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PETER LYMAN
é professor da
P E T E R L Y M A N Universidade da
Califórnia, Berkeley (EUA).
e-mail:
Plyman@library.berkeley.edu

Tradução de
Magda Lopes

O projeto
das comunidades
virtuais
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o
ciberespaço é mais que uma ma- comunidade, ainda que acidental, o pro-
triz matemática criada pelas jeto de todos os sistemas desse ponto em
tecnologias cibernéticas, em- diante deve incluir uma visão social e cul-
bora também seja isso. Além tural, e também uma especificação técni-
da computação ou de qualquer ca. Como o ciberespaço é um novo tipo
outra realização tecnológica, os de país, como ele deve ser designado?
computadores têm se tornado um Que tipo de cultura ele deve ter? Que tipo
novo meio para a comunicação entre as de ética? De arte? De política?
pessoas de todo o mundo. E o mais incrí- O correio eletrônico é talvez o primei-
vel é que esse novo meio parece criar uma ro e mais importante exemplo dessa cul-
sensação de participação em uma comu- tura acidental. É não somente um meio
nidade, uma sensação que transcende o técnico para se trocar mensagens, mas
tempo e a geografia. também a primeira de muitas novas for-
Esta experiência é freqüentemente mas de comunicação em rede, que parece
chamada de “realidade virtual” ou “co- poder dar suporte a uma sensação de co-
munidade virtual”. Alguns antropólogos munidade. Essa sensação de uma comu-
têm começado a chamá-la de “Cyberia” nidade virtual parece ser forte, mesmo
(1), para indicar que a nossa experiência que grandes distâncias geográficas sepa-
com o ciberespaço não é técnica, mas é rem seus membros. Embora útil, a cultu-
como se estivéssemos em um novo tipo ra técnica do e-mail é imperfeita. Mensa-
de mundo social. Os participantes da gens breves podem provocar más inter-
Cyberia falam na criação de um novo pretações e conflitos quando o leitor e o
tipo de identidade e de vida pessoal em escritor não conhecem um ao outro nem
um novo tipo de lugar, ainda que a Cy- compartilham uma cultura comum; ou
beria só exista como um sinal eletrôni- quando discordam ou estão zangados um
co. Talvez o ciberespaço possa ser des- com o outro; ou quando a mensagem é
crito como um novo tipo de país que sutil ou complexa. Além disso, o e-mail
transcende a nacionalidade, um país que é visivelmente um meio de comunica-
combina a universalidade da ciência com ção capaz de manter uma sensação de
a espontaneidade de um novo tipo de arte amizade pessoal ou comunidade social,
dramática. mesmo quando os participantes vivem
Embora os computadores sejam uma em lados opostos do mundo. É essa sen-
espécie de máquina, eles respondem de sação de comunidade, embora frágil, que
uma maneira que é mais que mecânica. deve ser nutrida enquanto construímos
São uma espécie de “outro”, se não são novos tipos de instituições no ciberes-
totalmente um “eu”. Recentes pesquisas paço, como salas de aula virtuais e bi-
no projeto da interface sugerem que se as bliotecas digitais.
interfaces do computador receberem o Novas culturas também emergem
menor indício comportamental que pos- quando se joga jogos de computador, ou
sa sugerir a presença de uma personali- em outras atividades espontâneas
dade, os humanos vão tratar seu relacio- franqueadas a partir da disciplina de tra-
namento com os computadores como se balho, como programar ou “navegar na
fosse relacionamento íntimo com outras rede”. Mesmo uma pessoa sozinha com
pessoas. Essa dimensão social dos rela- um computador forma um elo especial,
cionamentos entre os humanos e o com- mais parecido com aquele que existe entre
putador não é intencional e foi descober- um músico e um instrumento musical do
1 Ver Arturo Escobar,
“Welcome to Cyberia”, in
ta por acaso, pois ela é evocada até por que entre um trabalhador e uma máqui-
Current Anthropology, junho de sistemas técnicos originalmente proje- na. Sherry Turkle (2) descreveu uma pro-
1994, pp. 211-31.
tados para propósitos militares e científi- funda concentração emocional e intelec-
2 Sherry Turkle, “The Second cos. Considerando que pode ser desen- tual nas crianças quando elas brincam
Self”, New York, Simon and
Schuster, 1984. volvida no ciberespaço uma sensação de com computadores, uma espécie de jogo

