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do Homem Primitivo
(Livro: Roma e o Evangelho – D. José Amigó Y Pellicer –páginas
161 a 194 - 7ª edição 1982 – FEB)
Março de 1874
Autoria: espírito João Evangelista
II
III
IV
"Adiante! adiante!...
O homem emergiu de sua inofensiva infância. Os seus apetites, os
seus instintos e as suas paixões dominam a vontade, que precisa de
leme. O homem é uma barquinha agitada pelo vendaval.
Vê a mulher, sente de chofre o fogo da luxúria. Ai da mulher, se
atreve a opor-se, a resistir aos seus carnais desejos!
Quebrá-la-á entre as mãos, com a facilidade com que quebra um
frágil caniço a mão contraída da adolescente contrariado.
Os apetites da carne preponderam e exercem no homem violenta
influência.
Estamos no reinado da carne.
O corpo humano adquiriu toda a sua força e robustez. Não vos falo
de sua beleza.
Conheço eu, porventura, o limite da beleza dos organismos huma-
nos? Sei, mesmo, se existe ou não esse limite?
A carne impera; os seus estímulos são tão poderosos no homem,
que obscureceram completamente a sua razão, torcem o seu juízo e
pervertem-lhe a consciência.
Não importa: adiante! Adiante!....
O homem julga lícito tudo servir à sua concupiscência. Ainda não
pensou em classificar os seus atos, como lícitos ou ilícitos, senão co-
mo agradáveis ou desagradáveis.
Sente a força, que em si brota, e corre a satisfazê-la, sem cuidar
de meios brandos ou violentos. Se outros homens têm em seu poder
o manjar que ao seu estômago apetece, corre a arrebatá-lo; se para
arrebatá-lo é mister matar, mata. Fustigado pela fome, mata do
mesmo modo um seu semelhante e devora-o, mesmo que este seja
um filho ou a sua própria companheira.
Horrorizai-vos... mas não condeneis. Só compaixão devem inspi-
rar-vos os primeiros extravios da nascente humanidade. Ai! vós não
sabeis sobre quem cairia a vossa condenação.
Sente o aguilhão da luxúria, e tudo o impele a satisfazer o seu in-
saciável e vulcânico apetite.
As contrariedades excitam a sua ira e movem-no à vingança. Ira-
do, perde os traços humanos do seu semblante e não compreende
outra vingança que não seja a morte.
Os seus deuses são o raio e o furacão, símbolos, para ele, os mais
expressivos da força, e do poder.
O gérmen de todos os maus instintos que têm nascimento da car-
ne, a semente de todos os impulsos malévolos que têm a sua raiz na
consciência, desenvolvem-se aceleradamente e dominam no coração
do homem.
O bem moral é desconhecido, o mal é o soberano da Terra, e tem
sujeitas ao seu domínio as manifestações da vontade humana.
Não digo da liberdade humana, porque, nessa fase da humanida-
de, a vontade não é a liberdade; é pouco mais que um impulso me-
cânico e inconsciente; é uma pequena fagulha luminosa, amortecida
pelo frio da insensibilidade afetiva e pelo impulso destruidor das exi-
gências da carne.
Os diabos espalham-se e pululam por toda a extensão da Terra - e
insinuam-se enganosamente nas inexperientes criaturas. Incitam,
com sedutores afagos, à volúpia - à intemperança - ao egoísmo - ao
ódio - à violência - ao homicídio; triunfam sem resistência.
Isto devia ser, e foi, o reinado da carne; - devia preceder, em vir-
tude da eterna lei, ao reinado do Espírito - assim como o reinado do
diabo ao de Deus, sobre a Terra.
Não vos escandalizem estas palavras. O mal absoluto não existe.
Tudo o que está no tempo é relativo. O mal de hoje é o bem de on-
tem - e o bem presente será o mal de amanhã.
Nada há absolutamente perfeito senão o absoluto - e nada há ab-
soluto, senão Deus.
Tudo o que existe fora de Deus, vem de Deus, porém não é Deus -
existe de toda a eternidade, sem ser Deus, porque Deus é o princípio
de todas as coisas, e existe de toda a eternidade.
No princípio era Deus e era o Verbo - e o Verbo em Deus era
Deus, porque era o próprio Deus - e o Verbo como emanação de
Deus - e não era Deus fora de Deus.
Porque todas as coisas do céu e da Terra são efeitos da palavra de
Deus.
Nada há absolutamente perfeito senão Deus e o Verbo em Deus,
que é a lei em Deus.
O perfeito não pode ser jamais princípio do imperfeito; e eis por-
que a imperfeição absoluta, o mal absoluto, não é uma realidade.
A lei é perfeita, porque é o Verbo em Deus - as criaturas não são
perfeitas, porque são o Verbo fora de Deus.
Porém, o Verbo fora de Deus, como o que vem de Deus, caminha
para a perfeição, que é o seu princípio e o seu fim.
