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SUSTENTABILIDADE:

o desafio dos biocombustíveis

Vol. 1
FLAVIA TRENTINI
MARIA SYLVIA MACCHIONE SAES
| ORGS . |

SUSTENTABILIDADE
O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTÍVEIS

Vol. 1
Infothes Informação e Tesauro

Catalogação elaborada por Wanda Lucia Schmidt – CRB-8-1922

SUSTENTABILIDADE: O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTÍVEIS

Coordenação de produção Ivan Antunes


Produção Rai Lopes – Paginação
Revisão ?
Capa Carlos Clémen
Finalização Lívia

CONSELHO EDITORIAL
Eduardo Peñuela Cañizal
Norval Baitello Junior
Maria Odila Leite da Silva Dias
Celia Maria Marinho de Azevedo
Gustavo Bernardo Krause
Maria de Lourdes Sekeff (in memoriam)
Cecilia de Almeida Salles
Pedro Roberto Jacobi
Lucrécia D’Aléssio Ferrara

1ª edição: julho de 2010

© Flavia Trentini | Maria Sylvia Macchione Saes

ANNABLUME editora . comunicação


Rua M.M.D.C., 217 . Butantã
05510-021 . São Paulo . SP . Brasil
Tel. e Fax. (011) 3812-6764 – Televendas 3031-1754
www.annablume.com.br
Sumario

Prefácio 13

Introdução 15

PARTE I – ETANOL 21

CAPÍTULO 1 – O SISTEMA AGROINDUSTRIAL DO ETANOL:


MERCADO, AGENTES E SUSTENTABILIDADE 23
1.1. MERCADO NACIONAL 23
1.2. O MERCADO INTERNACIONAL 26
1.2.1. UNIÃO EUROPÉIA 27
1.2.2. EUA 29
1.2.3. CONTINENTE AFRICANO 31
1.3. O SISTEMA DO ETANOL CARBURANTE 32
1.3.1. OS INSUMOS DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA (T0) 33
1.3.2. A PRODUÇÃO AGRÍCOLA (T1) 34
1.3.3. A PRODUÇÃO INDUSTRIAL 37
1.3.4. DISTRIBUIÇÃO: ATACADO E VAREJO 40
1.3.5. EXPORTAÇÃO 45
1.4. O NOVO ENFOQUE DA PRODUÇÃO DE ETANOL:
O TRIPÉ DA SUSTENTABILIDADE 46
1.4.1. A DESREGULAMENTAÇÃO DO SETOR 47
1.4.2. O ESTADO E O DELINEAMENTO DOS MERCADOS 48
1.4.3. ASPECTOS ECONÔMICOS DA SUSTENTABILIDADE 49
1.4.4. OS ASPECTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS DA
SUSTENTABILIDADE 54
CAPÍTULO 2 – ANÁLISE DOS CONTRATOS DA
TRANSAÇÃO ENTRE PRODUTOR E USINA – T1 69
2.1. AS TIPOLOGIAS CONTRATUAIS DA TRANSAÇÃO T1 DO
SAG DO ETANOL 70
2.2. AS RECENTES ALTERAÇÕES INSTITUCIONAIS VOLTADAS
À SUSTENTABILIDADE E O SEU IMPACTO NOS
CONTRATOS DA TRANSAÇÃO T1 72
2.3. ANÁLISE DOS CONTRATOS DE FORNECIMENTO COM CCT
SOB A ÓTICA DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE E DA
SUSTENTABILIDADE DA ESTRUTURA DE GOVERNANÇA 76
2.4. CONCLUSÃO: OS EFEITOS DA SUSTENTABILIDADE NAS
TRANSAÇÕES ENTRE PRODUTOR E PROCESSADOR 79

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS CONTRATOS DE


COMERCIALIZAÇÃO E DE EXPORTAÇÃO DE ETANOL 81
3.1. A ESTRUTURA DE GOVERNANÇA DO SETOR 81
3.2. O CONTRATO ADOTADO NO CENTRO-SUL 82
3.3. A ESTRATÉGIA DAS USINAS 86
3.3.1. APOLÍTICA DE VENDAS DAS USINAS 86
3.3.2. A OPÇÃO DE GOVERNANÇA DAS USINAS 89
3.4. A ESTRATÉGIA DAS DISTRIBUIDORAS 92
3.4.1. A POLÍTICA DE COMPRAS DE ETANOL DAS
GRANDES DISTRIBUIDORAS 93
3.4.2. A OPÇÃO DE GOVERNANÇA DAS DISTRIBUIDORAS 96
3.5. CONCLUSÃO: ASPECTOS SUSTENTÁVEIS NOS CONTRATOS
DE COMERCIALIZAÇÃO DE ETANOL 97
3.6. OS CONTRATOS DE EXPORTAÇÃO DE ETANOL 97
3.6.1. TIPOS DE CONTRATOS DE EXPORTAÇÃO 98
3.6.2. A VERIFICAÇÃO COMO INSTRUMENTO
CONTRATUAL 99
3.6.3. O CASO COPERSUCAR E JBSL 99
3.6.4. O CASO DA SCA E SEKAB 100
3.6.5. O CASO DA COSAN E MITSUBISHI 100
3.6.6. CONCLUSÃO: A SUSTENTABILIDADE NOS
CONTRATOS DE EXPORTAÇÃO 101

PARTE II – BIODIESEL 103

CAPÍTULO 1 – MERCADO DO BIODIESEL 107


1.1. A ORIGEM DA INDÚSTRIA 107
1.2. MERCADO MUNDIAL DE BIODIESEL NO SÉCULO XXI 108
1.3. AS POLÍTICAS DE INCENTIVO À PRODUÇÃO DE
BIODIESEL EM PAÍSES SELECIONADOS 112
1.3.1. UNIÃO EUROPÉIA 113
1.3.2. ESTADOS UNIDOS 116
1.3.3. ARGENTINA 118

CAPÍTULO 2 – BRASIL E O PROGRAMA NACIONAL DE


PRODUÇÃO E USO DO BIODIESEL (PNPB) 121
2.1. CONCEITO E OBJETIVOS DO PNPB 121
2.2. SELO COMBUSTÍVEL SOCIAL 122
2.3. COMERCIALIZAÇÃO 124
2.4. AGRICULTURA FAMILIAR X EMPRESAS (T2) 125
2.5. EMPRESAS PRODUTORAS DE BIODIESEL X
DISTRIBUIÇÃO (T3) 127
2.6. RELEILÃO (T4) 129
2.7. TRIBUTAÇÃO 129

CAPÍTULO 3 – O SISTEMA AGROINDUSTRIAL (SAG) DO


BIODIESEL NO BRASIL 133
3.1. POLO CEARÁ 136
3.2. POLO CENTRAL DO RIO GRANDE DO SUL 137
3.3. POLO MOJU PARÁ 138
3.4. POLO NORTE DE MINAS GERAIS 140
3.5. POLO SUDESTE MATOGROSSENSE 142

CAPÍTULO 4 – AGRICULTURA FAMILIAR 143


4.1. PERFIL DOS AGRICULTORES FAMILIARES 145
4.1.1. POLO MATO GROSSO 145
4.1.2. POLO CEARÁ 146
4.1.3. POLO RIO GRANDE DO SUL 147
4.1.4. POLO PARÁ 147
4.2. ESMAGADORAS 148
4.3. AS USINAS 148

CAPÍTULO 5 – SUSTENTABILIDADE E O PNPB:


A PERCEPÇÃO DOS PRODUTORES 153
5.1. ASPECTOS GERAIS 153
5.2. SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA 158
5.3. SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL 165
5.4. SUSTENTABILIDADE SOCIAL 172

REFERÊNCIAS 179

Sobre os autores 189


Lista de Abreviaturas

ADM – Archer Daniels Midland Company


ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis
APA – Área de proteção ambiental
APP – Área de preservação permanente
ATR – Açúcar total recuperável
BNDES – Banco Nacional do desenvolvimento
CAAA – Clean Air Act Amendments
CCT – Operação de corte, carregamento e transporte
CEPEA – Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada
CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo
CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
CIMA – Conselho interministerial do açúcar e álcool
CIPATR – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do
Trabalho Rural
CNPE – Conselho Nacional de Política Energética
CO – Monóxido de carbono
COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social
CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento
CONSECANA – Conselho dos Produtores de Cana-de-açúcar, Açúcar
e Álcool do Estado de São Paulo
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura
CPRR – Comissão Permanente Regional Rural
CTC – Centro de tecnologia canavieira
DAP – Declaração de aptidão ao PRONAF
EPA – Environmental Protection Agency
EPACT – Energy Policy Act
EPI – Equipamento de Proteção Individual
ESALQ – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”
ETBE – Ethyl Tertiary-Butyl Ether
EU/EU – União Européia
EUA – Estados Unidos da América
FAO – Food and Agriculture Organization of the United
Nations.
FAPRI – Food and Agricultural Policy Research Institute
FERAESP – Federação dos Empregados Rurais Assalariados do
Estado de São Paulo
GRI – Global Reporting Initiative
IAA – Instituto do Açúcar e Álcool
IAP – Instituto Ambiental do Paraná
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e
Prestação de Serviços
IEF – Instituto Estadual de Florestas
IICA – Instituto Interamericano de Cooperación para la
Agricultura
JBSL – Japan Biofuels Supply LLP
LC – Lei complementar
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MF – Ministério da Fazenda
MME – Ministério de Minas e Energia
MTBE – Methyl tert-butyl ether
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
NAAQS – National Ambient Air Quality Standards
NEI – Nova Economia Institucional
NOx – Óxidos nítricos
NR – Norma regulamentadora
OCDE – Organization for Economic Co-Operation and
Develoment
ONU – Organização da Nações Unidas
ORPLANA – Organização dos Plantadores de Cana da Região
Centro-sul do Brasil
PAC – Política Agrícola Comum
PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor
Público
PBF – Programa bolsa família
PBio – Petrobrás biocombustível
PCTS – Pagamento da Cana pelo Teor de Sacarose
PIB – Produto Interno Bruto
PIS – Programa de Integração Social
PNPB – Programa Nacional de Uso e Produção de Biodiesel
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar
RED – Renewable Energy Directive
REFAP – Refinaria Alberto Pasqualini
REN21 – Renewble Energy and Policy Network for the 21st
Century
RFA – Renewable Fuel Association
RFG – Reformulated gasoline
RTFO – The Renewable Transport Fuel Obligation
SAG – Sistema agroindustrial
SCA – Sociedade Corretora de Álcool
SESTR – Serviço Especializado em Segurança e Saúde no
Trabalho Rural
SINCOPETRO – Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de
Petróleo do Estado de São Paulo
SINDICOM – Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de
Combustíveis e de Lubrificantes
SISNAMA – Sistema Nacional de Meio ambiente
SOx – Óxido de enxofre
TRR – Transportador Revendedor Retalhista
ÚNICA – União da Indústria de Cana-de-açúcar
UPA – Agência Ambiental Americana
USDA – United States Department of Agriculture
Prefácio

Fruto dos incentivos à produção de combustíveis renováveis, os


anos 2000 assiste uma nova dinâmica nos mercados agrícolas. A corrida
pela produção de energia no campo passa a fazer parte das prioridades
dos governos de grande parte das economias globais.
O Brasil, pioneiro na produção de etanol, além de retomar
avidamente seus investimentos no combustível de cana de açúcar, lança
o Programa Nacional do Biodiesel, com a proposta de criar o mercado
de diesel renovável. Tanto o precursor sistema de etanol, como o nascente
de biodiesel se defrontam com essas transformações que se desenvolvem
sob a chancela da sustentabilidade.
Difícil de ser definido já que contempla uma gama variada de
interpretações, o conceito sustentabilidade vai sendo adaptado e
incorporado na matriz energética brasileira de forma distinta e
influenciada pelo ambiente institucional que a cerca. Se no caso do
etanol o principal foco é sobre o meio ambiente, no biodiesel a questão
sócio-econômica assume maior importância.
Entender os impactos dessa nova realidade nos sistemas
agroindústrias brasileiros de biocombustíveis é o tema desse livro que
decorre de uma pesquisa realizada pelo GEA – Grupo de Estudos Agrários,
que une as Faculdades de Direito e de Economia e Administração e
Contabilidade da Universidade de São Paulo.
A pesquisa contou com o estimável apoio do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na concessão de
bolsas de iniciação científica e mestrado e no financiamento da pesquisa
de campo que foi realizada com agentes no sistema agroindustrial do
biodiesel. Tomamos como premissa que entender a dinâmica de uma
indústria infante só seria possível incorporando a visão dos principais
agentes do sistema. No caso foram entrevistados produtores e
14 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

representantes das firmas processadoras locais dos pólos de produção


nos estados do Ceará, do Pará, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul
e do Mato Grosso.
O etanol por se tratar de um sistema agroindustrial mais
consolidado e bastante concentrado na região centro-sul, o que o torna
mais homogêneo em termos de estratégias, optou-se por analisar a
influencia da temática sustentabilidade, a partir das relações entre os
agentes, principalmente por pesquisa documental e entrevistas.
Nesse sentido, a pesquisa só foi possível graças à ajuda de diversas
organizações e pessoas que possibilitaram que entrássemos em contato
com os agentes dos dois sistemas e principalmente que fossemos recebidos
nas casas dos produtores em diversas regiões brasileiras.
Agradecemos a Aguinaldo Jose de Lima, Coordenação Geral de
Apoio as Câmaras Setoriais e Temáticas; Denílson Ferreira, Presidente
da Câmara Setorial do Biodiesel, Adalberto Alencar, Coordenador
Pedagógico do Centro de Educação Popular em Defesa do Meio Ambiente;
Sérgio Beltrão, Diretor Executivo da Ubrabio; Marco Antonio Viana
Leite, Coordenador Geral de Biocombustíveis, Antônio de Pádua
Rodrigues, diretor-técnico da Única, Francesco Giannetti Assessor
Jurídico da Única, Eduardo Soares de Camargo, Diretor Executivo da
ABAG.
Aos entrevistados Paulo Tinoco Cabral, de Barretos, José Cardozo
de Almeida, de Ribeirão Preto, Edison Leite de Moraes, de Orlândia e
José Augusto Baldassari, de Franca.
Por fim, não podemos deixar de agradecer os agentes que nos
acompanharam no campo e facilitando nossas visitas: Tadeu, Erivânia,
Eurenice, Ivo, Gabriel, Ramires, Francesco, Pádua, Carlos, Alexandre,
Alvimar, Jair Eloi, Camila, Raquel e principalmente os produtores que
se dispuseram a colaborar com a pesquisa.

MARIA SYLVIA MACCHIONE SAES


Introdução

Essa pesquisa tem objetivo de analisar os impactos das políticas e


das demandas da sociedade no que diz respeito aos condicionantes da
sustentabilidade do setor de bicombustível brasileiro. Trata-se, portanto,
de um grande desafio, qual seja, analisar dois setores – etanol e biodiesel
– com dinâmicas e histórias distintas, a partir de um conceito complexo
e pouco consensual.
No que se refere à sustentabilidade, a ampla divulgação desse
termo tornou o seu uso muitas vezes desprovido de significado e de
consistência metodológica. Se, no início, a definição se atinha
prioritariamente à questão dos recursos naturais, a máxima contida no
Relatório Brundtland, em 1987, de que as sociedades deveriam “satisfazer
suas necessidades, sem comprometer a capacidade das gerações futuras
de satisfazer suas próprias necessidades” trouxe novos elementos. O
conceito passou não só a colocar em questão o modelo de
desenvolvimento no que diz respeito aos aspectos relacionados à
utilização dos recursos naturais, mas também àqueles que tratam das
desigualdades sociais, da inserção política dos indivíduos e dos aspectos
culturais e étnicos.
Nesse sentido, o conceito foi apresentando uma dinâmica própria
ao incorporar visões de mundo muitas vezes antagônicas, particular-
mente quando se trata de discutir a questão energética.
No entanto, algumas premissas estão consolidadas. Estas surgiram
das constantes interações entre a sociedade civil, as organizações de
interesses privados, as não-governamentais e o governo, que levam a
formação de uma realidade objetiva já então absorvida pelos participantes
desse processo interativo. Essa realidade passou a fazer parte do dia-dia
dos setores produtivos, seja por meio de regulamentações do Estado, seja
mediante certificações, mesmo que oriundas da demanda da sociedade.
16 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

O presente trabalho, dessa forma, não tem a intenção de discutir


o conceito de sustentabilidade propriamente dito, mas o de incorporar
algumas das principais premissas reconhecidas e adotadas nas análises
presentes na literatura sobre o tema.
No caso, pretende-se olhar a sustentabilidade a partir do disposto
no relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento da ONU, que conceituou o desenvolvimento sustentável
a partir de três dimensões: a ambiental, a social e a econômica, no
qual se refere a:

i. Sustentabilidade ambiental ou ecológica, à adoção de medidas


que evitem danos ao ambiente causados pelos processos de
desenvolvimento, tais como, substituição do consumo de
combustíveis fósseis por renováveis, redução das emissões de
poluentes, preservação da biodiversidade entre outros;
ii. Sustentabilidade econômica, à necessidade de manter os
investimentos públicos e privados – preocupação dominante
nos planos de desenvolvimento tradicionais – e à gestão
eficiente dos recursos produtivos. Coloca-se que os benefícios
do crescimento econômico possibilitem fortalecer as fontes
endógenas de poupança e de investimento; e
iii. Sustentabilidade Social, ao fato de que o desenvolvimento deve
ser considerado na sua função multidimensional, abrangendo
todo aspecto de necessidades materiais e não materiais. Além
disso, o sistema deve funcionar de forma a reduzir
significativamente as desigualdades sociais e a alinhar os
modelos de desenvolvimento às especificidades de cada
sociedade.

A definição exposta, embora ampla, possibilita dar um foco para


o estudo, mas não diminui a sua complexidade, principalmente quando
se trata de utilizar esses elementos em uma visão sistêmica de cadeia
agroindustrial. A adoção de uma abordagem sistêmica significa
enfatizar as relações entre os segmentos constituintes da cadeia
produtiva, o que pressupõe o conhecimento da organização e da
dinâmica interna de cada segmento, formatadas pelo ambiente
institucional.1
1. A análise proposta baseia-se em Decio Zylbersztajn. Conceitos gerais, evolução e apresentação
do sistema agroindustrial. In: Decio Zylbersztajn e Marcos M Neves (org.). Economia &
Gestão dos Negócios Agroalimentares. São Paulo: Pioneira, 2000. p.14.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 17

Na medida em que o objetivo da metodologia de análise de sistemas


agroindustriais centra-se na coordenação vertical da cadeia produtiva,
o corpo analítico proposto se sustenta na Nova Economia Institucional
(NEI).2
Essa abordagem permite observar os reflexos das mudanças
institucionais sobre as estruturas internas das organizações, que traz
uma contribuição ao entendimento das estratégias dos agentes face às
restrições impostas pelas chamadas “regras do jogo”. Ou seja, pressupõe
que as instituições estabeleçam o ambiente no qual as transações ocorrem
e fornece a estrutura de incentivos e controles que induzem os agentes a
cooperarem. Estão incluídas as políticas macroeconômicas, tarifárias,
tributárias, comerciais e setoriais adotadas pelo governo e por governos
de outros países, parceiros comerciais e concorrentes, assim como as
regras informais.
Além disso, a NEI torna também passível de análise as transações
entre as etapas do processo produtivo e pode proporcionar uma visão
interdisciplinar ao agregar à análise contratual a visão do direito
econômico.3
Dessa forma, discutir a lógica das estratégias dos SAG sob o enfoque
da sustentabilidade, leva à análise de como estes sistemas são
coordenados dados os condicionantes técnicos, organizacionais e
estratégicos predominantes em cada um dos seus segmentos. Trata-se,
portanto, de entender as relações de cooperação e conflitos entre eles.
Por exemplo, se o grande mote dos investimentos no mercado de
biocombustíveis está na utilização de energia renovável, ou seja, na
priorização da dimensão ambiental, o olhar para o segmento rural que
compõe o SAG do etanol pode impingir outro questionamento: como o
SAG trata de solucionar os problemas de poluição ocasionados pelas
queimadas no segmento rural? De outra forma, vê-se que a mecanização
é uma solução para queima da cana, mas o que fazer com o contingente
de trabalhadores desempregados? Além disso, se os investimentos
privados crescem na produção de biocombustíveis, como analisá-los
sobre a ótica do emprego e a renda dos trabalhadores e dos produtores
familiares? Ou seja, estes entre outros conflitos se tornam evidentes
quando se observa a questão em uma visão de sistema produtivo.

2. Tendo a frente o laureado Nobel Douglass North, do qual se pode destacar o tabalho Institutions,
Institutional Change and Economic Performace. Cambridge University Press, 1990, p. 152.
3. Nesta linha de abordagem destaca-se Oliver Williamson em The Economic Institutions of
Capitalism. NY, Free Press, 1986.
18 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Assim, a proposta analítica para tratar dos impactos da


sustentabilidade sobre os SAGs do etanol e biodiesel tem como pano de
fundo inicialmente a análise das instituições. Conforme colocado, parte-
se do princípio de que as instituições importam e, portanto, as regras
formais e informais criadas à luz do paradigma de sustentabilidade
criam custos e/ou oportunidades para os agentes econômicos. Por isso,
trata-se de primeiramente apresentar a evolução dos mercados
internacional e brasileiro dos dois SAGs, com base na lógica institucional.
A partir dessa discussão, pretende-se, em segundo lugar, verificar
quais os impactos dessas regras sobre os SAGs do etanol e do biodiesel
e sobre os segmentos específicos. Um dos instrumentais analíticos para
essa abordagem é a teoria dos Direitos de Propriedade, que permitirá
entender a formatação das estruturas de governança – as relações
contratuais – intra e entre segmento dos SAG e os impactos decorrentes.
Sendo assim, optou-se primeiramente por tratar os dois mercados
de biocombustíveis, a partir da dinâmica própria de cada um deles, no
sentido de tentar discutir como os conflitos sistêmicos estão sendo (ou
não) dirimidos sobre a ótica da sustentabilidade, nas três dimensões
propostas pelo enfoque da ONU.
A primeira parte do trabalho aborda o SAG do etanol. Como se
sabe, o etanol no Brasil se desenvolveu em função da crise do petróleo
no final dos anos 1970. Enfim, surge a partir de considerações
econômicas, numa época em que o país era bastante dependente do
petróleo importado. Ressurge nos anos 2000, por representar uma
alternativa limpa aos combustíveis fósseis, e traz consigo uma estrutura
tecnológica desenvolvida no passado, que garante uma grande
competitividade para o setor. No entanto, os anos 2000 colocam desafios
ligados à sustentabilidade que pouco se discutiam nos idos de 70, mas
que fazem parte dessa nova agenda.
Para entender a dinâmica dos anos 2000 e como o SAG está lidando
com essa nova agenda, estruturou-se a discussão abordando inicialmente
os mercados de etanol no mundo e no Brasil, trazendo à discussão as
principais tendências e demandas dos consumidores com relação às
questões ambientais e sócio-econômicas. A seguir serão apresentados o
SAG do etanol e seus segmentos no Brasil, com o objetivo de analisar as
relações sistêmicas. Tal abordagem torna passível de se entender o
alinhamento dos atributos de transação entre as etapas do processo
produtivo, com as estruturas de governança adotadas em vista dos
condicionantes institucionais ligados às dimensões de sustentabilidades
citadas.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 19

Enfoque especial será dado a análise dos contratos entre produtores


e usinas, entre usinas e distribuidoras e de exportação, tendo em vista
de que, neste SAG, a contratação entre os agentes coloca em pauta os
condicionantes da sustentabilidade, seus conflitos e soluções.
Desta forma, a metodologia permite trabalhar aspectos de
estratégia empresarial, estrutura e organização, relações contratuais
entre empresas, entre outros. Ou seja, entende-se que a análise da
sustentabilidade do sistema envolve o estudo da coordenação das etapas
pelas quais passa o produto até chegar ao consumidor.
A segunda parte traz o SAG do biodiesel. Esse SAG, ao contrário
do de etanol, nasce, marcado pela questão social, a partir de uma
política de regulamentação inovadora promovida pelo Governo Lula.
O grande pilar de desenvolvimento são as metas projetadas pelo governo,
que exigem uma determinada mistura do produto no diesel vendido
nos postos de abastecimento. Porém, a inovação fica por conta do
instrumento de incentivo para a inserção da dimensão social da
sustentabilidade: o “Selo Social”. Tal selo, por meio de ganhos fiscais
para as empresas compradoras de matéria-prima, promove a inclusão
de produtores familiares no mercado.
A estrutura dessa análise do SAG do biodiesel inicia-se apresentando
o mercado internacional e nacional e as motivações para a sua
implantação, já que o mercado surge já com a chancela da
sustentabilidade. Entretanto, como se verá ela ocorre com enfoques
diferentes nos diversos países. A seguir o SAG no Brasil é apresentado,
assim como as relações entre os agentes produtivos, no qual a Petrobras
tem um papel de destaque. Para compreender o impacto da política
brasileira, que tem como foco a dimensão social, foi realizado uma
survey com produtores rurais de diferentes tipos de matérias-primas
para produção de biodiesel em todas as regiões do Brasil.
Parte I – Etanol

O Mercado de etanol do Brasil surge a partir do estrangulamento


da balança comercial com o crescimento dos preços do petróleo e a
crise econômica brasileira. Por esse motivo, é fruto de um programa
governamental - Programa Nacional do Álcool (Proálcool), que visava
a garantir uma opção energética para o Brasil em meio à crise do final
dos anos 70.
Mesmo com o abandono do programa nos anos 90, o Brasil se
capacitou tecnologicamente para que a retomada nos anos 2000 fizesse
do Brasil o país mais adaptado à produção desse combustível, que
passou a incorporar a lógica da sustentabilidade em atendimento à
demanda mundial por fontes renováveis de energia.
Assim, esse biocombustível surge por questões primordialmente
econômicas, mas se mantém em destaque no cenário econômico por
representar uma alternativa limpa e sustentável aos combustíveis fósseis,
diante da crítica situação de degradação ambiental que o planeta hoje
vivencia.
O presente trabalho tem por objetivo apresentar as características
do SAG do etanol no Brasil, investigando o seu desenvolvimento à luz da
sustentabilidade, por meio da análise dos fatores motivadores e daqueles
que influenciam os contratos entre os diversos agentes da cadeia.
Primeiramente, são apresentados o mercado internacional e o
mercado nacional do etanol, por meio da análise das principais políticas
adotadas nos diversos países envolvidos. Em sequência, são explicitadas
as peculiares do SAG, desde o segmento de insumos até o de exportação
do etanol.
Passa-se então a um estudo da influência do tripé da sustentabi-
lidade, nos seus aspectos ambientais, sociais e econômicos, sobre as
relações entre os segmentos do SAG, mediante a análise dos contratos.
Capítulo 1

O sistema agroindustrial do etanol:


mercado, agentes e sustentabilidade

1.1. MERCADO NACIONAL

O álcool etílico, ou etanol, é produzido no Brasil por usinas e


destilarias. Geralmente, esse produto é elaborado sob duas formas quanto
à quantidade de água em sua composição: o Álcool Etílico Hidratado,
contendo de 6,2% a 7,4% de água, e o Álcool Etílico Anidro, com
apenas 0,7% (ANP, 2005).
Existem quatro setores de mercado a que se destina o etanol, como
ilustra a Figura 1:

Figura 1: O subsistema do álcool etílico


FONTE: Elaborado com dados da UNICA e MAPA.
24 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

A indústria de alimentos é o segundo maior mercado para o etanol.


É neste mercado que se encontra a cachaça, aguardente tradicional
brasileira, e maior representante, em volume, dos produtos alimentícios
que recebem etanol. De acordo com a Conab 10,5% de toda a cana
colhida no país na safra 2006/07, foi destinada à produção de cachaça
(CONAB, 2006).
A indústria químico-farmacêutica também é consumidora de álcool
etílico. Neste segmento há vários produtos conhecidos, como o “álcool
de limpeza”. Dentre as indústrias farmacêuticas, que geralmente usam
etanol em suas formulações, a indústria cosmética é a que mais se
destaca, sendo este álcool o produto usado como substância essencial
na fabricação de perfumes.
O etanol é o principal insumo da indústria alcoolquímica. Este
ramo industrial tem como objetivo sintetizar polímeros complexos,
também chamados “plásticos”, a partir do etanol, como matéria-prima.
Apesar da alcoolquímica ainda ser uma indústria incipiente, tanto no
Brasil como no resto do mundo, sua importância é enorme devido ao
grande potencial de mercado para polímeros sintéticos feitos sem a
utilização de petróleo.
No que tange à distribuição de combustíveis, pode-se afirmar ser
este o maior mercado consumidor de etanol4. O interesse demonstrado
em relação a este biocombustível tem dimensão mundial, ocasionado
principalmente pela crise do petróleo e busca por alternativas aos
combustíveis fósseis, bem como pela forte pressão política a favor do
uso de energia limpa, em virtude das questões ambientais enfrentadas
na atualidade, como o aquecimento global.
A despeito de uma análise minuciosa das instituições que
influenciaram o cenário de evolução do mercado de etanol no Brasil, o
que será feito em seção posterior específica. Deve-se frisar que o estudo
da origem do etanol remonta ao início da exploração da cana-de-açúcar,
para produção de açúcar, desde o início da colonização portuguesa na
América, no século XVI.
Com as correntes mudanças políticas, institucionais e sócio-
ambientais, pode-se afirmar que o século XXI proporcionou um ambiente
propício ao etanol: de um lado, há um novo aumento do preço do

4. De acordo com a ANP (ANP, 2009), a produção brasileira de etanol em 2008 foi de 27 bilhões
de litros, enquanto o mercado de combustíveis comercializou 19,6 bilhões de litros de etanol
(hidratado e anidro), o que representa 73% da produção sendo absorvida pelo mercado
doméstico de combustíveis líquidos.
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petróleo, de outro, uma crescente preocupação ambiental por parte da


sociedade.
Nesse contexto, o etanol, menos poluente do que os combustíveis
comuns, ganha importância. Em 2003, chegou ao mercado brasileiro o
carro flex-fuel – uma tecnologia que permitiu ao consumidor escolher
entre abastecer com álcool ou gasolina – eliminando a insegurança da
falta de combustível, como ocorrido no fim da década de oitenta com o
álcool. Os automóveis bicombustíveis já correspondem a 77% das vendas
do setor no Brasil (PEDROSO JÚNIOR, 2008).
O Brasil ocupa posição de destaque no cenário mundial de
produção de etanol. A produção de cana-de-açúcar vem crescendo 7%
ao ano desde 2002, sendo que o setor de açúcar e álcool representou
1,5% do PIB brasileiro (CORRÊA, 2006).
No Gráfico 1 apresentado a seguir, pode-se aferir a produção
brasileira do etanol por regiões, comparado ao valor total.

