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**Versão Final**

O MACACO PELUDO
Texto dramático1 sobre a vida antiga e
moderna em oito quadros

Texto: Eugene O’neill


Tradução: Aline Coccia
PERSONAGENS

ROBERT SMITH, "YANK"


PADDY
LONG
MILDRED DOUGLAS
SUA TIA
SEGUNDO MAQUINISTA
UM GUARDA
O SECRETÁRIO DE UMA ORGANIZAÇÃO
Foguistas, Mulheres, Homens, etc...

QUADROS

Primeiro Quadro : Sala dos foguistas no castelo da proa de um transatlântico,


uma hora após sua partida de Nova York.

Segundo Quadro : Convés superior 2, dois dias depois - manhã.

Terceiro Quadro : Na sala das caldeiras. Alguns minutos depois.

Quarto Quadro : O mesmo cenário do primeiro quadro. Meia hora depois.

Quinto Quadro : Quinta Avenida, Nova York. Três semanas mais tarde.

Sexto Quadro: Uma ilha próxima da cidade. A noite seguinte.

Sétimo Quadro: Na cidade. Cerca de um mês depois.

Oitavo Quadro: Na cidade. Ao crepúsculo do dia seguinte.


Primeiro Quadro

(Sala dos foguistas no castelo da proa de um transatlântico, uma hora após sua partida de
Nova York. Em todos os lados do cenário enfileiram-se estreitos beliches de aço,
agrupados a três. Uma entrada ao fundo. Bancos sobre o piso, diante dos beli ches. A
sala está lotada de homens berrando, xingando, rindo e cantando – um tumulto
rudimentar e confuso, que, à medida que se expande, adquire uma espécie de unidade,
um significado – esbravejam como feras enjauladas. Quase todos os homens estão
embriagados. Muitas garrafas circulam de mão em mão. Eles usam calças de algodão
grosseiro e sapatões pesados e feios. Alguns vestem coletes sem mangas, mas a
maioria deles está despida da cintura para cima.

O tratamento deste quadro, assim como dos outros quadros desta peça, não pode ser
de maneira alguma, naturalista. O efeito que se procura produzir é o de um espaço
apertado no interior de um navio, cercado de aço reluzente. As traves que sustentam os
beliches cruzam-se como a armação de aço de uma gaiola. O teto parece pesar sobre as
cabeças dos homens. Eles não conseguem manter uma postura ereta. Isto acentua sua
característi ca encurvada, resultado do trabalho nas caldeiras e da consequente
hipertrofia dos seus músculos dorsais. A aparência desses homens se assemelha àquelas
gravuras que representam o aspecto provável do Homem de Neandertal. Todos têm o
peito cabeludo, longos braços de força extraordinária e sobrancelhas baixas, quase
inexistentes, sobre olhos pequenos, selvagens e amargurados. Aqui se veem representadas
todas as raças brancas civilizadas, porém, exceto pequenas diferenças na cor dos cabelos, pele
ou olhos, esses homens são todos iguais.

A cortina se abre em meio a um tumulto de vozes e sons. Yank está sentado em primeiro
plano. Ele parece ter os ombros mais largos, ser mais feroz, mais truculento, mais
poderoso, mais seguro de si mesmo que os outros. Eles respeitam sua força superior – é um
respeito relutante provocado pelo medo. Yank também representa para estes homens uma
expressão viva deles próprios, uma melhor definição daquilo que eles são; o indivíduo
mais evoluído de todos eles).

OS HOMENS – Me dá uma bebida aí! 3; 4


Segura essa!
Salute! 5
Gesundheit! 6
Skoal! 7
Bêbado feito um gambá, hein!
Um brinde!
À sorte!
Devolve essa garrafa, diabo!
Tá mandando ver, goela a baixo!
Hei, Francês! Onde diabo tu esteve?
Em La Touraine.
Eu bati nele com gosto!
Jenkins, o imediato, é um porco imundo...
E os polícia agarraram ele – e eu dei no pé!
Meu negócio é cerveja. Faz bem pra saúde.
Uma vagabunda, tô dizendo! Me roubou enquanto eu dormia...
Pro inferno todos eles!
Você é um puta mentiroso!
Repete se você tem coragem! (Comoção. Dois homens ameaçam brigar e são separados pelos
outros).
Nada de se agarrarem aqui!
Me aguarde…
Tu vai ver quem é homem!
Maldito holandês!
Mais tarde, na proa.
Eu aposto no “holanda”.
Olha que ele sabe brigar, tô dizendo!
Fecha o bico, carcamano!
Chega de briga, cambada. Somos todos camaradas, não? (Long)

(Uma voz começa a berrar uma cantiga).


 

Bebo cerveja a vida inteira.
Só penso em encher minha caveira!”

YANK - (Pela primeira vez parece perceber a bagunça e volta-se com ar ameaçador. Num
tom de autoridade e desdém) — Chega dessa zona! De onde você tirou essa história de
cerveja? Pro diabo a cerveja! Cerveja só serve pra fêmeas... E holandeses. Pra mim,
bebida tem que ser um coice! Hei! Vocês aí, me deem de beber, qualquer um!...

(Várias garrafas lhe são oferecidas. Ele toma um trago formidável; depois, guardando na
mão a garrafa, fixa com ar desafiador seu proprietário, que se apressa em concordar
com o furto).

MARINHEIRO - Está certo, Yank. Fique com ela e tome outro trago.

(Yank, com ar de desprezo, volta novamente às costas para eles, que ficam por um instante
num silêncio constrangedor. Não demora muito para a barulheira recomeçar).

OS HOMENS — Devemos estar passando pelo farol.8


Está começando a balançar.
Serão seis dias de inferno... Até chegar a Southampton.
Queria que alguém fizesse o primeiro turno no meu lugar.
Tá enjoado, Cabeça Quadrada?
Bebe que tu esquece!
Que tem na tua garrafa?
Genebra.
É bebida de negros!
Absinto? É uma paulada. Cê vai ficar bem louco, Francês!
Porco! 9
Uísque é o caminho!
Cadê o Paddy?
Tá pescando.
Acorda aí, Paddy! Canta pra gente aquela canção do uísque.

(Todos se voltam para um velho irlandês todo encarquilhado que, muito bêbado, cochilava
num dos bancos em primeiro plano. Sua fisionomia tem alguma semelhança com um
macaco: toda a compaixão tristonha e paciente reluz de seus pequenos olhos).

Canta pra nós, Caruso da Irlanda! 10


Ele está ficando velho. Não aguenta mais a bebida.
Está muito chumbado.

PADDY – (Coloca-se de pé, olhando seus companheiros com olhos firmes; agarra-se à borda de
um beliche.) - Nunca estou bêbado demais pra cantar. Só quando esti ver morto para
o mundo não terei mais vontade de cantar. (Com leve desprezo) Então, querem que eu
cante o "Uísque Johnny"? Essa velha cantiga do mar? Muita viadagem pra gente feia
como vocês. Que Deus os ajude! Não faz diferença.

(Põe-se a cantar com uma vozinha dorida e anasalada)

Oh! O uísque é a vida dum homem!


Uísque! Oh, Johnny! (Todos repetem este verso)
Oh! O uísque é a vida dum homem!
Uísque pro meu Johnny! (Bis, em coro).
Oh! O uísque deixou meu pai maluco!
Uísque! Oh, Johnny!
Oh! O uísque deixou meu pai maluco!
Uísque pro meu Johnny!

YANK - (tornando a virar-se desdenhosamente) — Pro diabo com essa ladainha de navio a vela!
Não veem que tudo isso já morreu? E você também (dirigindo-se a Paddy) "sua" velha gaita
irlandesa, só que ainda não percebeu. Fica quieto aí e deixa a gente em paz. Chega de barulho.
(Com um sorriso cínico) Não vê que eu estou tentando pensar?

TODOS - (repetindo a palavra em uníssono , no mesmo tom de zombaria cínica e divertida) Pen-
sar!
(A palavra repetida em coro adquire uma qualidade metálica como se suas gargantas fossem
cornetas acústicas de fonógrafo. Segue-se um tumulto de risos altos, que soam como latidos).

OS HOMENS — Não quebre a cachola pensando, Yank.


Vai ficar com uma baita dor de cabeça!
"Pensar"... Descobri uma coisa: rima com "se encharcar”!
Ah, ah, ah!
Se encharcar pra não pensar!
Se encharcar pra não pensar!
Encher a cara pra não pensar!
Encher a cara pra não pensar!

(Todos repetem juntos os versos, batendo com os pés no chão e com os punhos nos
bancos).

YANK – (Tomando um gole da bebida – de bom humor) — Está bem. Parem com isso. Já
entendi.

(A cantoria vai parando aos poucos. Uma voz sentimental de tenor bêbado começa a
cantar).

MARINHEIRO – Lá longe, no Canadá.


Do outro lado do mar
Há uma pequena me esperando
Preparando nosso lar...

YANK - (Ferozmente desdenhoso) — Cala a boca, "seu" cretino nojento! De onde você tirou
essa merda? Nosso Lar? Lar é o inferno! Eu te mostro o lar! Tapo a tua goela! Um lar! Pro diabo
com o teu lar! De onde você tirou essa merda? É aqui nosso lar, entendeu? Pra que tu precisa
dum lar? (Estufa o peito) Eu me livrei do meu quando ainda era um fedelho. E fiquei foi feliz
com isso. Comigo é assim. Só levava pancada, nada mais. Mas vocês podem apostar a camisa
que depois nunca mais apanhei de ninguém! Alguém aqui duvida? Hum! Acho que não! (Num
tom mais calmo, mas ainda desdenhoso) Mulheres esperando por vocês, hein? Vão pro
inferno! Tudo isso é idiotice. Elas não esperam por ninguém. Elas trocariam vocês por uma
merreca. São todas umas putas, entenderam? Com elas é preciso ser durão, é o que eu penso.
Que vão pro diabo! Umas vagabundas, todas elas.

LONG - (muito bêbado, salta em pé sobre um banco e gesticula com uma garrafa na mão) —
Escutem, camaradas! O Yank está com a razão. Ele diz que este navio de merda é o nosso lar.
E ele diz que o nosso lar é um inferno. Ele está certo! Aqui é o inferno! Nós vivemos no
inferno, camaradas, e certeza que vamos morrer nele. (Tomado de raiva) E de quem é a
culpa, pergunto eu? Não é nossa. Não nascemos nesta miséria. Todos os homens nascem
livres e iguais. Está na tal da Bíblia, meus chapas. Mas o que é a Bíblia pra eles, esses
porcos preguiçosos que viajam na primeira classe? A culpa é deles, foram eles que nos
arrastaram pra cá. E nós caímos tão baixo que já não somos mais que mercenários;
escravos no porão deste navio, suando, queimados vivos, que ficam engolindo poeira de
carvão! A culpa é deles, dessa merda de classe capitalista!

(Um murmúrio de hostilidade se estava formando, pouco a pouco, entre os homens. De


repente forma-se uma onda de vaias, assovios, e gargalhadas agressivas).

OS HOMENS — Para com essa merda!


Cala o bico!
Desce daí!
Arrolhem esse cara!
Desgraçado estúpido!

YANK - (Levantando-se furioso com Long) — Senta aí, se não quiser que eu te derrube!
(Long se apressa em desaparecer. Yank prossegue em tom de desdém) A Bíblia, hein? A
classe capitalista? Tudo isso é conversa de socialista, do Exército de Salvação. Trepa num
caixote e dispara a matraca! "Venha salvar sua alma"! E avante com Jesus Cristo, hein?
Chega! Fique sabendo que já ouvi muitas bestas feito você. Estão todos errados. Quer que
te diga o que eu penso? Vocês não prestam pra nada. São todos uns fracas sados.
Vocês não têm colhões, estão ouvindo? Uns covardes! Sim, covardes. Me diz, os
babacas da primeira classe - que têm eles a ver com a gente? Somos muito melhores que
eles, não somos? Claro! Um de nós podia jogar todos eles no chão com um soco só.
Se um deles viesse aqui pra fazer um turno de serviço nas fornalhas, o que acontecia?
Teria que ser carregado pra fora numa maca. Essa gente não é nada. Não passa de
bagagem. Quem é que faz andar esta banheira velha? Não somos nós? Então somos
alguma coisa por aqui, não é mesmo? E eles não! Esta que é a verdade! (Uma salva de
palmas e aclamação. Yank continua) E vocês acham que isso aqui é o inferno? Conversa! A
verdade é que você perdeu o colhão! Isto aqui é trabalho pra homem, compreende?
Trabalho de macho! Fazer andar este navio não é pra molenga. Mas você não passa de um
molenga, um covarde.

OS HOMENS - (encorajados pelo discurso) — Muito bem!


Trabalho de macho!
Falar é fácil, Long.
Ele nunca deu no couro.
O diabo que o carregue!
O Yank está certo. Nós que fazemos o navio andar.
O Yank é o cara!
Não precisamos de ninguém pra chorar por nós.
Nem fazer discurso!
Fora com ele!
Covarde!
Joga ele n'água!
Vou é quebrar a cara dele!
(Amontoam-se ao redor de Long, ameaçando-o).

YANK - (novamente espirituoso, mas ainda com desdém) — Ora, parem com isso. Deixem ele
pra lá. Ele não vale um tapa. Melhor tomar um trago. À saúde de quem me deu esta
garrafa. (Toma um grande gole de sua garrafa. Todos bebem com ele. Num instante, todos
estão novamente alegres e amistosos, uns batendo nas costas dos outros, falando alto,
etc).

