para demos que o professor, conhecedor do seu pú-
preveni-los. Ela é também formativa (BLOOM; blico e das suas necessidades, não se posiciona
HASTINGS; MADAUS, 1983 apud CANAN, 1996), com neutralidade na escolha da avaliação que
pois vai se renovando e intervindo quando é por ele será empregada. O professor externa
necessário ainda durante as fases do processo. essa escolha, feita inicialmente em seu interior,
Ela é contínua (HOFFMAN, 2001), pois é cíclica e quando: a) elege os instrumentos avaliativos que
viva, é autoavaliativa (LEWKOWICZ; MOON, 1985 lhe são familiares ou que ele considera pecu-
apud CANAN, 1996), porque seus participantes liares à fase de ensino em que se encontram;
são agentes críticos que se conhecem e se res- b) dispensa tratamento aos dados obtidos por
peitam, e é apreciativa (PRESKILL; CATSAMBAS, intermédio desses instrumentos.
2006), porque sabe que seus objetivos são al- Ainda sobre o processo avaliativo de opção
truístas, o que a torna uma avaliação autêntica teórica qualitativa, a atual portaria2 de avaliação
(CONDEMARÍN; MEDINA, 2005).

2  Portaria nº 1033/2008/SEEC/RN.

414
do estado do Rio Grande do Norte, no seu Artigo lado das demais categorias do trabalho escolar”
3, in verbis, dispõe que: (DE SORDI; LÜDKE, 2009, p. 13).
Ao tratarmos de uma avaliação de língua
Art. 3 - A avaliação da aprendizagem es- estrangeira, devemos considerar todos os as-
colar orientar-se-á por processo diag- pectos linguisticamente possíveis, no intuito
nosticador, mediador e emancipador, de buscar a certificação de que está havendo a
devendo ser realizada de forma contí- aprendizagem da língua ensinada, em todas as
nua e cumulativa, com prevalência dos estruturas que são necessárias ao seu aprendi-
aspectos qualitativos sobre os quanti- zado, uma vez que as competências e habilida-
tativos e dos resultados ao longo do des que se esperam no processo de aprendizado
período letivo sobre o exame final. de uma LE são diversificadas (BRASIL, 2009).

Por sugerir que os aspectos qualitativos so- 3 Metodologia


breponham-se aos quantitativos, além de indi-
car modelos de avaliação (diagnóstica, contínua), Nossa pesquisa se define como qualitativa
essa portaria se mostra consoante os objetivos etnográfica, a qual prima pela inserção do pes-
da pesquisa, haja vista que a avaliação “ganharia quisador nos contextos e situações de pesqui-
mais significado político e pedagógico, mostran- sa (CHIZZOTTI, 2003). As três fases deste estudo
do-se coerente com a função formativa que dela foram desenvolvidas a partir de um modelo de
se espera, se não fosse discutida de modo iso-

415
pesquisa-ação descrito por Nunan (2007, p. 18, Finalmente o projeto toma a forma de
tradução nossa)3. um ciclo contínuo, no qual o profes-
sor reflete sobre ele, retorna para ele
Em primeiro lugar, a pesquisa é ini- e amplia a investigação inicial.
ciada pelo especialista e é derivada
de um problema real na sala de aula O parecer de Nunan (2007) corrobora o
que precisa ser confrontado. Em se- de André (1995, p. 31), quando esta declara ser
gundo lugar, a pesquisa é colaborativa um exemplo de pesquisa-ação “o professor que
– neste caso não entre colegas, mas decide fazer uma mudança na sua prática do-
entre um professor e uma pesquisa de cente e a acompanha com um processo de pes-
base universitária. Em terceiro lugar, o quisa”. Durante essas etapas por nós adotadas
professor coleta dados objetivos nas como modelo de base, partimos de um proble-
formas de interações em sala de aula e ma corriqueiro em sala de aula, a saber: a reação
da linguagem do aprendiz. Em quarto dos estudantes ante as formas de avaliação de
lugar, os resultados são disseminados. suas aprendizagens em língua inglesa.
A investigação se passa na Escola Estadu-
3 “In the first place, the research is initiated by the practioner and is derived
from a real problem in the classroom which need to be confronted. Secon- al Pedro II, uma instituição pública de EM que
dly, the research is collaborative – not in this instance, between colleagues,
but between a teacher and a university-based research. Thirdly, the teacher
desenvolve em suas dependências a metodolo-
collects objective data in the form of classroom interactions and learner lan- gia do programa Ensino Médio Inovador (EMI),
guage. Fourthly, the results are disseminated. Finally, the project takes the
form of an ongoing cycle in which the teacher reflects on, returns to, and uma nova modalidade para a educação básica,
extends the initial inquiry” (NUNAN, 2007, p. 18).