Gráfico 1: Produção brasileira de etanol por regiões


FONTE: UNICA/MAPA
Nota: Unidade: Mil litros. Os dados da safra 2008/2009 para a Região Norte-Nordeste
ainda não foram finalizados. Os valores apresentados no gráfico referem-se à
posição em 16/05/09.
* Posição em 16/05/09
26 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Apesar de pioneiro, o Brasil que nas décadas de oitenta e noventa


era o único importante país produtor, passa a se deparar com outros
produtores no mercado que crescem a partir de políticas governamentais
sob a égide da sustentabilidade, como se verá a seguir.

1.2 O MERCADO INTERNACIONAL

Com relação à oferta mundial de etanol, há uma tendência de


crescimento desde o início do século XXI devido, em grande parte, às
questões ambientais e à busca de fontes energéticas renováveis. Pelos
cálculos da OCDE e da FAO, até 2016 a produção de etanol e biodiesel
deve dobrar tanto na União Européia quanto nos EUA, no Brasil e na
China. A produção de etanol no Brasil deve atingir 44 bilhões de litros
em 2016, ou 145% a mais do que em 2006 (WORLD, 2006).
O maior produtor mundial são os Estados Unidos, posição ocupada
a partir de 2006, quando superou o Brasil. A diferença fundamental
entre os dois está nos subsídios fornecidos pelo governo americano aos
produtores de etanol à base de milho.

Tabela 1: Produção mundial de etanol


FONTE: RFA – Renewable Fuel Association

Alguns países da Europa, Ásia e África, também ocupam papel de


expressão no mercado mundial de etanol, não apenas quanto à produção,
como demonstra a Tabela 1, mas também no que tange à demanda,
que varia de acordo com os interesses políticos e econômicos de cada
nação.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 27

Para uma melhor análise dos fatores que motivam os anseios pela
produção e demanda de etanol, bem como dos instrumentos institucionais
e organizacionais que moldam o ambiente onde se concretizam as
operações, será analisado o cenário e atuação de alguns desses países
e, posteriormente, abordada a posição do Brasil nesse contexto.

1.2.1 União Européia

Na União Européia (UE), inicialmente, o objetivo em apoiar a


produção primária de biocombustíveis foi o de promover a produção
agrícola sustentável visando a proteger a área rural, reduzir os custos
das políticas de suporte a esta área e diversificar o fornecimento de
energia. Nesse sentido, os investimentos em biocombustíveis são vistos
como importantes tendo em vista aspectos ambientais e de segurança
energética, e também como uma maneira de apoiar a indústria agrícola
e o desenvolvimento regional (HENNIGES, ZEDDIES, 2006).
A produção de biocombustíveis na Europa começou no início da
década de noventa, após algumas revisões da Política Agrícola Comum
(PAC) que permitiu que os produtores plantassem grãos não destinados
à alimentação em set-aside land5 (HENNIGES, ZEDDIES, 2006).
Em 2005, o etanol produzido pela Europa representava apenas
2,6% da produção mundial de etanol. Dentro dos países que formam a
União Européia, a maior produção está na França, que atingiu em
2008 o patamar de um bilhão de litros de etanol produzidos. Até 2007,
a Alemanha, que agora ocupa a segunda posição, era a primeira
colocada.

Tabela 2: Produção de etanol na Europa


FONTE: eBio

5. Trata-se de pedaço de terra não cultivado, ou não utilizado para fins da agricultura por
determinado período de tempo.
28 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Uma série de políticas, padrões e normas foram adotados com o


objetivo de promover e apoiar a indústria de biocombustíveis. Destaca-
se a Diretiva de Combustíveis Renováveis (Diretiva 2003/30/EC) que
desde 2005, exige a mistura de 2% de biocombustíveis ao petróleo e ao
diesel para transporte nos países membros, e prevê um aumento para
5,75% até o final de 2010 (MARTINES-FILHO, BURNQUIST, VIAN,
2006).
Outra diretiva que também merece atenção - Directiva 2003/96/
EC – é a que desonera ou reduz a taxação dos impostos energéticos
sobre os biocombustíveis. Além disso, ressalta-se o Plano de Ação para
Biomassa (Biomass Action Plan), que compreende mais de vinte ações
para apoiar os agentes a atingir os objetivos definidos na Diretiva de
Combustíveis Renováveis, e para estimular o desenvolvimento e difusão
da bioenergia na Europa (BOMB et al, 2007).
Tais políticas, no entanto, têm sido alvo de algumas críticas, devido
aos custos e ganhos não claros da sua adoção. Um exemplo é a posição
da Autoridade para Proteção do Ambiente Alemão - German
Environmental Protection Authority – segundo a qual, levando-se em
conta a relação custo-benefício para redução de problemas climáticos,
a primeira geração de biocombustíveis não se mostra favorável já que,
ao encaminhar a produção de grãos para produção de biocombustíveis,
há uma diminuição na quantidade de terra disponível para produção
de biomassa para aquecimento e geração de energia (BOMB, et al,
2007).6
Nesta perspectiva, deve-se ressaltar a celebração do chamado Blair
House Agreement, que é um acordo da União Européia com os Estados
Unidos que limita a plantação de grãos para produção de óleo para
fins alimentares a, aproximadamente, cinco milhões de hectares,
enquanto a plantação de grãos para fins não alimentares é limitada a
um milhão de toneladas de farelo de soja equivalente, por ano (FULTON,
HOWES, 2004).
Em 2010, a União Européia planeja dobrar a participação da
energia renovável em seu consumo primário de energia para 12%. Para
atingir este objetivo, há necessidade de uma produção anual de cinco a

6. Vale observar que a indústria de biocombustíveis na Alemanha está organizada a partir de


associações de comércio que fazem lobby junto aos formuladores de políticas, na coordenação
da pesquisa e na promoção de produtos, levando a uma considerável cooperação entre a
indústria de biocombustíveis, as companhias de petróleo e a indústria de automóveis (BOMB
et al, 2007).
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 29

seis bilhões de litros de etanol e biodiesel. Os Estados membros da


União Européia vêm adotando políticas para isso, tais como: i. redução
de impostos; ii. políticas de incentivo à pesquisa e desenvolvimento; iii.
mistura de biocombustíveis ao combustível fóssil mandatória; iv subsídios
a investimentos.

1.2.2. EUA

Assim como ocorreu na União Européia, nos Estados Unidos da


América (EUA) o crescimento do mercado para biocombustíveis está
diretamente relacionado a alterações no ambiente institucional,
especialmente a partir da adoção de políticas públicas relacionadas à
redução da poluição atmosférica e dos danos à camada de ozônio (efeito
estufa).
Nesse sentido, o principal marco regulatório ocorreu na década
de noventa, com a aprovação do 1990 Clean Air Act Amendments (1990
CAAA)7 que, dentre outras medidas, criou um programa de estímulo ao
consumo de combustíveis oxigenados, as chamadas gasolinas
reformuladas (Reformulated gasoline - “RFG”). Esses combustíveis
recebem aditivos para tornar sua combustão mais completa, reduzindo
o teor de monóxido de carbono liberado na queima e, por conseguinte,
melhoram o potencial poluente do combustível. O seu uso se tornou
obrigatório nas regiões identificadas como sendo non-attainment, que
são demarcadas pela agência ambiental norte-americana (EPA –
Environmental Pollution Agency) por superarem os índices máximos de
poluição atmosférica previstos pelo programa governamental National
Ambient Air Quality Standards (NAAQS) aprovado em 1990, junto com
as CAAA8.

7. A primeira legislação contemplando a poluição do ar nos Estados Unidos da América (EUA) foi
o Air Pollution Control Act, de 1955 que, em 1970 foi substituído pelo Clear Air Act (1970 CAA).
Esse diploma legal sofreu duas importantes emendas, em 1977 e em 1990, com os respectivos
Clear Air Act Amendments de 1977 e 1990 (1977 CAAA e 1990 CAAA). As grandes novidades
incorporadas por este último foram o aumento substancial do poder de controle e monitoramento
das agências governamentais, em especial a EPA (Enviromental Protection Agency) com a
criação de programas de controle e prevenção da chuva ácida, limites para uso de recursos
não renováveis e outras medidas para combate à poluição por gases tóxicos. Mais informações
disponíveis no sítio daquela agência governamental na internet: <http://www.epa.gov>. Acesso
em: 7 nov.2009.
8. Para maiores informações, consultar o “The Green Book of Nonattainment Areas for Criteria
Pollutants”, disponível em: <http://www.epa.gov/air/oaqps/greenbk/>. Acesso em: 7 nov.
2009.
30 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Os aditivos mais utilizados para a fabricação das RFGs são o


MTBE (Éter Butil Metil Terciário) e o etanol. Embora a escolha do
aditivo por parte da indústria seja livre, há a obrigatoriedade de sua
adição à gasolina em 2%, o que significa diretamente um grande
incentivo ao aumento do mercado para os biocombustíveis nos EUA.
Além dessas medidas, o governo norte-americano tem adotado
outras ações para o desenvolvimento do mercado do etanol visando à
redução dos níveis de poluição da sua matriz energética, e da
dependência de uma fonte de energia não renovável e sujeita a fortes
oscilações de preços decorrentes de fatores geopolíticos.
Em 29 de Julho de 1992 foi aprovado o Energy Policy Act (EPACT),
que ampliou os termos do programa de gasolinas reformuladas criado
pelo 1990 CAAA. Esse novo diploma, sem interferir nas obrigações
anteriormente instituídas, criou incentivos fiscais e financiamentos
subsidiados pelo Governo norte-americano, de modo a encorajar o uso
dos chamados combustíveis alternativos (com queima mais completa e
menos poluentes do que a gasolina comum). Além disso, tornou
obrigatória a adoção de uma porcentagem desses combustíveis na frota
de veículos oficiais dos governos federais e estaduais.
Somaram-se a essas iniciativas governamentais de natureza
regulatória em âmbito nacional, diversos programas dispersos nos
governos e comunidades locais, que decidiram pela adoção de
combustíveis menos poluentes para os seus veículos automotores9. O
resultado de todas essas políticas significou um incremento no consumo
de etanol nos EUA de 2,5% ao ano, durante a década de noventa
(FULTON, HOWES, 2004).
Essa demanda adicional de etanol cumpre dizer, está sendo suprida
tanto com combustível proveniente do processamento do milho,
produzido nos Estados Unidos, como de outras culturas, como é o caso
do etanol brasileiro, obtido da cana-de-açúcar. A agência ambiental
americana (UPA), no entanto, já estuda mudanças nas suas políticas
com objetivo de incrementar os impactos positivos da utilização dos
biocombustíveis. Nessas alterações, o etanol proveniente da cana deverá
ser privilegiado em termos de acesso a mercados, uma vez que sua
produção tem potencialidades de seqüestro de carbono muito superiores

9. Em 2003, por exemplo, o MTBE foi banido por força legal dos estados da Califórnia, Nova
York e Connecticut, gerando um aumento de demanda por etanol, para substituí-lo.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 31

em relação ao processamento do milho (MARINHO e KIRCHHOFF,


1991)10.
Ademais, a política de importação de etanol determinada pelo
governo americano, estabeleceu um mercado cativo para determinados
países caribenhos por meio do Caribean Basin Economic Recovery Act.
Nesta política, estes países ficam isentos do pagamento do imposto de
importação americano, ao exportarem etanol para este país.

1.2.3 Continente africano

Cerca de dois terços do consumo de energia do continente Africano


tem como origem a biomassa, destacando-se a lenha, com uma
participação de 65% no consumo, e o carvão com 3%. Mas, apenas
pequena parte desta biomassa é convertida em combustível líquido. No
caso das usinas de açúcar, a energia utilizada é proveniente do bagaço
da cana que atende por 90% do consumo de energia das usinas
(FULTON, HOWES, 2004).
Uma das principais discussões que envolvem combustíveis no
continente africano é a utilização de chumbo misturado à gasolina,
que resulta em uma mistura altamente tóxica. Sendo assim, os governos
do continente se comprometeram na Declaração de Dakar a eliminar o
uso de chumbo na gasolina até o ano de 2005 e substituí-lo por etanol.
Dentre os países que mais se destacam na adesão a fontes de energia
renováveis estão África do Sul e Gana.
A África do Sul é responsável por 70% do etanol produzido pelo
continente africano e, tendo em vista o alto grau de pureza do produto,
este é destinado principalmente aos mercados farmacêutico e industrial
(FULTON, HOWES, 2004).
Com a finalidade de atender a demanda interna, de maneira
sustentável, o governo Sul-Africano publicou o chamado White Paper
da energia renovável, em novembro de 2003. Esse programa tem como
objetivo desenvolver a infra-estrutura física e capacidade institucional
para expandir o então nascente mercado doméstico de biocombustíveis.
Os seus principais focos são: instrumentos financeiros, instrumentos

10. A agência ambiental norte-americana (EPA), ao aprovar o seu novo Renewable Fuel Standard
(RFS2), que cria uma enorme demanda de biocombustível nos EUA e dá preferência para
aqueles de baixo carbono, reconhece ser este o etanol feito a partir da cana. Disponível em:
<http://www.epa.gov/otaq/renewablefuels/index.htm>. Acesso em: 6 fev. 2010.
32 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

legais, uso de tecnologia, programas de educação para conscientizar a


sociedade da importância do tema e construção de capacidade.
Neste contexto o governo financia projetos de pesquisa sobre etanol
e espera-se que essa iniciativa incentive a criação de postos de trabalho
no meio rural. O Federal Gas Act 2001 tem como objetivo estimular a
produção doméstica de biocombustíveis. Esta lei garante 30% de redução
de impostos para combustíveis derivados de fontes de energia renováveis.
Além disso, o Governo estabeleceu como meta que até 2013, 4% do
todo o consumo de energia será de fontes renováveis (ZARRILI, 2006).
Assim, visualizado o panorama do mercado internacional do
etanol, passa-se à abordagem do sistema do etanol no mercado
brasileiro, a partir da análise das estratégias dos agentes da cadeia,
dos fornecedores de insumos, passando pelos segmentos agrícola e
processador até os grupos de comercialização deste biocombustível.
Ademais, é contemplado ainda neste primeiro capítulo, de que forma a
produção de etanol no Brasil passou a incorporar o enfoque da
sustentabilidade nas suas três dimensões: econômica, ambiental e social.

1.3. O SISTEMA DO ETANOL CARBURANTE

O etanol carburante representa mais da metade do produto da


industrialização da cana-de-açúcar, se considerada a quantidade
equivalente de açúcar total recuperável (CONSECANA, 2009). O sistema
(SAG) do etanol está escrito nos termos da Figura 2.

Figura 2: O sistema do etanol carburante


FONTE: UNICA, MAPA, SINDICOM, MME e SCA
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 33

As transações entre os agentes do SAG do etanol, a partir de agora


mencionadas conforme a Figura 2 como T0, T1, T2, T3, T4, T5, T6, T7, T8,
T9, T10, T11, T12, T13 e T14 são complexas, especialmente porque se pode
observar os mais variados níveis de integração vertical e horizontal,
como ficará demonstrado adiante.

1.3.1. Os Insumos da Produção Agrícola (T0)

Os insumos da produção agrícola são de diversas naturezas, dentre


os quais se destaca a terra, que é o insumo por excelência da atividade
agrária e que, no SAG do etanol, assume uma importância fundamental,
em especial pela necessidade de grande escala de produção.
Os fornecedores (I) do insumo terra são os proprietários rurais
que podem: a) ceder a terra em regime de parceria ou de arrendamento
ao produtor agrícola (A); b) assumir a atividade agrícola pessoalmente,
de maneira que a transação T0, no que diz respeito à produção agrícola,
passa a ser integrada verticalmente.
Ainda com relação às firmas (I), cumpre mencionar o caso dos
fornecedores de mudas de cana-de-açúcar, que também podem estar
integrados ao produtor rural (A). Não é raro o próprio produtor rural
(A) cultivar e aproveitar as mudas dos seus canaviais mais sadios, seja
para o plantio de áreas novas (de abertura), seja para o replantio em
áreas já cultivadas (de reforma).
Convém chamar a atenção de dois participantes desse SAG nessa
etapa. Em primeiro lugar, as empresas e entidades de desenvolvimento
fito-tecnológico. Dentre essas, se destaca o CTC – Centro de Tecnologia
Canavieira (CTC, 2008), sediado em Piracicaba e mantido por diversas
Usinas parceiras, desenvolve novas variedades de cana-de-açúcar,
fazendo os plantios de multiplicação e transferindo as mudas para os
produtores (T0). Em segundo lugar, as usinas (C), que têm um papel
crucial no fornecimento de mudas, não só para fomentar a produção
por parte de seus fornecedores (A), como também para melhor coordenar
as transações de fornecimento (T1), ao longo do processo produtivo,
propiciando aos seus fornecedores de cana (A) a quantidade necessária
de espécies precoces, médias e tardias, para garantir o suprimento da
indústria durante todo o período de moagem.
Também assumem o papel de fornecedores de insumos (I), no
SAG do etanol, os fornecedores de defensivos, fertilizantes, corretivos,
máquinas e implementos agrícolas, autopeças, combustíveis e
equipamentos de proteção individual.
34 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Com relação aos fertilizantes é importante mencionar que os


produtores de cana-de-açúcar (A) podem se utilizar de muitos subprodutos
do processo industrial como insumos de sua produção, quando os
mesmos estão disponíveis. Exemplos desse uso de subprodutos que se
convertem em insumo agrícola são: a vinhaça, distribuída por meio de
canais de ferti-irrigação; e a “torta de filtro”, também aplicada como
fertilizante. Nesses casos podemos dizer que há uma integração entre
os agentes I e C, impactando diretamente na transação T1, na medida
em que se podem gerar benefícios indiretos e vantagens competitivas
para (A), favorecido pelo fornecimento de insumos por (C), por baixo
custo.
No que tange às máquinas e implementos agrícolas fornecidos a
esse SAG, não se pode deixar de mencionar a verdadeira mudança
tecnológica que se vem observando a partir da demanda por
modificações na colheita surgida pelo paradigma da sustentabilidade.
Os empresários (I) foram impulsionados a desenvolver equipamentos
para viabilizar a mecanização da lavoura de cana-de-açúcar, nas
operações de plantio e nas operações de corte, carregamento e transporte
(CCT). Sem esses avanços tecnológicos, as modificações no sistema de
produção, necessárias à sustentabilidade, seriam impossíveis.
Por último, também indispensáveis à sustentabilidade, são os EPIs
(Equipamentos de Proteção Individual). Com relação a esses insumos,
é importante dizer que existem diversos desafios a serem vencidos. Com
efeito, os regramentos institucionais que serão oportunamente
mencionados, exigem que esses insumos sejam especialmente
homologados e aprovados pelos órgãos de controle do trabalho rural,
o que constitui uma barreira à entrada de novas firmas e, não raro,
tornam incertas as transações T0 com relação a esses insumos em
particular. Muitos produtores (A) adquirem, de boa-fé, equipamentos
tradicionalmente utilizados na agricultura sem se certificar da aprovação
dos produtos pelos órgãos competentes.

1.3.2. A Produção agrícola (T1)

O produtor (A) do SAG em análise é o empresário rural responsável


pela produção agrícola da cana-de-açúcar que servirá como matéria-
prima para os processos agroindustriais de (B), utilizando-se dos insumos
adquiridos por (I).
Os principais arranjos institucionais na transação entre produtor-
processador são: i. à vista; Fornecimento sem CCT; ii. fornecimento
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 35

com CCT; iii. parceria Agrícola; iv. Arrendamento; e v. produção em


área própria (PEDROSO JÚNIOR, 2008). Essa tipologia serve para
demarcar as diferentes intensidades de integração entre os agentes da
transação – produtor e usina – sendo que a modalidade “à vista”
representa a estrutura de governança com menos ou nenhuma
integração, e a “produção em área própria” a integração vertical
completa.
Conforme já mencionado acima, não considerar-se-á os contratos
de arrendamento e de parceria agrícola concernentes à T1. Por se tratarem
de contratos de cessão do uso da terra, entende-se que essas modalidades
contratuais referem-se à T0. Nos casos em que o arrendamento ou a
parceria agrícola são feitos diretamente pela Usina (B) há, na realidade,
uma integração vertical com assunção das atividades agrícolas (A) pelo
agente industrial (B).
No entanto, também há casos de arrendamento e de parceria feitos
de proprietários, cessionários ou usufrutuários do fundo rústico para
fornecedores independentes (A). Nessa circunstância, distinguem-se as
transações T0, que tem por objeto a terra, e T1, que tem por objeto a
cana-de-açúcar, assumindo a T1 uma das demais modalidades de arranjo
organizacional.
Na relação entre produtores e usinas existe dois tipos de especificidade:
locacional e temporal, o que se configura como uma relação de mútua
dependência e pode favorecer a formalização de contratos (NEVES et al,
2007). Assim, as usinas, representadas na Figura 2 pelo Agente C, estão
sempre localizadas junto às plantações de cana, uma vez que o custo de
transporte da cana até a usina é muito alto e, depois de colhida, a cana
precisa ser processada em até quarenta e oito horas para evitar sua
degradação natural (MORAES, 1999 e WAAK et al. 1998).
Não por outra razão, a principal questão que se coloca ao analisar
a atividade (B) concentra-se nas operações de corte, carregamento e
transporte, conhecidas como CCT, que incorporam a maior parte dos
custos envolvidos na produção da cana-de-açúcar e concentram as
principais complexidades de manejo da lavoura e das relações entre as
firmas (I), (A) e (B).
As operações de colheita e entrega da cana-de-açúcar plantada
por (A), até a entrega na esteira da Usina (B), se dão de acordo com a
seguinte cronologia: ao se atingir o ponto ótimo de maturação, é
realizado o procedimento de corte. O corte pode ser mecânico ou
manual. E, sendo mecânico, precedido ou não de queima da palha da
cana-de-açúcar.
36 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Uma vez cortada a cana, a mesma é “enleirada” no canavial para


posterior carregamento em guinchos até os caminhões próprios. Caso
as operações sejam mecanizadas, o carregamento é substituído pelo
“transbordo”, operação pela qual máquinas próprias, que recebem a
cana picada das colhedoras, transbordam o produto da colheita para
caminhões específicos.
Nesses caminhões, diferentes para a cana picada (colheita
mecanizada) e para a cana inteira (colheita mecânica), é que a produção
segue para a usina (B), até serem entregues na “esteira”, onde se inicia
o processo de industrialização com a lavagem, moagem, cozimento,
destilação etc.
Como se pode perceber, o CCT constitui-se de operações que
demandam organização empresarial complexa, uso intensivo de
tecnologia e emprego de consideráveis investimentos, que só se
viabilizam com ganhos de economia de escala. Essa é a outra razão
importante que leva os agentes a formalizar a transação (T1) com
contratos, muitas vezes utilizando-se de níveis variados de integração.
Com relação à integração, é importante analisar o contrato de
“fornecimento com CCT” acima mencionado, por tratar-se de um arranjo
específico do SAG do etanol, por meio do qual há uma quase integração
entre (A) e (C). Com efeito, nessa modalidade da T1, o agente (A) realiza
parte das atividades agrícolas, responsabilizando-se pelo plantio e pelos
tratos culturais, enquanto o agente (C) se responsabiliza pelo CCT. Nesse
caso, (A) sofre integralmente o risco da lavoura, sendo que (C) recebe
uma parcela fixa da produção como pagamento por sua atividade
agrária.
Não obstante a prática empresarial perceba a realização dessas
operações típicas do produtor (A) pela usina (C) como uma simples
prestação de serviço acessória e independente da aquisição da cana,
deve-se reconhecer que a realização das operações de CCT pela indústria
processadora desnatura o contrato de fornecimento. Com efeito, ao
passo que no fornecimento “puro” a atividade agrícola é exercida
exclusivamente pelo produtor e seus prestadores de serviço, no
fornecimento com “CCT” a indústria processadora passa a participar
da atividade agrária, em conjunto com seu parceiro-produtor.
O reconhecimento dessa realidade é muito importante. Ao assumir
as operações de CCT, a usina processadora passa a ter o direito de
decisão sobre a colheita, podendo definir o momento, o método e a
forma de realização do CCT. Essas decisões, por outro lado, terão reflexos
diretos no resultado econômico do produtor (A), especialmente ao
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 37

considerar o rendimento da colheita, a produtividade, a sanidade e


longevidade do canavial. Essa repartição de riscos e direitos de
propriedade11 é um importante foco de conflitos entre as firmas, que
muitas vezes não estão previstas nem nos contratos, nem nos acordos
realizados pelos agentes da T1.

1.3.3. A Produção Industrial

A produção do etanol é feita em grandes plantas industriais. As


destilarias se dedicam única e exclusivamente à produção de etanol.
Todavia, a maioria das fábricas também é capaz de produzir açúcar,
sendo denominadas usinas com destilarias anexas12.
De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abaste-
cimento, existem no Brasil 249 usinas, 161 destilarias e 16 unidades
que produzem unicamente açúcar, totalizando 426 plantas industriais.
São Paulo é o estado que possui o maior número de usinas do País.
Estes dados indicam as unidades produtoras ativas, cadastradas no
Departamento de Cana-de-açúcar e Agroenergia até abril de 2010
(MAPA, 2010).
Vale ressaltar que, além de possuir canavial próprio, as usinas
também adquirem cana de produtores rurais estabelecidos próximo a
elas (Agente A). Em alguns casos, um agente intermediário (Agente B)
coordena o fornecimento de cana de um grupo de produtores à usina
(PEDROSO JÚNIOR, 2008).
A Tabela 3 apresentada a seguir, evidencia as vinte maiores
Unidades produtoras do Estado de São Paulo, ranqueados pela - Safra
2008/09.

11. Para a Economia das Organizações, os direitos de propriedade são conceituados como sendo
as estruturas que determinam quem tem a autoridade dos direitos de decisão e descrevem
quem deve assimilar os custos e os benefícios decorrentes dessas decisões (LIBECAP,
2002, p. 140).
12. Neste texto, será usado o termo “usina” para se referir às “usinas com destilaria anexa” e
“destilarias”.
38 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Tabela 3: Maiores produtoras de etanol do Estado de São Paulo


FONTE: Elaborado com dados da UNICA e MAPA. Nota: nc = não consta.

Pode-se notar que a concentração do mercado de etanol é


consideravelmente baixa, quando se consideram as firmas processadoras
(C), o que não se pode dizer da distribuição regional da produção. O
Estado de São Paulo é o maior produtor e é responsável por 61% da soma
da produção de álcool anidro e hidratado de todo o Brasil. Isso representou,
na safra de 2009, 16.722.478 de litros produzidos em um universo total
de 27.512.962 de litros. Desse total, 25.101.963 litros foram produzidos
no centro-sul, e 2.410.999 no norte-nordeste (UNICA, 2010).
Como já mencionado, o principal destino do etanol, hidratado e
anidro, produzido pelas usinas e destilarias, são as distribuidoras de
combustíveis, como indicam as Transações T2 e T3, respectivamente.
Algumas usinas se organizam em grupos de comercialização (Agente
D), também chamados de pools de comercialização, para vender seus
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 39

produtos às distribuidoras, enquanto outras vendem diretamente e


independentemente.
No centro-sul, existem cinco grupos de comercialização:
Copersucar, Sociedade Corretora de Álcool (SCA), Crystalsev, Bioagência
e a CPA Trading. A Tabela 4, apresentada a seguir, traz dados referentes
às unidades industriais e volume comercializado por estas organizações13
na safra de 2006/07.

Tabela 4: Pools de comercialização de etanol, na safra 2006/07


FONTE: Elaborado com dados da UNICA, MAPA, Copersucar, SCA, Bioagência,
CPA Trading e Crystalsev.

13. Na Tabela 4, o volume de vendas está sendo considerado o mesmo que o volume produzido
pelas usinas. Foi considerando que todo o etanol produzido pela Crystalsev é comercializado pela
SCA.
40 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

É notável que 51,48% de todo álcool produzido no centro-sul é


comercializado por meio dos pools. Essa distribuição vale dizer, continua
válida mesmo após a consolidação do setor ocorrida a partir de meados
de 2009, conforme descrito nos dados apresentados até então.
Considerada a organização das usinas em grupos de
comercialização, a estruturação destes agentes passa a ser mais
concentrada do que quando se observa apenas a concentração das plantas
industriais e dos grupos industriais. Assim, conclui-se que, na prática,
devido à forma como se organiza a comercialização, as usinas estão
estruturadas num oligopólio com franja competitiva ao ofertarem o
etanol às distribuidoras.

