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O Vaso de Alabastro, o Nardo e a Representação da Morte de Jesus

Originalmente a forma neutra do grego alabastros, era usada para designar um frasco de
alabastro de cerca de 14 cm de altura, que possuía um gargalo comprido. Seu corpo era redondo,
e ia afinando até o gargalo. Possuía uma pequena alça para que pudesse ser carregado preso ao
cinto. Ele era selado (ou tampado) no gargalo para que o bálsamo não se perdesse e também
para que o perfume fosse preservado. Desta forma, para usar o bálsamo, a pessoa tinha que
quebrar o vaso. Para facilitar a quebra e para não correr o risco de quebrar demais o vaso e
perder todo o bálsamo, o vaso possuía umas ranhuras em forma de espiral na altura do pescoço.
Estas indicavam o local onde o vaso deveria ser quebrado e serviam também para facilitar a
quebra. Como o vaso tinha que ser quebrado, não poderia utilizar apenas metade do bálsamo e
guardar a outra metade. Era necessário usar todo o bálsamo de uma vez só. Por este motivo, o
vaso de alabastro era pequeno, pois era a medida exata para caber uma quantidade suficiente
para ser aplicada uma única vez. Geralmente o conteúdo armazenado nesses frascos eram óleos
e essências.

Tratando-se do próprio alabastro, este era uma variedade de carbono de cálcio produzido por
depósito natural e hidratado. Existe uma diferença entre os alabastros da antiguidade e os mais
modernos. O alabastro moderno é um tipo de gesso, sendo uma pedra mais mole. Já os
alabastros da antiguidade (heb. shayish ou shesh) geralmente eram de mármore, compostos de
calcita (1 Cr 29.2; Et 1.6).

Esse material em sua forma pura tem uma cor branca e translúcida. Geralmente o alabastro era
encontrado em regiões calcárias, em cavernas e locais próximos de nascentes. Estes
materiais eram muito utilizados na escultura de estátuas e na fabricação de vasos, frascos,
caixas, garrafas e recipientes em geral.

Encontramos as seguintes definições de vaso de alabastro, segundo respeitados dicionários


bíblicos. Vejamos:

“Material de que foi fabricada a redoma, cheia de balsamo que ungiu a


cabeça de Jesus em Betânia, Mt 26.7; Mc 14.3; comp. com Lc 7.37. O
alabastro e uma variedade de fino gipso de cor branca, adornado de
delicadas sombras. Por ser menos duro que o mármore e mais fácil de ser
trabalhado na fabricação de colunas, tacas, caixinhas ou vasos. Dava-se o
nome de alabastro a qualquer pedra que servisse para o fabrico de tais
utensílios.” (Davis, John D. – Novo Dicionário da Bíblia Ampliado e Atualizado,
Ed. Hagnos, 1ª edição)

“Esses frascos tinham, comumente, uma forma arredondada, bojuda no


fundo, e na parte superior terminavam num gargalo estreito, o qual era
cuidadosamente selado. Na narrativa de Marcos, diz-se que a mulher
quebrou o alabastro antes de derramar o bálsamo. Isso significa
simplesmente a quebra do selo ou do gargalo; também pode inferir-se que o
vaso foi destruído para não tornar a ser utilizado.” (Buckland, A.R. &
Williams, L. – Dicionário Bíblico Universal Revista e Atualizada, Editora Vida.
4ª edição)

No Novo Testamento encontramos algumas passagens que fazem referência à utilização do vaso
de alabastro. A primeira está no Evangelho de Mateus, quando Jesus é ungido em Betânia.

Nos Evangelhos de Marcos e João encontramos um texto paralelo ao relato do Evangelho de


Mateus. No caso da referência de Marcos, trata-se de um paralelo exato, enquanto que no
Evangelho de João algumas diferenças cronológicas podem ser percebidas, porém nenhum
detalhe entra em conflito com os textos de Mateus e Marcos.

Para que possamos fazer uma análise mais apurada do evento, citaremos aqui os três textos
bíblicos que detalham a unção de Jesus na cidade de Betânia.

