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Criação

musical e
arranjo

Indaial – 2023
Copyright © 2023

Elaboração:
Prof. Alexandre Luís Vicente

U58 Universidade Cesumar - UniCesumar.


Criação Musical e Arranjo / Alexandre Luís Vicente. -
Indaial, SC : Arqué, 2023.
209 p. : il.

ISBN papel xxxxxxxxxxxxxxx


ISBN digital xxxxxxxxxxxxxxx

“Graduação - EaD”.
1. Criação 2. Música 3. Arranjo. 4. Sonoridade. 5. Alexandre
Luís Vicente. I. Título.

CDD - 781.8

Núcleo de Educação a Distância.

Bibliotecária: Leila Regina do Nascimento - CRB- 9/1722.

Ficha catalográfica elaborada de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

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SUMÁRIO
UNIDADE 1 - CRIAÇÃO DE ARRANJOS....................................................................1
TEMA 1: TEORIA: CONCEITOS DE ARRANJO............................................................................3
TEMA 2: PRÁTICA: AUDIÇÃO E ANÁLISE................................................................................ 29
TEMA 3: SONORIDADES CULTURAIS, INTERNACIONAIS E ORIENTAIS............................51

UNIDADE 2 — O ARRANJO E A COMPOSIÇÃO NO CONTEXTO EDUCACIONAL.......... 75


TEMA 1: PLANEJAMENTO E ADAPTAÇÃO DO ARRANJO....................................................77
TEMA 2: ARRANJO E COMPOSIÇÃO NA ESCOLA................................................................ 95
TEMA 3: APLICAÇÃO NA ESCOLA: EXEMPLOS PRÁTICOS E ATIVIDADES.................... 115

UNIDADE 3 — TÉCNICAS DE COMPOSIÇÃO........................................................ 141


TEMA 1: TEORIA DAS ESTRUTURAS MELÓDICAS.............................................................. 143
TEMA 2: PRÁTICA - CONSTRUÇÃO DE MELODIAS: AUDIÇÃO E ANÁLISE....................157
TEMA 3: A CONSTRUÇÃO DAS HARMONIAS........................................................................179
CRIAÇÃO DE
ARRANJOS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo, você deverá ser capaz de:

• reconhecer técnicas de arranjo;

• compreender, teoricamente, conceitos ligados à prática;

• apreciar e identificar técnicas de arranjo através da leitura e da audição;

• analisar arranjos musicalmente;

• aplicar técnicas de arranjo em diversos níveis e contextos;

• conhecer e compreender sonoridades da cultura brasileira, internacionais e orientais.

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TEORIA: CONCEITOS DE ARRANJO

1 INTRODUÇÃO

Uma cena habitual, para quem trabalha com a prática musical e é ligado à área
do arranjo e composição, é ter, em mãos, um repertório composto ou escrito no perfil da
melodia acompanhada – os conhecidos lead sheets – com apenas melodia e harmonia.
A composição, geralmente, parte desse embrião, e nem sempre temos disponíveis
repertórios já arranjados previamente, escritos para formações que precisamos e que
sirvam como uma luva ao nosso contexto de trabalho.

Se estivermos no papel de professores em sala de aula ou no de produtores de


um trabalho artístico, a questão comum que se coloca é: como resolver, musicalmente,
um repertório para grupos tão variados?

Nesses ambientes, encontraremos alunos e instrumentistas de todos os níveis


de experiência, bagagens, origens, gostos, objetivos e possibilidades técnicas. Vamos
nos deparar com qualquer tipo de formação em sala de aula. E quanto a produzir e
arranjar um disco de um artista que é excelente cancioneiro, mas não sabe se expressar
teoricamente? Normal. Ou algo mais raro, o privilégio de escrever para um grupo de
músicos virtuosos em uma gravação, que leem e tocam qualquer coisa que a criatividade
do arranjador puder alçar voo em forma da mais absoluta arte?

A questão central é: como fazer música em grupo, a partir de uma simples cifra/
melodia, produzindo uma boa sonoridade dentro de tantas possibilidades individuais, e
realizar uma prática em conjunto que extraia o melhor de cada um? Nesses contextos, o
ideal é dominarmos uma série de ferramentas para tratar de um repertório, arranjando e
adaptando dentro da possibilidade do grupo em questão, independentemente de níveis, e
estando sensíveis às possibilidades de exploração de cada instrumento e instrumentista.

Tenha sempre em mente que, ao acompanhar o seu livro, os conceitos


aqui apresentados podem ser utilizados em duas direções: sofisticar ou simplificar.
Independentemente do repertório ou grupo em questão, são ferramentas musicais
aplicáveis em qualquer contexto, seja uma big band, um grupo de flautas doces, uma
banda de rock ou uma orquestra.

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2 FORMA
A etapa inicial e o ponto de partida para compreendermos um arranjo e uma
composição são a noção da forma. A partir de um entendimento do macro, podemos
melhor planejar, programar-nos, termos uma noção do todo e, com isso, preparar
arranjos, ensaios, aulas e a nossa didática para chegar ao micro. Entender a forma de
uma obra é como ter em mente um mapa para guiar e poder guiar, com segurança,
músicos e alunos nos caminhos de uma composição e de um arranjo.

NOTA
A forma é o nome dado à estrutura geral de uma música, compreendida
em partes, subdivisões ou seções.

Nomes muito conhecidos, que, na verdade, são formas, frequentemente, chegam


aos nossos ouvidos como na música popular: a canção, o blues de 12 compassos, o rhythmn
changes, o rondó, ou na música erudita, como a sonata, a fuga, a suíte, o minueto.

No dia a dia musical, vários nomes são usados para identificar a mesma seção,
sinônimos como:

• Introdução: intro, começo.


• A: início da letra, entrada do cantor, head, cabeça.
• B: segunda parte, ponte, bridge ou pré-refrão.
• C: refrão, chorus, coro, clímax.
• Interlúdio: intermezzo, especial.
• Solo: improviso, soli, chorus.
• Fim: coda, cauda, rabo, ending, end.

DICA
Para identificar as seções, fique atento à unidade ou contraste; semelhança ou
diferença entre as partes; lógica e coerência em uma mesma parte. Onde? No
perfil melódico e perfil harmônico, quadratura, rimas, simetria, proporção no
número de compassos, fechamento de ideias ou novas ideias em elementos,
como altura, timbre, intensidade, instrumentação, textura e densidade.

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Na prática, nomeamos e identificamos as seções pelas chamadas letras de
ensaio, que podem ser acompanhadas dos números de compasso.

A seguir, traremos de algumas das formas mais conhecidas e utilizadas na


prática. Acompanhe os áudios sugeridos e tente perceber a forma a partir das dicas, de
ouvido. Pesquise e visualize a forma em cifras, partituras e letras sempre.

• Forma simples – A

Constituída de uma única seção, que não permite subdivisões e o sentido


se completa apenas no inteiro. Pode ser repetida inúmeras vezes, e ter todo tipo de
extensão. Exemplos: Asa Branca (Luís Gonzaga), Pride and Joy (Albert King).

• Forma binária – A B ou A A B B

Duas partes claramente divididas, percebidas no contraste e diferença de


elementos. Nas danças de salão da música europeia, sarabanda, corrente e bourrée
sempre ocorre na forma binária. Na música popular, o tipo de música que se organiza
em estrofe-refrão. Exemplos: Alvorada (Cartola), Minueto em G - BWV 114 (J. S. Bach)

• Forma ternária – A B A ou A B C

Três partes, ou melhor, apenas duas seções repetidas em três partes, como: A
B A ou AABA ou AABBAA, que são formas ternárias. No entanto, duas partes repetidas
assim, A B A B A B A B ou AAAABBBB, constituem uma forma binária. Exemplos: Opus
39 nº 16 (Tchaykovsky), Enter Sandman (Metallica)

• Canção – A A B A ou A B A C

O famoso termo “canção”, muito usado como um sinônimo de música cantada,


em geral, é, na verdade, uma forma, e não é necessário que tenha voz. É um formato,
em primeiro lugar. Possui, geralmente, 32 compassos, oito para cada seção. É ternária
A B A, com uma repetição – A A’ B A. Exemplos: Bananeira (João Donato e Gilberto Gil),
What a Wonderful World (Bob Thiele).

IMPORTANTE
O sinal de apóstrofe, como em A’, é usado em esquemas de forma
para indicar que é realmente uma repetição, mas com alguma ligeira
modificação, que não é o bastante ou necessário para nomear uma
seção nova. Em uma canção, é muito comum que o segundo A tenha
um fechamento diferente, que encerra e indica a novidade da seção B. O
último A pode ser uma repetição do primeiro ou do segundo, como AA’BA’.

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O formato A B A C também é conhecido como canção, especialmente, pelo
número de compassos, e por possuir três partes diferentes. Exemplos: Corcovado (Tom
Jobim), Four (Miles Davis)

• Rondó – A B A C A

O rondó é caracterizado, em primeiro lugar, na repetição de uma seção


intercalada por seções diferentes: ABACADAEAFA... No caso anterior, a seção A está
sempre intercalada por novas partes. Muito conhecida nas danças de salão europeias,
acomodou-se no Brasil, no choro, onde é ouvida constantemente na variação
AABBACCA. Exemplos: Um a zero (Pixinguinha), Tico-tico no fubá (Zequinha de Abreu)

• Forma livre

Não necessariamente, uma composição precisa ter repetição. Se a ideia ou


vontade do compositor assim for, pode não haver uma lógica, ou haver sempre uma
nova seção, como ABCDEFG, ou até seções improvisadas. Exemplos: Taiane (Hermeto
Pascoal), Vai Passar (Chico Buarque e Francis Hime).

• Seções acessórias: introdução, interlúdio, solo, final ou coda

É um termo usado em seções ligadas ao trabalho do arranjo. São seções muito


usadas, que se somam à forma da composição para o enriquecimento.

o Introdução: prepara o ouvinte para o que virá pela frente, estabelecendo


uma conexão com algum material melódico, ou rítmico, ou harmônico do
corpo geral da obra.
o Interlúdio: é uma seção escrita e composta para um ou mais instrumentos,
geralmente, do centro para o fim de uma peça e é exposto uma única vez.
Também pode servir como um momento central para introduzir modulações e
preparar novidades.
o Solo: trecho de destaque a um instrumento, no qual um músico improvisa
melodicamente ou compõe algo previamente, que pode abarcar a forma
inteira, ou algum trecho específico da música.
o Final ou coda: proporciona sensação de encerramento e traz, muitas vezes,
um material novo e exclusivo nessa seção. O coda é representado por um
sinal que indica o pulo para o fim de uma música ao longo de uma partitura.

• Exemplo da forma de um arranjo completo: Coisa nº 5 (Moacir Santos):


o Introdução – A A’ B A’ – Interlúdio – A A’ B A’ – Coda [Faixa 1]

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DICA
Ouça o áudio e perceba que, na verdade, a composição de uma canção
– a forma A A’ B A’ – é acrescida de seções acessórias, formando um
arranjo completo.

3 REARMONIZAÇÃO
Rearmonizar se trata de alterar a harmonia de uma composição. Utilizaremos,
aqui, uma dentre tantas maneiras: a rearmonização funcional. Com essa ferramenta,
a ideia é trocar um acorde por outros de mesma função harmônica, livremente, o que
sempre vai dar certo.

Podemos compreender e aplicar a rearmonização em duas direções opostas:


redução ou expansão. Como exemplos práticos: no primeiro caso, podemos simplificar
30 acordes complexos de uma canção de Tom Jobim para permitir que um grupo de
crianças, que conhece apenas três acordes, tenha contato com o vasto repertório do
autor. Sendo com a corda solta ou, em outra direção, transformar uma simples canção
pop em um arranjo sofisticado e dissonante.

Partiremos da compreensão de que, em uma música tonal, temos apenas três


sensações: subdominante, dominante e tônica. É a máxima conhecida de que “só
existem três acordes” (FREITAS, 2010, p. 816).

Vejamos algumas leis gerais para entender as funções harmônicas:

• Exemplos em Dó:
o Subdominantes (S): tétrades do campo harmônico que possuem a quarta
da tonalidade, a nota Fá – sensação de movimento.
o Dominante (D): tétrades do campo harmônico que possuem o trítono da
tonalidade, as notas Fá e Si – sensação de tensão.
o Tônicas (T): tétrades do campo harmônico que sentimos ausência de
tensão – ausência da nota Fá e do trítono – sensação de repouso.

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TABELA 1 – FUNÇÕES DO CAMPO MAIOR

Funções Graus Caracterização funcional

Ausência da quarta nota da escala


TÔNICA Imaj7; VIm7; IIIm7
(nota Fá em Dó Maior)
Presença da quarta nota da escala (nota
SUBDOMINANTE IVmaj7; IIm7 Fá em Dó Maior) e ausência da sétima
nota da escala (nota Si em Dó Maior)
Presenças da quarta nota da escala (nota
DOMINANTE V7; VIIm7(b5) Fá em Dó Maior) e da sétima nota da
escala (nota Si em Dó Maior)

FONTE: Freitas (1995, p. 31)

• Exemplos em Dó menor:
o Subdominantes (S): tétrades do campo harmônico que possuem a sexta
da tonalidade, nota lá bemol ou lá natural – sensação de movimento (note
que é a quarta de Mi bemol maior, o relativo de Dó menor).
o Dominante (D): tétrades do campo harmônico que possuem o trítono da
tonalidade com as notas Fá e Si – sensação de tensão (mesma regra de
Dó maior).
o Tônicas (T): tétrades do campo harmônico que sentimos ausência de tensão
– ausência sexta da tonalidade, nota Lá bemol – sensação de repouso.

TABELA 2 – FUNÇÕES DO CAMPO MENOR NATURAL, HARMÔNICO E MELÓDICO

Im7 bVII7
bIImaj7 bIIImaj7 IVm7
Im(maj7) V7 bVImaj7 bVIImaj7
IIm7(b5) bIIImaj(#5) IV7
Im6 VII°

Funções Graus Caracterização funcional

Im7; Im(maj7); Im6;


Ausência da sexta menor da escala
TÔNICA bIIImaj7;
(nota Láb em Dó Menor)
bIIImaj7(#5)

IIm7(b5); bIImaj7;
Presença da sexta nota da escala (nota
SUBDOMINANTE IVm7; IV7; bVImaj7;
Láb ou Lá natural em Dó Menor)
bVII7; bVIImaj7
Presenças da quarta nota da escala (nota
DOMINANTE V7; VII° Fá em Dó Menor) e da sétima nota da
escala (nota Si natural em Dó Menor).

FONTE: Freitas (1995, p. 42)

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Portanto, todos os acordes de uma mesma função são intercambiáveis, o que
pode dizer que há sonoridade muito próxima, com notas comuns, e você pode trocar
livremente. Como exemplo, sejam eles provenientes do tom de Dó, essas três funções
são substituíveis entre os campos harmônicos de Dó maior, e por empréstimo modal Dó
menor, Dó menor harmônico e Dó menor melódico.

QUADRO 1 – OPÇÕES DE ESCOLHA FUNCIONAL EM DÓ MAIOR + MENOR, HARMÔNICO E MELÓDICO

S D T S D T

IIm7 V7 I7M Dm7 G7 C7M

IV7M VIIm7(b5) IIIm7 F7M Bm7(b5) Em7

IIm7(b5) VII° VIm7 Dm7(b5) B° Am7

IVm7 Im7 Fm7 Cm7

bVI7M Im(7M) Ab7M Cm(7M)

bVII7 Im6 Bb7 Cm6

IV7 bIII7M F7 Eb7M

VIm7(b5) bIII7M(#5) Am7(b5) Eb7M(#5)

bII7M Db7M

bVII7M Bb7M

FONTE: O autor

Compreendendo o exposto, são oito acordes para a função de tônica, três para
a função de dominante e dez para a função de subdominante. Você pode trocar um C
por outros sete, um G por outros dois, e um Dm por outros nove.

A dica é: analise sempre a melodia em relação aos novos acordes para evitar
choques. Ainda, use a criatividade! Com o mesmo raciocínio, você pode pensar em reduções
no sentido inverso e facilitar uma harmonia, percebendo que só existem três funções.

DICA
A respeito dos acordes bII7M e bVII7M, que não estão contidos na
estrutura do campo, porém, podem ser considerados diatônicos,
visto o uso na prática em repertórios, leia: https://archive.org/details/
QueAcordeTeseFREITASVersaoO1O52o11.pdf.

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4 VOZES
Partindo de uma composição dada em formato melodia/cifra, a primeira
iniciativa para ampliar a melodia para um maior grupo será a de abrir vozes. Por abertura
de vozes, consideramos, aqui, o arranjo de apenas uma segunda voz e para até quatro
novas linhas a serem executadas por cantores ou por outros instrumentos, com o
mesmo ritmo da melodia.

• Movimentos:
o paralelo: as vozes seguem o mesmo sentido e em intervalo constante;
o contrário: sentidos inversos – se uma voz sobe e a outra desce, e vice-versa;
o oblíquo: uma voz se mantém e a outra movimenta.

• Intervalos:
o Consonantes: 3 e b3; 6 e b6

São os intervalos mais comumente utilizados em aberturas de vozes paralelas.


Ajustam-se, facilmente, à harmonia, visto que os acordes do campo harmônico são
formados de terças sobrepostas.

Utilizar somente terças pode trazer uma sonoridade básica ou ingênua para
alguns repertórios. Como a sexta é o intervalo de terça invertido, ela pode servir para
ampliar essa sonoridade e para diversificar livremente o paralelismo, além de resolver
pontos nos quais as terças gerem algum intervalo que deva ser evitado pela harmonia.

FIGURA 1 – SEGUNDA VOZ COM TERÇAS E SEXTAS [FAIXA 2]

FONTE: Guest (1996a, p. 116)

Para abrir em terças, use sempre a tonalidade. Por vezes, o intervalo será terça
maior, outras, menor.

Quando há uma sequência grande de terças e soar básico, pense na terça, seja
abaixo ou acima da melodia, e oitave-a. Isso gerará o intervalo de sexta que trará outra
sonoridade e modificará completamente o sentido da melodia. Isso foi feito no exemplo da
figura anterior, em todos os compassos, exceto o primeiro.

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• Dissonantes: 2 e b2; 7 e b7

São os intervalos mais dissonantes, e podem trazer uma sonoridade sofisticada


e moderna, se bem utilizados. Como dito anteriormente, são inversões, e podem ser
combinados para conseguir variedade. Para serem utilizados acompanhando a melodia e
soando bem, podem estar sempre apoiados pelos intervalos vizinhos e consonantes de 3,
b3 6 e b6 na composição da linha.

Outro cuidado é com a escolha de instrumentos que realizem esses intervalos, para
que, através dos timbres, possam atenuar uma dissonância exagerada. Exemplos: duos
entre de flauta, voz, clarinete, trompete com surdina e órgãos.

DICA
Ouça, em Surfboard, de Tom Jobim, a utilização de segundas maiores
por todo o trecho da introdução.

FIGURA 2 – SEGUNDA VOZ COM SEGUNDAS MAIORES E ALGUMAS TERÇAS [FAIXA 3]

FONTE: Guest (1996a, p. 118)

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Em alguns momentos, as terças surgem nos compassos 1, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e
11. São provenientes dos próprios arpejos, e enriquecem, melodicamente, o caminho
dos intervalos de segunda. É uma estratégia simples para resolver pontos nos quais as
segundas não soarem bem.

• Justos: 4j, 5j e 8j

As quartas e quintas justas são consonantes, justas, perfeitas e estáveis


isoladamente. Se aplicadas paralelas em relação à melodia, trazem um som suspenso que
não caracteriza, exatamente, a harmonia tonal, que é fundamentada nos empilhamentos
harmônicos de terças. Por isso, geram um belo efeito de contraste e, especialmente, em
sonoridades diferenciadas, modais e étnicas, e são muito bem-vindas:

FIGURA 3 – SEGUNDA VOZ COM QUARTAS [FAIXA 4]

FONTE: Guest (1996a, p. 117)

Notou a sonoridade étnica, afro-brasileira no arranjo? A melodia foi composta


na pentatônica de ré menor, e os intervalos da segunda voz para o agudo em quarta
justa trazem memórias de compositores, como Baden Powell, Vinícius de Moraes, Edu
Lobo, Moacir Santos etc. Já as oitavas são muito práticas e boas opções para engrossar
o timbre, realizar dobras facilmente ou conseguir belos timbres mistos através da fusão
e articulação de dois instrumentos diferentes. Exemplos: sax barítono e flauta, sax alto
e trombone baixo, contrabaixo e piano.

5 CONTRACANTOS
Os contracantos podem ser entendidos como linhas melódicas em segundo
plano, com perfil rítmico ou melódico diferente da melodia original. Podem assumir uma
participação mais passiva ou ativa.

Quando passivos, são acompanhamentos com pouca atividade rítmica, notas


longas, e tessitura médio-grave, geralmente, abaixo da melodia, para não roubar
a cena. Sempre subordinados à harmonia e à verticalidade (pense na vertical,
harmonicamente), acabam por compor novas linhas melódicas.

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Quando ativos, têm, realmente, o papel de uma nova melodia e, mesmo que em
segundo plano, devem enriquecer a textura do arranjo, propor contrastes e deslocar a
percepção do ouvinte em relação à melodia principal. Muitas vezes, o contracanto é até
mais bonito do que a melodia, e se torna parte da composição.

• Dicas gerais:
o Notas longas: use as notas do acorde. Opte por terças, sétimas e as tensões
que já estão sendo tocadas na cifra. Deixe um pouco de lado fundamentais e
quintas, que devem ser usadas para conectar a linha. Lembrando, já estão na
função de instrumentos graves e são consonantes demais.
o Melodias: use as outras notas da escala. Cromatismos, de preferência,
em tempos fracos.
o Pausa na melodia: aproveite o espaço para desenvolver o contracanto
livremente, sem regras.

ATENÇÃO
O contracanto deve soar bem sozinho e fazer sentido melódico, mas analise
sempre o intervalo resultante em relação à nota da melodia, não apenas
o intervalo em relação ao acorde.

A seguir, observe e ouça dois tipos de contracanto, atentando como funcionam


bem as dicas gerais:

FIGURA 4 – CONTRACANTO PASSIVO [FAIXA 5]

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FONTE: Guest (1996a, p. 107)

O contracanto da figura anterior usa a primeira dica, bem passivo, mas


extremamente funcional e prático na trompa. Perceba a segurança de um contracanto
com pouca atividade, baseado, simplesmente, em notas do acorde, usando terças e
sétimas que se alternam naturalmente entre as cadências, no menor caminho possível, a
“lei do menor esforço”.

A seguir, um contracanto ativo, pensando, simplesmente, nas dicas anteriores.


Está logo abaixo da melodia, na segunda voz. Na clave de fá, o contrabaixo faz apenas
a condução:

FIGURA 5 – CONTRACANTO ATIVO [FAIXA 6]

FONTE: O autor

Nesse contracanto, são mais presentes notas longas, apenas notas do


acorde, terças que viram sétimas. Nota longa ou pausa na melodia, o contracanto se
desenvolve, com notas da escala e cromatismos. Movimento contrário no compasso 5.
Abrindo vozes, usou quartas no penúltimo compasso, sonoridade jazzística, contraste.
No último compasso, abriu vozes com sextas, simplesmente, a inversão da terça acima
da melodia, só que na oitava abaixo, como já comentado, para soar mais sofisticado.

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6 BLOCOS
E quando temos vários instrumentos, ou um naipe para acompanhar a melodia?
Quando precisamos de apenas uma segunda linha, usamos a concepção de abrir vozes
ou um contracanto, vistos anteriormente.

Para diversos músicos ao mesmo tempo, usamos a ferramenta dos blocos. Estes
acompanham a rítmica da melodia e, eventualmente, podem inserir notas longas ou pausas
para buscar diversidade. Geralmente, são escritos por famílias de instrumentos – metais/
madeiras/cordas ou vozes – que, pelos timbres semelhantes, conseguem homogeneidade,
como uma harmonia tocada por vários instrumentos melódicos.

Deve-se iniciar empilhando blocos de tétrades abaixo da melodia. Existem quatro


formas, os drops (em inglês, cair, derrubar, jogar do alto para baixo). O termo é muito
usado e, em português, falamos aberturas, ou posições fechadas e abertas:

• Posição fechada ou cerrada (notas do acorde próximas, na sequência do arpejo).


• Drop 2 (oitavar abaixo a segunda nota).
• Drop 3 (oitavar abaixo a terceira nota).
• Drop 2 e 4 (oitavar abaixo a segunda e a quarta notas).

FIGURA 6 – DROPS DO ACORDE Dm7

FONTE: Guest (1996b, p. 76

ATENÇÃO
Atente para abrir, primeiramente, a posição fechada, a partir da nota da
melodia na sequência do arpejo. Depois, escolha com que drop deve trabalhar.

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FIGURA 7 – BLOCOS DO ACORDE Dm7 POSIÇÃO FECHADA [FAIXA 7]

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 52)

No arranjo anterior, para quatro saxofones, note como o Dm7 é aberto a partir da
nota aguda da melodia. A melodia está no lá, quinta justa do arpejo. Portanto, a posição
fechada é quinta, terça menor, fundamental e sétima, do agudo para o grave. Todos os
acordes estão abertos assim.

Se for a sua opção escolher outro drop, a abertura é feita a partir da posição
fechada. A seguir, o mesmo trecho em drop 2, compare:

FIGURA 8 – BLOCOS DO ACORDE Dm7 EM DROP 2 [FAIXA 8]

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 52)

No arranjo, note que a posição fechada anterior do Dm7 com as notas lá, fá, ré e
dó, uma “caiu” com o drop 2 para lá, ré, dó e fá. Ou seja, no drop 2, “cai” a segunda nota,
portanto, caiu o fá, abrindo as vozes do acorde.

• Para embelezar as linhas, veja três dicas gerais:

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Eliminar notas repetidas: quando abrimos os blocos, é comum que,
inicialmente, as notas abaixo da melodia tragam muitas repetições nas vozes individuais.
Notas repetidas diminuem a fluidez da linha, o interesse melódico, a inspiração do
instrumentista e são de difícil articulação. Saídas práticas: 1) substituir por tensões
disponíveis; 2) outras notas do acorde; ou 3) drops diferentes.

FIGURA 9 – BLOCO: NOTAS REPETIDAS

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 59)

Nos metais da figura anterior, vemos, à esquerda, a abertura original e, ao lado, o


resultado de duas substituições: o trompete 4 repetia a nota fá. Uma boa saída foi fugir
da posição fechada e optar pelo drop 2 nesse momento. Dessa maneira, a terça se tornou
sétima do Dm7 para o G7 se mantém, mas em instrumentos diferentes, entre os trompetes
3 e 4, que realizam, agora, linhas descendentes.

No trombone 4, a mesma situação, pois trombones dobravam o naipe dos trompetes.


Para uma grande variedade, o Fá terça do acorde foi substituído pelo Sol, décima primeira de
Dm7, tensão disponível, criando um movimento mais interessante.

Cruzamento de vozes: quando o espaço definido pelos acordes é importante de


ser mantido, fazer os músicos cruzarem suas vozes evita notas repetidas, e é muito eficiente
para a sonoridade, gerando senso melódico e movimentos contrários. Essencialmente, o
macete trata de deixar o mesmo arranjo, mas “saltar” as vozes entre os instrumentistas,
conseguindo variedade nas mesmas aberturas previamente definidas:

FIGURA 10 – BLOCO: CRUZANDO VOZES

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 59)

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A dica da figura anterior é simples e eficiente: sax alto e tenor cruzam as
vozes intermediárias, gerando linhas sem as repetições originais e com variedade e
movimentos contrários através dos timbres.

Veja, a seguir, o resultado de compor uma linha para a ponta da melodia com a
ideia de cruzamento: o sax alto 1 é gerado a partir da escolha entre os blocos escritos
(em cinza) nos três trompetes e trombone.

FIGURA 11 – CRUZAMENTOS PARA A PRIMEIRA VOZ [FAIXA 9]

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 53)

Rearmonizar por notas de aproximação: outra jogada é rearmonizar as


notas repetidas pelos blocos através de duas abordagens: diatônica ou dominante.
Soam sempre bem em tempos fracos do compasso. A seguir, blocos em posição
fechada, gerando muitas repetições:

FIGURA 12 – BLOCO: REPETIÇÕES

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 60)

A saída exemplificada, a seguir, trará os dois tipos de blocos por aproximação:

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FIGURA 13 – BLOCO: SAÍDA POR ABORDAGENS DIATÔNICA E DOMINANTE

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 60)

Na segunda e quarta colcheias do Am7, uma abordagem diatônica: é inserido


um G7M(9), acorde disponível dentro do tom, por grau conjunto de distância, que
harmoniza a nota Ré da melodia. Importante ressaltar que essa estratégia não adiciona
esses acordes, não interfere na harmonia da música, apenas nas vozes internas do bloco.
No terceiro tempo do compasso, sexta colcheia, a abordagem dominante: um E7(9) é
enxertado, tensionando e resolvendo o bloco Am7 internamente. No segundo compasso,
além da abordagem dominante com A7 preparando D7(b9), os dois acordes transferem
a abertura para o drop 2.

7 SEÇÃO RÍTMICA
O ritmo tem função primordial na escrita de um arranjo ou composição. Uma peça
que traga interesse rítmico é capaz de suingar, conectar fisicamente, visceralmente e
entrelaçar músicos e audiência. Em um arranjo, não se trata “apenas” da parte percussiva
e dos instrumentos, mas perceber como nossa atenção ao ritmo pode e deve estar em
tudo, na métrica como um todo: na melodia, instrumentos da seção rítmica, backgrounds,
riffs, ostinatos, levadas e convenções.

Como distribuir os timbres da percussão? Posso transpor a rítmica brasileira,


cubana, americana ou afro para os metais ou cordas? Como fazer o acompanhamento?
Os exemplos, a seguir, podem, para instrumentos rítmicos, mas leve a inspiração,
também, para os melódicos e harmônicos.

• Levadas:

A “seção rítmica”, ou nossa popular “cozinha”, é o termo que designa o conjunto


de instrumentos que mantém uma base rítmica/harmônica sobre a qual se desenvolve a
melodia. A principal função dessa seção de instrumentos é manter a “levada” ou “batida”
como uma espécie de um ostinato rítmico e harmônico, que admite certo grau de variação
e improvisação na prática. Instrumentos que, geralmente, compõem essa função, são:
piano, violão, guitarra, cavaquinho, bandolim, vibrafone, contrabaixo, percussão e bateria.

19
IMPORTANTE
A batida não é simples fundo neutro sobre o qual a canção viria a passear
com indiferença. Ao contrário, a primeira nos diz muito do conteúdo
da segunda. A batida é, de fato, na música popular brasileira, um dos
principais elementos pelos quais os ouvintes reconhecem os gêneros.
Nesse país, e, certamente, em outros, quando escutamos uma canção, a
melodia, a letra ou o estilo do cantor permite o classificar em um gênero
dado, mas antes mesmo que tudo chegue aos nossos ouvidos, tal
classificação já terá sido feita graças à batida que, precedendo o canto,
nos fez mergulhar no sentido da canção.

FONTE: SANDRONI, C. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de


Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001. p. 14.

FIGURA 14 – LEVADA DE SAMBA NO VIOLÃO [FAIXA 10]

FONTE: Pereira (2019, p. 15)

• Aproveitamento de células rítmicas:

Foi uma exitosa prática brasileira de arranjo adaptar nossas células rítmicas
e levadas para os diferentes naipes de instrumentos e, inspirados nisso, podemos
aproveitar ou até criar novas levadas. Um exemplo quase mítico simboliza o momento
da incorporação da rítmica brasileira nos arranjos do rádio nos anos de 1940. Ary
Barroso compôs Aquarela do Brasil no mesmo período em que Gnattali, então diretor da
orquestra da Rádio Nacional, que estava procurando um modo mais efetivo de trazer o
suingue do samba para a grande orquestra:

20
Luciano Perrone, o baterista da estação, recomendou levar algumas
das responsabilidades rítmicas da percussão para os sopros. Gnattali
e Perrone depois descreveram isso como uma inteira e autônoma
invenção brasileira. Na realidade, as bandas de swing jazz americanas
estavam usando técnicas similares com os ritmos de jazz há vários
anos. Gnattali era um admirador de Benny Goodman, Duke Ellington
e Tommy Dorsey, e já havia utilizado algumas das suas técnicas de
arranjo no seu trabalho na Rádio Nacional (MCCANN, 2004, p. 71).

DICA
Vamos assistir a uma gravação de Aquarela, com o claro toque do
tamborim abrindo o grandioso arranjo de Laércio de Freitas para a Banda
Mantiqueira, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e Mônica
Salmaso. Ao longo de toda execução, ouvimos as referências rítmicas
brasileiras distribuídas em diversos naipes. O tamborim é aproveitado nas
cordas, metais e coro: https://tvcultura.com.br/videos/29340_concerto-
de-ano-novo-monica-salmaso-banda-mantiqueira-e-osesp.html.

Como exemplo, vejamos a célula rítmica mais paradigmática da rítmica brasileira:


o toque do tamborim.

FIGURA 15 – PADRÃO DO TAMBORIM

FONTE: Sandroni (2001, p. 34)

O aproveitamento dessa célula e a variação surgiram nos trabalhos entre o


compositor Ary Barroso e o arranjador Laércio de Freitas, mencionados anteriormente.
Assim como em Um a zero, de Pixinguinha, com arranjo de Nailor Azevedo Proveta, para
a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) e Mantiqueira para os saxofones:

FIGURA 16 – SEÇÃO B DE UM A ZERO, ARRANJO DE PROVETA [FAIXA 11 – 30’15’’]

21
FONTE: O autor

• Backgrounds rítmicos:

São “panos de fundo” rítmicos, acompanhamentos de células rítmicas em


segundo plano, geralmente, médio-graves (ou seja, em tessitura diferente da melodia).
Muito utilizados em estilos dançantes, como suingue, nos quais são empregadas figuras
que caracterizam a linguagem desses gêneros musicais. Para isso, normalmente,
utilizam-se dobras de oitava ou posições fechadas de acordes, sem interferir no primeiro
plano, tendo o objetivo mais rítmico do que melódico:

FIGURA 17 – BACKGROUND PARA SOPROS, RÍTMICA DE SAMBA: SEMI+COLCHEIA+SEMI

FONTE: Almada (2000, p. 278)



Note o background da figura anterior no primeiro sistema, e como ele surge
nos espaços, notas longas ou pausas da melodia. Bem rítmico, com células repetitivas,
aproveita células de samba, o famoso “brasileirinho” ou “garfinho”, semicolcheia, colcheia
e semicolcheia.

Ostinatos:

Similar em função ao descrito no background, mas, em essência, é uma


célula constante, que dura por longos trechos ou até toda peça em uma função de
acompanhamento:

22
FIGURA 18 – OSTINATO DE CELLOS

FONTE: Almada (2000, p. 280)

O ostinato é comumente executado por dois instrumentos, e o uníssono e as


oitavas no grave são muito usados para não roubar a cena e, assim, enriquecer o timbre.
Pode acontecer no agudo também.

• Riffs:

Idiomático do blues e rock, frases que respondem à melodia principal, ocupando


os espaços de pausas, como uma espécie de background:

FIGURA 19 – RIFFS DE BLUES

FONTE: Almada (2000, p. 280)

• Pontuação/convenções:

Essa ferramenta consiste em escolher notas da melodia principal e escrever


ataques para a seção rítmica. Também pode ser chamada na prática de convenções.
Uma diferença sutil: a pontuação está sempre junto da melodia. Já as convenções
podem acontecer com o efeito de ataques rítmicos entre todos os instrumentos,
interrompendo a levada em momentos em que não há melodia.

23
FIGURA 20 – PONTUANDO A MELODIA

FONTE: Almada (2000, p. 281)

24
RESUMO
Você adquiriu certos aprendizados, como:

• Arranjar pode ser sofisticar ou simplificar uma música, de acordo com o grupo e os
instrumentos trabalhados.

• A forma é como um mapa, para guiar alunos e músicos pelos caminhos de uma
composição e de um arranjo.

• Existem muitas possibilidades para rearmonizar uma música. Através da harmonia


funcional é uma delas, que sempre dá certo se soubermos identificar as funções
subdominante, dominante e tônica, e trocarmos livremente entre elas.

• Vozes podem ser abertas em qualquer intervalo, as mais consonantes são terças e
sextas. Quartas e quintas trazem uma sonoridade diferenciada. Segundas e sétimas
são as mais dissonanteas.

• Os contracantos podem seguir três direções, oblíquo, paralelo e contrário, que é o


mais desejado, porém, sempre devemos analisar o plano vertical e prestar atenção
se o intervalo gerado entre as notas da melodia é harmônico e se pertence ao acorde
ou escala.

• Os blocos podem ser abertos para quaisquer instrumentos e naipes gerarem


homogeneidade. São quatro aberturas, parta sempre da posição fechada, de acordo
com a ponta na melodia.

• Na criatividade, para a seção rítmica, utilize referências do que a música já oferece:


levadas/batidas dos gêneros musicais, instrumentos de percussão, rítmica da melodia
e atente para pausas que podem abrir espaços para a grande atividade rítmica.

• Devemos sempre ouvir as referências e exemplos musicais: boa parte do processo de


aprendizado e aquisição do conhecimento teórico só se concretiza com essa etapa.

• Sempre estude com o instrumento à mão: é necessário saber executar o que você
arranja, e poder exemplificar para os alunos e instrumentistas. É necessário sempre
transpor a teoria para o instrumento.

• Para a prática do arranjo e composição, é vital utilizar um instrumento harmônico, como


violão, piano, guitarra ou teclado, mesmo se você canta ou toca um instrumento melódico.

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AUTOATIVIDADE
1 Para rearmonizar, as funções harmônicas são muito práticas. Considere a seguinte
progressão no tom de dó maior: C7M - Am7 - F7M - G7. Assinale a alternativa que traz
uma harmonia que possa substituir esses acordes, respeitando as funções originais:

a) ( ) Em7 – Am7 – C7M – G7.


b) ( ) Am7 – C7M – G7 – F7M.
c) ( ) Em7 – C7M – Dm7 – Bm7(b5).
d) ( ) Cm7 – A7M – Fm7 – Gm7(b5).

2 Por abertura de vozes, consideramos o arranjo de apenas uma segunda voz e para
até quatro novas linhas a serem executadas por cantores ou por outros instrumentos,
com o mesmo ritmo da melodia. Com relação às vozes, assinale V para verdadeiras e
F para falsas:

( ) No movimento oblíquo, uma voz segue ascendentemente, e, a outra,


descendentemente.
( ) Os intervalos de sexta são inversões da terça, por isso, ótimas opções de quando a
segunda voz soa simples demais, ou quando geram intervalos indesejáveis.
( ) As quartas e quintas justas são dissonantes isoladamente. Se aplicadas paralelas,
em relação à melodia, trazem um som suspenso que caracteriza exatamente a
harmonia tonal.
( ) As segundas maiores e menores são muito dissonantes, mas podem trazer uma
sonoridade sofisticada e moderna. Para serem utilizadas acompanhando a melodia e
soando bem, podem estar sempre apoiadas pelos intervalos vizinhos e consonantes
de terça maior e terça menor, quando houver uma dissonância exagerada.

Assinale a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – F – F.
b) ( ) F – V – V – V.
c) ( ) F – V – F – V.
d) ( ) F – V – F – F.

3 Forma é o nome dado à estrutura geral de uma música, compreendida em partes,


subdivisões ou seções. Nomes muito conhecidos que, na verdade, são formas,
frequentemente, chegam aos nossos ouvidos, como na música popular, a canção,
o blues de 12 compassos, o rhythmn changes, o rondó, ou na música erudita, como
a sonata, a fuga, a suíte, o minueto. Com base no exposto, escreva um parágrafo a
respeito da forma canção, mencionando as principais características.