416
proposta pelo Ministério da Educação, a qual se A seguir, apresentaremos alguns dados re-
encontra ainda em fase de experimentação em ferentes ao momento da participação estudantil
algumas escolas do país. Na proposta desen- na construção do processo avaliativo. Por uma
volvida para o EMI, os estudantes têm espaço questão de delimitação, nos remeteremos à fase
opinativo e contributivo durante as reuniões e conclusiva da pesquisa, na qual obtivemos uma
atividades escolares, como os planejamentos reflexão sobre a participação estudantil na cons-
pedagógicos e as reuniões de pais e mestres, trução do processo avaliativo.
além de ter sua participação assegurada em se- A fase conclusiva das etapas propostas para
minários e eventos voltados ao público do EMI. este trabalho de pesquisa-ação veio nos forne-
A metodologia do EMI defende que o estu- cer uma compreensão acerca das opiniões dos
dante seja um sujeito autônomo em sua apren- estudantes envolvidos na pesquisa no que se
dizagem e que na escola desenvolva o seu papel refere à sua participação no processo avaliativo
de agente de transformação (BRASIL, 2009). de língua inglesa na escola. Procuramos funda-
Assim sendo, para elucidarmos o problema ob- mentar essa fase da pesquisa por meio de uma
servado na escola, buscamos, durante um se- autoavaliação aplicada com alguns dos estudan-
minário, consultar os estudantes para compre- tes envolvidos pela pesquisa empreendida. Uma
ender a postura adotada por eles em face de vez que estávamos no campo desenvolvendo
seus resultados, apontando suas predileções e anotações, não seria necessária a opinião de
apreensões quanto a determinados instrumen- todos os trinta e cinco estudantes, parecendo-
tos avaliativos.

417
Quadro 1– Realização, participação e frequência dos estudan-
-nos suficiente uma representação de dez pes- tes nas atividades avaliativas

soas. Estas foram voluntariamente selecionadas.


Realização de
Estudantes Frequência Participação
As respostas obtidas por essa autoavalia- atividades

ção estão organizadas em quadros. A proposta 06 Fizeram todas Assídua Boa-excelente

da avaliação qualitativa para o ensino de língua Não fizeram


03 Regular Regular
inglesa no ensino médio defendida pela pesqui- algumas

sa parte do princípio de que essa avaliação deve 01 Perdeu diversas Ruim Razoável

ser de responsabilidade de ambas as partes do Fonte: Dados da pesquisa.


processo de ensino-aprendizagem, ou seja, do-
centes e discentes. Tendo as atividades avaliati- Os estudantes consultados, em sua maio-
vas sido realizadas por meio dos instrumentos ria, realizaram todas as atividades por eles pro-
avaliativos sugeridos pelos estudantes, busca- postas, classificando sua participação como boa
mos saber destes se procuraram participar das ou excelente e tendo assiduidade às aulas. Os
atividades propostas, agora cientes de sua cor- partícipes EC5 e EC4, por exemplo, definem-se
responsabilidade nesse processo. como estudantes assíduos, pois, mesmo quando
precisavam faltar, justificavam sua ausência,
demonstrando compromisso com sua apren-
dizagem. Os estudantes que responderam não
terem feito algumas atividades atribuem isso a
algumas vezes que precisaram faltar às aulas e

418
classificam sua participação como regular. Esse o desempenho apresentado, era necessário que
também parece ser o motivo pelo qual o partíci- analisassem criticamente o merecimento de sua
pe EC25 define sua participação como razoável, nota. Buscamos separar desempenho de nota, en-
ao assumir que sua frequência às aulas é ruim. tendendo que o desempenho está mais relaciona-
Antes da intervenção da pesquisa, observou- do ao desenvolvimento do educando na disciplina
-se que, no dia da prova, muitos estudantes que ensinada, enquanto que a nota está compreendida
não eram assíduos nas aulas não avaliativas (que como uma das formas de registro burocrático de
aconteciam separadamente, como já explicamos sua aprendizagem na língua inglesa. Dividimos as
ao longo do trabalho) frequentavam as aulas ava- respostas ao questionamento feito em dois qua-
liativas, talvez com o propósito de obter notas. dros, por questão de organização.
Ao assumirem que, para que a participa-
ção melhore (e consequentemente os resulta- Quadro 2 – Desempenho estudantil e análise crítica sobre os
dos da aprendizagem), é primordial a frequência resultados expressos em notas