PADDY – (que estava sentado num canto, piscando os olhos, melancólico e confuso, grita
subitamente com uma voz embargada de antigo pesar) Você diz que esse é o nosso lar? Que
fazemos essa coisa andar? Que então o Todo Poderoso tenha pena de nós! (Sua voz
embarga num lamento entusiasmado; ele se balança em seu banco, pra frente e pra trás. Os
homens olham-no fixamente, espantados e impressionados.) Ah, se eu pudesse voltar aos
bons tempos da minha mocidade, ai! Ah, que coisa boa eram os navios – veleiros com altos
mastros tocando o céu - homens fortes trabalhando neles. Homens que eram filhos do mar,
como se o mar fosse a mãe deles. Ah, eles tinham a pele limpa, os olhos claros, as costas
direitas e o peito largo! Homens valentes eles eram, e audazes. . . A gente zarpava e
descia até o Cabo Horn 11 . Içávamos as velas de madrugada, com uma brisa leve, cantando
uma velha cantilena de marinheiro, sem pensar em nada. Às nossas costas a terra ia
desaparecendo, e nós apenas ríamos, sem lançar nunca um olhar para trás, pois era
suficiente sabermos que éramos homens livres... E eu penso que só os escravos se
preocupam com o dia que passa ou o que ainda não chegou, até que eles ficam velhos
como eu. (Com uma espécie de exaltação religiosa.) Oh, velejar de novo pro sul com o
vento alísio soprando firme pela popa, noite e dia! As velas bem inchadas. Noite e dia! À
noite, a espuma da esteira se acendia como fogo e o céu brilhava e piscava de estrelas, ou
se iluminava ao clarão da lua cheia. Então o navio cortava a noite cinza com as velas
brancas e prateadas estendidas no alto. Não ouvíamos um só ruído , todos os homens
sonhando... Até se podia pensar que o navio não existia, que era uma assombração, como
aquele “Holandês voador” 12 que para sempre, dizem, cruza os mares sem nunca atracar
em terra. E vinham os dias também. O sol quente batia no convés e esquentava até o
sangue da gente. E o vento que soprava pelo caminho de mar verde, enchia nosso peito
como uma bebida forte. E o trabalho. . . Ah, um trabalho pesado, mas quem é que se
importava? Naquele tempo se trabalhava debaixo do céu e era preciso habilidade e audá -
cia. Quando o dia acabava, eu fumava sossegado o meu cachimbo, podia-se talvez
avistar terra e a gente enxergava, lá longe, as montanhas da América do Sul. E via-se o
sol poente pintando com seu vermelho-fogo os cumes brancos e as nuvens que
flutuavam em volta! (Seu tom de exaltação cessa. Ele prossegue melancólico) Arre, que
adianta falar? É só o sussurro de um moribundo. (Fala para Yank, ressentido) Era naquele
tempo que o navio era o nosso lar. Era naquele tempo que um navio fazia parte do mar,
e o homem fazia parte do navio, e o mar unificava tudo . (Com desdém) Você acha que
poderíamos ser um só, com este navio aqui, Yank? Fumaça preta saindo das chami nés e
sujando o mar, sujando o convés; as malditas máquinas batendo, arquejando, tremendo;
nunca um raio de sol ou um bocado de ar puro; os pulmões entupidos de pó de carvão; as
costas e o peito arrebentados no inferno das caldeiras; e sempre a alimentar as malditas
fornalhas... Com a nossa vida também, não só com o carvão. E ainda por cima impedidos
de ver o sol, dentro de uma gaiola de aço, como miseráveis macacos no Jardim Zoológico!
(Com um riso áspero) Oh-oh, que o diabo te carregue! É assim que te sentes num lar? Nada
mais que uma peça dessa máquina, uma peça de carne e osso, é isso que queres ser?

YANK - (que escutou tudo esboçando um risinho irônico, responde num latido) — É isso
mesmo! É o que quero. E daí?

PADDY - (murmurando como que para si mesmo, com grande pesar) — O meu tempo
passou. Que uma grande onda ensolarada possa me varrer pra cima na hora em que eu
estiver sonhando com esse tempo que passou.

YANK — Ah, seu Irlandês maluco! (Levanta-se de salto e avança em direção a Paddy com ar
ameaçador - depois se detém como se travasse uma luta estranha consigo mesmo ; deixa cair
os braços ao longo do corpo. Em tom de desprezo) Ah, deixa de lamúrias. Bem se vê que tu é
louco, por isso fala assim, perdeu um parafuso. Esse monte de besteiras que você falou...
Ok, está certo. Mas já está morto, entende? O teu tempo passou. Já não engrena. Está
velho demais. (Com repugnância) Mas eu te digo, coloque a cabeça pra fora de vez em
quando, para ver o que aconteceu desde que você começou a afundar. (Subitamente
empolga-se com veemência, cada vez mais excitado.) Escuta aqui! Sim! É o que eu
queria dizer! Que diabo... Olha, me deixa falar! Escuta aqui, velha gaita irlandesa! Hei, todos
vocês! Escutem, esperem um pouco... Tenho uma coisa a dizer, vejam. Eu faço parte disso
aqui e ele não. Ele está morto, mas eu estou vivo. Me escutem! Sim, sou uma peça dessa
máquina! E por que diabos não seria? Essa máquina é viva, se move, avança com velocidade!
Ela toca pra frente, não toca? Vinte e cinco nós por hora! É muita coisa! Coisa nova! Mas ele
está velho demais. Ele fica tonto. Escutem. Toda aquela falação idiota sobre noites e dias;
toda aquela falação idiota sobre o sol e o vento, o ar livre e o resto... Pro inferno, é tudo
um delírio de ópio! Ele fuma o cachimbo do passado, isso é o que ele faz. Ele está velho e
já não tem vez. Mas eu sou novo. Eu estou em forma! Eu caminho junto com tudo isto.
Vocês compreendem? Tudo isto! Quero dizer, a engrenagem desse navio. Ela está acima de
todas essas bobagens que ele disse. Tudo isto acaba com elas! Varre com elas da face da
terra! Tudo isto, vocês sabem o que eu quero dizer... As máquinas, o carvão, a fumaça e todo
o resto! Ele não pode respirar e engolir a poeira do carvão, mas eu posso, compreendem? É
ar puro pra mim! É alimento! Sou novo, compreendem? É um inferno nas caldeiras? Está
certo! É preciso ser homem pra trabalhar no inferno. O inferno é meu lugar preferido. Eu me
empanturro dele! Nele eu engordo! Eu é que faço ele quente! Eu é que faço ele roncar! Eu é
que dou vida a ele! Sem mim ele não existe. Morre tudo, compreendem? O barulho, a fumaça
e todas as máquinas que movem o mundo, tudo pára. Mais nada fica vivo! É o que eu estou
dizendo. Tudo o que faz o mundo se mover também é movido por outra coisa. Não pode se
mover sem uma outra coisa, entendem? E é então que vocês chegam até mim. No fundo de
tudo estou eu! Depois, não tem mais nada. Eu sou o fim! Eu sou o ponto de partida! Eu dou
a partida e o mundo se move! Isto sou eu: o novo que esmaga o velho! Eu sou aquilo que
faz o carvão queimar; sou o vapor e o óleo das máquinas; eu sou o ponto que torna o barulho
perceptível; sou a fumaça e os trens expressos e os navios e o apito das fábricas; sou aquilo
que faz o ouro valer dinheiro! E sou o que transforma o ferro no aço! O aço, que
representa tudo isto! E eu sou o aço, o aço, o aço! Sou os músculos do aço e a força que
ele tem dentro! (Ao dizer estas palavras, ele bate com os punhos contra os beliches de aço.
Todos os homens, orgulhosos de si mesmos, fazem como ele. Há uma vibração metálica
ensurdecedora, através da qual se pode ouvir a voz estentórica de Yank) Escravos, nunca!
Nós é que fazemos o mundo andar. Todos esses ricaços que pensam que são alguma coisa,
não são nada! Eles não fazem parte. Mas nós aqui estamos no movimento, estamos no
fundo de tudo, nós somos tudo! (Paddy, durante o discurso de Yank, toma um gole após
outro de sua garrafa, a princípio com pavor, como se estivesse com medo de ouvir, depois
com desespero, como se estivesse afogando seus sentidos, até atingir um estado de
embriaguez completa, indiferente e divertida. Yank nota que ele move os lábios. Faz cessar
a algazarra com um grito.) Hei! Rapazes, devagar! Esperem um momento! A nossa velha
gaita irlandesa está falando alguma coisa.

PADDY - (Ouve atentamente, depois joga sua cabeça para trás, num acesso de riso gozador)
— Ah-ah! Ah-ah! Ah-ah! ...

YANK - (grunhindo e fechando o punho para dar um soco) — Opa! É pra mim esse latido?

PADDY - (começa a cantarolar a canção ‘'Miller of Dee" 13 com enorme bom humor) — "Eu não
ligo pra ninguém. E ninguém liga pra mim.”

YANK - (readquirindo seu bom humor, interrompe Paddy dando-lhe um tapa em seu dorso
nu) — Agora sim! É assim que se faz. O certo é não ligar pra ninguém, mesmo. Pro diabo
todo mundo! E pouco me importa que ninguém ligue pra mim. Posso me cuidar muito
bem. (A campainha abafada soa oito vezes, vibrando através das paredes de aço, como se
um enorme gongo de bronze estivesse escondido no âmago do navio. Todos os homens
levantam-se de salto, mecanicamente, e saem silenciosos pela porta, um atrás do outro,
num passo cadenciado muito semelhante ao de prisioneiros. Yank bate nas costas de Paddy) É
o nosso turno, gaita velha! (Em tom de brincadeira) Vem comigo pras profundezas do inferno.
Vem comer poeira de carvão e bufar de calor. É isso aí! Aja como se gostasse do serviço. É
melhor... Senão cê morre.

PADDY - (num tom de desafio jovial) — Pro diabo o serviço! Não vou fazer esse turno. Eles que
façam a minha parte, que se danem. Não sou um escravo como você. Vou ficar aqui sentado no
bem-bom, bebendo, pensando e sonhando.

YANK - (com desprezo) — Pensando e sonhando, e o que tu vai ganhar com isso? Que tem o
pensamento a ver com tudo isto? A gente se movimenta, ganha velocidade, não é? Você
parece um nevoeiro. Mas a gente atravessa o nevoeiro! Cortamos pelo meio dele e
atravessamos a toda velocidade... Vinte e cinco nós por hora! (Volta as costas a Paddy,
desdenhosamente.) Oh, cê me deixa doente! Cê não é daqui mesmo! (Sai a grandes passadas
pela porta ao fundo. Paddy trauteia consigo mesmo , piscando os olhos com ar aparvalhado).
Segundo Quadro

(Dois dias após a partida, no convés superior do navio, Mildred Douglas e sua tia estão
reclinadas em cadeiras do convés. Mildred é uma jovem de vinte anos, esbelta e delicada: os
traços bonitos do seu rosto pálido são prejudicados por uma expressão auto suficiente de
desdenhosa superioridade. Ela parece irritada, nervosa e descontente, entediada com seus
próprios problemas. A tia de Mildred é uma senhora orgulhosa, corpulenta e cheia de pompa.
Ela é um tipo clássico de senhora, com a papada aparente e o binóculo na mão. Veste-se
pretensiosamente, como se temesse que seu rosto, por si só, não fosse suficiente para indicar
sua posição social. Mildred está toda de branco.

A impressão que se procura nesse quadro é a da beleza e do frescor da vida sobre o mar: o
brilho do sol inundando o deck e a brisa fresca soprando. Em meio a isto, duas criaturas
incongruentes, artificiais, inertes e que não se harmonizam com o cenário. A velha dama
parece um monte de massa acinzentada com toques de "rouge" ; a jovem dá a impressão
de que sua energia vital foi reduzida a nada antes mesmo que ela fosse concebida, de
maneira que sua face exprime somente artificialidades).

MILDRED (erguendo a vista com ar sonhador) — Veja como a fumaça negra parece um
redemoinho no céu! Não é lindo?

A TIA (sem levantar os olhos) — Qualquer espécie de fumaça me desagrada.

MILDRED — Minha bisavó fumava cachimbo, um cachimbo de barro.

A TIA (franzindo a face) — Que vulgar.

MILDRED — Ela era de uma outra época. Com o tempo, os cachimbos tornam-se doces.

A TIA (finge estar aborrecida, mas na verdade está irritada) — Será que aprendeste isso
nas aulas de sociologia da Universidade, a brincar de zumbi, desenterrando velhas ossadas?
Por que não deixa tua bisavó descansar em seu túmulo?

MILDRED (sonhadora) — Ela deve estar com o cachimbo agora, soltando baforadas no
paraíso.

A TIA — (Com despeito) És realmente um zumbi de nascença. E até mesmo, minha


querida, começas a tomar o aspecto de um.

MILDRED (em tom muito calmo) — Eu detesto a senhora, minha tia. (Olhando-a
minuciosamente.) Sabe o que a senhora me lembra? Uma salsicha de porco fria sobre
uma toalha de oleado na cozinha de um... A senhora se parece com tantas coisas que
chega a ser cansativo enumerar. (Fecha os olhos).
A TIA (com um riso amargo) — Agradeço a sinceridade! Mas já que sou e devo continuar a
ser tua dama de companhia, pelo menos na aparência, tratemos de refazer nossa paz
armada. De minha parte, deixo-te completamente livre para satisfazer todos os desejos
excêntricos que possam agradar-te, contanto que mantenha as aparências.

MILDRED (com a voz arrastada) — Indecências? 14

A TIA (continuando como se não tivesse ouvido) — Depois de saciar as tuas excitações
mórbidas nas obras filantrópicas do subúrbio de Nova York — ah, e como aqueles pobres
devem ter te detestado, a você, que os tornava mais pobres diante dos próprios olhos! — eis
que agora queres espalhar o “bem” pelos subúrbios dos quatro cantos do mundo. Está
certo, espero que Exército da salvação te dê a energia necessária. Seja como for, não me
peças para ir junto. Disse ao teu pai que não o faria. Abomino essas deformidades . Que
contratem um exército de detetives e você poderá investigar tudo... O que te permitirem
ver.

MILDRED (protestando num tom sério, com alguma sinceridade) — Por favor, não zombe das
minhas tentativas de descobrir como vive a outra metade do mundo. Ao menos nesse
ponto, tenha um pouco de fé na minha sinceridade. Gostaria de ajudar essas pessoas.
Gostaria de ser útil a alguém no mundo. É culpa minha se não sei como fazer? Gostaria de
ser sincera, de tocar as vidas de alguma maneira. (Com uma amargura desgastada) Mas
temo não possuir nem a vitalidade nem a pureza necessárias. Elas desapareceram de nossa
família antes de eu nascer. Vovô com suas fornalhas, cujas chamas subiam até o céu,
ganhou milhões fundindo aço; papai, alimentando esse fogo familiar, ganhou outros
milhões; e no fim de tudo isso estou eu, uma pobre coisinha. Sou uma espécie de escória
desse processo de fundição, assim como tantos milhões. Só que herdei a sobra dessa escória,
a fortuna, mas não a vitalidade, a força do aço que a criou. Como dizem nas corridas de
cavalo, sou coroada de ouro e, ao mesmo tempo, amaldiçoada por ele. (Ri
desconsoladamente.)

