Você está na página 1de 5

Benção e Maldição

O que a palavra bênção significa? Ela deve ser usada somente quando algo procede de Deus ou
eu posso abençoar alguém também? E a maldição, funciona da mesma forma? O que dizer, por
exemplo, de quando Paulo orienta para que algumas pessoas sejam entregues a Satanás? Isso
poderia significar que temos o poder também de amaldiçoar alguém?

Essas são algumas perguntas que tentaremos responder nesse breve estudo, levando em
consideração o significado das palavras no hebraico e no grego e sua aplicação dentro do
contexto bíblico.

A palavra bênção é, talvez, uma das mais utilizadas no meio cristão. Dizemos “Deus te abençoe”,
“que você tenha uma semana abençoada”, “que bênção foi esse culto”, etc. mas sabemos
realmente qual o significado dessa palavra? Será que temos noção daquilo que ela realmente
quer dizer? Ela está entre as mais importantes de toda Escritura e aparece já em Gênesis no
primeiro capítulo, versículo 22, onde Deus abençoa sua criação.

A origem da palavra ‫( ברך‬barach), em sua raiz, nos remete ao ato de ajoelhar. Existem ao menos
duas explicações para o uso desse verbete: 1) quando o animal de ajoelha para matar a sede em
um leito de um rio ou poço e 2) quando as pessoas se ajoelham diante de uma divindade para
buscar sua graça e favor.

No antigo Oriente, na região do Crescente Fértil, onde inicialmente estavam os hebreus, a ideia
de bênção é o ponto mais importante para qualquer nação. Ela faz menção ao favor dos deuses
em direção ao povo que os buscam e diz respeito, sobretudo, a três coisas: Poder, Sobrevivência
e Fertilidade. Esses três elementos estão intimamente ligados à prosperidade de uma nação.
Vejamos:

 Poder, relacionado à capacidade de uma nação sobreviver às investidas dos inimigos e


ela própria expandir seu território por meio de seu exército;
 Fertilidade, para que a terra pudesse dar o seu fruto, garantindo algum conforto para o
povo;
 Sobrevivência em um período extremamente hostil, onde era fácil perder a
prosperidade econômica e morrer.

Então, vemos que o conceito de bênção não é abstrato, como poderíamos supor num primeiro
momento, mas trata-se aqui de questões mensuráveis e tangíveis, alcançadas por meio de um
mecanismo. Esse mecanismo, no antigo Oriente, baseava-se em um sistema de sacrifícios, ou
seja, as nações ofereciam sacrifícios aos deuses para que estes, em contrapartida, retribuíssem
aquilo que era necessário para a manutenção do povo.

Percebemos que essa lógica, na Bíblia hebraica, é invertida. Como já dissemos, a primeira
menção está logo no primeiro capítulo do livro de Gênesis e o ato de abençoar não é precedido
de nenhum ato, uma vez que trata-se de um período anterior à própria criação do homem.
Vemos no texto os dizeres “...sejam férteis, multipliquem-se e encham as águas dos mares” (v.
22) e “...sejam férteis, multipliquem-se e encham a terra, e sujeitem-na; e dominem...” (v. 28).
Vemos que quando Deus abençoa sua criação, garantindo a fertilidade, a sobrevivência e o
domínio, Ele faz isso sem prerrogativa nenhuma, sem a exigência de nenhum tipo de ato
sacrificial, sem pedir nada em troca, ou seja, é um ato incondicional, partindo unicamente da
extrema bondade de Deus.
Ao falar e trazer à existência toda a criação, Deus, por um ato unilateral, nos concede fertilidade,
garantia de sobrevivência e confere ao homem domínio sobre toda criação. Deus não vive de
barganhas, Ele concede gratuitamente sua bênção à humanidade e à sua criação. Embora
vivamos em um mundo corrompido pelo pecado, repleto de hostilidade e de maneiras de se
perder essa garantia de prosperidade, por meio de um uso incorreto do domínio que foi dado
ao homem. A resolução bíblica dessa questão, atinge seu ápice, quando Deus resolve a partir do
ventre estéril de Sara, falar e trazer a partir do nada, a existência de uma bênção para todos os
povos. Quando Abraão é chamado de sua terra, Deus promete fazer dele uma grande
descendência, que seria bênção para todos os povos da terra.

Isso significa que a partir desse ventre estéril de Sara, Deus traria uma bênção mensurável e
observável para todas as nações. Havendo essa bênção mensurável, uma garantia de
sobrevivência, percebemos também a harmonia no plano de Deus, não havendo necessidade
uma expansão territorial descontrolada. Essa bênção dada ao casal é o que há de mais
importante em relação à redenção no mundo caído de então, pois por meio da nação que deles
nasceria, o propósito de enviar o Messias seria cumprido. E tudo isso sem qualquer exigência da
parte do homem.

Podemos ver essa bênção incondicional, inclusive sobre a vida de Ismael. Quando Abraão se vê
na situação de enviar Hagar e seu filho para o deserto, ele se inquieta, pois naquele tempo, ser
enviado ao deserto, era garantia de morte. A partir do momento em que Deus lhe garante a
bênção, ou seja, a sobrevivência e fertilidade, Abraão tranquiliza-se, pois crê que a bênção sobre
seu filho Ismael lhe seria suficiente.