às aulas, os estudantes demonstram que não


Estudantes Desempenho Notas que merecem
separam o processo de ensino do processo de
02 Regular-ruim Nota suficiente para aprovação
avaliação, passando a frequentar as aulas com
01 Regular-bom Nota baixa
mais assiduidade.
01 Regular-bom Nota suficiente para aprovação
Ainda sobre a avaliação desenvolvida na
escola, buscamos entender se esses estudantes 04 Bom-ótimo Nota alta

se mostravam satisfeitos com o seu desempenho 01 Bom-ótimo Nota suficiente para aprovação

na aprendizagem do inglês; para tanto, mediante 01 Bom-ótimo Nota baixa

Fonte: Dados da pesquisa.

419
Quadro 3 – Justificativas dos estudantes para as notas pretendidas
por ter estudado muito, participado de todas
Nota baixa Nota suficiente Nota alta
as atividades e assistido a todas as aulas. Quer
Não aprender nada
Não ter boa
Aprender muitas coisas dizer, os estudantes reconhecem que merecem
frequência
as notas obtidas, em virtude dos esforços que
Assistir todas as
Achar a disciplina aulas, estudar muito, empreenderam. Em nenhum momento dessa
Não gostar da disciplina
complicada participar de todas
as atividades
fase de pós-intervenção houve acusação dos dis-
centes envolvendo a docente PC quanto aos re-
Não fazer todas as Ter assiduidade e
------
atividades participação sultados obtidos. Segundo ela, isso ocorria antes
Não saber de tudo o Ter dedicação aos dos procedimentos realizados com a participa-
------
que foi explicado estudos
ção dos estudantes, que se sentiam injustiçados
Fonte: Dados da pesquisa. por suas notas e a acusavam de “perseguição”,
entre outras colocações não lisonjeiras.
Em face das respostas apresentadas nos Os estudantes estavam habituados a não
dois quadros, percebemos que as situações se participar de seu processo avaliativo de forma
intercalam com as respostas demonstradas nos direta e atribuíam o seu sucesso ou insucesso
quadros anteriores. Por exemplo, se atentarmos escolar unicamente à professora. Ao tomarem
para as respostas de EC27, teremos que a estu- parte nas decisões concernentes à avaliação em-
dante realizou todas as atividades, era assídua pregada, mostraram-se autocríticos, conscientes
nas aulas, seu desempenho oscila entre bom de que as notas obtidas nas disciplinas e os re-
e ótimo e ela acha que merece uma nota alta sultados por elas previstos dependem de seu de-

420
Quadro 4 – Opinião dos estudantes sobre a avaliação de língua
sempenho e de sua participação nas aulas que inglesa desenvolvida a partir de suas sugestões.

frequentam. Ao se corresponsabilizarem pelas


Deveria ter sido mais bem aproveitada pelo
avaliações de sua turma, não mais se vitimizaram estudante
Regular – ruim
em busca de um responsável por seus resultados, O estudante preferia ter tido mais explicações a

mas desenvolveram senso de responsabilidade respeito

para com seus deveres estudantis. A professora soube explicar bem a avaliação

Concluindo nossa análise, a última pergun- Avaliação mais fácil e boa de fazer

ta direcionada da autoavaliação discorria sobre O estudante aprendeu bastante com ela


(avaliação)
as opiniões dos estudantes a respeito das su-
gestões por eles apresentadas (e acatadas) no Uma avaliação dinâmica, que deu para aprender
tudo
processo avaliativo. Boa – ótima
A professora procurou saber dos alunos sobre
esse assunto

Avaliação interessante, modo de aplicar


interessante

Avaliação que merece elogios, pois a professora


explicou suas aulas de vários modos

A estudante aprecia a nova avaliação realizada

Fonte: Dados da pesquisa.