A TIA (Indiferente e arrogante) — Pareces propensa à sinceridade hoje. Francamente, não


combina com você, parece obviamente uma pose. Aconselho-te a ser tão superficial quanto
costumas ser na realidade. Saiba que há uma espécie de sinceridade nisso. E além do mais,
deves confessar que preferes ser assim.

MILDRED (Novamente afetada e entediada) — Sim, talvez prefira. Mas perdoe-me o


desabafo. Realmente deve parecer grotesco quando um leopardo se queixa de suas malhas.
(Em tom de zombaria) Rosna, meu pequeno leopardo. Rosna, arranha, despedaça, mata,
afoga-te em sangue e sejas feliz; fica somente na selva onde tuas malhas te servem de
camuflagem. Numa jaula, elas te tornam visível.

A TIA — Não sei do que estás falando.


MILDRED — Seria inconveniente que eu lhe falasse de qualquer assunto. Falemos sobre
coisa nenhuma. (Consulta seu relógio de pulso) Ah! Graças a Deus está quase na hora de
virem me buscar. Vai ser para mim uma emoção totalmente nova, tia.

A TIA (Afetada e perturbada) — Não me digas que realmente pretendes ir até lá? A
sujeira e o calor devem ser apavorantes.

MILDRED — Vovô começou a vida como fundidor. Devo ter herdado dele uma
insensibilidade ao calor extremo, desses capazes de fazer uma salamandra se arrepiar.
Vai ser divertido tirar a prova.

A TIA — Mas não é necessária uma permissão especial do comandante, ou de alguém,


para visitar as fornalhas?

MILDRED (com um sorriso triunfal) — Tenho a permissão dele e a do maquinista-chefe.


Oh, mas eles não a queriam dar a princípio, apesar do meu crachá do serviço social. Não
pareciam nada felizes com a idéia de me ver investigando a vida e o trabalho das pessoas
neste navio. Tive então de lhes contar que meu pai, presidente da empresa de aço Nazareth
e do conselho de diretores desta linha de transatlânticos, me dissera que não haveria
problema nenhum.

A TIA — Ele não disse isso.

MILDRED — Como uma pessoa fica ingênua com a idade! Pois eu disse que ele disse. Falei
até que ele havia me dado uma carta para entregar a eles, mas que eu havia perdido. E
eles tiveram medo de insinuar que eu estivesse mentindo . (Com entusiasmo) E então,
aqui vou eu, rumo às fornalhas! O segundo maquinista deve acompanhar-me. (Tornando a
consultar o relógio) Está na hora. E aí vem ele, creio eu.

(Entra o segundo maquinista. É um homenzarrão de boa aparência, em torno de trinta e


cinco anos. Detém-se diante das duas damas e tira o quepe, visivelmente encabulado).

O SEGUNDO MAQUINISTA — Senhorita Douglas?

MILDRED — Sou eu. (Jogando a manta e lavantando-se.) Estamos prontos para ir?

O SEGUNDO MAQUINISTA — Num segundo, senhorita. Estou apenas aguardando o Quarto


Maquinista, ele vem conosco.

MILDRED (Com um sorriso desdenhoso) — Não quer assumir sozinho esta responsabilidade,
não é?
O SEGUNDO MAQUINISTA (com um sorriso forçado) — É melhor irmos os dois. (Constrangido
pelo olhar de Mildred, lança uma olhada ao mar, depois diz maquinalmente) Faz bom tempo
hoje.

MILDRED — Você acha?

O SEGUNDO MAQUINISTA — Uma boa brisa quente...

MILDRED — Acho-a fria.

O SEGUNDO MAQUINISTA — Mas faz bastante calor ao sol...

MILDRED — Não o bastante para mim. Não gosto de natureza e nem de estar ao ar livre.

O SEGUNDO MAQUINISTA (com um sorriso forçado) — Bem, sentirá bastante calor no lugar
para onde vai.

MILDRED — Você quer dizer no inferno?

O SEGUNDO MAQUINISTA (Atônito, decide rir) — Ah, ah! Não, eu me refiro às fornalhas.

MILDRED — Meu avô era fundidor. Brincava com o aço em fusão.

O SEGUNDO MAQUINISTA (Olhando para o mar, constrangido) — É verdade? Com todo


respeito, madame, mas a senhorita pretende ir com esse vestido mesmo?

MILDRED — Por que não?

O SEGUNDO MAQUINISTA — Naturalmente vai ficar manchado de óleo ou de fuligem. Não


há jeito de evitar isso!

MILDRED — Não faz mal. Tenho muitos outros vestidos brancos.

O SEGUNDO MAQUINISTA — Tenho uma velha capa que poderia colocar por cima...

MILDRED — Tenho cinquenta vestidos como este. Jogarei este no mar quando voltarmos.
Isso o limpará, não é mesmo?

O SEGUNDO MAQUINISTA (Atrapalhado) — As escadas por onde desceremos não são nada
limpas, e há também corredores estreitos e escuros...

MILDRED — Irei com este vestido e não com outro.


O SEGUNDO MAQUINISTA — Eu não quis ofendê-la... Isto não me diz respeito. Queria
apenas alertá-la

MILDRED — Alertar? Então, teremos grandes emoções?

O SEGUNDO MAQUINISTA (olhando para o outro lado do deck, com um suspiro de alívio) — O
Quarto Maquinista acaba de chegar. Ele nos espera. Tenha a bondade...

MILDRED — Vá na frente. Eu o seguirei. (Ele parte. Mildred dá um sorriso irônico para a tia.) Um
tolo, mas um tolo bonitão e másculo.

A TIA (com desdém) — Afetada!

MILDRED — Até mais tarde. Ele disse que haverá corredores escuros...

A TIA (no mesmo tom) — Afetada!

MILDRED (mordendo os lábios com força) — Tem razão! Mas bem que gostaria que meus
milhões não me condenassem a esta castidade anêmica!

A TIA — Sim, só para fazer pose, tenho certeza que lançaria à sarjeta o nome dos
Douglas!

MILDRED — À sarjeta de onde ele saiu! Até logo, ti a. Não reze com demasiado
fervor para que eu caia dentro da fornalha.

A TIA — Afetada!

MILDRED (com perversidade) — Velha bruxa! (Ela dá um tapa leve e insultuoso no


rosto da tia e sai rindo alegremente.).

A TIA (perseguindo-a com seus gritos) — Eu disse, afetada!


Terceiro Quadro

(Na sala das caldeiras. Aos fundos, os contornos vagos das fornalhas e caldeiras formam um
grande volume. Pendurada bem no alto, uma única lâmpada ilumina o ar turvo, carregado de
poeira de carvão, e clareia o suficiente para formar massivas sombras por todos os cantos. Uma
fila de homens, despidos da cintura para cima, está parada diante da boca das fornalhas. Eles
se curvam, sem olhar para nenhum dos lados, manejando suas pás como se elas fossem parte
de seus corpos, num ritmo alegre, estranho e desajeitado. Eles usam as pás para abrir as
fornalhas. De dentro desses buracos que ardem na escuridão jatos de luz e calor intenso voam
na direção dos homens cujas silhuetas lembram a condição humilhante e desumana de gorilas
enjaulados. Os homens trabalham ritmadamente, girando para apanhar o carvão às suas costas
e levá-lo à boca das fornalhas à sua frente. Há um tumulto barulhento – o tinido das portas das
fornalhas abrindo e fechando agressivamente, o rangido perturbador do bater de aço contra
aço, o esmigalhar do carvão. Esse conflito de sons é ensurdecedor, com sua dissonância
dilacerada. Porém há uma certa ordem, um ritmo, uma reincidência regulada e mecânica, um
movimento musical. E acima de tudo isso, fazendo o ar zumbir com o tremor de toda essa
energia, está o rugido das chamas que saltam das fornalhas e o bater monótono dos motores.

Ao subir o pano, as portas das fornalhas estão cerradas. Os homens fazem um pequeno
intervalo. Um ou dois deles arrumam o carvão que está às suas costas, dispondo-o em montes
mais acessíveis. Já os outros são vistos indistintamente apoiados sobre suas pás indiferentes e
exaustos).

PADDY - (Em algum lugar da fileira de homens – queixando-se) Ahh, esse turno dos diabos não
vai acabar nunca? Minhas costas estão quebradas, estou acabado.

YANK - (Do centro da fila – com exuberante desprezo) Ah, você me dá nojo! Porque não se deita
e morre duma vez, hun? Sempre se lamentando! Isso aqui é moleza! Isso foi feito pra mim! Esse
é meu combustível, tá entendendo! (Som de apito – um som agudo que parece vindo do alto da
escuridão. YANK pragueja sem ressentimento) Maldito maquinista estalando o chicote. Ele
pensa que somos vagabundos.

PADDY - (Rancoroso) Ele que vá pro diabo!

YANK - (Num tom de comando exultante) Vamos, rapazes! Ao trabalho! Ela está faminta! Quer
comer. Vamos encher sua barriga! Vamos, todos vocês! Abram a bocarra!

(Neste momento, todos que estavam copiando os movimentos de Yank abrem as suas fornalhas
em um som ensurdecedor. A luz cintilante espalha-se sobre seus ombros enquanto eles se
voltam para apanhar o carvão. Filetes de suor e fuligem traçam sobre suas costas linhas
semelhantes a mapas geográficos. Seus grandes músculos formam massas de luz e sombra).

YANK - (Contando musicalmente enquanto trabalha sem muito esforço) Um, dois, três! (Sua voz
aumenta exultante na alegria da batalha) É isso aí! Deixem ela feliz! Todos juntos! Atulhem
essa barriga! Vamos movimentar! Agora sim! É a vez dela! Ela está no controle! Vejam como se
movimenta! Olha a fumaça! Velocidade é o que ela gosta! Deem carvão, rapazes! Carvão é
como pinga pra ela! Bebe, pequena! Queremos te ver correr! Vai com tudo e ganha essa volta!
Lá vai ela-a-a. (Ele vibra como se estivesse assistindo a uma corrida. Ele fecha a sua fornalha. Os
outros fazem a mesma coisa da maneira mais sincronizada que seu cansaço possa permitir. A
impressão que se tem é de vários olhos de fogo se apagando, um após o outro, seguidos de
respectivo estrondo).

PADDY - (Gemendo) Minhas costas estão quebradas. Tô acabado… acabado… (Pausa. O apito
inexorável soa novamente vindo de algum lugar acima de suas cabeças. Ouve-se uma série de
rugidos enfurecidos).

YANK - (chacoalhando seu punho - ameaçadoramente) Vamos com calma aí! Quem você acha
que comanda isso aqui, você ou eu? Quando eu estiver pronto, nós mandamos lenha. Antes
não! Quando eu estiver pronto, entendeu?

OS HOMENS - (aprovando) É isso aí!


Diz pra ele, Yank!
Yank não tem medo.
Boa camarada!!
Pro inferno!
Diga que ele é um porco nojento!
Carrasco miserável!

YANK - (com desdém) Ele não é de nada. É um molenga, entendem? Todos esses maquinistas
são molengas. São da pior espécie. Que vão todos pro inferno! Vamos em frente, rapazes. Já
descansamos. Agora vamos que ela precisa de nós! Temos que dar de comer! Não por causa
dele e do seu apito, ele não pertence a isso aqui. Mas nós sim! Temos que alimentar essa
belezinha! Vamos lá!

(Ele se vira e torna a abrir a sua fornalha. Todos fazem o mesmo. Neste momento, o Segundo e
o Quarto maquinista entram através da escuridão do lado esquerdo, com Mildred no meio dos
dois. Ela começa a ficar pálida, sua pose a se descompor, ela sente um arrepio frio de pavor,
apesar do calor intenso, e mesmo assim ainda ousa dar alguns passos para mais perto dos
homens. Ela para bem atrás de Yank. Isso tudo acontece muito rápido enquanto todos os
foguistas estão de costas para ela).

YANK - Vamos, rapazes! (Ele se vira para apanhar carvão quando soa novamente o apito em
tom autoritário e irritante, o que deixa Yank furioso. Todos os homens se viram e se deparam
perplexos com o espectro de Mildred em seu vestido branco, porém Yank não se vira o bastante
a ponto de vê-la. Além do mais, sua cabeça está inclinada para trás, ele pisca e olha para cima
tentando encontrar o dono do apito, chacoalha sua pá acima de sua cabeça com uma mão, e
com a outra bate no peito como um gorila, esbravejando) Para com esse apito! Desce aqui, seu
covarde, engomadinho, lixo de Belfast! Desce aqui que eu te arrebento! Seu maldito covarde,
guarda-costas do diabo! Desce aqui que eu acabo com a sua vida! Apitando pra mim, hein? Eu
te mostro, miserável! Eu esmigalho a sua cabeça! Faço você engolir seus dentes! Faço teu nariz
sair do outro lado da cara! Corto suas tripas pra vender, seu cretino piolhento, seu desgraçado,
miserável, comedor de merda, filho de uma... (De repente ele percebe que todos os homens
estão olhando fixamente para algo que está bem atrás dele. Ele gira defensivamente, emitindo
um rosnado violento, preparando-se para saltar, seus lábios retraem-se sobre seus dentes e
seus olhos pequenos reluzem ferozmente. Ele vê Mildred, alva como uma aparição na porta
reluzente das fornalhas. Ele fixa seu olhar no olhar petrificado dela. Ela ouviu todo seu discurso
paralizada de horror, toda sua delicadeza fora esmagada, espancada, arruinada pelo impacto
terrível de brutalidade abismal daquele ser nu e sem pudor. Ao olhar aquele rosto de gorila, e
sentir seus olhares se cruzarem, seu corpo consegue emitir um gemido baixo e sufocado,
encolhendo-se para longe, tapando os olhos com as duas mãos para apagar da sua mente
aquela imagem e proteger-se. Sua reação assusta Yank, que sente sua boca se abrir e seus olhos
crescerem perplexos).