1.3.4. Distribuição: atacado e varejo

Para produzir a gasolina C, aquela comercializada pelos postos


de abastecimento no mercado de varejo, as distribuidoras fazem uma
mistura de gasolina A, isenta de etanol, fornecida às distribuidoras
pela Petrobras, com o etanol anidro adquirido das usinas. A formulação
dessa mistura, que determina a composição da gasolina C, é regulada
pelo Governo Federal por meio da ANP, Agência Nacional do Petróleo,
Gás Natural e Biocombustíveis, que o etanol deve perfazer um mínimo
de 20% e um máximo de 25% da mistura. A gasolina C, depois de
preparada, é vendida aos postos de abastecimento (Agente G), como
indica a Transação T6.
O etanol hidratado adquirido pelas distribuidoras é revendido aos
postos de abastecimento sem sofrer qualquer alteração (Transação T7).
Além dos postos de abastecimento, existe outro agente também
representado na Figura 2 pelo Agente G: o Transportador Revendedor
Retalhista, o TRR. De acordo com o SINDICOM (SINDICOM, 2007b),
existiam 470 retalhistas em atividade no país, em 2007. Esses retalhistas,
ainda de acordo com o SINDICOM, são responsáveis por atender
pequenas empresas consumidoras e produtores rurais, enquanto os postos
de abastecimento atendem diretamente automobilistas e caminhoneiros.
Por fim, vale ressaltar que alguns agentes podem adquirir
combustível diretamente das distribuidoras, sendo classificados como
grandes consumidores (Agente I) pelo SINDICOM (2007b).
Entre as distribuidoras que operam no Brasil, destacam-se empresas
como: BR (Petrobras), Shell, Chevron (Texaco), Esso (ExxonMobil) e
outras. Convém mencionar desde já que iniciativas de integração vertical
começam a aparecer também nesta etapa do SAG. Veja-se, nesse sentido,
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 41

a aquisição das operações da Esso no Brasil por parte da COSAN, no


início de 2008, e iniciativas de outras indústrias tradicionalmente ligadas
ao petróleo, como a Shell, no intuito de firmar parcerias com usinas e
destilarias.
A Tabela 5 evidencia as dez maiores distribuidoras, tanto de
gasolina C como de álcool etílico hidratado, no ano de 2008.

Tabela 5: As dez maiores distribuidoras de álcool etílico


hidratado e gasolina C do Brasil em 2008.
FONTE: Elaborado com dados da ANP

Percebe-se que a distribuição de ambos os combustíveis é bastante


concentrada, sendo que a de gasolina C é ainda mais concentrada do
que a de hidratado. Pouco mais de 50% de toda gasolina C é
comercializada por três distribuidoras, enquanto 50% do hidratado é
comercializado por quatro empresas.
De acordo com estes dados, entende-se que a estrutura da demanda
formada pelas distribuidoras é de um oligopsônio com franja
competitiva14. Além de compreender como se dá a estruturação da

14. Estrutura de mercado com alta concentração, mas com grande número de médias e pequenas
empresas.
42 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

demanda formada pelas distribuidoras, outra questão relevante ao


entendimento da distribuição são as características da logística de
escoamento dos combustíveis.
A distribuição do etanol carburante é feita utilizando três tipos de
estruturas físicas para acomodar e encaminhar esse produto: os centros
coletores, as bases de distribuição primárias e as bases de distribuição
secundárias.
A primeira delas, o centro coletor, tem função de receber,
armazenar e encaminhar o etanol. A Petrobras possui dez centros
coletores, sendo cinco deles no Estado de São Paulo (ANP, 2007a). É
importante destacar que o centro coletor envia todo volume de etanol a
uma base de distribuição, não remetendo o combustível ao mercado
consumidor. Na maioria das vezes, os centros coletores são utilizados
nas operações logísticas da Petrobras e da BR Distribuidora (XAVIER,
2007).
As outras duas estruturas são denominadas bases de distribuição.
Elas são divididas em bases primárias e secundárias. De acordo com a
ANP (ANP, 2007c), existem quinhentas e cinqüenta e uma bases, entre
primárias e secundárias, no território nacional. Essas bases têm uma
capacidade nominal de armazenamento de 718.929 m3 (ANP, 2007c).
As bases de distribuição são formadas pelas operações de armazenamento
e transferência das distribuidoras de combustíveis e de outros agentes
prestadores de serviços de transporte e transferência como, por exemplo,
a Transpetro.
De acordo com o SINDICOM (2007a), as bases de distribuição
mais importantes estão apontadas na Figura 3. Percebe-se que as bases
primárias estão mais concentradas na região litorânea do país, enquanto
as bases secundárias têm maior presença no interior. As bases primárias
estão alocadas desta forma, pois são construídas em função da
localização das refinarias de petróleo e das estruturas de extração e
importação de óleo cru.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 43

Figura 3: Bases de Distribuição de Combustível


FONTE: SINDICOM (2007a)

As bases primárias e secundárias não são classificadas assim


formalmente. Sua diferenciação é resultado da proximidade às
refinarias, como dito anteriormente, assim como do volume de
combustível que operam, e da presença de diferentes modais de
transporte. A base será considerada primária, quanto maior o volume
de combustível operado e quanto maior a capacidade logística (XAVIER,
2007).
É importante destacar que ambas as bases, primárias e secundárias,
recebem tanto o anidro como o hidratado das usinas, são capazes
produzir a gasolina C a partir do anidro e da gasolina A, e podem
direcionar o hidratado e a gasolina C ao mercado consumidor
(FIGUEIREDO, 2006; XAVIER, 2007).
A Figura 4 apresentada a seguir, resume os principais fluxos de
produto comentados anteriormente.
44 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Figura 4: Os principais fluxos de etanol carburante


FONTE: Elaborado com dados de: SINDICOM (2007b), Figueiredo (2006)

Na Figura 4, os Fluxos I e II são a representação das vendas por


meio de pools de comercialização. No caso do Fluxo I, está presente o
centro coletor, que envia o etanol a uma base primária. Os Fluxos III,
IV e V são as vendas de usinas não integradas a grupos de
comercialização. Os casos II e IV evidenciam que as usinas podem
entregar diretamente a uma base secundária.
O Fluxo V representa a venda do hidratado de uma usina a uma
distribuidora em que este álcool não passa por uma base de distribuição
até ser entregue ao mercado consumidor. Tal procedimento está
representado aqui, pois, apesar de ilegal, é também observado no
mercado. Ressalta-se que não ocorre a venda direta de etanol das usinas
a postos revendedores. Qualquer venda deve, obrigatoriamente, passar
por uma distribuidora.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 45

1.3.5. Exportação

O mercado externo é abastecido pelos pools de comercialização,


por usinas independentes e pelas trading companies (Agente F). A trading
company não age apenas como uma articuladora, ela efetivamente
adquire o produto para revendê-lo, como indicam as Transações T11 e
T12. Existem casos em que a trading adquire o etanol por meio de um
pool de comercialização.
Entre as trading companies que mais se destacam com atuação no
Brasil, estão: Cargill, ED&F Man, Coimex, Noble Group, Glencore, Archer
Daniels Midland Company (ADM) e LDCommodities (Dreyfus). Tal qual
ocorre com as grandes distribuidoras, também essas firmas vem
buscando integrar-se verticalmente com os produtores industriais de
etanol (C). Veja-se, a título de exemplo, a recente aquisição do grupo
SantelisaVale, pela LDCommodities (abril/2009).
A Tabela 6 mostra o volume total de etanol exportado pelo Brasil,
bem como os principais países de destino das exportações brasileiras
durante o ano de 2006, 2007 e 2008, ordenados pelo volume exportado
de 2008. Nota-se, em primeiro lugar, um crescimento vertiginoso das
exportações, de 50% em três anos. Em segundo lugar, uma prevalência
dos principais parceiros comerciais, dentre os quais os Estados Unidos
e a União Européia.

Tabela 6: Exportações brasileiras de etanol por país de destino


FONTE: UNICA, Secex, 2009.
46 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

No mercado externo, o etanol é adquirido principalmente por


empresas distribuidoras de combustíveis como: Shell, Exxon e Chevron
(Agente H). Um caso ímpar de destinação do etanol ao exterior é o
caso da Shell. A empresa, que atua como distribuidora de combustíveis
no Brasil e no resto do mundo, remete diretamente para si mesma o
produto para distribuí-lo fora do país (T10).

1.4 O NOVO ENFOQUE DA PRODUÇÃO DE ETANOL: O


TRIPÉ DA SUSTENTABILIDADE

Como observado, o desenvolvimento do mercado de etanol no


Brasil seguiu a lógica desenvolvimentista, em que o gargalo das contas
externas impulsionou a criação de uma política nacional para o setor,
com regras próprias.
Entre as instituições que compõem este arcabouço, as formais
são as mais relevantes, determinando os contornos do mercado e sendo
responsáveis, em grande parte, pelas oportunidades e riscos que se
apresentam aos agentes.15
A cadeia de suprimentos do etanol carburante sempre sofreu grande
influência das diretrizes apontadas pelo governo. De 1933 a 1990, o
setor sucroenergético era controlado diretamente pelo Instituto do Açúcar
e Álcool (IAA), que estabelecia os preços e as cotas de produção que
deveriam ser seguidos pelos agentes econômicos. Ao mesmo tempo, o
mercado de distribuição de combustíveis também era regulado
diretamente pelo Executivo Federal, por meio do Ministério da Fazenda
e do Ministério de Minas e Energia.
De qualquer forma, o etanol, tanto anidro como hidratado, é um
produto de atributos bem definidos. A especificação técnica deste produto
tem sido continuamente aperfeiçoada e formalizada em regulamentações
da ANP. No ano de 2005, houve a publicação da Resolução ANP nº 36,
colocando em vigor a última atualização desta especificação (ANP,
2005).

15. Instituições são o conjunto de regras que estruturam as relações humanas. De acordo com
North (1990), as instituições são as “regras do jogo”, ou seja, as regras que orientam a
interação entre as pessoas e, conseqüentemente, entre os agentes econômicos. As
instituições podem ser formais ou informais, sendo as primeiras aquelas impostas pelo
Estado, enquanto as segundas são fruto de outras convenções.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 47

Commodities como o etanol têm essa característica: não se pode


averiguar qualquer diferença entre os produtos produzidos por diferentes
agentes. Mesmo a mais moderna tecnologia de produção não é cativa
de uma pequena parte dos agentes, sendo ao contrário, bastante
difundida.
Desta forma, dado o arcabouço institucional que envolve as
atividades de produção e distribuição do etanol, o sucesso da atividade
econômica dos agentes se concentra em duas questões básicas: a
capacidade intrínseca de gerenciar custos industriais no caso das usinas,
e custos logísticos no caso das distribuidoras.

1.4.1. A desregulamentação do setor

Em 1990, a desregulamentação da economia começou a ser


implementada em vários setores produtivos no Brasil, dentre eles, o
setor sucroenergético e a indústria do petróleo. Apesar deste processo,
o governo não deixou de influenciar o funcionamento dos mercados,
mudando apenas sua forma de intervir.
À medida que os mercados foram sendo liberados, o governo foi
criando uma série de regras para coordenar a atividade econômica,
mantendo sua influência devido à sua autoridade sobre a formação e
transformação das regras que compõem o arcabouço institucional do setor.
No setor sucroenergético, a Medida Provisória n° 151, de 15 de
março de 1990, estabeleceu a extinção do IAA, sendo que as atribuições
deste instituto passaram para a Secretaria de Desenvolvimento Regional
da Presidência da República (BRASIL, 1990).
Em 1997, foram criadas três organizações governamentais para
gerir a indústria de combustíveis e o setor sucroenergético, visando a
adequar o relacionamento do governo com os agentes econômicos neste
processo de flexibilização. A Lei 9.478/97, de 06 de agosto de 1997,
criou o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), responsável
por estabelecer as diretrizes da política energética, e a ANP (Agência
Nacional do Petróleo), responsável por regular a indústria do petróleo
(BRASIL, 1997).
O CIMA (Conselho Interministerial do Açúcar e Álcool) foi criado
para articular os interesses de todos os ministérios envolvidos com o
sistema sucroenergético, em direção a um consenso sobre o processo de
desregulamentação. Ainda em 1997, uma importante organização não
governamental de representação setorial foi criada, qual seja, a UNICA,
União da Indústria de Cana-de-açúcar (PEDROSO JÚNIOR, 2008).
48 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

O afastamento do governo do controle direto dos mercados foi


marcado por um processo gradativo de liberação de preços. A Portaria
MF n.º 59, de 29 de março de 1996, liberou os preços de venda das
distribuidoras e dos revendedores, tanto para a gasolina, como para o
etanol hidratado, em praticamente todo território nacional, à exceção
de alguns municípios da região norte supridos pelo modal fluvial
(BRASIL, 1996a).
Posteriormente, a Portaria MF n.º 292/96, de 16 de dezembro de
1996 (BRASIL, 1996b), que revogou a Portaria MF n.º 59, reduziu o
subsídio ao hidratado, e liberou os preços deste e da gasolina em todo
território nacional, enquanto a Portaria MF n.º 294/96, de 13 de
dezembro de 1996, liberou os preços de venda do anidro nas unidades
produtoras (BRASIL, 1996c).
Vale comentar que duas outras medidas neste sentido foram
editadas em 1999 e 2002, completando o conjunto de medidas que
permitiram a completa liberação dos preços, a saber: a Portaria MF/
MME n.º 28/99, de 9 de março de 1999 (BRASIL, 1999), que liberou os
preços da gasolina C nos postos, e o preço do álcool hidratado ao
consumidor em todo território nacional. Em 2002 a gasolina A passou
a não ser mais precificada pelo governo federal.

1.4.2. Estado e o delineamento dos mercados

Algumas vezes, as regras impostas pelo governo vão além da


regulação da atividade dos agentes, chegando, literalmente, a criar ou
extinguir um mercado para determinado combustível, de maneira
mandatória. Este tipo de processo foi sempre marcante no histórico da
utilização do etanol como combustível no Brasil.
Após a crise do petróleo de 1973, o Governo Brasileiro editou o
Decreto nº 76.593 que instituiu o Programa Nacional do Álcool
(Proálcool), estimulando a indústria nacional a produzir etanol em
resposta ao aumento do preço do petróleo e para evitar um desequilíbrio
maior no balanço das contas externas do país, devido à importação de
petróleo em larga escala (BRASIL, 1973). Em sua primeira fase, entre
1975 e 1979, o foco do programa era o estímulo à produção de anidro
para ser misturado à gasolina.
De 1979 a 1985 o foco voltou-se para produção do hidratado
como combustível veicular. Percebe-se que, em ambas as fases, o governo
estabeleceu a demanda para os produtos de maneira mandatória
impondo, inicialmente, a prática de adição do anidro à gasolina e, na
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 49

segunda fase, garantiu uma paridade de preço entre o hidratado e a


gasolina em um patamar capaz de manter o interesse dos consumidores
pelo hidratado.
Ressalte-se que o Proálcool teve grande impacto sobre a indústria
de cana nacional devido ao volume de investimentos injetado no setor
durante o programa. Estes investimentos foram imprescindíveis ao ganho
de escala necessário para que um produto agrícola como o etanol
pudesse vir a participar do mercado de combustíveis líquidos.
Em 1993, o governo instituiu a mistura obrigatória de 22% de
anidro à gasolina e formou novamente um mercado para o etanol de
forma mandatória. Após algumas determinações que vacilavam entre
20 e 23%, em 2007 foi publicada a portaria n° 143, alterando a
quantidade de anidro para um valor de 25% da gasolina, vigente até a
presente data. (BRASIL, 2007)
Não só no Brasil o mercado para determinado combustível é criado
ou extinto por determinação governamental. Como já mencionado, em
2003, o MTBE, aditivo usado nos EUA na mistura da gasolina, foi banido
por força legal nos estados da Califórnia, Nova York e Connecticut, o
que acarretou um aumento de demanda por etanol, para substituí-lo.
(FULTON, HOWES, 2004)
Uma forma específica de influenciar os contornos do mercado de
combustíveis é o controle estatal dos impostos e subsídios aplicados ao
setor. Um exemplo disso seria o caso de sucesso do hidratado como
combustível veicular frente à gasolina em alguns estados brasileiros, a
partir da introdução do carro flex, em 2003.
Em 2008, o hidratado obteve um preço competitivo frente à
gasolina C nos postos de abastecimento, devido à menor carga tributária
paga na sua cadeia produtiva. Entre os tributos aplicáveis à distribuição
de combustíveis, destaca-se a CIDE, Contribuição de Intervenção sobre
o Domínio Econômico, que incide sobre a comercialização de gasolina,
mas não se aplica ao hidratado.

1.4.3. Aspectos econômicos da sustentabilidade

1.4.3.1. O Estado e a competitividade entre os agentes


econômicos

A competitividade entre os agentes também é um ponto altamente


influenciado pelo regramento imposto pelas autoridades. Vale comentar
que, em 1993, a revogação de algumas exigências que impediam a
50 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

atuação de distribuidoras de pequeno porte pela Portaria MME nº 258 e


a operação de postos bandeira branca, autorizada pela Portaria MME
nº 362, contribuíram diretamente para o aumento da competição no
setor de distribuição (BRASIL, 1993).
De maneira oposta, a Resolução ANP nº 7, de 07 de março de
2007, reforçou o laço de exclusividade entre os revendedores franqueados
e suas distribuidoras de origem, diminuindo a possibilidade de atuação
das distribuidoras independentes (ANP, 2007).

1.4.3.2. Ambiente institucional e as fraudes na


comercialização de etanol

A seguir, serão apresentadas quatro situações em que o regramento


imposto pelo governo para coordenar esta atividade afeta diretamente
o delineamento das oportunidades e riscos na comercialização do etanol
e, conseqüentemente, influencia a ocorrência ou não de práticas de
sonegação fiscal e adulteração de combustíveis.

1.4.3.2.1. A fraude do anidro molhado

Uma das formas de fraude praticada por distribuidoras desleais


era comprar o anidro, cujo ICMS é zero, adicionar água e vender como
hidratado. Como o ICMS do hidratado era, na média dos Estados, 25%,
a distribuidora que se dispusesse a fazer tal operação não recolheria tal
imposto, sonegando, e tendo uma margem de lucro extraordinária.
Dentro desse mesmo processo, a distribuidora desleal também
poderia acrescentar mais água ao anidro, ultrapassando os níveis aceitos
de água no hidratado, para aumentar ainda mais sua lucratividade na
transação.
Com o intuito de desestimular a prática da citada fraude, a ANP
editou a Resolução 36/2005, de 19 de dezembro de 2005, que obriga a
adição de corante laranja ao anidro. Neste caso, o regramento atua
diminuindo a assimetria de informação da cadeia, pois cria uma
diferença visual aparente entre o anidro e hidratado (ANP, 2005).
A ANP também passou a proibir a venda de anidro às distribuidoras
que não tivessem as respectivas cotas de gasolina A que justificassem
sua necessidade pelo produto, aumentando o controle da agência sobre
a atividade. Tais medidas tiveram o efeito esperado: a diminuição de
ações fraudulentas e ilegais.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 51

1.4.3.2.2. Evasão fiscal por triangulação de ICMS

A diferença de alíquota de ICMS entre os Estados brasileiros foi


largamente explorada para sonegação. Distribuidoras desleais
compravam hidratado com destino a algum estado cujo ICMS fosse
baixo, como é o caso de Goiás, cuja alíquota era 15%, e, ilegalmente,
entregavam no Estado de São Paulo, onde a alíquota era bem mais
alta, 25%. Nesse processo, a distribuidora desleal conseguia uma
margem extraordinária entre as diferenças de alíquotas.
A partir do estímulo dos agentes econômicos, e de seu próprio
interesse, o governo tomou a seguinte medida no final de 2003: baixou
a alíquota do ICMS do estado para 12%, a menor alíquota da federação,
promulgando a Lei Estadual nº 11.593. O resultado dessa medida
corrigiu esta distorção e possibilitou, mesmo com a diminuição da
alíquota, que o governo aumentasse a arrecadação de impostos sobre a
atividade devido ao desestímulo à sonegação e à fuga de várias
distribuidoras desleais do mercado (SÃO PAULO, 2003).

1.4.3.2.3. A transferência da responsabilidade de


arrecadação do PIS/COFINS das distribuidoras para as
usinas

Em 2008, o governo federal editou a Medida Provisória 413/2008


que transfere a responsabilidade de arrecadar o PIS/COFINS da
comercialização do etanol para as usinas. Até então, esta
responsabilidade era das distribuidoras (BRASIL, 2008).
Distribuidoras desleais poderiam simplesmente sonegar este
imposto e aumentar sua competitividade. Na visão das grandes
distribuidoras, essa medida só veio a melhorar sua posição, pois seria
mais um desestímulo à sonegação por parte da distribuição.
Para a produção a medida não foi bem recebida, pois, da mesma
forma que a sonegação pode ocorrer na distribuição, também poderia
ocorrer com relação às transações anteriores. De acordo com dois
entrevistados16 que representaram a organização setorial, essa medida

16 A descrição da comercialização de etanol está baseada em vinte e duas entrevistas, realizadas


em 2007 e 2008 com agentes do setor, todos ligados à área de comercialização de etanol,
representando dezesseis organizações do setor, entre os cinco grupos de comercialização,
que representam 51,5% de todo etanol comercializado. Foram entrevistados representantes
de quatro destes grupos. Entre as distribuidoras, foram entrevistados executivos de três
integrantes do Sindicom, associação formada por apenas dez distribuidoras que, em 2008,
52 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

estava gerando um desconforto enorme em muitos usineiros por medo


de que este novo arranjo estimulasse usinas desleais a tirar proveito
desta oportunidade para ganhar competitividade sonegando o imposto.
Conclui-se, assim, que o estímulo para a mudança da regulamentação
deve ter sido oriunda da demanda das grandes distribuidoras, já que
esta só privilegiou a posição desse segmento.

1.4.3.2.4. Denominada “lei do embandeiramento”

A Resolução ANP nº 7, de 07 de março de 2007, conhecida


vulgarmente como a nova regra do embandeiramento, reforça a
obrigação dos postos de abastecimento bandeirados de comprar o
combustível apenas de suas distribuidoras de origem. Resumidamente,
a fidelidade do posto franqueado passa a ser maior à sua distribuidora,
desestimulando a compra de combustível proveniente de distribuidoras
concorrentes, leais ou desleais (BRASIL, 2007).
De acordo com agentes representantes de distribuidora emergente,
este novo arranjo dificulta a situação de todas as pequenas distribuidoras,
as que agem honestamente e as que operam na ilegalidade, pois diminui
a demanda do mercado por seus produtos.
Assim, pode-se notar tanto nesta situação, como nas demais já
relatadas, que o Estado afeta o desenvolvimento da atividade, por meio
da regulamentação que influencia a conduta dos agentes no que tange
à implementação de práticas consideradas sustentáveis, sob o ponto de
vista econômico.
Em síntese, o Quadro 1 apresentado a seguir, coloca de maneira
cronológica alguns eventos citados nesta última seção, ao discutir o
ambiente institucional e as organizações que compõem a cadeia
produtiva do etanol carburante.

foram responsáveis por 68% da distribuição de etanol e 87% da gasolina C (SINDICOM,


2008). Além das distribuidoras do SINDICOM, também foi contatada uma distribuidora
emergente.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 53

Quadro 1: Cronologia do Ambiente Institucional


FONTE: Elaborado com dados de: ANP, MAPA e MORAES (1999)
54 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

1.4.4. Os aspectos sociais e ambientais da


sustentabilidade

Além dos aspectos econômicos de competitividade e eficiência, a


sustentabilidade da produção de etanol também depende da adoção de
padrões ambientais e sociais por parte das organizações. Nesse
particular, no entanto, a análise relevante encontra-se no segmento
produtor do SAG, pois é na produção da cana-de-açúcar que se
concentram as atividades com maior potencial lesivo ao meio ambiente
e utiliza o trabalho mais intensivo e com maior risco de danos ao
trabalhador.
Importante dizer que, tal como já aludido quando da análise do
mercado e da competitividade do SAG da cana, também no que tange
aos aspectos socioambientais, as instituições exercem papel de extrema
importância, tanto por conta de normas estatais (federais, estaduais ou
municipais), como por conta de mecanismos de auto-regulação, em
especial provenientes de organizações de produtores.
Prosseguindo com a análise descritiva dessas instituições, serão
tratados os principais marcos normativos, tanto estatais como privados
(instituições formais e informais) para que, em seguida, sejam analisadas
as implicações dessas alterações no ambiente institucional na transação
T1 do SAG em questão.

1.4.4.1. A queimada da palha da cana-de-açúcar

Tradicionalmente, a colheita da cana-de-açúcar é manual e utiliza-


se de queimada como método de eliminação da palha e facilitador da
colheita. No entanto, trata-se de um método nocivo ao meio ambiente,
em especial por sua contribuição no aquecimento atmosférico e por se
tratar de agente poluidor e causador de diversas doenças respiratórias
nos habitantes das regiões produtoras (CANÇADO, 2006).
Além dos malefícios ambientais, a queimada da palha da cana-
de-açúcar está diretamente relacionada à colheita manual da lavoura.
Portanto, queimadas e trabalho rural de alto esforço são práticas
agrícolas quase sempre indissociáveis e reciprocamente prejudiciais. A
colheita manual da cana-de-açúcar sem a queimada se torna
excessivamente difícil, custosa e demorada. Por outro lado, a queimada,
ao mesmo tempo em que viabiliza a colheita manual, também torna o
meio ambiente de trabalho hostil e prejudicial ao bem estar dos
trabalhadores.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 55

Em virtude desses fatos, a sustentabilidade ambiental da produção


da cana-de-açúcar e, por conseguinte, do etanol carburante, está
diretamente associada ao abandono das queimadas como método
despalhador. Embora estudos apontem que os gases de efeito estufa
liberados sejam absorvidos no crescimento da lavoura, neutralizando o
impacto ambiental nesse particular, os demais malefícios do método
importam a necessidade de abandono dessa prática agrícola.

1.4.4.2. O regramento legal da queimada da cana-de-açúcar

No território brasileiro, como regra geral,”É proibido o uso de


fogo nas florestas e demais formas de vegetação”. Esse é o mandamento
expresso no artigo 27 do Código Florestal, promulgado em 1965 (BRASIL,
1965).
No entanto, “se peculiaridades locais ou regionais justificarem o
emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão
será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e
estabelecendo normas de precaução” (Art. 27, § único). Ou seja, a queima
como técnica agropastoril, facilitadora do plantio ou da colheita, como
é o caso da palha da cana-de-açúcar, sempre foi autorizada pelo
ordenamento jurídico brasileiro, dentro de limites.
Mais recentemente, esse dispositivo legal foi regulamentado, no
plano Federal, pelo Decreto 2.661/98, de 8 de Julho de 1998, que
disciplinou a forma e os limites para a obtenção de “permissão de
emprego de fogo”, ficando expressamente estabelecido que “é permitido
o emprego do fogo em práticas agropastoris e florestais, mediante
Queima Controlada” (BRASIL, 1998). Queima controlada é técnica
agrícola autorizada pelo ordenamento jurídico brasileiro, dentro de
limites previstos em lei e condicionada à obtenção de prévia autorização
emitida pelo Poder Público (Autorização de Queima Controlada), assim
entendida como aquela concedida por algum dos órgãos do SISNAMA17.

17. O SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) foi instituído pelo Art. 6º da lei nº 6.938,
de 31 de agosto de 1981 e constitui-se dos órgãos e entidades da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo
Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental. No caso das
queimadas da cana-de-açúcar, como se entende que o impacto ambiental gerado pela
técnica é regional, os órgãos competentes para o licenciamento é o estadual. Em São Paulo,
a CETESB, em Minas Gerais, o IEF, no Paraná, o IAP, e assim sucessivamente.
56 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Com relação especificamente à queima da palha da cana-de-açúcar,


em virtude da conscientização da necessidade de se impor um status de
melhor sustentabilidade aos SAGs do etanol e do açúcar, houve um
regramento especial neste contexto normativo. Com efeito, o Art. 16 do
já mencionado decreto 2661/98 versa que

O emprego do fogo, como método despalhador e facilitador do


corte de cana-de-açúcar em áreas passíveis de mecanização da
colheita, será eliminado de forma gradativa, não podendo a redução
ser inferior a um quarto da área mecanizável de cada unidade
agroindustrial ou propriedade não vinculada a unidade
agroindustrial, a cada período de cinco anos, contados da data de
publicação deste Decreto.

Ou seja, nas áreas mecanizáveis18, excetuadas aquelas de até 150


hectares em cada propriedade (§ 4º do Art. 16), pretende-se eliminar a
queimada da palha da cana-de-açúcar até 9 de Julho de 2018.
Em proveito da competência legislativa concorrente para legislar
sobre a proteção do meio ambiente e o controle da poluição (Art. 24,
VI, da Constituição Federal), essas restrições à queima controlada da
palha da cana-de-açúcar também foram impostas por legislações
estaduais e municipais. Esse é o caso de São Paulo, ao qual será dada
ênfase especial neste estudo, por ser o principal estado produtor,
responsável por 60% da cana processada em usinas no Brasil (UNICA e
MAPA).
A Lei Estadual de São Paulo, lei nº 10.547/00, disciplinou o
emprego da queima controlada de forma correlata ao que foi previsto
no Decreto Federal 2168/98 acima analisado, inclusive no tocante à
eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar nas áreas
com declividade de até 12% (mecanizáveis), na proporção de um quarto
a cada cinco anos (SÃO PAULO, 2000).
Posteriormente, essa lei foi alterada com a edição de novo diploma,
específico para a cana-de-açúcar, a lei nº 11.241, de 19 de setembro de
2002, que trouxe novos prazos para a redução da utilização da queima
como método facilitador da colheita. Foi aprovado pelo legislativo
estadual o cronograma apresentado no Quadro 2, que abrange áreas
mecanizáveis e não mecanizáveis acima de 150 hectares (SÃO PAULO,
2002).