26
4 Assinale a alternativa que traz as características de um contracanto ativo:

a) ( ) Notas longas – verticalidade – médio/grave.


b) ( ) Enriquece a textura – nova linha – pouca atividade rítmica.
c) ( ) Plano de fundo – não roubam a cena – subordinado à harmonia.
d) ( ) Nova melodia - desloca a percepção da melodia principal – parte da composição.

5 Disserte sobre: o que são blocos? Quantas são suas aberturas e no que consistem?

27
28
PRÁTICA: AUDIÇÃO E ANÁLISE
DOS CONCEITOS

1 INTRODUÇÃO
Desenvolveremos os seis conceitos apresentados em arranjos reais. O objetivo,
aqui, é analisar minuciosamente, para absorver as técnicas em repertórios consagrados
por grandes arranjadores e compositores.

Assuntos anteriores da formação devem estar minimamente esclarecidos para


conseguir acompanhar o texto, como análise e gravações, tétrades, intervalos simples
e compostos, tensões disponíveis, notas evitadas, campos harmônicos maior, menor,
harmônico e melódico, funções harmônicas, modos gregos e modos das escalas
menores. Recorra às disciplinas anteriores de Teoria e Harmonia, se for preciso, e fique
atento às referências bibliográficas das figuras ao longo do texto e ao fim do livro.

Sempre observe as partituras, acompanhando o áudio, através das faixas


descritas nos títulos das figuras, para garantir a conexão teórico-prática. Sempre que
possível, toque, no instrumento, a informação básica, que está sendo passada para fazer
sentido musical. Ao lado das faixas, observe que há, às vezes, a minutagem dos arquivos
de áudio, indicando minutos (’) e segundos (”). Esclarecemos que, nas partituras, os
instrumentos transpositores, como saxofone, trompete, clarinete, estão escritos todos em
dó, e não nos tons particulares, ou seja, você não precisa transpor para poder ler, a não
ser que toque um instrumento desses, mas pretende-se, aqui, uma linguagem acessível
para todos.

2 ARRANJANDO A FORMA: ANÁLISE DE INTRODUÇÃO


E FIM
Analisaremos, a seguir, o arranjo de seções acessórias, como introdução e
fim. Aproveitamos o material original de uma composição como fonte de inspiração e
coerência, transformando-o em novas estruturas, sob liberdade inventiva e capacidade
criativa do arranjador.

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Os arranjos são de All of Me, standard do jazz, de 1931. Chama atenção,
nessa música, a força dos motivos melódicos originais, baseados em transformações
e figurações de três notas a partir de uma simples tríade de Dó. Provavelmente, isso
influenciou o sucesso e a projeção como um dos maiores clássicos americanos,
reconhecido em todo planeta. Seguem melodia e cifra da composição:

FIGURA 21 – MOTIVOS DE ALL OF ME [FAIXA 12]

FONTE: Adaptada de Rawlins (1970, p. 16)

No arranjo a seguir, para a Count Basie Orchestra, o arranjador Billy Byers usou
o emblemático motivo inicial de três notas na introdução:

FIGURA 22 – INTRODUÇÃO DE ALL OF ME [FAIXA 13]

FONTE: Sturm (1995, p. 143)

O motivo ressurgiu em repetições de uma figura de ritmo cruzado, com melodia


em bloco, produzindo hemíolas a cada célula de três notas. Note a sofisticada nova
harmonia, que parte do IIm7 e faz um longo ciclo até resolver na tônica da tonalidade
com C(6,9), permeada por preparações secundárias em subV7’s carregados de tensões
disponíveis. Com tudo isso, o arranjador faz, de maneira genial, referências ao motivo
original dó-sol-mi da composição, soando em todo trecho no trompete 1 e saxofone 1.

30
NOTA
Hemíolas são grupos melódicos com um número de notas diferente
do grupo rítmico, gerando uma sensação de deslocamento através da
repetição. Exemplo: uma pentatônica ascendente em quatro colcheias.
Cinco dentro de quatro.

No fim do arranjador Manny Albam, agora, na tonalidade de Eb, surgem


referências pelo mesmo motivo, através do preenchimento e da transposição:

FIGURA 23 – FINAL DE ALL OF ME [FAIXA 14 – 5’07”]

FONTE: Sturm (1995, p. 145)

Transformando a figura em valsa e compasso ternário, saxofones em acordes


de posição fechada em Fm7 preenchem com uma aumentação, repetindo as duas
primeiras notas do motivo, que se completa na resposta dos trompetes. Logo após, a
mesma ideia, agora transposta para o acorde Db7 e com a resposta nos trombones.

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Na sequência, finalmente, será apresentado o motivo original nos trombones:

FIGURA 24 – FINAL DE ALL OF ME [FAIXA 15 – 5’14’’]

FONTE: Sturm (1995, p. 146)

Os trompetes continuam a melodia original que, para o encerramento do arranjo,


transpôs a melodia, estrategicamente, para lá bemol maior. Segue-se uma inversão em
forma de espelho, com os intervalos 4j e 3ª agora ascendentes. O curioso é que, mesmo
com a transposição para lá bemol, citam, nessa inversão, as notas sol, dó, mi natural,
justamente as notas originais da composição.

O piano solo, encerrando os dois últimos compassos, foi emprestado do compasso


6 e 7 da composição original no perfil melódico. O acorde final traz um conjunto de notas que
surpreende, para um corte abrupto do F7M (9) e trombones chocando com a #11.

3 REARMONIZANDO: REDUÇÃO E EXPANSÃO


Aplicaremos, aqui, a rearmonização funcional em duas direções: redução e
expansão.

O exemplo traz a composição Fotografia, letra e música de Tom Jobim. Analisadas


as funções harmônicas, vamos a simplificar, conhecendo a estrutura, os pilares harmônicos
e imaginando uma aplicação a um grupo iniciante. A partir disso, em um segundo momento,
vamos a complexificar, visando aos arranjos elaborados.

32
DICA
Ouça a gravação original da canção e uma ao vivo, do grupo da cantora Rosa
Passos, toda rearmonizada, especialmente, na segunda exposição do tema:
• https://www.youtube.com/watch?v=7wvIu740BOw
• https://www.youtube.com/watch?v=h2jC9CPMt8A

As figuras a seguir são autoexplicativas, com os graus do campo harmônico


de dó, tonalidade da canção. Em maiúsculas, as funções harmônicas da música,
simbolizadas por S, D e T. Os algarismos romanos indicam cadências S, D, T secundárias.

ATENÇÃO
Essas preparações secundárias, que podem ser realizadas para todos os
acordes do campo harmônico, são feitas com o tom do momento, visando
ao acorde para o qual se encaminham e o tratando com o respectivo
campo harmônico. Exemplo: a cadência S D T de Dm7 é Em7(b5), A7(b13).
Esses acordes/funções são provenientes do tom de Ré menor. As
rearmonizações devem atentar a isso.

FIGURA 25 – ANÁLISE FUNCIONAL DE FOTOGRAFIA [FAIXA 16]

33
FONTE: Chediak (1990, p. 59)

Entendendo que as três funções harmônicas são os pilares estruturais da


harmonia tonal, podemos simplificar a música, utilizando apenas os três acordes básicos
e mais representativos dessas funções S, D, T = C, F, G.

Soa sempre bem, garante a estrutura da composição e intervalos da melodia,


não tem erro. Experimente tocar e ouvir o interessante resultado da simplicidade:

FIGURA 26 – FUNÇÕES HARMÔNICAS DE FOTOGRAFIA [FAIXA 17]

FONTE: O autor

A rearmonização encara essas três funções, a partir do quadro que contém to-
dos os acordes representativos dessas sonoridades. São substituídos livremente, entre os
acordes de uma mesma função. Em colchetes e arcos, as preparações S D secundárias:

FIGURA 27 – REARMONIZAÇÃO FUNCIONAL DE FOTOGRAFIA [FAIXA 18]

34
FONTE: O autor

Portanto, as substituições são provenientes de Dó maior, e, também, por


empréstimo modal de Dó menor natural, Dó menor harmônico e Dó menor melódico.
Literalmente, são todos intercambiáveis, o que enriquece, significativamente, o nosso
leque de opções. Lembrando, devemos respeitar as funções harmônicas originais da
música e estar atentos à melodia para não chocar. Nessas sonoridades, podemos, ainda,
saturar os acordes com as tensões disponíveis, todas oferecidas pela tonalidade.

DICA
A respeito das rearmonizações extremas, veja o baixista youtuber, Adam
Neely: https://www.youtube.com/watch?v=JXfQsHT5c30.

4 ABRINDO VOZES: DIVERSOS MOVIMENTOS


E INTERVALOS
Na aplicação de intervalos a uma segunda voz, podemos nos libertar da noção de
paralelismo, e criar uma linha sofisticada e diversificada. O arranjo de Ian Guest (1996), para
Prelude to a kiss, de Duke Ellington, traz, mesclados, os movimentos paralelos, oblíquos e
contrários, com uma sonoridade rica em intervalos.

35
DICA
Para conhecer a composição, é preciso assistir a uma boa versão com
apenas a primeira voz e o piano. Assim, a segunda voz, no arranjo
analisado na sequência, faz mais efeito aos ouvidos: https://www.
youtube.com/watch?v=z0BOrRhVAZw.

Atente para analisar, primeiramente, os intervalos gerados entre as duas


vozes, e, em um segundo momento, em relação aos acordes:

FIGURA 28 – SEGUNDA VOZ [FAIXA 19]

FONTE: Guest (1996a, p. 120)

O primeiro sistema aborda o cromatismo da melodia com uma abertura de vozes


com sonoridade quartal e sexta e terças diatônicas. Na sequência, uma ideia semelhante,
que finaliza a frase, agora, com quinta (b9 e b13 do A7) e quarta justas.

No segundo sistema, aproveitando a repetição de notas da melodia, a segunda


voz faz um movimento oblíquo ascendente e um cromatismo de quartas aumentadas
no G7(#5). Segue-se a sonoridade quartal no Am7, e intervalos de terça menor

36
estrategicamente pensados para soar nas tensões diatônicas 9 e 11, e, no D7, #11 (não
diatônica) e 13. Na casa 1, como a melodia é ascendente, a segunda voz enriquece com
um movimento contrário, soando um intervalo consonante de sexta, porém, entre a 3 e
b9 do acorde de G7(#5). A ideia final da parte A é quartal, retomando a ideia inicial.

Na casa 2, a frase, agora, é tratada, também, ascendentemente pela segunda


voz, mas com intervalos de quartas e terças. Para o encerramento do A, são escolhidos
intervalos consonantes, de sexta e terça, gerando maior repouso.

A seção B traz novas ideias de intervalos paralelos, mas como apojaturas de fora
para dentro do diatonismo no E7M e C#m7. Choques de segunda maior na sequência.

No quarto sistema, a segunda voz, novamente, aproveita a melodia com


repetições, e faz um movimento oblíquo e cromático, resolvendo em notas mais longas
dentro do acorde G°. A mesma ideia se repete para o mesmo motivo até o acorde F7,
cromatismo, e resolvendo dentro do acorde, mas note o intervalo de quinta diminuta
entre as vozes, escolhido para essa mínima. Os dois próximos compassos repetem a
cadência e o arranjo anterior.

Para finalizar, movimento oblíquo para a segunda voz, intervalos consonantes de


sexta e terça para o E7M (repouso) e dissonantes b9 e #9 para o dominante A7(tensão).

Os quatro últimos acordes têm uma linha cromática na 11ª dos acordes, já na
melodia original. São harmonizados com as nonas, que perfazem intervalos consonantes
e paralelos de terça menor (sem a sonoridade ingênua, pois estão nas tensões) entre as
duas vozes, finalizando com um intervalo quartal para o Eb7, entre nona e quinta.

5 LIBERTANDO OS CONTRACANTOS: LINHAS


Compreendida a noção básica de contracanto podemos ampliar a aplicação, pelo
conceito de arranjo linear, ou line writing, no qual o pensamento horizontal, em linhas, é
privilegiado. Essa ferramenta confere liberdade, movimentos contrários e diferentes em
relação à melodia, senso melódico e certa dose de improvisação na composição. Contraria
um pensamento somente vertical e harmônico, o que pode aprisionar a criatividade e a
sonoridade. No pensamento linear, não há nota evitada, e o objetivo é a sonoridade de
diversos modos/escalas. Pode ser utilizado para apenas duas vozes, assim, soa como
contracanto. Para várias vozes simultâneas, sugere uma alternativa à ideia de arranjo em
bloco. Assim, cada uma dessas linhas individuais e independentes somadas acaba por
formar blocos de sonoridade mais aberta e livre.

As voicings da técnica de arranjo linear são construídas a partir das


notas da escala do acorde do momento, e não com as notas do acorde
somente. Essa opção, pelas notas da escala, deve-se ao fato de uma
voicing da técnica de arranjo linear não ter obrigatoriedade, e nem o
interesse de representar a sonoridade completa de um acorde, pois
o propósito é dar ênfase à linearidade das vozes. A sonoridade vaga

37
da voicing se identifica mais com a sonoridade modal da escala do
que com o acorde do momento, e isso é positivo, porque aproxima
a sonoridade das voicings à sonoridade dos blocos ocorrentes que
resultam da coincidência rítmica das vozes lineares (OLIVEIRA, 2004,
p. 87, grifo nosso).

• Um passo a passo para você:


o Analise a melodia e escolha notas-alvo, as quais devem ser harmonizadas com o
som do acorde. Geralmente, são notas de longa duração ou em pontos de mudança
entre acordes, o que configura um ponto harmônico.
o Nesses pontos, é recomendável riqueza intervalar, em termos de dissonância. O
motivo é garantir uma relação de sonoridade/contraste/pilares harmônicos com a
linha, que, por ter mais liberdade melódica, gera uma sonoridade mais densa.
o Escolha qualquer modo/escala que simbolize a sonoridade do acorde, de acordo
com o contexto que deseja. Não há a necessidade de ser vinculado à tonalidade.
o Conecte as linhas entre as notas-alvo com os modos escolhidos. As linhas devem
ser menos tensas para equilibrar.

• Macetes:
o Movimentos contrários são muito bem-vindos, e são mais fáceis de serem
inseridos, iniciando por uma linha grave. Claro, você tem mais espaço.
o Evite repetir notas, mas se soar bem, ok, vá na fé!
o Lembrando, podemos arranjar, dessa forma, texturas de duas vozes, ou seja,
melodia e contracanto, ou várias, e dá certo.

FIGURA 29 – ALVOS

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 111)

Na progressão da figura anterior, as notas marcadas com X são os pontos


harmônicos, de acordo com o passo 1.

Passo 2: harmonize esses pontos com riqueza de dissonâncias. A ideia usada na


figura a seguir trará Cm7(9,11) – Db7(9,13) – B7(9, #11) – Bb7(b9 13) – Eb7M (9).

Passo 3: a escolha dos modos para cada acorde. Para essa progressão tonal
em Eb maior, VIm7 – bVII7 – SubV7 – V7 – I7M, foram selecionados os modos: eólio –
mixolídio – lídio b7 – simétrica dominante diminuta – jônio.

38
FIGURA 30 – ABRINDO OS PONTOS HARMÔNICOS

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 111)

Passo 4: são feitas conexões com os modos entre esses pontos harmônicos.
Geram uma trama de sonoridade bem interessante e aberta. Ouça e veja a liberdade e a
independência nas direções das linhas em relação à primeira voz:

FIGURA 31 – COSTURANDO AS LINHAS [FAIXA 20]

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 112)

Dica: é bom escrever, primeiramente, a voz grave, exaltando o movimento


contrário. Conectar os pontos de maneira bem melódica. Note como variar a abertura nos
pontos harmônicos encoraja a linha nesse sentido, tornando-a mais contrapontística,
bem aberta nas pontas entre primeiro e último acordes; cluster com choque de segunda
no segundo compasso, que se abre em um acorde quartal; fecha novamente logo após.

39
FIGURA 32 – REDUÇÃO [FAIXA 21]

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 112)

6 APLICANDO BLOCOS: NAIPE DE SAXOFONES


Aqui, acompanharemos, ouviremos e analisaremos, passo a passo, da construção
de blocos. Partiremos de uma simples melodia no formato melodia/cifra. A primeira
ideia pode ser a sofisticar um pouco, enriquecendo com síncopes e preenchimento com
notas da escala:

FIGURA 33 – BLOCOS PASSO 1

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 51)

Escolhemos a abertura do drop 2, o que já evita, de imediato, choques de


segunda para a melodia, que está na ponta.

FIGURA 34 – BLOCOS PASSO 2

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 51)

40
Ainda, na figura anterior, algumas abordagens, evitando a repetição de notas,
foram adotadas: um A7 é inserido como aproximação dominante do Dm7, harmonizando
a nota dó.

Acerca de um Em7, um Dm7 de abordagem diatônica é usado para aproximação,


acorde que pertence à tonalidade, por grau conjunto de distância (note que, na
abertura, não necessariamente, a fundamental está presente. Estamos no drop 2, por
isso, ela sumiu).

O acorde seguinte de Dm7 é aproximado pelo Em7, situação semelhante à


anterior, agora, por grau conjunto, diatônico, acima, harmonizando a nota ré na melodia.
No G7(b9), a posição fechada é adotada para conseguir movimento contrário, retornando
ao drop 2.

FIGURA 35 – BLOCOS PASSO 3 [FAIXA 22]

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 52)

No último passo da figura anterior, mais instrumentos são adicionados aos metais
da ideia anterior. O timbre das palhetas dos saxofones é trazido em posição fechada, a
partir da segunda voz dos trompetes. O Alto 1 e seu naipe dobram a partir do trompete 2,
e adicionam mais uma voz. Dessa maneira, o Tenor 2 dobra o trompete 1 oitava abaixo, o
que evidencia a clareza da melodia no registro.

7 DISTRIBUINDO O RITMO: LEVADAS E BACKGROUNDS


A costumeira prática popular de bandas e orquestras, geralmente, privilegia os
instrumentos piano, violão, contrabaixo, bateria e percussão, no papel da seção rítmica,
suas levadas e panos de fundo. Uma solução prática, adotada a partir dos arranjadores
das orquestras brasileiras da “era de ouro do rádio”, foi distribuir tal função, também,
para os naipes de metais e cordas.

41
Figuras, como Pixinguinha, Radamés Gnattali, Moacir Santos, Guerra-Peixe e
Tom Jobim, trouxeram, para esses instrumentos, nossa riqueza e excelências rítmica
e percussiva, e “inventaram” uma linguagem e sonoridade brasileiras para grandes
formações.

O compositor e arranjador Moacir Santos criou uma técnica de distribuir as


levadas pelas orquestras, o que pode servir de inspiração na criação, composição e
distribuição de levadas (VICENTE, 2012). Resumindo o método: 1) escolha uma célula
rítmica interessante; 2) varie, se necessário; 3) distribua entre graves e agudos;
4) distribua a diferentes instrumentos.

1) “Padrão do tamborim” do samba como base:

FIGURA 36 – CICLO DO TAMBORIM (PARADIGMA DO ESTÁCIO)

FONTE: Sandroni (2001, p. 33)

2) Pequena variação na última figura:

FIGURA 37 – VARIAÇÃO DO TAMBORIM

FONTE: O autor

3) Distribuir em graves e agudos:

FIGURA 38 – GRAVES E AGUDOS

FONTE: O autor

4) Distribua a diferentes instrumentos:

Vejamos, a seguir, um exemplo bem claro que surge na composição Outra


Coisa:

42
FIGURA 39 – OUTRA COISA [FAIXA 23]

FONTE: Vicente (2012, p. 77)

A mesma ideia similar. Após a introdução de Mãe Iracema, com a exclusão de


algumas notas. Há interpretação pelo naipe de metais: saxofones tenor e barítono,
trompete, flughelhorn, trombone, trombone baixo, e seção rítmica: piano, guitarra,
contrabaixo e bateria:

FIGURA 40 – MÃE IRACEMA [FAIXA 24 – 0’43’’]

FONTE: Vicente (2012, p. 80)

Na seção B, surge, agora, distribuição entre piano, contrabaixo, guitarra e órgão,


enquanto o naipe de metais, descrito anteriormente, deixa a função de seção rítmica
para executar contrapontos:
43
FIGURA 41 – SEÇÃO B DE MÃE IRACEMA [FAIXA 25 – 01’24’’]

FONTE: Vicente (2012, p. 80)

Ao fim da seção B, surge a rítmica arranjada criativamente para um compasso


de 5/4, tomando as cinco primeiras notas do “padrão do tamborim”:

FIGURA 42 – FIM DA SEÇÃO B DE MÃE IRACEMA [FAIXA 26 – 01’43’’]

FONTE: Vicente (2012, p. 81)

Percebe-se, então, que, para a criação e a distribuição de levadas, podemos


buscar fontes, inspiração e coerência, explorando a rítmica de gêneros musicais, criando
e arranjando.

44
• Backgrounds

O background, analisado a seguir, trará a concepção de “riffs” e “pontuação”


como pano de fundo para um solista de sax tenor em um blues de 12 compassos para
a formação de Big Band.

Note como serão escolhidos instrumentos de timbres diferentes, para não


roubar a cena do solista, o que vale para melodias em geral. Se palhetas, como o sax,
estão na melodia, use metais, como trompete para o background. Se timbres brilhantes e
penetrantes, como trompete, flauta e sax alto, estão na linha de frente, use instrumentos
mais escuros, ou “macios”, para o fundo, como trombones, sax tenor ou barítono, e vice-
versa. Isso também serve para cordas e instrumentos elétricos.

A seguir, teremos três choruses de improviso. O sax tenor sola, então, Alto 1, Alto
2 e Tenor 2 executam um riff motivicamente repetido no primeiro chorus:

FIGURA 43 – RIFFS DE ALTO E TENOR [FAIXA 27]

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 141)

Veja como o tenor 2 executa em uníssono oitava acima, “colando” na tessitura


dos altos e fugindo do Tenor 1, que improvisa. O riff é espaçado, permitindo que a
melodia flua nas pausas, e, motivicamente, repetido propositalmente, o que chama
menos atenção e garante coerência à ideia. Conservando o motivo, a variação substitui
as notas dó e lá bemol (c.1) por lá bemol e sol (c.3). Utiliza notas do idiomatismo do blues:
lá bemol (b3/#9) ré (6).

No segundo chorus, o riff de sax é complementado por figurações semelhantes


nos trombones no sentido de pergunta/resposta:

45
FIGURA 44 – RIFFS DE TROMBONE [FAIXA 27]

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 141)

No terceiro chorus, uma camada formada por trompetes e sax barítono


é adicionada, com função rítmica de pontuação. Perceba como as camadas são
compostas com timbres mistos e diferenciados da melodia principal: altos - trombones
- trompetes/barítono:

FIGURA 45 – PONTUAÇÃO DE TROMPETES [FAIXA 27]

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 139)

Na pontuação da figura anterior, os trompetes atacam com o auxílio da seção


rítmica, o que traz a sonoridade de convenções. As vozes abrem o acorde de F6, e, para
produzir mais “ataque”, os trompetes intermediários 2 e 3 caminham em movimento
contrário e soando, internamente, intervalos dissonantes de segunda (dó e ré) e quinta
diminuta: (dó bemol).

46
FIGURA 46 – PONTUAÇÃO E RIFFS DE TROMPETES E TROMBONES [FAIXA 27]

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 159)

Os trompetes da figura anterior fraseiam, novamente, em movimento contrário,


produzindo dissonâncias no acorde de Ab7: no segundo tempo do compasso, uma
segunda entre lá bemol e sol bemol; um intervalo de nona menor entre mi bemol e mi
dobrado bemol, que é a quinta diminuta do acorde. O riff de trombones é repetido. A
pontuação final, literalmente, ataca o acorde de fá com nona aumentada (tpt.1 e 4) e
décima terceira menor (tpt.3), fazendo soar o dissonante F7(#9, b13).

47
RESUMO
Você adquiriu certos aprendizados, como:

• Para ter ideias em seções acessórias, como introdução, interlúdio e fim, aproveite
elementos da própria composição. Eles criam conexão, coerência e são fonte óbvia
de inspiração. Então, elabore a sua ideia.

• Qualquer música com harmonia difícil pode ser tocada por um grupo. Arranjo é
elaborado, mas, simplificar, também é arranjo. Rearmonizar, facilitando a música, é
uma bela ferramenta para educação musical.

• Abrir vozes pode ser muito criativo. Muito do mérito do arranjador está nisso. Não
tenha receio de testar, use a criatividade para além de terças e uníssonos. Teste, se
necessário, reescreva.

• A técnica linear pretende dar liberdade aos contracantos, liberar as linhas. Pode
parecer complicado se você não entender as escalas e modos, mas, esclarecendo
isso, as linhas ganham uma feição de improvisação.

• Para os blocos, a dica mais rápida e útil é a escolha de aberturas (drops), sem choque
com a melodia.

• Para ritmo em levadas ou backgrounds para o conjunto, pense melodicamente,


preencha os espaços, mas não roube a cena principal e não atravesse a melodia.

48
AUTOATIVIDADE
1 Analise as asserções a seguir:

Compreendida a noção básica de contracanto, podemos ampliar a aplicação pelo


conceito de arranjo linear, ou line writing, no qual o pensamento horizontal, em linhas, é
privilegiado. Essa ferramenta confere liberdade, movimentos contrários e diferentes em
relação à melodia, senso melódico e certa dose de improvisação na composição.

PORQUE

Contraria um pensamento somente vertical e harmônico, o que pode aprisionar a


criatividade e a sonoridade. No pensamento linear, cuide, sempre, com a nota evitada, e
o objetivo é a sonoridade de diversos arpejos. Pode ser utilizado para apenas duas vozes,
assim, soará como contracanto. Para várias vozes simultâneas, sugere-se uma alternativa
à ideia de arranjo em bloco. Assim, cada uma dessas linhas individuais e independentes,
somadas, acaba formando blocos de sonoridade mais fechada e individual.

Com base nas afirmações anteriores, assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) A primeira asserção é verdadeira, e a segunda é uma justificativa correta da
primeira.
b) ( ) A primeira asserção é falsa, e, a segunda, é uma justificativa correta da primeira.
c) ( ) As duas são asserções falsas.
d) ( ) A primeira asserção é verdadeira, e, a segunda, não é uma justificativa correta da
primeira.

2 Acerca da rearmonização, as preparações secundárias podem ser realizadas para


todos os acordes do campo harmônico, e são feitas com o tom do momento, visando ao
acorde para o qual se encaminham, e o tratando com o respectivo campo harmônico.
Na tonalidade de Dó maior, qual é a cadência S D, subdominante e dominante para o
terceiro grau, Em7? Assinale a alternativa com a progressão CORRETA:

a) ( ) Dm7 – G7 – Em7.
b) ( ) Fm7 - Bm7(b5) – Em7.
c) ( ) Fm7(b5) – B7 – Em7.
d) ( ) F7M – B7 - Em.

3 A “levada”, ou “batida”, não é simples fundo neutro sobre o qual a canção viria a passear
com indiferença. Ao contrário, a primeira nos diz muito do conteúdo da segunda. A batida
é, de fato, na música popular brasileira, um dos principais elementos pelos quais os
ouvintes reconhecem os gêneros. Tendo isso em vista, elabore um parágrafo definindo o
que é a levada ou batida.

49
4 Na partitura a seguir, o arranjador em sua introdução inseriu o motivo inicial da canção
All of me. Assinale a alternativa que contém este fragmento:

FONTE: Sturm (1995, p. 143)

a) ( ) Segunda voz do naipe de saxofones e trombones.


b) ( ) Tensões do piano e guitarra.
c) ( ) Primeira voz do naipe de saxofones e trompetes.
d) ( ) Contrabaixo e guitarra.

5 A partitura a seguir traz um arranjo para Prelude to a kiss. Escolha um dos cinco
sistemas e disserte sobre a abertura de vozes com suas próprias palavras:

FONTE: Guest (1996a, p. 120)

50
SONORIDADES CULTURAIS,
INTERNACIONAIS E ORIENTAIS
1 INTRODUÇÃO

Veremos materiais que podem trazer sonoridades diferenciadas para arranjos


e composições.

Podem ser úteis e criativas em arranjos, assim como em sua didática como
professor, quando atividades específicas de educação com temáticas culturais como
direitos humanos, alteridade, diversidade étnico-racial, preconceitos sociais, sincretismo,
democracia, História ou Geografia forem o objetivo.

Por sonoridades culturais, podemos entender o material musical que caracteriza


um grupo, povo ou região geográfica específica, como nordeste brasileiro, afro-brasileira
e indígena.

Como sonoridades internacionais, veremos sons de outros países para além do


Brasil. Os mais utilizados na prática do arranjo e composição: blues, jazz e flamenco.

Ainda, do mundo não ocidental, teremos traços musicais da cultura cigana,


húngara, árabe e japonesa.

2 ESCALAS E MODOS
Nossa porta de entrada para diferentes culturas será através das escalas e
modos. Por escalas, entendemos a sucessão de tons e semitons, e a compreensão
de seus intervalos a partir de uma tônica, primeiro grau de uma tonalidade. Por modos,
também entendemos uma sucessão de tons, semitons e seus intervalos, mas gerados a
partir dos outros graus de uma escala. Por exemplo, a escala de dó maior gera o modo
ré dórico se iniciarmos o mesmo conjunto de notas a partir da nota ré, gerando uma
sucessão de tons e semitons, intervalos e sonoridade completamente diferente.

Teremos, a seguir, todos os exemplos a partir da nota dó, para que a sonoridade do
modo fique mais clara quando comparados entre si. Toque sempre! Toque em vários tons!

51
IMPORTANTE
Compare, sempre, os modos em uma mesma fundamental, assim, você
compreenderá as diferenças entre eles. Compare os maiores com a escala
maior natural, e, os menores, com a escala menor natural, para analisar e
ouvir as notas características. Exemplo: dó maior com dó lídio e dó mixolídio.
Dó menor com dó dórico, dó frígio e dó lócrio. Assim, você gera e ouve sons
e escalas completamente diferentes. Quando fazemos dó maior (jônio), ré dórico, mi frígio,
fá lídio, sol mixolídio, lá menor (eólio) e si lócrio, estamos tocando sempre as mesmas sete
notas, dó – ré – mi – fá – sol – lá – si. Por isso, muitos estudantes não percebem diferenças
auditivamente, mas apenas na estrutura dos intervalos, o que já é importante e útil, mas não
é tudo. Cada modo tem a sua sonoridade. Faça questão de ouvi-los e de tocá-los sobre o
acorde e harmonia que geram também, para que os intervalos fiquem claros.

Nas imagens, a classificação dos intervalos segue Guest (1996, p. 97, grifo nosso):
“Maiores: 2, 3, 4, 5, 6, 7. Menores: b2, b3, b4, b6, b7. Justos: 4, 5, 8. Aumentados: #4,
#5, Diminutos: b4, b5, bb7”.

3 SONORIDADES NACIONAIS
Será discutida a sonoridade brasileira, além das principais identidades.

3.1 SONORIDADE NORDESTINA


• Modo Mixolídio

Modo resultante do quinto grau do campo harmônico maior, dó mixolídio vem


de fá maior. Muito presente nas composições da região nordeste do Brasil. É como um
símbolo desta sonoridade. Gêneros como o baião, xote e forró privilegiam este som.

FIGURA 47 – MODO MIXOLÍDIO

FONTE: O autor

Sua estrutura surge no quinto grau de uma escala maior. Sua nota característica
é a sétima menor. Melodias idiomáticas do Nordeste trazem os fragmentos melódicos
b7 – 6 - 5, e terminações melódicas com 6 – F. Padrões de terças neste modo também:
8 – 6 – b7 – 5 – 6 – 4 – 5 – 3 – 4 – 2 – 3 – F.

52
Quanto às harmonias, é usual a predominância de acordes do tipo dominante
(X7) e sua utilização no primeiro grau. Também pode ocorrer uma melodia exclusivamente
com notas do modo mixolídio sobre uma harmonia tradicionalmente em campo
harmônico maior. Exemplos: Juazeiro (Luiz Gonzaga), O ovo (Hermeto Pascoal), Quebra
pedra (Tom Jobim).

• Modo mixolídio #4

O modo mixolídio com quarta aumentada se apresenta no quarto grau do


campo harmônico menor melódico. Dó mixolídio#4, proveniente da escala de sol menor
melódica. Muito difundido com a nomenclatura Lídio b7, que não é a mais recomendada,
pois o lídio tem sétima maior.

FIGURA 48 – MODO MIXOLÍDIO #4

FONTE: O autor

Pode ser compreendido como uma variação do modo anterior, no qual a quarta
aumentada é sentida como uma inflexão melódica. Notado em cantorias tradicionais
nordestinas, se difundiu também na música nacionalista de concerto, música
instrumental brasileira e na prática de improvisação. Exemplos: Chá de panela (Guinga),
Ponteio nº 16 (Camargo Guarnieri), Promessa ao padre Cícero.

• Modo dórico

Segundo grau de uma escala maior, o modo dó dórico é proveniente de si bemol


maior. Na música de sonoridade nordestina, é uma espécie de relativo menor do modo
mixolídio. Sua nota característica é a sexta maior.

FIGURA 49 – DÓRICO

FONTE: O autor

Caminhos melódicos são representativos entre os intervalos 7 – 6 – 5 e também


finalizações 6 – 1, permeados pelo arpejo menor com sexta e padrões melódicos em
terças e segundas, como 8 – 7 – 7 – 6 – 6 5... em diante.

53
Tratando de progressões harmônicas, nota-se a ênfase no acorde dórico e as
cadências partindo e direcionando-se a ele, como se fosse um primeiro grau. Ocorre,
também, a prática de uma melodia, ressaltando a sexta maior do modo dórico, sobre
cadências tradicionais do campo harmônico menor. Exemplos: Carcará (João do Vale),
Lamento sertanejo (Gilberto Gil e Dominguinhos), Forró Brasil (Hermeto Pascoal).

3.2 SONORIDADE AFRO-BRASILEIRA


• Pentatônica menor

A pentatônica menor carrega uma representação simbólica do universo afro.


Traz em si uma sonoridade que pode ser entendida como herança e construção cultural
que persistiu em musicalidades negras compartilhadas por diferentes países, resultado
da diáspora africana pelo mundo. Músicas do “mundo atlântico negro” encontraram,
nesta sonoridade, uma afirmação e representação do que é africanidade: os afrosambas,
ijexá, nossas canções praieiras, o blues e o jazz.

FIGURA 50 – PENTA MENOR

FONTE: O autor

Harmonicamente, é representativo o uso do campo harmônico menor natural,


expresso no uso do “dominante menor”, o Vm7. Há, nesse maneirismo, uma negação
da sensível, da menor harmônica e da menor melódica, em uma busca estética por
afastamento ou diferenciação das tradições ocidentais. Exemplos: Lenda do Abaeté
(Dorival Caymmi), Canto de Xangô (Baden Powell e Vinícius de Moraes), Olhos coloridos
(Macau).

• Modo Hexacordal

Um modo hexacordal é qualquer modo composto por seis notas. O modo da


Figura 51 pode ser percebido como uma pentatônica menor adicionada de uma nota,
a segunda maior, o que remete e conserva sonoridade de caráter afro. Da mesma
maneira, a pentatônica maior com a quarta. Lembre-se que a tonalidade, assim como a
pentatônica de dó menor tem mi bemol maior como relativa.

FIGURA 51 – MODOS HEXACORDAIS

54
FONTE: O autor

Os modos hexacordais são muito comuns nas músicas folclóricas e músicas


de tradição oral de diversos países, assim como no nordeste brasileiro. Esses modos
podem ser pensados como a omissão de uma nota da escala maior (geralmente a
sensível) ou da escala menor (geralmente a sexta), o que se dá pela necessidade de
excluir tensão, ou indefinir a tonalidade, ou tornar mais cômodo ao canto. Exemplos:
Coisa nº 1 (Moacir Santos), Consolação (Baden Powell/Vinícius de Moraes), Cravo e
canela (Milton Nascimento).

• Modal dórico/eólio - ambiguidades

Como exposto anteriormente, a sonoridade afro pode ser compreendida


como uma necessidade estética de se diferenciar da tradição ocidental, ou cristã, ou
evangelizadora, ou europeia em geral. Por isso, movimentos a partir dos anos 1960,
como o jazz modal e a MPB, buscaram fontes “modernas” e modais para se afastar de
uma sonoridade “antiga” e puramente tonal. Na esteira desse processo, herdamos um
símbolo de sonoridade afro na ênfase aos modos dórico e eólio, difusos e ambíguos na
prática, como cores ou opções de sonoridade em oposição à escala menor com sensível
e seus caminhos mais tradicionais. Pode-se sintetizar como o modo hexacordal que, por
vezes, escolhe a sexta maior (dórico), outras vezes a sexta menor (eólio).

FIGURA 52 – MODOS EÓLIO E DÓRICO

FONTE: O autor

Exemplos: Dórico/Eólio: Coisa nº 1 (Moacir Santos), Berimbau (Baden Powell/


Vinícius de Moraes), Salvador (Egberto Gismonti); Dórico: Vento bravo (Edu Lobo);
Eólio/Dórico: Coisa nº 4 (Moacir Santos).

55
3.3 SONORIDADE INDÍGENA
A riqueza cultural indígena e sua música foram quase extintas de nosso país. De
fato, muito pouco desta musicalidade, em termos melódicos e harmônicos, sobreviveu
como referência clara para nós na música popular, música de concerto, rádios, cinema
e televisão. Sua instrumentação nos é um pouco mais familiar, por ser material, sólida, e
de alguma forma resistiu em chocalhos, reco-reco, flautas, trombetas, ganzás, tambores
e percussão corporal. Seus cantos, transmitidos pela tradição oral e não materializados
em partituras ou discos, em grande medida esvaneceram no tempo pelo desenrolar
colonialista das culturas dominantes.

Mário de Andrade (1972, p. 16), grande pensador brasileiro das bases de nossa
música, afirmava, em tom de crítica, no pioneiro e influente livro para tantos compositores
brasileiros, o Ensaio sobre a Música Brasileira: “O homem da nação Brasil hoje está mais
afastado do ameríndio que do japonês ou húngaro. O elemento ameríndio no populário
brasileiro está psicologicamente assimilado e praticamente já é quase nulo... o que
evidentemente não destrói nossos deveres para com ele”.

Lembramos, aqui, que a vastidão do território brasileiro, a diversidade de nações


indígenas e suas músicas e rituais, e a complexidade de suas diferentes culturas não
são passíveis de resumo em algumas sugestões de sonoridades.

INTERESSANTE
Vejamos dois cantos tupinambás registrados em 1557. Notadas em clave de
dó pelo viajante francês Jean de Léry, na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro,
chamada, na época, de França Antártica. Vamos, em uma imaginária viagem
ao passado, sintetizar, em uma linha, os sons remotos dos nossos indígenas e
prestar a devida homenagem aos originais:

FIGURA – MELODIAS TUPINAMBÁS DE 1557 - CANIDE IOUNE E HEURA-HE

FONTE: Mello (1947 apud MOREIRA, 2013, p. 33)

Agora, em clave de sol, para facilitar a sua vida. Utilizadas por Villa-Lobos na composição
Caninde Ioune – Sabath:

56
FIGURA – CANIDE IOUNE E SABATH, DE VILLA-LOBOS

FONTE: Sergl (2019, p. 165)

Na melodia indígena, podemos perceber, nos dois cantos, tessitura


pequena, graus conjuntos, ritmo regular. No primeiro, notas mi, ré e fá, que parecem,
a nós, hoje, remeter ao modo mi frígio. O segundo, entre lá e dó, finalizando em ré,
o que identificamos como um possível ré menor hexacordal (não há nota si para
caracterizar eólio ou dórico, apesar de haver uma armadura de clave com si bemol).