A imperfeição das criaturas, as suas misérias, as suas fraquezas,
os seus extravios, os seus erros, não são mais que transições ou fa-
ses progressivas de sua perfectibilidade infinita - eis por que eu dizia
e repetia: Adiante! adiante! "
VI
VII
"O homem mora em companhia das suas mulheres e dos seus fi-
lhos, e a volúpia no meio deles.
E a volúpia é a fogueira que dá o sinal e atrai os ladrões.
E os filhos do fogo se ajustam aos filhos do fogo - e a volúpia os
faz fortes, pela união contra os fortes.
No meio de todos existe a força. e a iniqüidade, porque a força es-
tá com o poder, e a luz, no homem, já lhe ensinou o poder da força.
Um homem, dois homens, dez homens; uma mulher, duas mulhe-
res, dez mulheres, uma família. Uma família, duas famílias, dez famí-
lias, uma sociedade. Primeiro é o homem.
A família existe pela carne; a sociedade existe pela força..
Moram as famílias à vista. de todos, protegem-se, criam rebanhos
nos pastos próximos, levantam tendas sobre troncos, e depois cami-
nham pela terra; primeiro é o homem.
Entre as tribos vê-se a guerra.
A guerra pela volúpia, pela violência, por causa dos rebanhos, dos
pastos, das peles, por causa da sombra das tendas.
O primeiro direito é a força, porque o primeiro rei é a carne.
O homem mais forte é o senhor da tribo, a tribo mais poderosa é o
lobo das outras.
Porém, duas tribos, três tribos, se concertam e se opõem à vonta-
de do lobo; e, o que devorava, é devorado. Que vale a vida de um
homem? Que vale a de cem homens?
Morre um filho? Um movimento da carne é um choro e uma lágri-
ma. Morre um homem? É um grão de areia nas entranhas do mar.
Todos os gozos são a gula, a volúpia e a vingança; todas as dores
são a fome, os males do corpo, os sofrimentos e as violências do
ódio.
As tribos errantes, como o furacão, marcham para diante, e, como
o gafanhoto, assolam a terra onde pousam seus enxames.
As pedras e os ramos despencados das árvores são os seus ins-
trumentos de destruição e de morte; o seu grito de guerra é um ala-
rido feroz.
Mas, o abuso da força e da volúpia era necessário: estava na lei da
depuração e da perfectibilidade.
Em virtude dessa lei se purificam o ouro e o cristal, o espírito e o
corpo; porque ambos vêm de um mesmo princípio, e marcham para o
mesmo fim: para Deus, que é o princípio e o fim dos seres.
A preponderância, porém, do corpo, devia preceder; pois que, da
vitória do Espírito sobre a carne, depende a depuração e desenvolvi-
mento indefinidamente sucessivo da criatura racional.
Se o desenvolvimento espiritual preceder ao predomínio da carne,
vereis desaparecer o mérito das ações humanas; porque não há mé-
rito sem luta - e a razão, sem os estímulos e os apetites do organis-
mo, é o triunfo sem combate.
Não acrediteis, entretanto, que a desesperação e a elevação do
corpo sejam o predomínio da carne; precisamente, o que este pre-
domínio revela é a inferioridade do corpo.
O aperfeiçoamento do corpo segue paralelo ao do Espírito; porque
ambos obedecem à mesma lei - e o Espírito edifica o seu teto con-
forme as suas necessidades e na altura das suas aspirações.
À medida que o Espírito se emancipa das suas impurezas, o corpo
se desprende também das suas, pela comunicação que existe entre o
Espírito e o corpo, e em virtude da influência que o primeiro exerce
sobre o segundo.
O homem tem dois corpos. Pelo primeiro, que o toma da substân-
cia etérea fluídica, comunica o Espírito sua atividade e perfeição ao
segundo.
O primeiro é tanto mais etéreo e celestial, quanto maior é a eleva-
ção do espírito do segundo, e menos carnal, conforme a purificação
do primeiro.
O limite superior do corpo carnal é o corpo espiritual;
o limite do corpo espiritual é o Espírito
e o limite do Espírito é Deus.
Não o duvideis, embora não o compreendais. O corpo terreno se
purifica gradualmente e se eleva até ao corpo espiritual - o corpo es-
piritual até ao Espírito - e o Espírito até a Deus.
Esta é a lei. Não a conheceis hoje; esperai, que a conhecereis
amanhã."
VIII
XI
"Os homens novos, que vieram a Terra para cumprir uma senten-
ça, olham para os homens antigos da Terra com orgulhoso desprezo,
considerando-os indignos do seu convívio, e resolvem nos seus con-
selhos dominá-los e abatê-los.
No Paraíso, eles abusam da mansidão e da simplicidade de cora-
ção dos seus irmãos; na Terra, abusarão da sua ignorância.
Ontem se julgaram superiores, e o seu entendimento foi confundi-
do e o seu orgulho foi humilhado pela justiça; hoje, julgam-se de no-
vo superiores, e serão confundidos no seu entendimento e humilha-
dos no seu orgulho.