MILDRED (Prestes a perder os sentidos, chorosa – para os maquinistas que a carregam pelos
braços) Me levem daqui! Oh, que monstro asqueroso! (Ela desmaia. Eles a carregam
rapidamente para fora, desaparecendo na escuridão à esquerda pelos fundos. Uma porta de
ferro bate fechando-se. Yank toma-se novamente de uma raiva irracional. Ele se sente insultado
de alguma maneira no coração de seu orgulho).

YANK - (Berrando) Vão pro diabo! (E arremessa sua pá em direção a eles, que bate na porta que
acabou de se fechar. Ela bate ruidosamente contra o aço da porta e cai retinindo no chão. Das
alturas, novamente o apito soa, num comando insistente e raivoso).
Quarto Quadro

(Na sala dos foguistas. A equipe de Yank terminou seu turno e acabou de jantar. Seus rostos e
corpos estão brilhando após uma boa ensaboada, mas ao redor de seus olhos, onde a rápida
esfregadela não alcançou, o carvão adere como maquiagem negra, lhes dando um aspecto
estranho e sinistro. Yank não se lavou. Sua figura lúgubre e taciturna é um contraste diante dos
outros. Ele está sentado num dos bancos à frente, parado numa posição que lembra “O
pensador” de Rodin. Os outros, a maioria fumando cachimbos, observam Yank um pouco
apreensivos, como se temessem uma explosão; e um pouco entretidos, como se achassem graça
na situação).

OS HOMENS - Ele não comeu nada.


Diabo, é preciso comer.
Sem dúvida.
Yank se alimenta de fogo.
Ha-ha.
E nem se lavou.
Esqueceu.
Hey, Yank, você esqueceu de se lavar.

YANK - (sombrio) Não esqueci de nada! Que se dane o banho.

OS HOMENS - O carvão vai grudar.


Entra na pele, depois não sai.
E vai te dar uma coceira desgraçada.
Vai ficar cheio de manchas feito um leopardo.
Feito um negrão, você quer dizer.
Melhor se lavar, Yank.
Vai dormir melhor.
Vai se lavar, Yank.
Vai se lavar! Vai se lavar!

YANK - (colérico) Ah, parem com isso. Me deixem em paz. Não veem que eu estou tentando
pensar?

TODOS - (repetindo em coro em tom de cínica zombaria) Pensar! (A palavra repetida em coro
adquire uma qualidade metálica como se suas gargantas fossem cornetas acústicas de
fonógrafo. Segue-se um tumulto de risos altos, que soam como latidos).

YANK - (fica de pé e avança ferozmente) Isso, pensar! Pensar; foi o que eu disse! Algum
problema? (Os homens se calam, intrigados pelo ressentimento do colega que costumava a
fazer piadas nessa situação. Yank senta-se novamente, na mesma pose de “O pensador”).

OS HOMENS - Deixem ele em paz.


Ele vai rosnar.
E com razão.

PADDY - (piscando para os outros) Eu já sei o que tá emperrando. Tá na cara. Está apaixonado,
tô dizendo.

TODOS - (repetindo em coro em tom de cínica zombaria) Apaixonado! (A palavra repetida em


coro adquire uma qualidade metálica como se suas gargantas fossem cornetas acústicas de
fonógrafo. Segue-se um tumulto de risos altos, que soam como latidos).

YANK - (Bufando desdenhosamente) Apaixonado, não! Ódio, isso sim. Estou com muito ódio,
ouviram?

PADDY - (filosoficamente) Só um homem sábio consegue distinguir uma coisa da outra. (Com
um desdém amargo e irônico, que aumenta à medida que ele fala) Mas te digo que isso é
amor. Afinal, o que mais pode fazer uma linda dama, vestida de branco como uma rainha,
descer um quilômetro de degraus e escadas para espiar este bando de pobres diabos nessas
caldeiras? (De todos os lados ouvem-se resmungos raivosos).

LONG - (saltando em pé num banco, agitado) Veio até aqui nos insultar! Nos insultar, aquela
vaca maldita! E os maquinistas miseráveis também! Que direito eles tem de nos exibir como se
fossemos macacos num zoológico? Por acaso está no nosso contrato que nossa dignidade de
trabalhadores honestos seria insultada assim? Está nos regulamentos de bordo? Pode apostar
que não! Mas eu sei por que fizeram isso. Eu perguntei a um garçom do convés quem ela era e
ele me disse. O pai dela é um maldito milionário, um porco capitalista! Eles têm grana o
bastante pra afundar esse navio! É ele quem fabrica metade do aço do mundo! É o dono dessa
droga de navio! E nós, camaradas, somos seus escravos! E os outros também, o capitão, o
maquinista, todos são escravos! E ela é a filha, então somos escravos dela também! E ela
ordena que quer ver os animais aqui embaixo e eles obedecem, trazem ela! (Ouve-se um rugido
raivoso por todos os lados).

YANK - (Piscando perplexo) Diga! Espera um minuto! Isso tudo é verdade?

LONG - Se é! Foi o garçom que serve a família que me contou tudo sobre ela. E o que a gente
vai fazer, eu pergunto? Vamos engolir os insultos como cachorros? Não está no contrato,
vamos meter um processo. Podemos entrar na justiça...

YANK - (com profundo desprezo) Pro inferno a justiça!

TODOS - (repetindo em coro em tom de cínica zombaria) Justiça! (A palavra repetida em coro
adquire uma qualidade metálica como se suas gargantas fossem cornetas acústicas de
fonógrafo. Segue-se um tumulto de risos altos, que soam como latidos).
LONG - (sentindo o chão escorregar sob seus pés… Desesperado) Como eleitores e cidadãos
podemos pressionar o governo...

YANK - (com profundo desprezo) Pro inferno o governo!

TODOS - (repetindo em coro em tom de cínica zombaria) Governo! (A palavra repetida em coro
adquire uma qualidade metálica como se suas gargantas fossem cornetas acústicas de
fonógrafo. Segue-se um tumulto de risos altos, que soam como latidos).

LONG - (histérico) Somos todos livres e iguais perante Deus...

YANK - (com profundo desprezo) Deus que vá pro diabo!

TODOS - (repetindo em coro em tom de cínica zombaria) Deus! (A palavra repetida em coro
adquire uma qualidade metálica como se suas gargantas fossem cornetas acústicas de
fonógrafo. Segue-se um tumulto de risos altos, que soam como latidos).

YANK - (fulminante) Ah, vai seguir o exército da salvação!

TODOS - Senta aí! Cala a boca! Babaca! Advogado de água doce! (Long esquiva-se e se esconde).

PADDY - (Continua profetizando como se nunca tivesse sido interrompido – em tom amargo) E lá
estava ela, em pé atrás de nós, e o maquinista apontando como se estivesse num circo: “Nessa
jaula, temos a mais estranha espécie de macaco que se pode encontrar na África selvagem. Nós
os cozinhamos no próprio suor – e não tenham dúvidas, eles adoram!” (Ele olha para Yank com
desprezo).

YANK - (num grunhido confuso) Ah!

PADDY - E lá estava Yank a resmungar, a praguejar e a chacoalhar sua pá como se fosse


estourar os miolos dela – e ela olhou pra ele e ele para ela...

YANK - (lentamente) Ela estava toda de branco. Pensei que fosse um fantasma. De verdade.

PADDY - (Com sarcasmo pesado) Foi amor à primeira vista, não tenha dúvida! Vocês deviam ver
que adorável quando ela encolheu-se com as mãos pálidas sobre os olhos para não ver a cara
feia dele! Claro, foi como se ela tivesse visto um grande macaco peludo que escapou do
zoológico.

YANK - (Rugindo raivoso) Ah!

PADDY - E que gentileza do Yank arremessar sua pá na direção da cabeça dela, ainda bem que
ela estava quase do lado de fora! (Ele esboça um riso escancarado) foi tocante, tô dizendo!
Aquilo trouxe pras fornalhas um pouco das doçuras da vida familiar. (Forma-se uma grande
onda de gargalhadas).

YANK - (Avançando ameaçadoramente para PADDY) Morde essa sua língua!

PADDY - (sem dar atenção a ele – para os outros) E ela se agarrou ao braço do maquinista, pra
se proteger. (Faz uma imitação grotesca de voz de mulher) Me beije, querido maquinista, está
escuro aqui embaixo e meu papai está em Wall Street ganhando dinheiro! Me abrace forte,
meu amor, estou com medo do escuro e minha mãe está no deck de olho no capitão! (Mais
gargalhadas).

YANK - (ameaçando-o) Olha aqui! O que você está querendo com isso, tirar uma com a minha
cara, hein, sua velha gaita?

PADDY - Claro que não! Queria eu que você tivesse esmagado a cabeça dela!

YANK - (violentamente) É o que eu vou fazer! Ainda esmago a cabeça dela, você vai ver!
(caminhando vagarosamente na direção de Paddy) Me diz uma coisa, foi assim que ela me
chamou, macaco peludo?

PADDY - Ela olhou pra você de um jeito que não precisava nem falar.

YANK - (arreganhando os dentes) Macaco peludo, huh? Claro! Foi assim que ela me olhou,
mesmo. Macaco peludo! Sou eu, então? (Tomado pelo ódio, como se ela ainda estivesse na sua
frente) Aquela vadia magrela! Cara de defunto! Vou mostrar quem é o macaco! (Voltando de
frente para os homens, confuso novamente) Eu estava puto com aquele maldito apito no nosso
ouvido. Vocês viram. Então vi vocês olhando assustados, achei que o canalha tinha descido aqui
pra me enfrentar, eu estava pronto pra mandar ele pro inferno com a minha pá. Foi quando ela
apareceu, naquele clarão. Meu Deus, se alguém tivesse me empurrado com um dedinho, eu
tinha caído na hora. Fiquei assustado, estão me entendendo? Claro! Pensei que fosse uma
assombração! Estava toda de branco, como aqueles lençóis de enrolar defunto. Vocês viram. Eu
tenho culpa? Ela não era desse mundo. E quando eu percebi que era um rabo de saia e não um
fantasma e vi o jeito que ela me olhou – como disse o Paddy - Jesus, eu fiquei puto, entendem?
Eu não aguento desaforo de ninguém. Aí, eu joguei minha pá – se pelo menos eu tivesse
acertado. (Furioso) Eu queria que a pá tivesse acertado nelaI Queria ter arrancado a cabeça
dela!

LONG - E vai acabar em cana ou na cadeira elétrica! Ela não vale todo esse sacrifício.

YANK - Eu não tô nem aí! Eu vou me vingar! Acha que eu vou deixar ela me sacanear assim?
Acha que eu vou deixar ela escapar? Você não me conhece! Ninguém jamais me sacaneaou e se
safou ileso, entendeu? – nem marmanjo e nem franguinha! Eu vou dar um jeito nela! Talvez ela
desça aqui de novo…
VOZES - Sem chance, Yank. Você deu um baita susto nela.

YANK - Eu dei um susto nela? E por quê? Quem é ela afinal? Não é um ser humano que nem eu?
Macaco peludo, né? (Confiante) Vou mostrar que sou muito melhor do que ela, ah se ela
soubesse. Eu faço parte disto aqui e ela não, entendem! Eu me movimento e ela está morta!
Vinte e cinco nós por hora, essa é a minha marcha! Isso que carrega ela, eu que faço. Ela é uma
simples bagagem. Claro! (Novamente perplexo) E como ela é esquisita, Cristo! Viram a mão
dela? Branca e magrela. Dava pra ver os ossos. E o focinho, branco feito um defunto. E os olhos,
arregalados como se ela tivesse visto um fantasma. E era eu! Claro! Macaco peludo! Fantasma,
hein? Olhem pra esse braço! (Estende seu braço direito, inflando seus grandes músculos) Eu
poderia quebrar ela com isso, com o meu dedo mindinho, aliás, quebrar em duas partes. (Ainda
perplexo) Me digam, quem era ela, hein? Ela era o que? De onde ela veio? Quem a fez? Quem
lhe deu o direito de me olhar daquele jeito? Isso me deixou louco! Eu não entendi. Nunca vivi
isso. Pra que serve essa raça? Ela não faz parte disto aqui, entendem? Não consigo enxergar
gente assim. (Com crescente raiva) Mas uma coisa eu digo! Vocês todos podem apostar suas
camisas que eu vou dar o troco. Vou mostrar pra ela. Ela que continue pensando que é o
maestro e eu o instrumento! Eu dou um bom jeito nela! Deixa ela descer aqui de novo que eu a
jogo dentro da fornalha! Aí ela vai acordar! Aí ela não vai se assustar com mais nada! Ela vai
correr mais que essa banheira! Aí sim, vai fazer parte disto aqui! (Ele sorri diabolicamente).

PADDY - Ela não vai voltar. Ela já está satisfeita, tô dizendo. Deve estar na cama agora, com dez
doutores e enfermeiras em volta dela tentando fazer a caganeira passar.

YANK - (com muita raiva) Você também acha que eu deixei ela doente? Só de olhar pra minha
cara? Macaco peludo, né? (Numa agitação raivosa) Eu dou um jeito nela! Faço ela calar a boca!
Ela vai ficar de joelhos e retirar tudo o que disse ou eu arranco a cabeça dela! (Chacoalhando os
punhos de uma mão e batendo no peito com a outra) Eu vou te achar! Vou atrás de você, está
ouvindo? Vou dar um jeito em você, sua desgraçada! (Ele corre para a porta).

OS HOMENS – Agarrem ele!


Vai levar um tiro!
Vai matar a ela!
Passem uma rasteira!
Segurem ele!
Ficou maluco!
Meu Deus, como é forte!
Derrubem ele!
Cuidado que ele dá coice!
Prendam os braços dele!