Tendo isso em mente, veremos, na Figura 53, representações dessa música


indígena. Partem da percepção e criação de Heitor Villa-Lobos, pioneiro na criação de
nossa música de concerto moderna e nacionalista. Através de estudos de transcrições
originais e viagens etnográficas pelo Brasil, moldou sonoridades que nos chegam aos
ouvidos e constroem simbolicamente o elemento indígena:

FIGURA 53 – AMAZONAS (VILLA-LOBOS) - 5ª PARALELA

FONTE: Ferrão (2010, p. 35)

A harmonia quartal, e harmonizações ou acompanhamentos em intervalos de


quintas e quartas justas paralelas trazem um algo de “primitivo”, antigo e “simples”, em
oposição à linguagem do contraponto, homem branco, cristão e “complexo”.

FIGURA 54 – AMAZONAS (VILLA-LOBOS) - RÍTMICA REGULAR

FONTE: Ferrão (2010, p. 32)

A rítmica regular e constante evoca as danças acompanhadas de canto dos


rituais indígenas. Divisões binárias simples, semínimas, colcheias constantes, sem
ligaduras, pontos de aumento e ausência de síncopes.

57
FIGURA 55 – CANTO INDÍGENA NOZANI-NÁ NO CHOROS Nº 3 (VILLA-LOBOS) - MELODIAS EM GRAU
CONJUNTO

FONTE: Ferrão (2010, p. 32)

As melodias com poucos saltos, no máximo terças, e privilegiando graus


conjuntos, evocam um canto ritualístico, coletivo, homofônico.

Em suma, algumas ferramentas principais podem ser sintetizadas (FERRÃO,


2010), para se construir uma representação do som indígena: ostinatos, harmonia
quartal, divisão rítmica constante, paralelismo, melodias em graus conjuntos, sílabas do
texto acompanhando divisão regular e citações de canções com vocabulário indígena.
Exemplos: Saudades das Selvas Brasileiras, nº 1 e 2 (Villa-Lobos), Nozani-Ná (Milton
Nascimento), Kuarup (Egberto Gismonti).

4 SONORIDADES INTERNACIONAIS
• Blues

O blues, como expressão maior de uma raiz da cultura norte-americana, tem sua
linguagem, também afro, fundada na pentatônica, somada a um símbolo característico
de sua sonoridade: a blue note.

FIGURA 56 – PENTATÔNICA MENOR, MAIOR E BLUE NOTES

58
FONTE: O autor

Lembre-se de que as tonalidades maiores e menores são relativas, assim como


suas pentatônicas. Por isso, podemos analisar a pentatônica menor assim como a maior
com suas respectivas blue notes que têm o mesmo conjunto de notas.

Harmonicamente, o tradicional 12 bar blues, ou blues de doze compassos


utiliza apenas acordes do tipo dominante, no primeiro, quarto e quinto graus: I7, IV7,
V7. Quando vamos em direção ao jazzblues e às elaborações ao longo do tempo,
fundamenta-se nesta mesma progressão, enriquecida por preparações subdominante
– dominante secundárias, rearmonização funcional, acordes diminutos e acordes
dominantes substitutos (SubV7). A forma também pode se ampliar, em geral para
estruturas de 16 e 24 compassos ou formato canção A A B A. Versões em tons menores
de blues são frequentes dentro do repertório do jazz. Contudo, as melodias sempre
fazem reverências às pentatônicas com suas blue notes. Exemplos: Mississippi Delta
Blues (Muddy Waters), Bessie’s Blues (John Coltrane) Blues for Alice (Charlie Parker),
Footprints (Wayne Shorter).

• Bebop scales

O bebop é considerado o primeiro estilo de jazz “moderno”, a partir da década de


1940, nos Estados Unidos, em um sentido de buscar a técnica, o virtuosismo e sonoridades
complexas melodicamente. Melodias bebop privilegiam um ritmo melódico acelerado,
muitas semicolcheias por longas extensões, e um avanço em direção ao cromatismo e
notas fora da escala (outside).

FIGURA 57 – BEBOP SCALES

59
FONTE: O autor

Nesse sentido, a escala bebop pode ser entendida como uma fórmula pronta de
sonoridade jazzística, pelo cromatismo previamente entremeado às escalas e modos.
Basicamente, tome uma escala maior, menor ou um modo, e adicione um cromatismo,
transformando uma escala originalmente de sete notas em oito.

Assim, torna-se interessante que, pelo fato de possuir oito notas, sua utilização
é facilitada ao executá-la em semínimas, colcheias e semicolcheias ascendentes ou
descendentes em qualquer andamento. Iniciando no tempo forte, as notas do arpejo ou
da pentatônica irão também soar sempre nos tempos fortes, o que cria uma liberdade
para a improvisação com segurança. Exemplos: Donna Lee (Charlie Parker), Oleo (Sonny
Rollins), Well you needn’t (Thelonious Monk)

• Flamenco/hispânico/árabe:

A escala menor harmônica, o modo frígio e sua versão frígio maior são sonoridades
muito relacionadas às culturas de povos hispânicos e árabes. Nota-se essa ênfase na escala
menor harmônica e seus modos derivados, devido ao poder simbólico e força melódica do
intervalo de um tom e meio entre a sexta menor e a sétima maior (sensível), que estão
vinculados a musicalidades mouras e árabes, as quais foram muito presentes historicamente
na península ibérica, região da Espanha. Nota-se que tal ênfase se apropria desse som
como um atributo de identidade, e para se firmar, como consequência evita sonoridades da
menor melódica, que em sua estrutura visa justamente eliminar esse intervalo.

FIGURA 58 – MENOR NATURAL E FRÍGIO

FONTE: O autor

60
FIGURA 59 – MENOR HARMÔNICA E FRÍGIO MAIOR

FONTE: O autor

O flamenco é um gênero de música e dança que simboliza ao máximo essa


sonoridade. Povos com ascendência hispânica e árabe também a enfatizam, haja vista
que toda a música da América Central, afro-cubana e caribenha, exaltam a sonoridade
menor harmônica em gêneros como rumba, son e bolero. Na América do Sul, sua
presença é garantida no tango argentino e na salsa colombiana.

IMPORTANTE
Essas mesmas escalas são executadas por povos árabes, com os
próprios nomes: maqam nahawand (menor harmônica), maqam bayati
(frígio) e maqam hijaz (frígio maior). O detalhe é que essas culturas
utilizam intervalos menores do que o semitom para várias dessas alturas,
o que entendemos como quartos de tom, ou seja, dividir um semitom em
quatro notas. Isso, geralmente, acontece na segunda nota dos intervalos,
nos quais há meio tom nas escalas. De maneira geral, no Oriente Médio,
os turcos tocam esses microtons mais graves, os árabes no meio e os
iranianos (escalas persas) mais altos.

Recapitulando, a escala menor harmônica parte do primeiro grau. O modo


frígio é o quinto modo da escala menor natural. O modo frígio maior é o quinto da
escala menor harmônica e deve ser aplicado sempre no acorde maior, dominante V7
gerado no quinto grau pelo campo menor harmônico.

Exemplos hispânicos: Malagueña (Elpidio Ramírez - Paco de Lucía), El Cuarto de Tula


(Sergio Siaba - Buena Vista Social Club), Spain (Chick Corea), Libertango (Astor Piazzolla)

Exemplos árabes: Muwashah Ma-Htiyali (Al Turath Ensemble), Soupir Eternel


(Dhafer Youssef), Seven Seas (Avishai Cohen)

• Escala cigana/húngara
61
A mescla na utilização dos termos cigano e húngaro pode ser compreendida
como uma primeira manifestação de orientalismo na música de concerto europeia. Esta
sonoridade, por vezes denominada “escala cigana”, “escala húngara” ou mesmo juntas
“cigana húngara” (gypsy/hungarian) traz a impressão de algo de exótico, misterioso e
faz menção ao folclore e tradições de ciganos de uma região que compreende a Hungria,
Áustria e Romênia, conotando uma música oriental do leste europeu. Esta sonoridade
não ocidental se popularizou e se desenvolveu tanto na música nacionalista de concerto
europeia como no “gypsy jazz” e até no rock.

FIGURA 60 – CIGANA/HÚNGARA

FONTE: O autor

Podemos entendê-la como uma menor harmônica com a quarta aumentada.


Isso amplia a sonoridade “oriental”: há agora, dois intervalos de um tom e meio na
mesma escala: entre a terça menor e a quarta aumentada, e o já mencionado intervalo
da menor harmônica, entre a sexta menor e a sétima maior sensível. Por isso, podemos
até encontrar a nomenclatura “harmônica dupla” ou “double harmonic.”

Da mesma maneira, é chamada de cigana a escala gerada a partir de seu quinto


grau: um frígio maior, agora também com sétima maior. Exemplos: Hungarian fantasy
(Franz Liszt), Avalon (Stephane Grappelli) Gates of Babylon (Rainbow).

• Música tradicional japonesa:

Para entender a essência da música Japonesa, o conceito de senritsukei (fórmulas


melódicas, ou modos) é um importante parâmetro para sua música tradicionalmente
monódica, ou seja, com melodias em sucessões de notas de uma única voz ou instrumento,
sobre um fundo harmônico ou notas pedais. Não existe uma única teoria geral para
compreender a totalidade da música japonesa tradicional. A mais completa e próxima
disso são os modos trazidos pela teorização do influente e pioneiro etnomusicólogo Fumio
Koizumi, e desenvolvimentos de Haiko Otsuka.

62
Estas sonoridades se difundiram amplamente na cultura japonesa, através de
instrumentos como o shamisen, koto e shakuhachi, que são espécies de banjo, uma
harpa horizontal, e flauta doce respectivamente. São ouvidos na música do teatro de
máscaras kabuki, no estilo de dança kyomoto, e gêneros musicais como tokiwazu,
tomimoto, e bungo-bushi.

Enfim, o interessante é que são sistemas muito diferentes da música Ocidental,


com outros conceitos para harmonia, utilização de escalas, improvisação e modulação.
Ainda assim, conseguimos entendê-las e, acima de tudo, reconhecemos como sonoridade
japonesa autêntica. É importante ouvir sempre.

ATENÇÃO
Alguns conceitos a esclarecer: esses modos se baseiam em tetracordes.
São diferentes da nossa visão ocidental de escalas dentro de uma oitava.
Baseiam-se em distâncias de quartas, portanto, entre quatro notas, como mi
até lá. Na figura a seguir, as quatro variedades de tetracordes, diferenciadas
pela nota escolhida para o meio: miyako-bushi (música urbana), minyo
(folclore), ritsu e ryukyiu.

FIGURA – OS QUATRO TETRACORDES

FONTE: Koizumi (1958, p. 257)

Entre cada distância de quarta, uma nota é escolhida no meio. Dois conjuntos
desse, um a partir da fundamental (mi) e outro a partir da quinta (si), compõem um
modo de cinco notas.

FIGURA 61 – OS QUATRO MODOS

FONTE: Koizumi (1958, p. 267)

63
Esses modos da Figura 61 têm sonoridades que podemos aproximar ao que
conhecemos pelos intervalos, como mi frígio, pentatônica menor de mi, pentatônica
maior de lá, arpejo de mi com sétima maior com quarta, respectivamente. No entanto,
chamamos a atenção para os conjuntos de cinco notas exclusivamente, e que se
aplicam, no caso da Figura 62, sobre uma fundamental, bordão ou baixo pedal na nota
mi. Além disso, podem também ser combinados entre dois tetracordes distintos, um
a partir da fundamental e outro diferente a partir da quinta, gerando novas opções de
sonoridades japonesas:

FIGURA 62 – OS QUATRO MODOS COM DOIS TETRACORDES DIFERENTES

FONTE: Tokita (1996, p. 6)

Exemplos: Haru no umi (folclore), Sakura (Kasumi Watanabe) Akegarasu (Takeshi


Terauchi & The Blue Jeans), Zen turtle (Márcio Okayama).

Finalizando, reforçamos que as escalas e modos, para total compreensão,


devem ser tocadas em seu instrumento e ouvidas com um fundo harmônico. Analise
sempre os intervalos e compare as estruturas entre si. Utilize no seu repertório!

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LEITURA
COMPLEMENTAR
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE ARRANJO NA MÚSICA POPULAR

Paulo Aragão

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como proposta a realização de uma breve reflexão sobre
o conceito de “arranjo” no campo da música popular, em especial da música popular
brasileira. A motivação para a escolha desse tema veio da constatação de que a palavra
“arranjo” pode remeter a diversos significados e que as sutilezas existentes entre as
diferentes ações de que o termo pode dar conta provocam frequentemente, certa
indefinição conceitual e uma imprecisão no discurso, observáveis tanto no cotidiano da
prática musical quanto na literatura sobre música popular em geral. O termo “arranjo”
aparece em inúmeros trabalhos, utilizado, em geral, a partir de uma noção calcada no
senso comum nem sempre definida com rigor. Na prática, essa indefinição não acarreta
maiores problemas, sendo atenuada ou eliminada de um jeito ou de outro. Em um
estudo acadêmico, porém, torna-se absolutamente essencial definir, com exatidão, o
que se deve entender por “arranjo”.

2 DESENVOLVIMENTO

A procura por fontes que pudessem auxiliar e alicerçar as discussões promovidas


aqui mostrou o quão limitada é ainda a literatura específica sobre música popular;
especialmente a que se refere à música popular brasileira, e apesar de o arranjo ser um
tema absolutamente fundamental dentro dessa modalidade de música.

A grande maioria dos dicionários a que recorremos traz definições de arranjo


a partir do ponto de vista da música clássica. A leitura desses verbetes “clássicos”,
especialmente daquele escrito por Malcolm Boyd para o New Grove Dictionary, foi,
porém, de suma importância para o estabelecimento do significado e do papel exercido
pelo arranjo na dinâmica de produção da música clássica, o que ajudou sobremaneira
na compreensão de alguns aspectos inerentes ao arranjo popular.

O principal verbete “arranjo”, elaborado a partir das concepções musicais


populares que pudemos encontrar, foi escrito por Gunther Schuller (autor do conceituado
Early Jazz) para o New Grove Dictionary of Jazz. Outros exemplos foram encontrados em
outros livros de referência (como o Guide to Jazz ou a Encyclopedia of Popular Music),
trazendo, porém, definições extremamente superficiais que não serão aproveitadas.

65
As duas principais fontes utilizadas nesse texto acabaram sendo, por força das
contingências, duas fontes estrangeiras (os verbetes do Grove e do Grove of Jazz). A
compreensão efetiva do significado de arranjo nesses dois universos musicais (música
clássica e jazz) será extremamente útil no estabelecimento de paralelos com a música
popular brasileira e no entendimento das particularidades características do arranjo
brasileiro. Além dessas, foram utilizadas outras fontes complementares, como aquelas
em que encontramos as referências ao termo arranjo já nas primeiras décadas do século.

Comecemos, pois, descrevendo e analisando o verbete “arranjo” do New Grove


Dictionary. Segundo a definição geral do Grove, arranjo seria “a reelaboração de uma
composição musical, normalmente para um meio diferente do original”.

O verbete principia, porém, com a apresentação de duas definições mais amplas


de arranjo, que, de certa forma, ilustram a amplitude de alcance do termo. A primeira delas,
sem dúvida a mais ampla de todas, aventa a possibilidade de aplicação do termo a toda
música ocidental, “de Hucbald até Hindemith”, já que cada composição envolve o “rearranjo
dos componentes melódicos e harmônicos básicos e imutáveis conforme são encontrados
nas séries harmônicas e na escala cromática”.

O termo arranjo daria conta, assim, do processo de organização e estruturação


dos sons disponíveis (aptos segundo os critérios culturais da música ocidental). A segunda
definição, um pouco menos abrangente, faria aplicar o termo arranjo a “qualquer peça de
música que fosse baseada ou que incorporasse um material pré-existente”. Essa proposta
englobaria, portanto, formas musicais, como a variação, a paródia e trabalhos litúrgicos
baseados em um cantus firmus, os quais, por definição, utilizam-se de material oriundo
de outras obras já estruturadas. Essas duas definições mais amplas, apesar de pouco
usuais, serão importantes, adiante, na comparação do papel do arranjo nos processos de
produção da música clássica e popular.

A definição mais usual de arranjo, e aquela a que o Grove dedica quase a totalidade
do verbete, aponta para o caminho já esboçado na definição geral transcrita anteriormente.
Arranjo seria a “transferência de uma composição de um meio para outro ou a elaboração
(ou simplificação) de uma peça, com ou sem mudança de meio”. Haveria aí um grau variável
de recomposição envolvido, que faria o resultado do arranjo variar “de uma transcrição quase
literal até uma paráfrase, que seria mais obra do arranjador do que do próprio compositor
em si”.

De fato, esta parece ser a definição utilizada com mais frequência no cotidiano
da música clássica, o que pode ser confirmado, inclusive, com a observação da presença
corriqueira, nesse universo, de algumas das modalidades de arranjo apontadas pelo Grove.

66
Essas modalidades seriam espécies de categorias informais (já que não se
trata de uma caracterização rígida, havendo superposição e entrecruzamento entre os
diversos tipos) que ajudariam a mapear as diversas formas de arranjo. Teríamos assim,
por exemplo, uma primeira categoria constituída por “arranjos comerciais”, ou seja,
partituras elaboradas como objetivo de fazer uma composição alcançar um público
consumidor sempre maior.

Nessa modalidade seriam incluídas tanto edições do séc. XVIII de canções de


Dowland para diversas formações, quanto arranjos de “clássicos popularizados”, como O vôo
do besouro de Rimsky-Korsakov, por exemplo. Também poderiam ser incluídos arranjos que
não trazem mudança de meio, como simplificações de peças virtuosísticas, visando atingir
instrumentistas amadores. Uma segunda modalidade englobaria o que poderíamos chamar
de “arranjos práticos”, que seriam representados pelas reduções de partes orquestrais ou
corais para piano, por exemplo. A terceira modalidade traria arranjos elaborados com a
intenção de expandir o repertório de instrumentos que, por alguma razão, tenham um corpo
de peças originais limitado; é esse o caso das inúmeras peças adaptadas por Segovia para
o violão. Há ainda uma quarta modalidade de arranjos representada por reorquestrações
motivadas pela necessidade de melhor aproveitamento de instrumentos modernos (como
é o caso das partes de metais da 3ª Sinfonia de Beethoven, raramente tocadas como estão
escritas) ou por uma suposta deficiência nas orquestrações originais (como nas Sinfonias
de Schumann reorquestradas por Mahler).

O Grove destaca um parâmetro de comparação entre os arranjos, aplicável a


qualquer uma das categorias relacionadas anteriormente e todas as outras existentes,
que separam arranjo meramente prático, no qual há “pouco ou nenhum envolvimento
artístico por parte do arranjador”, do arranjo mais criativo, no qual a composição original
é “filtrada através da imaginação musical do arranjador”. Por outro lado, fica evidente, ao
longo do texto, o forte teor ético e o julgamento moral que envolvem a prática do arranjo
e a questão da alteração de material original de que ela consiste.

O verbete prossegue com um longo histórico dos arranjos desde a Idade Média.
Nota-se que a definição de arranjo exposta aqui nos remete à definição de “transcrição”,
usual em vários países, inclusive no Brasil, e muito mais associada à música clássica.
A única diferença reside no fato de que a noção de transcrição seria um pouco menos
ampla, dando conta apenas da reelaboração de uma obra com mudança de meio.
Não se consideraria como “transcrição” a simplificação de uma obra virtuosística para
amadores ou a reorquestração de uma sinfonia de Schumann, por exemplo. De todo
modo, continuaremos usando a terminologia tal como encontrada no Grove.

Passemos, então, à descrição do verbete “arranjo”, encontrado no New Grove


Dictionary of Jazz, para posterior comparação. Este verbete é claramente elaborado nos
mesmos moldes e estruturado de forma parecida com aquele descrito anteriormente.
Temos, assim, a seguinte definição geral de arranjo: “a reelaboração ou recomposição
de uma obra musical ou de parte dela (como a melodia) para um meio ou conjunto
diferente do original; também a versão resultante da peça”.

67
Tal como no Grove, a abertura do verbete traz uma definição mais ampla do
conceito de arranjo no jazz. Segundo esta definição, “toda a performance de jazz, mesmo
que improvisada e completamente renovada, constitui uma forma de arranjo, uma vez que
os executantes rearranjam o material básico a cada nova variação”. Assim, toda execução
jazzística prescindiria, necessariamente, de um arranjo, ainda que totalmente improvisado
e sem nenhum tipo de estruturação a priori. Haveria casos, portanto, de execuções únicas,
que não poderiam ser repetidas da mesma forma. Um caso como esse seria denominado
pelo Grove of Jazz de um one-time arrangement, que seria uma vez mais rearranjado em
uma outra execução.

Em uma perspectiva não tão ampla, o Grove of Jazz chega a uma segunda
definição de arranjo, afirmando que o termo seria aplicado a uma versão mais fechada,
“escrita, fixa e às vezes impressa ou publicada de uma obra, em geral arranjada para uma
das formações tradicionais do jazz (jazz orchestra, big band ou algum grupo menor)”.

Observar-se-ia no arranjo, assim compreendido, uma grande variação no que diz


respeito à interferência do arranjador no material original. Teríamos assim, de um lado,
aquelas versões práticas, muitas vezes elaboradas para servir a interesses comerciais
(como os chamado stock arrangements, um tipo de arranjo “simplificado, estritamente
prático e em estilo convencional, em geral disponibilizado em edições comerciais”)
e, de outro, recomposições altamente criativas, nas quais o material original seria
transformado através da criatividade e da imaginação do arranjador, que poderia utilizar
toda a inventividade harmônica e toda a gama de recursos orquestrais que julgasse
apropriada. Nesse ponto, o verbete traça alguns paralelos com a música clássica, a título
de exemplificações.

Os arranjos práticos na música popular seriam comparáveis, na música clássica,


àqueles que consistem de reinstrumentações de peças já existentes (uma sinfonia de
Mozart adaptada para um pequeno grupo constituído por flauta, violino, cello e piano, por
exemplo). Já os arranjos que reelaboram totalmente o material original – não apenas em
termos de instrumentação, mas também em relação a aspectos melódicos, harmônicos
e formais –, representados no jazz nos trabalhos de arranjadores como Duke Ellington ou
Gil Evans, encontrariam paralelo na música clássica em reorquestrações como a de Boris
Godunov, de Mussorgsky, por Rimsky-Korsakov.

Paralelamente a essa segunda definição, o Grove of Jazz aponta um outro tipo de


arranjo muito comum e importante no jazz: o chamado head-arrangement, uma modalidade
de arranjo muito habitual em algumas orquestras de jazz como as de Count Basie e Duke
Ellington. Tratam-se de arranjos não escritos, ou apenas parcialmente escritos (esboçados),
muitas vezes elaborados coletivamente pelos diversos músicos integrantes das bandas
(ainda que, em geral, prevaleça a palavra final do band-leader). Esse tipo de arranjo costuma
surgir ao longo de ensaios, a partir de sugestões e contribuições intuitivas, prontamente
memorizadas pelos músicos.

68
3 CONCLUSÃO

Possibilidades e exemplos de modalidades de arranjo não faltam na música


popular brasileira. A busca por uma definição de arranjo nessa música, porém, nos
levaria a tentar englobar todas essas modalidades em duas noções já apresentadas
anteriormente. A primeira delas seria uma noção mais ampla, mais teórica, e apregoaria
que o arranjo seria inerente a “toda a execução de música popular”, ou seja, seria a
forma de estruturação de uma obra popular.

A segunda noção, mais usual, consideraria arranjo como um conjunto de


predeterminações acertadas de alguma maneira antes da execução de uma obra
popular (“tocar com arranjo”). Por exemplo: um choro “sem arranjo” seria tocado na
forma tradicional do gênero (ABACA), com revezamento espontâneo entre os solistas
(caso houvesse mais de um) e com cada instrumento desempenhando um papel mais
ou menos fixo dentro dessa tradição (violão realizando os baixos e cavaquinho o centro
harmônico-rítmico, por exemplo). Já o mesmo choro tocado “com arranjo” poderia trazer
forma diferente, materiais e procedimentos novos (uma modulação ou melodia dividida
entre vários instrumentos com um sentido mais camerístico, por exemplo).

É importante perceber que a primeira noção engloba a segunda, ou seja,


a definição mais usual de arranjo dá conta apenas de parte do que é abordado na
primeira. A tensão existente entre essas duas definições não deve ser ignorada em
nenhum estudo que lide, de alguma forma, com o arranjo. Assim, para nós, o arranjo
será condição para a existência de uma obra popular. O fato de que essa definição não
parecia usual na época estudada, a julgar pelos exemplos recolhidos, não parece ser
problema, desde que sejam feitas todas as ressalvas necessárias. Afinal, nada impede
que consideremos que havia, de fato, um arranjo na execução de um samba de Sinhô,
por exemplo, por um cantor acompanhado por dois violões. Mais do que isso, podemos
considerar que qualquer acompanhamento nessa época configuraria um arranjo, fosse
ele realizado conscientemente dentro daquela dinâmica ou não, tenha tido ele essa
denominação ou não.

FONTE: ARAGÃO, P. Considerações sobre o conceito de arranjo na música popular. Cadernos do Colóquio, Rio de
Janeiro, v. 1, n. 3, p. 94-107, 2000. Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/coloquio/article/view/40/.
Acesso em: 28 jan. 2021.

69
RESUMO
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A música, os modos e as escalas carregam culturas.

• Elementos musicais são simbólicos e trazem significados culturais. Podem ser


representativos de modos de vida, línguas, linguagens, olhares e portas para o mundo.

• Comparando os modos entre si, você descobre as suas notas características. São
elas que geram a sonoridade, a “cor” específica do modo. Compare, sempre, com a
maior natural, os modos maiores, e, com a menor natural, os modos menores. Afinal,
são “naturais”, são a referência.

• Existem diversos “Brasis”, cada um com a sua sonoridade particular. Vimos o Nordeste,
o afro e o indígena. Existem outros não cobertos aqui. Grandes compositores
e arranjadores musicaram diversas regiões para compor o seu estilo, o seu perfil,
engrandecer a música culturalmente.

• A pentatônica é uma estrutura global, “universal”. Está na África, Japão, China,


Estados Unidos, Brasil etc., e o que a faz particular a algum território são os detalhes,
a maneira de a interpretar.

• Escalas que possuem o intervalo de um tom e meio têm conotação árabe, hispânica,
moura etc. A menor melódica visa diminuir esse intervalo. Também há uma bela
sonoridade e os modos particulares.

• Existem outros sistemas musicais fascinantes, culturas, sons, teorias, paisagens,


enfim, horizontes diferentes dos nossos. Expanda a sua musicalidade!

70
AUTOATIVIDADE
1 Todos os modos possuem notas características e intervalos específicos. Podemos
os descobrir ao comparar modos maiores, com a escala maior (jônio), e menores,
com a escala menor (eólio). As tonalidades maior e menor, compostas por natural,
harmônica e melódica, geram sete modos cada. Analise as sentenças a seguir:

I- Devo comparar a escala maior com os modos jônio, lídio, mixolídio e dórico.
II- A nota característica do frígio é a nona menor (b9).
III- A escala menor harmônica, a partir do quinto grau, gera o modo frígio maior.
IV- O modo mixolídio, com quarta aumentada, é gerado a partir da escala húngara.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.

2 A pentatônica é uma escala amplamente usada no mundo, por diversas culturas. A


respeito dela, as afirmações a seguir estão corretas, EXCETO:

a) ( ) A blue note é um intervalo tipicamente norte-americano, e corresponde à


quinta bemol.
b) ( ) A pentatônica é uma estrutura utilizada para representar o elemento musical afro.
c) ( ) A pentatônica menor possui uma relativa maior, e vice-versa.
d) ( ) As bebop scales também possuem versões pentatônicas.

3 Assinale as escalas ou modos que possuem o intervalo de um tom e meio entre duas
notas da estrutura:

a) ( ) Dórico, Mixolídio, Frígio maior, Menor harmônica.


b) ( ) Mixolídio #4, Maqam hijaz, Myiako-bushi e Frígio maior.
c) ( ) Eólio, Frígio, Cigana, Ritsu.
d) ( ) Cigana, Frígio maior, Menor harmônica e Maqam Nahawand.

4 A sonoridade afro-brasileira pode ser percebida através de escolhas de escalas,


intervalos ou progressões. Sintetize, dissertando em um parágrafo as principais
referências desta sonoridade:

5 A música flamenca, espanhola, hispânica e árabe são atadas por algumas estruturas
comuns. Disserte sobre os principais elementos estruturais dessas sonoridades.

71
REFERÊNCIAS
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73
74
O ARRANJO
E A COMPOSIÇÃO NO
CONTEXTO EDUCACIONAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo, você deverá ser capaz de:

• planejar, efetivamente, as etapas iniciais para preparação e produção de um arranjo;

• diferenciar o que é arranjar, adaptar, transcrever e reduzir para melhor atender aos
objetivos;

• conhecer os limites e escritas ideais para vozes, instrumentos melódicos e percussivos;

• perceber as diferentes etapas de desenvolvimento da aprendizagem das crianças;

• aplicar atividades de arranjo e composição na educação básica;

• desenvolver estratégias pedagógicas a partir da instrumentação, das dinâmicas e


dos recursos de aula alternativos;

• ampliar os planos de ensino e didática, conhecendo exemplos práticos e objetivos


de aula.

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76
PLANEJAMENTO E ADAPTAÇÃO
DO ARRANJO

1 INTRODUÇÃO
Trataremos de uma etapa fundamental para a produção de arranjos:
planejamento e adaptação.

Esclareceremos o que é arranjar, planejar, adaptar, transcrever e reduzir, e trataremos


de alguns temas fundamentais para efetivar esse planejamento, como transposições e
extensão dos instrumentos, extensão das vozes masculina e feminina adulta e infantil,
escrita para bateria e percussão e orientações para seção rítmica.

2 ETAPAS INICIAIS: PLANEJAR, ADAPTAR, TRANSCREVER,


REDUZIR
Quando lidamos com um arranjo, assim como uma composição a ser arranjada,
seja em um ambiente que tem finalidades artísticas ou pedagógicas, uma boa preparação
é essencial para que as atividades, ensaios e apresentações fluam com sequência e
tranquilidade. Dessa forma, preparamos tópicos fundamentais para a sua preparação,
seja como professor ou arranjador:

• Transposições de instrumentos: no campo de trabalho e frente a um grupo, sempre


teremos instrumentações das mais variadas, e a transposição é um assunto particular
de instrumentos transpositores, como saxofone, trompete, clarinete, trompa etc. É vital
que isso esteja esclarecido para que sua comunicação seja eficiente com os músicos ou
alunos. Da mesma forma, para a correta interpretação das partituras originais e escrita
adequada para a leitura desses instrumentistas.
• Extensão dos instrumentos: cada instrumento tem a sua tessitura como limite,
além de regiões mais favoráveis para o brilho do timbre e extensões mais adequadas
para iniciantes.
• Extensão das vozes masculina e feminina: assim como no caso dos instrumentos,
as nossas vozes, e as vozes das crianças, têm limites que devem ser respeitados, a
partir da classificação por extensão e naipes.

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• Escrita para bateria e percussão: esses instrumentos, a princípio, não possuem
sons melódicos, com alturas de notas na pauta convencional. Têm escrita particular,
baseada em símbolos próprios, que devem ser conhecidos pelo arranjador e professor
quando houver necessidade de arranjo específico.
• Orientações para a seção rítmica: orientações gerais que devem ser mencionadas
e levadas em consideração sempre. Essa seção engloba todos os instrumentos que
realizam uma função ritmo-harmônica e, muitas vezes, são necessários e suficientes
apenas alguns comandos, indicações e sínteses na partitura e ensaios para a boa
interpretação e a liberdade.

Passamos, agora, a esclarecer etapas, ou atividades preparatórias do arranjo:


planejar, adaptar, transcrever e reduzir. Muitas vezes, essas tarefas surgem todas
confusas nas falas e no processo de trabalho, por serem conectadas.

É bom levantar de antemão: o processo de composição e arranjo pode ser


projetado, organizado, seguir etapas determinadas. O que estudamos aqui é, justamente,
uma orientação para que isso se concretize e lhe auxilie a buscar o melhor rendimento,
mas devemos considerar que o processo criativo, muitas vezes, é caótico, e isso, não
necessariamente, é ruim. Não há regra especificando que o final deve ser composto
no fim, quando tudo já está pronto. Quem disse que a introdução não pode surgir em
uma inspiração, quando você está dirigindo, por exemplo? Uma letra não pode aparecer
durante o banho? Uma melodia diferente, sendo proposta pelos alunos?

Muitos compositores e arranjadores têm métodos e meios particulares e pessoais,


e você deve descobrir os seus, através do estudo, da prática e da experiência. Muitos
chegam a essa excelência pela tentativa e erro; outros, por experiência prática; e outros,
ainda, necessitam de muita teoria antes de ter coragem.

O importante é dar vazão à criatividade e permitir que a inspiração também nos


guie, afinal, trazemos arte ao mundo.

2.1 PLANEJAMENTO
Propósito: tenha claro, qual é o seu objetivo: Educacional? Artístico? Gravação?
Comercial? Considere, sempre, o público que essa música e arranjo devem atingir,
considere o ouvinte.

Busque um repertório que cative os músicos/alunos. Deve soar melhor. Seu


trabalho fluirá. Existem repertórios que funcionam e outros que travam. O arranjo deve
ser belo, artístico, mas, sobretudo, funcional. Deve soar bem.

78
Tenha em mente a escolha dos instrumentos ou a instrumentação disponível,
considerando o nível dos envolvidos e extraindo o melhor de cada um, mas nunca
ultrapassando demais os limites.

É fundamental que você saiba executar e tenha absorvido o mínimo da


composição: melodia e harmonia.

A forma deve estar clara, é o seu mapa. Ao arranjar, perceba, na composição, as


seções, e utilize letras de ensaio. Localize em caixas, acima do início de cada seção, com
o número de compasso. Por exemplo, uma canção de 32 compassos, que será executada
duas vezes: A A9 B17 A25 - A33 A41 B49 A57. Isso é vital para organizar ensaios, e você poder
dar as direções sem ninguém se perder.

Partitura transposta ou tom de concerto: tenha sempre disponível uma


partitura em dó, com o “som real”, também chamada de “tom de concerto”, com a grade
de todos os instrumentos sem nenhuma transposição, e outra, com os instrumentos
transpostos para os respectivos tons.

Deixe claro se, ao se comunicar, você dirá a altura das notas com o som
real ou transposto. Isso é um acordo pessoal entre você e os músicos.

IMPORTANTE
Diga o som real para não confundir o grupo e deixe que o músico/aluno
pratique a transposição na sua própria mente. Entregue, sempre, aos
instrumentistas, partituras individuais nos seus tons, já transpostos.

Ao fim do arranjo, você pode traçar um gráfico para a sua própria orientação e para
guiar os músicos. Isso também pode servir de inspiração durante a produção do arranjo.

Segue um plano de arranjo de uma grande estrutura, para big band, com cinco
saxofones, quatro trompetes, quatro trombones, guitarra, piano, baixo e bateria, em 18
páginas. Os números indicam quantidade de compassos, e as letras de ensaio indicam
as seções do arranjo. Os pequenos textos indicam o principal evento, ou a novidade do
trecho. Divirta-se ouvindo o áudio e tentando acompanhar o esquema que segue.

79
FIGURA 1 – PLANO DE ARRANJO [FAIXA]

FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 30)

2.2 ADAPTAÇÃO
Consiste em alterar o formato original de uma música para um grupo diferente
com o qual trabalharemos.

O “original” pode ser a partitura de uma fonte confiável, ou uma gravação de


referência.

• Adaptar é trocar os instrumentos: nem sempre temos a instrumentação adequada.


Fique atento às tessituras e transposições.
• Adaptar é trocar a tonalidade original: respeite, em primeiro lugar, as extensões vocais
dos cantores que estão presentes.
• Adaptar é observar e alterar o tempo (bpm) ideal: encontre o andamento que a música
funcionará para aquele grupo e observe os limites técnicos dos músicos/alunos. Alterar o
andamento é uma excelente estratégia de ensaio, ralentar permite lapidar trechos, assim
como acelerar o tempo acorda um grupo sonolento.
• Adaptar é alterar a forma da música quando necessário, alongando ou reduzindo o
tamanho.

2.3 TRANSCRIÇÃO
Consiste na conversão da música de um meio para outro, mantendo fielmente
o conteúdo, sem alteração ou intenção criativa. Por “meio”, entende-se: do áudio para o
papel e de um instrumento para o outro.
80
Muitos arranjos ou composições com os quais trabalharemos não estão disponíveis
escritos, lançados ou editados, é necessário transcrever. Quando trocamos a instrumenta-
ção, pode ser necessária a tarefa de transcrição, por exemplo, do trompete para a guitarra,
da voz para a flauta etc., ou pelas transposições do sax alto para o sax tenor.

Atente para a seção da bateria e da percussão. Muitas vezes, não há necessidade


de transcrever para eles, ou limitará a musicalidade, travará a execução ou será trabalhoso
demais e desnecessário escrever. Muitas vezes, apenas orientações ou sugestões gerais
são suficientes, como veremos mais à frente.

2.4 REDUÇÃO
Consiste em diminuir ou limitar uma grande amplitude de partitura que tem
muitas vozes ou instrumentos, a fim de a tornar executável a um único instrumento.

Um exemplo muito prático e utilizado no campo profissional é a redução de uma


partitura de orquestra ou coro para um piano ou violão com fins de ensaio. A cifragem
de uma obra contrapontística também é uma forma de redução. Executar o arranjo de
um naipe de instrumentos ou grade para um único instrumento harmônico é reduzir.

A redução é uma excelente ferramenta para o professor/arranjador otimizar


ensaios, exemplificar seções da música ou adaptar arranjos.

3 TRANSPOSIÇÕES DE INSTRUMENTOS
Esse é um dos assuntos que mais causa confusão. Vamos esclarecer de vez!
Para isso, nada melhor que tomar um exemplo prático: João toca saxofone soprano.
Esse instrumento é transpositor, ou seja, o som real, aquele que ouvimos, é diferente do
que ele lê. Dizemos que esse instrumento é em Bb (si bemol). Portanto, ao ler uma nota
dó, na partitura, João lê dó, fala que é dó, executa a chave do dó no instrumento, mas
soa a nota real si bemol. Ao compararmos em uníssono com um instrumento que não é
transpositor, como piano, guitarra, violão, o som é do si bemol. Então, o sax soprano soa
um tom abaixo. Se quisermos, como arranjadores e professores, ouvir, de João, a nota
dó, devemos, então, escrever, para ele, um tom acima, a nota ré. Vejamos um trecho:

Essa é a melodia original (som real):

81
FIGURA 2 – MELODIA EM DÓ

FONTE: O autor

Para o sax soprano, deve ser escrita dessa maneira. Deve soar como o exposto
a seguir:

FIGURA 3 – MELODIA TRANSPOSTA SAX SOPRANO

FONTE: O autor

Tenha claro que o tom do instrumento não é o tom da música. Se a tonalidade


da música é dó maior, o saxofone soprano em si bemol deve ler em ré maior. Note
que a melodia subiu um tom, e foi incluída a armadura de clave de ré maior, com fá e dó
sustenidos.