Já o sabeis até quando.
Lavram a pedra, a madeira e o ferro, porque o seu orgulho precisa
de castelos; a sua sensualidade, retiros de prazeres; e a perversidade
dos seus sentimentos, instrumentos de opressão e de morte.
Vieram a Terra como peregrinos, e ficarão residindo nela, porque
construíram aí moradas para o seu coração, e palácios para o seu or-
gulho.
Irão e voltarão; porque, ao partir, as suas almas não abandonam
as chaves das moradas que edificaram na Terra.
Vão e voltam, e tecem vestidos de vaidade para os seus corpos, e
túnicas de corrupção para as suas almas.
Andam rastejando sobre as harmonias da criação, não para buscar
nelas Deus e virtude, mas para acomodá-las aos gozos da matéria.
Sentem nos seus corações um desejo celestial; mas o seu enten-
dimento ofuscado desvia as suas consciências e só lhes fala aos sen-
tidos.
O seu deus é a carne, porque não pressentem outros prazeres
além dos grosseiros da carne.
Levantam na sua alma altares a todas as paixões que a corrom-
pem, mas não se lembram do Deus de Justiça e Misericórdia.
Uma intuição luminosa, espécie de pressentimento, lhes fala de
um Ser supremo e da responsabilidade humana; porém, o seu orgu-
lho tem tão fundas raízes, que eles protestam contra a existência
d'Aquele que com um sopro poderia aniquilá-los.
Eles referem tudo ao presente; pelo que, a sua atividade e os seus
esforços não se encaminham senão para a satisfação dos seus instin-
tos e das suas paixões, esperando depois da morte o silêncio, a de-
composição... o nada.
Fogem de Deus; mas, o peso das suas misérias e as calamidades
que atraem sobre eles o furor desenfreado do seu orgulho, fazem-nos
sentir Deus pelo terror.
Odeiam-no, temem-no, oferecem-lhe sacrifícios de sangue para
acalmarem as suas iras e afastar a sua vingança, porque acreditam
que a Divindade é miserável e vingativa como eles.
Se alguns falam de Deus, é sempre do Deus que se faz ouvir na
voz da tempestade e que no raio manifesta o seu poder.
Não temem outros castigos além das enfermidades, a inundação,
o incêndio, a espada e o extermínio, nem esperam outros bens que
não sejam as comodidades e os gozos dos sentidos durante os longos
anos da sua vida terrena.
De tempos a tempos, de geração em geração, aparecem no seio
da Humanidade, como archotes no meio das trevas, como modelos
para imitação, homens virtuosos e humildes que lamentam os erros
do mundo. São meteoros que Deus envia da região da luz para des-
pertar os que dormem no lodo.
Outros vêm armados da palavra e do espírito de Deus, e aprego-
am o seu nome e o seu poder. Arrojam palavras de fogo, de destrui-
ção e de morte, as únicas capazes de domar as rebeldias humanas.
Trazem na mão direita a promessa, e na esquerda uma espada fla-
mejante. São os Gênios de que precisa a Humanidade no apogeu da
concupiscência.
A raça dos homens novos propaga-se com assombrosa rapidez:
invade a Terra e dela se assenhoreia.
Sujeita ao seu domínio às raças primitivas, depois de destruírem
as suas tendas pelo ferro e pelo fogo.
Contudo, na servidão e nesse contacto com os seus dominadores,
elas aprendem os primeiros rudimentos da virtude, e adquirem pela
cultura do entendimento os primeiros elementos do poder.
Haverá recém-vindos que serão dos primeiros a chegar, e muitos,
que vieram primeiro, cairão sete vezes no caminho e chegarão, por
último, ao declinar da tarde.
A Terra sofre grandes perturbações; o mundo físico e o mundo
moral caminham paralelos no cumprimento da lei.
A invasão das paixões, no coração do homem, corresponde na
Terra à invasão das águas. O homem vomita do seu seio o fogo nelas
ateado pela lascívia e pela iniqüidade a Terra arroja das suas entra-
nhas, pelos seus formidáveis vulcões, imensos turbilhões de fumo e
matérias derretidas que assolam fertilíssimos países.
Nessas comoções terrenas e morais, os homens desaparecem em
legiões inumeráveis, e vão ao juízo; uns descem para sofrer provas a
fim de se purificarem; outros para repararem faltas; depois do que,
todos voltam de novo.
Estes morrem debaixo das águas, aqueles sob as ruínas, outros no
fogo, e outros a espada.
As calamidades caem sem interrupções sobre os povos.
Hoje, é este que sente o peso da mão do Senhor; amanhã, é
aquele.
E tudo é misericórdia, nada mais que misericórdia.
Porque, os homens esquecem na carne os seus propósitos - e a
misericórdia concedem-lhes períodos de reflexão, nos círculos espiri-
tuais, para recordá-los, renová-los e fortalecê-los."
XII