18. Assim entendida como “a área na qual está situada a lavoura de cana-de-açúcar, cuja
declividade seja inferior a doze por cento” (§ 1º do art. 16 do decreto2661/98).
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 57

Quadro 2: Art. 2º da Lei Estadual de São Paulo nº 11.241, de 19 de setembro


de 2002.

Além das leis estaduais, as Câmaras Municipais de Vereadores


também aprovaram leis municipais com restrições desse gênero19. Essas,
no entanto, foram todas julgadas inconstitucionais pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo, que entendeu que o assunto extrapolava a
competência legislativa municipal prevista pela Constituição Federal
de 1988.

19. Assim, por exemplo, as leis municipais n° 4.518/07, de Mogi Mirim; nº 4.504/07, de Americana,
e n° 1.911/07, de Cedral. MogiMirim: Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei 1638150000;
Relator(a): Paulo Travain; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: Órgão Especial; Data do
julgamento: 28/01/2009; Data de registro: 10/04/2009, íntegra do acórdão disponível em:
<http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=3549228>; Americana: Ação Direta
de Inconstitucionalidade de Lei 1634140000; Relator(a): Oscarlino Moeller; Comarca: São
Paulo; Órgão julgador: Órgão Especial; Data do julgamento: 04/02/2009, íntegra do acórdão
disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=3539500>; Cedral:
Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei 1634150400, Relator(a): José Reynaldo, Comarca:
São Paulo, Órgão julgador: Órgão Especial, Data do julgamento: 26/11/2008 (inteiro teor do
acórdão disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo .do?cdAcordao=3946854>).
58 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Essas diversas normas demonstram que existe uma efetiva


preocupação de se incorporar o tema da sustentabilidade ao regramento
institucional da produção de etanol. Por outro lado, no entanto, o
emaranhado legislativo, inclusive com diversidade e divergência de
prazos e critérios para a redução da utilização da queima controlada
na lavoura de cana-de-açúcar, eleva a incerteza e os custos de transação
assimilados pelos agentes do SAG do etanol.

1.4.4.3. Do regramento institucional privado (informal) com


relação à queimada da palha da cana-de-açúcar

A utilização da queima da palha da cana-de-açúcar não foi apenas


objeto de preocupação do regramento institucional estatal. As principais
entidades do setor formularam protocolos de adesão voluntária para
estimular e acelerar o abandono dessa técnica agrícola, visando às
práticas agrícolas mais sustentáveis, como também para permitir a
certificação dos produtores, com ganhos de competitividade no acesso
a mercados externos.
Especificamente no Estado de São Paulo, esse foi o objetivo do
Protocolo de Cooperação firmado entre o Governo do Estado de São
Paulo e a UNICA (União das Agroindústrias canavieiras do Estado de
São Paulo), no dia 4 de Junho de 2007 que, em linhas gerais, estabeleceu
obrigações de parte a parte para atingir os seguintes objetivos:

1. Por parte dos produtores:

a) antecipação do prazo para eliminação da queimada da palha


da cana-de-açúcar;
b) dispensa, imediata, da queimada da palha da cana-de-açúcar
em áreas de expansão de canaviais;
c) adoção de práticas de prevenção da queima a céu aberto de
subprodutos da indústria canavieira, como o bagaço;
d) adoção de medidas de conservação das matas ciliares e nascentes
de cursos d’água;
e) adoção de boas práticas agrícolas, para evitar erosões,
especialmente em áreas de carreadores e estradas;
f) implantação de tecnologias de otimização do aproveitamento e
reuso da água nos processos industriais;
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 59

g) adoção de práticas adequadas no descarte de embalagens vazias


de agrotóxicos;
h) adoção de práticas e tecnologias para minimizar a poluição
atmosférica decorrente dos processos industriais.

2. Por parte do Governo Estadual Paulista:

a) fomento à pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias


para o aproveitamento energético e econômico da palha da cana-de-
açúcar;
b) apoio à instalação de canais logísticos adequados à exportação
dos produtos canavieiros;
c) concessão de certificado de conformidade agro-ambiental aos
produtores que cumprirem com as obrigações prescritas no protocolo;
d) estimular a mecanização e o abandono da queimada da palha
pelos pequenos produtores (com área plantada menor do que cento e
cinquenta hectares).

Posteriormente, em 10 de março de 2008, a iniciativa de firmar um


acordo voluntário com foco na sustentabilidade da produção se repetiu.
Nos mesmos moldes do documento firmado com as usinas, a ORPLANA
(Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-sul do Brasil)
celebrou protocolo para contemplar as peculiaridades e as limitações
dos fornecedores individuais de cana-de-açúcar, em especial os pequenos,
com produção anual de até doze mil toneladas de cana ou cento e
cinquenta hectares de canaviais plantados (representativos de 92% do
total de fornecedores e de apenas 10% do volume de produção paulista).
Esse novo protocolo, embora tenha sido idêntico em linhas gerais
de objetivos e obrigações, foi um pouco mais condescendente e tímido,
com adoção de prazos intermediários, mais alongados do que os previstos
no protocolo das processadoras, ainda que mais exíguos em relação ao
cronograma contemplado pela legislação em vigor.
Não obstante a importância de demonstrar o interesse das
organizações em colaborar com a alteração do paradigma regulatório
do setor em termos de sustentabilidade, especialmente no tocante à
abolição do direito e da prática da queima controlada da palha, é
preciso reconhecer que não foram essas iniciativas que determinaram a
alteração no ambiente institucional.
Com efeito, todas as obrigações previstas pelo protocolo para as
organizações privadas, sejam fornecedores individuais, sejam usinas
60 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

processadoras, já estavam previstas na legislação em vigor. A esse


respeito vejam-se as disposições do Código Florestal, especialmente o
artigo 2º que trata da proteção permanente das matas ciliares, das
nascentes e dos cursos d’água, e o artigo 6º § 2º da lei nº 7.802, de 11
de julho de 1989, que trata sobre o tratamento e o descarte das
embalagens de agrotóxicos, dentre outras (BRASIL, 1989).
Especificamente com relação às queimadas, também o protocolo
foi menos inovador e importante do que se faz parecer, já que apenas
diminuiu o prazo para eliminação da queimada de 2018, como previsto
pela legislação federal, para 2014.
Assim, a importância desses protocolos foi de consolidar os avanços
institucionais pré-existentes, colocar em evidência os padrões de
sustentabilidade da produção da indústria brasileira sucro-energética,
e possibilitar a certificação, por parte do governo estadual, da adoção
dessas práticas pelos empresários20.
O objetivo, por conseguinte, relaciona-se muito mais à
consolidação das condições de acesso a mercados do que à adoção de
melhores índices de sustentabilidade. Esses já tinham sido exigidos e
cobertos por outras políticas públicas, direcionadas à agricultura em
geral e ao setor em especial.

1.4.4.4. O Trabalho Rural e a Queimada da Palha da Cana

Conforme estabelece BACCARIN (2008:12),

[...] para o corte de cana, além da força, é necessária resistência


física, porque se realizam atividades repetitivas, exaustivas e a céu
aberto, sob sol ou chuva, na presença de fuligem, poeira e fumaça,
com roupas e instrumentos de trabalho desconfortáveis, isso por
um período que varia entre 8 a 12 horas diárias. E, como o
pagamento se dá por produção, os trabalhadores, muitas vezes,
avançam além de sua capacidade de trabalho, resultando em sérios
problemas físicos e de saúde.

20. Na realidade não se trata aqui de uma certificação em sentido estrito, obtida de acordo com
parâmetros objetivos de padronização. O Estado de São Paulo simplesmente atesta que os
produtores participantes do Protocolo cumprem as normas por ele estabelecidas de maneira
amplamente divulgada, o que equivaleria a um “certificado de boas práticas ambientais”.
Evidentemente, um processo efetivo de certificação é bem mais amplo e complexo.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 61

Consideradas as peculiaridades desta lavoura, que se caracteriza


pela produção abundante de matéria seca, com rápido crescimento
vegetativo, abandonar essas dificuldades só seria possível com a
mecanização do corte da cana, transferindo às máquinas esse pesado
trabalho.
Essa é a mesma solução que possibilita a minimização dos
principais impactos ambientais causados pela produção da cana-de-
açúcar. Com efeito, a partir da década de 1960, com a mecanização do
carregamento e a intensificação do transporte da cana-de-açúcar, os
produtores começaram a utilizar-se da queimada da palha da cana-de-
açúcar como método despalhador. Essa tecnologia passou a ser
necessária para facilitar o corte, tornando-o mais rápido e menos penoso
para o trabalhador (BACCARIN, 2008).
Como já ressaltado, colheita manual da cana-de-açúcar e queimada
da palha são práticas agrícolas indissociáveis. É impossível ou
excessivamente oneroso o corte manual sem a queimada da palha. Por
conseguinte, o fim da queimada da palha está diretamente relacionado
à viabilidade econômico-científica da adoção de tecnologias de corte
mecanizado da cana-de-açúcar. Em outras palavras, é possível dizer
que o avanço da tecnologia de colheita mecânica, e da viabilidade de
sua adoção, é que possibilitaram a mudança do padrão de
sustentabilidade da produção de cana-de-açúcar para o etanol.
Considerando o trabalho rural, o tema da sustentabilidade da
produção da cana-de-açúcar pode ser abordado não só do ponto de
vista ambiental natural (queimadas). A sustentabilidade do SAG depende
da adoção de estruturas e modelos de governança eficientes por parte
das firmas para, não só reduzir os impactos ambientais a níveis aceitáveis,
mas também prover adequadas condições de trabalho aos seus
funcionários.
Dois foram os marcos legislativos importantes nesse particular. O
primeiro foi a aprovação da Lei no 10.803/03, que alterou o art. 149 do
Código Penal, ampliando e explicitando o conceito de trabalho escravo
(BRASIL, 2003). O segundo foi a edição, pelo Ministro de Estado do
Trabalho e Emprego, da Portaria nº 86, de 03 de março de 2005, que
aprovou a norma regulamentadora nº 31, com o objetivo de “estabelecer
os preceitos a serem observados na organização e no ambiente de
trabalho, de forma a tornar compatível o planejamento e o
desenvolvimento das atividades da agricultura, pecuária, silvicultura,
exploração florestal e aqüicultura com a segurança e saúde e meio
ambiente do trabalho” (BRASL, 2005).
62 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Embora se tratem de normas gerais, aplicáveis a diversos setores


da economia e da agropecuária, essas mudanças institucionais tiveram
especial alcance e impacto na produção de cana-de-açúcar e no
incremento de suas condições de sustentabilidade.
A partir da lei no 10.803/03, a tipicidade do crime de escravidão
passou a ser descrita da seguinte forma:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer


submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto.

Nesse contexto, é importante reconhecer que a ampliação


substantiva da tipicidade penal teve relevante impacto no risco dos
empreendimentos dos produtores de cana-de-açúcar que se empregam
de mão de obra nos canaviais. Assim, pode-se concluir que, dependendo
da amplitude interpretativa dada ao dispositivo, o trabalho com a cana-
de-açúcar não raro poderá ser considerado como “jornada exaustiva”
ou “condição degradante” (FOLHA, 2007).
Com ainda maior impacto, mas trazendo clareza às relações de
trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar, foram editadas as normas
trazidas pela NR 31, que dispuseram, de maneira pormenorizada, as
obrigações e os procedimentos necessários ao empregador rural
relacionados com a segurança e o bem estar dos trabalhadores. Assim,
ficaram mais rigorosas, porém mais claras, as exigências feitas ao
empregador rural. Destacamos no Quadro 3 suas principais disposições:

OBRIGAÇÕES DO EMPREGADOR RURAL (NR 31)


Saúde e Exames O empregador rural deve garantir a realização de
Acidentes do Médicos exames médicos admissional, periódico, de retorno
Trabalho ao trabalho, de mudança de função e demissional.
CPRRs Criação de CPRRs (Comissão Permanente Regional
Rural), no âmbito de cada Delegacia Regional do
Trabalho, composta por três representantes do
governo, três representantes dos trabalhadores e
três representantes dos empregadores,
especificamente para promover estudos e
campanhas de prevenção de acidentes no trabalho
rural.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 63

SESTR O empregador deve constituir um SESTR (Serviço


Especializado em Segurança e Saúde no Trabalho
Rural), composto por profissionais especializados
e consiste em um serviço destinado ao
desenvolvimento de ações técnicas, integradas às
práticas de gestão de segurança, saúde e meio
ambiente de trabalho, para tornar o ambiente de
trabalho compatível com a promoção da segurança
e saúde, e a preservação da integridade física do
trabalhador rural.
CIPATR O empregador deve constituir e manter uma CIPATR
(Comissão Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes do Trabalho Rural), que tem como
objetivo a prevenção de acidentes e doenças
relacionados ao trabalho, de modo a tornar
compatível permanentemente o trabalho com a
preservação da vida do trabalhador.
Agrotóxicos Restrições com relação ao manuseio de agrotóxicos
pelos trabalhadores rurais, bem como
obrigatoriedade de treinamento, instrução e
adoção de campanhas de capacitação e
conscientização dos riscos para os trabalhadores
rurais, pelos empregadores.
Proteção dos Equipamentos Fornecimento de Equipamentos de Proteção
Trabalhadores de prteção Individual, com especificações quanto à proteção
indivisual da cabeça, olhos e face, óculos contra irritação e
outras lesões, proteção auditiva, proteção das vias
respiratórias, proteção dos membros superiores,
proteção dos membros inferiores, proteção do corpo
inteiro nos trabalhos que haja perigo de lesões
provocadas por agentes de origem térmica,
biológica, mecânica, meteorológica e química e
proteção contra quedas com diferença de nível.
É obrigação do empregador rural exigir que os
trabalhadores utilizem os EPIs e cabe a ele orientar
o empregado sobre o uso do EPI.
Transporte De Obrigatoriedade de transporte de trabalhadores
Trabalhadores unicamente em veículos próprios (ônibus) e,
excepcionalmente, em veículos adaptados, desde
que equipados com escada para acesso, com
corrimão e posicionada em local de fácil
visualização pelo motorista; carroceria com
cobertura, barras de apoio para as mãos, proteção
lateral rígida, com dois metros e dez centímetros;
de altura livre, de material de boa qualidade e
resistência estrutural que evite o esmagamento e a
projeção de pessoas em caso de acidente; cabina e
carroceria com sistemas de ventilação, garantida
64 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

a comunicação entre o motorista e os passageiros;


assentos revestidos de espuma, com encosto e cinto
de segurança; e compartimento para materiais e
ferramentas, mantido fechado e separado dos
passageiros.
De carga As escadas ou rampas utilizadas pelos trabalha-
dores, para carregamento e descarregamento de
caminhões, devem garantir condições de segurança
e evitar esforços físicos excessivos. Nos caminhões
graneleiros abertos deve ser proibido que os
trabalhadores subam sobre a carga em
descarregamento.
Edificações Edificações Restrições quanto ao piso, coberturas, umidade,
Rurais insolação, ventilação, limpeza e saneamento.
Especificações quanto às instalações elétricas, como
a necessidade de proteção contra descargas
elétricas atmosféricas.
Áreas de O empregador deve disponibilizar aos trabalhadores
Vivência áreas de vivência, contendo instalações sanitárias,
locais para refeição, alojamentos, quando houver
permanência de trabalhadores no estabelecimento
nos períodos entre as jornadas de trabalho, local
adequado para preparo de alimentos e lavanderias.
Essas áreas devem ter ainda, condições adequadas
de conservação, asseio e higiene, paredes de
alvenaria, madeira ou material equivalente, piso
cimentado, de madeira ou de material equivalente,
cobertura que proteja contra as intempéries e
iluminação e ventilação adequadas.
Moradia Fornecer moradias com capacidade dimensionada
para uma família, em alvenaria ou madeira com
pisos de material resistente e lavável, condições
sanitárias adequadas, ventilação e iluminação
suficientes; cobertura capaz de proporcionar
proteção contra intempéries; poço ou caixa de água
protegido contra contaminação; fossas sépticas,
quando não houver rede de esgoto, afastadas da
casa e do poço de água, em lugar livre de enchentes
e a jusante do poço, sendo vedada a moradia
coletiva de famílias.
Quadro 3 – Principais Obrigações previstas pela NR 31.
FONTE: Elaborado com dados do MTE.

Tanto para empregadores, como para empregados, essas mudanças


não foram imperceptíveis. Há ainda dificuldades comumente
relacionadas pelos produtores e empresários rurais com relação ao
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 65

cumprimento dessas normas e que, na maioria das vezes, podem tornar


as operações manuais no canavial inviáveis, do ponto de vista prático.
Com relação aos órgãos coletivos de apoio à saúde e prevenção
de acidentes do trabalhador, não raro será difícil averiguar se os
produtores rurais, sobretudo quando fornecedores de pequeno e médio
porte, estarão obrigados a constituí-los. Com efeito, grande parte de
seus empregados será de safristas no corte manual, que poucas vezes se
repetem de safra a safra, dificultando a implementação de obrigações,
como o treinamento e a capacitação dos funcionários para essas
atividades específicas.
Com relação aos equipamentos de proteção dos trabalhadores,
muitas vezes a sua utilização encontra resistência por parte dos
empregados, pois tornam ainda mais insalubre e difícil o trabalho nos
canaviais21. Essa resistência é agravada pela exigência de serem
equipamentos homologados pelo Ministério do Trabalho e Emprego,
que muitas vezes não estão disponíveis e acessíveis no mercado a
pequenos e médios produtores. Os equipamentos de proteção
habitualmente utilizados pelos cortadores de cana, reconhecidos pelos
usos e costumes e de fabricação regional, não tem qualquer validade
para a legislação trabalhista.
Com relação ao transporte dos trabalhadores, as principais
dificuldades para o cumprimento das regras estabelecidas também são
aquelas de ordem cultural. Com efeito, trabalhadores rurais, por
conveniência, praticidade e costume não raro dispensam o transporte
em ônibus e caminhões especialmente adaptados, para facilitar o trânsito
na lavoura. O rompimento dessas práticas, além de custo de
monitoramento por parte dos empregadores, impõe verdadeiros custos
de transação aos agentes envolvidos.

21. Cf. BACCARIN (2008, p.13): “A vestimenta e equipamentos de proteção individual do


cortador de cana-de-açúcar são compostos por botina com biqueira de aço, perneiras de
couro até o joelho, com barras de metal, calças grossas, camisa de manga comprida,
mangote, luvas de raspa de couro, lenço para rosto e pescoço, óculos de proteção, chapéu
ou boné árabe, podão e lima. Sua utilização, pelo menos de forma integral, é recente e
decorreu das mobilizações dos trabalhadores por melhores condições de trabalho. Também
evidencia os riscos inerentes à atividade, que fizeram com que sua obrigatoriedade fosse
estabelecida por normas regulamentadoras do trabalho, determinadas e fiscalizadas pelo
Ministério do Trabalho e Emprego. Embora seja uma conquista que traz maior segurança, o
uso de tais vestimentas e equipamentos, contraditoriamente, eleva o desconforto dos
trabalhadores, sendo que muitos os consideram um fardo a mais na execução do corte de
cana.”
66 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Por último, e talvez o fator que tenha maior impacto nos custos
de produção e seja motivo recorrente de passivos trabalhistas para
as empresas, são as obrigações concernentes às instalações de
moradia e de descanso dos trabalhadores. Em primeiro lugar, porque
a exigência de instalação de refeitórios, banheiros, áreas de descanso,
etc., inclusive para as frentes de trabalho nas roças, muitas vezes se
torna impraticável ou excessivamente onerosa, além de absolutamente
alheia aos costumes dos tradicionalmente chamados de “bóias-frias”.
Em segundo lugar, porque é praticamente impossível a garantia
dessas condições pelos empregadores, sobretudo em relação à
moradia, quando os trabalhadores não habitam mais nas colônias
das fazendas, mas são normalmente migrantes, em residências
temporárias nas cidades, as chamadas “repúblicas”, constituídas pelos
próprios trabalhadores, sem participação e ingerência do empregador
(MORAES et al, 1999, p.31).
Vê-se, assim, que as alterações institucionais concernentes à
regulação dos contratos de trabalho rural, têm levado à mecanização e
a novos desafios principalmente no que diz respeito à necessidade de
treinamento e re-colocação da mão de obra canavieira.

1.4.4.5. As organizações de classe e o Trabalho Rural

Não foram somente com relação às preocupações ambientais que


se inquietaram as principais entidades de produtores. Além dessas
iniciativas especificamente dirigidas à antecipação do abandono da
queima da palha da cana, as agremiações do setor produtivo atuaram
na celebração de acordos com o poder público para reforçar o
compromisso com o bem-estar do trabalhador rural nos canaviais.
Em 25 de junho de 2009 foi firmado o “compromisso nacional
para aperfeiçoar as condições de trabalho na cana-de-açúcar” entre
representantes dos empregadores (Fórum Nacional Sucroenergético e
UNICA), dos trabalhadores (Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura – CONTAG e a Federação dos Empregados Rurais
Assalariados do Estado de São Paulo – FERAESP) e do Governo Federal.
Esse compromisso, além de reafirmar as obrigações dos
empregadores e empresários do setor canavieiro, já previstas pela
legislação trabalhista vigente, estabeleceu normas e procedimentos
específicos para a contratação de mão de obra temporária para os
canaviais, sobretudo com relação aos migrantes temporários, às
condições de segurança, saúde e salubridade do trabalhador, bem como
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 67

para a mobilização de esforços públicos e privados para a alfabetização


e qualificação dos trabalhadores.
Embora seja verdade que todos esses acordos se fizeram a reboque
da legislação em vigor, que já previa de maneira mandatória grande
parte de suas obrigações, seja do ponto de vista ambiental, seja do
ponto de vista trabalhista, esses protocolos tiveram a sua importância,
de demonstrar o interesse das organizações em colaborar com os novos
paradigmas regulatórios do setor, especialmente orientados para a
sustentabilidade.
A verdadeira importância desses documentos, portanto, foi
consolidar esses avanços institucionais pré-existentes, colocar em
evidência os padrões de sustentabilidade da produção da indústria
brasileira sucroenergética, e possibilitar a certificação, por parte do
governo estadual e federal, da adoção dessas práticas pelos empresários
acordantes e participantes dos respectivos compromissos, conforme listas
oficialmente divulgadas pelos órgãos respectivos, dos Governos
Estaduais22 e Federal.

1.4.4.6. Custo x Sustentabilidade

Não é novidade a preocupação de que a exigência de níveis mais


elevados de sustentabilidade pode levar a aumentos dos custos,
prejudicando a competitividade dos agentes produtivos, particularmente
no início do processo de adaptação às novas regras. No caso da cana-
de-açúcar, no entanto, parece ter havido uma convergência em redução
de custos e melhoria dos padrões de sustentabilidade, especialmente
incentivadas pelos diversos marcos institucionais.
Com efeito, ao mesmo tempo em que exigências ambientais
tornaram proibidas, gradualmente, a queima da palha da cana-de-
açúcar como método facilitador da colheita manual, exigências
trabalhistas cada vez mais rigorosas tornaram mais onerosas a colheita
manual.
Mais do que qualquer um dos marcos institucionais isoladamente
considerados, todo o ambiente institucional orientado para melhores
padrões de sustentabilidade explica os dados recentemente divulgados
pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. Esse documento afirma

22. Importante dizer que a mesma iniciativa que aconteceu em São Paulo se repetiu em outros
Estados da federação, como Minas Gerais e Goiás, por exemplo.
68 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

que houve um incremento de 34,2 % na safra 06/07 para 49,1 % na


safra 08/09 da produção colhida mecanicamente, ou seja, oitocentos e
dez mil hectares colhidos mecanicamente sem a utilização de fogo
(Relatório do Programa Etanol Verde, safra 2008/09, 2009).
Esses dados mostram o quanto o setor tem correspondido às
demandas por sustentabilidade, suas dificuldades e seus conflitos
internos que surgem dessa adaptação. Sabe-se que o setor não é
homogêneo e que as ações tendem a convergir lentamente essa nova
dinâmica. O próximo capítulo busca analisar a estabilidade das relações
entre os agentes do SAG, tendo em vista das recentes mudanças
institucionais.
Capítulo 2

Análise dos contratos da transação


entre produtor e usina – T1

Dois são os aspectos importantes das transações que têm reflexos


na sua disciplina contratual. Em primeiro lugar o aspecto econômico,
com a precificação dos direitos de propriedade transacionados. Em
segundo lugar, o organizacional, com a estruturação da governança
entre os agentes da transação. Para melhor compreensão desses aspectos
no SAG do etanol, será feita referência à Figura 2, apresentada no
capítulo anterior.
Na transação entre produtor e processador (T1 na Figura 2), a
determinação da formação de preços, na maioria das vezes, obedece à
regra do sistema CONSECANA-SP23. Esse método de precificação,
elaborado por instituições privadas de representantes do setor (em
especial, UNICA e ORPLANA), estabelece critérios para a determinação
da qualidade da cana-de-açúcar de acordo com a sua quantidade de
Açúcar Total Recuperável (ATR). A partir dessa medida, o CONSECANA-
SP propõe que o preço do ATR seja calculado de acordo com a sua
importância para a produção de cada um dos produtos derivados: etanol

23. O Conselho dos Produtores de Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo -
CONSECANA -SP é uma associação sem ûns lucrativos, fundada pela União da Agroindústria
Canavieira do Estado de São Paulo (UNICA) e pela Organização de Plantadores de Cana da
Região Centro Sul do Brasil (ORPLANA), tendo como associadas demais entidades
representativas das Usinas Processadoras e dos Produtores de cana-de-açúcar aprovadas
pelas fundadoras. Essa entidade tem por objetivos: i. Zelar pelo relacionamento da cadeia
produtiva da agroindústria canavieira do Estado de São Paulo, conjugando esforços de todos
aqueles que desta participarem, desde o plantio da cana até a venda dos produtos finais,
objetivando a sua manutenção e prosperidade; ii. Zelar pelo aprimoramento do sistema de
avaliação da qualidade da cana-de-açúcar, efetuando estudos, desenvolvendo pesquisas e
promovendo a sistematização e constante atualização dos critérios tecnológicos de avaliação
desta qualidade; iii. Desenvolver e divulgar análises técnicas sobre a qualidade da cana e
sua aferição, bem como acerca da estrutura e evolução do mercado da agroindústria
canavieira, inclusive no que tange às condições de contratação e negociação no setor.
70 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

etílico carburante, etanol anidro carburante, açúcar mercado interno,


açúcar mercado externo, dentre outros.
Em outras palavras, de acordo com critérios técnico-científicos,
estabeleceu-se uma relação entre os atributos químicos da cana–de-
açúcar, como teor de sacarose, brix, Pol. etc. em uma unidade comum,
o ATR. Além disso, estabeleceu-se um fator de conversão entre a unidade
de ATR e cada um dos produtos derivados do seu processamento. E, por
último, de comum acordo, processadores e produtores estabeleceram
uma participação da unidade do ATR no preço do produto final
negociado nas principais bolsas de commodities.
Assim, foi possível determinar, com transparência, o valor da cana-
de-açúcar em função da sua utilidade para a usina e simplificar a
liquidação dos contratos, que são sempre celebrados em quilos de ATR,
fazendo-se, a posteriori e caso a caso, a conversão, de acordo com a
qualidade do produto processado e do produto final comercializado
pela processadora (chamado mix de produção).
Essa forma de precificação tem origem na desregulamentação do
setor e extinção do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), ocorrida na
década de 1990. Diante da crise de preços que se sucedeu à
desregulamentação, as organizações mais representativas do setor
(UNICA e ORPLANA) criaram um grupo técnico e econômico que
formulou o sistema de remuneração da tonelada de cana pela Qualidade/
CONSECANA (quilos de ATR) em substituição ao até então vigente,
desde 1982, Sistema de Pagamento da Cana pelo Teor de Sacarose
(PCTS) (PEDROSO JÚNIOR, 2008, p. 89).
A transação T1 do SAG do Etanol24 se distingue pelo equilíbrio
econômico baseado no sistema CONSECANA-SP de precificação da cana-
de-açúcar. No entanto, é discutível que ocorra essa mesma harmonização
ao se analisar essas transações do ponto de vista organizacional. Como
se verá adiante, a estabilidade da estrutura de governança tem sido
fortemente afetada pelas recentes inovações institucionais concernentes
à sustentabilidade do SAG, mencionadas no capítulo 1.