É útil utilizar softwares de edição de partituras, assim, você escreve tudo em dó


(som real, não queremos dizer a tonalidade de dó, a tonalidade é a da música) e, em um
clique, transpõe para os tons particulares dos instrumentos.

Sempre confira os acidentes, às vezes, o programa escreve um ré bemol


quando deveria ser dó sustenido, o que atrapalha a leitura e está teoricamente errado,
apesar de ser o mesmo som.

ATENÇÃO
Se você não tem certeza de quem serão os alunos, níveis, presenças
ou faltas, tenha uma grade com todos os instrumentos em cada tom –
tudo em C – tudo em Eb – tudo em Bb (F é mais raro). Ainda, escritos em
uma região média, nunca nos extremos agudos ou graves. Escreva tudo
mais ou menos no meio da pauta. Assim, você adapta qualquer linha
para qualquer instrumento disponível, o ensaio flui sem dificuldade.
Quando necessário, peça para o músico oitavar algo para o grave ou
para o agudo. Isso é relativamente fácil de fazer.

82
Ao se comunicar, deixe claro e entre em acordo se você falará em dó e deixará
a transposição por conta do instrumentista, ou se falará transpondo. As tonalidades
com as quais mais lidamos na prática são Bb (sax soprano e sax tenor, clarinete,
trompete, fluguelhorn), Eb (sax alto e sax barítono) e F (trompa).

Se o instrumento é em Eb, isso quer dizer que ele lê a nota dó, mas soa a nota
mi bemol. Por exemplo, o saxofone alto lê um dó, mas soa a nota mi bemol abaixo,
uma sexta maior abaixo. Portanto, você deve compensar essa diferença, pensando em
uma terça menor abaixo, ou sexta maior acima, assim, a nota dó vira a nota lá na pauta.
Para escrever para esse sax e soar o som real desejado, utilize uma sexta maior acima.

Se o instrumento é em F, como a trompa, ao ler, o dó soará a nota fá uma


quinta abaixo. Então, escreva, uma quinta acima, a nota sol, para soar dó.

INTERESSANTE
Ao escrever, pensar, ler transpondo, falar transpondo, resuma com o seguinte
cálculo mental: instrumentos em Bb, escrever um tom acima. Instrumentos
em Eb, escrever uma terça menor abaixo. Instrumentos em F, escrever uma
quinta acima. Depois, no software, oitave o que for necessário.

Veja, a seguir (em inglês): Instrumento, Tom de Concerto (som real desejado),
Nota escrita (para conseguir aquele som real) e Transposição para o tom de
concerto (o cálculo de intervalo para chegar ao som real):

FIGURA 4 – TRANSPOSIÇÕES

83
FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 1-2)

84
Esses são os principais instrumentos e as devidas transposições. É bom lembrar
que alguns instrumentos muito populares não estão listados na figura anterior, como
violão, guitarra e contrabaixo (acústico e elétrico), mas são transpositores de oitava, ou
seja, leem e tocam a mesma nota, mas soam, na verdade, uma oitava abaixo da nota
escrita. Nesse caso, não precisamos escrever transpondo.

4 EXTENSÃO DOS INSTRUMENTOS


Conhecendo a transposição, a seguir, teremos a extensão máxima dos mais
comuns instrumentos de sopro, com limites de grave e agudo.

ATENÇÃO
Note que, entre as notas pretas, está a “extensão prática”, que é a região
daquele instrumento, onde a execução para o instrumentista e o timbre são
facilitados e mais confortáveis. Na primeira pauta de cada, o som como deve
ser escrito para soar a nota real da segunda pauta.

FIGURA 5 – EXTENSÃO E REGIÃO DOS INSTRUMENTOS DE SOPRO

85
FONTE: Lowell e Pullig (2003, p. 3-4)

86
5 EXTENSÃO DAS VOZES MASCULINA E FEMININA,
ADULTA E INFANTIL
Na etapa de planejamento, é importantíssimo avaliar a extensão dos cantores
em primeiro lugar. Não corra o risco de ter que reescrever todo o arranjo ao notar, só
depois, que a tonalidade escolhida não serve para aquele grupo vocal.

A seguir, a tessitura feminina: soprano, meio soprano (mezzo soprano) e contralto.


Masculina: tenor, barítono e baixo. Cuide com os limites e conheça as vozes.

FIGURA 6 – EXTENSÃO DAS VOZES MASCULINA E FEMININA

FONTE: Guest (1996, p. 56)

A figura anterior mostrou a extensão para classificarmos vozes adultas, ideais


para o trabalho de arranjo. Como professores, devemos ter atenção especial para as
vozes infantis, que seguem diferentes parâmetros e limites.

É importante lembrar que, nos anos iniciais, comumente trabalhamos com


turmas mistas entre meninos e meninas, e, muitas vezes, não haverá divisão em
naipes. Portanto, o exposto a seguir mostrará regiões confortáveis e recomendadas ao
trabalhar com todos, em idades entre 3 e 12 anos. A partir dessa idade, e verificadas as
mudanças de registro, seguimos com a classificação adulta.

87
QUADRO 1 – EXTENSÕES VOCAIS INFANTIS RECOMENDADAS PARA TURMAS MISTAS

Pesquisador Extensão Faixa etária Local da pesquisa


confortável

Jersild e Bienstock dó3 ao lá3 3 anos Estados Unidos


(1931)

Hattwick (1933) mi3 ao mi4 4 a 8 anos Estados Unidos

Drexler (1938) dó3 ao ré#4 3 a 5 anos Estados Unidos

Gainza (1964) dó3 ao lá3 5 a 7 anos Argentina

Joyner (1969) lá2 ao sol3 9 a 11 anos Inglaterra

Young (1971) lá2 ao fá#3 4 anos Estados Unidos

Young (1971) fá2 ao sol3 5 anos Estados Unidos

Jannibelli (1971) dó3 ao dó4 3 a 6 anos Brasil

Jannibelli (1971) dó3 ao ré4 7 a 11 anos Brasil

Jones (1971) si2 ao si3 8 a 10 anos Estados Unidos

Davies e Roberts (1976) sol2 ao dó4 5 a 10 anos Inglaterra

Welch (1979b) lá2 ao dó4 6 a 8 anos Nova Zelândia

Moore (1991) dó3 ao sib3 8 a 11 anos Estados Unidos

Ries (2005) dó3 ao dó4 6 a 12 anos Estados Unidos

Sesc (1997) dó3 ao sib3 7 a 12 anos Brasil

FONTE: Roberty (2016, p. 43)

Ainda, ao trabalharmos com coros infantis, podem ser necessárias a divisão e a


classificação dessas vozes. O exposto a seguir é referência válida até hoje, elaborado no
Brasil, a partir de propostas do canto orfeônico de Villa-Lobos:

QUADRO 2 – CLASSIFICAÇÃO VOCAL INFANTIL

Faixa etária Classificação por Data de


Autor Extensão vocal
em anos timbre vocal recolhimento

Ribeiro De 2 até 5 dó3 ao dó4 Pré-infantil 1965

Ribeiro De 6 até 12 dó3 ao mib4 Sopranino 1965

Ribeiro De 6 até 12 lá2 ao dó4 Contraltino 1965

Ribeiro De 6 até 12 sol2 ao dó4 Contraltino 1965

Ribeiro De 6 até 12 si2 ao ré4 Tenorino 1965

Ribeiro De 6 até 12 ré2 ao dó3 Barítono infantil 1965

Mahle De 7 até 12 dó3 até o sol4 Soprano 1969-1970

Mahle De 7 até 12 dó3 até o mi4 Meio-soprano 1969-1970

Mahle De 7 até 12 sol2 ao dó3 Contralto 1969-1970

88
6 ESCRITA PARA A BATERIA E A PERCUSSÃO
A bateria e o leque de instrumentos percussivos possuem notação própria. São
escritos sobre a pauta, mas com símbolos diferenciados para as cabeças de nota, pois,
geralmente, não têm altura melódica definida. Como na pauta tradicional, são escritos
do grave ao agudo, de baixo para cima.

A escrita rítmica para esses símbolos é a tradicional, que já conhecemos, como


semínimas, colcheias, pontos de aumento, pausas, fórmulas de compasso etc.

ATENÇÃO
Cuidado com a questão pausas/ligaduras/notas longas. Os instrumentos
percussivos, muitas vezes, não possuem sustentação da nota, o sustain, notas
longas. Isso pode dar a entender que, a cada toque, necessitamos grafar os vazios,
as pausas entre os sons. Isso torna a partitura, visualmente, muito complexa, o
que prejudica a leitura e a execução. Portanto, escreva, sempre, a duração da
nota, até o momento do próximo som, sem pausas entre notas. As pausas podem
ser utilizadas quando necessitamos deixar clara a necessidade de não haver prolongamento,
como exemplo, quando há uma convenção, e o naipe da percussão executa em conjunto com
instrumentos melódicos, células que trazem pausas na melodia. Paralelamente a isso, alguns
elementos da percussão possuem notas muito longas, como pratos, sinos, que podem soar por
muitos compassos. A noção anterior segue funcionando: não escreva a duração total desses
sons, apenas o valor até a próxima nota.

FIGURA 7 – PEÇAS DA BATERIA NA PAUTA

FONTE: Guest (1996, p. 79)

No exposto anterior, note que cada peça tem um lugar individual. Os tambores
têm cabeças de nota tradicionais. Pratos, cabeças de nota em x, e o chimbal, três figuras
diferentes: aberto, fechado e com o pé esquerdo.

89
7 ORIENTAÇÕES PARA A SEÇÃO RÍTMICA
Conhecida a escrita para a bateria e a percussão, vale mencionar orientações
gerais muito úteis para a seção rítmica, que inclui instrumentos que fazem a função
rítmico-harmônica.

Em muitas ocasiões, os arranjos não trazem uma escrita literal e integral,


na partitura, para esses instrumentos, e isso visa, justamente, a boas sonoridade e
execução.

Uma extensa e rigorosa partitura para esses instrumentos pode se tornar


antimusical, e travar a liberdade e a expressão do músico, e, por consequência, atrapalhar
a sonoridade do conjunto. Muitas vezes, o percussionista necessita da partitura da melodia
principal, para saber se colocar, quando frasear, conhecer a forma e fazer anotações.
Tenha bom senso e seja musical para analisar quando é preciso escrever minuciosamente
e especificamente para esse grupo de instrumentos.

A seguir, algumas orientações gerais de grande valia para a fluência da bateria,


da percussão e da seção rítmica.

Levadas: geralmente, são, de conhecimento do baterista e da seção rítmica,


as células próprias de cada gênero musical. Quando é necessário escrever uma levada,
pode-se optar por uma escrita reduzida para os itens principais, e permitir as variações
do músico livremente. Essa levada sintetizada é escrita apenas uma vez, um ciclo, sem
repetições. A partir daí, podemos indicar as palavras “segue” ou “simile” para informar
que a levada continua até haver alguma alteração. Uma linha ondulada pode ser
desenhada em todo esse trecho. Ainda, o sinal de repetição de compassos, com um
número indicando a quantidade.

FIGURA 8 – LEVADAS RESUMIDAS

FONTE: Nestico (1993, p. 72)

90
Convenções: as convenções são momentos nos quais a levada de todo o
grupo é interrompida, e todos ou grande parte dos instrumentos executam a mesma
célula rítmica. As convenções podem ser notadas na pauta da bateria. Uma excelente
ferramenta, prática e rápida, é uma notação apenas rítmica acima da partitura da
melodia/cifra, indicando as convenções.

FIGURA 9 – CONVENÇÕES EM VERA CRUZ, DE MILTON NASCIMENTO

FONTE: The Latin (1997, p. 523)

Sinais de gênero, andamento e bpm: especifique uma indicação de gênero


musical, como samba, bossa, jazz, baião, andamento (samba rápido, bossa lenta) ou
batidas por minuto (bpm) da nota que equivale a um tempo. Se a música não necessitar
da partitura da bateria, só isso já basta. Também é o bastante para o acompanhamento
rítmico das cifras. Sempre do lado esquerdo, acima do primeiro compasso:

FIGURA 10 – COMPASSO 1 DE RIO, DE ROBERTO MENESCAL E RONALDO BÔSCOLI

FONTE: The Latin (1997, p. 523)

Percussão: os instrumentos de percussão, sem altura definida, podem utilizar


uma pauta de única linha. Isso facilita a visualização e a leitura, reduzida a grave e agudo
e sinais específicos de técnica de pandeiro:

91
FIGURA 11 – LEGENDA PARA PERCUSSÃO

FONTE: Paiva e Alexandre (2010, p. 20)

92
RESUMO
Você adquiriu certos aprendizados, como:

• O sucesso do arranjo e do plano de aula depende de etapas iniciais de planejamento.

• É importante escolher a melhor estratégia de arranjo, definindo e diferenciando


quando é que necessitamos arranjar, adaptar, transcrever ou reduzir.

• É muito útil termos sempre ao alcance das mãos uma partitura transposta e outra
com o som real.

• Os tons dos instrumentos não se confundem com o tom da música, por exemplo, se
a tonalidade da música é dó maior, o saxofone soprano em si bemol deve ler ré maior.

• As tonalidades com as quais mais lidamos na prática são: Bb (sax soprano e sax tenor,
clarinete, trompete, fluguelhorn), Eb (sax alto e sax barítono) e F (trompa).

• Para instrumentos em Bb, escreva um tom acima, e, para instrumentos em Eb,


escreva uma terça menor abaixo.

• Existe a “extensão prática”, região de um instrumento na qual a execução para o


instrumentista e o timbre são facilitados e mais confortáveis.

• Na etapa do planejamento, é importante avaliar a extensão dos cantores em primeiro


lugar, para não perder tempo e trabalho.

• Nos anos iniciais, comumente trabalhamos com turmas mistas entre meninos e
meninas, e, muitas vezes, não haverá divisão em naipes. Se for necessário, podemos
dividir e classificar as vozes através dos quadros indicados.

• A bateria e o leque de instrumentos percussivos possuem notação própria. Muitas vezes,


orientações gerais são suficientes, ao invés de uma escrita detalhada.

93
AUTOATIVIDADE
1 Muitas vezes, lidamos, em aulas de arranjos, com instrumentos transpositores. Se for
necessário escrever a seguinte melodia, sol – fá# – ré – dó# para o saxofone alto, quais
serão as notas escritas na partitura? Acerca da transposição, assinale a sequência
CORRETA:

a) ( ) lá – sol# - mi – ré#.
b) ( ) ré – ré bemol – si – lá bemol.
c) ( ) mi – ré# - si – lá#.
d) ( ) sol – sol bemol – ré – ré bemol.

2 A classificação vocal é útil para determinar a tessitura dos cantores. Baseado em


Guest (1996, p. 56), nossa referência para a Unidade 2, classifique V para alternativas
verdadeiras e F para alternativas falsas.

( ) A extensão da voz soprano se enquadra entre o Dó3 (dó central) e o Dó5.


( ) Barítono é a uma voz acima do tenor.
( ) O baixo é uma voz entre o mi1 e o lá2.
( ) Crianças não podem ser classificadas em naipes.

Assinale a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – F – F.
b) ( ) V – F – F – F.
c) ( ) F – F – F – V.
d) ( ) V – F – F – V.

3 A seção rítmica engloba instrumentos de percussão e instrumentos com função


ritmo-harmônica. Disserte sobre as particularidades na escrita para percussão e
bateria.

94
ARRANJO E COMPOSIÇÃO NA ESCOLA

1 INTRODUÇÃO
Traz, a você, técnicas de arranjo e composição com base em ferramentas que podem
ser utilizadas em qualquer contexto profissional e níveis de execução. Relembrando, todas
as técnicas aqui apresentadas são aplicáveis em via de mão dupla, seja para sofisticar ou
simplificar, dependendo do objetivo. São ferramentas para uma big band, orquestra, gravação
e, até mesmo, para uma sala de aula.

Trataremos das atividades de arranjo e de composição no contexto escolar. Para


isso se efetivar no nosso papel de professores, devemos procurar absorver conhecimento
teórico e aplicar em experiências musicais práticas.

Neste momento, é hora de entender e considerar as necessidades específicas


do conteúdo relacionado às crianças e aos adolescentes, expandindo o olhar e os
horizontes como educadores, sensíveis e empáticos, sempre proporcionando, em
primeiro plano, um contato lúdico, divertido, artístico, criativo, enriquecedor e saudável
da música para as pessoas nessas etapas da vida.

No dia 18 de agosto de 2008, foi aprovada a Lei nº 11.769, que estabelece a


obrigatoriedade do ensino de música nas escolas de educação básica. Foi uma grande
conquista para a área da educação musical no país, professores, alunos e cultura
brasileira em geral. Contempla os porquês e os fundamentos da música na escola, com
um guia de atividades práticas, de acordo com as idades da educação básica, ensinos
infantil, fundamental e médio, abrindo com otimismo para a área:

Dessa forma, quando se anuncia a volta de uma disciplina, como


Música, para o currículo das escolas, a primeira reação, em geral, é de
euforia. Pesquisas apontam que a grande maioria da população vê,
com bons olhos, a lei que a torna obrigatória na formação acadêmica
de jovens e crianças. Cientistas acreditam que a música possibilita
o cérebro para formas superiores de raciocínio. Aliadas a isso, as
novas gerações poderão transformar nossa sociedade com mais
criatividade, equilíbrio, alegria e cultura (JORDÃO et al., 2012, p. 3).

95
DICA
Um extenso material, intitulado A Música na Escola, foi elaborado pelo
Ministério da Cultura em parceria com a Vale, em 2012, para auxiliar e
orientar professores nessa tarefa. Disponível para download em: http://www.
amusicanaescola.com.br/pdf/AMUSICANAESCOLA.pdf.

2 ARRANJANDO E COMPONDO COM CRIANÇAS


E ADOLESCENTES
É comum associarmos o arranjo e a composição a “coisas de adulto” ou a tarefas
complexas para músicos experientes. Nada disso! Arranjar e compor são duas das
atividades mais úteis, eficientes e lúdicas para se trabalhar na educação musical.

Associar as práticas com improvisação, jogos, brincadeiras e liberdades


naturais, às crianças e adolescentes, desenvolver amplos processos cognitivos, otimizar
a relação ensino-aprendizagem e articular criatividade, coordenação motora, raciocínio,
conhecimento teórico e prática musical.

Devemos manter viva a percepção de que nossos assuntos, neste livro, arranjar
e compor, são tarefas musicais essencialmente criativas. Muitas instituições, escolas e
professores de música ainda permanecem em um padrão somente tecnicista, talvez,
tradicional, ou conservador, ou, simplesmente, tímido: ensinar música apenas através
da repetição por longas horas, técnica de instrumento, execução padronizada a uma
gravação original ou fiel à partitura, carecendo de estímulos às práticas criativas, tão
essenciais à música. Devemos estar sempre atentos à nossa própria prática, e alertas para
não cair no perfil de professor repetidor, levantado por Teca Alencar de Brito (2003, p. 52):

Continuamos apenas cantando canções que já vêm prontas, tocando os


instrumentos, única e exclusivamente, de acordo com as indicações prévias do
professor, batendo o pulso, o ritmo etc., quase sempre excluindo a interação com a
linguagem musical, que se dá pela exploração, pela pesquisa e criação, pela integração
de subjetivo e objetivo, de sujeito e objeto, pela elaboração de hipóteses e comparação
de possibilidades, pela ampliação de recursos, respeitando as experiências prévias, a
maturidade, a cultura do aluno, seus interesses e as suas motivações interna e externa.

Tendo esse horizonte como meta, é importante termos, como base, a noção das
competências dos alunos por suas idades através dos estágios de desenvolvimento, a
fim de reconhecer o tipo e o nível de conteúdo, adequando as atividades de arranjo e
composição que devemos propor.

96
Keith Swanwick (2014) desenvolveu um consagrado modelo orientador das
relações entre idades e competências, em forma de espiral, para demonstrar os níveis
de desenvolvimento musical. Divide-se em quatro estágios, da esquerda para direita:

FIGURA 12 – TEORIA ESPIRAL DE SWANWICK

FONTE: Swanwick (2014, p. 104)

Essa teoria oferece subsídios para determinarmos o ponto de desenvolvimento dos


alunos, o conteúdo absorvido e a partir de onde podemos prosseguir. Até mesmo, podemos
avaliar o nosso desenvolvimento em algum aspecto musical, pois temos a visão de que
retornamos ao estágio inicial desse eterno ciclo espiral toda vez que adentramos em um
assunto novo, fora do nosso domínio.

Na figura anterior, dentro da espiral, visualizamos os quatro estágios ao centro.


No lado esquerdo, há a dimensão mais pessoal, subjetiva, livre, intuitiva. No direito, a
dimensão mais externa, objetiva, sistemática, analítica.

Nessa teoria, o conhecimento intuitivo sempre deve fazer parte da natureza da


experiência musical, sendo que as relações com o conhecimento lógico ou analítico
são dependentes e interligadas. Swanwick (2014) argumenta que o processo de
conhecimento, em qualquer nível, acontece de forma intuitiva em um primeiro momento,
para depois ser embasado pela análise, e, através dessa interação, pode ser formado um
desenvolvimento sólido e integral.

97
Fora da espiral, do lado esquerdo, há as áreas nas quais esses processos são
abertos. Ainda, fora, do lado direito, as idades aproximadas.

• De 0 a 4 anos, a criança está no estágio Materiais; o processo, Domínio, refere-


se a uma fase de experimentação sensorial dentro de uma experiência musical
geral, não específica, englobando visão, tato e audição. Pode manipular e perceber
materiais e objetos que produzem som e a própria voz, podendo perceber timbres,
alturas, intensidades e durações.
• De 4 a 9 anos, a criança adentra no estágio Expressão, no qual inicia maior consciência
pessoal, efetivamente, percebendo o caráter expressivo de linguagens (vernacular).
Já consegue, através da imitação, reproduzir e produzir variações em instrumentos
e objetos, em efeitos relativos a timbre, altura, duração, andamento, intensidade e
textura. O refinamento das percepções de pulso e afinação se inicia em um momento
intermediário desse estágio.
• Entre 10 e 15 anos, no estágio Forma, o indivíduo demonstra ampliação da
imaginação e consciência da execução musical, especulando e argumentando
a respeito do que realiza, não mais apenas reproduzindo ou sentindo. Ainda,
compreendendo o controle e o domínio técnico formal e idiomático, percebendo
as relações estruturais e teóricas da música. O ajuste fino da coordenação motora e
a técnica instrumental partem desse estágio.
• A partir dos 15 anos, no estágio Valor, adquirindo, com essa idade, a metacognição
(capacidades de perceber e regular os próprios processos de aprendizagem), pode
perceber, aferir e diferenciar valores simbólicos e chegar a abstrações conceituais
e juízos de valor, além de amadurecer, produzir e reconhecer um pensamento
sistemático.

DICA
Para ampliar as informações das idades, do desenvolvimento e das
capacidades, leia:
• PARIZZI, M. B. O canto espontâneo da criança de zero a seis anos: dos
balbucios às canções transcendentes. Revista da ABEM, Recife, v. 14, n. 15,
p. 39-48, 2016.
• FRANÇA, M. C. C. Composing, performing and audience-listening as symmetrical
indicators of musical understanding. 1998. 296 f. Tese (Doutorado em Filosofia) –
Institute of Education, University of London, Londres, 1998.
• SLOBODA, J. The musical mind - The cognitive psychology of music. Oxford: Clarendon
Press, 1985.
• SWANWICK, K. Música, mente e educação. Tradução Marcell Silva Steuernagel. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2014.
• SWANWICK, K.; TILLMAN, J. The sequences of musical development: a study of children’s
composition. British Journal of Musical Education, London, v. 3, n. 3, p. 305-339, 1986.
• DAVIES, C. Listen to my song: a study of songs invented by children aged 5 to 7 years.
British Journal of Music Education, London, v. 1, n. 9, p. 19-48, 1992.
• HARGREAVES, D. J. The developmental psychology of music. London: Cambridge
Press, 1986.

98
Nem apenas passamos através desses modos, mas também os
levamos conosco para o próximo. Em certos momentos, é necessário
recomeçar. Por exemplo: se manuseamos um novo instrumento,
ou trabalhamos com um idioma novo, ou uma nova peça musical,
somos imediatamente levados de volta ao problema do domínio. É
importante ter claro que essas transformações são cumulativas e
cíclicas (SWANWICK, 2014, p. 90-91).

Portanto, podemos inserir as atividades de arranjo e composição com efetividade


entre um momento intermediário do segundo para o terceiro estágio. Além disso, a
figura espiral e cíclica é de valia para percebermos que tais estágios não são percorridos
somente nas faixas etárias apresentadas, mas são acumulados e necessários para
absorver etapa a etapa para seguir subindo na espiral, durante toda a vida.

Podemos entender que sempre retornamos ao início da espiral a cada nova


experiência musical, ou domínio de um novo instrumento, ou entendimento de um
conceito teórico novo.

Outro trabalho de Swanwick (2014), muito influente no Brasil, e que pode servir
como guia de atividades, valoriza a inclusão da composição no contexto escolar. A Basis
for Music Education (1979) propõe uma fundamentação através do Modelo C L A S P.

Uma boa e completa didática musical se dá através da interação de cinco


atividades: composição – C; estudos acadêmicos (Literature studies) – L;
apreciação – A; aquisição de habilidades (Skill acquisition) – S; e performance – P.
No Brasil, a tradução se dá pela sigla T E C L A – Técnica, Execução, Composição, Leitura,
Apreciação. A partir desse diagnóstico, como trabalhar e diferenciar arranjo e composição
para crianças e adolescentes? Ao sintetizarmos a definição desses conceitos, ao mais
básico e essencial, para trabalhar com os pequenos, podemos entender que:

NOTA
Composição trata de criar material melódico, textual ou harmônico. Já o
ARRANJO significa organizar e tratar desse material escolhendo ritmos,
andamento, instrumentação, timbres, textura, forma e interpretação.

Partindo disso, o professor deve perceber que, muitas vezes, esses elementos
estão completamente mesclados na prática da composição em sala de aula, e isso
não é um problema. Deve, também, perceber, a partir de que momento atividades,
idade e nível teórico/técnico, gradativamente, o arranjo que vai se diferenciando e se
especializando como tarefa à parte.

Vimos ferramentas de arranjo específicas, delimitadas, definidas, profissionais,


e, muitas vezes, complexas.

99
São passíveis de compreensão e aplicáveis em uma composição por adultos,
músicos, professores, conhecedores e iniciados na teoria musical. Já pensando a partir da
concepção TECLA e das atividades para o ensino básico, a criação e o arranjo podem estar
difusos e entremeados nas tarefas de composição, execução e técnica.

Diversos autores já notaram como as modalidades interagem, influenciando-se


mutuamente, como Leonhard e House (1972, p. 313), os quais já consideravam “óbvio
que todas as fases do programa de educação musical podem lucrar com um trabalho
realmente criativo, no qual composição, performance e apreciação são combinadas em
uma experiência integrada”:

Composição, apreciação e performance compartilham muitas habilida-


des. Realmente, podemos argumentar que a composição depende da
habilidade de apreciar as possibilidades da linguagem musical, além de
selecionar e rejeitar ideias como resultado. Uma apreciação bem-suce-
dida depende dos insights adquiridos a partir da manipulação do mate-
rial na composição e na performance. Uma performance bem-sucedida
depende dos julgamentos sobre a música como resultado de uma com-
preensão cada vez mais profunda, e não através da imitação de outros
ou seguindo ordens (GANE, 1996, p. 52).

O excerto anterior diz que “a composição depende das habilidades de


selecionar e rejeitar ideias”. Selecionar e rejeitar são arranjo, assim como escolher
trechos, forma, instrumentação, timbres, textura, expressão e interpretação. Isso faz
parte da atividade de arranjo, tanto para um profissional experiente em uma gravação
com orquestra quanto para uma criança de sete anos em sala com os colegas e os
instrumentos alternativos feitos de garrafa pet.

A composição deve ter um sentido ampliado enquanto tarefa, para educação


básica, considerando e privilegiando fatores, como engajamento, aproveitamento da
atividade, motivos lúdicos para os alunos, com atenção aos julgamentos de valor, a
respeito do que é uma composição ou arranjo “de qualidade”. Nesse sentido, França e
Swanwick (2002, p. 11) manifestam que:

Desde que os alunos estejam engajados com os propósitos de articular


e comunicar seu pensamento em formas sonoras, organizando
padrões e gerando novas estruturas dentro de um período de tempo,
o produto resultante deve ser considerado como uma composição,
independentemente de julgamentos de valor. Essas peças são
expressões legítimas das vidas intelectual e afetiva.

Mesmo com essa concepção aberta e livre de composição, muitas vezes,


processos inerentes e indiferenciados do arranjo estão sendo trabalhados ao mesmo
tempo e devem ser apontados aos alunos.

A soltura de conceitos para as crianças não deve ser confundida com um lúdico,
que abre espaço para falta de esmero na criação e na execução, seja em qualquer idade,
seja em qualquer nível de complexidade:

100
Certamente, deve-se trabalhar no sentido de identificar, refinar e apri-
morar qualidades artísticas e o impacto expressivo nas peças. A abran-
gência da definição não implica que tudo o que se fizer em com-
posição será musicalmente significativo ou educacionalmente
válido. O potencial educativo da composição reside no significado
e na expressividade que o produto musical é capaz de comuni-
car [...]. Da mesma forma que na composição, a amplitude da definição
não pode representar um pretexto para se descuidar da qualida-
de artística da performance. Seja qual for o nível de complexidade,
é preciso procurar a melhor qualidade artística possível para que
ela resulte significativa, expressiva e relevante. As crianças devem ser
encorajadas a cantar ou tocar a mais simples peça com compro-
metimento e envolvimento, procurando um resultado criativo, expres-
sivo e estilisticamente consistente. Isso deve ser almejado por ser essa
a única forma pela qual a performance, em qualquer nível, pode se tor-
nar uma experiência esteticamente significativa (FRANÇA; SWANWICK,
2002, p. 11-14, grifos nossos).

Por fim, é essencial que o professor proporcione um ambiente estimulante,


favorável, sem receios ou muitas amarras, no qual os alunos possam experimentar,
abertamente e com confiança, liberdade e criatividade, os objetos, instrumentos,
vozes e ideias. A educação musical deve preservar o ímpeto da inspiração, curiosidade,
exploração e fantasia, que nutre a composição musical em nós:

Nos estágios iniciais, os objetivos devem ser brincar, explorar,


descobrir possibilidades expressivas dos sons e organização, e
não dominar técnicas complexas de composição, o que poderia
gerar um esvaziamento do potencial educativo. Nas aulas, muitas
oportunidades para compor podem surgir a partir da experimentação,
que demanda ouvir, selecionar, rejeitar e controlar o material sonoro.
A composição também pode promover um progressivo domínio da
técnica e controle dos instrumentos para realização do resultado
musical desejado (FRANÇA; SWANWICK, 2002, p. 10).

Vejamos, a seguir, o instrumental mais utilizado na educação musical, com


alternativas que favorecem e estimulam atividades de composição e arranjo nos estágios
iniciais, como jogos musicais, instrumentos alternativos e percussão corporal.

3 INSTRUMENTAL, JOGOS, INSTRUMENTOS


ALTERNATIVOS, PERCUSSÃO CORPORAL
No ambiente da educação musical, já são consagrados, influentes e registrados
inúmeros métodos e didáticas, principalmente, os instrumentos flauta doce, violão, coral
e teclado. A utilização é valorizada, principalmente, devido aos custos relativamente
baixos desses instrumentos, tocabilidade facilitada, locomoção e transporte, e apoiados
com vasta bibliografia e repertório. Como imaginamos, mesmo assim, nos ambientes
profissionais da educação brasileira, muitas vezes, esses instrumentos não estarão
acessíveis aos alunos e ao professor.

101
Como trabalhar arranjo e composição nesse cenário? Criatividade. Ela faz parte
da composição e da arte da música. Iniciativas como jogos, instrumentos alternativos
e percussão corporal são extremamente enriquecedoras e prazerosas, dão conta do
conteúdo teórico de uma aula e são muito estimulantes aos alunos.

Enquadram-se, em diversos conteúdos relativos ao arranjo: timbre,


instrumentação, textura, expressão, interpretação.

Enquadram-se, em diversos elementos da composição: melodia (alturas meló-


dicas, intervalos, grave e agudo) e harmonia (junção de várias alturas melódicas). A
composição pode ser rítmica, vocal, contendo texto ou não. Teremos, mais à frente, exem-
plos práticos de diversas atividades e referências musicais de grupos e áudios.

3.1 JOGOS E BRINCADEIRAS MUSICAIS


A primeira iniciativa a se apresentar aqui, como estímulo à composição e ao arranjo
no ambiente escolar, certamente, são os jogos ou brincadeiras musicais. Essas atividades,
cativantes do interesse e da atenção da criança e do adolescente, podem ser excelente
estratégia para a inserção de conteúdos teóricos através da prática, da exploração criativa
e sem amarras para a composição, da prática regular e destemida da improvisação (que
é a composição em tempo real) e da organização de elementos musicais, objetivando
um arranjo. Vamos, primeiramente, conceituar e diferenciar o que são jogos, brincadeiras,
brinquedo e atividade lúdica:

brincadeira se refere […] à ação de brincar, ao comportamento espontâ-


neo que resulta de uma atividade não estruturada; jogo é compreendido
como uma brincadeira que envolve regras; brinquedo é utilizado para
designar o sentido de objeto de brincar; atividade lúdica abrange, de for-
ma ampla, os conceitos anteriores (FRIEDMANN, 1996, p. 12).

Dessa maneira, brincadeiras, por serem, muitas vezes, não estruturadas e


sem um produto final definido, podem dar vazão à composição e à criatividade, através
da espontaneidade e da improvisação.

Jogos, por envolverem regras definidas, podem visar à composição, através de


um conteúdo delimitado, ou trabalhando aspectos da organização dos elementos musicais
para o arranjo. O brinquedo utilizado pode ser um instrumento musical alternativo, ou
objetos sonoros. São lúdicos quando o objetivo é que a atividade seja prazerosa em
primeiro lugar.

A área da Educação Musical, no Brasil, explora e destaca, nas últimas décadas,


a importância das práticas criativas. Traz, para o centro da discussão, a composição e
a improvisação como vitais para o ensino e a aprendizagem da música, alicerçadas em
pesquisas, como as de Fonterrada (2008), Beineke e Zanetta (2014), e Brito (2007). Essa
bibliografia nos mostra uma valorização dessas práticas no século XX, após um longo
102
período de ênfase no ensino voltado à formação do “virtuose”, abordagem de cunho
quase exclusivamente técnico, visando à destreza e à repetição, voltadas à performance.
A partir dessa lacuna identificada, despontam os “métodos ativos” ou “pedagogias
ativas” para a educação musical, com propostas que “descartam a aproximação da
criança com a música, como procedimento técnico ou teórico, preferindo que entre em
contato como experiência de vida” (FONTERRADA, 2008, p. 177).

Compartilho a ideia de que música é jogo. Jogo que o filósofo francês


Gilles Deleuze (1925-1995) chamou de ideal: sem ganhadores
ou perdedores, movido pelo prazer de jogar. Jogo reservado ao
pensamento e à arte, disse ele, e também às crianças, completo
(Deleuze, 2003) [...]. Jogo da música e também da criança, para
quem “o jogar, o brincar em si mesmo é modo de vida que vem e vai,
que flui sem vencedores ou perdedores, que é jeito de perceber, de
sentir, de viver” (BRITO, 2007, p. 44). Para elas, a música é mais um
brinquedo: fazem música brincando, brincam fazendo música, ou,
ainda, brincam de fazer música […], dependendo dos modos adultos
de perceber e avaliar as relações que estabelecem com a potência do
sonoro (BRITO, 2013, p. 102).

Teca Alencar de Brito (2013), a partir da ampla experiência prática e das influentes
e criativas pesquisas na área, nos inspira a jogar e a criar com os alunos, quando relembra
a riqueza da sua formação musical na importante referência do músico e educador Hans-
Joachim Koellreutter (1915-2005), desde muito jovem: “Ele dizia que só respondia como
educador quando o aluno perguntava algo. “O resto do tempo eu faço música com ele”, ele
completava, capturando-me com tais palavras” (BRITO, 2013, p. 103).

3.2 INSTRUMENTOS ALTERNATIVOS


Os instrumentos alternativos são amplamente usados pela educação musical.
São favoráveis em qualquer ambiente, sobretudo, quando não dispomos de instrumentos
tradicionais para todos os alunos, ou de verbas institucionais para aquisição. A confecção
desses instrumentos já é, por si só, uma atividade enriquecedora e extremamente lúdica
para os alunos. Os materiais alternativos, coloridos, recicláveis, cotidianos e inusitados
produzem timbres únicos e sonoridades diferenciadas.

São ferramentas para o trabalho de arranjo. Quando um arranjador adapta uma


melodia de piano para o naipe de metais, não está trabalhando abertura de vozes, timbre,
expressão, interpretação? Da mesma forma, funciona para uma melodia composta
pela voz dos alunos para um naipe de garrafas de água afinadas. Ainda, por seu potencial
lúdico, manipulativo e curioso, são instrumentos ótimos para despontar a criatividade inicial
necessária para a composição e a improvisação de melodias e harmonias.

103
• Pandeiro

13 – PANDEIRO ALTERNATIVO

FONTE: <https://bit.ly/3aPzt2J>. Acesso em: 28 jan. 2021.

Materiais: um prato de vaso, oito tampinhas achatadas, arame, prego e alicate.


Como fazer: 1) abra quatro fendas nas laterais do prato, usando uma serrinha manual;
2) com um prego, faça um furo acima e um abaixo de cada fenda; 3) fixe um pedaço
de arame nos furos de cima, perfurar o meio das tampinhas achatadas de garrafa; 4)
prenda o arame nos buracos de baixo.

• Xilofone de água colorida

FIGURA 14 – XILOFONES ALTERNATIVOS

FONTE: <https://bit.ly/3tHAEKw>; <https://bit.ly/2Z1ey7y>. Acesso em: 28 jan. 2021.

104
Materiais: copos ou garrafas de vidro transparentes (cuidado com os menores)
com tampa, água, tinta guache ou suco em pó colorido, colher de madeira ou metal,
afinador eletrônico. Como fazer: 1) encha os copos com água e vá tocando com uma
colher, observando as alturas no afinador eletrônico; 2) tinja com guache ou suco em
pó; 3) reveja a afinação, adicionando água para afinar mais agudo e retirando para afinar
mais grave. As garrafas podem ser sopradas no bico, também, produzindo um belo
timbre. Para isso, é mais efetivo que tenham o gargalo fino.

• Xilofone de PVC

FIGURA 15 – XILOFONE DE PVC

FONTE: <https://bit.ly/3tHh2WM>. Acesso em: 28 jan. 2021.

DICA
Veja mais da sonoridade e construção desse exato xilofone em:
• https://youtu.be/m3uFWrf3pIE
• https://frugalfun4boys.com/how-to-make-pvc-pipe-xylophone-
instrument/

• Mais uma inspiração para você e para os alunos, em uma abordagem muito profissional,
com o Snubby J + Blue Man Group:
• https://www.youtube.com/watch?v=WuNKWaxHtoY&ab_channel=BlueManGroup

Materiais: canos de PVC de dois diâmetros diferentes. Joelhos de PVC. Suporte


de madeira, podendo ser um pallet (barato e já está praticamente pronto) e uma cola
forte para fixar os tubos. Colheres com extremidade de borracha para tocar, ou sandálias
de borracha do tipo havaianas. Como fazer: 1) escolha um comprimento de tubo pronto
que será a sua referência de nota afinada; 2) a partir deste, serre os próximos tubos
para alcançar notas mais agudas. Use o afinador eletrônico, e tenha o cuidado de serrar

105
sempre para mais e ir tirando, aos poucos, para chegar na nota desejada. Melhor sobrar,
mas caso passe a afinação, reutilize para a próxima nota mais aguda; 3) para extrair
notas mais graves e com maior ressonância, aumente o comprimento dos tubos. Utilize
joelhos de PVC para dobrar e não ficar muito comprido.