Essa bênção, na descendência de Abraão atinge um clímax literário em Números 6.24-27:

“O Senhor te abençoe e te guarde; O Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre


ti, e tenha misericórdia de ti; O Senhor sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz.
Assim porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei.”

Os israelitas receberiam a bênção pelas mãos dos sacerdotes. Na Nova Aliança, nós somos
colocados como sacerdotes de Deus (I Pe 2.9). Logo, quando impetramos alguma bênção, ou
dissemos “Deus te abençoe”, estamos desejando o favor de Deus sobre as pessoas. Veja que em
Gn 12.1-3, Ele diz a Abraão “Sê tu uma bênção”. Portanto temos hoje o desafio de sermos esse
canal de bênção da parte do Senhor, de chamar a existência aquilo que não existe, de proclamar
na vida de alguém que precisa de uma transformação, o favor divino.

Quando dizemos “Deus te abençoe”, nos colocamos como agentes transformadores na vida de
outras pessoas, para trazer luz em uma vida que está em trevas, para trazer redenção a uma
vida de dificuldades, para trazer restauração a uma vida que está quebrada, seja em qualquer
tipo de situação. Dizer, por exemplo, “Deus abençoe nossa nação”, é o mesmo que proclamar
que nós nos colocamos à disposição para sermos partes desse projeto divino, em que Deus traz
à realidade, invadindo a história com sua voz e decretando que algo estéril pode produzir vida,
que nós podemos produzir vida, por meio de uma ética completamente diferente daquela que
observamos no mundo, que possamos gerar um perfil pacificador, que vive à luz do sermão do
monte (Mt 5-7).

Essa é a essência do Evangelho, que transforma o madeiro maldito da cruz em bênção para toda
a humanidade, para que vidas, que antes só conheciam a dor e o sofrimento e que estavam
imersos em trevas, sejam transformadas e podem viver em paz e harmonia com esse Deus que
se sacrificou por elas. O Evangelho é a bênção de Deus sobre as nações e é por isso que essa
palavra é a mais importante que devemos trazer em nosso vocabulário, pois quando dizemos
“Deus te abençoe”, estamos dizendo “Eu quero trazer o Evangelho à sua vida, as boas novas da
salvação”. Que possamos ser, a cada dia, bênção na vida uns dos outros.

Voltando ao texto de Número, capítulo 6, vemos um resultado extremamente importante da


bênção de Deus sobre nossas vidas, que é a paz (v. 26). A palavra no hebraico ‫( שלום‬shalom) é
uma das palavras mais importantes no Antigo Testamento e, por isso, relacionadas com a
bênção de Deus. Podemos ver que essa palavra é utilizada em saudações tanto no Antigo quanto
no Novo Testamento.

O grupo semântico ao qual essa palavra pertence, lhe confere um significado muito mais
profundo do que um simples cumprimento. Em Jó 9.4, por exemplo, o verbo é utilizado no
sentido de “permanecer inteiro”. A palavra “paz”, pega esse sentido emprestado da raiz,
significando a plenitude do favor divino. Diz respeito à condição harmônica de tudo que a pessoa
precisa para viver bem: harmonia familiar, sustento financeiro, segurança de um lar, etc. Viver
em paz não significa simplesmente ausência de guerra, mas fala de um cuidado da parte de Deus
que, mesmo em meio às intempéries, nos conduz em segurança, em tranquilidade e com
confiança na provisão divina.

O Novo Testamento nos mostra a história de um grupo de judeus que começa a pregar a oferta
dessa paz, por meio da crença em um galileu. Não qualquer paz, mas a verdadeira paz, o
verdadeiro shalom, a paz completa. O verdadeiro rei não é César, mas Jesus, e a verdadeira paz
não é aquela conquistada pela foça do exército romano, mas compartilhando da fé naquele que
venceu a própria morte e é chamado de Príncipe da Paz ou, no original ‫שלום‬ ‫( שר‬sar shalom).
Compreendendo esses conceitos, podemos, facilmente, analisar o contexto da palavra
maldição. Em hebraico pode ser ‫( קלל‬kalal) ou ‫( תאלת‬ta’alut) e a análise da origem dos termos,
nesse caso, não nos ajuda muito. O que vai nos ajudar a entender o uso dessa palavra é
exatamente o contexto em que elas estão inseridas. Um dos textos que nos ajudam muito são
os capítulos 27 e 28 de Deuteronômio.

A palavra maldição, dentro desse contexto, é exatamente o oposto de bênção. Como já vimos,
a bênção não é algo abstrato, mas concreto e mensurável. Portanto, maldição também o é. Se
a bênção trata de poder, fertilidade e sobrevivência, maldição é representada pelo texto bíblico
por morte, esterilidade e pestilência.