2.1. AS TIPOLOGIAS CONTRATUAIS DA TRANSAÇÃO T1


DO SAG DO ETANOL

Conforme se analisou no capítulo 1, do ponto de vista


organizacional, os arranjos da T1 podem incorporar diversos níveis de

24. Ver descrição do SAG no capítulo 1.


FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 71

integração entre os segmentos agrícola e industrial, a saber: i. à vista;


ii. fornecimento sem CCT25; iii. fornecimento com CCT; iv. parceria
agrícola; e v. arrendamento; e vi. produção em área própria (integração
vertical) (PEDROSO JÚNIOR, 2008, p.99).
Apesar de essas transações terem em comum a finalidade última
de garantir o suprimento de matéria-prima à agroindústria, elas se
diferenciam, pois pressupõem relações distintas no que diz respeito ao
uso e exploração da terra e, portanto, ao objeto transacionado. Nas
modalidades à vista e de fornecimento, transaciona-se o produto agrícola
(T1); nas modalidades de parceria e de arrendamento, transaciona-se a
terra, como insumo para a produção da matéria prima industrial (T0).
Feitas essas considerações, podemos identificar e classificar as transações
T1 do SAG de acordo com os seguintes tipos contratuais:

a) Compra e venda simples – Ocorre na transação em mercado


spot, em que não há compromisso de longo prazo entre produtor e
processador. Corresponde ao modelo de transação mencionado na
literatura como “à vista”.
b) Fornecimento – Constitui um contrato atípico, que se dá por
meio de um todo de obrigações fracionadas, de compra e venda de
todas as safras de um ciclo produtivo (VENOSA, 2009), sendo o aspecto
organizacional relevante, já que se estabelece uma relação de duração
(GOMES, 2009) e de mútua dependência entre as partes (NEVES et al,
2007).
c) Parceria Canavieira – Ocorre quando as atividades agrícolas
são compartilhadas por mais de uma firma. Mais importante do que o
aspecto transacional, de troca de bens e serviços, é a função colaborativa
do contrato (MESSINEO, 1973), visto que as partes partilham entre si
os ônus e as responsabilidades de um fim comum (a lavoura da cana-
de-açúcar).

A parceria canavieira pode se dar entre dois produtores que, depois,


comercializam juntos o produto com o processador, celebrando a T1
com o mesmo (C na Figura 2). Esta transação se dá por meio de um dos

25. Conforme descrito no capítulo 1, CCT é abreviação de corte, carregamento e transporte, que
constituem as operações de colheita e entrega da cana-de-açúcar na indústria mediante o
corte, manual ou mecanizado, carregamento em guinchos ou transbordo em máquinas
próprias para os caminhões-gaiola e, por fim, transporte até a “esteira” de recepção no
estabelecimento industrial.
72 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

demais contratos acima mencionados. Em muitos casos, no entanto,


pratica-se uma quase integração vertical, quando o próprio processador
(C) assume parte das atividades agrícolas. É o caso do chamado
“fornecimento com CCT”.

2.2. AS RECENTES ALTERAÇÕES INSTITUCIONAIS


VOLTADAS À SUSTENTABILIDADE E O SEU IMPACTO
NOS CONTRATOS DA TRANSAÇÃO T1

Conforme estabelecido no capítulo 1, a necessidade de adoção de


padrões mais rigorosos de sustentabilidade no SAG do etanol trouxe à
baila duas importantes inovações no ambiente institucional, com
verdadeiros impactos na atividade das firmas do segmento agrícola
(A). Em primeiro lugar, a legislação ambiental, desde o final da década
de 1990, passou a sofrer modificações para proibir, de acordo com
cronograma progressivo, a utilização da queima controlada como
método facilitador da colheita da cana-de-açúcar. Em segundo lugar, a
legislação trabalhista incorporou obrigações para garantir um maior
bem estar dos trabalhadores no campo, especialmente na lavoura
canavieira.
Levando em consideração o modo de produção da cana-de-açúcar,
pode-se concluir que essas mudanças institucionais impactaram
especialmente as operações de CCT, feitas pelos produtores rurais (A).
As operações de colheita manual da cana-de-açúcar se tornaram
proibidas, por força da vedação à necessária queima da palha, ou se
tornaram impraticáveis, por força das exigências trabalhistas, custosas
e de baixa assimilação cultural, por parte de empregados e
empregadores.
O impacto dessas alterações para as operações de CCT é significa-
tivo. As operações de colheita têm procedimentos completamente
diferentes na colheita manual e na mecanizada. Ao mecanizar a colheita,
o produtor necessariamente é induzido a substituir não só o procedimento
de CCT, mas também a infraestrutura e as máquinas nele empregadas.
Além do alto custo de aquisição das colheitadeiras, a cana colhida
mecanicamente é picada, deixa de ser “enleirada”26 e carregada por
guinchos, e passa a ter que ser carregada em máquinas especiais de

26. Enleirar: verbo habitualmente utilizado no meio rural para designar o ato de leirar/aleirar, ou
seja, amontoar a cana colhida, de modo a evitar a erosão do solo e facilitar o seu carregamento
pelos guinchos.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 73

transbordo27. O carregamento também é substituído por caminhões com


carroceria de “gaiola”, diferentes daqueles utilizados para transporte
da cana colhida manualmente.
Apesar do custo de produção da cana colhida mecanicamente ser
menor ou equivalente ao daquela colhida manualmente, os custos de
adoção da nova tecnologia e o aumento na complexidade das operações
são consideráveis. Essas complicações representam barreiras para que
os produtores de pequeno e médio porte adiram aos novos padrões de
sustentabilidade.
Além disso, não se conhecem exatamente, até o presente momento,
os custos indiretos da mecanização. Poucos estudos realizados foram
capazes de identificar as conseqüências da mecanização para a
produtividade da lavoura no longo prazo, para o rendimento industrial
e para a disseminação de pragas e outras enfermidades que possam
acometer a planta da cana-de-açúcar. Na maioria das vezes, nos
canaviais mecanizados, a palhada não é queimada, o que pode contribuir
para a disseminação de doenças nos canaviais. Além disso, as sobras
de “bitucas”28 e as falhas de plantio e colheita são maiores. Finalmente,
a cana colhida mecanicamente, por ser processada picada e com sobras
de palha, pode ter um menor rendimento na fabricação de álcool e de
açúcar. Todos esses fatores certamente causam o aumento do custo de
produção dos produtos do Sistema Agroindustrial.
As estatísticas demonstram, no entanto, que essas dificuldades não
têm impedido a crescente e rápida mecanização da colheita. Em estudo
do Instituto de Economia Agrícola do Estado de São Paulo, Fredo et.al
(2008) demonstram que, já em 2007, o índice de mecanização das
lavouras de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo, foi de 40,7%, tendo
chegado a 67% em algumas regiões, como a de Orlândia.
Sem dúvida, a razão da incorporação da nova tecnologia,
independentemente do incremento de custos, encontra-se nas alterações
institucionais comentadas no capítulo 1. Quais seriam os reflexos dessas
alterações no modo de produção em termos organizacionais e de
competitividade no SAG? A seguir, examinamos o “caso da Fazenda
Favorita”, que nos servirá para ilustrar algumas conclusões para essa
indagação.

27. As máquinas de transbordo são implementos agrícolas puxados por tratores, dotados de
caçambas basculantes, que acompanham as colheitadeiras, recolhendo a cana picada que
é extraída do canavial.
28. Bitucas são as ponteiras das canas que sobram nos canaviais após a colheita.
74 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

O CASO DA FAZENDA FAVORITA29

A Fazenda Favorita é empresa rural de referência no fornecimento de cana-


de-açúcar na cidade de Barretos, Estado de São Paulo. Administrada por
empresa familiar estende seus canaviais por aproximadamente 2.500
hectares, dos quais 20% são em terras próprias e o restante em terras
exploradas em regime de parceria agrícola com os respectivos proprietários.
A produção é comercializada essencialmente com uma usina processadora
tradicional da região, inaugurada no final da década de 1970 e construída a
partir de incentivos governamentais. O empresário da Fazenda Favorita é
acionista minoritário dessa usina e, por conta do seu histórico de
relacionamento e da importância da participação do seu fornecimento em
relação à moagem total da usina, possui uma relação próxima com a diretoria
da indústria.
Até meados de 2007, a produção da Fazenda Favorita era totalmente
independente da processadora. Embora a quase totalidade da cana fosse
entregue para a mesma usina, o fornecimento era garantido por acordos
informais, sem a formalização de contrato. Todas as atividades de plantio,
tratos culturais, corte, carregamento e transporte eram realizadas pelo
produtor, que contratava diretamente mais de 400 empregados por safra.
Os trabalhadores eram admitidos com registro de contrato de trabalho em
carteira, intervalos inter-jornadas, descanso semanal remunerado, férias,
fundo de garantia, INSS, equipamentos de proteção individual, instalações
para o bem estar e etc., em respeito às normas trabalhistas.
Segundo o relato dos empresários, o fato de ter suas próprias frentes de
corte, controlar a queimada e a colheita dos talhões e ter frota própria de
guinchos e caminhões para o carregamento e o transporte da cana até a
esteira da usina, trazia à Fazenda Favorita consideráveis ganhos de
produtividade e de poder de barganha. Com efeito, sempre se pôde garantir
a colheita do melhor talhão possível, no momento ideal, com cuidados
específicos nas operações. Além disso, por não ter contrato formalizado e
independência nas operações, o fornecedor fortalecia seu poder de barganha
perante a usina processadora, sobretudo ao estimar as cotas de moagem
diária e a distribuição das entregas ao longo da safra.
A partir de 2007, no entanto, a Fazenda Favorita foi obrigada a passar por
um processo de reestruturação. Inicialmente abandonou o corte, que era
feito manualmente, por funcionários contratados diretamente. O corte
continuou sendo feito por frentes de trabalho, manualmente, mas desta vez
contratados pela usina, diretamente ou por firmas especializadas em
terceirização. Posteriormente, a partir de 2009, a firma retirou-se
gradualmente das operações de carregamento e de transporte da cana-de-

29. O caso mencionado foi relatado pelo empresário proprietário da Fazenda Favorita, P.T.C.,
que preferiu ter sua identidade preservada.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 75

açúcar. Recentemente, a colheita passou a ser mecanizada pela usina. Em


parte da lavoura, respeitada a meta de redução prevista pelo Protocolo
Agro-ambiental, persiste a queima da palha do canavial, mesmo com o corte
mecanizado, para melhorar o rendimento da colheitadeira e diminuir os
custos de transporte e de transbordo. Os motivos preponderantes para o
abandono das atividades de “CCT” pela Fazenda Favorita, segundo os
empresários, foram os seguintes: a) o aumento do custo de cumprimento
das obrigações trabalhistas, sobretudo após a aprovação, pelo Ministério do
Trabalho, da NR 31; b) o risco com demandas na Justiça do Trabalho; c) o
aumento do risco de realização do corte manual da cana, seja em virtude de
alegadas infrações ambientais, seja em virtude de alegação de que a jornadas
dos trabalhadores era exaustiva; d) a necessidade de vultosos investimentos
para a mecanização do CCT, seja na aquisição de colheitadeiras, seja na troca
do restante do parque de máquinas, especialmente guinchos e caminhões;
e) a dificuldade de capacitação de mão de obra, gerencial e operacional, para
a alteração do modo de realização das atividades de CCT.Embora o resultado
das colheitas feitas pela usina tenha sido satisfatório, os empresários
entendem que, nesse novo modelo de negócio, a Fazenda Favorita perdeu
em competitividade, margem de manobra em relação à estrutura de custos
e poder de barganha em relação à processadora. Além disso, incrementaram-
se os custos de monitoramento, uma vez que são severos os riscos de queda
de produção e de longevidade do canavial. Nos casos em que há descuido
com relação às atividades agrícolas, especialmente no corte e no carregamento
da cana, com risco de pisoteio, abandono de bitucas e contaminação do
canavial por doenças, pode haver grandes perdas para o produtor rural.Por
ter ficado mais vulnerável e dependente do seu relacionamento com a
indústria, sem liberdade e mobilidade na entrega da sua produção, os
empresários da Fazenda Favorita tendem a formalizar os acordos e a
contratação da obrigação de fornecimento e de aquisição continuada de toda
a safra. Além disso, é preocupante o risco de incremento abrupto nos custos
do CCT realizado pela usina, sobretudo caso a processadora venha a ser
incorporada por um grande grupo de processamento e/ou de
comercialização, o que é um risco evidente diante do processo de consolidação
que vive o setor sucroalcooleiro. No médio prazo, caso se demonstre
economicamente viável e haja uma alteração da percepção de risco ligado a
posturas ambientais e trabalhistas dos órgãos públicos, os empresários da
Fazenda Favorita pretendem voltar a investir na realização das atividades
de CCT, com mecanização do máximo de operações e emprego menos
intensivo de mão de obra braçal. Se isso não for possível, a atividade de
fornecimento poderá ficar inviável, obrigando os empresários a abdicar de
permanecer na atividade como fornecedores de cana-de-açúcar e aderir,
nas áreas próprias, à tendência de verticalização.
76 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

O caso da Fazenda Favorita ilustra que a adoção do corte


mecanizado da cana-de-açúcar não foi apenas motivada pela proibição
da queimada da palha. Pelo contrário, mesmo com o corte mecanizado,
muitas vezes as firmas continuaram com a queimada. Mais importantes
que as preocupações ambientais, portanto, foram as exigências da
legislação trabalhista que tornaram inviável a manutenção do corte
manual, especialmente por parte dos pequenos e médios produtores.
Além disso, o caso também mostra que essas modificações
institucionais ligadas à sustentabilidade foram responsáveis por grandes
alterações na estrutura de governança do SAG. Com efeito, pequenos e
médios produtores agrícolas, antes fornecedores individuais de matéria
prima agrícola para as usinas processadoras, passaram a ter que contar
com a ajuda de parceiros para a realização das suas atividades.
Essa conclusão é referendada pelo parecer de empresários e
formadores de opinião ligados ao setor sucroalcooleiro30, que mencionam
a crescente importância da estrutura de governança do contrato de
“fornecimento com CCT”, com assunção pela indústria de atividades
tipicamente agrícolas (de colheita).

2.3. ANÁLISE DOS CONTRATOS DE FORNECIMENTO COM


CCT SOB A ÓTICA DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE E DA
SUSTENTABILIDADE DA ESTRUTURA DE GOVERNANÇA

Como se observou na sessão anterior, uma das implicações da


dificuldade de realização da colheita mecanizada pelos produtores rurais
foi o crescimento da utilização do contrato de fornecimento com CCT.
Essa alternativa de transação reflete-se em novas dificuldades para os
agentes do SAG do ponto de vista organizacional, já que se ocorre um
descasamento de direitos de propriedade. Enquanto os riscos da
produção mantêm-se de responsabilidade exclusiva do produtor-
fornecedor (A), o processador (C) passa a assumir direitos de decisão
em relação à colheita, com importantes reflexos no resultado da
atividade agrícola do primeiro.
Quando os agentes contratam o fornecimento com CCT, a usina é
que determinará, controlará e gerenciará as atividades de corte,
carregamento e transporte (CCT). Assim, o momento de colheita da

30. Foram entrevistadas pelos autores diversos representantes de entidades, sindicatos e


empresas ligadas ao setor agrícola em geral e sucroalcooleiro em específico, os quais
solicitaram não ser nominados.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 77

cana-de-açúcar dependerá de sua estratégia empresarial. Também o


rendimento da colheita dependerá de sua capacidade e perfeição técnica
nas operações. Por último, as condições de saúde fito-sanitária e de
sustentabilidade na produção da cana-de-açúcar dependerão de políticas
ambientais, trabalhistas e sanitárias.
Todos os elementos acima mencionados têm impacto direto nas
atividades do produtor (A). Este poderá não só perder renda com a
baixa qualidade da cana-de-açúcar fornecida para a usina, como também
ser obrigado a arcar com passivos decorrentes da infringência de
obrigações legais trabalhistas, ambientais e agrárias pela usina. Por
último, nos casos em que a colheita é mal procedida pode-se danificar
as soqueiras31, comprometendo o rendimento de colheitas futuras. A
título de ilustração do problema, apresenta-se o caso da “Fazenda 5S”.

O CASO DA FAZENDA 5S32

A Fazenda 5S, na região de Rio Verde, Estado de Goiás, era tradicionalmente


explorada pelos seus proprietários com o plantio de grãos, especialmente
soja. A partir do boom do setor sucroalcooleiro ocorrido em 2006, logo após
a grande crise da soja em 2004, os proprietários da Fazenda 5S repensaram
as suas atividades agrícolas e decidiram diversificar, mediante o plantio de
cana-de-açúcar em uma parte da propriedade, para fornecimento a uma
usina da região.
Os produtores arcaram com o custo do plantio e, para garantir o retorno do
investimento, contrataram com a processadora o fornecimento da cana-de-
açúcar por todas as seis safras esperadas do canavial, ao preço estabelecido
pelo Consecana-SP (mix da Usina). Além da obrigação continuada de compra
e venda da cana-de-açúcar, as partes acertaram que o produtor poderia
optar por fazer o CCT ou realizar um contrato com a processadora, que
passaria a arcar com as operações de colheita. Nessa hipótese, o pagamento
do CCT seria feito de acordo com a quantidade de cana-de-açúcar fornecida
à Usina, ou seja, a maior produtividade da lavoura beneficiaria ambas as
partes (produtor e processador).

31. Soqueiras: a sobra de raízes e bitucas de canas que ficam no solo após o corte/colheita e que
rebrotam espontaneamente possibilitando novos cortes em safras futuras.
32. A descrição do caso da Fazenda 5S foi elaborada a partir dos elementos constantes dos
autos judiciais da ação de rescisão contratual cumulada com pedido de indenização que corre
perante a 2ª vara cível da Comarca de Rio Verde (GO), processo número 2009.01.789.377.
78 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Chegado o momento da colheita, os fornecedores não tiveram como organizar-


se para fazer o CCT e se utilizaram da opção contratual de “quase-integração”,
passando as atividades de colheita para a processadora. Durante a safra de
2008/09 diversos conflitos surgiram entre os agentes. Com efeito, o produtor
entendeu que o seu canavial tinha sido seriamente danificado por erros da
processadora em conduzir os processos de colheita, tais como o pisoteamento
das soqueiras e a introdução de pragas e doenças no canavial, causando-lhe
diversos prejuízos, especialmente pela diminuição da longevidade e da
capacidade produtiva do canavial.A disputa culminou em ações judiciais de
indenização e de rescisão contratual, movidas reciprocamente pelas partes.
A principal alegação foi de que os erros de gestão e de decisão da processadora
no processo de colheita/CCT foram responsáveis por sérios prejuízos do
produtor. Embora o contrato de fornecimento tivesse previsto que o produtor/
fornecedor arcaria sozinho com o risco da lavoura, os prejuízos sofridos na
queda de safra foram atribuídos integralmente a erros nas atividades agrícolas
efetivadas pela usina.O conflito somente pôde se resolver após a formulação
de transação na qual a processadora assumiu integralmente o canavial dos
empresários da Fazenda 5S, passando de um sistema de governança de
“quase integração” (fornecimento com CCT) a uma estrutura de governança
de total integração vertical, com cessão do fundo rústico para que a usina
processadora assumisse todas as atividades agrícolas.

O estudo do caso da “Fazenda 5S” é ilustrativo dos problemas


gerados pela má definição dos direitos de propriedade. A assimilação
do CCT pela usina processadora pode colocar em risco a estabilidade
da transação T1 e até mesmo inviabilizá-la, levando à quebra contratual
ou à integração vertical. Com efeito, as atividades de CCT, já descritas
acima, são complexas e têm enorme influência na produção e na
viabilidade do canavial. Sobretudo quando se trata do corte mecanizado,
intensivo no uso de maquinário pesado, são grandes os potenciais riscos
à integridade da lavoura.
Por esse motivo, quando há uma quase-integração entre fornecedor
e processador, com transferência das atividades de CCT do primeiro
para o segundo, o conflito de interesses necessariamente surge para
afetar a variável organizacional da sustentabilidade da transação.
Contrariando a intenção primeira do contrato de fornecimento, nos
contratos de “fornecimento com CCT”, a indústria processadora deixa
de ser mera adquirente e passa a integrar ativamente as atividades
agrícolas. No entanto, na maioria das vezes, o contrato não prevê uma
repartição das perdas de produtividade e de renda que podem ser
ocasionadas por problemas causados por erros nas operações de CCT.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 79

Em outras palavras, o processador assume direitos de propriedade


sem as responsabilidades que lhes são correspondentes. Os eventuais
ganhos de produtividade e de rendimento motivados pelas operações
de colheita beneficiam ambas as partes. As perdas, no entanto,
concentram-se como encargo do produtor, mesmo tendo sido causadas
por decisões e atividades do processador.

2.4. CONCLUSÃO: OS EFEITOS DA SUSTENTABILIDADE


NAS TRANSAÇÕES ENTRE PRODUTOR E PROCESSADOR

Conforme as discussões apresentadas, conclui-se que as


preocupações com o caráter social e ambiental da sustentabilidade do
SAG do etanol provocaram importantes mudanças. Houve alterações
não só no modo de produção e na tecnologia empregada na produção
agrícola, evidenciada pela crescente mecanização da lavoura, mas
também nas transações entre os agentes do SAG, com mudanças nos
arranjos de governança.
As restrições impostas limitam a atuação viável de produtores
independentes no fornecimento da cana-de-açúcar, sobretudo os de menor
escala. Estes, para não serem obrigados a deixar a atividade canavieira,
são impelidos a integrar-se parcialmente às usinas processadoras,
contratando sob a estrutura de governança chamada habitualmente de
“fornecimento com CCT”. Essa modalidade contratual pode fazer emergir
conflitos decorrentes do descasamento dos direitos de propriedade,
inviabilizando o próprio contrato de fornecimento, que seria sua causa
final, pondo em risco a viabilidade do fornecimento individual.
Pode-se afirmar, finalmente, que, se a mecanização contribuiu
consideravelmente para a sustentabilidade do processo de produção,
não se atingiu, até o presente momento, a necessária estabilidade e o
fundamental equilíbrio da transação entre produtor e processador (T1).
Por isso, é necessário que se discutam novas soluções de governança
capazes de absorver essas mudanças de tecnologia, garantindo,
simultaneamente, sustentabilidade ambiental, social e organizacional
aos agentes do SAG.
Capítulo 3

Análise dos contratos de


comercialização e de
exportação de etanol33

Neste capítulo será analisada a governança do setor, bem como


serão detalhados alguns aspectos dos modelos dos contratos observados,
fazendo-se uma abordagem sustentável, quando esta for aplicável. E,
devido ao peso do frete na formação de preço final do produto, será
feita uma apresentação de como ocorre a valoração deste fator na
comercialização do etanol.

3.1. A ESTRUTURA DE GOVERNANÇA DO SETOR

As três estruturas básicas de governança: mercado, contratos e


integração vertical34, puderam ser identificadas nas relações estudadas.
Foi observado um único caso de integração vertical. Esse caso é o da
movimentação de integração para frente feito pela Cosan, maior
produtora de etanol brasileiro, sobre a operação de distribuição de
combustíveis da Esso, subsidiária da multinacional Exxon-Mobil.
A comercialização por meio do mercado spot35 é observada tanto
para o etanol anidro como para o hidratado, sendo que é mais freqüente
no mercado de hidratado. O mercado spot é responsável por,
aproximadamente, 20% a 30% do volume de anidro e 60% a 70% do

33. A descrição da comercialização de etanol está baseada em entrevistas, realizadas em 2007


e 2008 com agentes do setor, já mencionadas em seções anteriores.
34. Este arranjo ocorre quando o agente internaliza um estágio da cadeia de valor para reduzir os
custos de transação, ou quando os recursos ou potencialidades daquele estágio são mais
caros ou não existem no mercado. A integração pode ser para frente, como no caso da
COSAN, ou para trás, quando, por exemplo, a usina compra uma área e assume a produção,
desenvolvendo o cultivo e a colheita do insumo.
35. Mercado spot: quando negócios são celebrados nas bolsas de mercadoria de forma pontual.
A quantidade de determinada mercadoria pré-especificada é negociada, mediante pagamento
à vista.
82 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

volume de hidratado, comercializados com destino ao mercado interno


brasileiro. Conseqüentemente, os contratos são observados na
comercialização de 70% a 80% do anidro e apenas em 30% a 40% do
hidratado.

3.2. O CONTRATO ADOTADO NO CENTRO-SUL36

Os contratos de abastecimento de etanol, tanto anidro como


hidratado, têm um perfil bastante padronizado, ou seja, variam muito
pouco em conteúdo, quando adotados por diferentes agentes.
Todavia, pode-se notar que alguns instrumentos, principalmente
aqueles celebrados por agentes com atuação direta no mercado de
exportação, trazem cláusulas que exigem das vendedoras a adoção de
práticas sustentáveis, ou seja, que as mesmas assegurem no contrato
que cumprem as normas pertinentes à proteção do meio ambiente e a
condições dignas de trabalho.
São fixadas cláusulas que atribuem responsabilidade ambiental
pelo agente que vier a causar dano desta natureza, prevenção de
acidentes, realização de auditorias e comprometimento das partes em
observar toda e qualquer norma que diga respeito às operações ali
negociadas que prejudiquem terceiros, tendo em vista a função social
dos contratos.
Não obstante, de modo geral, o contrato estabelece: i. volume de
etanol a ser comercializado; ii. freqüência de entrega; iii. período de
vigência, e iv. regra para calcular o preço que, na prática, deverá ser
derivado do indicador ESALQ37.
A vigência dos contratos costuma ser de um a dois anos, atrelados
ao ano-safra ou ao ano civil. Apesar de existirem contratos de até três
anos, os contratos são efetivamente desenhados para um ano, com
cláusulas que permitem a sua renovação por meio da celebração de um
termo aditivo contratual.

36. A pesquisa se concentrou na região Centro-Sul do Brasil, formada pelas regiões sul, sudeste
e centro-oeste. De acordo com dados da UNICA, a produção de etanol na citada região
correspondeu a 91,24% do etanol produzido no Brasil na safra 08/09. (ÚNICA, 2010).
37. Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) calcula e divulga um indicar
de preço para o hidratado e para o anidro. Este centro oferece dois indicadores por produto
para região do Estado de São Paulo: um semanal e outro mensal. Estes indicadores referem-
se à ponderação das consultas feitas nesta região sobre os preços referentes aos negócios
efetivamente concluídos entre usinas e distribuidoras, no mercado spot, neste momento.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 83

O contrato determina um volume a ser comercializado


mensalmente entre as partes, bem como as retiradas do produto. As
mais comuns são retiradas semanais ou quinzenais. Apesar do
estabelecimento de um cronograma, admite-se a flexibilização das datas
determinadas para que os agentes tenham a possibilidade de ajustar as
datas às suas necessidades conjunturais.
O preço é estabelecido a partir do indicador ESALQ, resultado de
um eventual desconto ou acréscimo ao valor do indicador do momento
da retirada. Quando existe desconto sobre o indicador, o contrato é
chamado ESALQ negativo, e quando é negociado um acréscimo, é
chamado ESALQ positivo.
O desconto, ou o prêmio, é equacionado de duas maneiras básicas:
como uma porcentagem do indicador, ou como um valor fixo. Também
existem algumas variações no que diz respeito à escolha do indicador
ESALQ. O contrato pode prever a incidência do indicador da própria
semana da transação, da semana anterior à transação, ou alguma outra
composição métrica à data da transação.
O diferencial logístico de cada usina impacta diretamente no
resultado das negociações de desconto com as distribuidoras38. O frete
das usinas às distribuidoras é responsável por, aproximadamente, 4,4%
do valor transacionado no Estado de São Paulo, e chega a 5,9% para
todo o território nacional (SINCOPETRO, 2007; XAVIER, 2008).
O Estado de São Paulo é o maior produtor de etanol do país,
respondendo por cerca de 60% do total produzido no centro-sul. A
produção está concentrada na região oeste do estado, e a maioria das
usinas que estão fora do estado também mantém proximidade a esta
região, conforme ilustra a Figura 5 apresentada a seguir.

38. Além do diferencial logístico, a negociação depende do poder de barganha de cada agente.
84 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Figura 5: Disposição geográfica das usinas no centro-sul do Brasil


FONTE: Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa Energética (2005)

O consumo do produto está concentrado nos grandes centros


urbanos, como a cidade de São Paulo. O etanol flui da área produtiva
para os centros consumidores e para o Porto de Santos. Assim, o fluxo
básico de escoamento do produto acaba sendo do interior do estado de
São Paulo para a capital, como mostra a Figura 6.

Figura 6: O diferencial logístico


FONTE: Elaborado com base nas entrevistas
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 85

No jargão do mercado, diz-se que o etanol “desce”, ou seja, parte da


produção das usinas abastece os mercados locais e o restante é enviado a
grandes centros consumidores, no sentido do noroeste ao sudeste paulista.
O maior centro consumidor é o mercado paulistano e, a partir de São
Paulo, o etanol é enviado ao Rio de Janeiro e ao Porto de Santos.
De acordo com essa dinâmica, será sempre mais caro enviar etanol
para a cidade de São Paulo, quanto mais distante uma usina estiver deste
ponto. Convencionou-se chamar a posição em Ribeirão Preto de “Frete
Zero”, devido à sua proximidade da cidade de São Paulo e a sua grande
capacidade produtiva. Dessa forma, como se pode acompanhar no exemplo
da Figura 6, o frete da região de Araçatuba, onde se encontra a Usina C, é
positivo e maior que o frete de São José do Rio Preto, onde se encontra a
Usina B. O frete da região onde está localizada a Usina A é considerado
negativo, pois está além de Ribeirão Preto em direção a São Paulo.
No exemplo da Figura 6, pode-se esperar que uma distribuidora
com base em São Paulo feche contrato com a Usina A no valor referente
ao indicador ESALQ, com a Usina B em ESALQ menos 1%, e com a
Usina C em ESALQ menos 2%.
Vê-se, portanto, a relevância do diferencial logístico no modelo
básico de construção do contrato, em que o preço é sempre calculado
posteriormente ao momento da contratação. Além dessa forma de
contratação, também existem agentes que se utilizam de contratos
informais, caracterizados pela inexistência de formalidade jurídica. No
caso dos contratos informais, existe um compromisso dos agentes em
manter a comercialização ativa, na qual eles chegam a combinar um
volume a ser transacionado em determinado período. Quanto ao preço,
o contrato informal segue o mesmo padrão do formal, ou seja, negocia-
se um valor que reflita o valor médio do mercado spot no momento da
transação. Estima-se que 20% dos contratos seguem esta opção.
É válido mencionar que, tais acordos de vontade, mesmo que
caracterizados pela inexistência de um documento dotado de formalidade,
não permitem que os agentes não ajam de acordo com os usos e costumes
deste tipo de contratação, mantendo uma conduta uniforme, pautada na
boa-fé objetiva39, não somente no que tange ao preço.