• Zamponha (ou flauta pã)

FIGURA 16 – FLAUTA PÃ DE PVC

FONTE: <https://bit.ly/3rOZqGT>. Acesso em: 28 jan. 2021.

Materiais: cano fino de PVC e fita-crepe. Como fazer: 1) corte dois ou mais
pedaços de cano PVC entre 20 mm a 30 mm de diâmetro; 2) tampe um buraco de cada
cano usando a fita-crepe, rolhas ou tampas de pvc mesmo; 3) com os buracos tampados
virados para baixo, alinhe os canos por cima e os fixe com fita-crepe. Podem ser vários
tubos, fazendo escalas completas. Utilize o afinador eletrônico como parâmetro.

• Flauta d’água

FIGURA 17 – FLAUTA D’ÁGUA PVC + BEXIGA

FONTE: <https://bit.ly/36TFwCk>. Acesso em: 28 jan. 2021.

106
Materiais: 30 cm de cano fino de PVC, fita-crepe e uma bexiga. Como fazer:
1) encaixe o bico da bexiga na ponta do cano e fixe com fita-crepe; 2) coloque água
através do cano e encha, parcialmente, a bexiga. Apertando a bexiga, extraímos notas
diferentes e efeitos de glissando.

• Chocalho de pé indígena/ luvas com guizos

FIGURA 18 – POLAINAS E LUVAS COM GUIZOS

FONTE: <https://bit.ly/2Z1I796>; <https://bit.ly/3rzRCZg>. Acesso em: 28 jan. 2021.

Materiais: polaina, tornozeleira ou, até mesmo, meias. Luvas. Guizos de metal.
Como fazer: prenda os guizos na polaina através das argolinhas, costurando ou com
clips de papel. São muito fáceis de fazer e excelentes para estudar divisões rítmicas de
forma movimentada na sala. A variação dos guizos, nas luvas, também é muito musical
e lúdica.

• Tambores com bexigas

FIGURA 19 – TAMBORES DE LATA + BEXIGA

FONTE: <https://bit.ly/2MRySpt>. Acesso em: 28 jan. 2021.

107
Materiais: latas de alumínio de diversos tamanhos, bexigas e fita-crepe. Como
Fazer: 1) corte o bico da bexiga, ajustando ao diâmetro da lata; 2) quanto mais esticar a
bexiga, mais estendido e mais agudo; 3) prenda com fita-crepe para não escapar.

• Percussão corporal

A percussão corporal é uma ferramenta de extrema utilidade na educação


musical. Proporciona que possamos sentir, compreender e nos apropriar, definitivamente,
das divisões rítmicas através do corpo, em uma forte interação cognitiva, sensorial e
visceral, exteriorizando nossa musicalidade fisicamente e integralmente, algo valioso
para qualquer músico. O corpo humano pode ser uma rica fonte sonora, e, talvez, seja
nosso primeiro instrumento musical, pelo ritmo ouvido no ventre da batida do coração
da mãe, nosso próprio coração e respiração, passos ao caminhar e ao correr.

Nas brincadeiras de infância, exploramos curiosamente, e sem receios, os sons do


corpo por meio de palmas, de vocalizações, todos os tipos imagináveis de timbres de voz,
assobios, movimentos da língua e dos lábios, sapateado, jogos de mãos, pés e coreografias.
Todos são ricas explorações, que estimulam nossas capacidades psicomotoras, fonéticas
e são potencialmente musicais. Excelentes para a educação musical em sala de aula e não
possuem custo algum. São extremamente agregadoras e lúdicas, por essa aproximação
com jogos e brincadeiras.

Quantos sons e timbres podem conseguir com o corpo? Uma infinidade, e, nas
figuras a seguir, veremos diversas opções baseadas no trabalho do grupo brasileiro
Barbatuques:

FIGURA 20 – DIFERENTES TIMBRES DE PALMA

FONTE: Barba et al. (2012, p. 3)

108
FIGURA 21 – MÃOS PERCUTINDO NO TRONCO E NAS PERNAS

FONTE: Barba et al. (2012, p. 3)

FIGURA 22 – MÃOS PERCUTINDO NOS LÁBIOS E NA BOCHECHA

FONTE: Barba et al. (2012, p. 4)

FIGURA 23 – SONS EXTRAÍDOS DOS LÁBIOS E DA LÍNGUA

FONTE: Barba et al. (2012, p. 4)

Ainda, podemos utilizar a notação rítmica tradicional, mas com símbolos


alternativos para cada timbre da percussão corporal:

109
FIGURA 24 – NOTAÇÃO ALTERATIVA PARA PERCUSSÃO CORPORAL

FONTE: Barba et al. (2012, p. 6)

Para a aplicação das atividades com instrumentos alternativos e percussão


corporal, a apreciação musical é indispensável. Lembre-se do TECLA (A de apreciação).
Observação e audição de boas referências trarão o estímulo aos alunos, completando
e garantindo o sentido musical da proposta, afastando a ideia de que é apenas uma
brincadeira.

Referências de grupos e músicos que trabalham com instrumentos alternativos,


jogos cênicos e artes visuais no mais alto nível: No Brasil: Uakti (percussão e instrumentos
tradicionais e alternativos), Palavra Cantada (canções infantis e instrumentos alternativos),
Barbatuques (voz e percussão corporal), Patubatê (percussão brasileira, alternativa e DJ).
Os percussionistas Naná Vasconcelos, Robertinho Silva, Airto Moreira, os compositores
Hermeto Pascoal e Tom Zé. A sensação mundial do grupo inglês Stomp, que enfatiza artes
cênicas e materiais cotidianos, como vassouras, bolas de basquete, utensílios de cozinha,
latas de lixo. O norte-americano Blue Man Group, liderado por três integrantes azuis e carecas,
que fazem espetáculos com ênfase na percussão, agregando teatro, música experimental,
comédia e experiências tecnológicas multimídia. Sem deixar de fora o, também, frenético
grupo israelense de dança, percussão alternativa e corporal Mayumana.

110
FIGURA 25 – GRUPOS QUE UTILIZAM INSTRUMENTOS ALTERNATIVOS.

FONTE: <https://bit.ly/3q5lX1j>. Acesso em: 28 jan. 2021.

DICA
Confira mais no YouTube:

• Grupo de percussão de Itajaí – Santa Catarina: https://www.youtube.com/


watch?v=dLsWP2
• RqMl4&ab_channel=NossaToca
• Stomp: https://www.youtube.com/watch?v=5-0lrHhpvGM&ab_channel=WorldMusic
• Mayumana: https://www.youtube.com/watch?v=WgMfYb8OAqY&ab_channel=Mayumana
• Barbatuques: https://www.youtube.com/watch?v=KHyzrYBACcg&ab_channel=barbatuques
• Bobby McFerrin: https://www.youtube.com/watch?v=81uJZIF9TCs&ab_channel=csoki9019
• Blue Man Group: https://www.youtube.com/watch?v=316HQ3769-s&ab_channel=aleyavu

111
RESUMO
Você adquiriu certos aprendizados, como:

• No dia 18 de agosto de 2008, foi aprovada a Lei nº 11.769, que estabelece a


obrigatoriedade do ensino de música nas escolas de educação básica.

• Arranjar e compor são duas das atividades mais úteis, eficientes e lúdicas para se
trabalhar na educação musical.

• Keith Swanwick (2014) desenvolveu um consagrado modelo orientador das relações


entre idades e competências em forma de espiral, para demonstrar os níveis de
desenvolvimento musical.

• Outro trabalho de Swanwick (2014) valoriza a inclusão da composição no contexto


escolar, o qual propõe uma fundamentação através do Modelo C L A S P. No Brasil, a
tradução se dá pela sigla T E C L A.

• Composição trata de criar material melódico, textual ou harmônico. Já, ARRANJO,


significa organizar e tratar desse material escolhendo ritmos, andamento,
instrumentação, timbres, textura, forma e interpretação.

• Nos estágios iniciais, os objetivos devem ser brincar, explorar, descobrir possibilidades
expressivas dos sons e organização, e não dominar técnicas complexas de composição, o
que poderia gerar um esvaziamento do potencial educativo.

• Brincadeira gera uma atividade não estruturada. Jogo é uma brincadeira que envolve
regras. Brinquedo é o objeto de brincar. Atividade lúdica abrange os conceitos
anteriores, com objetivo de divertimento.

• Podemos utilizar a notação rítmica tradicional, mas com símbolos alternativos para
cada timbre da percussão corporal. Para a aplicação de atividades com instrumentos
alternativos e percussão corporal, a apreciação musical é indispensável.

112
AUTOATIVIDADE
1 TECLA é uma concepção de ensino-aprendizagem elaborada pelo educador Keith
Swanwick (2014), que visa a uma didática integral da experiência musical. Assinale a
alternativa CORRETA, que compreende essa sigla:

a) ( ) Testar, experimentar, compor, ler, apreciar.


b) ( ) Technique, Experience, Composition, Lecture, Alternative instruments.
c) ( ) Treino, escuta, contemplação, leitura, atividades.
d) ( ) Teoria, materiais, expressão, forma, valor (em inglês).
e) ( ) Técnica, execução, composição, leitura e apreciação.

2 Deve-se trabalhar no sentido de identificar, refinar e aprimorar qualidades artísticas,


além do impacto expressivo nas peças musicais para as crianças. A abrangência da
definição do termo “composição” para a educação infantil não implica dizer que tudo
o que se fizer será musicalmente significativo ou educacionalmente válido. Acerca da
composição no contexto escolar, analise as seguintes sentenças:

I- O potencial educativo da composição reside no significado e na expressividade que


o produto musical é capaz de comunicar.
II- Da mesma forma que na composição, a amplitude da definição acaba por representar
um pretexto para se descuidar da qualidade artística da performance.
III- Em níveis elementares ou básicos de complexidade, nunca é preciso procurar
grande qualidade artística para que ela resulte significativa, expressiva e relevante.
IV- As crianças devem ser encorajadas a cantar ou a tocar a mais simples peça com
comprometimento e envolvimento, procurando um resultado criativo, expressivo e
estilisticamente consistente.

Assinale as alternativas CORRETAS:


a) ( ) As alternativas I e IV estão corretas.
b) ( ) Somente a alternativa III está correta.
c) ( ) As alternativas II e III estão corretas.
d) ( ) As alternativas II, III e IV estão corretas.

3 A área da Educação Musical no Brasil explora e destaca, nas últimas décadas, a importância
das práticas criativas. Traz, para o centro da discussão, a composição e a improvisação
como vitais para o ensino e a aprendizagem da música, alicerçadas em pesquisas, como
Fonterrada (2008), Beineke e Zanetta (2014), e Brito (2007). Avalie as afirmações a seguir,
com base nessa contextualização:

113
Essa bibliografia nos mostra uma valorização dessas práticas no século XX, após
um longo período de ênfase ao ensino voltado à formação do “virtuose”, abordagem
de cunho quase exclusivamente técnico, visando à destreza e à repetição voltadas à
performance.

PORQUE

A partir dessa lacuna identificada, despontam os “métodos ativos” ou “pedagogias ativas”


para a educação musical, com propostas que “descartam a aproximação da criança com
a música como procedimento técnico ou teórico, preferindo que entre em contato como
experiência de vida” (FONTERRADA, 2008, p. 177).

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As duas asserções são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma
justificativa correta da primeira.
b) ( ) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa
correta da primeira.
c) ( ) A primeira asserção é uma proposição verdadeira, e, a segunda, uma proposição
falsa.
d) ( ) A primeira asserção é uma proposição falsa, e, a segunda, uma proposição verdadeira.

114
APLICAÇÃO NA ESCOLA: EXEMPLOS
PRÁTICOS E ATIVIDADES
1 INTRODUÇÃO
Agora, vamos direto ao ponto, ao que interessa. Exemplos práticos de atividades
selecionadas a partir de pesquisas de consagrados autores, músicos e professores da
educação musical. Os exemplos trazem aplicações de arranjo e composição para violão, coro,
flauta, jogos, instrumentos alternativos e percussão corporal.

A composição é um processo essencial da música devido à própria


natureza: qualquer que seja o nível de complexidade, estilo ou
contexto, é o processo pelo qual toda obra musical é gerada. Esse
argumento é suficiente para a legitimar como atividade válida e
relevante na educação musical (FRANÇA; SWANWICK, 2002, p. 8).

2 VIOLÃO
A seguir, atividades de arranjo para violão no ensino básico. Têm, como referência, o
artigo Ensino Coletivo de Violão: Técnicas de Arranjo para o Desenvolvimento Pedagógico,
de Vieira e Ray (2007).

Mesmo sendo ideais para turmas de violão que estão começando, fazem uma
síntese de algumas ferramentas apresentadas. É um exemplo perfeito do que falamos
desde o início: essas técnicas servem de inspiração em qualquer nível e ambiente, em via
de mão dupla: para sofisticar ou simplificar uma composição, seja para uma orquestra,
seja para a sala de aula.

• Atividade: arranjo de MINHA CANÇÃO (Chico Buarque/Saltimbancos).


• Faixa etária: de 7 a 11 anos.
• Duração: 5 a 7 aulas.
• Características: criação coletiva, arranjo, violão iniciante.
• Conteúdo: escala de dó maior no violão, tríades de dó maior.
• Conhecimento necessário: postura de mãos direita e esquerda, localização das
notas na pauta.
• Recursos necessários: quadro, violões para a turma e aparelho de som.

115
DICA
Os Saltimbancos é uma peça de teatro musical infantil, inspirada no conto Os
Músicos de Bremen, de 1819, de autoria dos irmãos Grimm. Na peça original,
em italiano, as canções têm letra de Sergio Bardotti e música de Luis Enríquez
Bacalov. A versão em português ganhou canções adicionais de Chico Buarque.
Foram gravadas e lançadas em discos de vinil em 1977, como uma proposta
de canções infantis educativas.
• Confira o link da gravação original: https://www.youtube.com/watch?v=BWLho1frFBI&ab_
channel=OsSaltimbancos-Topic
• Do DVD atualizado, lançado em 2006: https://www.youtube.com/watch?v=jPN8ra6LvCQ&ab_
channel=RWR

FIGURA 26 – MELODIA DE MINHA CANÇÃO

FONTE: Vieira e Ray (2007, p. 4)

Note que a melodia é simplesmente a escala ascendente e descendente de dó


maior. A letra inicia com palavras que fazem coincidir a primeira sílaba com o nome das
notas, como uma estratégia para a memorização da escala e localização das notas no braço
do violão, tanto na forma ascendente: dorme a cidade, resta um coração, misterioso, faz
uma ilusão, soletra um verso, lá na melodia, singelamente, dolorosamente... Na melodia
descendente, há uma nova poesia.

Na primeira aula, faça primeiro a leitura da melodia oitava abaixo. Após a leitura
oitava acima, podemos harmonizar essas notas com tríades do campo harmônico de dó
maior. Use a primeira região do braço com cordas soltas e melodia de acordo com as
fundamentais dos acordes:

FIGURA 27 – MELODIA DE MINHA CANÇÃO (2)

FONTE: Vieira e Ray (2007, p. 4)

116
A seguir, como soa muito simples, podemos propor para os alunos fazerem
uma rearmonização com outros acordes para que as notas da melodia soem não só
na fundamental, mas também nas terças quintas e sétimas dos acordes. Ideal para
exemplificar o conteúdo de tétrades:

FIGURA 28 – REARMONIZANDO MINHA CANÇÃO

FONTE: Vieira e Ray (2007, p. 5)

A seguir, uma bela atividade de arranjo em bloco: posição fechada. Dessa


maneira, podemos exercitar a leitura e vozes individuais para quartetos de violão, (ou
adaptar para flautas) em uma grande turma.

FIGURA 29 – BLOCOS EM POSIÇÃO FECHADA PARA MINHA CANÇÃO

FONTE: Vieira e Ray (2007, p. 5)

Por fim, podemos trabalhar um contracanto ativo: coloque a quarta voz no


papel das notas do baixo dos acordes. Uma quinta voz pode compor um contracanto
livre dentro das notas da escala de dó maior.

Sugiro que seja feito através da improvisação e posteriormente escrito pelo professor.
Os alunos podem ler essa improvisação/composição em uma aula seguinte.

117
FIGURA 30 – CONTRACANTO PARA MINHA CANÇÃO

FONTE: Vieira e Ray (2007, p. 6)

3 CORAL
A próxima atividade relaciona o canto coral com a improvisação. Fundamentado,
a partir do colaborador Marcelo Petraglia (2012), para o livro A Música na Escola,
elaborado pelo Ministério da Cultura. Canto coral e improvisação são áreas geralmente
desconectadas, pelo motivo de que, para cantar em conjuntos corais, faz-se necessário
o trabalho de um arranjador, abertura em quatro vozes, grades de partituras, piano etc.

Para improvisar, muitos imaginam grande conhecimento teórico, técnica


instrumental apurada etc. e, justamente por essas razões, a atividade a seguir é tão
enriquecedora, pois mostra ser possível trabalhar premissas essenciais da composição e
improvisação com alunos do ensino médio. Possibilita relacionar a improvisação ao canto,
de forma mais natural, sem travas e divertida. A atividade objetiva aspectos fundamentais
da música, muitas vezes deixados de lado: confiança, criação, abertura à experiência,
comunicação não verbal, liderança, segurança.

• Atividade: improvisação coral coletiva.


• Faixa etária: a partir dos 14 e 15 anos.
• Duração: uma aula, e periodicamente, como exercício de criatividade.
• Características: coral, percepção, imitação, comunicação não verbal.
• Conteúdo: afinação, improvisação, composição, regência, expressividade, segurança.
• Conhecimento necessário: cantar, perceber e reproduzir.
• Recursos necessários: vozes e disposição.

118
Organize a turma em uma grande roda. O professor deve cantar improvisando
frases curtas, e os alunos repetem em coro. Professor/professora: lembre-se que
isso é uma básica e efetiva interação entre artistas e plateia em qualquer show de rock.
Se necessário, leve exemplos para tirar a inibição da turma. Isso deve ser feito até o
processo de imitação fluir bem:

FIGURA 31 – PROFESSOR E ALUNOS - IMPROVISO E IMITAÇÃO

FONTE: Petraglia (2012, p. 255)

Solicite que os alunos cantem simultaneamente, com você, suas frases


improvisadas. Tente um perfil melódico semelhante às frases trabalhadas na imitação
anterior. Em um primeiro momento, isso pode parecer impossível. O que não é, aos
poucos, a defasagem entre professor e alunos some. Peça por atenção, concentração
e enfatize a necessária conexão entre o grupo. A seguir, veja que graus conjuntos são
bons, alguns saltos, divisões binárias simples e andamentos mais lentos:

FIGURA 32 – PROFESSOR E ALUNOS SIMULTANEAMENTE

FONTE: Petraglia (2012, p. 255)

DICA
Não deixe de assistir e mostrar este exemplo do cantor Bobby Mcferrin,
fazendo uma improvisação vocal com um grupo de leigos em uma convenção.
Isso demonstra o enorme potencial musical humano acessível a todos: https://
www.youtube.com/watch?v=ne6tB2KiZuk&ab_channel=WorldScienceFestival.

A partir daí, uma rodada de questões proporciona a troca, um respiro para a


sequência da atividade e uma reflexão sobre o conteúdo:

• Qual a diferença entre cantar “como eco”, imitando, e cantar simultaneamente, todos
juntos comigo em tempo real?
• De onde vêm as melodias que eu estava cantando? Isso é composição ou
improvisação?

119
• O que ajudou e o que dificultou o grupo para me seguir no cantar simultâneo?
• Quem gostaria de guiar o grupo assim como eu fiz, criando suas próprias melodias?
(Esse participar deve ser espontâneo, sem uma obrigação, evitando uma exposição
contrariada, o que acabaria com a fluência da atividade)

Divida a turma em grupos. O ideal é entre cinco a treze participantes. Tente


selecionar como naipes, mas não rigorosamente, apenas equilibre meninos e meninas. Em
grupos menores, a timidez se dissolve: eles devem escolher o primeiro cantor “regente”
e a partir daí esse papel deve ser rotativo, em sentido horário, para que todos participem,
com seus erros e acertos. Dica: uma sequência definida, rotativa, impede que alguns se
escondam e assim eles enfrentam a atividade!

INTERESSANTE
Como professor, erre de propósito, mas erre feio, desafinando alguma melodia
como exemplo. Isso diverte o grupo, tira, de você, uma responsabilidade de ser
perfeito, assim como alivia a todos. Em um ambiente descontraído, a criação
sempre flui melhor. Deixe claro que o erro faz parte do processo de aprender.

Algumas regras para o jogo:

• Antes de cada cantor iniciar, deve haver silêncio de todo o grupo.


• Não deve haver comunicação verbal. Mesmo a passagem de um cantor ao outro deve
ser gestual, sonora ou musical.
• Iniciem com imitação, e depois o canto simultâneo.

Por fim, peça que cada grupo compartilhe sua experiência. Sugestões de
perguntas a seguir:

• Como foi a atividade?


• O que ficou claro na comunicação?
• Em que momentos o grupo se perdeu?
• Todos participaram?
• Alguém utilizou ideias dos grupos ao redor?
• Qual a diferença entre improvisação e composição?

Guie o foco das respostas sempre extraindo dos alunos reflexões sobre
conteúdos musicais: afinação/desafinação, divisão rítmica, excesso/ausência de notas,
duração das notas, dinâmica (volume).

120
IMPORTANTE
Esclareça que afinação se trabalha, se consegue. Nunca diga que alguém é
desafinado, mas que deve trabalhar a afinação, como qualquer instrumento.
Essa orientação respeitosa faz milagres, pode acreditar.

4 FLAUTA
A atividade de composição para flauta pode ser estimulada por meio de um
objetivo externo: a produção de uma partitura alternativa. A proposta que faço a seguir
é inspirada pela dissertação de mestrado Caminhos Criativos no Ensino da Flauta Doce,
de Cláudia Maradei Freixedas (2015), orientada por Teca Alencar de Brito. A atividade
pode ter duas direções: 1) produzir uma composição na flauta e registrá-la em objetos;
ou 2) produzir uma bela partitura alternativa com os objetos e realizar uma leitura e
interpretação posteriormente. Ainda, uma boa e terceira dinâmica também é permitir
uma interação criativa entre os dois procedimentos.

• Atividade: composição e registro em partitura alternativa.


• Faixa etária: 5 a 11 anos.
• Duração: 2 a 3 aulas.
• Características: representação visual, composição.
• Conteúdo: composição e registro, sons alternativos de flauta, memória musical,
leitura.
• Conhecimento necessário: já produzir algumas notas na flauta doce.
• Recursos necessários: flauta doce, objetos visualmente interessantes, celular.

Para a riqueza da atividade, é animador que os alunos utilizem algumas notas já


aprendidas em conjunto com todas as sonoridades e ruídos que possam ser explorados
pelo instrumento: desmontar e utilizar só a cabeça ou só o pé da flauta, sons percussivos
com as mãos e flauta, sopros sem altura definida, vocalizações em conjunto com o sopro,
frulattos, glissandos, harmônicos, movimento aleatório dos dedos, sussurros e apitos.

Variações expressivas também devem ser sugeridas, o que favorece um


registro visualmente rico na partitura alternativa: explorações de graves e agudos,
alternância entre notas longas e curtas, dinâmicas do piano ao forte, acelerar e retardar
o andamento, pausas, silêncios e ruídos. Sugestões de sonorizar uma história ou uma
paisagem podem auxiliar como ponto de partida da composição, potencializando uma
construção que é musical/visual.

Objetos com cores e texturas diversas orientam a composição e criatividade


relacionada a timbres, dinâmicas e duração na expressão dos alunos: fitas, pedrinhas
coloridas, pétalas, folhas, areia, tampas plásticas, botões de roupa, palitos, pequenos
objetos de metal/plástico/madeira, com formas angulares ou redondas.

121
FIGURA 33 – COMPOSIÇÃO COLETIVA 1

FONTE: Freixedas (2015, p. 101)

FIGURA 34 – COMPOSIÇÃO CAMINHO SONORO

FONTE: Freixedas (2015, p. 105)

É muito produtivo para nosso papel de professores, gravar e fotografar o áudio/


vídeo da produção e obra visual de um dia e solicitar aos alunos que tentem reproduzir
a sua própria composição em uma próxima aula: isso evidencia e consolida a função e
valor da partitura, do registro, da execução fiel de uma composição, do respeito às ideias
de um compositor e da memória musical.

Ao tentar reproduzir a composição, seja através de fotos que você pode imprimir,
projetar, ou até mesmo refazer a obra, é divertido comparar posteriormente com a
gravação original, para uma reflexão dos alunos sobre o sucesso da sua partitura e obra
musical/visual como um todo. Sempre traga as respostas dos alunos para o conteúdo
teórico e prático musical, aproveitando para fazer analogias com a partitura tradicional
e técnica da flauta doce.

5 JOGOS
O jogo a seguir traz uma mescla dos elementos composição, percussão
alternativa e partitura alternativa, Ele é baseado no livro e cd Lenga la Lenga, dos
professores Viviane Beineke e Sérgio Freitas (2006), que traz muitas canções com
atividades baseadas em voz, jogos de copos, mãos e percussão.
122
DICA
Aproveite e conheça mais do livro Lenga la Lenga: Jogos, Mãos e Copos,
acessando: https://www.academia.edu/9754415/_Lenga_la_Lenga_jogos_
de_m%C3%A3os_e_copos_Brasil_

• Atividade: rabo do tatu: parlenda e jogo de copos.


• Faixa etária: 5 a 11 anos.
• Duração: 2 a 3 aulas.
• Características: composição, percussão alternativa, leitura.
• Conteúdo: composição de versos, leitura rítmica.
• Conhecimento necessário: divisão rítmica.
• Recursos necessários: copos de papel ou plástico, flauta doce.

Explicando a partitura: na primeira linha, apenas a escrita rítmica da fala, sem


alturas melódicas. Na segunda linha, a partitura alternativa para o jogo de copos. Na
terceira linha, uma melodia para a flauta doce soprano.

FIGURA 35 – PARTITURA DE RABO DO TATU

FONTE: Beineke e Freitas (2006, p. 34)

As crianças se sentam de frente umas para as outras, em duas rodas, uma dentro
da outra. As crianças de fora tocam flauta, e as de dentro jogam com o copo.

Pode tanto haver uma alternância entre a parte falada, a flauta e a rítmica dos
copos, quanto uma sincronia entre os três. Isso deve ser combinado entre as crianças
e o professor.

A brincadeira está em ir acelerando a cada vez que um ciclo determinado se


repete. Também na parlenda, as crianças podem compor novas rimas para o texto.
Note como a rítmica das três linhas coincide, para um efeito didático que simplifica a
tarefa de compor a métrica das rimas. A percussão executada pelos copos é lida pela
partitura alternativa.

123
A seguir, uma extensa e completa legenda de tantas movimentações e
sonoridades que podem ser extraídas pelos copos e mãos. Note e explique aos
alunos como as cabeças das notas mimetizam e imitam o movimento, para facilitar a
memorização e leitura.

FIGURA 36 – LEGENDA PARA A PARTITURA DE COPOS E MÃOS

FONTE: Beineke e Freitas (2006, p 34)

O professor pode determinar quais atividades que valem uma pontuação,


ou entrar e sair nas rodas a partir de erros e acertos, o que traz o estímulo de jogo
para a atividade. Como sugestão para pontuar, a composição de rimas, e de novas
movimentações para os copos.

FIGURA 37 – CRIAÇÃO DE RIMAS

FONTE: Beineke e Freitas (2006, p. 35)

124
DICA
Não deixe de assistir e mostrar este exemplo do cantor Bobby Mcferrin,
fazendo uma improvisação vocal com um grupo de leigos em uma convenção.
Isso demonstra o enorme potencial musical humano acessível a todos: https://
www.youtube.com/watch?v=ne6tB2KiZuk&ab_channel=WorldScienceFestival.

6 PERCUSSÃO CORPORAL
A atividade que se segue tem como inspiração uma proposta do grupo Barbatuques.
Pode ser realizada em todas as idades, a partir do estabelecimento da sensação de pulso na
criança. A complexidade do ritmo de base utilizado pode ser adaptada para figuras simples,
mantendo a dinâmica canto, percussão corporal e improviso.

• Atividade: refrão – improviso.


• Faixa etária: todas as idades.
• Duração: duas aulas.
• Características: composição, percussão corporal, improvisação.
• Conteúdo: ritmos brasileiros, forma, compassos.
• Conhecimento necessário: pulso, divisões rítmicas, sons do corpo.
• Recursos necessários: voz, corpo.

As figuras a seguir devem transpor, para o corpo, ritmos brasileiros executados


na percussão. Na partitura, as cabeças das notas referem-se aos timbres. A seguir, uma
excelente opção de escrita para os pequenos que ainda não dominam a partitura, e que
auxilia muito para a compreensão das relações entre pulso, compasso e subdivisões, a
tablatura corporal:

FIGURA 38 – SAMBA NO CORPO, PARTITURA E TABLATURA

125
FONTE: Barba et al. (2012, p. 9)

FIGURA 39 – BAIÃO NO CORPO, PARTITURA E TABLATURA

FONTE: Barba et al. (2012, p. 9)

Em roda, parte do grupo executa um dos ritmos que se queira estudar. Outros,
na roda, cantam um refrão de uma canção a escolher. Ao término do refrão, todo o grupo
silencia para a execução individual de um único som corporal. Sempre intercalando
com o refrão, todos executam o seu som. Com rodada completa, retorna ao primeiro
solista que acrescenta mais um som à sua produção anterior. E, gradativamente, cada
um vai compondo um solo, que deve ter uma duração pré-determinada: quatro ou oito
compassos, ou, ainda, a mesma duração do refrão.

Caso a roda seja muito grande, sugerimos dividir em grupos menores para
não ficar um processo muito longo. Ainda, se a opção for trabalhar com uma grande
roda, pode-se, ao invés de um único som por solista, determinar já um improviso para
cada, com duração de tempo maior, previamente definida. A primeira opção flui melhor:
todos têm tempo para pensar, trabalha a memória musical e os alunos se inspiram
nas produções dos colegas, além de ser mais agregadora para os mais tímidos com a
improvisação e seu próprio corpo.

126
DICA
Veja os Barbatuques em ação. A música apresentada tem uma dinâmica
um pouco diferente. Estão, ali, os ritmos brasileiros na percussão corporal,
na ideia de refrão e, no caso, há os solos no fim: https://www.youtube.com/
watch?v=_Tz7KROhuAw&ab_channel=barbatuques.

LEITURA
COMPLEMENTAR
FERRAMENTAS COM BRINQUEDOS: A CAIXA DA MÚSICA

Teca Alencar de Brito

1 Introdução

Caixinhas de música costumam encantar, seja pelo timbre, que evoca


sensações comumente associadas a boas e longínquas memórias, seja pelo movimento
da bailarina (quando ela existe!), pelos temas musicais que reproduzem ou, ainda, pelo
mecanismo de tais engenhocas, lembrando que contamos também com aquelas que
– destituídas da caixa, permitem-nos “ver” a própria produção do som. Nesses casos,
somos convidados a chamar a música girando uma manivela, com a possibilidade
de controlar o andamento, inclusive. Interagindo com elas, tornamo-nos parceiros,
mergulhando mais profundamente no jogo! Mas por que iniciar este texto falando de
caixinhas de música?

Esse devaneio inicial se justifica porque proponho, neste trabalho, tecer relações
entre uma bonita análise desenvolvida pelo filósofo e psicólogo mineiro Rubem Alves
(1933-) em um artigo intitulado A Caixa de Brinquedos (ALVES, 2004) e os territórios da
música e da educação musical. O texto, de significativo valor, foi publicado em 2004 no
caderno Sinapses, do jornal Folha de S. Paulo, e me acompanha, desde então, pela sintonia
e ressonância que estabelece com pontos que eu considero essenciais ao acontecimento
musical, de um lado, e à sua atualização nos territórios da educação musical, de outro.
Criando tramas entre arte e jogo, o artigo cria pontes entre o brincar da criança (e a atividade
lúdica, de modo geral) e a produção e/ou fruição artística no decorrer da vida. Discorrendo,
com poesia e bom humor, sobre as distinções que marcam o mundo das questões de
ordem utilitária, mecânicas e funcionais, e o mundo dos sentidos e significados mais
plenos que movem a existência, os quais abarcam, dentre outros, planos das sensações,
da dimensão expressiva, da estética, Alves convida-nos a refletir, dentre outros pontos,
sobre a presença da arte no viver e os territórios da educação, aspectos que estimularam
o desenvolvimento da análise que ora apresento.

127
Nos últimos tempos, as discussões em torno do Decreto-Lei 11.769/08, o qual
versa sobre a volta da música como conteúdo obrigatório da área de artes no ensino
básico, trouxe à tona, com maior ênfase, questionamentos relacionados aos motivos, ou
razões, para a inserção da música nos currículos escolares. Dessa feita, pontos como os
que eu apresento a seguir têm sido frequentemente colocados em questão: por que –
afinal – importa criar e/ou fortalecer a aliança entre a música e a educação? Por que a
música é importante na formação das crianças? Quais os benefícios proporcionados? A
música colabora, efetivamente, com o desenvolvimento integral do ser humano? Auxilia
e/ou facilita o processo de alfabetização, o desenvolvimento do raciocínio matemático,
as tramas interdisciplinares? Deve ser uma disciplina obrigatória? O que mais?

Os aspectos listados anteriormente reproduzem apenas algumas das


corriqueiras indagações ou afirmações de muita gente, profissionais da área ou não, que
busca confirmar pressupostos que, via de regra, já se estabilizaram, de uma forma ou de
outra. Que a música deve fazer parte do processo de educação é quase um consenso,
mas percebe-se claramente que, não raro, os motivos alegados para tal tendem a se
alocar fora do próprio fato musical. Normalmente, quando em contato com professores
e professoras de educação infantil, ensino fundamental e também educadores e
educadoras musicais, em encontros ou cursos de formação, eu costumo conversar
sobre o assunto, escutando suas opiniões acerca dos possíveis motivos que justificariam
a inserção do trabalho com a música na educação. Sempre me interessei em escutar
as razões ou motivos apresentados, os quais costumam acenar para muitos lugares,
revelando distintas ideias de música, de educação e também de infância. Abrindo
espaço para compartilhar, para questionar e refletir juntos, nossos diálogos colocam-
me em contato com um leque de abordagens e concepções, enquanto favorecem o
redimensionamento e a ampliação das mesmas.

A importância da música na formação de todos os seres humanos, considerando


que o trabalho contribui com o desenvolvimento integral, para além do musical, tende
a ser reconhecida por todos. No entanto, o modo como tal premissa é compreendida e
adaptada à prática é algo que difere bastante, de acordo com os distintos contextos.

Profissionais da etapa da educação infantil costumam encarar a música como


uma aliada para a construção de relações da criança consigo mesma; com o seu próprio
corpo; com o outro; com o grupo; como auxiliar para organizar a tão valorizada rotina;
para favorecer o aprendizado de hábitos e comportamentos gerais, só para lembrar
alguns aspectos.

E, acompanhando a transformação da complexidade que caracteriza o


desenvolvimento humano, com os maiores, na fase do ensino fundamental e médio,
o foco de interesse tende a migrar para a possibilidade de integração com os demais
conteúdos, agora a palavra-chave, de modo que as aprendizagens consideradas
prioritárias se beneficiem de uma efetiva contribuição musical.

128
Os professores(as) de música, por sua vez, especialmente quando trabalham
em escolas especializadas ou, ainda, em cursos particulares, lidam com outros senões,
dentre os quais podemos destacar alguns: quando introduzir a leitura e a escrita musical?
Convém exigir mais do aluno ou é melhor deixar que ele faça música por prazer? O que
fazer quando trabalhamos com um aluno talentoso? Como lidar com as expectativas
dos pais, que querem ver seus filhos tocando músicas reconhecidas como tal e não
improvisações ou criações “estranhas”? Quando iniciar o estudo de um instrumento
musical? Tais pontos nos remetem a outros planos, a territórios marcados, por sua vez,
por outras concepções de música, de educação e, quiçá, de infância.

Enfim, são muitas as frentes, que poderíamos seguir listando, as quais nos
incitam a pensar a respeito, enredando-nos nas tramas que envolvem as relações entre
a música e a educação. Nestes tempos da aprovação da lei, muito se tem falado acerca
desta questão: a música é realmente importante na educação? Por quê? Por esses e
tantos outros motivos, debrucei-me novamente sobre a caixa de brinquedos de Rubem
Alves, com o intuito de compartilhar algumas ideias acerca das relações entre a música,
a educação e a educação musical.

A caixa de brinquedos

Lendo Santo Agostinho, Rubem Alves se deparou com a seguinte proposição: o


corpo carrega duas caixas, que se dividem em duas distintas ordens, a saber:

A ordem do “uti” (ele escrevia em Latim) e a ordem do “frui”. “Uti” = o que


é útil, utilizável, utensílio. Usar uma coisa é utilizá-la para se obter uma
outra coisa. “Frui” = fruir, usufruir, desfrutar, amar uma coisa por causa
dela mesma. A ordem do “uti” é o lugar do poder. Todos os utensílios,
ferramentas, são inventados para aumentar o poder do corpo. A
ordem do “frui”, ao contrário, é a ordem do amor – coisas que não são
utilizadas, que não são ferramentas, que não servem para nada. Elas
não são úteis; são inúteis. Porque não são para serem usadas, mas
para serem gozadas (ALVES, 2004).

A partir daí, o autor convida-nos a pensar no assunto – de um modo delicioso


–, questionando, a princípio, a tolice de gastarmos tempo com coisas inúteis! “Aquilo
que não tem utilidade é jogado no lixo”, ele diz, apresentando alguns exemplos que
distinguem a utilidade (de uma vassoura, de um rolo de papel higiênico, de um serrote
ou martelo) e a inutilidade (de uma canção de Jobim, de um poema de Cecília Meireles
etc.) afirmando, por fim, que a vida não se justifica pela utilidade, mas, sim, pelo prazer e
pela alegria, que são moradores da ordem da fruição.

Segundo Santo Agostinho, a caixa de ferramentas (a caixa da ordem do uti),


que seria a caixa do poder, reuniria os meios necessários à sobrevivência. No entanto,
tais meios não nos dariam razões para viver, servindo, isso sim, como chaves para abrir a
caixa dos brinquedos, a caixa da ordem do fruir, do verdadeiro sentido e desejo de vida.
A palavra “brinquedo” foi incorporada por Alves e não por Agostinho, com o intuito de
fortalecer e destacar a relação entre o prefixo frui e o brincar. Segundo o filósofo mineiro,
atividades como armar quebra-cabeças, empinar pipa, rodar pião, jogar xadrez, bilboquê,
jogar sinuca, dançar, ler um conto, ver caleidoscópio, cantar ou tocar um instrumento…
não levam a nada. E seguindo esse raciocínio, ele completa, afirmando que tais atividades:
129
não existem para levar a coisa alguma. Quem está brincando já
chegou. Comparem a intensidade das crianças ao brincar com o
seu sofrimento ao fazer fichas de leitura! Afinal de contas, para que
servem as fichas de leitura? São úteis? Dão prazer? Livros podem ser
brinquedos? (ALVES, 2004).