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que leva a pessoa para fora do tempo e do
espaço, que é freqüentemente associado
com a aprendizagem.
Desde o início, houve também jogos
de computador para serem praticados em
grupo, que produziam uma sensação pú-
blica de comunidade virtual. Atualmen-
te, a comunidade virtual emerge da tec-
nologia de MUDs e MOOs. MUD é um
acrônimo para Multi-User Dungeon or
Dimension (Masmorra ou Dimensão de
Usuários Múltiplos). Originalmente, es-
tes eram softwares de jogos de aventura,
em geral baseados em histórias do jogo
“Dungeons and Dragons”, que muitas
pessoas podem jogar ao mesmo tempo.
MOO é um acrônimo para MUD Object
Oriented (MUD Orientado para o Obje-
to), que adicionou efeitos de multimídia
para os MOOs, especialmente gráficos e
som. (Aqueles interessados em explorar
os MUDs para si mesmos podem ir até o
grupo de novidades da Usenet chamado
rec.games.mud para encontrar listas dos
MUDs acessíveis na Internet.)
O MOO mais famoso é o Lambda Moo
(3), originalmente um projeto de pesquisa
da Xerox Parc que investiga as dimensões
sociais da Internet, e agora tema de muita
pesquisa nas comunidades do ciberespaço
(ver http://www. Butterfly.net/eclipse/
lambda.html/ na World Wide Web).
Lambda Moo é uma pensão virtual, cujos
membros realmente moravam em toda
parte dos Estados Unidos, mas eram tam-
bém membros de uma comunidade no
ciberespaço, encontrando-se na sala vir-
tual para conversar. Embora eles jamais
tenham se encontrado pessoalmente,
quando um dos personagens virtuais ata-
cava outro, sentiam o mesmo trauma que
poderiam ter se realmente vivessem jun-
tos (Dibble, 1993).
O sucesso desses mundos da fantasia
conduziu a outras experiências para ver
se a realidade virtual poderia ser usada
para simular mundos para a educação e o
treinamento. Programas de software
como o e-mail e os jogos foram as pri- 3 Ver J. Dibble, “A Rape in
meiras experiências sociais no cibe- Cyberspace”, in The Village
Voice, 21 de dezembro de
respaço, que agora se desenvolveram em 1993, pp. 36-43.

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experiências da realidade virtual, como se desenvolvam novas formas de cultura.
“colaboratórios” (4) e salas de aula vir- A questão mais importante da pesqui-
tuais. O termo “colaboratório” é uma sa atual é se as realidades virtuais podem
contração de duas palavras, “colabora- ser planejadas para estender a educação
ção” e “laboratório”. O Conselho Nacio- para todos. As bibliotecas e as universi-
nal de Pesquisa dos Estados Unidos defi- dades têm sido sempre definidas funda-
ne um colaboratório como um “centro mentalmente como locais geográficos,
sem paredes, em que os pesquisadores da mas a importância da realidade virtual é
nação podem realizar sua pesquisa inde- que as pessoas de locais remotos podem
pendente da localização geográfica – agora ter acesso a esses recursos educa-
interagindo com colegas, acessando cionais através de tecnologias de educa-
instrumentação, compartilhando dados e ção a distância.
recursos de computação e acessando in- A pesquisa sobre tecnologias de com-
formações em bibliotecas digitais” (5). putador para uma biblioteca digital já está
Assim, por exemplo, os cientistas podem bem adiantada, mas até agora está concen-
estudar dados de instrumentos de pesqui- trada em problemas como o projeto de
sa de alta profundidade do mundo todo novos gêneros de informação (como o
como se estivessem no mesmo laborató- hipertexto) e novos instrumentos de mane-
rio. (Informações sobre o colaboratório jo (como meios de busca). Mas uma bibli-
de alta profundidade podem ser encon- oteca é mais que um repositório de infor-
tradas na World Wide Web em http:// mações. Embora ela seja certamente isso, é
www.si.umich.edu/UARC/) O projeto também uma instituição que sustenta uma
colaboratório é ainda experimental, mas sensação de comunidade: seja uma biblio-
pode servir como modelo para salas de teca nacional, que ajuda a definir uma cul-
aula virtuais que podem ser compartilha- tura nacional, uma biblioteca pública, que
das por professores e alunos de qualquer sustenta uma sensação de identidade cívi-
parte ligados na Internet. ca, ou uma biblioteca escolar ou universi-
A própria World Wide Web pode tam- dade, que sustenta uma sensação de comu-
bém ser descrita como uma experiência nidade acadêmica. Em cada caso uma bi-
social. Ela é, antes de tudo, um meio para blioteca é também uma tecnologia para a
a comunicação global que não é contro- comunidade, criando uma memória com-
lado por nenhum governo, embora mui- partilhada do passado, uma armazenagem
tos governos estejam agora tentando con- comum de conhecimento e um local para a
trolar o intercâmbio de propriedade inte- criação de novo conhecimento. Somente
lectual no ciberespaço. A Internet é um agora podemos colocar um segundo obje-
meio em que os indivíduos podem publi- tivo ao projeto de sistemas para uma bibli-
car o que quiserem, e ver sua obra distri- oteca digital: sustentar uma sensação de
buída em uma escala global. Pesquisa comunidade.
realizada no Arquivo da Internet em São Finalmente, as bibliotecas não preci-
Francisco indica que a rede consiste atu- sam mais servir apenas as comunidades
almente de dois terabites de informações, locais e nacionais, pois é possível às bi-
o equivalente a dois milhões de livros, bliotecas de todo o mundo estarem liga-
em mais de duzentos idiomas. A das a uma biblioteca digital global.
tecnologia impressa mudou o mundo, Freqüentemente se diz que a Internet vai
possibilitando a preservação e distribui- criar um novo tipo de propriedade inte-
ção de conhecimento. Agora as lectual, que as idéias vão se tornar a base 4 National Research Council,
National Collaboratories:
tecnologias da Internet possibilitam a dis- da competição econômica entre as nações. Applying Information
tribuição instantânea de idéias em todo o Mas um dos objetivos da biblioteca digi- Technologies for Scientific
Research, Washington D.C.,
mundo. É difícil imaginar que tipos de tal é se tornar um lugar para o compar- National Academy Press,
1993.
mudança social podem emergir dessa pos- tilhamento de idéias e a base da coopera-
sibilidade, mas certamente é provável que ção social entre as nações. 5 Idem, ibidem, p. 7.

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