39. Sobre o princípio da boa-fé objetiva ensina Gomes que “Nos contratos há sempre interesses
opostos das partes contratantes, mas sua harmonização constitui o objetivo mesmo da
relação jurídica contratual. Assim, há uma imposição ética que domina toda a matéria
contratual, vedando o emprego da astucia e da deslealdade e impondo a observância da boa-
fé e lealdade, tanto na manifestação de vontade (criação do negócio jurídico) como,
principalmente, na interpretação e execução do contrato” (2009, p. 42).
86 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

3.3. A ESTRATÉGIA DAS USINAS

Considerando que o etanol é uma commodity, a estratégia de custo


é fundamental para a lucratividade das firmas. A produção industrial
do etanol caminha atrelada à produção agrícola, e não à área de vendas.
A cana tem um peso muito grande sobre os custos de produção do
etanol40, e as peculiaridades de seu ciclo produtivo coordenam a produção
da usina.
Após iniciada a safra, a margem de manobra do usineiro para
redirecionar sua produção entre açúcar e etanol é muito baixa, algo
em torno de 10% do volume total de cana esmagado, o que aumenta
ainda mais o efeito do andamento da colheita sobre o da
industrialização (RODRIGUES, 2007).
Para obter um aproveitamento ótimo do canavial, a produção
acompanha a programação da colheita da cana ao longo da safra,
pois, como já mencionado em momento oportuno, quarenta e oito horas
após a colheita, a cana se degrada perdendo significativamente sua
qualidade para a industrialização (MORAES, 1999; WAAK et al, 1998).
Uma estratégia que, além de ser fator de redução de custos,
representa potencial fonte de energia limpa e competitiva, é a geração
de eletricidade a partir da biomassa (bagaço da cana).
Além dos fatores já mencionados, a geração deste tipo de
bioeletricidade se destaca pelo fato da safra da cana se dar em tempos de
estiagem no Sudeste e Centro-oeste, representando uma possível
complementaridade importante no suprimento de energia elétrica no país.
Ademais, ressaltados os aspectos sustentáveis desta alternativa,
não se deve cogitar apenas sua função minimizadora dos custos, mas
também a capacidade de aumento da rentabilidade por meio da venda
de créditos de carbono (CASTRO, BRANDÃO, DANTAS, 2009).

3.3.1. A política de vendas das usinas

Diante de uma produção industrial atrelada ao andamento da


colheita de cana, cada agente irá se preocupar em comercializar da
melhor forma possível seu produto, enquanto ele é produzido41,
inexoravelmente, de acordo com a safra agrícola.

40. Segundo o CONSECANA, a cana é responsável por 62,1% do custo de produção do etanol
(CONSECANA, 2006)
41. No sentido de processado, fabricado.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 87

3.3.1.1. Garantia de fluxo de caixa

Mesmo não sabendo exatamente qual será o preço do etanol durante


a safra, a usina precisa estabelecer uma programação de vendas que
faça frente às suas despesas ao longo do tempo. Como as despesas
estão vinculadas à produção industrial e, conseqüentemente, ao
andamento da colheita da cana, parte das vendas precisará acompanhar
este processo para que haja equilíbrio no fluxo de caixa da empresa.
Para garantir este alinhamento as usinas adotam determinações que
estabelecem a quantidade de produto que a usina pretende manter em
estoque, durante certo período.
Desta forma, à medida que a usina fecha um contrato com uma
distribuidora, assumindo o compromisso de disponibilizar uma
determinada quantidade de etanol, numa determinada data, ela resolve
seu problema de garantia de fluxo de caixa, pois, mediante o contrato,
tem a venda do produto garantida. Ao proceder desta forma, seu produto
passa a carregar uma especificidade temporal, além da especificidade
locacional que já possuía devido à localização particular da usina.
Apesar dos descontos com a contratação, a usina não adota uma
programação própria utilizando o mercado spot com o indicador ESALQ
devido à falta de liquidez do mercado, que impossibilita que esta tenha
comprador para o seu produto em todos os momentos.
Por isso, as firmas optam por um misto de contratos e mercado
spot. Ou seja, dependendo da avaliação do risco de cada empresa, esta
se apóia no mercado spot com a intenção de planejar sua venda frente
a determinado fluxo de caixa. Essa avaliação também parece depender
do volume que o agente pretende escoar, pois seria mais fácil equacionar
a venda de volumes menores, e da praça na qual a usina está ofertando,
pois quanto mais demandada for a praça, menor será o risco de falta
de liquidez.
Contratos permitem certa previsão de fluxo de caixa, porém
impossibilitam que a empresa especule a melhor posição de vendas no
tempo. Se o agente tiver disposição ao risco, ele preferirá não fechar
contratos, carregar seus estoques, poupar-se do desconto, e tentar vender
seu produto apenas no momento de alta de preço.
Além de disposição ao risco, essa tomada de posição exige fôlego
financeiro para não comprometer seu fluxo de caixa enquanto carrega
seu estoque. Ademais, uma usina deve ter a estrutura de armazenagem
adequada para se propor a carregar estoques sendo que, nesse caso, a
tancagem deve ser maior do que a das que não se propõem a isso.
88 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Como já explicitado, a produção do etanol acompanha a safra de


cana o que cria certo perfil de produção e, conseqüentemente, de oferta.
De acordo com esse perfil, espera-se que em dezembro, fim da safra, e
nos meses da entressafra: janeiro, fevereiro e março, os preços estejam
elevados. À medida que a produção se inicia, os preços começam a
cair. Geralmente, o patamar mais baixo é alcançado entre maio, junho
e julho, começando novamente a subir, a partir daí, até o fim da safra
(BACCHI, 2006). Usinas com disposição ao risco irão buscar o melhor
momento para vender seu etanol dentro dessa dinâmica.
Agentes tomadores de risco procuram vender apenas no momento
em que eles supõem que o preço está melhor do que o valor médio do
indicador, pois, um resultado igual à venda neste valor médio seria o
resultado obtido vendendo de forma linear, sem especulação, como no
caso da opção por contratos. Assim, no momento em que o preço é mal
avaliado por estes agentes, eles saem do mercado e levam seus estoques
até o momento em que o preço volte a ser atrativo.

3.3.1.2. A organização dos agentes em grupos de


comercialização

Como já tratado no primeiro capítulo, as usinas procuram formar


grupos de comercialização, pois percebem que desta forma podem
usufruir de economias de escala, além de aumentar seu poder de
barganha frente às distribuidoras, durante a comercialização do etanol.
Vendendo conjuntamente, as usinas podem utilizar o mesmo capital
humano para gerenciar esta atividade, além de manter um único
escritório para operacionalizar o processo.
O poder de barganha das usinas aumenta à medida que sua
atratividade para as distribuidoras aumenta. Unidas em grupos, as
usinas podem se comprometer a fornecer um grande volume de etanol,
o que interessa às distribuidoras. Tal fato coloca o grupo de
comercialização numa posição melhor do que as usinas conseguiriam
separadamente frente às distribuidoras.
Além do interesse comum em escala e poder de barganha, a
formação dos grupos também é modulada pela afinidade comercial
dos agentes, principalmente o grau de aversão ao risco, e por questões
relacionais.
Vale lembrar que os grupos de comercialização detêm
aproximadamente 50% de toda a venda de etanol das usinas para as
distribuidoras, sendo de grande importância o entendimento de sua função.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 89

3.3.2. A opção de governança das usinas

Somadas aos determinantes apresentados na última seção, quais


sejam, a garantia de fluxo de caixa e a disposição ao risco, as
características peculiares de cada agente desempenham relevante papel
quando da análise de tomada de posição dos mesmos.
Cada usina dispõe de um nível de produção, uma determinada
posição geográfica e um grau de envolvimento em grupos de
comercialização. Estes três fatores determinam, em grande parte, o
poder de barganha de uma usina.
Observando as colocações feitas até o momento sobre as estratégias
e a política de vendas das usinas, pode-se dizer que, de acordo com a
necessidade de garantia de fluxo de caixa e de sua disposição ao risco,
cada usina usará seu poder de barganha para estabelecer, juntamente
com sua contraparte, a estrutura de governança que melhor lhe
convenha.
A seguir serão apresentadas as opções de estrutura de governança
das usinas, iniciando pelas posições tomadas pelos grupos de
comercialização. Informações específicas de cada grupo de
comercialização relacionadas ao tema serão acrescentadas durante o
texto para permitir a compreensão adequada do assunto.
A Copersucar adota o uso de contratos e mercado spot. Esta
cooperativa representa os interesses de 36 usinas, sendo que os contratos
são celebrados entre a própria Copersucar e as distribuidoras de
combustíveis.
As usinas cooperadas têm a obrigação de fornecer à Copersucar
toda a sua produção de etanol e açúcar, referente aos três anos
subseqüentes à sua subscrição. A própria Copersucar negocia e assume
a responsabilidade dos contratos frente às distribuidoras. Neste caso, é
a entidade grupo de comercialização quem tem a voz ativa, ou seja,
quem dá a palavra final na decisão entre contratar ou vender no mercado
spot. Para atuar no mercado spot, a Copersucar tem uma estrutura
interna própria, ou seja, uma mesa de operações para viabilizar suas
vendas.
A Sociedade Corretora de Álcool, SCA, também está envolvida em
vendas spot e via contratos, mas de uma forma diferente da Copersucar.
A SCA não é uma cooperativa e sua função é oferecer a seus associados o
serviço de operacionalização das vendas. A SCA tem uma estrutura interna
própria, uma mesa de operações para atuar no mercado spot e, à medida
que recebe a solicitação de seus associados, ela articula a venda.
90 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Quanto aos contratos, a SCA dá suporte na negociação dos mesmos,


mas o contrato é celebrado pelas usinas e não pela entidade grupo de
comercialização. A SCA detém conhecimento e informação
mercadológica, mas a decisão final entre contratar ou vender no mercado
spot é tomada por cada associado individualmente. Dessa forma, podem-
se encontrar associados que preferem não vender via contratos,
utilizando apenas o mercado spot, como é o caso da Usina Monte
Alegre42, ou associados que usam contratos e mercado spot, como é o
caso do Grupo Moema.
Um número significativo de associados da SCA compõe o Grupo
Crystalsev. A Crystalsev é uma empresa, um grupo de comercialização,
que foi criada por uma série de usinas, entre elas a Santelisa Vale e o
Grupo Moema, para comercializar seus produtos. O açúcar de seus
associados é comercializado diretamente por ela, e o etanol é
comercializado por meio da SCA no mercado spot e via contratos. No
caso da Crystalsev, diferente da Copersucar, são as próprias usinas que
mantêm contrato com as distribuidoras de combustíveis. A Cosan, maior
produtora nacional de etanol, também usa os serviços da SCA, conforme
aponta o site desta corretora.
A Bioagência não atua na comercialização via contratos, apenas
no mercado spot. Seus associados não utilizam contratos. Da mesma
forma que os outros grupos citados anteriormente, a Bioagência conta
com uma estrutura interna de mesa de operação e oferece o serviço de
articular a venda spot a seus associados.
No caso da Bioagência, a empresa, assim como a Copersucar e
SCA, também detém informação e conhecimentos mercadológicos, sendo
que a tomada de decisão final de venda, nesse caso, a decisão do
momento de venda, é do associado. Tais associados estão ligados ao
grupo de comercialização não apenas para operacionalizar suas vendas,
mas para utilizar todo conhecimento mercadológico oferecido pelo grupo
para nutrir seu processo decisório quanto ao momento certo de vender.
Os associados não são proprietários do grupo de comercialização.
A CPA Trading também comercializa seu etanol apenas via mercado
spot. Este grupo de comercialização é uma empresa independente cuja
propriedade é de titularidade das usinas associadas a ela. A CPA tem
exclusividade sobre a comercialização de toda a produção de seus
associados e também comercializa a produção de algumas usinas

42. Tanto a Usina Monte Alegre como o Grupo Moema autorizaram a divulgação destas
informações.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 91

chamadas de representadas, que não participam do grupo de


comercialização.
As diferentes opções de governança observadas podem ser
visualizadas no Quadro 4 onde estão relacionadas aos diferentes perfis
dos agentes.

Quadro 4: opções de governança das usinas


FONTE: Elaborado com base em entrevistas

Pode-se concluir que a governança mista entre o mercado spot e


os contratos é a opção de governança que acomoda da melhor forma
os anseios estratégicos das usinas e ainda minimiza os custos de
transação inerentes à comercialização do etanol. A postura da
Copersucar, SCA e da Crystalsev seria um exemplo disto.
Novamente, alguns agentes aparecem com opções diferentes do
mix entre contratos e mercado spot. Estes agentes têm características
intrínsecas muito específicas, o que os leva a adotar uma estratégia
singular.
De acordo com o proposto até agora, a integração vertical
promovida pela Cosan não seria justificável apenas por questões de
otimização logística e garantias de escoamento. Essa “jogada” deve ser
entendida como parte de uma tomada de posição mais ampla e específica
da Cosan, a qual certamente acredita que, apesar de passar a incorrer
em custos maiores, terá mais lucro operando de forma integrada.
92 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Sendo assim, não se espera que outros grupos comprem


distribuidoras, pois a integração vertical não é estrutura de governança
que maximiza o lucro integrado dessa transação, minimizando os custos.
Da mesma forma, a tomada de posição da Usina Monte Alegre,
trabalhando totalmente alavancada no mercado spot, deve ser entendida
como uma posição particular desta empresa, em que seus proprietários
esperam obter um lucro capaz de suplantar as economias que teriam
trabalhando com a governança mista, ao escolher o momento certo para
vender seu estoque. Vale comentar que a Monte Alegre faz parte do Grupo
Adecoagro, o que lhe dá fôlego financeiro enquanto se propõe a isso.
Algumas usinas optam por contratos relacionais. Em alguns casos,
por ser um meio termo no que se refere a assumir um compromisso,
pode representar ser uma opção mais adequada ao seu perfil, capacidade
de produção, e necessidade de garantir seu fluxo de caixa. Em outros
casos, simplesmente não é possível formatar o contrato, como por
exemplo, em regiões afastadas do Estado de São Paulo onde o indicador
ESALQ não retrata a realidade dos preços.

3.4. A ESTRATÉGIA DAS DISTRIBUIDORAS

A estratégia principal das grandes distribuidoras é focar a atenção


no número de pontos de venda para seus produtos. O maior determinante
do sucesso no negócio de distribuição é a capacidade de cada agente
manter e ganhar pontos de venda, o que influencia diretamente sua
capacidade de conquistar e atender determinada fatia do mercado em
questão.
Sem dúvida, existem ações para criar diferenciação no serviço e
até no produto final. Postos de abastecimento oferecem serviços de
conveniência e algumas distribuidoras tentam capturar a fidelidade de
seus clientes ao oferecer um produto mais seguro, livre de contaminações
e de diferentes qualidades e preços.
Somados a estes fatores, deve-se mencionar a iniciativa de algumas
distribuidoras em buscar adquirir o etanol de usinas que adotem práticas
sócio-ambientais condizentes com seus princípios e valores43, que

43. Pode ser mencionado o exemplo do Grupo Shell que estabeleceu princípios que devem
nortear os negócios celebrados pelas companhias que integram o grupo, tais como: respeito
a condições de trabalho dignas e seguras; busca por redução de impactos ambientais; e
colaboração com desenvolvimento das comunidades locais. Informação disponível em:
<http://www-static.shell.com/static/aboutshell/downloads/who_we_are/sgbps/sgbp_
portugal.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2010.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 93

também agregam um diferencial ao produto. Ocorre que, apesar de


estas ações serem importantes, nota-se o número de pontos de venda
atendido pela distribuidora como o ponto central da estratégia das
empresas do setor.
A estrutura da indústria do setor de distribuição de combustíveis é
caracterizada por ser um oligopólio com franja competitiva, no qual as
empresas concorrem fortemente entre si. A competição se baseia em
preço, de forma que as grandes distribuidoras se preocupam em oferecer
a seus franqueados - os donos dos postos de abastecimento - condição
igual ou melhor que as distribuidoras concorrentes oferecem em termos
do preço do combustível a ser revendido.
Quanto menor o preço ofertado pela distribuidora aos seus postos,
maior a margem de lucro que os postos poderão exercer ao revender o
produto. Caso uma distribuidora não consiga ser competitiva neste ponto,
seu franqueado perde o interesse em trabalhar com sua bandeira e,
provavelmente, irá procurar outra bandeira mais lucrativa para
representar, acarretando uma perda no número de pontos de venda
para sua distribuidora de origem.
A grande distribuidora precisa comprar tão bem, ou melhor, que
suas concorrentes para ser competitiva. A distribuição é um negócio de
altos volumes e baixas margens. Por isso, as distribuidoras têm como
estratégia adquirir o combustível em condições de preço adequadas
para garantir a competitividade do franqueado e mantê-lo interessado
em continuar trabalhando sob a bandeira da distribuidora.
As pequenas distribuidoras têm uma estratégia diferente, elas
dedicam seu esforço ao atendimento dos postos bandeira branca,
focando apenas no curto prazo, tentando preencher o espaço não
ocupado pelas grandes. Elas não fazem contratos com as usinas e
adquirem o etanol comercializado no mercado spot. Portanto, na busca
de interstícios do mercado, as distribuidoras precisam ser ágeis e
flexíveis, e não podem se valer de contratação formal com seus
fornecedores.

3.4.1. A política de compras de etanol das grandes


distribuidoras

A estratégia de obter um melhor resultado na compra frente à


concorrência, faz com que as distribuidoras adotem posição de cautela
em relação ao horizonte temporal das suas aquisições, não assumindo
posições antecipadamente.
94 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Assim, pode-se afirmar que as distribuidoras são avessas ao risco


uma vez que adotam estratégias de compra de curto prazo por temerem
perder competitividade caso ocorra uma mudança no ambiente de
negócio.
Desta forma, aliada à preocupação em adquirir o produto com
preços competitivos, a distribuidora tem que levar em conta o diferencial
logístico, conforme já abordado, e a programação de retirada do
produto, visando à maximização da utilização da sua frota de
caminhões, ou de frota contratada de terceiros.
A programação da frota exige conhecimento prévio de destino,
como também a necessidade de harmonizar a logística do etanol com
a logística do diesel. Se uma distribuidora consegue trazer o etanol no
frete de retorno da entrega de diesel, aperfeiçoa sua logística. Entretanto,
a implantação de tal procedimento, de frete casado diesel-etanol,
aumenta mais ainda a necessidade de saber com antecedência a
programação de retirada do etanol.
Não é possível gerenciar uma frota de caminhões retirando etanol
por todo território nacional de forma econômica, sem um mínimo de
programação prévia. Desta forma, a distribuidora tem que escolher um
ponto ótimo quanto ao compromisso temporal que gostaria de assumir,
equacionando duas forças opostas: de um lado, o anseio de praticar a
compra com menor horizonte possível para evitar o risco da perda de
competitividade frente à suas concorrentes; de outro, a necessidade de
fechar posições antecipadamente para usar de forma econômica sua
frota.
O contrato, no formato descrito anteriormente, está de acordo
com a necessidade da distribuidora. Ele estabelece um compromisso
entre distribuidora e usina que permite à distribuidora saber
antecipadamente o volume disponível a ser retirado num certo local, e,
como o preço é indexado ao indicador ESALQ do momento da retirada,
não ocorre uma tomada de posição prévia em relação a um preço
futuro preestabelecido. Portanto, a motivação da distribuidora ao uso
de contratos fica definida pela necessidade de exercer eficientemente
sua política de compras.

3.4.1.1. O prazo dos contratos como reflexo da política de


compras das distribuidoras

Como já examinado, as distribuidoras dão preferência a contratos


de curto prazo para evitar o risco de uma tomada de posição antecipada.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 95

O desconto, assim como descrito anteriormente, é o item que gera maior


preocupação para as distribuidoras.
Contratos de fornecimento de etanol têm cláusulas que suspendem
sua vigência perante mudanças bruscas no mercado, como eventuais
mudanças institucionais. Dessa forma, apenas os volumes, prazos de
retirada e o desconto podem ser considerados fixos. A condição básica
do mercado, se ele está comprador ou vendedor, e o poder de barganha
individual de cada agente acabam compondo, junto ao diferencial
logístico, o desconto de cada contrato. As distribuidoras preferem
assumir esse compromisso, referente ao desconto, apenas pelo curto
prazo de um ano, para evitar o risco de adentrar num próximo ano
utilizando um desconto desatualizado frente às suas concorrentes.
O desconto praticado costuma variar entre os agentes, mas essa
variação acompanha certa média, que pode se deslocar dependendo
das condições de oferta e demanda, estabilizando-se num novo patamar.
Tal deslocamento é seguido por todos os agentes do mercado ao
renegociarem seus contratos, sendo que uma distribuidora “comprada”
num contrato de longo prazo não poderia fazer essa movimentação,
caindo, inevitavelmente, na desatualização frente às suas concorrentes.

3.4.1.2. O contrato como instrumento estratégico de


compras

Na maior parte das contratações, as distribuidoras se comprometem


com as usinas a retirar um volume mensal, muitas vezes se guardando
o direito de fazê-lo na data, ou datas, que lhes forem mais convenientes,
dentro de um mês pré-determinado.
Esta condição permite que as distribuidoras se utilizem do contrato
como instrumento estratégico, exercendo seu direito de compra conforme
suas políticas e as condições de mercado.
Caso uma distribuidora entenda que o momento é de queda nos preços,
ela pode executar aos poucos o contrato logo no início do mês, poupando-
se de adquirir o produto no spot até que seus compromissos lhe permitam.
Dessa forma, ela sai ganhando, pois toda sua compra no spot fica para o
final do mês, aproveitando ao máximo a queda dos preços.
Além disso, a própria distribuidora exerce influência na queda do
preço uma vez que, segurando sua compra no spot, contribui para a
diminuição da demanda agregada pelo produto, acelerando a baixa
dos preços. Apesar do contrato não ter sido criado para ser um
instrumento estratégico, ele também acaba tendo essa utilização.
96 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Desde a safra 2007/08, a Copersucar, representando suas unidades


produtoras, passou a não aceitar mais esta condição contratual
reivindicada pelas distribuidoras, pois entende que este tipo de acordo
não é favorável ao lado da produção.

3.4.2. A opção de governança das distribuidoras

O Quadro 5, apresenta as estruturas de governança observadas na


transação com as usinas. As distribuidoras que não fazem parte do
Sindicom foram divididas em pequenas e emergentes, para evidenciar
o crescimento da participação destas últimas, que também chegam a
ter contratos com algumas usinas. Ressalta-se, entretanto, que o contrato
entre emergentes e usinas44 é incomum.

Quadro 5: A opção de governança das distribuidoras de combustíveis


FONTE: Elaborado com base em entrevistas

A governança mista - contratos e mercado spot - é a opção de


governança mais presente e que melhor se adéqua às estratégias das
grandes distribuidoras. Isso porque, ao usar uma precificação flutuante,
o contrato padrão de comercialização de etanol é um instrumento para
maximizar o lucro da transação envolvendo usinas e distribuidoras de
combustíveis.

44. Uma das usinas entrevistadas declarou que tinha contratos com uma distribuidora que não
fazia parte do SINDICOM. Devido ao poder de barganha entre esta usina, um grande grupo
industrial, e a distribuidora ainda emergente, o contrato era ESALQ positivo, ou seja, a usina
recebia um prêmio acima do indicador ESALQ para garantir o fornecimento a esta distribuidora.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 97

Apesar de o contrato promover o efeito de maximizar o resultado


da operação logística das distribuidoras, sua melhor utilização não é
como forma exclusiva de governança. O ambiente institucional e
competitivo deste setor cria uma situação de riscos e oportunidades em
que ainda é vantajoso aos agentes, tanto distribuidoras como usinas,
manter certa parte de seus negócios no mercado spot.

3.5. CONCLUSÃO: ASPECTOS SUSTENTÁVEIS NOS


CONTRATOS DE COMERCIALIZAÇÃO DE ETANOL

O que se pôde notar por todo o exposto no presente capítulo foi


exatamente a ausência de influência dos aspectos sustentáveis nos
contratos celebrados por usinas e distribuidoras de etanol, principalmente
por aquelas que não atuam no mercado internacional.
Como já aludido, têm sido inseridas nos contratos, cláusulas que
fazem referência a fatores de sustentabilidade econômica, a exigências
de preservação e conscientização sócio-ambiental, que devem nortear
as negociações em questão.
Ocorre que, fatores que influenciam direta ou indiretamente o
preço protagonizam os planos de estratégia dos agentes, de forma tal
que se torna questionável a possibilidade de uma não-contratação em
virtude da inobservância de uma cláusula de proteção aos direitos dos
trabalhadores, ou da adoção de qualquer outra prática sustentável.

3.6. OS CONTRATOS DE EXPORTAÇÃO DE ETANOL45

Pode-se dizer que o encaminhamento da produção de etanol para


uma matriz sustentável é fruto, principalmente, de pressões
internacionais. Alguns países, como é o caso dos EUA, estão interessados
em utilizar o etanol como aditivo oxigenante na mistura da gasolina,
em substituição ao MTBE, produto cujo uso tende a ser proibido em
diversos países. Uma alternativa adotada por outros países foi o uso do
ETBE, como ocorre no Japão, onde o etanol é tido como uma das
principais matérias-primas para a produção de ETBE.

45. Esta parte do trabalho se baseia em quatro entrevistas em profundidade conduzidas com
executivos do setor. Deve-se deixar claro que os nomes dos entrevistados e as empresas
a que pertencem não são revelados. A posição tomada de manter a confidencialidade dos
entrevistados foi a mais bem aceita e, na prática, a única forma de viabilizar a pesquisa.
98 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Na Europa, apesar de o biodiesel ser o foco das atenções, também


existe interesse em aumentar o consumo de etanol. O espaço do etanol
dentro dos interesses europeus está mais voltado ao uso desse álcool
como opção para carros flex fuel. Da mesma forma que o hidratado é
oferecido nos postos brasileiros como opção para carros flex fuel, na
Europa é oferecido o E-85, uma mistura de 85% de etanol anidro e 15%
de gasolina.

3.6.1. Tipos de contratos de exportação

Uma característica das exportações de etanol diz respeito à


formalização dos contratos. Mesmos os negócios mais imediatos são
celebrados por meio de instrumentos contratuais. Tem-se, desta forma,
que a estrutura de governança contratual é observada na totalidade das
transações.
De maneira geral, os contratos diferem quanto a dois atributos,
quais sejam, o prazo e a forma de se fixar o preço. Na prática foram
identificados contratos de até três meses, considerados de curto prazo46,
bem como avenças de até três anos. No que tange ao preço, este pode
ser pré-fixado, utilizado com maior freqüência em contratos de curto
prazo, ou pós-fixado, por meio da adoção de índices de correção durante
a vigência dos contratos com maior prazo.
Vale mencionar que o uso de precificação pós-fixada aparece como
a saída encontrada para gerenciar o risco de flutuação de preços existente
no mercado de etanol. Para se proteger desse risco, os contratos são
negociados mediante o uso de “fórmulas” específicas para o cálculo
dos preços.
Da mesma forma que o mercado interno usa a precificação
indexada ao índice ESALQ, esses contratos de exportação adotam uma
série de índices para compor sua indexação. A escolha dos índices que
irão compor a “fórmula” final de um contrato acompanha principalmente
o mercado de destino no qual o etanol será utilizado e, eventuais disputas
são resolvidas na Câmara de Arbitragem de Londres.

46. Deve-se entender o termo “venda spot”, usado pelos agentes do setor, para se referir a
vendas celebradas em contratos formais de curtíssimo prazo.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 99

3.6.2. A verificação como instrumento contratual

Como já ressaltado, para conquistar o mercado externo é necessário


que o etanol brasileiro seja produzido dentro de padrões considerados
adequados, ou seja, de maneira sustentável. A questão está em assegurar
ao comprador que isso está realmente sendo feito, uma vez que o produto
é uma commodity e o etanol produzido de maneira sustentável, ou não,
tem as mesmas propriedades.
Os agentes negociam em cada contrato a inclusão de cláusulas de
sustentabilidade para compor o que está sendo acordado – como já se
pode notar em vários contratos celebrados em âmbito nacional - e, em
alguns casos, uma entidade externa pode ser indicada para auditar se
estas cláusulas serão efetivamente respeitadas durante a vigência do contrato.
A variação dessas cláusulas é grande e não existe nenhum formato
padrão de instrumento contratual. Alguns standards internacionais de
conduta considerada adequada aos preceitos econômico, social e
ambiental a serem seguidos, são utilizados como fonte para a
determinação das cláusulas que os agentes incluem em suas negociações.
Entre esses standards, os principais seriam: BSI (Better Sugarcane
Iniciative), GRI (Global Reporting Initiative), RTFO (The Renewable
Transport Fuel Obligation) e RED (Renewable Energy Directive). O
Protocolo Agroambiental da UNICA, União da Indústria de Cana-de-
açúcar, também é usado nesse sentido.
Exemplos destas cláusulas são: as que estabelecem a opção pela
colheita mecanizada, a diminuição do índice de queimadas, o uso do
solo de maneira a evitar sua degradação ou aumento de áreas
desmatadas, a adoção de condições adequadas de trabalho ao trabalhador
rural e etc.