“E, estando Jesus em Betânia, em casa de Simão, o leproso, aproximou-se


dele uma mulher com um vaso de alabastro, com unguento de grande valor,
e derramou-lhe sobre a cabeça, quando ele estava assentado à mesa. E os
seus discípulos, vendo isto, indignaram-se, dizendo: Por que é este
desperdício? Pois este unguento podia vender-se por grande preço, e dar-se
o dinheiro aos pobres. Jesus, porém, conhecendo isto, disse-lhes: Por que
afligis esta mulher? pois praticou uma boa ação para comigo. Porquanto
sempre tendes convosco os pobres, mas a mim não me haveis de ter sempre.
Ora, derramando ela este unguento sobre o meu corpo, fê-lo preparando-me
para o meu sepultamento.” (Mt 26.6-12)

“E, estando ele em Betânia, assentado à mesa, em casa de Simão, o leproso,


veio uma mulher, que trazia um vaso de alabastro, com unguento de nardo
puro, de muito preço, e quebrando o vaso, lhe derramou sobre a cabeça. E
alguns houve que em si mesmos se indignaram, e disseram: Para que se fez
este desperdício de unguento? Porque podia vender-se por mais de trezentos
dinheiros, e dá-lo aos pobres. E bramavam contra ela. Jesus, porém, disse:
Deixai-a, por que a molestais? Ela fez-me boa obra. Porque sempre tendes os
pobres convosco, e podeis fazer-lhes bem, quando quiserdes; mas a mim nem
sempre me tendes. Esta fez o que podia; antecipou-se a ungir o meu corpo
para a sepultura. Em verdade vos digo que, em todas as partes do mundo
onde este evangelho for pregado, também o que ela fez será contado para
sua memória.” (Mc 14.3-9)

“Foi, pois, Jesus seis dias antes da páscoa a Betânia, onde estava Lázaro, o
que falecera, e a quem ressuscitara dentre os mortos. Fizeram-lhe, pois, ali
uma ceia, e Marta servia, e Lázaro era um dos que estavam à mesa com ele.
Então Maria, tomando um arrátel de unguento de nardo puro, de muito
preço, ungiu os pés de Jesus, e enxugou-lhe os pés com os seus cabelos; e
encheu-se a casa do cheiro do unguento. Então, um dos seus discípulos, Judas
Iscariotes, filho de Simão, o que havia de traí-lo, disse: Por que não se vendeu
este unguento por trezentos dinheiros e não se deu aos pobres? Ora, ele disse
isto, não pelo cuidado que tivesse dos pobres, mas porque era ladrão e tinha
a bolsa, e tirava o que ali se lançava. Disse, pois, Jesus: Deixai-a; para o dia
da minha sepultura guardou isto; Porque os pobres sempre os tendes
convosco, mas a mim nem sempre me tendes.” (Jo 12.1-8)

Alguns argumentam que na narrativa de João é dito que a mulher ungiu os pés de Jesus,
enquanto que em Mateus e Marcos relatam que o liquido foi derramado sobre sua cabeça.
Porém é possível que ela tenha derramado tanto bálsamo em Jesus que o líquido escorreu até
mesmo pelos pés d’Ele. Sobre isso, João escreveu que havia “uma libra de bálsamo de nardo
puro” (Jo 12.3). Essa medida equivalia a algo em torno de 450 gramas de perfume, o suficiente
para cobrir Jesus. Ademais, as diferenças e omissões de todos os detalhes nas diversas narrativas
devem-se às intenções teológicas de cada escritor.

Esta mulher que aparece anônima nos Evangelhos de Mateus e Marcos, no Evangelho de João é
identificada como sendo Maria, irmã de Marta e Lázaro, aquele que foi ressuscitado.

Em João 12.5, temos uma fala de Judas onde ele estipula o preço desse perfume em trezentos
denários ou dinheiros, o que equivalia a, aproximadamente, um ano de salário de um
trabalhador da época, ou, como simples curiosidade, dez vezes mais do que o valor que ele
mesmo recebeu para trair Jesus.

A outra referência onde é citado o vaso de alabastro está no Evangelho de Lucas (cap. 7.36-50)
e também é um relato sobre uma mulher pecadora que ungiu os pés de Jesus. Aqui é importante
dizer que esta mulher não deve ser confundida com a mulher citada anteriormente no episódio
registrado por Mateus, Marcos e João, apesar das evidentes semelhanças.