(Eles se amontoam sobre Yank, depois de uma luta violenta, conseguem imobilizá-lo sob seu
peso e mantê-lo por terra, bem junto à porta).
PADDY - (que ficou imparcial) Deixem ele no chão até esfriar a cabeça. (Com desdém) Ah, Yank,
você é um grande tolo. Fica preocupado com o que diz essa sirigaita magrela que não tem uma
gota de sangue no corpo?

YANK - (agitado, debaixo do amontoado de homens) Ela me sacaneou, me deixou furioso! Mas
ela vai me pagar! Vou dar o troco, de algum jeito! Saiam de cima de mim! Me deixem levantar!
Vou mostrar pra ela quem é o macaco!
Quinto Quadro

(Três semanas depois. Uma esquina da Quinta Avenida, na altura da Rua 50, numa bela manhã
de domingo. A avenida é limpa, bem organizada e ampla; o sol brilha e inunda doce e
suavemente toda a sua extensão; uma brisa sopra de leve. Ao fundo podem-se ver as vitrines de
duas lojas, uma joalheria na esquina e uma loja de peles ao lado. Nas vitrines estão
tentadoramente dispostos itens de extremo luxo. Na vitrine extravagante da joalheria brilham
diamantes, esmeraldas, rubis, pérolas, etc., ornamentando tiaras, coroas, gargantilhas, colares.
Em cada peça uma enorme etiqueta mostra o símbolo do dólar e numerais destacados por luzes
intermitentes que piscam para evidenciar os preços incríveis. O mesmo acontece na outra loja.
Luxuosas peles de todos os tipos estão dispostas sob uma forte luz artificial. O efeito que esse
quadro produz é o de um lugar magnífico e pretensioso que foi tornado vulgar e grotesco pelo
mercantilismo e que está em plena desarmonia com o brilho do sol e a limpidez da rua.

Yank e Long chegam pela rua lateral fazendo pose. Long veste roupas que usa quando está em
terra, uma gravata Windsor preta e um boné de pano. Yank veste sua mesma roupa suja de
trabalho. Seu boné de foguista, com a aba preta, está colocado de lado, desafiadoramente. Tem
a barba por fazer e os olhos cheios de ressentimentos – assim como os de Long, em menor grau
– as manchas pretas da poeira de carvão ainda estão grudadas como maquiagem. Eles hesitam
e param juntos na esquina, estufando o peito, olhando ao redor com um insolente desdém).

LONG - (indicando tudo com gestos oratóricos) Bem, aqui estamos. Quinta Avenida. Aqui é a rua
particular desses porcos. (Com amargura) Somos intrusos aqui. Proletariados não podem pisar
na grama!

YANK - (Sombrio) Não estou vendo grama nenhuma, imbecil. (Fitando a calçada) Que limpeza,
hein? Dá pra comer um ovo frito em cima disso aqui. Devem ter muito trabalho pra limpar tudo
isto. (Percorrendo toda a avenida com um olhar carrancudo) Onde estão os canalhas de
colarinho branco que você falou – e os rabos de saia – que nem ela?

LONG - Na igreja, malditos! Pedindo a Jesus pra dar mais dinheiro pra eles.

YANK - Igreja, é? Eu costumava ir a Igreja uma época – quando eu era pirralho, claro. Meus
velhos me obrigavam. Eles mesmos nunca iam. Estavam sempre de ressaca no domingo, essa é
a verdade. (Com um riso forçado) Eram dois encrenqueiros, isso sim. Quando tomavam seus
gorós na noite de sábado o barraco era pior que luta no ringue do Garden 15. Quando acabavam
não sobrava uma cadeira ou mesa inteira. Ou então, me enchiam de porrada por nada. Foi
nessa época que aprendi a ser castigado. (Forçando o sorriso e se gabando) Tenho a quem
puxar, não acha?

LONG - Seu velho também era do mar?

YANK - Não. Trabalhava em terra. Eu fugi quando minha velha ficou doida e bateu as botas. Me
virava fazendo biscate no porto. Só depois me joguei nas caldeiras. Mas é claro, eu pertenço
àquele mundo, o resto não é nada. (Olhando a sua volta) Eu nunca vim aqui antes. Eu me criei
no cais do Brooklyn. (Respira fundo) Até que aqui não é nada mal, né?

LONG - Nada mal? Pagamos tudo isso com nosso suor, se você quer saber!

YANK - (Com uma súbita raiva) Ah, diabos! Eu não vejo ninguém aqui igual a ela. Tudo isso me
dá nojo. Meu mundo é outro. Me diga, não tem um boteco aqui por perto? Vamos jogar uma
sinuca. Tudo aqui é muito arrumadinho e cheio de frescura, entende! Me dá nojo.

LONG - Espere pra ver…

YANK - Eu não espero por ninguém. Eu sigo em movimento. Me diga, por que você me arrastou
pra cá afinal? Tá tirando uma com a minha cara, seu cretino?

LONG - Você não queria se vingar dela? É o que você vem dizendo todo santo dia, desde que ela
te insultou.

YANK - (veemente) Mas é claro que eu quero! Pois eu não tentei acertar as contas lá no porto?
Você não viu que eu fiquei escondido no píer esperando por ela perto da rampa? Eu ia cuspir
naquela cara branquela, não ia? Mas, não tive chance. Tinha um monte de meganha à paisana
em volta dela. Eles me viram e me chisparam de lá. Não consegui ver ela. Mas eu vou me
vingar, você vai ver! (Furioso) Aquela vaca! Ela acha que vai escapar, eu não vou deixar! Vou
colocar ela no eixo! Vou pensar num jeito!

LONG - (enojado) Mas foi por isso que eu te trouxe aqui, pra te mostrar. Você está olhando essa
história dum ângulo errado. Está agindo e falando como se esse fosse um problema pessoal
entre você e aquela vaca nojenta. Estou tentando te mostrar que ela é apenas uma
representante dessa classe. Quero acordar sua consciência. Assim você vai perceber que é
contra a classe que você tem que lutar, não contra a garota sozinha. Tem uma porção de gente
feito ela, pro diabo todos eles!

YANK - (cuspindo nas mãos de maneira agressiva) Quanto mais, melhor. Que venha a gangue
toda!

LONG - Você vai ver todos eles, assim que saírem da igreja. (Ele se vira e vê as vitrines das duas
lojas) Papagaio! Olhe só pra isso! (Eles retrocedem alguns passos e ficam parados admirando as
jóias. Long aponta para uma pele) Olha só pra isso! Olha! Olha só pra esses preços – mais do
que a gente ganha em dez viagens suando naquele inferno! E eles usam isso aqui pra ostentar,
pra ficar desfilando! Só uma dessas aqui paga o sustento de uma família esfomeada durante um
ano todo!

YANK - Ah, chega dessa choradeira! Pro inferno a família esfomeada! Daqui a pouco vai
começar a pedir esmola. (Com ingénua admiração) Fala aí, essas coisas são bonitas, não? Se
vender vale um bocado de dinheiro. (Ele se vira, entediado) Mas pra que diabos servem essas
coisas? Deixe que ela fique com tudo isso. Isso pertence a eles. (Fazendo uma mímica, como se
estivesse varrendo) Tudo isso não serve pra nada!

LONG - (que está olhando indignado para as peles) E essas aqui, também não servem pra nada
– peles de pobres e inofensivos animais, que foram assassinados só pra que essa gentinha
mantenha o nariz quente!

YANK - (fitando algo do lado de dentro da loja, com estranha excitação) Não! Veja isto aqui! Dá
só uma espiada! Pele de macaco: dois mil dólares. (Perplexo) É mesmo verdadeira essa pele
de macaco? Mas que diabo...?

LONG - (amargo) Deve ser. (Com um humor feroz) Mas será que eles iam pagar isso tudo por
um macaco peludo? Acho que não, nem pela pele e nem por ele todo, com cabeça, tronco e
alma!

YANK - (fechando os punhos e empalidecendo de raiva, como se aquela pele fosse um insulto
pessoal) E ela jogou isso na minha cara! Cristo! Mas eu vou dar o troco!

LONG - (animado) Acabou a missa. Aí vêm eles, esses porcos nojentos. (Dá uma olhada
constrangida para a expressão carrancuda de Yank) Fica calmo, camarada. Controle o seu
humor. Não esqueça que a força pode ser traiçoeira. Não deve ser essa a nossa arma. Devemos
expressar nossas exigências por meios pacíficos – representamos os votos de todos os
trabalhadores do mundo!

YANK - (Com enorme desprezo) Pro inferno os votos! O voto é uma sacanagem. É coisa de
mulherzinha! Deixe que elas voltem!

LONG - (Ainda mais constrangido) Acalme-se, hein. Trate todos eles com o desprezo que eles
merecem. Observe os malditos parasitas, mas não precisa soltar os cachorros.

YANK - (Tomado de raiva) Sai de perto de mim! Seu covarde, é isso que você é. Meu nome é
força! Meu negócio é na porrada! (A multidão que saiu da igreja chega pela direita,
caminhando lentamente e de maneira afetada, suas cabeças estão petrificadamente erguidas,
eles não olham para nenhum dos lados e conversam em vozes tolas e sem tom. As mulheres
estão carregadas de maquiagem, vestidas com o máximo de exagero. Os homens estão vestidos
ao modo de Príncipe Albert16, chapéus altos, polainas, bengalas, etc. O quadro lembra uma
procissão de marionetes cafonas, com um toque do horror implacável, que chegam a lembrar o
Frankenstein).

VOZES – Ah, esse vigário! Ele é tão sincero!


Sobre o que foi o sermão? Eu cochilei.
Sobre os radicais, meu bem, e as falsas doutrinas que vem sendo pregadas.
Precisamos organizar um bazar beneficente que seja só para americanos.
E cada um contribuirá com um por cento do seu imposto de renda.
Que idéia original!
Podemos dedicar a receita à restauração do véu do templo.
Mas isso foi feito tantas vezes.

YANK - (encarando cada um deles com bufos insultantes de desprezo) Huh! Huh! (Parecendo
não vê-lo, eles desviam do caminho para evitar ter que passar perto do ponto onde Yank está
parado, no meio da calçada).

LONG - (amedrontado) Pára com isso, tô te avisando.

YANK - (feroz) Cala a boca! Me deixa em paz! (Ele se afasta orgulhoso e deliberadamente,
esbarra em cheio num cavalheiro de chapéu alto, então o encara com raiva) Em quem você
pensa que está esbarrando? Pensa que é o dono do mundo?

CAVALHEIRO - (Frio e desdenhoso) Queira me desculpar. (Ele não olha diretamente para Yank e
passa sem olhar, deixando Yank muito irritado).

LONG - (aproximando-se rapidamente e agarrando-o pelo braço) Hei, volta aqui! Não foi isso
que eu disse pra fazer. Você vai acabar fazendo os meganhas vir atrás da gente.

YANK - (empurrando-o com violência) Sai fora, cagalhão!

LONG - (recompõe-se e fala histérico) Eu vou me mandar, então. Não era isso que queria fazer.
O que quer que aconteça, você não pode me culpar. (Ele esgueira-se pela esquerda).

YANK – Vá pro inferno! (Ele se aproxima de uma dama com escárnio perverso, lançando-lhe
piscadelas ostensivas) Olá, velhota. Como estão as coisas? Tem alguma coisa pra fazer hoje à
noite? Eu conheço uma velha caldeira abandonada perto das docas onde a gente podia se
meter, que tal? (Ela passa por ele sem olhá-lo e sem acelerar o passo. Yank volta-se para as
outras pessoas, com ar insultante) Cruz credo, que antipática! Vá se esconder antes que os
cavalos se assustem com a sua cara! Virgem Maria, olhem só o traseiro dessa aqui! Parece a
popa de uma barca! Só pintura e pó de arroz! Vestida pra matar! Parece mais um defunto
pronto pra ser levado pro cemitério! Ah, e o que está esperando? Podem ir, todos vocês! Vocês
fazem doer minha vista. Vocês não são gente, entenderam! Não ousam olhar pra mim? Eu sou
gente! (Aponta para um arranha-céu que está sendo construído do outro lado da rua – com
gozação) Estão vendo aquele prédio crescer ali? Estão vendo o esqueleto de aço? Aquele aço
sou eu! Vocês vivem nesse aço e pensam que são alguma coisa de importante. Mas eu faço
parte dele, estão vendo? Eu sou o guindaste que ergue tudo isso! Sou eu… Estou nas entranhas
e no fundo disso tudo! Claro! Eu sou o aço e o vapor e a fumaça e todo o resto! Ela sobe à toda
velocidade – vinte e cinco andares – e eu subo com ela, do chão até o topo - correndo! Vocês
não se movem. São apenas bonecos de corda. Vocês são lixo, estão me ouvindo – a escória – as
cinzas que a gente joga fora! E agora, o que me dizem? (Ao perceber que todos fingem não vê-lo
nem ouvi-lo, ele fica furioso) Miseráveis! Porcos! Vagabundas! Vadias! (Enraivecido, ele se
atira aos homens, esbarrando neles violentamente, mas sem assustá-los. É Yank, aliás, que
recua a cada colisão. Ele continua grunhindo). Sumam da face da terra! Vamos, seus miseráveis!
Não olham por onde andam? Saiam daqui! Por que você não quer brigar? Mostra suas armas!
Não seja covarde! Reaja ou eu te mato! (Fingindo não percebe-lo, todos eles respondem com
uma polidez mecânica e afetada: “Queira me desculpar” De repente, ao ouvir um grito
feminino, todos se voltam para a vitrine da loja de peles).

DAMA - (estática, em êxtase) Macaco! (Toda a multidão repete em coro no mesmo tom de
deleite) Macaco!

YANK - (inclina a cabeça para trás, como se tivesse levado um soco na cara - raivoso) Estou te
vendo, toda de branco! Estou te vendo, sua franga branquela! Macaco peludo, hein? Vou te
mostrar quem é o macaco! (Ele se curva e agarra-se ao meio-fio da calçada como se o
quisesse arrancar e arremessar longe. Não conseguindo, atira-se ao poste de iluminação da
esquina e tenta arrancá-lo para armar-se. Nesse mesmo instante, ouve-se um ônibus se
aproximar. Um cavalheiro gorducho, de chapéu alto e polainas, chega rapidamente de um dos
lados da rua. Ele chama, lamentosamente).