421
A nova forma de avaliação desenvolvida na que o seu senso de responsabilidade foi desper-
escola, segundo os participantes, aumentou as tado, uma vez que o estudante admitiu não ter
chances de haver mais aprendizagem no idioma frequentado todas as aulas, estando aí, talvez, o
inglês, porque os estudantes ficaram mais com- motivo de querer mais explicações a respeito.
prometidos com as aulas. Percebemos a junção Com essas opiniões em forma de autoava-
dos processos de ensinar e avaliar pela frase de liação, concluímos a geração de dados da pes-
EC28, quando afirma que “a professora explicou quisa empreendida.
suas aulas de vários modos”, denotando que as
aulas estariam inseridas na avaliação e vice-ver- Considerações finais
sa. A aprendizagem do idioma fica subentendida
nas colocações de EC35: “Aprendi bastante com O estudante do EMI da escola pesquisada
essa avaliação” e EC3: “Agora a avaliação é dinâ- mostrou-se um protagonista, um construtor da
mica, deu pra aprender tudo”. A partir do modo sua avaliação, que passou a acontecer de ma-
de se expressar desses estudantes, entendemos neira descentralizada da pessoa da docente,
que a avaliação proposta pela pesquisa-ação de- tida agora como uma parceria nesse processo,
senvolvida acarretou mudanças positivas para o trocando com seus aprendizes experiências e
ensino-aprendizagem de língua inglesa. Mesmo saberes, como se espera de uma educação que
analisando as opiniões desfavoráveis, como a do prima pela qualidade.
partícipe EC25, que achou a avaliação aplicada Verificamos que ações tão simples, como
“muito ruim, por falta de explicação”, percebemos acatar as sugestões dos estudantes, foram pro-

422
motoras de grandes mudanças. Uma delas, sivo, que apenas executa a avaliação escolhida
talvez a mais significativa, é o reconhecimento por seu professor, (porque cogitamos ser essa
de cada educando como o responsável maior uma das características da avaliação tradicional-
pelos seus resultados. Ao admitir seus esforços e mente unilateral que se desenvolve na maioria
suas lacunas no ato de aprender uma língua es- das instituições de ensino, em que somente o
trangeira, classificando o seu desempenho me- professor rotula, caracteriza e determina o grau
diante avaliações que foram realizadas por su- de aprendizagem do educando, deixando-o
gestões suas e de seus pares, o aprendiz passa a isento da responsabilidade pelos resultados que
conviver com a sua nota, não de maneira egoís- obtém) e promovendo-o à posição de co-cons-
ta, tentando justificá-la com acusações contra a trutor, agente desse processo. A pesquisa partiu
pessoa da professora, mas de maneira realista, da constatação de que a avaliação
ao relacionar o resultado à sua performance du-
rante o período letivo de que tomou parte. Não deveria ser uma atividade unila-
O interesse da pesquisa em saber que con- teral com um professor fazendo julga-
tribuições o estudante do EM poderia agregar ao mentos a partir de critérios predefini-
seu processo avaliativo de língua inglesa culmi- dos e sim um sistema dinâmico com
nou com uma contribuição, ao apontar para a aprendizagens envolvidas entre si, fa-
possibilidade de se envolver o estudante como zendo julgamentos sobre eles mesmos
um dos agentes construtores do processo avalia- a partir de critérios definidos e nego-
tivo, retirando-o da posição de participante pas-

423
ciados de acordo com a situação de dizagem, já que eles apontam que os procedi-
aprendizagem (CANAN, 1996, p. 30). mentos de ensino de idiomas estão vinculados
à avaliação e não realizados separadamente,
Ao nos interessarmos pelas opiniões dos como até então estava acontecendo na escola
estudantes a respeito de suas concepções ava- pesquisada. A opinião estudantil diverge da
liativas, refletimos com eles as sugestões dos percepção de alguns educadores, que tratam o
instrumentos avaliativos que esses estudantes ensino como algo que difere e ocorre separada-
apontaram como melhores indicadores de sua mente do processo avaliativo (Cf. SILVA, 2007).
aprendizagem de idiomas, ou seja, os instrumen- Assim sendo, a avaliação qualitativa, tal qual
tos que melhor representam as suas reais com- a apresentamos neste trabalho, se faz necessária
petências e habilidades linguísticas, de forma a no processo de ensino-aprendizagem de língua
trazer para a sala de aula a qualidade na apren- inglesa no ensino médio por esta ser uma mo-
dizagem e, consequentemente, na expressão dalidade de ensino vinculada à educação básica
dessa aprendizagem. há pouco mais de uma década, motivo pelo qual
A pesquisa compreendeu que os estudan- se encontra ainda em fase de construção, per-
tes do ensino médio possuem uma consciência mitindo que os estudantes possam participar de
mais crítica e reflexiva no que se refere a suas forma mais ativa, construtiva e dinâmica do seu
avaliações. Os estudantes participantes deste processo de aprendizagem. Se concebermos a
estudo demonstram entender que a avaliação avaliação como promotora da aprendizagem,
é parte constante do processo de ensino-apren- através da variedade e finalidade dos seus ins-

424
trumentos, da aplicação e do retorno reflexivo BRASIL. Secretaria da Educação Média e
desses instrumentos, mudar as decisões quanto Tecnológica. Parâmetros Curriculares
às formas de avaliar pode, sim, mudar o proces- Nacionais: ensino médio. Ministério da
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