A mulher mencionada por Lucas realmente não teve sua identidade revelada. É muito comum a
interpretação de que essa tal mulher tenha sido uma prostituta, porém no texto original em
grego a expressão “era pecadora” não necessariamente significa que ela era uma meretriz.

O texto apenas deixa claro que ela era muito conhecida no povoado por sua má reputação. Além
disso, no texto de Lucas ela já aparece como uma mulher arrependida, isto é, seja lá o que tivesse
feito, ela já não fazia mais.

O líquido que ela carregava no vaso de alabastro era o nardo puro (Mc 14.3). O nardo era um
perfume raro feito de raízes de uma planta nativa do Himalaia. Nos tempos bíblicos ele era
importado justamente em frascos selados de alabastro, que eram abertos apenas em ocasiões
muito especiais. Sendo um produto importado de longa distância era um artigo caro e raro. O
adjetivo traduzido por “puro” indica, provavelmente, a genuinidade e a autenticidade do
perfume, haja vista que por seu valor elevado, não era rara sua adulteração.

O bálsamo de nardo também tem várias propriedades medicinais, sendo usado no tratamento
da pele (possui propriedades anti-inflamatórias, fungicidas e bactericidas), para tratar dor de
angina, varizes ou hemorroidas. Além disso, também tem um efeito sedativo, sendo usado como
calmante. Também possui características anticéticas, sendo usado para tratar problemas no
sistema digestivo e respiratório.

O fato da mulher romper o frasco e usar todo o seu conteúdo para ungir Jesus evidencia
desapego a um bem material e talvez também a algo de maior valor sentimental. Trata-se de
um desprendimento, até no sentido de desistir de algo que poderia garantir a sobrevivência em
uma situação de maior necessidade. A mulher dissipa inteiramente um bem que lhe pertencia,
em benefício de outro, ou seja, ela se entregou e se doou inteiramente, sem guardar algo para
si. Assim, a mulher que ungiu Jesus em Betânia se assemelha à viúva que, no templo de
Jerusalém, ofereceu tudo quanto tinha, confiando simplesmente na providência divina,
derramando algo de muito valor em alguém cujo valor, ela conseguiu compreender naquele
momento, era incalculável.

Além disso, o texto diz que o perfume encheu toda a casa. Podemos fazer um paralelo com
outras passagens bíblicas que ressaltam a importância do odor de perfumes. No primeiro poema
de Cantares de Salomão, a amada se diz atraída pelo “perfume” do amado, pois o “nome” dele
seria como um “perfume derramado” que é “bom para o olfato” (Ct 1.3). Depois, a amada afirma
que, “até onde estiver o rei no banquete, meu nardo dá seu odor” (Ct 1.12). Quer dizer, no
Cântico dos Cânticos, “perfume”, “nardo”, “olfato” e “odor” nos levam a refletir sobre a relação
amorosa entre o amado e a amada. Prevalece a experiência de que cheirar o perfume do outro
parece ser uma oportunidade de abrir-se ao mistério de uma proximidade e comunhão. Da
mesma forma, o perfume usado pela mulher para ungir Jesus toma essa conotação de
proximidade e comunhão.

Ademais, como o próprio Jesus afirma, ocorre também o que Ele chama de preparação para o
sepultamento. Justamente em sua morte, Jesus se torna o Rei e Salvador da humanidade, uma
vez que o clímax da obra redentora, que é a Sua ressurreição, necessariamente sucede ao evento
de sua morte. O novo perfume da ressurreição e da vida supera o mau odor da morte,
representada pela presença de Lázaro. Assim, o odor do perfume representa, por excelência, o
ressuscitado.

Ao usar uma libra de nardo genuíno e muito caro, Maria destaca que Jesus não tem preço. Ao
untar seus pés e enxugá-los, Maria assume o discipulado indicado por Jesus. Ao passar algo do
perfume dos pés de Jesus para seu “cabelo, Maria entra em comunhão com o Senhor morto,
sepultado e ressuscitado. Trata-se, primeiramente, do odor do conhecimento (2Co 2.14), ou
seja, do cheiro agradável de Cristo (2Co 2.15), o qual “para uns é um odor de morte para a morte”
e, “para outros, um odor de vida para a vida” (2Co 2.16). Todavia, ao fazer com que a casa ficasse
repleta com o odor do perfume, Maria anuncia Jesus aos outros.