HOMEM - Ônibus! Ônibus! Pare, por favor! (corre a toda velocidade, esbarrando em cheio em
Yank, que perde o equilíbrio).

YANK - (percebendo que pode brigar, salta excitado) Até que enfim! Quer pegar o ônibus, é?
Vou te quebrar! (Dá um terrível soco na cara gorducha do cavalheiro, mas este se mantém
imóvel, como se nada tivesse acontecido).

CAVALHEIRO – Queira desculpar. (Irritadiço) Mas o senhor fez-me perder o ônibus. (Ele começa
a bater as mãos e gritar) Seu guarda! Seu guarda! (Muitos apitos de polícia disparam no mesmo
instante e todo um pelotão aproxima-se de Yank por todos os lados. Ele reluta, mas é atingido
por um cassetete e cai. A multidão que olha as vitrines não percebeu em nenhum momento
toda a confusão. A sirene da viatura aproxima-se de forma estrondosa).
Sexto Quadro

(A noite seguinte. Um corredor de celas da prisão de Blackwell’s Island 17. As celas se extendem
em diagonal da direita, à frente, para a esquerda, ao fundo. Elas não acabam, mas
desaparecem na escuridão, como se continuassem até o infinito. Uma lâmpada pendurada no
teto baixo do corredor estreito ilumina as barras pesadas de aço das celas mais à frente e revela
parte de seu interior. Yank pode ser visto, sentado à beira de sua cama, numa posição que
lembra “O pensador” de Rodin. Sua face está marcada de hematomas escuros. Uma bandagem
ensanguentada está amarrada em volta de sua cabeça).

YANK - (Despertando de repente, como se estivesse sonhando, estende os braços e sacode as


barras – falando consigo mesmo, perplexo) Aço. Então estou no jardim zoológico? (Os
ocupantes ocultos das celas, de um extremo ao outro do corredor, começam a soltar
gargalhadas intensas, que soam como latido e que cessam abruptamente).

VOZES - (em tom de zombaria) Jardim Zoológico? É o novo nome pra essa gaiola? – Muito bom
esse nome!
Aço? Você falou bem. Isso aqui é realmente uma jaula.
Quem é o imbecil que está falando?
É o miserável que trouxeram ontem. Apanhou dos homem que nem cachorro.

YANK - (sombrio) Eu devo estar sonhando. Pensei que isso fosse uma jaula do Jardim Zoológico
– mas macacos não falam, né?

VOZES - (com uma risada debochada) Mas está numa jaula mesmo.
Uma gaiola!
Um galinheiro!
Um estábulo!
Um canil! (Risadas altas – uma pausa).
Diga homem! Quem é você? Não precisa mentir. O que você fez?
Isso, conta pra gente tua triste história. Qual é o teu galho?
Por que te enjaularam?

YANK - (sombrio) Eu era foguista nos transatlânticos. (Com súbita raiva, batendo contra as
barras da cela) Eu sou um macaco peludo, entenderam? E vou acabar com todos vocês se não
pararem de me gozar.

VOZES – Você é valentão mesmo, hein!


Quando você cospe o chão treme! (Risos).
Ah, parem com isso. Ele é um cara normal, não é?
Ele disse que era o que, um macaco?

YANK - (desafiador) Mas é claro! Não é isso que vocês são - macacos? (Silêncio. De repente,
todos começam a bater nas barras).
VOZ 1 - (furioso) Vou te mostrar quem é o macaco, seu miserável!

VOZES - Psiu! Olha a bagunça!


Cuidado com o barulho!
Silêncio18!
Os guardas vão acabar com a gente!

YANK - (com desdém) Os guardas? Você quer dizer o zelador dos animais? (Ouvem-se
exclamações furiosas ao longo do corredor).

VOZ 2 - (pacificamente) Ah, não liguem pra ele. Deve ter ficado lelé com a pancada que levou.
Vamos, meu chapa! Queremos ouvir porque te trouxeram pra cá, você não vai dizer?

YANK - Claro, eu conto. Claro! Porque não? Só que vocês não vão me entender. Ninguém me
entende, só eu mesmo, ouviram? Eu comecei a contar pro Juiz e tudo o que ele me disse foi:
"Trinta dias pra pensar." Pensar! Jesus Cristo, é só isso que eu tenho feito há semanas! (Depois
de uma pausa) Eu estava querendo acertas as contas com uma pessoa, sabe? Uma pessoa que
me sacaneaou.

VOZES - (cínico) A velha história, eu aposto. Sua fêmea, não foi?


Te botou um par de chifres, foi?
É sempre assim que elas fazem.
Você acabou com o outro cara?

YANK - (desgostoso) Ah, vocês estão todos errados! É claro que tinha uma mulher na história –
mas não foi nada disso, nada dessa velha história. Essa era diferente. Estava toda de branco –
nas fornalhas. Eu pensei que era um fantasma. Tô falando. (Pausa).

VOZES - (sussurrando) Xii, ele ainda tá lelé.


Deixa ele viajar. É divertido de ouvir.

YANK - (tentando encontrar as palavras) As mãos dela, elas eram magras e brancas como se
fossem de mentira, como se estivessem pintadas em algum lugar. A gente estava há milhares
de quilômetros um do outro – vinte e cinco nós por hora Ela parecia uma coisa morta. Mas é
claro, ela era de outro mundo. O lugar dela é numa vitrine de loja de brinquedos, ou numa lata
de lixo, ouviram? (Ele grita furioso) Vocês acreditam que ela teve a coragem de me sacanear!
Ela me olhou como se estivesse vendo alguma fera fugir do zoológico. Cristo, vocês deviam ter
visto os olhos dela! (Ele bate furioso nas barras da cela) Mas ela ainda me paga, vocês vão ver!
E se eu não encontrar ela, vou descontar em qualquer um da raça dela. Agora eu sei por onde
eles andam. Eu vou mostrar pra ela quem sou eu! Vou mostrar pra ela quem é que faz esse
mundo andar. Vocês vão ver a fumaça!

VOZES - (alguns sérios e outros brincando) É assim que se fala!


Dê a ela o que ela merece!
E quem era essa, afinal? Quem era?

YANK - Não sei. Uma franguinha da primeira classe. Dizem que seu velho é um milionário, o
nome é Douglas.

VOZES - Douglas? Não é o presidente daquela empresa de aço?


É. Eu já vi o focinho dele nos jornais.
Ele é podre de rico.

VOZ 3 - Hei, camarada, quer um conselho? Se quiser mesmo se vingar dessa garota, é melhor se
juntar à CTM19. Lá eles te ajudam.

YANK - CTM? Que diabo é isso?

VOZ 3 - Você nunca ouviu falar? No sindicato?

YANK - Não. O que é?

VOZ 3 - Uma panelinha aí. Eu tava lendo sobre eles hoje mesmo no jornal. O guarda me deu o
Sunday Times. Tem uma longa falação sobre eles. É de um discurso que um cara chamado
Senador Queen fez lá no Senado. (Ele está na cela vizinha à do Yank. Ouve-se o ruído do jornal)
Espera aí, deixa eu ver se tem luz suficiente aqui, vou ler pra você. Escuta só. (Ele lê): "Existe
hoje em nosso país um perigo que ameaça a existência da nossa bela república e a própria vida
da águia americana: flagelo tão impuro como a conspiração de Catilina20 contra as águias da
Roma antiga!"

VOZ 4 - (com asco) Ah, cai fora. Fala pra ele colocar sal no rabo dessa águia!

VOZ 3 - (lendo): "Eu me refiro a essa diabólica associação de malandros, foragidos da lei,
assassinos e bandidos que difamam todos os trabalhadores honestos se auto intitulando
Central dos trabalhadores do mundo; mas baseado nos seus complôs infames, eu os chamo de
Central dos destruidores do mundo!”.

YANK - (com satisfação vingativa) Destruidores, isso é que é preciso! Isso sim é o certo! Gostei!

VOZ 3 - Ssshh! (continua a leitura): "Essa organização demoníaca é uma úlcera fétida no corpo
de nossa Democracia"

VOZ 5 - Pro inferno a democracia! Vaia nele, camaradas! (Eles vaiam).

VOZ 3 - Ssshh! (continua a leitura): "Assim como Catão21, eu digo ao Senado, precisamos
destruir a CTM! Pois eles representam uma presente adaga apontada para o coração da maior
nação que o mundo já conheceu, onde todos os homens nascem livres e iguais, com as mesmas
oportunidades para todos, onde os líderes garantiram a cada um sua felicidade, onde a
Verdade, a Honra, a Liberdade, a Justiça e a Fraternidade dos homens é uma religião que
absorvemos com o leite materno, que aprendemos sentados no joelho dos nossos pais e que
foi selada, assinada e carimbada na gloriosa constituição dos Estados Unidos da América!"
(Estas palavras desencadeiam uma verdadeira tempestade de assobios, de gritos de animais, de
"hu-hu" e de risos acres).

VOZES - (com desprezo) Viva o Dia da Independência!


Dinheiro para todos!
Liberdade!
Justiça!
Honra!
Oportunidade!
Fraternidade!

TODOS - (com um desprezo abismal) Ah, pro inferno tudo isso!

VOZ 6 - Uma vaia pra esse tal Senador! Todos juntos, um, dois, três... (Ouve-se um terrível coro
de latidos ensurdecedores).

GUARDA - (a certa distância) Quietos vocês! Ou eu vou pegar a mangueira. (O barulho cessa).

YANK - (com crescente raiva) Queria pegar esse senadorzinho de jeito. Eu ia lhe falar umas boas
verdades!

VOZ 3 - Ssshh! É agora que ele ataca o sindicato. (Lendo): "Eles conspiram com fogo numa mão
e dinamite na outra. Para atingir seus objetivos, eles não se detêm nem diante de homicídios
nem diante da violência contra mulheres indefesas. Eles querem destruir a sociedade, substituir
os poderosos pela escória do povo, subverter os planos do Senhor e transformar a nossa amena
e encantadora civilização num açougue, num deserto onde o homem, esta obra-prima de Deus,
logo degeneraria e retornaria ao macaco!”.

VOZ 7 - (para Yank) Olha aí. A história do macaco de novo.

YANK - (com uma fúria crescente) Já entendi. Quer dizer que eles costumam explodir as coisas?
Eles arrebentam com tudo, hein? Hei, deixa eu ver esse jornal?

VOZ 3 - Claro. Passa pra ele. Mas guarde com você. Não queremos ouvir mais nada dessa
baboseira.

VOZ 8 - Aqui está. Esconda debaixo do teu colchão.

YANK - (esticando o braço para pegar) Obrigado. Eu não sei ler direito, mas eu me viro. (Ele
senta, colocando o jornal do seu lado, e para numa posição que lembra “O pensador” de Rodin.
Uma pausa. Ouvem-se vários roncos pelo corredor. De repente, Yank se levanta num salto,
lança um gemido furioso como se um pensamento espantoso tivesse tomado conta de seu
cérebro - perplexo) É isso! O velho é presidente do aço – ele fabrica metade do aço do mundo –
e eu pensava que o aço era o meu mundo, correndo, me movimentando – e tudo isso pra que
ela viesse ao mundo e me jogasse numa jaula e me cuspisse! Meu Deus! (Sacode as barras da
porta da cela com tal violência, que toda a fileira de celas é abalada. Os detentos
despertos ou a ponto de adormecer protestam lançando gritos e exclamações raivosas.)
Ele fez isso aqui, essa jaula! O aço! Então esse não é o meu mundo! Gaiolas, celas,
cadeados, ferrolhos, grades – é isso que ele significa! – eu no fundo do poço e ele lá no topo!
Mas eu dou um jeito! O fogo derrete tudo! Então eu serei o fogo – debaixo de tudo — o fogo
que nunca apaga, quente como o inferno, queimando noite adentro. (Pronunciando estas
últimas palavras, ele sacode as barras da cela com estrondo. Em determinado momento, ele
agarra com ambas as mãos uma das barras e, apoiando seus dois pés contra as outras, ele fica
paralelo ao chão numa posição semelhante a um macaco. A seguir, ele puxa violentamente a
barra para trás. Tamanha é a sua força que a barra enverga como se fosse de alcaçuz. Nesse
mesmo instante, o guarda entra rapidamente carregando uma mangueira de incêndio).

GUARDA - (nervoso) Seus animais! Vocês vão pagar por terem me acordado! (Vendo Yank) Ah, é
você, hein? Está com delirium tremens 22? Pode deixar que eu vou te curar. Vou te livrar dessas
alucinações. (Notando a barra envergada) Porra, olha essa barra entortada! Só um maluco
mesmo pra fazer isso!

YANK - (encarando-o) Ou um macaco peludo, seu meganha nojento! Cuidado! Aqui vou eu! (Ele
agarra outra barra).

GUARDA - (agora assustado – gritando para alguém à sua esquerda) Traga a mangueira, Ben! –
abra no jato mais forte! E chame reforços – precisamos de uma camisa de força! (A Cortina vai
baixando, cobrindo Yank, mas pela sombra vê-se o jato de água batendo furiosamente contra o
aço de sua cela).
Sétimo Quadro

(Aproximadamente um mês depois. Um escritório da CTM perto do cais; o quadro todo mostra o
interior do cômodo no térreo e a rua do lado de fora. A lua brilha sobre a rua estreita, prédios
formam uma massa de sombras negras. O interior do local, que serve como sala de
assembleias, escritório e sala de leitura, lembra um clube de garotos num lugar um pouco
encardido. Há em um canto uma escrivaninha e um banco. No centro há uma mesa com papéis,
pilhas de panfletos e cadeiras ao redor. O lugar é tão vulgar, banal, comum e sem mistérios
quanto um cômodo pode ser. O secretário está empoleirado no banco fazendo anotações num
enorme livro de registros. Uma viseira faz sombra em seu rosto. Oito ou dez homens,
estivadores, ferreiros, etc, estão agrupados em volta da mesa. Dois jogam damas. Um escreve
uma carta. A maioria fuma cachimbo. Sobre a parede dos fundos, um grande letreiro com as
palavras "Central dos trabalhadores do mundo – 57ª seção".

