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RESENHA

BOOK REVIEW

Resenha do livro Coleta de Dados Qualitativos: Um Guia Prático


para Técnicas Textuais, Midiáticas e Virtuais

Review of the book Qualitative Data Collection: A Practical Guide to


Textual, Media and Virtual Techniques

Reseña de libro Recopilación de Datos Cualitativos: Una Guía Práctica


de Técnicas Textuales, Mediáticas y Virtuales

COLETA DE DADOS QUALITATIVOS: UM GUIA Coleta de Dados Qualitativos: Um Guia Prático para
PRÁTICO PARA TÉCNICAS TEXTUAIS, MIDIÁTI- Técnicas Textuais, Midiáticas e Virtuais ganha rele-
CAS E VIRTUAIS. Braun V, Clarke V, Gray D. vância por constituir um resumo das novas for-
Petrópolis: Editora Vozes; 2019. 385 p. ISBN: mas de utilizar plataformas digitais na coleta de
978-85-326-6060-2. dados em pesquisa qualitativa. Embora lançado
em 2019, o livro oferece uma rica contribuição
ao momento atual por tratar, com profundidade,
doi: 10.1590/0102-311X00314920 da utilização de fontes de dados virtuais e de mí-
dia na produção do conhecimento científico.
Pesquisadores iniciantes na pesquisa qua-
A Internet e o desenvolvimento de aplicativos litativa em saúde frequentemente têm dúvidas
que envolvem mais o usuário abriram um mun- sobre como transferir o conhecimento acerca da
do totalmente novo para pesquisadores, seja na coleta de dados offline para um ambiente online 4.
utilização da rede como meio de acesso a poten- Neste livro, as autoras propõem diretrizes de
ciais participantes do estudo, seja na inclusão das melhores práticas, com base na literatura e em
informações produzidas aí como fonte de da- sua própria experiência, para ajudar estudantes e
dos para pesquisa em saúde 1. Adicionalmente, a pesquisadores iniciantes a determinar se um de-
COVID-19 acelerou a implementação das tecno- senho de estudo qualitativo online é apropriado
logias digitais no aprimoramento das estratégias para seu projeto de pesquisa e, em caso positivo,
de saúde pública relacionadas à telessaúde 2. fornecer dicas práticas de como implementá-lo.
Por outro lado, a compreensão do processo O principal objetivo é propor referências de fá-
saúde-doença exige não apenas conhecimento de cil compreensão para a coleta de dados qualita-
dados epidemiológicos, mas também de pesqui- tivos em diferentes contextos, especialmente nos
sas sobre a percepção da doença, práticas sociais meios virtuais.
relacionadas às formas de transmissão, com- O texto é dividido em três partes temáticas,
portamentos de busca de saúde, oferecimento e cada qual tratando de um tipo de fonte de dados.
barreiras de acesso aos serviços. Para um melhor As partes são divididas em quatro capítulos, com
entendimento de tais dimensões de respostas a autores distintos, especialistas nos métodos que
surtos de doenças infecciosas, as pesquisas qua- apresentam. A primeira trata da coleta de dados
litativas têm um robusto histórico de contribui- textuais (capítulos 2 a 5), a segunda, da coleta
ção 3. No entanto, o distanciamento social impõe de dados da mídia (capítulos 6 a 9) e a terceira
enormes restrições de acesso ao campo para o enfoca coleta de dados virtuais (capítulos 10 a
investigador qualitativo. Neste contexto, o livro 13). Nota-se muitas vezes sobreposição entre

Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença


Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodu-
ção em qualquer meio, sem restrições, desde que o trabalho original seja
corretamente citado. Cad. Saúde Pública 2021; 37(1):e00314920
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as partes, pois os dados textuais e de mídia são formação de identidades sociais. Aqui também
frequentemente acessados online. A ênfase é na se problematizam questões éticas relacionadas a
coleta de dados, em detrimento dos modos dife- esta fonte de dados obtidos online.
rentes de análise. A parte três interessa especialmente a pes-
Inicialmente as autoras introduzem os leito- quisadores que tiveram projetos interrompidos
res nos fundamentos da coleta de dados textuais, pelo distanciamento social. As autoras se con-
midiáticos e virtuais da pesquisa qualitativa. O centram na coleta de dados virtuais obtidos de
capítulo 2 aborda os “levantamentos qualitati- formas interativas, isto é, entrevistas e grupos
vos”, nos quais os participantes respondem por focais online. Detalham diversos aspectos ava-
escrito um conjunto de perguntas abertas sobre liados na opção por entrevistas individuais ou
experiências e práticas de determinados grupos. grupos focais, problematizando o uso de méto-
As autoras apresentam sua experiência prática dos síncronos ou assíncronos, além da utilização
com levantamentos “puramente” qualitativos e exclusiva de material textual ou da inserção de
com levantamentos mistos, sugerindo orienta- elementos da mídia visual. Destacam inúmeras
ções para coletar dados por meio destes instru- vantagens dos métodos virtuais como: “supera-
mentos. No capítulo 3, os autores apresentam o ção da distância”, “facilidade e flexibilidade de
“preenchimento de histórias”, ferramenta tradi- agendamento”, “conveniência para pesquisado-
cionalmente conhecida como método projetivo res e participantes”, “interação visual e virtual”,
na psicologia, mas que aqui é trazida como uma “possibilidade maior de anonimato”, “facilidade
estratégia criativa para conhecer visões e opi- de captura de dados” e “confidencialidade de da-
niões dos entrevistados sobre questões de gêne- dos e facilidade”. Apontam os desafios relativos
ro, sexualidade e aparência. No capítulo 4, as “vi- à confidencialidade da coleta de dados em espa-
nhetas como método qualitativo e independente” ços virtuais. Exploram o uso das tecnologias de
são apresentadas como caminhos possíveis para chamadas por vídeos (em plataformas tipo Skype
compreender o processo de construção de senti- – https://www.skype.com/pt-br/) para conduzir
dos pelos participantes da pesquisa. No capítulo entrevistas virtuais que integram dados visuais.
5, é proposto aos participantes da pesquisa digi- Examinam as diferenças entre entrevistas orais
tar sua resposta por meio do “método do diário presenciais e entrevistas escritas virtuais. No ca-
solicitado”. Trata-se de uma ferramenta potente pítulo final, as autoras descrevem o universo da
para a compreensão de experiências pessoais em pesquisa com grupos focais online. Consideram
uma pesquisa longitudinal. vantagens desta estratégia, apresentando-a como
O capítulo 6 explora diferentes mídias (mí- mais inclusiva para determinados grupos sociais.
dia impressa, mídia social e online) como impor- Descrevem vantagens e desvantagens desta fonte
tantes fontes de dados para pesquisa qualitativa de dados como meio de capturar as vozes de gru-
no mundo contemporâneo, oferecendo roteiros pos difíceis de alcançar.
práticos para o trabalho com esses tipos de da- Em resumo, o texto apresenta uma coletânea
dos. O capítulo 7 apresenta o “rádio falado” como inédita de métodos para levantar dados, registrar
potente fonte de dados para pesquisadores inte- e empregar o espaço virtual como fonte de dados
ressados nos diversos aspectos da linguagem e da qualitativos. Condições impostas pela pandemia
interação através da fala. No capítulo 8, o autor aceleraram a necessidade de compreender a na-
trata dos blogues como recursos importantes de tureza deste tipo de pesquisa, que nos permite
acesso a relatos em primeira pessoa sobre temas comunicação e acesso a uma diversidade de pes-
cotidianos. O capítulo 9 destaca o papel dos “fó- soas, com um custo baixíssimo. O que estas fer-
runs de discussão” online como fonte de relatos, ramentas oferecem ao investigador no campo da
visões e experiências pessoais, que permitem pesquisa qualitativa? Quais perguntas de pesqui-
também compreender processos de interação e sa são adequadas a este tipo de entrevista? Exis-

Cad. Saúde Pública 2021; 37(1):e00314920


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tem especificidades de desenho, amostragem, Informação adicional


questões éticas? O que pode “dar errado”? Quais
tipos de análise são mais adequados ao universo ORCID: Carmen Santana (0000-0002-6148-6230).
da pesquisa online? O livro responde de maneira
clara e objetiva a questionamentos como estes,
constituindo leitura necessária e agradável no 1. Biedermann N. The use of Facebook for virtual
contexto atual. asynchronous focus groups in qualitative rese-
arch. Contemp Nurse 2018; 54:26-34.
2. Caetano R, Silva AB, Guedes ACCM, Paiva
CCN, Ribeiro GR, Santos DL, et al. Desafios e
Carmen Santana 1 oportunidades para telessaúde em tempos da
pandemia pela COVID-19: uma reflexão sobre
1Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil. os espaços e iniciativas no contexto brasileiro.
carmen.santana@unifesp.br Cad Saúde Pública 2020; 36:e00088920.
3. Vindrola-Padros C, Chisnall G, Cooper S, Do-
wrick A, Djellouli N, Symmons SM, et al. Car-
rying out rapid qualitative research during a
pandemic: emerging lessons from COVID-19.
Qual Health Res 2020; 30:2192-204.
4. Wilkerson JM, Iantaffi A, Grey JA, Bockting
WO, Rosser BR. Recommendations for in-
ternet-based qualitative health research with
hard-to-reach populations. Qual Health Res
2014; 24:561-74.

Recebido em 01/Nov/2020
Aprovado em 27/Nov/2020

Cad. Saúde Pública 2021; 37(1):e00314920

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