3.6.3. O caso Copersucar e JBSL

Após o banimento do uso do MTBE no Japão, as distribuidoras de


combustíveis ficaram responsáveis por misturar ETBE na gasolina como
fator oxigenante. Para tanto, algumas empresas do setor resolveram
unir esforços a fim de conseguir esse volume de ETBE, formando uma
organização chamada Japan Biofuels Supply LLP (JBSL), atuando na
compra de etanol para utilizá-lo como matéria- prima na produção do
citado bioaditivo.
A JBSL é formada por empresas como: Idemitsu Kosan Co., Ltd.,
Tonen General Sekiyu K.K., Taiyo Oil Co., Ltd., Fuji oil company, Ltd.,
100 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Cosmo Oil Co., Ltd., Kyokuto Petroleum Industries Ltd., Showa shell
Sekiyu k.k, Nippon Oil Corporation, Japan Energy Corporation.
Em 2008, a JBSL firmou um contrato de fornecimento de etanol
de, aproximadamente, três anos com a Copersucar no qual foi negociado
o embarque de duzentos milhões de litros por ano (ALTENERGY, 2008).
A organização está contratando a Lyondell para a coleta do etanol
brasileiro, a fim de que o mesmo seja levado para os EUA e transformado
em ETBE.

3.6.4. O caso da SCA e Sekab

Conforme já comentado, alguns países adotam o etanol como


principal componente do E-85 oferecido a usuários de carros flex fuel,
sendo a Suécia o país europeu mais desenvolvido nessa prática. Para
viabilizar o abastecimento de etanol do país, o governo sueco concedeu
à empresa química Sekab uma autorização para importar etanol e
fornecê-lo às distribuidoras de combustível.
Todavia, a Sekab notou que a percepção dos consumidores sobre
as práticas brasileiras de sustentabilidade em relação ao cultivo da
cana-de-açúcar era expressivamente negativa. Interessada na
continuidade do negócio, a Sekab procurou a Sociedade Corretora
de Álcool (SCA) e juntas fecharam um contrato de fornecimento de
etanol brasileiro para a Suécia, repleto de cláusulas de
sustentabilidade, prevendo a auditoria destas cláusulas por uma
empresa independente.
O mencionado contrato entre Sekab e SCA foi celebrado em 2008
e suas cláusulas de sustentabilidade foram baseadas principalmente no
Protocolo Agroambiental da UNICA, sendo auditado pela SGS. Entre as
partes ficou acordado que as usinas fornecedoras desse etanol seriam:
Cosan, Nova América, Alcoeste e Guarani (PROTEC, 2009).

3.6.5. O caso da Cosan e Mitsubishi

A Cosan é a maior produtora de etanol do Brasil. Além de ter


participado do contrato entre SCA e Sekab descrito anteriormente,
também é uma das sócias proprietárias da trading Vertical Drums,
recentemente estabelecida no Brasil e dedicada totalmente à exportação
de etanol.
Em 2009 a COSAN anunciou a celebração de um contrato de
fornecimento de três anos com a Mitsubishi, repleto de cláusulas de
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 101

sustentabilidade, visando à utilização do etanol como matéria-prima


para a produção de ETBE.

3.6.6. Conclusão: a sustentabilidade nos contratos de


exportação

Em que pese ter o uso do etanol sido incorporado em nossa


economia por motivos essencialmente econômicos, a necessidade de
conscientização e efetivação de mudanças na área ambiental, conferiram
a este combustível um papel de suma importância.
Não obstante, tal variação de comportamento acarretou a
imprescindível preocupação com os demais aspectos que integram a
sustentabilidade, ou seja, os fatores econômicos e sociais que permeiam
a produção e comercialização do etanol.
Quanto à incorporação destes três pilares da sustentabilidade nas
negociações do biocombustível em questão, pode-se observar que está
ocorrendo gradativamente, principalmente no que tange aos contratos
de exportação, tendo em vista os ultimatos impostos pelo mercado
internacional.
Parte II – Biodiesel

O biodiesel consiste em um biocombustível derivado de biomassa


renovável, de origem vegetal ou animal, para uso em motores a
combustão interna com ignição por compressão, que substitua parcial
ou totalmente o óleo diesel de origem fóssil (BRASIL, 2005a). Como
exemplos de matérias-primas de origem vegetal, podem ser citados
girassol, soja, mamona, dendê e amendoim; e de origem animal, o
sebo bovino, suíno e de aves. A Figura 7 , expõe o processo de produção
do biodiesel.

Figura 7 – Processo de produção do biodiesel.


FONTE: Petrobras (2009).
104 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

O processo de produção do biodiesel inicia-se com a mistura das


matérias-primas e os insumos47 que passam pela fase de pré- tratamento.
Essa etapa consiste em um conjunto de reações químicas que resultam
na neutralização da mistura e em co-produtos: ácidos graxos, borra e
goma. Em seguida, a mistura é destinada ao processo de
transesterificação, no qual recebe mais insumos – em geral alcoóis de
cadeia curta e catalisadores. Essas reações químicas geram como co-
produtos a borra e a glicerina e como resultado final, o biodiesel puro.
Em geral, o biodiesel é amarelo podendo ser muito claro ou mesmo
alaranjado. O odor é parecido com o do óleo vegetal. Esse biocombustível
possui grande potencial sustentável, por ser renovável e menos poluente
em comparação aos combustíveis comuns. Em especial, em relação ao
óleo diesel, ao qual é adicionado para geração de energia elétrica e
para utilização nos transportes.
O Gráfico 2, expõe as reduções médias das emissões48 de poluentes
proporcionadas pela utilização de diferentes misturas de biodiesel
provenientes da soja49, comparadas às emissões médias decorrentes da
utilização de óleo diesel fóssil.
Nota-se a redução de até 47% das emissões de partículas totais em
suspensão (PM), de até 48% do monóxido de carbono (CO), e de até 67%
nos hidrocarbonetos que possuem potencial de formação de ozônio. Essas
reduções constituem benefícios ambientais relevantes, visto que a inalação
desses elementos provoca danos à saúde humana (NBB, 2009).
A melhora nas condições de saúde também decorre da redução
em 75%-85% dos componentes aromáticos PAH e de 90% de nPAH,
ambos identificados como substâncias potencialmente cancerígenas
(NBB, 2009).
Em adição à redução na emissão desses poluentes, a utilização de
biodiesel elimina as emissões de óxidos de enxofre (SOx), principal
componente da chuva ácida. Tal fato é relevante também porque permite
o uso de tecnologias de controle de emissão de óxidos nítricos (NOx),
emitidos em maior quantidade pelo biodiesel do que pelo diesel
proveniente do petróleo (NBB, 2009).

47. O biodiesel é produzido pela reação do óleo vegetal com um álcool de cadeia curta (metanol
ou etanol). Como regra geral, pode-se dizer que 100 kg de óleo reagem com 10 kg de álcool
gerando 100 kg de biodiesel e 10 kg de glicerina.
48. Valores obtidos com base nas emissões geradas por motores de veículos pesados, como
ônibus e caminhões, fabricados até 1997. Não foi possível generalizar os resultados com
precisão para os veículos leves. (U.S. ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENGY, 2002).
49. As emissões de poluentes podem diferir de acordo com a matéria prima utilizada para a
produção do biocombustível. (U.S. ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENGY, 2002).
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 105

Gráfico 2 – Média da emissão de poluentes do biodiesel.


FONTE: U.S. Environmental Protection Agency (2002).

Dentre os benefícios ambientais proporcionados pela utilização


de biodiesel destaca-se ainda um balanço energético positivo. Para cada
unidade de energia necessária para produzir um galão de biodiesel são
geradas 3,24 unidades energéticas (NBB, 2009).
Capítulo 1

Mercado do Biodiesel

1.1. A origem da indústria

O primeiro motor a diesel foi desenvolvido em 1893 por Rudolf


Diesel. O diesel utilizado para a concepção desse motor era proveniente
do óleo de amendoim. Diesel acreditava que a utilização de combustíveis
provenientes de matérias-primas vegetais para alimentar motores se
tornaria, ao longo do tempo, tão importante quanto o petróleo ou o
carvão; além de promover o desenvolvimento agrário dos países.
Entretanto, após a morte de Diesel, em 1913, as indústrias de petróleo
desenvolveram um tipo de óleo de origem fóssil e denominaram-no
“diesel” (BIODIESELBR, 2009).
Em 1937, registrou-se na Bélgica a primeira patente de biodiesel, por
Charles Chavanne; na qual foi descrita a utilização do óleo vegetal de
palma e do etanol, que promoveriam a reação de transesterificação. Esse
biocombustível foi utilizado pela primeira vez em uma linha de ônibus
comercial entre Bruxelas e Louvain, em 1938 (BIODIESELBR, 2009).
Durante a II Guerra Mundial, o biodiesel foi muito utilizado em
diversos países, dentre os quais a China, a Índia e a Bélgica. Nesse
período estimulou-se o desenvolvimento de combustíveis substitutos ao
petróleo por meio de cortes no abastecimento do combustível fóssil,
que causaram a sua escassez no mercado (BIODIESELBR, 2009).
Motivações bélicas também incentivaram pesquisas norte-
americanas para produção do biodiesel, uma vez que a glicerina consiste
em um subproduto de sua produção que pode ter como finalidade à
fabricação de bombas. Entretanto, ao final da Guerra, a abundância de
petróleo importado a preços acessíveis desestimulou a produção de
combustíveis alternativos (BIODIESELBR, 2009).
108 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Esse cenário favorável à utilização do petróleo modificou-se ao


longo do tempo, na medida em que a demanda pelo combustível não
renovável e escasso cresceu e os países produtores reduziram sua
produção, fato o qual gerou os denominados “choques do petróleo”
(BIODIESELBR, 2009).
A partir de 1980 com a elevação dos preços do petróleo, os testes
com óleos vegetais foram retomados. No entanto, somente no início do
século XXI, com o acirramento das pressões ambientalistas para o
desenvolvimento sustentável, o interesse pelos biocombustíveis e o biodiesel
tornou-se foco prioritário dos investimentos, fato o qual viabilizou o recente
desenvolvimento desse mercado (BIODISELBR, 2009).

1.2. Mercado Mundial de Biodiesel no século XXI

Em 2008, a União Européia50 foi o principal produtor mundial de


biodiesel, responsável pela produção de 63% dos cerca de 13 bilhões de
litros produzidos naquele ano. Tal volume decorreu principalmente da
produção da Alemanha, principal produtor mundial do biocombustível.
Em seguida, os Estados Unidos constituem o segundo maior produtor,
com 16% do volume mundial. O Brasil, juntamente com a Argentina,
aparece na terceira posição51, seguido pela Indonésia, conforme o
Gráfico 3.

50. Estados Membros da União Européia: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Dinamarca,
Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália,
Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República
Checa, Romênia e Suécia. (THE EUROPEAN UNION ON-LINE, 2009).
Estados Membros do European Biodiesel Board - organização sem fins lucrativos estabelecida
em 1997 para a promoção do uso do Biodiesel na União Européia e que agrupa os maiores
produtores europeus do biocombustível: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre,
Dinamarca, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia,
Noruega, Países Baixos, Polônia, Portugal, República Checa, Reino Unido, Romênia e
Suécia. (EBB, 2009).
51. Tal classificação agregou as produções da Alemanha e da França juntamente com os demais
Estados Membros da União Européia. Alternativamente, o Brasil seria o quarto maior produtor,
atrás da Alemanha, dos Estados Unidos e da França. Ressalta-se ainda que a produção
brasileira de biodiesel é ligeiramente superior à argentina, valor o qual não apresenta diferenças
significativas nos percentuais de participação na produção total.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 109

Gráfico 3 – Principais produtores de biodiesel em 2008.


FONTE: FAPRI (2009); REN21 (2009); EBB (2009).

O Gráfico 4 ilustra o crescimento da produção de biodiesel pelos


principais produtores mundiais, juntamente com uma projeção até 2018.

Gráfico 4 – Produção mundial de biodiesel de 2005 a 2008.


FONTE: FAPRI (2009); REN21 (2009); European Biodiesel Board (2009).
110 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

É possível verificar a elevada taxa de crescimento da produção


mundial de biodiesel, sobretudo entre 2005 e 2008, período no qual a
produção cresceu 237%. O crescimento projetado para a oferta de
biodiesel, em 2018 em relação a 2005, é de 447%.
Nota-se que apesar da tendência acentuada de crescimento da
oferta global do biocombustível, a participação predominante da União
Européia nesse mercado deverá apresentar redução, em oposição ao
crescimento das participações relativas do Brasil, da Argentina e dos
Estados Unidos. Este fato deve-se às políticas públicas, em áreas não
pertencentes à União Européia, destinadas ao incentivo à produção de
biodiesel.
Nesse sentido, verifica-se que a participação da União Européia
na produção mundial de biodiesel reduziu-se de 90% em 2005 para
80% em 2006, 70% em 2007, 63% em 2008, e deve atingir 50% até
2018; devido ao crescimento da participação dos demais produtores.
Os Estados Unidos, que produziram 10% do total desse
biocombustível em 2005, apresentaram crescimento na participação
para 15% em 2006 e 22% em 2007. Apresentarão percentual semelhante
de participação na produção mundial até o fim do período projetado.
O Brasil partiu de uma participação pouco expressiva em 2005,
produzindo 9% do total em 2008, e possivelmente assumirá o posto de
terceiro maior produtor mundial a partir de 2010, com 16% do volume.
A Argentina, cuja situação inicial assemelhou-se à brasileira, apresentou
crescimento nos últimos anos, estabilizando-se com 9% de participação
total. Por fim, a Indonésia deverá produzir 6% do total de biodiesel a
partir de 2012.
No que diz respeito à demanda de biodiesel, assim como no caso
da produção, esta é liderada pela União Européia, cuja participação no
consumo aproximou-se de 77% do total em 2008. O valor é proveniente,
principalmente, da demanda da Alemanha, o maior consumidor europeu
do biocombustível.
Os Estados Unidos e o Brasil também constituem importantes
consumidores de biodiesel, apresentando participações de 13% e 10%,
respectivamente, conforme o Gráfico 5. A maior parte dessa demanda é
absorvida pelos setores de transporte das respectivas regiões.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 111

Gráfico 5 – Principais consumidores de biodiesel em 2008.


FONTE: FAPRI (2009).

O Gráfico 6, expõe o crescimento no consumo de biodiesel,


juntamente com uma projeção da demanda até 2018.

Gráfico 6 – Consumo mundial de biodiesel de 2005 a 2018.


FONTE: FAPRI (2009).
112 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Assim como no caso da oferta, é possível notar a existência de


uma elevada taxa de crescimento na demanda, sobretudo em 2006 e
em 2007, períodos em que o crescimento apresentado foi de 59% e
37%, respectivamente, em relação ao ano anterior. O consumo de
biodiesel cresceu 150% entre 2005 e 2008 e deverá atingir 382% de
crescimento até 2018.
Apesar da tendência de crescimento na demanda, previamente
exposta, convém ressaltar que deverá haver uma redução na participação
relativa da União Européia no consumo total, devido ao crescimento
do consumo em outras localidades, principalmente dos Estados Unidos,
do Brasil e futuramente, da Indonésia. Nesse sentido, nota-se que a
participação da União Européia na demanda de biodiesel reduziu de
89% em 2005 para 77% em 2008, devendo atingir 58% em 2018.
A participação dos Estados Unidos deverá atingir 20% no final do
período projetado, apresentando elevado crescimento em relação aos
10% de participação relatadas em 2005. (FABRI, 2009).
Por sua vez, a demanda brasileira cresceu significativamente,
principalmente entre 2006 e 2009, devido à introdução do Programa
do Biodiesel e à obrigatoriedade da mistura do biodiesel no óleo diesel,
conforme será exposto mais adiante e deverá atingir 14% do total
consumido em 2018, constituindo o terceiro mercado consumidor.
Convém ressaltar ainda que apesar da elevada participação da
Argentina na produção de biodiesel, tornando-a um dos maiores
produtores seu consumo foi pouco significativo até 2009. Tal constatação
demonstra que o biodiesel argentino é destinado à exportação. O
crescimento da participação da Argentina no consumo global de
Biodiesel deverá ocorrer a partir de 2010, quando o país incorporará o
biocombustível no óleo diesel comercializado no mercado doméstico
(B5)52.

1.3. As políticas de incentivo à produção de biodiesel em


países selecionados

O crescimento da produção de biodiesel no mundo teve como


principal motivador a valorização dos aspectos ligados à
sustentabilidade. Dessa forma, a questão econômica só pode ser
analisada à luz do ambiente institucional dos mercados, ou seja, dos

52. BX é a mistura adicionada ao Diesel. O X é a variação da quantidade de biodiesel.


FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 113

incentivos colocados pelas autoridades governamentais dos países


produtores e consumidores do produto.
Considerando que as políticas têm prioridades, pode-se observar
que dos três aspectos que compreendem a definição clássica da
sustentabilidade – social, ambiental e econômico – cada mercado acabou
por focar em especial um desses aspectos.

1.3.1. União Européia

A União Européia, que constitui o principal mercado produtor e


consumidor de biodiesel, tem como principais objetivos do programa a
promoção da agricultura sustentável, a redução de custos relativos às
políticas destinadas às áreas rurais e a diversificação da oferta energética.
Para isso, possui um programa de incentivo ao biodiesel, baseado em
políticas públicas como a redução de impostos e incentivos à pesquisa
e desenvolvimento.
O Bloco Europeu possuía em 2009 um total de 276 plantas de
produção de Biodiesel, que proporcionam capacidade produtiva total
de 21 milhões de toneladas. (EBB, 2009). Dentre os principais países
que participam do programa de Biodiesel da Europa, destacam-se a
Alemanha, a França e a Itália, com 67% da produção total da região
em 2008, conforme o Gráfico 7.

Gráfico 7 – Principais produtores europeus de biodiesel em 2008.


FONTE: European Biodiesel Board (2009).
114 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

No início da década de 90, o Governo Federal da Alemanha foi


pioneiro na implementação de políticas destinadas ao incentivo à
produção de biocombustível, como a isenção total de impostos
associados ao biodiesel. A matéria-prima para a produção do biodiesel
alemão é basicamente a canola. O Gráfico 8 apresenta a evolução da
produção e consumo de biodiesel neste país.

Gráfico 8 – Produção e consume de biodiesel na Alemanha.


Fonte: Verband der Deutschen Biokraftstoffindustrie (2009).

O biodiesel alemão é distribuído em 1800 postos de abastecimento,


os quais fornecem combustível para os mais de 2,5 milhões de veículos
em circulação autorizados a utilizar Biodiesel, a preços 12% inferiores
aos do diesel de origem fóssil (BIODIESELBR, 2009).
A França, segundo maior produtor de biodiesel na União Européia,
obtém o biocombustível, principalmente, a partir da canola e do girassol.
Uma pequena quantidade do biocombustível produzido no país provém
ainda da palma, da soja e de gorduras animais. (BIODIESELBR, 2009;
USDA, 2008). Das 13 unidades produtoras de biodiesel na França, 7
são responsáveis pelo B5. O país comercializa ainda biodiesel B30,
utilizado em frotas de veículos (BIODIESELBR, 2009). A Tabela 7 expõe
as metas anuais de incorporação de Biodiesel no diesel.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 115

Tabela 7 – Percentual de incorporação de Biodiesel ao óleo diesel na França.


Fonte: USDA (2008).

Diferentemente da Alemanha, a política de isenção de impostos


associados à produção de biodiesel francesa é parcial, limitada a uma
cota de produção definida anualmente, conforme o Gráfico 9, e
incorporada ao óleo diesel na proporção estabelecida pelo governo, de
acordo com a Tabela 7, já referida (USDA, 2008).

Gráfico 9 – Cotas de produção de biodiesel – limites para isenção de


impostos.
FONTE: USDA (2008).

As empresas que não utilizarem o percentual determinado para a


mistura de Biodiesel e óleo diesel devem pagar um imposto ambiental,
que constitui uma penalidade fiscal ao não cumprimento da mistura
(USDA, 2008).
A Itália, terceiro maior produtor europeu de Biodiesel, também
produz o biocombustível a partir da canola e do girassol, assim como
a França. O país produz biodiesel puro B100, que é destinado à indústria
e ao aquecimento doméstico e biodiesel B5 e B25, destinados ao
116 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

transporte. O incentivo fiscal para a produção de biodiesel também é


parcial, limitado ao volume de 250 mil toneladas/ano, sobre o qual há
uma redução de 80% no imposto sobre o consumo. Após o desconto, o
valor desse imposto é de ¤0, 0846 por litro (BIODIESELBR, 2009; USDA,
2007).

1.3.2. Estados Unidos

Nos Estados Unidos, o Programa visa, além dos benefícios


ambientais proporcionados pelo biodiesel, aos benefícios denominados
de segurança energética. Ou seja, a política tem um foco nos aspectos
de ordem econômica. Diante das constantes elevações no preço do
petróleo e dos combustíveis de origem fóssil, o país está interessado em
utilizar os recursos vegetais domésticos excedentes, a preços
relativamente baixos, para geração de energia e segurança energética.
Isso se deve ao fato de que o biodiesel pode ser produzido nas instalações
industriais domésticas já existentes, e utilizado em equipamentos
convencionais, podendo proporcionar oportunidades em relação à
segurança energética imediata; constituindo a opção mais viável
economicamente frente ao preço do petróleo importado.
Conforme observado, os Estados Unidos constituem o segundo
maior produtor e consumidor de biodiesel, atrás apenas da União
Européia. O Gráfico 10, ilustra o crescimento na produção e no consumo
do país.

Gráfico 10 – Produção e consumo de Biodiesel nos Estados


Unidos.
FONTE: NBB (2009); FAPRI, (2009).
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 117

Os Estados Unidos obtêm o biodiesel a partir da soja, de gorduras


animais, do óleo de fritura e de óleos reciclados. O país possui 173
empresas produzindo biocombustível, com capacidade total instalada
de 2,69 bilhões de galões anuais (aproximadamente 10 bilhões de litros),
além das 29 indústrias em construção e da ampliação de uma das
fábricas; previstas para os próximos 12-18 meses e que devem contribuir
para um incremento na capacidade produtiva anual de 428 milhões de
galões (ou 1,6 bilhões de litros) (NBB, 2009).
Nos Estados Unidos, existe biodiesel B100 e suas misturas B2, B5
e B20, considerada a mais comum e geralmente comercializada nos
postos de distribuição, como combustível para o transporte (NBB, 2009).
Assim como na União Européia, o Governo dos Estados Unidos
estabeleceu incentivos à produção e à comercialização do biodiesel,
tais como a redução ou isenção de impostos. Na esfera Federal, há um
crédito tributário às misturadoras de US$1,00 por galão para o “Agri-
Biodiesel” e US$0,50 por galão para o biodiesel proveniente de outras
fontes, podendo ser concedido como crédito no imposto de renda. Tal
incentivo foi estabelecido em 2004, como parte do Amercian Jobs
Creation Act, extendido até dezembro de 2008 por meio do energy Policy
Act, e finalmente, até dezembro de 2009, por meio do Emercy Economic
Stabilization Act. (NBB, 2009).
Além dos créditos tributários federais, existem diversas leis e
incentivos estaduais relacionados à produção de Biodiesel. Nota-se, que
com exceção do estado de Wyoming, existem incentivos dos respectivos
governos estaduais à produção de biodiesel, principalmente em
Washington State; constituindo o Programa do Biodiesel nos Estados
Unidos.
Estima-se uma economia, entre 2005 e 2015, de US$ 15 bilhões
na importação de petróleo. Dessa forma, o Programa do Biodiesel nos
Estados Unidos visa também ao desenvolvimento de alternativas que
reduzam a sua dependência das importações de petróleo em 75% até
2025, tanto devido aos fatores estratégicos quanto econômicos.
Os benefícios econômicos contemplam o acréscimo de US$24
bilhões na economia do país entre 2005 e 2015 e com isso criará 39.102
postos de trabalho em todos os setores da economia, conforme a Tabela
8.
118 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Tabela 8 – Benefícios do biodiesel para a Economia dos Estados Unidos.


* Valores em Milhões de Dólares de 2005.
FONTE: NBB (2009).

Os valores de construção referem-se aos investimentos em novas


unidades produtivas. Os incentivos fiscais concedidos à produção de
biodiesel, totalizando cerca de US$3,5 bilhões até 2015, seriam
compensados pela economia decorrente da redução nas importações
de petróleo, pelos impactos permanentes (ganhos no PIB) da produção
anual e pelo valor direto do biodiesel e de seus co-produtos, totalizando
ganhos ao Tesouro Americano de US$8,3 bilhões; um balanço positivo
de US$ 4,8 bilhões.
O Governo prevê ainda ganhos aos produtores de soja, principal
insumo para produção de Biodiesel no país, decorrentes do maior
consumo e da conseqüente elevação do preço (estimada em 10%),
correspondente à maior demanda. Assim, o Programa do Biodiesel
proporcionaria ganhos aos produtores próximos de US$900 milhões
por ano. (NBB, 2009).

1.3.3. Argentina

A Argentina apresentou a terceira maior produção de biodiesel


em 2008, juntamente com o Brasil, e também possui um programa de
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 119

incentivos ao biodiesel. A resolução 129/2001 define biodiesel como


“toda mistura de ésteres de ácidos graxos de origem vegetal”, constituindo
um produto renovável e de menor impacto ao meio ambiente. O decreto
n. 1396/2001 declara de interesse nacional a produção e
comercialização de biodiesel, como combustível puro ou como aditivo
ao óleo diesel (SECRETARÍA DE ENERGÍA Y MINERÍA, 2001; SAGPyA,
2002).
O Programa do Biodiesel na Argentina busca aproveitar as
vantagens competitivas do país quanto à produção agrícola para
diversificar e fortalecer a matriz energética e assim reduzir sua
dependência nas importações de óleo diesel. Nesse sentido, o país alega
que a relevância da produção de biodiesel consiste na proteção em
relação ao esgotamento dos combustíveis de origem fóssil e da
conseqüente elevação em seus preços (IICA; SAGPyA, 2005).
Ainda em relação aos aspectos econômicos, o programa visa à
reativação das economias regionais por meio do incremento da área
destinada ao cultivo de oleaginosas, resultando na geração de postos
de trabalho. A agregação de renda decorrerá também das necessidades
adicionais de mão-de-obra direta e indireta na agropecuária e no setor
industrial que seria estabelecido, ou que já existe. Somam-se a esses
fatores o efeito riqueza gerado pelos investimentos no setor e a existência
de subprodutos com valor comercial, decorrentes da produção de
Biodiesel: glicerina e fertilizantes (IICA; SAGPyA, 2005).
O Programa contempla ainda aspectos sociais e ambientais, que
consistem na melhora da qualidade de vida da população rural,
decorrente do desenvolvimento de cultivos energéticos nas áreas
marginais; e na redução das emissões de CO2, enxofre e outros
componentes aromáticos cancerígenos, proporcionando benefícios ao
ambiente e à saúde humana (IICA; SAGPyA, 2005).
O biodiesel argentino é produzido, principalmente, a partir da
soja (78%) e do girassol (21%); já que o país é o terceiro maior produtor
mundial desses produtos. O restante da produção de biodiesel na
Argentina provém de oleaginosas pequenas, tais como palma, cártamo
e mamona (IICA;SAGPyA, 2005).
O regime de regulação e promoção para produção e uso
sustentáveis de biocombustíveis, lei aprovada em 19 de abril de 2006,
determina a adição compulsória mínima de 5% de biodiesel ao óleo
diesel fóssil a partir de 2010. Em adição a isso, a resolução 129/2001
autorizou a comercialização de Biodiesel puro ou em mistura B20
(SECRETARÍA DE ENERGÍA Y MINERÍA, 2001; ARGENTINA, 2006).
120 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Assim como nos demais países produtores de Biodiesel, existem


incentivos fiscais à produção. No caso da Argentina, o decreto 1396/
2001 estabeleceu reduções no imposto de renda relativo à armazenagem
e no imposto correspondente ao ICMS; e isenção de imposto de renda
relativo à produção e dos impostos estaduais: imposto de renda bruta,
impuesto de sellos e impostos imobiliários, nos estados que aderirem
ao projeto de incentivo ao biodiesel proposto pelo governo argentino
(SAGPyA, 2002).
A Tabela 9 sumariza as características dos principais programas
de biodiesel no mundo, a exceção do Brasil.

Tabela 9 – Características do uso do biodiesel em alguns países.