Ao lado de fora, Yank vem descendo a rua. Está vestido como no Quinto Quadro. Ele caminha
cautelosa e misteriosamente. Ele chega à frente da porta; na ponta dos pés, escuta, se
impressiona com o silêncio lá dentro, bate cuidadosamente, como se estivesse tentando
adivinhar a senha de entrada. Continua a ouvir. Ninguém responde. Bate novamente um pouco
mais forte. Ninguém responde. Bate com impaciência, agora bem mais alto).

SECRETÁRIO - (virando-se no banco) Mas que diabo é esse barulho – alguém está batendo?
(Grita): Por que não entra logo? (Todos os homens presentes olham para a porta. Yank entra
devagar e cautelosamente, como se temesse cair numa armadilha. Ele olha em volta, procura
por portas secretas ou qualquer outra coisa misteriosa, mas é surpreendido pela normalidade
do lugar e dos homens presentes; chega a pensar que bateu na porta errada, mas ao ver o
letreiro na parede percebe que está no lugar certo).

YANK - (num impulso) Olá.

OS HOMENS - (reservados) Olá.

YANK - (um pouco menos desconcertado) Pensei que tivesse entrado no lugar errado.

SECRETÁRIO - (examinando-o detalhadamente) É bem possível. Você é sócio?

YANK – Ainda não. Foi pra isso que eu vim, para me inscrever.

SECRETÁRIO - Fácil. Você faz o quê, estivador?

YANK - Não. Foguista de transatlântico.

SECRETÁRIO - (com satisfação) Seja bem vindo à nossa cidade. É bom saber que vocês estão
finalmente acordando. Não temos muitos sócios da sua profissão.
YANK - Não. São todos uns molengas.

SECRETÁRIO – Bem, mas você pode abrir os olhos de seus colegas. Qual é o seu nome? Vou
preencher sua ficha.

YANK - (confuso) Nome? Deixa eu pensar.

SECRETÁRIO - (direto) Não sabe o próprio nome?

YANK - Claro; mas é que me chamam de Yank há tanto tempo... Bob, meu nome é Bob Smith.

SECRETÁRIO - (escrevendo) Robert Smith. (Preenche o resto da ficha) Aqui está. A inscrição


custa cinquenta centavos.

YANK – Só isso… Cinquenta cents? Tranquilo. (Dá o dinheiro ao secretário).

SECRETÁRIO - (joga o dinheiro na gaveta) Obrigado. Bem, fique à vontade. Não há necessidade
de apresentações. Você encontrará o que ler naquela mesa ali. Leve com você alguns daqueles
panfletos para distribuir no navio. Eles talvez tragam bons resultados. Plante a semente, mas
tome cuidado para não ser pego e ser demitido. Já temos desempregados demais. Precisamos
de homens que consigam manter seus empregos e trabalhar para nós ao mesmo tempo.

YANK - Claro. (Ainda em pé, desconcertado e constrangido).

SECRETÁRIO - (olhando para ele com curiosidade) Por que você bateu na porta? Achou que a
gente tivesse um escravo para abrir?

YANK - Não. Pensei que estava trancada… e que vocês fossem me espiar por um olho mágico ou
coisa parecida pra ver se eu podia entrar.

SECRETÁRIO - (alerta e desconfiado, porém com um leve sorriso no rosto) Achou que fosse
brincar de esconder? Aquela porta nunca fica trancada. Quem te pôs essa idéia na cabeça?

YANK - (com um riso forçado, convencido de que se trata da camuflagem normal de uma
sociedade secreta) Tem boi na linha por aqui, né? Os meganhas devem ficar sempre de olho em
vocês.

SECRETÁRIO - (seco) O que que a polícia tem a ver com a gente? A gente não infringe nenhuma
lei aqui.

YANK - (piscando o olho maliciosamente) Claro. Vocês não fazem isso. Claro. Eu já sei.

SECRETÁRIO – Você parece saber de muitas coisas que nenhum de nós aqui sabe.
YANK - (piscando novamente) Ah, tudo bem. (Ele fica um pouco constrangido com os olhares
que lhe são lançados de todos os lados) Não precisam desconfiar de mim. Vocês não veem que
eu sou como vocês? Eu faço parte disso aqui! E sou dos bons! Eu quero ficar! Faço o que vocês
me pedirem.

SECRETÁRIO - (examinando-o com certa satisfação) Esse é o espírito. Mas, você tem mesmo
certeza do tipo de sindicato ao qual você se associou? Tudo é muito claro pra todos aqui, mas
ainda há muita gente que tem uma idéia errada de nós. (Seco) Qual é a idéia que você tem da
nossa associação?

YANK – Ah, eu sei tudo sobre vocês.

SECRETÁRIO - (Sarcástico) Ora, então nos mostre um pouco do seu valioso conhecimento.

YANK - (astuciosamente) Eu sei o suficiente para não dar com a língua nos dentes. (Novamente
ressentido) Ah, digam! Eu sou um dos bons, sei jogar seu jogo. Eu sei que é preciso um pé atrás
com os estranhos. Sei que vocês estão pensando que eu posso ser um tira disfarçado ou coisa
assim, não é? Mas fiquem tranquilos, as pessoas me conhecem! É só perguntar pra qualquer
um lá no porto.

SECRETÁRIO – Quem está dizendo o contrário?

YANK – Depois que eu for iniciado, vou provar pra vocês.

SECRETÁRIO - (surpreso) Iniciado? Não há iniciação aqui.

YANK - (desapontado) Não tem nenhuma senha, aperto de mão secreto, nada disso?

SECRETÁRIO – Quem você pensa que somos? Membros da máfia23?

YANK – Pro inferno a máfia, são todos um bando de covardes. Não, essa é uma gangue de
machos, não é?

SECRETÁRIO – Pode apostar! Por isso damos as caras por aí. Não temos nenhum segredo.

YANK - (surpreso e admirado) Quer dizer que vocês operam sempre às claras?

SECRETÁRIO - Exato.

YANK – Então esse é realmente um grupo de homens.

SECRETÁRIO - (direto) Mas o que fez você querer se juntar a nós? Diga a verdade.
YANK – Você ainda pergunta? Ora, eu também sou homem! Aqui está a minha mão. Vocês
querem mandar as coisas pelos ares, não querem? Pois bem, aqui estou eu! Sou um de vocês!

SECRETÁRIO - (com falsa negligência) Você quer mudar as desigualdades sociais através de
ações legítimas... Ou através de dinamite?

YANK - Dinamite! Varrer tudo da terra… O aço, todas as jaulas, todas as fábricas, os navios,
prédios, as cadeias, a Corporação do Aço e tudo o que faz ela funcionar.

SECRETÁRIO – Então esse é o seu plano, hum? E você tem alguma função específica nesse
esquema que quer nos propor? (Ele faz um sinal aos homens, que se levantam e
cuidadosamente se agrupam atrás de Yank).

YANK - (ousadamente) Claro, deixa eu explicar. Vou mostrar que sou um membro dessa
gangue. Tem um milionário aí, um tal de Douglas…

SECRETÁRIO – Você está falando do presidente da Corporação do Aço? Você quer assassina-lo?

YANK – Não, isso não resolveria o problema. Eu quero é explodir a fábrica, onde ele faz todo o
aço. É isso que eu quero – destruir o aço, mandar todo o aço da terra pro espaço. Isso sim
resolveria o meu problema! (Ávido, com um toque de brincadeira) Eu posso fazer tudo isso
sozinho! Vou mostrar pra vocês! É só me dizer onde é a fábrica, como eu faço pra chegar lá e
tal. É só me dar essas informações e, vocês vão ver, eu faço o resto! Eu não tô nem aí se eles
me pegarem, contanto que eu consiga fazer o que eu quero! Vou pra cadeia por isso, mas vou
rir muito deles! (Em tom mais baixo, quase para si mesmo) Aí eu escrevo uma carta pra ela e
digo que foi o macaco peludo que fez isso. Aí sim, vou dar o troco.

SECRETÁRIO - (se afastando de Yank) Muito interessante. (Ele faz um sinal. Os homens, todos
troncudos, atiram-se sobre Yank e, antes que ele tenha tempo de compreender, imobilizam-lhe
braços e pernas. De qualquer modo, ele está demasiado surpreso para resistir. Eles o apalpam para ver
se porta armas.).

OS HOMENS – Nada de revólver, nem faca. Devemos dar a ele o que merece e mandá-lo para
fora com um pontapé no traseiro?

SECRETÁRIO - Não. Ele não vale a encrenca que a gente pode arranjar. Ele é muito idiota. (Ele se
aproxima e ri debochadamente na cara de Yank) Ho-ho! Meu Deus, essa é a maior piada que
alguém já nos contou. Seu farsante! Quem mandou você aqui, Burns ou Pinkerton24? Não pode
ser, você é muito imbecil, aposto que é do Serviço Secreto! Seu espião desgraçado, seu agente
nojento, pode voltar e dizer pros babacas que estão te pagando pra trair seus colegas foguistas
que eles estão desperdiçando dinheiro. Aqui você não vai conseguir nada. E diga a eles também
que tudo o que eles sabem sobre nós, ou ainda vão descobrir, não são nada mais do que
histórias que eles mesmos inventam pra nos botar no xadrez. Somos aquilo que o nosso
manifesto diz que somos, nem mais nem menos e, se eles quiserem, podemos mandar uma
cópia pra eles, é só pedir. E quanto à você... (Ele olha debochadamente para Yank, que está
num estado de perturbação inconsciente) Ah, pra que vou gastar minhas palavras, você é um
macaco estúpido.

YANK - (Fica furioso ao ouvir a palavra “macaco” e tenta desvencilhar-se em vão) O que você
disse, judeu desgraçado!

SECRETÁRIO – Coloquem ele pra fora, rapazes. (Apesar da resistência de Yank, os homens
lançam-no para fora com ímpeto e violência. Impulsionado pelos vários pontapés, Yank cai no
meio da rua estreita e áspera. Emitindo um grunhido, ele tenta levantar-se e atirar-se contra a
porta fechada, mas detém-se, impedido pelo desarranjo de suas idéias, sua impotência é
patética. Ele se senta incomodado, numa posição que quase lembra aquela de “O pensador” de
Rodin).

YANK – (amargo) Então, eles também acham que eu não sou um deles? Ah, que vão pros
diabos! Eles perderam o rumo, contam as mesmas velhas baboseiras – sobem em caixotes de
sabão, ou agem como se fossem do Exército da Salvação! Dizem por aí: se me cortarem uma
hora de trabalho por dia eu fico feliz! Me deem um dólar a mais por dia e eu fico feliz! Três
refeições por dia, uma horta de repolhos no quintal, igualdade de direitos, uma mulher e filhos,
o direito de votar e eu viverei no paraíso? Ah, que inferno! De que que isso adianta? A gente
precisa de algo aqui dentro, mas não na barriga. De que adianta encher a fuça de café com
bolinhos? É mais profundo. Não se pode pegar, não se pode impedir. É uma máquina, quando
ela mexe, o mundo mexe, tudo mexe. Ela para e o mundo todo para. É isso que está
acontecendo comigo agora, veem? Sou uma droga de relógio quebrado, essa é a verdade. Eu
era o aço, eu era dono do mundo. Agora não sou mais aço e o mundo é que é o meu dono. Ah,
que diabos! Eu não consigo enxergar, está tudo escuro, está tudo errado! (Ele ergue a cabeça
com o olhar amargo como o de um macaco que balbucia para a lua) Hei, você aí em cima, Lua
tão sábia, me dê uma resposta? Me dê o conselho certo - pra onde eu devo ir agora?

POLICIAL - (chega pela rua justamente a tempo de ouvir o final da fala de Yank - com um
humor cruel). Pra delegacia, imbecil, se não levantar já daí! Vamos... Andando!

YANK - (Olhando para ele – com um sorriso amargo). Claro! Pode me levar em cana, me
prender! É a única solução, não é? Vamos, pode me colocar numa jaula!

POLICIAL – O que andou fazendo?

YANK – O bastante para ser condenado à morte! Eu nasci, entendeu? Isso, esse é o meu crime.
Pode anotar aí. Eu nasci, ouviu?

POLICIAL - (jocosamente) Deus tenha pena da sua mãe! (Verdadeiro) Mas não tenho tempo
pras suas piadinhas. Você está bêbado. Eu podia prender você, mas é uma longa caminhada até
a delegacia. Vamos logo, levante ou meto esse cassetete na sua orelha. Anda, vaza! (Ele arrasta
Yank pelos pés).
YANK - (num tom vago de zombaria) Me diga, pra onde eu devo ir agora?

POLICIAL - (empurrando-o, com indiferença) Vá pro inferno.


Oitavo Quadro

(Ao crepúsculo do dia seguinte. Na seção dos macacos no zoológico. Um raio de luz cinza cai
sobre uma das jaulas, deixando visível seu interior. As outras jaulas estão escondidas,
encobertas pela sombra, de onde se pode ouvir o barulho dos macacos, como se conversassem
entre si. Na jaula iluminada pode-se ver uma placa com a palavra ”gorila" em destaque. Vemos
o gigantesco animal agachado sobre um banco numa posição que lembra “O pensador” de
Rodin. Yank entra pelo lado esquerdo. Imediatamente ouve-se o barulho e a agitação dos
macacos. O gorila mexe os olhos, mas não emite nenhum som).