A maldição, no Antigo Testamento, tem a ver com o não cumprimento da Lei e resta ao povo,
que é totalmente desobediente a Deus, ser destituído da garantia abençoadora d’Ele e perder
tudo. Podemos ver esse conceito fortemente presente quando Jó é reputado como pecador por
supostamente estar sofrendo a maldição divina por uma transgressão qualquer. A mulher estéril
era considerada amaldiçoada por Deus. A pessoa sem a bênção de Deus, fica entregue aos
perigos do mundo, seja a perda da lavoura, a invasão de nações inimigas e a própria morte do
povo.

Em Deuteronômio, no capítulo 27, encontramos algo que pode ser muito pior do que perder
todas as coisas, como bens, família e saúde e isso está diretamente relacionado a uma palavra
utilizada no texto que é ‫( אמן‬amen). Dentro do ensino judaico, o pronunciar do “amém” não é
uma mera concordância com os resultados, mas significa dizer com sua própria boca o mesmo
que o interlocutor disse. Portanto, quando o versículo 15 diz “Maldito o homem que fizer
imagem de escultura... E todo o povo, respondendo, dirá: Amém”, o próprio povo, dizendo
amém, estaria pronunciando a maldição contida no texto com sua própria boca. Então, pior que
perder bens, é perder a experiência comunitária, pois quando alguém pronuncia sobre você uma
maldição, isso rompe qualquer vínculo de pertencimento com o povo do qual você fazia parte.
É como se disséssemos “Você não faz mais parte da Aliança, daquilo que Deus projetou para seu
povo”.

A expressão máxima de perda de identidade, da fertilidade, da segurança e da harmonia para o


povo de Israel, é o exílio babilônico, que se resume em perda de identidade comunitária, de
identidade da Aliança por ter desobedecido os estatutos de Deus. Tudo aquilo que era bênção,
na forma mensurável, é perdida quando o povo é levado para a Babilônia. Maldição, aqui é a
perda de tudo o que diz respeito à dignidade humana e sua sobrevivência.

Portanto, usar o termo maldição todo o tempo, significa o mesmo que dizer que a pessoa para
a qual ela se dirige não merece outra coisa, senão morrer e ser destituída da comunhão do povo
de Deus. Vemos, então, que é absolutamente terrível o uso dessa expressão, ainda mais quando
vai de encontro dos ensinos do Senhor Jesus sobre a maldição da Lei.

Nos ensinos neo-testamentários, vemos que apesar da nossa desobediência em relação aos
estatutos divinos de Deus, Ele tanto nos ama, que envia seu próprio filho para nos resgatar dessa
maldição (Gl 3.13). Ele se fez maldição para nós fossemos feito justiça por meio d’Ele. Sendo
merecedores da maldição, somos alvos de sua bênção por meio de sua infinita graça e amor.
Vemos, portanto, que Jesus nos livrou da maldição por meio de Sua morte vicária e venceu tal
maldição por meio de Sua ressurreição.

A coisa mais importante que alguém deveria trazer em sua mensagem é a bênção e a harmonia
que desfrutamos com Ele por meio do Evangelho. Aquele que baseia seu ministério na pregação
de maldições e, efetivamente, amaldiçoa pessoas, despreza a tão grande salvação que
recebemos por meio de Jesus, que por meio de sua morte e ressurreição, resgata todos aqueles
que antes eram miseráveis, desesperados por Deus, mas que agora podem se colocar em uma
condição de reconciliação, justificação e regeneração por meio do sangue de Cristo.

Se alguém tem o hábito de amaldiçoar as pessoas, está agindo de forma contrária à vontade de
Deus e, portanto, deve parar com isso, não pela maldição inerente nas palavras, mas pelo efeito
que as palavras exercem sobre os outros e principalmente por estar agindo contrariamente à
vontade divina. Aquilo que falamos ou desejamos para alguém só irá acontecer se a própria
pessoa contribuir para aquilo e se estiver nos planos de Deus para aquela vida (Pv 26.2).

Quem amaldiçoa outra pessoa, está pecando contra Deus, que pede que desejemos apenas o
bem ao nosso próximo. “Bendizei aos que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam” (Lc
6.28). “Abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis” (Rm 12.14). Palavras iradas
ou amargas revelam um coração impuro que necessita do sangue de Cristo para libertá-lo do
pecado.

Abaixo, outros versículos para meditação:

“Não planejem no íntimo o mal contra o seu próximo e não queiram jurar com
falsidade. Porque eu odeio todas essas coisas”, declara o Senhor” (Zc 8.17).

“Não se alegre quando o seu inimigo cair, nem exulte o seu coração quando ele
tropeçar, para que o Senhor não veja isso e se desagrade e desvie dele a sua ira”
(Pv 24.17,18).
“Mas eu digo que, no dia do juízo, os homens haverão de dar conta de toda
palavra inútil que tiverem falado. Pois por suas palavras vocês serão absolvidos, e
por suas palavras serão condenados” (Mt 12.36,37).

“O homem bom, do bom tesouro do seu coração, tira o bem, e o homem mau, do
mau tesouro do seu coração, tira o mal, porque da abundância do seu coração
fala a boca.” (Lc 6.45)

Você também pode gostar