O autor faz referência aos idiomas que contam com uma única palavra para se
referir à arte e ao brinquedo (no inglês, play; no alemão, spielen; no francês, jouer), como
meio de aproximar e fortalecer a relação entre essas “atividades inúteis que dão prazer e
alegria […], brincadeiras que inventamos para que o corpo encontre a felicidade, ainda que
em breves momentos de distração, como diria Guimarães Rosa” (ALVES, 2004).

Rubem Alves (2004) apresenta tais ideias enquanto defende que as mesmas
resumem sua filosofia de educação. Nela, o sentido do brincar, tal como ele propõe, deve
estar presente e integrado às ferramentas do aprender, motivo que o leva a questionar:
“os saberes que se ensinam em nossas escolas são ferramentas? Tornam os alunos mais
competentes para executar as tarefas práticas do cotidiano? E eles, alunos, aprendem a
ver os objetos do mundo como se fossem brinquedos? Têm mais alegria?”

Ferramentas com brinquedos: a caixa da música

Fui capturada pelas proposições de Rubem Alves, como afirmei anteriormente,


pelo fato de que as mesmas remetem a aspectos fundamentais referentes à potência
da arte e, por conseguinte, da música, na vida. Ao mesmo tempo, as reflexões do filósofo
mineiro transportaram-me aos planos da educação musical, com suas muitas variantes,
reafirmando e ressignificando pontos que há muito tempo eu compartilho e busco atualizar
no cotidiano de minha convivência com as crianças para juntos, fazermos música.

Por tudo isso, desapontando – quem sabe? – alguns dentre aqueles que me
indagaram a respeito da importância da música no ensino básico, principalmente por
ocasião da aprovação da nova lei, eu, diversas vezes, respondi: a música é importante na
educação porque a música é importante no viver, como uma das formas de relação que
estabelecemos conosco, com o outro, com o ambiente. Somos seres musicais, dentre
outras características que nos constituem, e o jogo expressivo que estabelecemos
com sons e silêncios, no tempo/ espaço, agencia dimensões que por si só são muito
significativas. Fazendo música trabalhamos nossa inteireza, o que é essencial.

A experiência musical em si mesma, com a carga de possíveis que traz consigo


e que propicia, deve bastar para justificar sua inserção nos territórios da educação.
Fazendo música nós mergulhamos na ordem do prefixo frui, em planos da sensibilidade,
disparando blocos de sensações que as conexões expressivas estabelecidas entre gesto
e escuta provocam. Além do que, o fazer musical é um modo de resistência, de reinvenção
(questões caras ao humano, mas ainda pouco valorizadas no espaço escolar) que, ao
mesmo tempo, fortalece o estar juntos, o pertencimento a um grupo, a uma cultura. O
viver (e conviver) na escola – espaço de trocas, de vivências e construção de saberes,
de ampliação da consciência –, deve, obviamente, abarcar todas as dimensões que nos
constituem, incluindo a dimensão estética.

130
Acreditando e ansiando pelo fortalecimento do acontecimento musical na
educação de todas as crianças, também defendo que o mesmo aconteça em uma escola
que, a exemplo do que propõe o neurobiólogo chileno Humberto Maturana (1928-), seja
um espaço de convivência, de conversações, de aprendizagem mútua, de reinvenções
(MATURANA, 1999). Entendo, outrossim, que também é preciso redimensionar muitas
das ideias de música vigentes, além das concepções de educação musical. Não
devemos (nem podemos) aprisionar a música em bancos escolares duros e imóveis.
Música é movimento, aventura, criação, sensação, devir, e desse modo, considero, deve
estar presente nos planos da educação.

Respeitando tempos e lugares, alunos e comunidades, buscando singularizar as


experiências que emergem em distintos contextos, sem as amarras dos modelos e dos
sistemas estritos que, não raro, tendem a aprisionar o fato musical em algumas de suas
regras. É necessário instaurar campos de criação, de experimento, de potencialização
de escutas criativas, críticas e transformadoras, abertas às “muitas músicas da música”,
às paisagens sonoras, aos planos da improvisação, do cantar e dançar, da pesquisa, da
produção de materiais sonoros e muito mais. O acontecimento musical deve se atualizar
em ambientes de parceria entre alunos e professores, coautores e responsáveis pelas
tramas sonoras emergentes que, dessa feita, assumem efetivo sentido e significado.

Apontando para os campos de força que a constituem, com sua singularidade e


modo de resistência, como linha de fuga que busca a repetição do diferente, como diria o
filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995), a música, nos territórios da educação musical,
deve se transformar em uma caixa que mistura ferramentas com brinquedos, tomando
de empréstimo, aqui, as proposições de Rubem Alves: uma caixa da música, por assim
dizer, que encanta e captura, a exemplo das caixinhas de música lembradas no início
deste trabalho. No jogo relacional entre as ferramentas e os brinquedos encontraremos –
acredito – o sentido para a aventura de experimentar, de construir e transformar saberes,
de criar e recriar. Pois se a música pertence à ordem do frui, como já dissemos, é certo,
também, que ela não prescinde das ferramentas.

E como afirmou Rubem Alves, as ferramentas devem ser as chaves que nos
inserem no território dos brinquedos. Ferramentas, inclusive, que se tornam mais e mais
complexas no decorrer do percurso, favorecendo, no curso do processo de transformação
do fazer musical, mergulhos mais profundos, com ganhos de complexidade que,
evidentemente, não se limitam à aquisição de técnicas e conhecimentos, mas, sim, à
capacidade de expressar, de disparar sensações e devires, de criar e desfazer territórios,
de favorecer o exercício do jogo ideal: jogo no qual, conforme propôs Deleuze, não
há ganhadores ou perdedores, mas que jogamos pelo prazer de jogar; jogo da arte.
Misturar ferramentas e brinquedos significa, igualmente, superar as posturas dualistas
que costumavam dissociar teoria e prática e que, ainda hoje, pontuam contextos
pedagógicos diversos, da etapa da iniciação até o estágio da profissionalização.

131
Quantos exercícios, com finalidades diversas, que não cabe aqui detalhar, são
trabalhados em situações alheias ao fato musical? Aprende-se a ler notas sem escutar, a
identificar os parâmetros do som, a resolver exercícios de harmonia movendo-se apenas
por regras escritas, a treinar modos e escalas, identificar intervalos etc. Infelizmente, nem
sempre tais ferramentas se tornam chaves efetivas para o verdadeiro brincar, no sentido
colocado por Rubem Alves em seu trabalho.

Fazer música é escutar/produzir significados no tempo-espaço, com sons e


silêncios, dinamicamente, ainda que a repetição de estruturas, de idiomas e formas, ao
longo do tempo, resulte em campos de estabilidade que muitas vezes se confundem
com a própria ideia da música. Sendo assim, é bom lembrar que, para além do sistema
tonal ocidental, vigente e predominante, existem muitas variantes organizacionais de
som e silêncio, no tempo-espaço. As crianças, por sua vez, ampliam e transformam
suas experiências ao longo da vida, em contextos educativos ou não, vale lembrar. E
esse ponto deve ser prioritariamente considerado nos planos da educação musical.
Estar atento ao modo como os alunos (criança, adolescente ou adulto) se relacionam
com sons e músicas, reconhecendo e respeitando suas vivências e conhecimentos,
sua cultura, os sentidos e significados que atribuem… deve ser uma questão de primeira
ordem nos projetos de educação musical.

É preciso escutar, observar e caminhar junto com os alunos e alunas, para que
a expressão musical se amplie e enriqueça, efetivamente. Fazendo música é possível
integrar (ou dissociar!) corpo e mente, emoção e razão, intelecto e sensibilidade, intuição
e raciocínio lógico, ação e reflexão. Assim é porque assim somos; porque a realização
musical reflete consciências, sendo um dos modos de exercício expressivo de nossos
modos de ser. Fazendo música nós também qualificamos características humanas
essenciais, que nos fortalecem enquanto seres na relação com o outro, com o mundo
e consigo mesmo.

Tais aspectos devem constituir, a meu ver, o cerne dos projetos de educação
musical. É preciso distinguir a formação profissionalizante de músicos e a educação
musical de crianças (no espaço da educação formal ou não), de jovens ou adultos
isentos da pretensão (ao menos imediata) de fazerem da música uma profissão, já que,
não raro, características da atividade profissional do músico contaminam projetos de
educação musical, em seus múltiplos espaços. No âmbito da educação infantil, no
ensino fundamental e médio, como exemplo, é comum confundir educação musical
com a mera e permanente produção de espetáculos, festas e/ou comemorações.

A música, dentro da escola, deve ser viva, efetivamente. “Música viva” significa
bem mais do que realizar exercícios mecânicos para desenvolver uma ou outra
habilidade musical; mais do que aprender a cantar e/ou reproduzir músicas; preparar
apresentações ou, ainda, iniciar-se nos processos de leitura e escrita musical. Tudo
isso faz parte, sim, do todo de realizações musicais, que deve valorizar as atividades
de criação, de exploração e pesquisa, bem como de reflexão. O pensamento musical
se elabora e reelabora dinamicamente, e o verdadeiro sentido se estabelece quando
a música é parte efetiva do jogo do viver, da vida em si mesma. O cotidiano do viver
atualiza o fazer musical que, por sua vez, realimenta e transforma o cotidiano.

132
Finalizo essas reflexões apontando, enquanto reafirmo, aspectos que avalio
como importantes à constituição de uma caixa da música, ou seja, de um projeto
que misture ferramentas e brinquedos, os quais, interagindo e dialogando, produzirão
múltiplos e diversos sentidos. Tal projeto, a meu ver, deve considerar:

O dinamismo das “ideias de música”, que se reelaboram continuamente; o modo


emergente e dinâmico de perceber, conscientizar e fazer música no curso da vida, da
infância à maturidade.

• A integração entre gesto/ação/escuta/pensamento musical; entre prática e reflexão;


entre corpo e mente.
• A superação de pensamentos/ações dualistas.
• A criação como ferramenta essencial ao desenvolvimento musical e humano.
• O equilíbrio entre os aspectos e os conceitos quantitativos (de ordem estrutural; da
objetividade) e qualitativos (de ordem sensível; da subjetividade), considerando que,
acima de tudo, fazer música é produzir qualidades.
• A diversidade, a exploração e a pesquisa; o “brincar”; o contato com as “muitas
músicas da música”.
• Uma organização curricular aberta à emergência de acontecimentos, de interesses e
propostas; atenta ao ramificar. Currículo não prescrito, mas atualizado dinamicamente.
• O relacionamento da música com as demais áreas do conhecimento e, mais do que
isso, com o viver.
• O direito do aluno à coautoria de seu processo de construção do conhecimento musical.
• A resistência ao padrão em nome da busca de singularidade, de sentido e de
significado.
• O humano como objetivo maior da educação musical.

FONTE: BRITO, T. A. de. Ferramentas com brinquedos: a caixa da música. Revista da ABEM, Porto Alegre, v.
24, n. 1, p. 89-93, 2010.

133
RESUMO
Você adquiriu certos aprendizados, como:

• A composição é um processo essencial da música: qualquer que seja o nível de


complexidade, é o processo pelo qual toda obra musical é gerada. Esse argumento
é suficiente para a legitimar como atividade válida e relevante na educação musical

• As técnicas de arranjo, trazidas neste livro, servem de inspiração em qualquer nível


e ambiente, em via de mão dupla: para sofisticar ou simplificar uma composição,
seja para uma orquestra, seja para a sala de aula.

• O conhecimento da técnica de arranjo em bloco é muito útil para abrirmos uma


harmonia em vozes individuais para quartetos de violão e flautas, ou qualquer
instrumento melódico, o que faz todos os alunos participarem de uma atividade,
com funções diferentes.

• É possível trabalhar premissas essenciais da composição e improvisação com


alunos que não tenham conhecimentos técnico e teórico. Podemos conceber a
improvisação de forma natural, leve e divertida.

• Afinação se trabalha, se consegue. Nunca diga que alguém é desafinado, mas sim
que deve trabalhar a afinação, como qualquer instrumento.

• A atividade de composição para qualquer instrumento pode ser estimulada por meio
de um objeto externo: a produção de uma partitura alternativa, sonorização de uma
paisagem, trilha sonora de uma história, cena ou filme.

• A percussão executada pelos copos é lida pela partitura alternativa. Uma extensa e
completa legenda de movimentações e sonoridades pode ser extraída pelos copos
e mãos. Você pode trabalhar com a partitura em qualquer instrumento alternativo.

• Uma excelente opção de escrita para os que ainda não dominam a partitura é a tablatura
corporal. Ela auxilia na compreensão das relações entre pulso, compasso e subdivisões,
para a posterior compreensão da partitura e das figuras.

134
AUTOATIVIDADE
1 A partitura a seguir trará a melodia de Minha Canção, de Chico Buarque, para os
Saltimbancos. Como visto, podemos harmonizar de forma simples e sugerir, aos alunos,
uma fácil técnica de rearmonização. Experimente, livremente, acordes com as notas da
melodia na tríade: tônica, terça e quinta dos acordes.

FONTE: Vieira e Ray (2007, p. 4)

A partir da concepção anterior, assinale a alternativa que traz uma harmonia CORRETA
para a melodia, com dois acordes por compasso, em dó maior:

a) ( ) C Dm / Em F / G Am / B° C.
b) ( ) F Am / Dm Gm / C A / Fm Dm.
c) ( ) Am C / Dm G / Em Am / Dm F.
d) ( ) C Am / B° D / Em Am / F B°.

2 Segue uma tablatura corporal, ferramenta usada para a percussão, e muito útil
quando as crianças ainda não dominam a leitura da partitura.

FONTE: Barba et al. (2012, p. 9)

Acerca desse trecho, é ERRADO afirmar que:


a) ( ) Os pontos equivalem a semicolcheias.
b) ( ) Os dois estalos estão no contratempo.
c) ( ) Cada - tum - txi - txi - tum - equivale a um tempo.
d) ( ) O terceiro quadrado de cada figura é o contratempo.

3 A figura a seguir trará uma partitura com figuras alternativas a serem tocadas em
copos. Classifique V para as alternativas verdadeiras e F para as alternativas falsas:

FONTE: Beineke e Freitas (2006, p. 34)

135
( ) O símbolo de X é uma pausa.
( ) O primeiro compasso traz uma anacruse.
( ) No último compasso, uma pausa está ausente.
( ) As cabeças de nota imitam os movimentos com os copos.

Assinale a alternativa que traz a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – V – V.
b) ( ) F – V – V – V.
c) ( ) F – F – V – V.
d) ( ) V – V – F – V.

136
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei nº 11.769, de 18 de agosto de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de


dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para dispor sobre a
obrigatoriedade do ensino da música na educação básica. Brasília, DF: Diário Oficial
[da] União, 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
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www.academia.edu/4579419/Ensino_coletivo_de_violao_tecnicas_de_arranjo_
Gabriel. Acesso em: 28 jan. 2021.

139
140
TÉCNICAS DE COMPOSIÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo, você deverá ser capaz de:

• reconhecer as principais estruturas para a construção melódica;

• compreender os conceitos teóricos e relacionar à prática e à audição do repertório;

• analisar as estruturas melódicas e harmônicas em repertório consagrado;

• aplicar as técnicas composicionais nas construções melódica e harmônica;

• absorver e aplicar uma diversidade de conceitos e ferramentas para harmonizar


melodias;

• ampliar a compreensão das possibilidades dos campos harmônicos voltados à


composição.

141
142
TEORIA DAS ESTRUTURAS MELÓDICAS

1 INTRODUÇÃO
Apresentaremos conceitos teóricos e estruturais que norteiam a construção
de melodias.

Abordaremos motivos, transformações, frases, antecedente e consequente,


sentenças e períodos. Todos são aspectos fundamentais para a compreensão de que
existem estruturas melódicas consagradas pela história e repertórios, que moldam nossos
processos auditivo e criativo e são passíveis de ser teorizadas e dominadas.

Aproveitamos para apresentar exemplos dos mais variados gêneros musicais,


buscando considerar a diversidade musical e macetes práticos para a composição.
Além de propormos, sempre, a audição e a escuta atenciosas com as análises, para
consolidar, musicalmente, as relações teórico-práticas.

2 MOTIVO, VARIAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO


Qual o motivo da composição? O que a motiva? O que nos dá impulso e
motivação para compor? Qual o seu motivo para criar? Qual o motivo de uma música ser
fantástica? Todas essas questões, que gravitam em uma mente musical no processo
criativo de um compositor, podem estar atadas ao conceito de motivo.

O motivo é a menor estrutura melódica com significado musical. É capaz de


fazer com que identifiquemos uma música, muitas vezes, a partir de apenas duas ou
três notas. Serve de inspiração ao compositor, sendo fonte e referência para variações
e transformações melódicas posteriores. A manipulação traz lógica e coerência para o
desenvolvimento de estruturas maiores de uma obra.

Podemos traçar analogias criativas entre o motivo e as ideias de embrião,


semente, germe, organismo, que podem crescer, desenvolver-se e florescer em novos
e diferentes formatos.

Ao longo da história da música, muito se debateu acerca do que acende essa


centelha de inspiração, e muitos teóricos se detiveram em tentar definir esse conceito.
A seguir, alguns exemplos do compositor e teórico Arnold Schoenberg (1993), para
construir uma compreensão do que é um motivo:

143
• Onde procurar: “O motivo, geralmente, aparece de uma maneira marcante e
característica, no início de uma peça” (SCHOENBERG, 1993, p. 35).
• O que fazer com um motivo: “Na sucessão das formas-motivo, obtidas pela variação
do motivo básico, há algo comparável ao desenvolvimento, ao crescimento de um
organismo” (SCHOENBERG, 1993, p. 36).
• Onde está a conexão: “Quase todas as figuras de uma peça revelam algum tipo
de afinidade, o motivo básico é, frequentemente, considerado o ‘germe’ da ideia”
(SCHOENBERG, 1991, p. 35).
• Repetir, mas variar, é fundamental: “Um motivo aparece continuamente no curso de
uma obra: ele é repetido. A pura repetição, porém, engendra monotonia, e esta só pode
ser evitada pela variação” (SCHOENBERG, 1993, p. 35).
• O uso dos motivos dá lógica à música, construindo sentido para quem ouve:
“usado de maneira consciente, [...] deve produzir unidade, afinidade, coerência, lógica,
compreensibilidade e fluência do discurso” (SCHOENBERG, 1993, p. 35).

Um dos melhores exemplos da exploração ao extremo de um simples motivo


está em Beethoven, na 5ª Sinfonia em dó menor. Compreenda, agora, pela audição e
percepção, como um básico motivo de terça menor é trabalhado, variado, transformado,
dando vazão e inspiração à mente musical de um grande compositor, construindo uma
das melodias mais consagradas e conhecidas da humanidade:

FIGURA 1 – MOTIVO DA 5ª SINFONIA DE BEETHOVEN

FONTE: O autor

Na figura anterior, um trecho apenas da primeira página. Nos primeiros


compassos, o motivo inicial: sol – sol – sol – mi bemol. Essa será a fonte de toda a
potência criadora a se desenvolver pelos 12 naipes de instrumentos, 502 compassos,
16 páginas de partitura e oito minutos iniciais. Acredite, esses intervalos de terça menor
circulados já são variações desse motivo, que segue sendo trabalhado em novas
formas-motivo.

144
DICA
Ouça todo esse movimento, baixe a partitura. Tente acompanhar e contar
quantas vezes surge essa ideia, identificar variações ou apenas perceber a
mágica feita por Beethoven com um único intervalo: https://www.youtube.
com/watch?v=Rxvj_uJIv4U&ab_channel=All-StarOrchestra. Link para a partitura:
https://musopen.org/pt/music/2567-symphony-no-5-in-c-minor-op-67/.

2.1 VARIAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES DO MOTIVO


A partir da percepção do que é o motivo, que sempre estará, em grande parte, em
qualquer música já produzida, buscaremos compreender técnicas para transformação e
manipulação criativas em novas formas.

As técnicas já foram desenvolvidas profundamente desde a era contrapontística


do período Barroco, no século XVII, e estão presentes, em maior ou menor medida,
na música de concerto e na música folclórica ou popular, cantigas de diversos povos,
composição e improvisação, desde que seja possível reconhecer estruturas básicas que
se repetem e se transformam melodicamente. Visam criar conexões internas na obra,
sentidos e comunicação entre músicos e ouvintes.

2.1.1 Inversão/movimento contrário


Esses dois nomes e procedimentos são misturados na prática. Trata-se de
reutilizar um motivo original com os intervalos invertidos e/ou direção invertida. A
inversão da segunda maior dó – ré é a sétima menor ré – dó. O movimento contrário
da segunda maior ascendente dó – ré é a segunda maior descendente dó – si bemol.

A seguir, a melodia (a) tem o primeiro intervalo invertido: a quarta mi – lá para


o agudo vira a quinta mi – lá para o grave. A partir de então, segue em movimento
contrário, e os intervalos descendentes em grau conjunto de (a) passam a subir em (b).

FIGURA 2 – MOTIVO INVERTIDO

FONTE: Réti (1978, p. 9)

145
2.1.2 Rarefação e preenchimento
Partindo de um motivo inicial de três notas, a rarefação é esvaziar/excluir algumas
notas. O caso complementar seria preencher/incluir notas nessa ideia básica:

FIGURA 3 – MOTIVO

FONTE: Réti (1978, p. 9)

FIGURA 4 – RAREFAÇÃO E PREENCHIMENTO

FONTE: Réti (1978, p. 9)

2.1.3 Retrogradação/reversão
Trata-se, literalmente, de tocar um motivo ou uma melodia de trás para frente.
A última nota se torna a primeira, e assim por diante. Praticada no Barroco, incomum na
música popular. Causa evidente conexão a um motivo ou melodia original, de maneira
estranha e curiosa.

FIGURA 5 – MELODIA ORIGINAL E RETROGRADAÇÃO

FONTE: Réti (1978, p. 9)

2.1.4 Transposição
Uma das técnicas mais usadas. Pode acontecer de maneira literal ou
diatônica. A seguir, a melodia em a) será transposta de tom, para b) uma terça maior
abaixo, mantendo os intervalos, literalmente. Ou seja, de dó maior para lá bemol maior.
Já em c), a melodia será transposta uma terça abaixo dentro do mesmo tom de dó maior
diatonicamente, o que gerará intervalos diferentes. Por exemplo, o primeiro compasso
lá – si – dó – se torna – fá – sol – lá:
146
FIGURA 6 – MELODIA (A) MODELO E TRANSPOSIÇÕES

FONTE: Almada (2000, p. 241)

2.1.5 Aumentação
A duração das notas é dobrada, ou aumentada, em valores proporcionais.
Exemplo: uma semínima vira uma mínima. Cria conexão óbvia, mas não tão evidente em
uma primeira audição:

FIGURA 7 – MELODIA (A) MODELO AUMENTADA PELO DOBRO

FONTE: Almada (2000, p. 241)

2.1.6 Diminuição
Torna a melodia mais rápida, com valores proporcionais. Exemplo: as colcheias
viram semicolcheias. Claramente perceptível aos ouvidos.

FIGURA 8 – DIMINUIÇÃO PELA METADE DA MELODIA (A) MODELO

FONTE: Almada (2000, p. 242)

147
2.1.7 Preenchimento/Ornamentação/Contorno
Compreendida por esses três diferentes termos, essa ideia parte de um motivo
ou melodia original, que é preenchido ou ornamentado internamente, mantendo a
composição inicial evidente no contorno da nova melodia:

FIGURA 9 – CONTORNO

FONTE: Adaptada de Almada (2000, p. 242)

A partir da pequena estrutura do motivo, compreendemos algumas técnicas de


variação possíveis. A seguir, ampliaremos a ideia para a construção de frases.

3 FRASE
O que define uma frase? Termo que remete ao estudo da gramática, da
língua, da literatura, linguagens oral e escrita. Por isso, a partir daí, faremos analogias,
trazendo-a para a música, entendendo, então, a frase musical – um trecho que pode
ser cantado em um único fôlego, e conclui uma estrutura melódica com sentido
completo.

As frases, na gramática, separam-se pela pontuação, vírgulas, ponto final. Na


música, analogias estão nas pausas, tempos de espera entre frases, sinais de fim. Em
poemas, as rimas. Musicalmente, isso equivale a frases com perfil melódico similar, com
contornos parecidos. Na poesia e na música, métrica, versos regulares e quadraturas são
estruturais. Isso é similar aos números regulares de compassos, que dividem e separam
frases, de dois em dois, quatro em quatro, oito em oito.

As frases se complementam para um diálogo fazer sentido, por exemplo, ao


fazermos uma pergunta, ouviremos uma resposta. No discurso musical, a ideia de
pergunta traz um movimento, uma tensão, como uma nota sensível, já a resposta é
uma frase que encerra um assunto, como uma resolução na tônica.

Simetria, em qualquer linguagem, conta um mesmo assunto, já o contraste


evidencia a diferença entre os segmentos. As frases, muitas vezes, são segmentadas pelas
pausas e coincidem, simetricamente, com as trocas harmônicas e seções da música.

148
Por fim, conectando com o assunto anterior, entenda que a frase é uma
estrutura maior do que o motivo. No interior, somos capazes de perceber um motivo e
alguma variação, continuidade ou transformação, formando uma unidade melódica
maior. Perceba, também, a aplicação dos elementos citados anteriormente. Vejamos, por
exemplo, a partitura de uma composição que possui dois cantores, mas não há letra.
Podemos deduzir, visualmente, de maneira bem clara, o tamanho das frases pelas pausas
e pelo perfil melódico similar.

Ouça e perceba como, mesmo em uma música instrumental, independentemente


de palavras, há a intenção de um enunciado completo em cada frase, pela sua
segmentação nas pausas escolhidas para a melodia e pelo fôlego dos cantores dedicados
a cada estrutura. O motivo da música está circulado, contido no interior da frase e é
reutilizado, trabalhado e transformado em todos os compassos. A respiração da cantora
destaca o motivo:

FIGURA 10 – CINE BARONESA (GUINGA) [FAIXA 25]

FONTE: Adaptada de Cabral (2003, p. 61)

Veja, a seguir, como o poeta Vinicius de Moraes opera um exemplo perfeito entre
letra e música em uma das perguntas que mais movem as artes no ocidente: “Sabe você
o que é o amor?” – anuncia a primeira frase e o motivo melódico da música. A seguir, a
resposta, com perfil melódico diferente, e a resposta “Não sabe. Eu sei”, com a resolução
da dúvida na tônica C7M. Veja como a pergunta é ascendente e, a resposta, descendente.
Na sequência, nova pergunta no texto, mas com mesma frase e motivo melódico:
“Sabe o que é um trovador?”, e a mesma resposta reafirmada, com nova harmonia, mesma
frase e motivo melódico.

149
DICA
Perceba como a letra traz esse assunto da composição mais à frente:
“Você não tem alegria, nunca fez uma canção. Por isso a minha poesia,
ah, você não rouba não”.

FIGURA 11 – PERGUNTA E RESPOSTA DE “SABE VOCÊ” (VINICIUS DE MORAES/CARLOS LYRA)

FONTE: Adaptada de Chediak (1993, p. 109)

DICA
Acompanhe as frases e a genial relação entre texto e música com áudio e vídeo:
• Djavan: https://www.youtube.com/watch?v=RyADHyzzSwE&ab_
channel=Direngreyniano
• Áurea Martins e Nelson Faria: https://www.youtube.com/
watch?v=8wRuJ1PWi_c&ab_channel=UMCAF%C3%89L%C3%81EMCASA

150
4 ANTECEDENTE E CONSEQUENTE
Antecedente e consequente são estruturas completas, com a noção de frases
complementares dentro de uma melodia mais longa, que se desenvolve em vários
compassos. Estão para a música assim como pergunta e resposta. Produzem diálogo e
comunicação, equilíbrio e balanço, simetria e contraste. Seguindo o comparativo com a
linguagem, perguntamos: como aprendemos uma língua nova na primeira aula de inglês?

QUADRO 1 – EXEMPLO ANTECEDENTE/CONSEQUENTE

Pergunta – ANTECEDENTE – Frase 1.


– Hello, what’s your name?
Resposta – (inicia o diálogo) – Frase 2.
– “My name is Alexandre.
Pergunta – CONSEQUENTE – (variação
– “And yours”?
similar da Frase 1).
– My name is Mary, nice to meet you!
Conclusão – frase que encerra o assunto.
Tradução, caso você tenha faltado a essa aula: – Olá, qual o seu nome? – “Meu nome
é Alexandre. – “E o seu”? – Meu nome é Mary, legal te conhecer!

FONTE: O autor

Em um senso comum, esses termos, antecedente e consequente, são


adotados quando percebemos, claramente, uma melodia baseada em duas ideias
diferentes, segmentadas, contrastantes, estruturando qualquer seção. Existem diversas
teorizações dos termos, mas também é efetivo e corriqueiro os usar de maneira simples,
referindo-se a uma estrutura melódica de duas partes. A seguir, exemplos musicais de
melodias similares à pergunta e à resposta. Você verá no interior de quatro compassos:

FIGURA 12 – ANTECEDENTE E CONSEQUENTE EM “YOUR SMILE” [FAIXA 26]

FONTE: Pease (2003, p. 37)

Podem, também, estar contidas em espaços maiores, como oito compassos:

151
FIGURA 13 – ANTECEDENTE E CONSEQUENTE EM “FOR BILL” [FAIXA 27]

FONTE: Pease (2003, p. 38)

Perceba como, nas partituras anteriores, está muito clara a divisão em duas partes,
chamadas de antecedente e consequente. A cesura, ou seja, a divisão entre as frases,
é exatamente na metade do total de compassos. A simetria é óbvia. O perfil melódico
é claramente diferenciado, e a divisão rítmica é alterada na segunda parte. Na primeira
partitura, a progressão harmônica demonstra uma única seção com antecedente e
consequente, já na segunda, vemos duas seções em um espaço maior, pois o antecedente
e o consequente são separados, também, por cadências novas e contrastantes.

5 SENTENÇA E PERÍODO
A partir da compreensão dual de frases, podemos adentrar nos conceitos
de sentença e período, que comportam, no interior, o antecedente e o consequente.
São muito influentes e constantes na teoria musical da disciplina Composição para
percebermos a estruturação de melodias.

É importante precaver e levantar, aqui, que existem diversos entendimentos a


respeito desses termos. Existe, também, uma flexibilidade terminológica, que pode dar
a entender certa vagueza para a delimitação clara desses conceitos. Isso é algo que,
em contrapartida, também abre a entendermos e a concluirmos que as possibilidades
de criação e liberdade melódica são tão infinitas que não devem se reduzir a apenas
duas construções.

152
Traremos, aqui, linhas gerais sintetizadas a partir do entendimento de Schoenberg
nos livros Fundamentos da Composição Musical (1993) e Modelos para Iniciantes na
Composição Musical (1991), que lançam esse olhar sob as melodias da música de concerto:
Haydn, Beethoven, Mozart, Schubert. Em seguida, traremos exemplos que conversam
como estão claros, também, na música popular. Ainda, afirmamos que são estruturas
muito presentes em qualquer composição, no barroco, clássico, música popular, jazz,
rock. Por isso, elas comunicam muito eficientemente aos ouvidos, mas não devem ser
entendidas como formas rígidas ou molduras fixas que possam prender a criatividade,
mas dar vazão.

IMPORTANTE
Nessa consagrada e influente referência, Arnold Schoenberg propõe antecedente e
consequente só para o período. Porém, afirmamos que esses termos se difundiram e são,
hoje, de uso geral, para a sentença e para o período, percebidos, mais simplesmente, por
duas metades. No prefácio do próprio livro de Schoenberg, o Fundamentos da Composição
Musical, o professor da USP, Eduardo Seincman, situa o leitor de alguns aspectos:

Schoenberg não associa (por motivos óbvios) os termos antecedente


e consequente [...] na sua nomenclatura, eles fazem parte apenas do
período, e não da sentença: o que, em muitos casos, pode até ser aceito,
mas, em muitos outros, não há como evitar de perceber antecedentes
e consequentes fazendo parte integrante daquilo que ele chama de
sentença (SCHOENBERG, 1993, p. 15).

• A SENTENÇA se elabora em: 1) primeira frase; 2) repetição do primeiro motivo,


frase, ou melodia de imediato. Essa repetição pode ser literal, modificada, transposta,
variada, mas é, claramente, a mesma ideia. A segunda metade da estrutura segue um
contraste que traz 3) melodia nova ou variação/conexão com a primeira frase;
4) fim melódico e cadencial.

Exemplo didático e lembrete de memória: Parabéns a você.

FIGURA 14 – SENTENÇA - PARABÉNS A VOCÊ

FONTE: O autor

153
• O PERÍODO se elabora em: 1) ANTECEDENTE: primeira frase; 2) segue uma
segunda frase nova, com elementos diferentes; 3) CONSEQUENTE: repetição
literal ou variação da primeira frase, e, em seguida; 4) fim melódico e cadencial.

Exemplo didático e lembrete de memória: Ode à Alegria – 9ª Sinfonia de


Beethoven.

FIGURA 15 – PERÍODO – ODE À ALEGRIA - [FAIXA 28]

FONTE: O autor

No período, é muito claro o início de uma segunda parte na estrutura, o


consequente. Já na sentença, muitas vezes, podemos ouvir apenas repetições
da primeira frase, com ou sem uma terminação diferenciada. Por isso, os termos
antecedente e consequente não seriam tão úteis e claros na sentença. Quando estiver
claro, há antecedente e consequente para a sentença e para o período. Quando não
estiver claro, fica óbvio que se trata de uma sentença, pois nunca seria um período. A
principal diferença é onde está a repetição da frase inicial. O período precisa de
uma frase nova de imediato, a sentença não.

Apresentada a teoria acerca de estruturas melódicas, seguiremos para algo


prático: a audição e a análise desses conceitos em um repertório existente, o mais
diversificado possível e já consagrado por artistas e ouvintes. Isso é algo que assegura
e legitima a teoria, de certa forma, pois nos faz compreender o porquê do êxito e do
sucesso das melodias.

154
RESUMO
Você adquiriu certos aprendizados, como:

• Podemos fazer comparações com a gramática, da menor estrutura para a maior.

• Motivo é a menor estrutura melódica que faz com que reconheçamos uma música.

• Frase é uma estrutura melódica maior do que o motivo, com sentido musical
completo. Frases são separadas por pausas e reconhecíveis pelos contornos.

• Antecedente e consequente são frases em dupla que contrastam, mas se


completam.

• A sentença pode ser resumida em uma estrutura melódica com frases em forma:
a – a – b – c.

• O período pode ser resumido em uma estrutura melódica com frases em forma: a
– b – a – c.

• Repetir é essencial para criar lógica musical interna e conexão com os ouvintes,
mas variar essa repetição é fundamental.

• As estruturas melódicas podem ser teorizadas, analisadas e compreendidas. Podem


dar forma à composição de maneira lógica e racional, como já fizeram grandes
compositores.

• Ouvintes e compositores treinados, estruturalmente, podem compreender e dar


vazão a essas criações de maneira espontânea e criativa.

• A teoria não deve limitar a criação, deve compreendê-la, auxiliá-la e iluminar os


caminhos para que ela se amplie e se desenvolva.

• Composição se pratica, não é apenas inspiração divina, como muitos acreditam


ingenuamente. Volte, teste, apague e refaça. Faça mais e mais.

• Não existe um único método ou ordem de composição. Dê vazão ao seu, e aproveite


os momentos inspiradores da vida para compor.

155
AUTOATIVIDADE
1 Assinale a alternativa CORRETA, que traz técnicas de transformações do motivo:

a) ( ) rarefação – transposição – fim melódico ou cadencial – preenchimento.


b) ( ) inversão – sentença – período – antecedente – consequente.
c) ( ) contorno – transposição literal – transposição diatônica – retrogradação.
d) ( ) movimento contrário – frase – adição – subtração.

2 Acerca das estruturas de sentença e período, assinale a alternativa CORRETA:

I- A principal diferença é onde está a repetição da frase inicial. A sentença precisa de


uma frase nova de imediato, o período não.
II- A sentença se elabora em: 1) primeira frase; 2) repetição; 3) melodia nova; 4) fim
melódico e cadencial.
III- Schoenberg (1993) propõe antecedente e consequente só para o período, mas esses
termos se difundiram e são, hoje, de uso geral, para a sentença e para o período.
IV- O período se elabora em: 1) antecedente: primeira frase; 2) frase nova; 3)
consequente: repetição literal ou variação da primeira; 4) fim melódico e cadencial.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As alternativas I e IV estão corretas.
b) ( ) Somente a alternativa I está correta.
c) ( ) Somente a alternativa IV está correta.
d) ( ) As alternativas II, III e IV estão corretas.

3 Acerca das técnicas de composição melódica, assinale V para as alternativas


verdadeiras e F para as alternativas falsas:

( ) A frase é um trecho de melodia, e pode conter o motivo.


( ) A estrutura frase 1 – repetição da frase 1 – frase nova – fim – é de uma sentença.
( ) Antecedente e consequente são termos usados apenas para a estrutura de período.
( ) A transposição literal mantém a mesma estrutura intervalar, só que em outro tom.
A transposição diatônica transpõe para outra altura dentro do mesmo tom, o que
pode gerar intervalos diferentes.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – F – V.
b) ( ) V – V – F – F.
c) ( ) V – V – V – V.
d) ( ) F – V – F – V.

156
PRÁTICA - CONSTRUÇÃO DE MELODIAS:
AUDIÇÃO E ANÁLISE
1 INTRODUÇÃO
O ensino da composição tem, como premissa, que, através da análise e da
compreensão das estruturas em obras de referência, tornamo-nos capazes de as
reproduzir e, assim, adquirimos ferramentas para o nosso exercício criativo.

Compreendidas as bases teóricas das estruturas de melodias seguimos, agora,


de maneira prática: traremos exemplos da aplicação desses conceitos nos mais variados
gêneros musicais, que contemplam a diversidade de estilos e consideram preferências
pessoais que todos temos. Independentemente disso, perceba como é interessante que
estruturas comuns e universais se desenvolvem.

Observe e compreenda a aplicação no repertório, assim, tornam-se macetes


do seu dia a dia para a composição. Ainda, solicitamos a sua escuta atenciosa com
as análises. Observe o número das faixas e minutos’ e segundos”, quando houver um
trecho específico.

Teremos uma análise de música completa como síntese e visão geral da


aplicação de todos os conceitos, com base no repertório das canções consagradas.
Canções nas quais, certamente, a construção da melodia teve êxito, um sucesso sob o
ponto de vista composicional, legitimada pelo público, crítica, pela indústria musical. É
uma espécie de resumo do tópico em forma de música.

2 FERRAMENTAS DE COMPOSIÇÃO
Compreendemos, então, que o motivo é a menor estrutura melódica portadora
de significado musical. Agora, o que fazer com algo tão pequeno? Como trabalhar,
transformar-se em frases, crescer em sentenças e períodos e virar música? Perceberemos
essas utilizações através do repertório e dos macetes na construção das melodias.