Outra análise que podemos fazer do texto é o contraste entre Maria e Judas. Este, faz uma crítica
à atitude de Maria, argumentando sobre uma suposta preocupação com os pobres. Vemos,
então, de um lado, uma atitude generosa e repleta de ternura por parte de Maria e, de outro, a
atitude mercenária e hipócrita de Judas.

Esse contraste está em conformidade com o pensamento rabínico de então, que classificava as
boas obras em duas categorias: as obras de misericórdia (enterrar os mortos) e as de justiça
(esmola). Mesmo que a intenção de Judas fosse nobre, segundo esses mesmos comentários, as
primeiras superavam as segundas. Logo, quando Jesus se coloca acima do cuidado com os
pobres, não os está menosprezando, mas sim, aplicando essa lógica de primazia entre essas duas
categorias. Depreendemos isto exatamente pela menção que o próprio Senhor Jesus faz de sua
morte.

CURIOSIDADE

Fazia parte da tradição daquelas terras que as famílias comprassem um vasinho desses quando
uma de suas filhas fosse se casar, fazendo parte do dote. Quanto mais abastada fosse a família,
maior seria o valor das especiarias contidas no frasco. Quando a moça fosse pedida em
casamento, deveria quebrar o vaso aos pés do noivo, pois estaria praticando uma espécie de
honraria com o seu futuro marido.

Outros registros contam que as moças carregavam um frasco de alabastro no pescoço, como se
fosse um colar, e que na noite de núpcias ela quebrava o objeto, aspergindo o nardo em seus
lençóis. Por ser um momento tão especial para a nubente, imagina-se quanto ela deveria
valorizar tal vasinho de alabastro.

Para não perder a oportunidade, vamos falar um pouquinho da mulher que ungiu a cabeça de
Jesus com unguento. Se aquele líquido era “separado” para a noite de núpcias, e aquela mulher
já não tinha mais esperanças de chegar a esse momento, por ter má fama na sociedade,
imaginamos que ela deve ter revolucionado os seus pensamentos, os seus projetos de vida,
usando todo o líquido aromático em Jesus, como que se estivesse desistindo da vida para
entregar-se ao Senhor, passar a servi-Lo para sempre. Mas, claro, isso é apenas uma conjectura.
1. 2. 3.

4.

FIGURAS:

1 – Vaso de alabastro. Canaã, séc. XV a XIII a.C.

2 – Vaso de alabastro com o gargalo quebrado. Ásia, séc. I d.C.

3 – Flor de Nardo.

4 – Representação da planta completa de Nardo, da raiz à flor.


FONTES DE PESQUISA

ARAÚJO, Maristela S. de – O vaso de alabastro. Publicado na revista Ultimato, Março/2010.


Pesquisado em 03/12/2017.

BUCKLAND, Augustus R. & WILLIAMS, Luckin – Dicionário Bíblico Universal, Editora Vida. 4ª
edição, revista e atualizada, maio/2007.

DAVIS, John D. - Novo Dicionário da Bíblia, 16ª edição ampliada e atualizada, Editora Hagnos.

GRENZER, Antônia de F.; GRENZER, Matthias – O Rompimento do Frasco (Mc 14,3), Revista de
Cultura Teológica, Ano XXIII – nº 86 – Jul/Dez 2015.

_________________________ – A untura de Jesus por Maria (Jo 12,3), Revista de Cultura


Teológica, Ano XXIV – nº 88 – Jul/Dez 2016.

MAREANO, Marcus A. A. – Uma análise narrativa da unção de Jesus em Betânia (Jo 12,1-8),
Revista Teoliterária V. 4 – nº 8, 2014.

MARINOFF, Mariela A. – Las plantas medicinales desde la Bíblia a la actualidad, Resumen: E-053,
Universidad Nacional Del Nordeste, Argentina – Comunicaciones Científicas y Tecnológicas,
2006.

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