YANK - (com uma risada forte e amarga) Eu sou bem-vindo aqui no seu mundo, não sou? Olhe
só, a gangue toda reunida! (Ao som da sua voz, o tagarelar dos macacos cessa pouco a pouco
para dar lugar a um silêncio atento. Yank aproxima-se da jaula do gorila e, inclinando-se sobre o
parapeito, contempla o animal, que, silencioso e imóvel, por sua vez o contempla. Durante um
momento, a calma é absoluta. Depois Yank põe-se a falar com voz amistosa, num tom de
confiança misturada com ironia, porém com um toque de simpatia profunda). Mas veja só, você
é um pouco carrancudo, não? Já vi muito valentões serem chamados de gorila, mas você é o
primeiro gorila de verdade que eu vejo na vida. Que peito largo que você tem, e seus ombros...
olha só esses braços e munhecas! Aposto que seu soco derruba qualquer um de primeira!
(Pronuncia estas palavras num tom de admiração sincera. Como se compreendesse, o gorila se le-
vanta arqueando o peito, sobre o qual vibra grandes golpes de punho. Yank ri com simpatia) É
isso, eu te entendo. Você desafia o mundo inteiro, hein? E você compreendeu o que eu disse,
mesmo não sabendo a minha língua. (Sua voz adquire certa amargura) E porque você não me
entenderia? Afinal, somos membros do mesmo clube, os Macacos Peludos, não é mesmo? (Eles
se olham fixamente - uma pausa – Yank continua a falar devagar e amargamente) Foi você que
ela viu quando olhou pra mim, aquela branquela azeda! Para ela, eu sou como você. Só que não
estou numa jaula, estou solto, livre pra acabar com a vida dela! Foi isso que ela pensou. Mas ela
não sabia que eu também estava numa jaula, uma bem pior do que a sua, com certeza! Porque
você ainda tem chance de escapar, mas eu… (Confuso) Diabos, está tudo errado, não está?
(Uma pausa) Eu creio que você queira saber o que eu estou fazendo aqui, não quer? Eu estava
dormindo num banco do parque desde a noite passada. Eu vi o sol nascer. Foi bonito… tudo
colorido de vermelho, rosa e verde. Eu estava olhando para os arranha-céus – todos de aço – e
todos os navios atracando, zarpando, para todos os lados do mundo – e eles são feitos de aço
também. O sol estava quente, não tinha nenhuma nuvem no céu, só uma brisa leve. Foi muito
bom. Eu entendi direitinho o que o Paddy falou sobre esse troço de vida ao ar livre e tal, mas
antes eu não entendia, sabe? Eu não pertencia a esse mundo. Ele estava acima da minha
cabeça. E me pus a pensar, então decidi vir até aqui ver como você era. Eu esperei todo mundo
ir embora até vocês ficarem sozinhos. Me diga, como você se sente sentado aí o tempo todo,
tendo que aguentar um bando de gente vindo aqui olhar você – as branquelas, as magras
azedas e os cretinos que casam com elas – todos eles rindo de você, se assustando com você –
que o diabo os carregue! (Ele esmurra a grade. O gorila sacode as barras e grunhe. Os outros
macacos começam a fazer barulho ao fundo. Yank continua a falar animado) Sim! Eu sinto a
mesma coisa que você. Mas você tem sorte, viu? Você não faz parte do mundo deles e já sabe
disso. Mas eu, eu tenho que viver com eles, mas na verdade eu não vivo com eles, entende? A
verdade é que eles é que não vivem comigo. Aí está. Você tá me entendendo? É dureza de
explicar… (Ele passa a mão pela testa, numa atitude de profundo penar. O gorila começa a ficar
impaciente. Yank prossegue) O que eu quero dizer é que você pode ficar aí sentado, sonhando
com o passado, com as florestas verdes, a selva e todo o resto. Esse é o seu mundo e não o
deles. Desse jeito, você é que pode rir deles, entende? Você é o campeão do mundo. Mas eu,
eu não tenho um passado pra recordar, e nada no futuro pra esperar, só tenho o agora e mais
nada. Sem dúvida, você é o melhor de nós dois! Você não consegue pensar, certo? E também
não consegue falar. Mas eu posso enganar com a minha fala e o meu pensamento, posso
mentir e me safar, na maioria das vezes – e é isso que é engraçado. (Ele ri) Eu não estou na
terra e nem no céu. Estou no meio, entre um e outro, tentando separar os dois. Talvez seja isto
o que eles chamam de inferno, né? Mas você, você está na origem de tudo. Você está no seu
lugar. Você é o único no mundo que tem essa vantagem, seu sortudo miserável! (O gorila
grunhe com orgulho) É por isso que eles querem te colocar na jaula, entendeu? (O gorila emite
seus grunhidos agora mais irritado) Mas é claro que você me entende. Você faz barulho quando
tá tentando pensar ou falar, está bem no fundo, dentro de você, mas a gente sente! Certo!
Somos membros da mesma gangue! (Ele ri – depois fala em tom de selvageria) Que diabo
estou dizendo? Pro inferno tudo isto! Um pouco de ação, é o que pre cisamos! Este é o
nosso negócio! Meter porrada neles e continuar batendo até nos derrubarem com uma barra
de aço! Você topa? Eles ficam olhando pra você nessa jaula, não ficam? Quer dar o troco? Quer
acabar como um campeão ao invés de ficar definhando aí dentro? (O gorila ruge como se
estivesse respondendo afirmativamente a pergunta de Yank. Yank prossegue com uma
exaltação furiosa) É isso! Você é macho! Você luta até o fim! Eu e você, hein, somos membros
do mesmo clube! Vamos lutar e no fim vamos nocautear eles! Depois terão que fabricar jaulas
mais fortes pra nós! (O gorila sacode as barras, grunhindo e saltando de um pé para outro, Yank
tira um pé-de-cabra do bolso e força a fechadura da jaula até abri-la completamente.) Venha pra
cá apertar minha mão. Vou te levar pra dar uma volta na Quinta Avenida, cortesia do
governador. Podemos varrer essa gente da face da terra e depois batemos as botas e ganhamos
um enterro com direito à trilha sonora. Vamos lá, irmão. (O gorila sai cautelosamente da jaula.
Avança em direção a Yank e detém-se a contemplá-lo. Yank continua a falar em tom de zombaria,
estendendo-lhe a mão) Venha fazer o aperto de mão secreto da nossa confraria. (Subitamente,
algo irrita o animal, talvez o tom de zombaria de Yank. Em um salto, ele envolve Yank em seus
braços enormes, num abraço mortal. Ouve-se um ruído seco de costelas que se partem e um
grito convulsivo, ainda irônico, de Yank) Hei, eu não disse pra você me beijar! (O gorila deixa
escorregar para o chão o corpo esmagado de Yank; inclina-se sobre ele com um ar hesitante,
parecendo refletir; depois o apanha, atira-o dentro da jaula, fecha a porta e, ameaçador, desaparece
na escuridão à esquerda. Das outras jaulas ouve-se um grande alarido: os macacos, amedrontados,
guincham e choramingam. Neste instante, Yank faz um movimento; geme, abre os olhos, depois há
um silêncio. Ele murmura penosamente) Hei, deviam levar você pra um ringue de luta. Ele me
pegou, de verdade. Estou quebrado. Até ele acha que não faço parte do seu mundo. (De
repente em tom de veemente desespero). Jesus, pra onde é que eu posso ir? Onde é que é o
meu lugar? (Observando-se de súbito) Ah, que diabos! Sem lamentações, viu! Nada de entregar
o jogo, tá me ouvindo? Deve-se morrer com a cabeça erguida! (Agarra-se fortemente às barras
da jaula e arduamente põe-se de pé, depois olha ao redor com perplexidade e força num riso
irônico) Ah é, estou numa jaula, né? (Com a voz estridente de um apresentador de circo)
Senhoras e Senhores, venham dar uma espiada no legítimo, no único... (Sua voz vai
enfraquecendo) no original – Macaco Peludo das florestas... (Ele escorrega e cai no chão, morto.
Os macacos põem-se a guinchar e choramingar. E, talvez, o Macaco Peludo tenha finalmente
encontrado o seu lugar).
Notas da tradução
1
– A palavra usada no original, “comedy” tinha duplo significado na época desse texto. Além de
denominar o gênero “comédia”, a palavra era usada para definir um texto teatral, por isso optei
por traduzir como “texto dramático”. Claro esteja que não estamos falando de gênero
(dramático, e muito menos cômico), pois essa é uma das peças trágicas de O’Neill.

2
– No original ele usa o termo “promenade deck”, cuja tradução fiel retirada da linguagem
náutica é “cobertura de recreio”, trata-se de uma seção na parte superior lateral do navio, onde
passeiam os passageiros. Optei por “Convés superior” por questões estéticas.

3
– A grafia do original, em quase todos os personagens, remete a uma peculiaridade na
pronúncia das palavras de língua inglesa com os sotaques diversos: irlandês, polonês, alemão,
sueco, italiano, etc. Optei por deixar a grafia limpa, sem encaixar sotaque equivalente em
português, deixando isso a cargo dos atores e do diretor da montagem.

4
– Apesar de não sugerir nenhum sotaque ou peculiaridade na pronúncia, traduzi as falas da
maneira mais coloquial possível, mantendo essa como a característica desses personagens
rústicos.

5
– A expressão “Salute!” no idioma italiano significa “Saúde”, no contexto de brinde,
comemoração.

6
– A expressão “Gesundheit!” no idioma alemão também significa “Saúde”.

7
– Skoal – é uma expressão de origem nórdica, usada na Finlândia, Dinamarca, e em alguns
outros países dessa região para brindar em comemorações. Segundo conta a história, os
bábaros, em suas festas, usavam crânios de prisioneiros mortos para colocar a bebida. A
palavra ‘crânio’ em inglês é ‘skull’, que deriva provavelmente da palavra scandinava ‘skalli’ ou
de uma outra palavra nórdica ‘skulle’, daí a expressão ‘skoal’.

8
– “Hook” é o nome de uma região marítima em New Jersey, EUA, onde há o famoso Farol de
Sandy Hook, que atrai turistas o ano todo.

9
– No original em francês: “Cochon”.

10
– Caruso de Irlanda - Enrico Caruso foi um tenor italiano, considerado o maior intérprete da
música erudita de todos os tempos. A expressão faz uma brincadeira com o nome do cantor e o
fato de Paddy ser da Irlanda.

11
– O Cabo Horn é um lugar mítico para os navegadores. Desde que foi descoberto em 1616, as
dificuldades que os marinheiros e os navios têm de enfrentar por causa da sua orografia e
meteorologia peculiares transformaram a sua travessia numa das mais temidas da história das
navegações.
12
– O “Holandês voador” ou, no original “The Flying Dutchman”, é um navio fantasma de uma
lenda do folclore holandês. Conta-se que certo Capitão de um navio da marinha holandesa
desejava dobrar o Cabo da Boa Esperança, prometendo para isso navegar eternamente. O
Diabo assim condenou-o a viajar pelos mares até o dia do Juízo Final sem esperança de
redenção, a menos que encontrasse uma mulher que fosse capaz de amá-lo até a morte.
Apenas de sete em sete anos esse Capitão é autorizado a ir a terra para tentar encontrar essa
mulher que o redimirá.

13
– “Miller of Dee” é uma canção folk tradicional da região de Chester, Noroeste da Inglaterra.
14
– Existe no original um trocadilho com as palavras “amenities” e “inanities”. A
tradução não está literal a fim de preservar a brincadeira com a rima.

15
– Garden – Refere-se ao Madison Square Garden, um dos mais famosos estádios de Nova
York, palco de jogos, shows e lutas esportivas.

16
– Vestir-se ao modo de Príncipe Albert, na época, significava usar um casaco típico do período
vitoriano denominado Frock coat.

17
- Roosevelt Island, conhecida como Welfare Island de 1921 até 1973, e antes como
Blackwell's Island, é uma estreita ilha, com três quilômetros de comprimento no East River, em
Nova Iorque. Localiza-se entre a ilha de Manhattan e o bairro do Queens, ao leste.

18
– No original em italino “Piano”, que significa “devagar, lento, suave”.

19
– No original o autor usa a denominação Wobblies ou I.W.W. - Industrial Workers of the
World - Trabalhadores Industriais do Mundo — é um sindicato adepto da teoria sindicalista
revolucionária (democracia laboral e autogestão trabalhadora), que tem sua origem nos
Estados Unidos. Seus anos de maior notoriedade e influência vão de 1905 até que foram
fortemente reprimidos nos anos de 1920. Optei por adaptar a sigla para CTM, Central dos
trabalhadores do mundo, em referência aos sindicatos brasileiros.

20
– Lúcio Sérgio Catilina foi um cidadão romano descendente de troianos. De família pobre,
Catilina teria iniciado desde cedo uma vida de crimes e vícios. Apoiou Lúcio Cornélio Sula,
tornando-se seu agente. Durante as proscrições deu demonstrações de ambição e crueldade.
Em 77 a.C., foi questor, em 68 a.C. pretor e em 67 a.C./66 a.C., governador da África. Tentou ser
nomeado cônsul, sem sucesso. Irritado e pressionado por dívidas, não viu outra saída a não ser
através de uma conspiração, na qual reuniu jovens nobres e arruinados. No entanto, a tentativa
de assassinato dos dois cônsules designados falhou, juntamente com sua candidatura para
cônsul. Quando amigos de Catilina começaram a se sublevar, Cícero - o cônsul escolhido -
conseguiu plenos poderes e interpelou Catilina em pleno Senado: “Qvosque tandem abvtere,
Catilina, patientia nostra?” (Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?). Travou-se
então uma longa batalha entre os dois que durou até a morte de Catilina em 62 a.C..
21
– Marco Pórcio Catão (em latim: Marcus Porcius Cato) também conhecido como Catão, o
Velho ou o Censor foi cônsul de Roma em 195 A.C..

22
- O delirium tremens é uma psicose causada pela abstinência ou suspensão do uso de drogas
ou medicamentos freqüentemente associada ao alcoolismo. Assim, é uma forma mais intensa e
complicada da abstinência. Delirium é um diagnóstico inespecífico em psiquiatria que designa
estado de confusão mental: a pessoa não sabe onde está, em que dia está, não consegue
prestar atenção em nada, tem um comportamento desorganizado, sua fala é desorganizada ou
ininteligível. A abstinência e várias outras condições médicas não relacionadas ao alcoolismo
podem causar esse problema. Como dentro do estado de delirium da abstinência alcoólica são
comuns os tremores intensos ou mesmo convulsão, o nome ficou como Delirium Tremens.

23
– No original o autor menciona duas instituições: O Elks, que é um sindicato Americano de
trabalhadores que possui mais de um milhão de membros. E o Black Hand, que é uma
sociedade militar secreta formada por soldados do exército do reino da Sérvia, fundada em
1901.

24
– Burns e Pinkerton são sistemas governamentais de segurança que reforçam o controle
policial durante manifestações e greves sindicais nos EUA.

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