2.1 REPETIÇÃO DO MOTIVO


A primeira ideia. A pura repetição gera monotonia, mas como a repetição também
prende os ouvidos, se variada é uma arte? Torna-se interessante quando a repetição está
sobre nova harmonia e, também, se as alturas ou intervalos são iguais, mas variamos o
outro elemento, o ritmo, o que gera deslocamentos melódicos.
157
FIGURA 16 – REPETIÇÃO DO MOTIVO [FAIXA 29]

FONTE: Adaptada de The Real... (1970, p. 54)

Na figura anterior, um dos maiores standards do blues/jazz, Blue Monk. O motivo


1 cromático é repetido no interior dos quadrados entre intervalos de terça e quinta dos
acordes, mas, no E°, entre b5 e bb7. Repetição, mas com alturas diferentes. A frase 2, nas
elipses, carrega traços marcantes do Blues: as blue notes b5 e b3 da pentatônica menor
sobre acordes maiores. A frase é sempre repetida, buscando variação, por vezes, na
cadência Bb – F7, e, no último sistema, apenas sobre F7, o que gera intervalos diferentes
para o ouvido, apesar de ser a mesma frase. Nos últimos dois compassos, um traço
muito explorado e dominado por Thelonious Monk: note que a frase inicia, originalmente,
no tempo 1. Neste momento, exatamente a mesma frase soa a partir do tempo 2, o que
gera um deslocamento rítmico que traz novo desenho e dá a entender que é outra frase.

2.2 TRANSPOSIÇÃO DE MOTIVO OU FRASE: DIATÔNICA


E LITERAL
Uma repetição e uma variação um pouco mais elaboradas. A diatônica transpõe
os intervalos dentro da tonalidade, mudando os intervalos. Literal é transposta
exatamente igual, para novas tonalidades.

158
FIGURA 17 – GAROTA DE IPANEMA (TOM JOBIM/VINICIUS DE MORAES) - [FAIXA 30]

FONTE: Adaptada de Chediak (1990, p. 62)

Veja, na figura anterior, a seção B, de Garota de Ipanema, considerada, por


muitos, a música mais representativa do Brasil no mundo. A canção inteira é baseada
somente nessa ideia. Note como são utilizadas duas frases, transpostas de maneira
literal, algumas vezes: em 1 – terça menor e segunda menor acima; em 2 – segunda
maior abaixo. A beleza dessa harmonia está em ir modulando. Ainda, vale ressaltar: ouça
a repetição constante do motivo na seção A na sequência da figura, que reinicia em
3 – por quatro vezes, e mais duas transpostas diatonicamente, com o ritmo variado.

2.3 MOVIMENTO CONTRÁRIO


O movimento contrário pode ter um sentido estrito, exato e matemático de
inversão de intervalos ou inversão de direção dos intervalos. Ainda, uma terceira
via mais comum, na prática, são movimentos ascendentes e descendentes mais livres de
razão matemática, abertos à escolha da sonoridade melódica desejada pelo compositor.
Compensam-se, mutuamente, como ondas que buscam equilíbrio e sentido através
dos contornos melódicos.

FIGURA 18 – NOITES CARIOCAS (JACOB DO BANDOLIM) - [FAIXA 31]

FONTE: Adaptada de O melhor... (1997, p. 53)

159
Grande parte das melodias de choro tem, como base, a compreensão de fluência
por movimentos contrários. Em Noites Cariocas, de Jacob do Bandolim, auditivamente e
musicalmente falando, é muito claro como a música é composta inspirada nesse princípio.

Nos retângulos, o primeiro motivo é compensado, imediatamente, por


movimento contrário, mas há liberdade nos intervalos, privilegiando o bom senso
melódico: 2 – 2 – b2 – 3 – 5 ascendente se transfigura em 2 – b3 – 3 – b2 – 2. Ainda,
compare, como mais à frente, também nos retângulos, esses exatos movimentos são
mantidos em transposição diatônica: 2 – 2 – b2 – b3 – b5 ascendente e descendente,
a mesma melodia anterior 2 – b3 – 3 – b2 – 2, só que em nova harmonia. Já no interior
das elipses, intervalos sobem 2 – 2 e descem 2 – 2.

2.4 MESMO RITMO, DIFERENTES ALTURAS


Os motivos podem ser conectados apenas pela força rítmica. Notas e intervalos
diferentes, mas com um ritmo marcante e repetido, trazem coesão e garantem variação
melódica e conexão rítmica.

FIGURA 19 – INCOMPATIBILIDADE DE GÊNIOS (JOÃO BOSCO/ALDIR BLANC) - [FAIXA 32]

FONTE: Adaptada de Chediak (2003, p. 108)

O bem humorado samba de partido alto, de João Bosco e Aldir Blanc, traz
variações no texto (nunca há repetição, nem refrão) e nas alturas melódicas. No entanto,
a composição garante conexão estrutural através do ritmo, que é sempre repetido. A
melodia vai se acomodando e variando pelos intervalos dos acordes. Note que a frase
inicial traz os intervalos b7 – tônica – 5 – 4, transposta de maneira literal na sequência.
Já na terceira vez, o ritmo segue, mas os intervalos são b7 – #11 – 6. Ao longo da
música, diversas variações motívicas e melódicas são acrescentadas, mas permanece
o motivo no plano rítmico.

160
2.5 MESMAS ALTURAS, DIFERENTE RITMO
Observe o contrário do exemplo anterior na melodia de Spain, a mais emblemática
composição do pianista Chick Corea. O fim da parte A, entre parênteses:

FIGURA 20 – SPAIN (CHICK COREA) - [FAIXA 33]

FONTE: Adaptada de The Real... (1970, p. 339)

É a exatamente a mesma melodia do fim da parte C. Apenas o ritmo foi


alterado, em uma aumentação da duração das notas. O início da melodia está deslocado
do Em7 para A7, gerando novos intervalos e a percepção de que é outra melodia. A
harmonia é modificada e há grande duração de compassos:

FIGURA 21 – SPAIN (CHICK COREA) - [FAIXA 33] (PARTE C)

FONTE: Adaptada de The New... (1991, p. 340)

2.6 MOTIVOS BASEADOS EM PADRÕES DE INTERVALOS


A força e a coesão dos motivos melódicos podem ser conseguidas através de um
simples princípio: a escolha de um intervalo. Padrões melódicos podem ser construídos
assim, e conseguir sentido musical, enaltecendo um único intervalo.
161
FIGURA 22 – GIANT STEPS (JOHN COLTRANE) - [FAIXA 34]

FONTE: Adaptada de The Real... (1970, p. 157)

Giant Steps, um divisor de águas na história da música norte-americana, por


sua complexa harmonia, andamento acelerado e desafio de improvisação, tem a melodia
construída pela ênfase nos intervalos. O motivo utiliza apenas terças. O segundo motivo,
entre retângulos, é sempre transposto, de acordo com o intervalo de segunda menor.

2.7 MELODIA BASEADA EM PREENCHIMENTO/RAREFAÇÃO/


CONTORNO MELÓDICO
Ao preencher um tema, uma nova estrutura mais complexa emerge. Nesse
processo, as alterações por acidentes de # e bemol podem dar nova sonoridade à
segunda estrutura, mantendo uma conexão imediata, mas sofisticada.

FIGURA 23 – TEMA DA SEÇÃO A DE COISA Nº 5 - MOACIR SANTOS - [FAIXA 35]

FONTE: O autor

O simples tema da seção A, de Coisa nº 5, de Moacir Santos, é retomado como


a fonte para o complexo arranjo no interlúdio para flauta. O contorno está presente nas
notas selecionadas a seguir:

162
FIGURA 24 – TEMA DE A NO CONTORNO DO INTERLÚDIO - [FAIXA 35]

FONTE: O autor

Observe que, nas elipses, o tema está literalmente citado. Há a inserção de um


bemol, sendo que havia um mi no tema original, na ideia de alturas iguais com mudança
de acidentes. No retângulo, uma transposição e uma variação do primeiro motivo.

DICA
A respeito da REVERSÃO, acompanhe a animação de uma partitura
de Bach, o Cânone do Caranguejo, que usa essa técnica de maneira
impressionante. A melodia não é “apenas” tocada de trás para frente, é
tocada reversa sobre a melodia original e, logo após, reversa e invertida.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xUHQ2ybTejU&ab_
channel=JosLeys.

2.8 MELODIAS BASEADAS EM NOTAS-GUIA


As notas chamadas de guia são aquelas comuns entre dois acordes ou
escolhidas por movimento de grau conjunto ou semitom ao longo das cadências.

Sua característica e efeito são simbolizar e trazer, aos ouvidos, a sonoridade das
trocas harmônicas através de uma única linha melódica. Elas nos permitem ouvir toda a
progressão mesmo sem a presença da harmonia. Para isso, geralmente, são notas das
funções harmônicas, ou estão no jogo entre terças e sétimas nas cadências. Ainda, uma
linha extraída da progressão harmônica através da lei do menor esforço, podendo trazer
tensões e cromatismos. Uma das melodias mais marcantes dos standards de jazz foi
composta assim.

FIGURA 25 – NOTAS-GUIA DE AUTUMN LEAVES - [FAIXA 36]

FONTE: Pease (2003, p. 28)

163
Observe, a seguir, a proximidade dos intervalos. O menor esforço no caminho
mais curto possível. Terças e sétimas resolvendo nas terças e sétimas dos próximos
acordes. A melodia é composta preenchendo, ou “embelezando” essas notas-guia.

2.9 EMBELEZANDO UMA MELODIA DE NOTAS-GUIA


A partir da força e da simplicidade das notas-guia, o próximo passo pode ser as
elaborar compondo motivos, frases e melodias em torno desses pilares melódicos. No
áudio exposto, você ouvirá, primeiramente, as notas-guia sendo tocadas pelo saxofone.
Na segunda vez, a melodia resultante composta através delas, mantidas como primeira
nota de cada acorde.

FIGURA 26 – AND WHY NOT? (TED PEASE) - CRIANDO A MELODIA EM TORNO DE GUIAS - [FAIXA 37]

FONTE: Adaptada de Pease (2003, p. 31)

2.10 VARIAÇÃO DE MELODIAS POR INTERCÂMBIO MODAL


Uma ideia interessantíssima, facilmente aplicável, e efetiva opção de sonoridade
pelas diferenças entre a harmonia tonal x a harmonia modal, é reescrever uma melodia
original a partir de outro modo. Uma frase ou motivo, ou uma música inteira em tonalidade
maior, pode ser revertida em menor, ou vice-versa. Além disso, considere a ampla gama de
escalas modais, modos gregos e sonoridades culturais para esse exercício criativo. A paleta
de cores se abre quase infinitamente com essa técnica, para a composição e como uma
técnica de arranjo.

164
Toque a melodia de Ode à Alegria, de Beethoven, nos diferentes modos, e sinta
como soa. Originalmente, é em ré maior como exemplo didático do período. A seguir, será
escrita em ré menor eólio, frígio, lídio e lócrio.

FIGURA 27 – INTERCÂMBIO MODAL COM BEETHOVEN

FONTE: Pease (2003, p. 16)

Observe que o compositor/arranjador Ted Pease ainda adicionou, no exemplo,


uma divisão rítmica com tempero do jazz. Note como a emblemática melodia soa
completamente diferente. Atente para os acidentes que cada modo possui: ali estará a
sonoridade (entre parênteses, para chamar a sua atenção).

2.11 SENTENÇAS E PERÍODOS


A seguir, confira sentenças e períodos, e, sobretudo, ouça as faixas para
compreender e as identificar auditivamente. Perceba que as partituras originais,
muitas vezes, não apresentam sistemas, dividindo, regularmente, os compassos na
quadratura da música, como de quatro em quatro. Por isso, a estrutura melódica pode
ficar visualmente “quebrada”, então, treine a percepção e a observação nos exemplos
a seguir.

Teremos, a seguir, trechos bem regulares, mas podem acontecer estruturas


menos simétricas, com números ímpares de compasso, melodias mais extensas,
ultrapassando barras de compasso ou pausas, e notas longas, fragmentando uma
simetria óbvia.

2.12 SENTENÇAS
Em uma das mais conhecidas melodias do choro, Pixinguinha inicia a sentença
com uma anacruse. Veja como, por isso, a frase melódica ultrapassa as barras de
compasso para completar o sentido. Perceba como a repetição da frase 1 é transposta

165
diatonicamente uma terça abaixo. Veja como ele consegue o contraste da frase nova,
na continuação da sentença. A primeira frase é baseada em graus conjuntos na escala.
Portanto, a novidade são frases por arpejos. A finalização da melodia traz um padrão
novo de terças e saltos, além da resolução na nota lá da melodia, aqui, sobre um acorde
de G7 que resolve adiante em C.

FIGURA 28 – SEGURA ELE - PIXINGUINHA - [FAIXA 38]

FONTE: Adaptada de Moreira e Navia (2019 p. 19)

Grandes sucessos da música pop, muitas vezes, utilizam essas conhecidas


estruturas para fazer imediata conexão com o público e captar nossos ouvidos. Veja, a
seguir, como a famosa canção de Lenine tem uma estrutura de sentença.

FIGURA 29 – PACIÊNCIA - LENINE - [FAIXA 39]

FONTE: Adaptada de <https://www.flickr.com/photos/lenineoficial/7154125131/in/al-


bum-72157629626016228/>. Acesso em: 29 jan. 2021.

A frase 1 foi repetida imediatamente. Note que, após isso, o perfil melódico
segue completamente diferente. Temos uma frase nova e, por fim, uma resolução no
acorde tônica G7M. Observe que a última nota, na melodia, é um lá. Ouça a música e
perceba, também, na partitura, como Lenine resolve a melodia na nota sol apenas na
última nota de toda seção A, após várias repetições da sentença, justamente para trazer
a sensação enfática de encerramento e fim do trecho, o que anuncia a entrada de algo
novo na seção B.

166
2.13 PERÍODOS
A próxima melodia é de uma suíte de Johann Sebastian Bach, a qual tem clara
estrutura de período: a frase 1 é repetida de maneira exatamente igual no consequente,
porém, veja a arte do contraponto: a voz aguda da clave de sol, na repetição, é totalmente
nova. Observe como o início dessa frase não se localiza no primeiro tempo, já que há
uma anacruse extrapolando o tamanho dos compassos:

FIGURA 30 – BACH, SUÍTE INGLESA Nº 3, GAVOTTE - [FAIXA 40]

FONTE: Adaptada de Schoenberg (1993, p. 32)

Os refrões de rock são conhecidos por grudar nos ouvidos e conseguir fazer
grandes multidões cantarem energicamente, em uníssono, uma mesma melodia. Uma
dessas estruturas mais conhecidas no mundo do rock foi composta no formato de
período abaixo, antecedente e consequente de oito compassos cada. As pausas
recortam as frases:

FIGURA 31 – PERÍODO - 2 MINUTES TO MIDNIGHT - IRON MAIDEN - [FAIXA 41]

FONTE: Adaptada de Powerslave... (1984, p. 18)

167
Pratique perceber essas estruturas, auditivamente, em toda e qualquer música.
Lembrando que “essas construções podem ser flexíveis e estar abertas a diversas
formações híbridas” (CAPLIN, 2013, p. 99). Ainda, em estruturas maiores, combinando os
dois. Casos sem classificação existem como músicas em que ouvimos apenas repetições
de uma mesma ideia, ou mesmo uma melodia extensa, sempre nova, que nunca repete
nada em toda uma seção.

3 RESUMO EM FORMA DE MÚSICA – ANÁLISE COMPLETA


Vimos, até aqui, diversos elementos que estruturam a composição de
melodias. Para as análises, escolhemos, como método, um conceito e a aplicação em
recortes de obras.

Agora, será possível compreender e analisar a totalidade de uma composição


através dessas ferramentas e absorver algo da mágica que move a criação artística
por meio do pensamento analítico, racional? Surgem sempre algumas dúvidas, é muita
coisa. Temos que usar tudo? Precisa ser complexo para ser bom? Tem que soar difícil?
Será que o músico pensou nisso para compor?

A seguir, veremos uma análise de música completa. Traremos, para você, uma
espécie de resumo em forma de música na partitura, fechando a compreensão
desses conceitos de melodia. Seria interessante analisar: qual a melodia mais famosa
do mundo? Será que ela se enquadra nas teorias da melodia? Podemos compreender e,
assim, adquirir algo mágico criado ali?

Em busca de dados a respeito da música mais gravada na história, temos um


nome: Yesterday, composição de Paul McCartney, creditada, também, a John Lennon
(que, posteriormente, assumiu não ser dele). Foi gravada pelos Beatles, em 1965.
Essa música entrou nos dados do Guinness Book World Records, em 1986, na época,
com 1600 regravações oficiais em discos desde o lançamento. Atualmente, o número
ultrapassa 3000.

INTERESSANTE
A título de curiosidade, Garota de Ipanema, bossa nova de Tom Jobim e Vinicius de
Moraes, já ocupou o segundo lugar no Guinness Book World Records. Esse recorde,
hoje em dia, está em análise, pois, ao que parece, Summertime, da ópera negra
de George Gershwin e do repertório do jazz, chegou a 67.591 regravações (não
necessariamente discos).
FONTE: <https://www.guinnessworldrecords.com.br/world-records/70103-most-recorded-song>.
Acesso em: 29 jan. 2021.

168
Dados quantitativos, o sucesso na mídia e cifras de vendas garantem a qualidade
artística? Podemos assumir, por isso, que é a mais bela melodia já criada? Definitivamente
não. Independentemente de julgamentos de valor ou de gosto pessoal, também é inegável
o poder de qualquer melodia quando é reconhecida em todo o planeta.

Segundo o Guinness (2021), os Beatles são, até hoje, o grupo com o maior
número de álbuns vendidos na história, ultrapassando 1 bilhão de cópias. Alguma coisa
os quatro rapazes de Liverpool realmente fizeram.

Os Beatles são quase uma unanimidade do que simboliza uma música simples,
mas com qualidade, que toca as pessoas de qualquer época e origem, feita com boa dose
de sinceridade e poesia comovente. Valores a serem pensados, relativizados e considerados
por nós, músicos, professores de música e acadêmicos de música. Yesterday servirá como
uma síntese do nosso assunto melódico. Será que nossas ferramentas podem dar conta de
tal melodia? Investigaremos o que faz sucesso. Segue a análise.

A seguir, os símbolos mostrarão a estrutura da melodia e as transformações


motívicas. Não se espante, tudo será explicado item por item na sequência.

Vamos do macro ao micro, primeiramente, os elementos maiores chegando aos


menores, por último, ou seja, da forma geral até o motivo. Ao fim da leitura, volte a essa
partitura inicial para compreender a visão do todo.

FIGURA 32 – YESTERDAY (MCCARTNEY) - ANÁLISE MELÓDICA - [FAIXA 42]

FONTE: Adaptada de The Beatles... (1980, p. 453)

169
3.1 FORMA
Yesterday é uma canção AABA, sua primeira exposição. No arranjo e gravação,
a forma é ampliada para Introdução – AABA – BA – Coda. Detalhe: o A possui sete
compassos, então, ao todo, são 29 compassos. Como o último A é uma repetição, não
há necessidade de repetir os símbolos na análise.

3.2 ESTRUTURA DA MELODIA


Seção A é uma sentença:

FIGURA 33 – YESTERDAY - A SENTENÇA

FONTE: Adaptada de The Beatles... (1980, p. 459)

• ANTECEDENTE: a frase 1 é imediatamente repetida. No entanto, perceba a elaboração:


o motivo é repetido transposto e a segunda metade faz um perfeito movimento
contrário.
• CONSEQUENTE: uma variação da primeira frase, pois o padrão melódico da 2ª é
mantido, com o ritmo variando ao contrário e, ali, a omissão de um compasso da frase
1. Por fim, uma melodia nova direcionada à resolução cadencial na tônica.

A Seção B é um período:

FIGURA 34 – YESTERDAY - B PERÍODO

FONTE: Adaptada de The Beatles... (1980, p. 453)

170
• ANTECEDENTE: traz contraste, inicia com uma frase 2, diferente da seção A. Na
sequência, uma frase nova.
• CONSEQUENTE: inicia com a repetição literal da frase 2. Por fim, uma resolução
melódica – sensível na tônica e cadencial – II V I.

3.3 MOTIVO, VARIAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES


A música possui um motivo muito forte e evidente, que se destaca por carregar o
título da música, uma nota para cada sílaba: Yes – ter – day. Algo muito enfático e efetivo
em termos de composição para a fixação do conteúdo nos ouvintes.

Além de ser uma boa escolha melódica, a apojatura abre a música com um
belo intervalo de segunda em tempo forte, resolvendo na tônica, sol - fá. O intervalo de
segunda é o motivo.

FIGURA 35 – YESTERDAY - O MOTIVO

FONTE: The Beatles... (1980, p. 453)

A partir dessa apresentação, ele vai ser transformado em três momentos.


Transposições acontecem, mantendo o intervalo de segunda e, sabiamente, Paul
McCartney escolhe rimas para Yesterday nessas exatas reaparições do motivo:
Far away – here to stay. A palavra Yesterday, na resolução da sentença, remete,
claramente, ao mesmo motivo, mas pela letra e divisão rítmica iguais às anteriores,
efetuando uma espécie de rima entre introdução e conclusão da estrutura. No entanto,
é uma variação melódica: os três motivos anteriores são segundas descendentes, e este
último é uma terça ascendente.

FIGURA 36 – YESTERDAY - REAPARIÇÕES DO MOTIVO

FONTE: The Beatles... (1980, p. 453)

171
Na sequência do motivo, algo formidável: as seguintes frases são compostas por
perfeitos e matemáticos movimentos contrários. Observe que as notas – lá – si natural – dó#
- ré – mi – fá – estão em intervalos de 2 – 2 – b2 – 2 – b2, exatamente os mesmos intervalos
descendentes de ré – dó natural – si bemol – lá – sol: 2 – 2 – b2 – 2 (curiosamente, o
motivo, na sequência, faz o intervalo de b2 que falta – si bemol – lá).

FIGURA 37 – YESTERDAY - FRASES EM MOVIMENTO CONTRÁRIO

FONTE: The Beatles... (1980, p. 453)

Adentrando na seção B, é preciso contraste. Uma nova seção para diferenciar


e atrair os ouvidos deve trazer elementos novos. Como Paul realiza isso: um novo
motivo, agora, sem intervalos, lá – lá. Contraste, também, na mudança de centro tonal
da harmonia da seção A, que era em Fá para o seu relativo menor: Em – A7 – Dm.

FIGURA 38 – YESTERDAY - CONTRASTE NA SEÇÃO B

FONTE: The Beatles... (1980, p. 453)

As frases posteriores ao motivo do período seguem com boas variações


motívicas: elas são extraídas, literalmente, da seção A, criando conexão entre as
seções, mas variando. Lembre-se: a pura repetição gera monotonia. Se variada, é uma
arte. Observe e diga se não é o mesmíssimo fragmento melódico: ré – mi – fá – mi – ré.
Somente a rítmica varia.

FIGURA 39 – YESTERDAY - FRASES DA SEÇÃO B ORIGINADAS NA SEÇÃO A

FONTE: Adaptada de The Beatles... (1980, p. 453)

172
Seguindo a seção B, mais explorações da ferramenta do movimento contrário.
A frase nova, mais uma vez, tem relações com a frase da seção A:

FIGURA 40 – YESTERDAY - FRASES NOVAS DA SEÇÃO B ORIGINADAS NA SEÇÃO A

FONTE: Adaptada de The Beatles... (1980, p. 453)

Uma explicação das estruturas anteriores: na seção B, a frase é descendente


em 3 – 2 – 4 (podemos pensar na breve colcheia como um preenchimento, pela inflexão
da voz). Na seção A, a frase faz os intervalos ascendentes e termina com o salto de
quarta ascendente. São variações de uma mesma estrutura. Uma dica: toque para
ouvir, musicalmente, a similaridade. Por vezes, a matemática das transformações
motívicas não é exata, mas o juiz final deve ser o ouvido, que percebe, também,
musicalmente, as estruturas.

DICA
Em instrumentos com tons e semitons regulares, como os trastes,
visualizamos os padrões intervalares facilmente, diferentemente do piano
ou dos sopros.

Finalizando a música na seção B, mais um belo exemplo de movimento


contrário perfeito. Ainda, segue a mesma proposta da seção A, conectando-as
formalmente: novamente, a introdução da seção é repetida na conclusão, como uma
rima. Estão, em movimento contrário, como um espelho, intervalos ascendentes no
início, mesmos intervalos descendentes no fim.

FIGURA 41 – YESTERDAY - INÍCIO E FIM DA SEÇÃO B EM MOVIMENTO CONTRÁRIO

FONTE: Adaptada de The Beatles... (1980, p. 453)

173
Por fim, salientamos que, apesar de óbvio esmero nas proporções, coerências e
conexões compostas por Paul McCartney nessa música, toda análise possui um grau de
subjetividade e interpretação dos olhos de quem vê.

Quando tratamos de teoria, buscamos tentar compreender e explicar os porquês


da beleza na arte. Se você acompanhou, de perto, o exposto, podem surgir pensamentos,
como: “nossa, que incrível, por isso a música foi um sucesso, isso deve ser característica
dos gênios. Contudo, será que ele pensou nisso tudo?” Para iluminar tal dúvida e liberar
um pouco a necessidade racional, veja um trecho da análise de Rudolph Réti (1978) a
respeito do Rondó em Sol Maior, de Beethoven:

O que pretendemos demonstrar é que uma estrutura pode ser


construída como uma inversão e, ainda assim, admitir uma
superfície completamente nova. O compositor, naturalmente,
não produz tal característica ‘teoricamente’, primeiro decidindo
utilizar uma ‘inversão’ e, então, tentando encontrar como escrever.
Não, quando quer que um tema aflore ao ouvido de um
compositor treinado estruturalmente, todas as formas de
possíveis transformações irão, de uma só vez, alcançar uma
luz repentina em sua mente. Se, entre essas formas, como neste
exemplo, em particular, a inversão parecer ser a mais apropriada, o
compositor a aceitará como uma base, porém, estruturará o novo tema
tão livremente quanto sua imaginação exigir, não se preocupando, não
desejando que os detalhes do segundo tema devessem corresponder
estritamente ao primeiro (RÉTI, 1978, p. 11, grifos nossos).

174
RESUMO
Você adquiriu certos aprendizados, como:

• Através da análise e da compreensão das estruturas em um repertório, tornamo-nos


capazes de reproduzir os conceitos aprendidos e, assim, adquirimos ferramentas.
Aplique e coloque em prática nas suas composições e nas dos seus alunos.

• A pura repetição gera monotonia, mas, também, é percebida facilmente e capta os


ouvidos. Variar mantendo coerência é uma arte da composição musical.

• Transformações matemáticas, racionais e padrões podem ser fonte de inspiração,


mas é artístico permanecer aberto à escolha da sonoridade melódica desejada,
independentemente de fórmulas.

• Alterações com acidentes de sustenido e bemol podem, facilmente, dar nova


sonoridade a uma segunda estrutura baseada em uma primeira.

• As notas chamadas de guia são aquelas comuns entre dois acordes, escolhidas por
movimento de grau conjunto, ou semitom ao longo das cadências. A característica e
o efeito são de simbolizar e trazer, aos ouvidos, a sonoridade das trocas harmônicas
através de uma única linha melódica. Treine ouvir toda a progressão através de uma
nota por acorde, mesmo sem a presença da harmonia.

• As diferenças entre a harmonia tonal X a harmonia modal carregam um grande


potencial para arranjos e composições. É importante ressaltar que, na música
cotidiana, de massa e mídia, não são aspectos comumente lembrados e explorados.

• As partituras originais, muitas vezes, não ajudam a análise, até prejudicam; não
apresentam os sistemas dividindo as estruturas de acordo com a composição, mas
com a impressão ou necessidades editoriais. Pode ser útil reescrever.

• Grandes sucessos, muitas vezes, utilizam ou reelaboram conhecidas estruturas


para fazer imediata conexão com o público e captar nossos ouvidos.

• Dados quantitativos, o sucesso na mídia e as cifras de vendas não são sinônimos de


qualidade artística. Respeite o compositor e a arte que há em você.

175
AUTOATIVIDADE
1 A melodia de Ode à Alegria, da Nona sinfonia de Beethoven, foi composta na tonalidade
de ré maior. Se a reescrevermos no modo frígio, através do intercâmbio modal,
surgirá a melodia a seguir. Compare ré maior com ré frígio e assinale a alternativa que
demonstra as notas diferentes, que devem ser alteradas na melodia original:

FONTE: Pease (2003, p. 16)

a) ( ) fá sustenido – dó sustenido.
b) ( ) sol natural – lá natural.
c) ( ) mi natural – fá sustenido – si natural.
d) ( ) mi bemol – fá natural – si bemol – dó natural.

2 Acerca das transformações motívicas, da habilidade do compositor e da flexibilidade


nas formas melódicas, analise as asserções a seguir:

O que pretendemos demonstrar é que uma estrutura pode ser construída como uma
inversão e, ainda assim, admitir uma superfície completamente nova.

PORQUE

O compositor, naturalmente, não produz tal característica ‘teoricamente’, primeiro, decidindo


utilizar uma ‘inversão’ e, então, tentando encontrar como escrever. Não, quando quer que
um tema aflore ao ouvido de um compositor treinado estruturalmente, todas as formas de
possíveis transformações irão, de uma só vez, alcançar uma luz repentina em sua mente.
Se, entre essas formas, como neste exemplo, em particular, a inversão parecer ser a mais
apropriada, o compositor a aceitará como uma base, porém, estruturará o novo tema tão
livremente quanto a sua imaginação exigir, não se preocupando, não desejando que os
detalhes do segundo tema devessem corresponder estritamente ao primeiro.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As duas asserções são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma
justificativa correta da primeira.
b) ( ) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa
correta da primeira.
c) ( ) A primeira asserção é uma proposição verdadeira, e, a segunda, uma proposição
falsa.
d) ( ) A primeira asserção é uma proposição falsa, e, a segunda, uma proposição
verdadeira.
176
3 A partir de uma pequena frase, como a frase a seguir, retirada de Yesterday
(McCartney/Lennon)

FONTE: Adaptada de The Beatles... (1980, p. 453)

Podemos realizar diversas transformações melódicas, como:

FONTE: O autor

Assinale a alternativa que traz a sequência CORRETA das técnicas utilizadas


anteriormente:

a) ( ) movimento contrário – transposição – contorno – retrogradação.


b) ( ) transposição diatônica – mesmas alturas, diferente ritmo – preenchimento –
rarefação.
c) ( ) transposição literal – retrogradação – transposição diatônica – movimento
contrário.
d) ( ) aumentação – inversão – motivo – repetição.

177
178
A CONSTRUÇÃO DAS HARMONIAS

1 INTRODUÇÃO
O assunto é a composição, através do foco, na harmonia.

Existem diversos caminhos, rotinas e métodos de composição, e cada compositor


tem os seus. Esses caminhos são os mais variados: podemos ter toda uma harmonia
composta e, depois, criar a melodia; uma melodia dada que queremos harmonizar; ou, ainda,
os dois processos acontecendo sincronicamente e se influenciando mutuamente. Quanto à
letra, a poesia pode se acomodar em uma melodia pronta, ou o inverso, a melodia surgir partir
de um texto que será musicado.

Para alguns, o ponto de partida é a harmonia, uma espécie de moldura na qual


a melodia e a letra vão se orientar e se desenvolver.

O que precisamos, no momento, é perceber as capacidades que a harmonia tem


de estimular e de se tornar, também, composição, o que veremos a seguir, através de
tantos elementos inspiradores, como harmonizar a melodia, substituições, inversões,
tensões disponíveis, campos harmônicos, modalismos, harmonia quartal, funções
harmônicas e rearmonizações.

2 HARMONIZANDO A MELODIA
Como ponto de partida, uma lista de dez conselhos, ou primeiras observações,
quando queremos harmonizar uma melodia:

• Qual o tom da melodia?


• Observe quais são os acidentes: sustenido, bemol e bequadro.
• Procure pelos semitons: eles podem indicar o grau da escala mais facilmente. Só
existem dois semitons na escala maior e menor natural.
• Atente para as notas longas: geralmente, são notas de acorde.
• Em notas longas, lembre-se do movimento das funções harmônicas. Exemplo: se a
tonalidade é dó maior, e temos um fá durando um bom tempo, ali, nunca caberá uma
tônica, essa nota simboliza a função subdominante. Elimine as opções C7M, Em7,
Am7. Se há um dó importante na melodia, nunca será dominante, é a nota em que
a sensível se resolve. Elimine G7 e Bm7(b5). Os subdominantes F7M e Dm7 aceitam
toda a escala, e, neles, não há nota a ser evitada.

179
• Por consequência do item anterior, entre notas longas, estarão, provavelmente, as
outras notas, provenientes da escala do tom ou do acorde.
• Observe se há sensível resolvendo na tônica: ali, estará um acorde dominante.
• Ritmo harmônico: em que compasso estamos: de início, desenvolvimento ou conclusão
de uma frase? Lembre-se das funções repouso, movimento e resolução.
• Teste diversos acordes até chegar na sonoridade que deseja. Use a lógica teórica,
mas não se esqueça de usar o ouvido: teste qualquer acorde sem medo, com
criatividade e sem nenhuma regra.
• Coloque a nota da melodia em todos os intervalos de um acorde: primeiramente
tônica, terça, quinta e sétima. É o que veremos a seguir.

A partir desse primeiro olhar, digamos que há uma nota dó soando longa na
melodia, então, provavelmente, é uma nota de acorde. Que acordes cabem ali? Aí vem o
óbvio: C – F esses dois no máximo? Pense bem, podem ser 20 acordes.

Vamos aos poucos. Sua vontade e intuição de compositor dizem que quer ali um
acorde com uma sonoridade maior, aberta, feliz, brilhante ou algum desses adjetivos.
Harmonizaremos, então, com o acorde maior, com sétima maior, o mais aberto de todos.
Então, pode ser C7M – melodia na tônica; Ab7M – melodia na terça; F7M – melodia na
quinta; Db7M – melodia na sétima maior.

FIGURA 42 – HARMONIZANDO A NOTA DÓ COM ACORDES TIPO X7M

FONTE: O autor

Agora, como podemos harmonizar uma única notinha dó com 20 acordes


diferentes? Existem apenas cinco tipos de acordes: X7M, X7, Xm7, Xm7(b5), X°.
Todas as harmonias que ouvimos são baseadas apenas nesses cinco tipos. Observe
o exposto a seguir. Entre os acordes, na sequência, sempre “cai” uma nota, do mais
aberto ao mais fechado:

GRÁFICO 1 – ESTRUTURA DESCENDENTE DE INTERVALOS ENTRE OS CINCO TIPOS DE ACORDE

FONTE: Freitas (1994, p. 15)

180
A partir dessa conclusão, se você colocar a nota da melodia nos intervalos de
cada um desses cinco acordes, então, teremos 20 escolhas. Compor é escolher. A
infinidade de escolhas é a parte prazerosa e criativa da composição.

Mais um conselho, que pode parecer óbvio, mas que exige ousadia e vontade de
experimentação: nem tudo precisa ser tonal, estar dentro de um mesmo campo harmônico.
Existem diversos sistemas de música e correntes estéticas, ao longo da história, que
buscam fugir das amarras da tonalidade: modalismo, politonalidade, impressionismo, free
jazz, serialismo, música universal, dodecafonismo etc. Sua música pode se abrir a esses
mundos, assim como os exercícios de composição com os seus alunos de qualquer idade e
experiência. Por que não?!

FIGURA 43 – HARMONIZANDO A NOTA DÓ COM OS CINCO TIPOS DE ACORDE

FONTE: O autor

De acordo com o exposto, cante o dó e sinta como a mesma nota se acomoda


nos diferentes acordes, gerando diversas sonoridades.

Seguiremos a partir de uma melodia simples, com as notas longas abaixo, e


exploraremos essa ideia, primeiramente, dentro do campo harmônico maior. Veja
que, para cada nota escolhida para harmonizar, temos quatro opções de acorde, cada
uma a situando em um intervalo da tétrade, T, 3, 5, 7. As linhas indicam exemplos de
caminhos escolhidos. Na primeira, os acordes harmonizam a melodia com as tônicas.
Na segunda, uma livre escolha dentre tantas possíveis: a melodia está nos intervalos
b7 – b5 – 5 – b3 dos acordes.

181
FIGURA 44 – NOTAS LONGAS E ESCOLHAS DE ACORDES NO CAMPO HARMÔNICO DE DÓ MAIOR

FONTE: O autor

Se a ideia for enriquecer ainda mais, lembre-se de que a tonalidade de um


tom maior não se limita a sete acordes. A tonalidade de dó é formada pelo conjunto
de acordes do tom maior, menor natural, menor harmônico e menor melódico. A
seguir, no campo de dó maior e, no retângulo, acordes agregados ao tom por empréstimo
modal. Nas linhas, duas escolhas livres dentre tantas possíveis:

FIGURA 45 – NOTAS LONGAS E ESCOLHAS DE ACORDES NA TONALIDADE DE DÓ

FONTE: O autor

Para a melodia inicial, todos esses acordes funcionariam, e estamos, ainda,


na tonalidade de dó maior. Experimente cantar a nota longa e harmonizar com
diferentes acordes. Sinta como a mesma nota pode soar completamente diferente. A
nota sol, em C7M, tem som de quinta, resolução e estabilidade, mas, em Eb7M(#5), tem
som de terça, em um acorde com sonoridade dissonante.

Lembre-se sempre de conferir se as notas do acorde escolhido não chocam


com os intervalos da melodia. Muitas vezes, em uma melodia mais desenvolvida, nossas
opções de escolha se limitam um pouco.

182
A seguir, desenvolveremos uma melodia a partir das notas longas. Nas escolhas
anteriores, a linha tracejada funcionaria mal para a melodia a seguir. Há um choque
entre o lá da melodia e a terça menor – lá bemol – de Fm7. No caso, é só escolher outro.
Todos os outros acordes soam muito bem:

FIGURA 46 – CHOQUE ENTRE MELODIA E HARMONIA

FONTE: O autor

Estamos usando, aqui, acordes do campo harmônico. Agora, lembre-se de que,


retomando a conversa do início, se a sua opção for sair da tonalidade, para cada nota
individual ou longa em uma melodia, podemos harmonizar com até 20 acordes
diferentes. Você pode, assim, gerar progressões fabulosas e livres, ou ideias de
caminhos criativos para a sua composição, seja tonal ou não.

3 TRABALHANDO COM O BAIXO DOS ACORDES


Outra rica fonte de ideias para a composição é trabalhar com os baixos dos
acordes. Uma noção muito simples e eficiente, que escapa aos olhos dos mais desatentos,
é: ao mudar a nota do baixo, você modifica completamente a harmonia.

Geralmente, ao harmonizar, muitos pensam no excesso: quais substituições


posso usar? Quantas tensões #11, 13, #9 posso colocar nesse acorde? Cabem sete
acordes nesse compasso? Se eu complicar, ficará bom? Pensamentos que priorizam a
parte aguda da harmonia e tensões disponíveis.

Usaremos um pensamento diferenciado, na direção oposta: mude uma única


nota para modificar toda a harmonia. As inversões, todos já conhecemos: 3ª no baixo
– primeira inversão; 5ª no baixo – segunda inversão, 7ª no baixo – terceira inversão:

FIGURA 47 – INVERSÕES

FONTE: O autor

183
Você pode manter o acorde no agudo e variar o baixo. Dobre o que for necessário
para soar bem, dependendo da instrumentação.

Geralmente, optamos por não dobrar as terças e sétimas, especialmente, em


estruturas pequenas de quatro vozes. Observe isso quando usar a primeira e a terceira
inversão: se essas notas forem para o baixo, soa bem excluí-las da parte alta dos acordes.
Com essas tradicionais inversões, procure sempre caminhos alternativos na condução
das notas graves, gerando melodias como em um contraponto, através dos baixos.

Agora, o que acontece se colocarmos as outras notas da escala no baixo? Além


das notas da tétrade de um acorde, sobram 2ª, 4ª e 6ª na escala.

FIGURA 48 – OUTRAS INVERSÕES

FONTE: O autor

Com essa visão, são gerados diferentes acordes resultantes, com sonoridade
diferente da original e das inversões tradicionais. Você pode tocar as tríades mais básicas
e originais de uma composição, e testar os graves livremente, experimentar improvisar
qualquer nota no baixo. Gostou? Confira, depois, qual acorde resultante é aquele.

A seguir, um exposto na tonalidade de dó maior, com as inversões, considerando


todas as notas da escala, diatonicamente. Como você pode ver, são gerados 39 acordes
com as inversões. Destes, os ressaltados a seguir, 20 novos acordes resultantes,
com sonoridade diferente da original.

184
QUADRO 2 – INVERSÕES USANDO TODAS AS NOTAS DA ESCALA
INVERSÕES

acorde /C /D /E /F /G /A /B

C D7sus(9) C/E F7M(9) C/G Am7 C/B

G7sus(9)
Dm Dm/C E7sus(b9) Dm/F Dm/A Bm7(b5)
*Dm7/G

A7sus(9)
Em C7M Em/D - F7M(9,#11) Em/G Em/B
*Em7/A

F F/C Dm7 F/E G7sus(9) F/A -

G C7M(9) Dsus(13) Em7 G/F A7sus(9) G/B

D7sus(9)
Am Am/C Am/E F7M Am/G B7sus(b9)
*Am7/D

B° - D° - F° G7 Dm6/A

FONTE: O autor

Exemplo de harmonização a partir de inversões: o samba pode ser visto como


uma arte do contraponto popular e improvisado, representado nas linhas de baixo do
violão de sete cordas.

A seguir, três versões de harmonia com os mesmos acordes, variando


apenas a linha do baixo. Na primeira, as tríades da música, que podem estar sendo
executadas pelo cavaco. Na segunda, as inversões propostas, originalmente, pelo violão
na gravação, gerando uma linha melódica cromática no grave. Na terceira linha, uma
aplicação minha de inversões livres, gerando acordes muito diferentes, apenas ao
adicionar um baixo diferente às tríades iniciais. Excelente ferramenta para arranjos e
para explorar caminhos harmônicos em composições a partir de simples tríades. Cante
a melodia e toque as três harmonias:

FIGURA 49 – CORRA E OLHA O CÉU - CARTOLA - [FAIXA 43]

FONTE: O autor

185
4 TRABALHANDO COM TENSÕES DISPONÍVEIS
Um assunto essencial à composição, quando trabalhamos com o acabamento
ou com o arranjo final da harmonia, são as tensões disponíveis: Que notas podemos
acrescentar a um acorde básico para torná-lo mais dissonante? Que notas são evitadas e
soam mal? Que notas posso variar na harmonia? Isso gera muita dúvida durante os estudos,
e, para sanar isso, traremos um quadro completo em relação às tensões disponíveis para
cada acorde. A seguir, uma lista de três conselhos, lembretes e orientações.

• Pense no equilíbrio, sugestão básica: geralmente, podemos pensar que o dominante


leva uma nota a mais do que os outros, pois deve representar um papel de tensão.
Se a música é em tríades, teremos – C – Dm – G7. Se a música pede tétrades, um
bom equilíbrio será – C7M – Dm7 – G7(9). Se a própria tônica já parte de sonoridade
mais complexa – C7M(9) – Dm7(9) – G7(9,13). Por fim, como podemos chamar, os
superacordes ou verticalização do modo, quando toda a escala é empilhada –
C7M(6,9) – Dm7 (9, 11, 6) – G7(b9, #9, #11).
• Regra de ouro para as famosas notas evitadas: são aquelas que não entram como
opção de tensões disponíveis, pois soam mal ou confundem a sonoridade de um
acorde com outro. Basicamente, lembre-se de observar as funções harmônicas
nas tétrades. Resumo das evitadas, a nota representativa de uma função soa mal
no acorde de outra função: 1) fá é a nota da subdominante, então, é evitada em C, Em
e Am. Geraria outros acordes ou tensões exageradas, os quais devemos ouvir função
tônica, resolução e estabilidade; 2) dó não é disponível em acordes dominantes, pois
traz a sonoridade da tônica e é a resolução da sensível. Evitada para G7 e Bm7(b5);
3) as subdominantes aceitam todas as notas da escala, pois pedem movimento e já
carregam as notas dó e fá nas tétrades. Ao adicionar a nota si, soa, claramente, que
não é um dominante, pois agregaria a tensão e a resolução. Não é tônica, pois carrega
o fá, e isso serve para todos os tons. O exemplo está em dó, para facilitar, mas pense
em graus e intervalos.
• Gêneros musicais: use o bom senso. Para alguns estilos, as tensões são
essenciais para que soe adequado e dentro da linguagem. Já para outros, a
ausência de tensões é essencial para que soe bem. Um reggae deve usar tríades
para soar tranquilo, estável, suave, em paz. Uma bossa nova pede tensões, para soar
sofisticado, elaborado, artístico. As tensões não são atributos de qualidade, mas de
linguagem dos gêneros.

A seguir, observaremos um quadro geral, que pode servir para sua conferência
quando necessário.

186
FIGURA 50 – ACORDES, GRAUS, FUNÇÕES, ESCALAS E TENSÕES NOS CAMPOS MAIOR, MENOR,
HARMÔNICO E MELÓDICO

FONTE: Freitas (2010, p. 4)

A Figura 50 tem muita informação, um grande resumo das estruturas dos


campos harmônicos. Sobre as tensões disponíveis são os números acima de cada
escala ou modo, as notas evitadas de cada acorde estão entre parênteses.

Na sequência, a aplicação de tensões disponíveis em um exemplo. A música,


originalmente, traz beleza em sua simplicidade, e foi composta em tríades, então vamos
aproveitar para elaborar. Podemos pensar em um exercício sobre como não fazer em
um reggae, mas experimente tocar e avaliar até que nível as tensões acrescentam algo à
composição. Confira essas tensões utilizadas através do quadro anterior:

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FIGURA 51 – REDEMPTION SONG - BOB MARLEY - [FAIXA 44]

FONTE: Adaptada de The Best... (1980, p. 110)

5 AMPLIANDO O CAMPO HARMÔNICO: MODAL E QUARTAL


Visa acrescentar novas fontes e recursos de composição através de diferentes
explorações sobre harmonia e seus campos harmônicos. Podemos ampliar nossa noção
de campo ao organizar sua estrutura a partir de outros olhares: o modal e o quartal.

5.1 CAMPOS HARMÔNICOS MODAIS


Existem diversos significados acerca do termo modal. De maneira geral, o
compreendemos através de um dualismo que opõe tonal x modal. Nessa divisão, o lado
da grande tradição da tonalidade que se consagrou a partir do século XVII e se mantém
viva até hoje, através de grandes e prestigiados movimentos da música do Ocidente,
notadamente, a música de concerto como Barroco e Classicismo, ou os populares
standards de Jazz e MPB. O tonal assegura suas heranças culturais, atualmente, na
maior parte da música ouvida hoje seja nas mídias digitais, cinema e música de massa.

O outro universo oposto seria a sonoridade modal, que, anterior à tonalidade,


habita o nosso imaginário acerca de um passado nostálgico nas músicas medievais, canto
gregoriano e folclore de diversos países. O modal ressurge a partir de ressignificações
internas destes grandes movimentos no século XX, como o Modernismo na música
de concerto, ou os populares jazz modal, música étnica, MPB de protesto, música
nordestina. O modal aproxima de si uma interpretação do que é o outro, o oriental, o
afro, o árabe.

188
Para além de uma simples dualidade, podemos afirmar que estas práticas tonais
e modais se misturaram de maneira difusa ao longo da história, e alguns períodos,
lugares e movimentos musicais evidenciaram e optaram por desenvolver mais um
dos lados. Outros as misturaram livremente. Hoje, temos acesso a todas as músicas,
e liberdade para entendê-las como sistemas sonoros distintos, que se influenciam e
podem ser fonte de inspiração para a composição.

Na prática, o modal se diferencia do tonal por não privilegiar as escalas maior


e menor naturais em uma hierarquia. As funções harmônicas se dissolvem: não há
o discurso sequencial de subdominante, dominante e tônica. As tensões não se
diferenciam mais como estranhas ao acorde: sentimos que todas as notas do modo
têm igual importância e estão livres para soar nos tempos fortes. Consequentemente,
os contornos melódicos não fluem em caminhos tradicionais maior/menor de tensão
e resolução, procurando pelas sonoridades e colorações específicas de um modo. Isso
tende a desconectar de certa forma nossa noção temporal e cronológica de música,
pois a percepção previsível de começo meio e fim das cadências é substituída por uma
música cíclica de progressões inesperadas que não tem sensações de ponto de partida
e lugar de chegada.

Tudo isso produz um certo encantamento sobre a sonoridade modal, conotada


como algo diferente do geral, algo pouco explorado, um tesouro de sons e cores que
sempre estiveram por perto, mas não podíamos ver, surpreendendo nossos ouvidos tão
acostumados com a tonalidade.

Ao apresentar os significados do que é o modal, Freitas (2008, p. 268) mapeia


em uma “ordenação hipotética” oito diferentes campos de entendimento, vinculados
a diferentes concepções que o modalismo já teve até hoje, desde a antiguidade grega
anterior a Cristo, até o jazz modal de 1960. Para o momento, levanto duas principais
formas modais de compor: 1) acordes sem relação tonal nem funções harmônicas entre
si nas progressões de acordes. Dessa maneira, cada acorde é relacionado a um modo
específico e particular só seu; 2) campos harmônicos modais. Quando todo um conjunto
de acordes é formado e subordinado à sonoridade de um modo, que não é o maior nem o
menor natural. É o que veremos a seguir.

Teremos figuras com os campos harmônicos produzidos a partir dos outros cinco
modos gerados pela escala maior/menor: dórico, frígio, lídio e lócrio. Os modos jônio e eólio
não constam a seguir porque são os já conhecidos maior e menor natural. Analogamente à
música tonal, pense agora que o acorde mais importante é este novo primeiro, e a sonoridade
melódica é a do modo, privilegiando suas notas características e tensões.

A ideia de que “pode ser estabelecida uma série de acordes


dentro dos limites diatônicos de cada modo” é a mesma que nos
permite montar campos harmônicos modais específicos com
tríades ou tétrades sobre cada grau das escalas modais. A ideia da
caracterização de cada modo através da comparação com os modos
maior e menor e do destaque da nota característica (diferenciadora)

189
aparece em formulações como “lídio [...] escala maior com o quarto
grau aumentado [...] mixolídio [...] escala maior com sétimo grau
abaixado [...], dórico [...] escala menor natural com o sexto grau
elevado” etc. A junção desses conceitos (campo harmônico modal
e nota característica) permite uma ideia de funcionalização modal
onde os graus possuidores da nota característica, se diferenciando
dos modelos de referência maior e menor, compõem junto com I
grau de cada modo um grupo de acordes com função primária. (P.ex.,
os acordes com funcionalidade primária em Dó mixolídio são o C7,
o Gm7 e o Bb7M. Os primários de Dó frígio são Cm7, Db7M e Bbm7
etc.). A ideia de que os modos podem estar ordenados de acordo
com sua relação tensiva, onde o maior número de sustenidos ou
bemóis produz uma gradação flexível entre modos “mais brilhantes”
aos “mais sombrios” (onde o lídio é o mais aberto e brilhante e o lócrio
é o mais fechado e sombrio) também aparece em Persichetti (1984,
p. 33) (FREITAS, 2008, p. 273).

Os campos estão em ré, justamente para dissociarmos da tonalidade de dó, tão


naturalizada em nosso raciocínio, estudos e ouvido. A nota característica de um modo
é aquela que dá sua sonoridade específica, que a diferencia das outras escalas, muito
associada às ideias de cor, ou “sabor” (PERSICHETTI, 1985). Encontre-a comparando os
modos maiores – lídio e mixolídio – com a escala maior natural, e dos modos menores
– dórico, frígio e lócrio – comparando com a menor natural. Neste caso, todas em ré.
Pense sempre em relações intervalares também.

Acordes primários são: o primeiro e aqueles que possuem a nota característica


do modo em sua tríade. Cadências com estes acordes identificarão imediatamente o modo
em nossos ouvidos. Exemplo: o modo dó lídio teria a nota fá# (intervalo #11). Acordes com
som de dó lídio têm o fá sustenido - C7M(#11), D7, Bm7 (PERSICHETTI, 1985).

Acordes secundários são aqueles que não possuem a nota característica, mas
progressões com estes também fazem parte da sonoridade do modo. A tríade diminuta
é um caso à parte e deve-se atentar para sua utilização, pois, pelo seu perfil de carregar
o intervalo de trítono facilmente, pode levar às cadências tonais e sensação de tensão
e resolução típicas da harmonia tonal. Os exemplos estão em tríades, mas execute os
acordes também em tétrades.

• Campo harmônico de ré dórico – Sabor característico: sexta maior. Acordes


primários: Im, IIm e IV. Acordes secundários: III, Vm, VII. Tríade de VI°.

FIGURA 52 – CAMPO RÉ DÓRICO

FONTE: Adaptada de Persichetti (1985, p. 34)

190
• Campo harmônico de ré frígio – Sabor característico: segunda menor. Acordes
primários: Im, II e VIIm. Acordes secundários: III, IVm, VI. Tríade de V°.

FIGURA 53 – CAMPO RÉ FRÍGIO

FONTE: Adaptada de Persichetti (1985, p. 34)

• Campo harmônico de ré lídio – Sabor característico: quarta aumentada. Acordes


primários: I, II e VIIm. Acordes secundários: IIIm, V, VIm. Tríade de IV°.

FIGURA 54 – CAMPO RÉ LÍDIO

FONTE: Adaptada de Persichetti (1985, p. 33)

• Campo harmônico de ré mixolídio – Sabor característico: sétima menor. Acordes


primários: I, Vm e VII. Acordes secundários: IIm, IV, VIm. Tríade de III°.

FIGURA 55 – CAMPO RÉ MIXOLÍDIO

FONTE: Adaptada de Persichetti (1985, p. 33)

• Campo harmônico de ré lócrio – Sabor característico: quinta diminuta (a segunda


menor também, mas ela é característica do frígio). Acordes primários: I°, IIIm, V.
Acordes secundários: II, IVm, VI, VIIm.

191
FIGURA 56 – CAMPO RÉ LÓCRIO

FONTE: O autor

Para realmente ouvir o som dos modos e seu campo gerado, experimente tocar
os acordes destes campos harmônicos ressaltando sempre o primeiro grau como um
ponto de partida e lugar de chegada.

Outra boa estratégia é utilizar um pedal na tônica do modo e correr todos os


acordes do campo sobre este baixo. Faça progressões que seriam super comuns, mas
com estes novos graus: II – V – I ou IV – V – I, estas mesmas, também sobre o baixo
pedal do modo.

Progressões mais horizontais funcionam bem também, fugindo da lógica dos


encadeamentos tonais em progressões de quartas e quintas, que são mais verticais.
A sonoridade vai saltar aos ouvidos! Melodicamente, evidencie a nota ou sabor
característico. Improvise com todo o modo, sem hierarquia entre as notas, sem tensão
resolução. Experimente cantar improvisando também, com ou sem instrumento,
especialmente encontrando na voz a nota característica.

5.2 HARMONIA QUARTAL


Tradicionalmente, entendemos a harmonia através do empilhamento de terças,
gerando assim tríades, tétrades, tensões, mas, e se organizarmos uma escala através de
outro intervalo, produzindo um campo através das quartas?

Anteriormente ao desenvolvimento da harmonia e contraponto, a polifonia


medieval utilizou estruturas em quartas e quintas justas.

A harmonia quartal já foi bastante explorada por compositores e movimentos


que buscavam sonoridades alternativas ao universo tonal, como os chamados
“impressionismo” e modernismo a partir do início do século XX na música de concerto,
ou o jazz modal na música popular norte-americana em meados do mesmo século. Os
acordes quartais ainda nos soam diferenciados, “modernos”, ambíguos, suspensos, pois
a maior parte da música que ouvimos hoje mantém a tradição consagrada pela abertura
de acordes por terças.

As sonoridades quartais podem surgir no interior da harmonia tradicional,


enriquecê-la, desestabilizar seus contornos, propor novos caminhos, onde, não
necessariamente, um sistema excluirá o outro, pois podem ser complementares.
Vejamos a estrutura que emerge no campo harmônico quando empilhamos a escala
através de quartas (Figura 57):

192
FIGURA 57 – ESCALA DE DÓ QUARTAL - TRÊS NOTAS

FONTE: O autor

Observe o campo da Figura 57, através da escala de dó maior, são gerados


acordes de três sons empilhando quartas, predominando estruturas do tipo sus4.
Podem substituir ou rearmonizar os acordes originais do campo de dó maior com esta
sonoridade suspensa.

Como opções para a uma harmonia e composição tonais, apenas o acorde do


primeiro grau está marcado com um X, pois não seria uma boa opção no lugar de C7M.
Lembre-se que a quarta justa é uma nota evitada para este acorde. Na intenção de
harmonizar o primeiro grau com uma sonoridade quartal, use os acordes adjacentes e
simplesmente coloque o baixo em dó. Ou, quartas a partir da terça: dó – mi – lá – ré = C6(9).
Ou pule o fá e siga em quartas: dó – si – mi – lá = C7M(6).

Na estrutura da Figura 58, a escala surge organizada em empilhamentos de


quatro sons. Pelo mesmo motivo anterior, agora os acordes do primeiro e quinto graus
geram um som indesejável, gerando choques entre terças maiores e quartas.

Utilize qualquer outro empilhamento de quarta sobre esses graus. Em resumo,


escolha estruturas em quartas que não adicionem a nota evitada dos acordes quando
houver. Todos os outros estão liberados para uso em uma situação tonal. Outra ideia: em
empilhamentos de quarta, logo surge a terça. Se não quiser trazer o som tradicional das
terças, use, nesses graus, outras opções:

FIGURA 58 – ESCALA DE DÓ QUARTAL - QUATRO NOTAS

FONTE: O autor

Muitas vezes, a sonoridade quartal se sobressai e é facilmente aplicável em


situações modais, nas quais não percebemos notas evitadas, pois não há funções
harmônicas organizando as progressões. Funções são características da música tonal.
O exemplo na Figura 59 traz o modo dó dórico em quartas, para ser utilizado sobre Cm7,
ou um baixo pedal em dó e estas quartas movendo-se livremente. O raciocínio se aplica
a todos os outros modos.

193
ATENÇÃO
As estruturas quartais, formadas em todos os modos dos campos maior e
menor, sempre serão iguais, a diferença será o ponto de partida apenas, ou
seja, a tônica do modo escolhido.

FIGURA 59 – MODO DÓ DÓRICO EM QUARTAS

FONTE: Faria (2010, p. 57)



Ouça a célebre La Cathedrále Engloutie, de Claude Debussy, que privilegiava
as aberturas em quartas. Na Figura 60, sua introdução traz uma harmonia em G5, e
acordes em aberturas de quartas provenientes da escala pentatônica maior de sol:

FIGURA 60 – LA CATHEDRÁLE ENGLOUTIE - DEBUSSY - [FAIXA 45]

FONTE: <https://i.ytimg.com/vi/WVjCQVDKWJ4/maxresdefault.jpg>. Acesso em: 29 jan. 2021.

No jazz, a composição Maiden Voyage de Herbie Hancock utiliza somente


acordes do tipo sus4:

FIGURA 61 – MAIDEN VOYAGE - HERBIE HANCOCK - [FAIXA 46]

194
FONTE: The Real… (1970, p. 281)

Ouça o áudio, e perceba que os improvisadores optam por melodias quartais


e sonoridades ambíguas. Podemos tratar estes acordes ao compor e improvisar com
escalas tanto maiores quanto menores, pois a terça se torna, agora, uma nota fora de
acorde e não está definida pela harmonia.

DICA
Recomendamos sua entrada no universo das sonoridades modais
e quartais de maneira musical. No YouTube, você pode ativar
as legendas para o inglês-português no ícone de configurações,
embaixo, à direita, com o nome “detalhes”. Veja, agora, algumas
recomendações de vídeos:
• https://www.youtube.com/watch?v=SJQiAmSWiE4&ab_channel=TerradaM%C3%BAsica
• https://www.youtube.com/watch?v=ANIOTcRuZHc&ab_channel=TerradaM%C3%BAsica
• https://www.youtube.com/watch?v=vh4DEi28HzQ&ab_channel= UMCAF%C3%89L%C3%81
EMCASA
• https://www.youtube.com/watch?v=nfroW6KaXXc&ab_channel=Polyphonic
• https://www.youtube.com/watch?v=yJC8uT1PKt0&ab_channel=JazzDuets
• https://www.youtube.com/watch?v=O4IJnSTS84A&ab_channel=RickBeato
• https://www.youtube.com/watch?v=nfroW6KaXXc&ab_channel=Polyphonic
• https://www.youtube.com/watch?v=DlML3adH9yQ&ab_channel=RickBeato
• https://www.youtube.com/watch?v=L47SRue0gt8&ab_channel=Medtnaculus
• https://www.youtube.com/watch?v=twFx9_R25d8&ab_channel=TonyWinston
• https://www.youtube.com/watch?v=S96Ojs9mcxg&ab_channel=StudyMusic

Chegamos ao final de nosso livro didático, fique, agora, com uma leitura
complementar a respeito do conteúdo estudado.

Bons estudos!

195
LEITURA
COMPLEMENTAR
O “CÁLCULO” SUBJETIVO DOS CANCIONISTAS

Luiz Tatit

No início da era do rádio e da gravação de discos, os compositores brasileiros


concebiam o seu trabalho como verdadeira reciclagem de falas. Essas mesmas que
usamos e descartamos todos os dias eram por eles reconstituídas e preparadas para durar
mais tempo em forma de canção. Tal preparação consistia em reaproveitar as direções
melódicas sugeridas pela entoação efêmera que acompanha nossas conversas diárias
e estabilizá-las com recursos musicais: ampliação de tessitura, definição das alturas e
durações, harmonização, caracterização de compassos, tonalidade, andamento etc. Era
comum que os músicos de fato ou os maestros só entrassem nessa última fase para
finalizar a obra, elaborar o arranjo instrumental e obter a gravação definitiva.

Essa dependência inicial da fala fazia com que todos os fragmentos da composição
já tivessem em geral melodia e letra. A busca de parceiros representava a necessidade de
alongar a canção com outros fragmentos que também já tivessem versos entoados.

Por isso, era prática habitual um compositor entregar ao seu colega uma parte
da obra esperando que ele criasse uma segunda parte, ambas já com melodia e letra.
Já havia, como hoje, a parceria entre melodistas e letristas, mas não era a regra. Sem
um real convívio com as técnicas musicais e literárias, nossos primeiros cancionistas
preferiam ter como matéria-prima as frases já melodizadas da linguagem oral.

Ao longo da década de 1950, a figura do melodista, como alguém que compõe


manejando bem o seu instrumento, ganhou um destaque especial na produção de
nossas canções. Influenciados pelos musicais cinematográficos e, sobretudo, pela força
do jazz norte-americano, os compositores instrumentistas começaram a se encarregar
de todo o tratamento musical de suas melodias e, só quando as consideravam
concluídas, passavam para a etapa de criação das letras. Às vezes, eles próprios se
ocupavam da nova fase, outras, convocavam seus amigos letristas. Os cancionistas da
bossa nova consolidaram de vez esse modo de compor que dependia diretamente do
aumento expressivo da competência instrumental dos compositores e do esmero com
que elaboravam a linha melódica antes de entregá-la aos cuidados do parceiro.

Claro que os dois modelos de composição sempre coexistiram na história


da canção. No mesmo ano (1962) em que Carlos Lyra lançava Influência do Jazz,
denunciando (e ironizando) sua fonte de inspiração para o novo tratamento melódico,
Noite Ilustrada alcançava enorme sucesso com o samba Volta Por Cima, de Paulo
Vanzolini, cuja criação era nitidamente fundada nos contornos da fala, como qualquer
196
samba dos anos 1930. O primeiro compositor extraía a melodia da harmonia e do suingue
do violão. O outro mal sabia segurar seu instrumento, mas se virava muito bem com
as entoações impregnadas na própria fala. Quase na mesma ocasião, Baden Powell,
violonista notável, propunha uma melodia semierudita (à maneira de Villa-Lobos) para
que Vinicius de Moraes pusesse letra.

O resultado foi Samba em Prelúdio, canção romântica claramente regida por


diretrizes musicais que, no final, soavam atenuadas pelas frases amorosas e coloquiais
do grande letrista. Esse incremento dos recursos musicais convivia com a radicalização
dos efeitos figurativos, ou seja, com reciclagens de fala pura na criação de canções,
como é o caso de Deixa Isso Pra Lá (Alberto Paz e Edson Menezes), outro grande sucesso
nacional lançado em 1964 por Jair Rodrigues. Originalmente muito simples, esse samba
ganhou importância com o passar do tempo pela presença explícita da linguagem oral
em seu desenvolvimento “melódico”, antecipando características que só seriam ouvidas
bem mais tarde com a chegada do rap no país.

Estabilização musical e unidades entoativas

É esperado que compositores com mais recursos técnicos e mais desenvoltura


em seus instrumentos deem preferência à elaboração musical de suas canções, mas
nem sempre essa tendência esteve associada à perícia manual do artista.

O progresso contínuo das formas de gravação em estúdio no final do século


passado e a revolução digital no primeiro decênio deste transferiram boa parte da
habilidade motora dos músicos para os novos programas eletrônicos que independem
do esforço físico repetitivo adotado pelos antigos executantes. Ainda nos anos 1990,
Renato Russo já dizia: “Basicamente a gente trabalha da seguinte maneira: O Bonfá
começa um ritmo, aí a gente inventa uma linha de baixo qualquer, em cima da linha de
baixo, como a guitarra demora para ser arranjada, eu tenho uma ideia de teclado e já vou
fazendo e encaixando […] e a letra é a última coisa” (JUNIOR, 1995, p. 81).

Hoje sabemos que a convivência dos dois modelos de composição é perene no


cancioneiro nacional, mas o que pretendemos destacar é outra coisa. Começando por
reciclagens de falas, à maneira de Vanzolini, ou por elaborações melódico-musicais, à
maneira da bossa-nova ou dos roqueiros citados, há sempre um momento na confecção
da obra em que ambas as vertentes se encontram para configurar a canção, ou seja, em
que a instabilidade entoativa se musicaliza para não mais se diluir em fala cotidiana e
em que as frases musicais se convertem em unidades entoativas (ou figurativas), pela
ação necessária do recorte linguístico.

Não é difícil demonstrar que as canções-rap se ancoram na inconstância das


figuras locutivas, mas, a partir daí, revelam uma busca incessante de estabilidade musical,
quer na criação de motivos temáticos que ajudam na explicitação dos tempos fortes
dos compassos, quer na produção obsessiva de rimas e assonâncias que propiciem
a fixação de alguma regularidade para o canto. Por outro lado, as composições que
procedem das linhas instrumentais só se completam quando revelam suas unidades
entoativas subjacentes, ou seja, quando suas frases melódicas passam a ser também
modos de dizer. Vejamos um exemplo desse último caso.
197
A conhecida canção Ainda É Cedo, lançada pela banda Legião Urbana. Assim,
depois de concluída a melodia com suas bases instrumentais, os autores (especialmente
Renato Russo) passaram a transformar as frases melódicas (notas musicais) em unidades
entoativas (contornos vocais) que indicam o “dizer” do canto. É próprio da melodia
entoativa adquirir um compromisso direto com a emissão e o corpo do intérprete, o que
assinala a diferença essencial entre tocar e cantar.

Claro que esse cantar só se completa quando podemos entender também


os signos pronunciados pelo intérprete. Um simples solfejo ou mesmo um vocalise
poderiam fazer a voz se aproximar da função instrumental sem estabelecer o vínculo
entre as inflexões melódicas e a cena (subjetiva ou objetiva) relatada, mas não é esse o
caso. Em Ainda É Cedo, temos um canto pleno com frases melódicas já convertidas em
unidades entoativas: “Uma menina me ensinou /Quase tudo que eu sei...”.

É comum que as frases melódicas, em sua maioria, correspondam às unidades


entoativas, mas nem sempre os autores mantêm essa regularidade. O início de duas
estrofes dessa mesma canção, com frases melódicas idênticas, pode nos ajudar a
compreender como se criam unidades entoativas diferentes a partir do mesmo perfil
melódico. Na primeira vez, as duas frases melódicas, quando letradas (“Ela também
estava perdida / E por isso se agarrava em mim também”), correspondem igualmente a
duas unidades entoativas:

No entanto, ao criar a letra para o retorno da mesma melodia (“Ela falou você tem
medo/ Aí eu disse quem tem medo é você”), os autores, em vez de duas, isolam quatro
unidades entoativas fazendo uso de simples operações enunciativas que modulam
linguagens indiretas e diretas: (1) “Ela falou”, sujeito em terceira pessoa, no passado, ou
seja, o eu-lírico se reporta à fala de um outro ocorrida num tempo distante; (2) “você
tem medo”, sujeito em primeira pessoa (só o “eu” pode se dirigir a “você”, pronome com
função de “tu” na nossa língua) dizendo, no presente, o que o outro teria dito no passado;
(3) “Aí eu disse”, sujeito em primeira pessoa, mas se referindo ao que disse no passado;
(4) “quem tem medo é você”, sujeito em primeira pessoa dizendo, no presente, o que ele
próprio teria dito no passado:

198
Esses recursos enunciativos, habituais na literatura ou em qualquer
manifestação da linguagem verbal, tomam vulto especial no universo da canção em
virtude do encanto irresistível da voz. Tudo que é cantado se torna também um modo de
dizer atual. Ao pronunciar “você tem medo” dentro da melodia proposta, o intérprete está
reproduzindo, no instante em que canta, a curva entoativa executada pela personagem
(ela, a menina) em outra ocasião. Da mesma forma, ao replicar “quem tem medo é você”,
refaz a curva que o próprio “eu” teria flexionado para dizer a frase em tempos atrás. Nos
dois casos, as curvas são refeitas aqui e agora pela voz do cantor, de tal maneira que os
sentimentos a elas associados parecem reviver na voz e interpretação de quem canta.

Esses recursos nos ajudam ainda a compreender a natureza da unidade


entoativa. Se compararmos esses quatro segmentos com os dois do diagrama anterior,
veremos que as curvas (2ª e 4ª) identificadas com o diálogo mantido pelo casal (“você
tem medo” e “quem tem medo é você”), não são audíveis como tais no primeiro diagrama,
já que lá não podem ser isoladas dos seus segmentos anteriores.

Em função da letra composta, só podemos considerar como unidades entoativas


os dois segmentos integrais: “Ela também estava perdida / E por isso se agarrava em
mim também”. Portanto, os contornos das frases melódicas possuem unidades entoativas
virtuais que poderão ser ignoradas ou, ao contrário, salientadas pelo letrista. Seja como
for, importa-nos o fato de que as canções geradas por manobras musicais produzem
unidades entoativas tanto quanto as que provêm diretamente da fala, com a diferença que
aquelas só definem suas unidades depois do recorte linguístico. Se pensarmos no caso
extremo da composição de Carinhoso, cuja melodia havia sido composta por Pixinguinha
em 1917, podemos dizer que suas unidades entoativas só foram reveladas ao público em
1937, após a intervenção de Braguinha (João de Barro), autor da famosa letra. Depois
disso, já transformada em canção, a obra foi regravada por centenas de intérpretes e
atingiu o sucesso que hoje conhecemos.

Essas noções possuem um sentido relacional preciso. Excesso de música,


nesse caso, é carência de fala, é falta de linguagem oral dentro da obra para completar
o seu sentido. Retrata a situação em que o cancionista já compôs uma boa melodia, mas
anda em busca de uma letra que revele suas unidades entoativas e configure um tema
identificado com suas inflexões. A longa espera (consciente ou não) de Pixinguinha por
uma letra que retirasse o seu choro, de apenas duas partes, de um limbo musical que à
época previa para o gênero três partes também ilustra o caso da música excessiva e da
falta de figuras locutivas. Mas a tão corriqueira procura de letrista que possa encaminhar
uma criação melódica para o mundo da canção é sempre um exemplo desse “cálculo”
subjetivo que prefere desprezar um pouco da autonomia musical em favor de um modo
de dizer mais compatível com os conteúdos do dia a dia.

A estratégia bossa nova

199
Em campo oposto, houve tendências na bossa nova que exploraram o máximo
possível os recursos musicais no âmbito da canção, não apenas as célebres dissonâncias
harmônicas, mas também o improviso vocal tão incentivado nos circuitos de produção do
jazz. Nas experiências-limite, chegavam a neutralizar o conteúdo da letra com vocalises
(“sabadabadá...”) para evitar o apelo figurativo (falar das coisas do mundo e das relações
humanas). Restava apenas a voz como um modo de dizer, mas sem foco no que era dito.
Não são muitos os compositores brasileiros que apostaram nessas tendências. Nossas
canções deixam, em geral, pouco espaço para o improviso puro e simples; sempre que
aparece, exerce funções de passagem, introdução, finalização etc. e jamais se confunde
com o núcleo cancional determinado pela relação melodia e letra.

Todos os demais gêneros da canção brasileira se mostram mais abertos à


participação da fala e à exploração de outras regiões, menos vagas, do seu conteúdo
linguístico. Todos permitem maior semantização dos temas tratados, ainda que muitas
vezes o próprio letrista prefira um recorte comedido do contínuo melódico para evitar
sugestões ideológicas com as quais não se identifique. Mas encontramos conteúdos
intensificados no rock, no samba-canção, na antiga canção de protesto, na valsa, na
marchinha carnavalesca, na produção tropicalista, na música sertaneja, na música axé,
no funk, no reggae e até no iê-iê-iê. Ou seja, a regra é a intensificação, em graus diversos,
do conteúdo da letra, o que se traduz automaticamente num aumento do papel da fala
na composição. A bossa nova, exercitando uma dicção muito peculiar, testou o limite
da canção no horizonte musical, mostrando até que ponto podemos dessemantizar
uma letra, já que é impossível eliminá-la, para valorizar suas propriedades sonoras em
comunhão com a linha melódica e a levada rítmica.

A estratégia rap

Como deixamos entender, o rap, ao contrário, testa o limite da canção


no horizonte da linguagem oral, mostrando até que ponto podemos investir nos
significados linguísticos, servindo-nos da entoação quase pura, para transmitirmos
informações verbais, normalmente intensas, sem perdermos os traços musicais que
garantem sua âncora na linguagem da canção. As composições já surgem com suas
unidades entoativas, sem estabilidade nas alturas, mas contando especialmente com
as aliterações fonéticas e com o respaldo da base percussiva. Embora o gênero tenha
sido importado de bairros norte-americanos (a maioria dos gêneros é importada ou
sofre forte influência do que se faz fora do país), veio ocupar um lugar preciso na história
na nossa canção.

Seu formato, menos música mais fala, é ideal para se fazer pronunciamentos,
manifestações, revelações, denúncias etc. sem que se abandone a seara cancional.
Podemos dizer que o trabalho musical, no rap, é para restabelecer as balizas sonoras
do canto, mas nunca para perder a concretude da linguagem oral ou conter a crueza e
o peso de seus significados pessoais e sociais. Esse mínimo percussivo e aliterativo é o
seu quantum ideal de música.

200
Para concluir

A iniciativa da atenuação sempre serviu aos cancionistas para flexibilizar suas


escolhas iniciais de atuação, sobretudo quando querem marcar posição estética
diante dos ouvintes. Atenuar a musicalização é reconhecer que as melodias cantadas
comportam figuras entoativas (modos de dizer) que precisam ser reveladas por suas letras.
Atenuar a matéria bruta da fala é reconhecer que as mensagens linguísticas poderão
ser não apenas entendidas pelo ouvinte, mas também fixadas com recursos musicais
que favorecem a reprodução de suas frases pelos seguidores e aficionados do gênero.
Atenuar a tematização é injetar alteridade na identidade melódica por meio de pequenas
e significativas variações da linha cantada. Isso permite que a letra aborde também os
efeitos da disjunção mesmo num ambiente musical em que o encontro e a celebração
são situações privilegiadas. Atenuar a passionalização é graduar os intervalos melódicos
e introduzir alguma recorrência nos movimentos verticais (grave/agudo) do canto para,
justamente, injetar identidade no domínio da alteridade, marcado por grandes inflexões
vocais. São meios musicais que em geral repercutem na letra como sugestões de elos à
distância ou de esperas pacientes, tendo como fundo a desunião.

Essas atenuações não são mais que “cálculos” subjetivos intuitivamente


elaborados pelos cancionistas toda vez que se entregam a um processo de criação.
Se a canção brasileira tem hoje um perfil facilmente identificável, isso se deve a essa
prática pouco consciente, mas meticulosamente desenvolvida por nossos artistas nos
últimos cem anos.

FONTE: TATIT, L. O “cálculo” subjetivo dos cancionistas. Rev. Inst. Estud. Bras., São Paulo, v. 1, n. 59, p. 369-
386, 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rieb/n59/0020-3874-rieb-59-00369.pdf. Acesso em: 29
jan. 2021.

201
RESUMO
Você adquiriu certos aprendizados, como:

• Todas as harmonias que ouvimos são baseadas apenas nestes cinco tipos de acordes:
X7M, X7, Xm7, Xm7(b5), X°. A partir desta conclusão, se você colocar a nota da melodia
nos intervalos de cada um destes cinco acordes, então teremos 20 escolhas.

• Ao mudar a nota do baixo, você modifica completamente a harmonia. Além das


notas da tétrade de um acorde, você pode inverter colocando no grave os intervalos
de 2ª, 4ª, 6ª na escala. São 20 novos acordes resultantes no campo harmônico.

• Notas evitadas: são aquelas que não entram como opção de tensões disponíveis,
pois soam mal ou confundem a sonoridade de um acorde com outro. Basicamente,
lembre-se de observar as funções harmônicas nas tétrades.

• Compreendemos que existe um dualismo opondo harmonia tonal x modal. Na


prática, o modal se diferencia do tonal por não privilegiar as escalas maior e menor
naturais em uma hierarquia.

• Podemos mapear em oito campos de entendimento as diferentes concepções que o


modalismo já teve desde a antiguidade grega – anterior a Cristo – até hoje.

• Harmonia quartal é quando empilhamos uma escala através do intervalo de quarta,


produzindo um campo. As sonoridades quartais podem surgir no interior da harmonia
tradicional, nas quais, não necessariamente, um sistema exclui o outro, pois podem
ser complementares.

202
AUTOATIVIDADE
1 Assinale a alternativa que traz acordes que harmonizam a nota melódica sol natural
no interior das suas tétrades:

a) ( ) D7 – Am7 – C#m7(b5) – F7M.


b) ( ) Gm7 – F° – E7M – Em7.
c) ( ) Ab7M – C#m7(b5) – Eb7 – Em7.
d) ( ) F#7M – Dm7 – Cm7 – A#m7.

2 Considere a seguinte progressão na tonalidade de ré maior: D7M – Bm7 – Em7 -


A7. Em relação às tensões disponíveis pelo tom, assinale V para progressões com
tensões disponíveis e F para progressões com notas evitadas:

( ) D7M(9) – Bm7(b6) – Em7(#11) – A7(13).


( ) D7M(6,9) – Bm7(9,11) – Em7(6,9) – A7(9,13).
( ) D7M(11) – Bm7(11) – Em7(11) – A7(11).
( ) D7M(9) – Bm7(11) – Em7(6) – A7 (13).

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F – V.
b) ( ) F – F – F – V.
c) ( ) F – V – F – V.
d) ( ) F – V – V – V.

3 Considerando o conteúdo sobre música e harmonias modais, disserte um parágrafo


sobre suas principais características.

203
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