* A lei federal deu um crédito tributário de US$ 0,50/galão para o combustível renovável
utilizado no transporte, e US$ 1/galão para uso na agricultura. Além das medidas de
caráter tributário, têm sido adotados incentivos à produção como o Commodity
Credit Corporation Bioenergy Program, que subsidia a aquisição de matérias primas
para a fabricação de etanol e biodiesel, e atos normativos que determinam um nível
mínimo de consumo de biocombustíveis por órgãos públicos, como definido no Energy
Policy Act (EPAct).
** Incentivos fiscais: redução no imposto de renda relativo à armazenagem e no imposto
correspondente ao ICMS; e isenção de imposto de renda relativo à produção e dos
impostos estaduais: imposto de renda bruta, impuesto se sellos e impostos imibiliários.
FONTE: BiodieselBR, 2009.
Capítulo 2

Brasil e o Programa Nacional de


Produção e Uso do Biodiesel
(PNPB)

2.1. Conceito e objetivos do PNPB

O Programa Nacional de Uso e Produção de Biodiesel (PNPB)


visa principalmente à inclusão social, mas sem se descuidar dos outros
pilares da sustentabilidade. Apesar do posicionamento pioneiro do país
em relação a pesquisas relacionadas ao biodiesel, sua inserção na matriz
energética brasileira partiu de uma ação governamental realizada apenas
em 2003. Nesse ano foi instituído um Grupo de Trabalho Interministerial
encarregado de apresentar estudos acerca da viabilidade da utilização
desse biocombustível como fonte alternativa para geração de energia
(BRASIL, 2003)
A Lei 11.097, de 13 de janeiro de 2005, introduziu oficialmente o
biodiesel na matriz energética brasileira, considerando a diversidade
de oleaginosas disponíveis no país, a garantia de suprimento e de
qualidade, a competitividade frente aos demais combustíveis e uma
política de inclusão social. As regras permitem a produção a partir de
diferentes oleaginosas e rotas tecnológicas, fato que insere a agricultura
familiar no processo produtivo do biodiesel (BRASIL, 2005).
A referida lei introduziu o conceito de biodiesel desta forma:
“combustível para motores a combustão interna com ignição por
compressão, obtido por fonte renovável e biodegradável que possa
substituir parcial ou totalmente o óleo diesel de origem fóssil, e que
atenda à especificação técnica definida pela Agência Nacional do
Petróleo”. A mesma lei estabelece a obrigatoriedade da adição de um
porcentual mínimo de biodiesel ao óleo diesel comercializado (BRASIL,
2005).
122 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

2.2. Selo Combustível Social

O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel inovou ao


instituir o Selo Combustível Social como instrumento para promover a
sustentabilidade da agricultura familiar. O selo é concedido à indústria
que adquirir matéria-prima de agricultores familiares, por meio de
contrato de compra e venda da produção, com a garantia de assistência
técnica aos agricultores.
A implantação do Selo Combustível Social foi impulsionada por
três motivos; i. grande contingente de agricultores familiares,
principalmente nas regiões Norte e Nordeste; ii. necessidade de ações
para geração de emprego e renda; e, iii. necessidade de desenvolvimento
de políticas públicas voltadas à descentralização do desenvolvimento
em direção às regiões Norte e Nordeste do Brasil (BRASIL, 2005).
O porcentual de obrigatoriedade de aquisição de matéria-prima
proveniente da agricultura familiar, necessário à concessão do selo
Combustível Social à indústria produtora de biodiesel, obedece à
programação estipulada pelo governo, conforme a Tabela 10.

Tabela 10 – Porcentual mínimo obrigatório de aquisição de matéria-prima


oriunda da agricultura familiar por região.
FONTE: com base nas instruções normativas do MDA (BRASIL, 2005; 2009).

O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) é o órgão


responsável pela concessão do selo Combustível Social. As indústrias
certificadas recebem benefícios comerciais e tributários. Ressalte-se que
a inovação desse instrumento, o Selo Combustível Social, está em
incentivar a produção da matéria-prima proveniente da agricultura
familiar. O MDA, por meio de sua Instrução Normativa nº. 1, de 5 de
julho de 2005, definiu o “agricultor familiar” como beneficiário do
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 123

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)


e possuidor de DAP53 (BRASIL, 2005).
Para ser beneficiário do Pronaf, o agricultor deve dispor de no
máximo 4 módulos fiscais54; ter renda familiar anual bruta entre R$ 5
mil e R$ 110 mil, com 70% da renda familiar originada da exploração
agropecuária e não agropecuária do estabelecimento; e, por fim, o
trabalho familiar deve ser predominante, utilizando-se apenas
eventualmente o trabalho assalariado, de acordo com as exigências
sazonais da atividade agropecuária, e podendo haver até dois
empregados permanentes (BRASIL, 2006; BNDES, 1999).

Figura 8 – Diretrizes do PNPB.


FONTE: PNPB, 2009.

53. Declaração de Aptidão ao Pronaf – DAP: é o instrumento que identifica os beneficiários do


Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (BRASIL, 2005).
54. Unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada município, considerando os
seguintes fatores: a) tipo de exploração predominante no município; b) renda obtida com a
exploração predominante; c) outras explorações existentes no município que, embora não
predominantes, sejam significativas em função da renda ou da área utilizada; e d) conceito
de propriedade familiar (BRASIL, 1979).
124 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

O selo Combustível Social referente ao SAG do biodiesel foi lançado


pelo governo brasileiro por meio da Instrução Normativa no. 1, de 5 de
julho de 2005. O Ministério do Desenvolvimento Agrário é o responsável
pela concessão da marca aos produtores de biodiesel de acordo com
procedimento administrativo próprio. Dentre as funções desse ministério,
citam-se: estabelecer procedimentos e responsabilidades para a
concessão, renovação e cancelamento de uso da marca de certificação
selo Combustível Social aos produtores de biodiesel; proceder à avaliação
e à qualificação dos produtores de biodiesel para a concessão de uso do
selo Combustível Social; e fiscalizar os produtores de biodiesel que
obtiverem a concessão de uso do selo. Neste caso é visível a indução à
cooperação (usina-produtor) efetuada pelo governo brasileiro, por meio
de incentivos (BRASIL, 2005).
Portanto, a marca de certificação selo Combustível Social confere
à empresa produtora de biodiesel direito aos benefícios de políticas
públicas específicas voltadas a promover a produção de combustíveis
renováveis com inclusão social e desenvolvimento regional. Possibilita
a promoção comercial de sua produção, e acesso livre para participação
nos leilões de biodiesel.

2.3. Comercialização

A comercialização do biodiesel apresenta dois elos importantes


para análise nesta pesquisa. O primeiro diz respeito aos contratos entre
os agricultores familiares e as empresas produtoras de biodiesel,
contratos esses regulados pela Instrução Normativa no. 1 de 2009
(BRASIL, 2009). O próprio Poder Público traçou as diretrizes e cláusulas
obrigatórias para os contratos dessa relação.
O segundo elo fundamental é aquele estabelecido entre as empresas
e o governo, este representado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (ANP), que instaurou o leilão como forma
de compra do biodiesel, restringindo-se à primeira rodada as empresas
certificadas pelo MDA com o Selo Combustível Social.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 125

Figura 9 – Sistema Agroindustrial.


FONTE: adaptado de Zylbersztajn, 2000.

Assim, verifica-se uma forte presença estatal na organização do


SAG do biodiesel, distintamente daquilo que ocorre com o processo do
etanol, que altera seus arranjos contratuais em razão das necessidades
do mercado. A análise da sustentabilidade do SAG do biodiesel não
poderá se ater somente aos contratos, ainda que esse aspecto, com
certeza, seja elemento importante em sua estruturação.

2.4. Agricultura familiar x empresas (T2)

A concessão do selo às indústrias está atrelada à celebração prévia


de contratos com os agricultores familiares ou suas cooperativas. Os
contratos prevêem cláusulas obrigatórias, tais como: i. identificação
do número Declaração Aptidão ao Pronaf do agricultor familiar ou da
cooperativa agropecuária; ii. a quantidade contratada por matéria-
prima e a especificação da área equivalente, em hectares; iii. o prazo
de vigência do contrato; iv. critério de formação de preço, referencial
de preço ou valor de compra da matéria-prima; v. critérios de reajuste
do preço contratado; vi. condições de entrega da matéria-prima; vii.
cláusula em que o produtor de biodiesel se responsabiliza pela prestação
de assistência técnica ao agricultor familiar; viii. cláusula de
responsabilidade por não cumprimento do contrato e sobre danos
causados pelas partes; ix) salvaguardas previstas para as partes,
explicitando as condições para os casos de frustração de safra em caso
de força maior; x. identificação e concordância com os termos
contratuais da representação do agricultor familiar que participou das
negociações comerciais (BRASIL, 2009).
126 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Trata-se de um contrato denominado pelo Direito “contrato típico”,


em face da presença de tratamento jurídico específico mesmo na
ausência de um nome próprio, ou seja, um contrato típico inominado.
Pontes de Miranda (2002, p.69) ressalta que “o tráfico jurídico não só
tipiciza ou corrige o tipo. Por vezes, suscita novos tipos contratuais”. O
ensinamento se adapta perfeitamente aos contratos do SAG do biodiesel
em relação à agricultura familiar, pois eles estão inseridos em uma
disciplina legal própria.
Deve-se lembrar que os contratos com normas específicas não
devem atender a todos os princípios estabelecidos pela teoria geral do
direito contratual. Note-se que o Código Civil de 2002 estabelece
liberdade de contratar, mas exercida nos limites da função social do
contrato. Assim, adotou-se nesse Código, expressamente, a teoria da
função social como informadora das normas contratuais (BRASIL, 2002).
Roppo (1988) observa que o direito dos contratos não se limita a
revestir passivamente a operação econômica, ou seja, a representar sua
mera tradução jurídico-formal, mas tende a incidir sobre as operações
econômicas de modo a determiná-las e orientá-las segundo objetivos
que podem ser chamados de políticos lato sensu.
Impõe-se, dessa forma, a concepção econômica do contrato, que,
não obstante represente a capacidade de circular bens e riquezas, possui
também outras funções. Nas palavras de Nery Junior (2003), o contrato
deve conformar-se à tríplice vertente jurídico-econômico-social.
A função social do contrato pode ter dois enfoques diversos de
análise. Godoy (2007) ensina que a função social do contrato guarda
primeiramente uma eficácia interna entre as próprias partes contratantes.
Mas é certo que, além disso, projeta-o perante terceiros. Os terceiros,
ou seja, a coletividade pode evitar reflexos danosos e injustos que o
contrato, desviado de sua natural função econômica e jurídica, possa
ter na esfera de quem não participou de sua pactuação. Nesse caso tem-
se a chamada eficácia social do contrato.
O reflexo social dos contratos entre agricultores familiares e a
empresa produtora de biodiesel é verificado principalmente no que se
refere às recomendações ao planejamento e à assistência técnica e da
capacitação – ou seja, a eficácia positiva dos contratos, com base nas
obrigações decorrentes do instrumento contratual.
As indicações do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)
atentam para o estímulo à diversificação da produção na propriedade
como forma de garantir a autossuficiência alimentar dos agricultores
familiares. Os processos de produção devem respeitar a cultura e os
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 127

conhecimentos dos agricultores familiares, bem como os recursos


naturais existentes, e devem ser desenvolvidos de forma sustentável,
incentivando-se o uso e o manejo adequados do solo e da água, as
práticas de rotação e os consórcios de culturas (BRASIL, 2009).
Além das recomendações com relação à segurança alimentar e
sustentabilidade do processo de produção, o MDA também prescreve o
incentivo ao estabelecimento de práticas agrícolas com a inclusão de
jovens e mulheres, e que gerem renda complementar para a família por
meio da participação do agricultor no SAG do biodiesel.
Observe-se que os contratos entre os agricultores familiares e a
empresa produtora de biodiesel apresentam-se sob a forma de contrato
de adesão. Ou seja, as partes contratantes não discutem o conteúdo
negocial, já que uma parte estabelece suas cláusulas e condições, e a
outra possui pouca ou nenhuma possibilidade de alterá-las (AZEVEDO,
2000).
Outro item importante a ser destacado é que os contratos referidos
devem ser acompanhados por ao menos uma entidade coletiva
representante dos agricultores familiares, credenciada no MDA (BRASIL,
2009).
A importância dos contratos no âmbito das organizações é
principalmente no que se refere a uma formatação eficaz desses
contratos, para que possam induzir os agentes a cooperar com o objetivo
de maximar o valor da empresa. Os elementos contratuais são
importantes porque desenham a arquitetura das organizações
(ZYBERSZTAJN, 2000) condicionando o desempenho das firmas, o que
veremos no item 4.

2.5. Empresas Produtoras de Biodiesel x Distribuição (T3)

Faz-se necessária uma abordagem de outro elo contratual do SAG


do biodiesel. É aquele pertinente às empresas produtoras e à
distribuidora. A relação é intermediada pela Agência Nacional do
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que realiza, desde 2005,
os leilões de biodiesel, nos quais as refinarias e distribuidoras compram
o biodiesel dos fornecedores55 para misturá-lo ao diesel derivado do

55. Fornecedor de biodiesel: produtor de biodiesel e sociedade detentora de projeto de produção


de biodiesel reconhecido pelo MDA, com até 48 (quarenta e oito) horas de antecedência da
data de realização do leilão, como possuidora dos requisitos necessários à obtenção do Selo
Combustível Social, em conformidade com a Instrução Normativa nº. 2, de 28 de setembro
128 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

petróleo. O objetivo inicial dos leilões foi gerar mercado, e desse modo
estimular a produção de biodiesel em quantidade suficiente para
possibilitar a mistura (BX) determinada por lei (ANP, 2009).
Salienta-se que somente a Petrobras56 e Refap compram o biodiesel
nos leilões. Depois elas fazem um releilão e vendem para as
distribuidoras que fazem a mistura diesel/biodiesel (blendagem). O
leilão constitui uma modalidade especial de licitação57, e a falta de
legislação específica remete à aplicação de regras pertinentes a outras
modalidades licitatórias. O leilão é uma modalidade licitatória destinado
a alienar bens pelo melhor preço. Os realizadores do leilão pode exigir
comprovação de que o interessado dispõe de condições econômicas e
de outras que entender necessárias para honrar suas propostas (JUSTEN
FILHO, 2010).
Os leilões são realizados para assegurar que todo o óleo diesel
comercializado no país contenha o porcentual de biodiesel determinado
em lei (ANP, 2009). Até o 11º leilão, apenas as empresas certificadas
com o Selo Combustível Social poderiam participar dos lances. Os leilões
subsequentes foram divididos em dois lotes, dos quais o primeiro
permaneceu exclusivo para os fornecedores certificados, enquanto o
segundo permite também a participação de empresas que não possuem
o Selo Social (ANP, 2008).
A manutenção dos leilões pela ANP e a prerrogativa concedida às
empresas detentoras do selo Combustível Social é mais uma forma de
fomentar a sustentabilidade, uma vez que os maiores valores pagos
pelo litro de biodiesel são no primeiro lote. As empresas que possui o
selo têm retornos positivos, por meio de redução tributária e preferência
e melhor preço pelo seu produto na venda deste (ANP, 2009).

de 2005, do referido ministério. Produtor de biodiesel: agente autorizado pela ANP a exercer
a atividade de produção de biodiesel em conformidade com a Resolução ANP n°. 41, de 24
de novembro de 2004, detentor de Registro Especial da Secretaria da Receita Federal, nos
termos da Instrução Normativa nº. 516, de 22 de fevereiro de 2005, e do Selo Combustível
Social instituído pelo Decreto nº. 5.297, de 6 de dezembro de 2004, na forma da Instrução
Normativa nº. 1, de 5 de julho de 2005, do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA
(ANP, 2005).
56. Petrobras Distribuidora foi criada no dia 12 de novembro de 1971, subsidiária da Petróleo
Brasileiro S.A. - Petrobras, que passou a atuar na comercialização e distribuição de derivados
do petróleo para todo o Brasil. Subordinada ao Ministério de Minas e Energia e classificando-
se entre as entidades de administração indireta do Governo Federal, a Petrobras Distribuidora
tem por objetivo, além da distribuição, do comércio e da industrialização de produtos de
petróleo e derivados, atividades de importação e exportação.
57. Licitação é o procedimento administrativo destinado a selecionar, segundo critérios objetivos
determinados, a proposta de contratação mais vantajosa para a Administração, assegurando-
se a ampla participação dos interessados e o seu tratamento isonômico, com observância de
todos os requisitos legais exigidos. (JUSTEN FILHO, 2010, p. 11).
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 129

2.6. Releilão (T4)

O releilão é semelhante ao leilão de compra, mas refere-se à venda


do biodiesel para as distribuidoras, que permitem que o combustível
chegue ao consumidor final. É realizado periodicamente a cada trimestre
e possui duração de três dias.
O processo inicia-se com a divisão do combustível adquirido pelo
governo em diversos lotes, que são oferecidos a todas as distribuidoras
habilitadas. Estas, por sua vez, ofertam seus lances por meio da internet
em formato de pregão eletrônico. A distribuidora vencedora desse leilão
é responsável por buscá-lo na usina e redistribuí-lo aos clientes
(BIODIESELBR, 2009).
Ressalta-se a existência de uma limitação quanto aos volumes
arrematados por cada empresa no releilão, que consiste no acréscimo de
10% em relação ao volume arrematado no releilão anterior e que é
compatível com o market share da distribuidora na região em que atua.
Tal medida tem como objetivo assegurar que as empresas terão capacidade
de transportar todo o combustível adquirido (BIODIESELBR, 2009).
O preço mínimo praticado no releilão é orientado por fatores
logísticos, como o custo do frete, e a partir dele, são realizados os
lances de acordo com os interesses das distribuidoras. Apesar de esses
preços serem considerados sigilosos, a ANP declarou à BiodieselBr que
o preço médio praticado nos releilões foi de R$2,39 por litro
(BIODIESELBR, 2009).
Além de garantir a venda para as distribuidoras que tenham capaci-
dade para fazer a entrega, e portanto, atuar sobre a comercialização e
sobre a logística, o releilão constitui uma importante ferramenta
destinada à fiscalização da mistura obrigatória de biodiesel no óleo
diesel, de acordo com os percentuais definidos na lei (BIODIESELBR,
2009).
Quanto a isso, todas as empresas que comercializam óleo diesel
devem adquirir nos releilões quantidades de biodiesel suficientes para
realizar a mistura na proporção exigida pela lei. Essas empresas devem
ainda submeter relatórios periódicos à ANP, que permitem que a agência
fiscalize o cumprimento da mistura (BIODIESELBR, 2009).

2.7. Tributação

Com o objetivo de tornar o biodiesel um combustível competitivo


no Brasil, o Governo Federal adotou algumas medidas redutivas quanto
130 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

aos tributos, já que nos combustíveis brasileiros são acrescidos pelo


menos seis tipos de impostos, dentre o quais: CIDE (Contribuição de
Intervenção no Domínio Econômico)58, PIS (Programa de Integração
Social)59, COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social)60 e o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação
de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação)61.
Dentre as regras tributárias do biodiesel, merecem destaque aquelas
referentes ao PIS/PASEP e à COFINS. As regras determinam que esses
tributos sejam cobrados uma única vez do contribuinte, o produtor
industrial de biodiesel, que poderá optar entre uma alíquota percentual
sobre o preço do produto ou pelo pagamento de uma alíquota específica,
que constitui um valor fixo por metro cúbico de biodiesel comercializado
(PNPB, 2009).
Foram estabelecidos ainda coeficientes de redução para a alíquota
específica, diferenciadas em função da matéria-prima utilizada na
produção, da região em que a matéria-prima foi produzida e do tipo de

58. CIDE - Com base na Lei n. 10.336 de 19 de dezembro de 2001 regulamenta-se a partilha entre
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios sobre a Contribuição de Intervenção no
Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus
derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível - Cide, e além de outras
providências. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/legisassunto/
cidecombustiveis.htm>. Acesso em: 05 Set. 2009.
59. PIS - Conforme a Lei Complementar n.7 de 7 de setembro de 1970 regula como contribuintes
do PIS as pessoas jurídicas de direito privado e as que lhe são equiparadas pela legislação
do Imposto de Renda, inclusive empresas prestadoras de serviços, empresas públicas e
sociedades de economia mista e suas subsidiárias, excluídas as microempresas e as
empresas de pequeno porte submetidas ao regime do Simples Federal (Lei 9.317/96) e, a
partir de 01.07.2007, do Simples Nacional. Disponível em: <http://www.portaltributario.com.br/
tributos/pis.htm>. Acesso em: 05 Set. 2009.
60. COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, foi instituída pela Lei
Complementar n. 70 de 30 de dezembro de 1991 e dispõe como contribuintes as pessoas
jurídicas de direito privado em geral, inclusive as pessoas a elas equiparadas pela legislação
do Imposto de Renda, exceto as microempresas e as empresas de pequeno porte submetidas
ao regime do Simples Federal (Lei 9.317/96) e, a partir de 01.07.2007, do Simples Nacional
(LC 123/2007). Disponível em: <http://www.portaltributario.com.br/tributos/cofins.html>.
Acesso em: 06 Set. 2009.
61. ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação provem de regulamentação constitucional
prevista na Lei Complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996, a chamada “Lei Kandir” e
alterada posteriormente pelas Leis Complementares 92/97, 99/99 e 102/2000. Incidindo
sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e
combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados
à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o
imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente. Disponível em: <http://
www.portaltributario.com.br/tributos/icms.html>. Acesso em: 07 Set. 2009.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 131

fornecedor (agricultura familiar ou agronegócio) (PNPB, 2009). A Tabela


11 expõe as reduções nos tributos referentes ao biodiesel.Tabela 11 -
Reduções nos tributos referentes ao biodiesel.

FONTE: BRASIL (2004; 2005b; 2008).


Capítulo 3

O Sistema Agroindustrial (SAG)


do Biodiesel no Brasil

O SAG é visto como uma seqüência de transações especializadas


entre segmentos componentes da cadeia produtiva. Extrapola o conceito
de cadeia por inserir o ambiente institucional e as transações típicas
entre segmentos. A análise da gestão do sistema envolve o estudo da
coordenação das etapas pelas quais passa o produto até chegar ao
consumidor62. (ZYLBERSZTAJN,1996).
Essa abordagem enfatiza as relações entre os segmentos
constituintes da cadeia produtiva que pressupõe o conhecimento da
organização e dinâmica interna de cada segmento. As transações entre
segmentos são moldadas pelos padrões de concorrência e crescimento,
condicionadas pelo ambiente institucional.
Ressalte-se que as cadeias de suprimento podem ser compostas de
diversos subsistemas coordenados simultaneamente, relacionados a um
único produto (ZYLBERSZTAJN; FARINA, 1999). Dessa forma, cada
diferente sistema demanda uma coordenação distinta. Todos os casos
pertencem ao SAG do biodiesel – apesar de matérias primas distintas
em regiões diferentes e com uma organização própria, o produto final
é o mesmo: o biodiesel.

62. A análise dos sistemas agroindustrial adotada nesse trabalho se inspira na metodologia
Pensa – Programa dos Estudos dos Sistemas Agroindustriais que parte de uma abordagem
sistêmica.
134 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Figura 10 – Sistema Agroindustrial do Biodiesel.

O SAG do Biodiesel é formado por quatro principais segmentos: i.


produção rural (agricultura familiar); ii. esmagadora (empresas privadas
e cooperativas); ii. usinas de Biodiesel (Petrobrás e empresas privadas)
e a Petrobras/Refap.
Nesta parte do trabalho será apresentado o sistema agroindustrial
de biodiesel nos Polos de produção selecionados. Em cada região de
produção de matéria prima para o biodiesel prevalece uma forma
específica de organização de produção, como consequência das
especificidades socioeconômicas, históricas e culturais dessas regiões.
Daí a razão de se utilizar um polo de produção em cada região do
Brasil, e não as regiões como um todo. Foram escolhidas as seguintes
culturas: a soja, por constituir a principal matéria prima; a mamona,
por concentrar os incentivos governamentais e o dendê por representar
um modelo de extrativismo sustentável.

Gráfico 11 – Matérias primas utilizadas na produção de


biodiesel em dezembro de 2009
FONTE: ANP (2009).
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 135

A delimitação geográfica da amostra procurou compreender todas


as regiões produtoras de matérias primas do biodiesel. A seleção das
áreas decorreu de uma primeira aproximação com o MDA, que forneceu
os polos organizados para a produção das matérias primas, e as
amostras foram retiradas com base nesses polos. Entre os vários polos
indicados pelo MDA, foram escolhidos cinco SAGs (Polo de Quixadá –
mamona; Polo Central do Rio Grande do Sul – soja; Polo Moju Pará –
dendê; Polo Sudoeste Matogrossense – soja e Polo Norte de Minas Gerais
- Mamona) que apresentavam polos produtivos já bem estruturados.

Figura 11 – Polos de biodiesel.


FONTE: MDA (2009).

Foram incluídos na amostra do segmento do SAG do biodiesel


(mamona) no Polo de Quixadá e Minas Gerais e também do SAG do
biodiesel (soja) no Polo Central do Rio Grande do Sul e Sudoeste
Matogrossense e também do SAG (dendê) Polo Moju Pará.
A pesquisa foi realizada em todas as regiões do Brasil e as matérias
primas representaram as oleaginosas essenciais usadas na produção de
biodiesel, por motivos distintos.
136 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

3.1. Polo Ceará

A Região Nordeste encontra-se como foco dos incentivos do governo


visando o desenvolvimento de culturas alternativas – sobretudo da
mamona – e de geração de renda para agricultores familiares dessa
região. O estudo foi efetuado na Petrobras Biocombustível (PBio) situada
no município de Quixadá (CE). A Região Nordeste apresenta 22.659
produtores de mamona, segundo o Censo 2006 do IBGE, montante
superior às demais regiões – a Região Sul, em segundo lugar, possui
somente 478 produtores e muito próximo a região sudeste.

Gráfico 12 – Número de agricultores familiares por região no


Brasil.
FONTE: IBGE (2010).

A Região Nordeste se destaca pelo número de produtores que se


enquadram nos requisitos necessários à conceituação como agricultores
familiares. Entre eles, predominam as propriedades com menos de 50
hectares.
A introdução do SAG da mamona, destinado à produção do
biodiesel no Sertão Central do Ceará, apresenta-se bastante complexa,
em face do grande número de agentes institucionais envolvidos. Some-
se a esse fator a ainda incipiente presença da empresa produtora de
biodiesel na região.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 137

Figura 12 – SAG Polo Quixadá.


FONTE: pesquisa de campo.

3.2. Polo Central do Rio Grande do Sul

A Região Sul é a que mais se sobressai na produção de biodiesel,


com uma participação de 75% do total do país, em novembro de 2009
(ANP, 2009). A empresa dessa região que fez parte do estudo foi a
Granol, cuja unidade produtora de biodiesel está localizada no município
de Cachoeira do Sul (RS), denominado pelo MDA Polo Central do Rio
Grande do Sul (RS). A Granol utiliza o óleo de soja na produção de
biodiesel. A Região Sul detém o maior número de produtores de soja
do Brasil agricultores familiar que produzem soja no Brasil.

Gráfico 13 – Número de produtores de soja no Brasil por região.


FONTE: IBGE (2010).
138 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

O SAG da soja destinado à produção de biodiesel no Polo Central


do Rio Grande do Sul. Dentre as modificações dentro do sistema
produtivo da soja para formação do SAG do biodiesel, além da criação
de um novo produto, foi pequena. No pólo pesquisado no Rio Grande
do Sul a instalação da empresa foi a principal modificação e desta
forma, foi criada uma alternativa de venda para os agricultores
familiares da região. A estrutura básica do SAG do biodiesel já estava
presente no centro do RS.

Figura 13 – SAG Polo Central do RS.


FONTE: Pesquisa de Campo.

3.3. Polo Moju Pará

A Região Norte apresenta 819 estabelecimentos, equivalentes a


7% do total nacional. As demais regiões não possuem quantidades
significativas de produtores de dendê (IBGE, 2006). O Gráfico 14 expõe
a distribuição regional dessas propriedades.

Gráfico 14 – Número de produtores de dendê.


FONTE: IBGE (2006).
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 139

A empresa dessa região a fazer parte do estudo foi a Agropalma,


cuja unidade produtora de biodiesel está localizada no município de
Belém (PA). A Agropalma utiliza o óleo de dendê na produção de
biodiesel. A produção de biodiesel é apenas uma das atividades de
Agropalma.

Gráfico 15 – Número de produtores de dendê.


FONTE: IBGE (2006).

Interessante notar que o SAG do biodiesel em nada alterou a


estrutura já estabelecida para a produção do óleo de dendê. Uma vez
que tanto o cultivo do dendê como a organização da cadeia já existiam.
A alteração ocasionada com a produção do biodiesel foi tão somente
na estrutura da empresa, a qual passou incorporar mais um produto a
suas atividades.

Figura 14 – SAG Moju Pará.


FONTE: esquisa de Campo.
140 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

3.4. Polo Norte de Minas Gerais

A Região Nordeste encontra-se como foco dos incentivos do governo


visando o desenvolvimento de culturas alternativas – sobretudo da
mamona – e de geração de renda para agricultores familiares dessa
região. O estudo foi efetuado na Petrobras Biocombustível (PBio) situada
no município de Montes Claros (MG). A Região Sudeste apresenta a
segunda maior produção de mamona no Brasil.

Nota: 2008/09 – previsão; 2009/10 – estimativa.


Gráfico 16 – Produção de mamona por regiões no Brasil entre 1990 e 2010.
FONTE: Conab (2010).
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 141

A produção de mamona no estado de Minas Gerais desde 2007,


ano de instalação da Petrobrás, no município de Montes Claros passou
a apresentar altas taxas de crescimento, conforme o Gráfico 17.

Nota: 2008/09 – previsão; 2009/10 – estimativa.


Gráfico 17 – Produção de mamona nos estados produtores da região
Sudeste entre 1990 e 2010.
FONTE: Conab (2010).

A introdução do SAG da mamona, destinado à produção do


biodiesel em Minas Gerais, apresenta-se uma estrutura menos complexa
que o SAG do Ceará, pois não reúne um grande número de agentes que
visam principalmente o incentivo da produção. A presença da empresa
produtora de biodiesel na região é muito incipiente

Figura 15 – SAG Polo Norte de Minas Gerais.


FONTE: Pesquisa de Campo.
142 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

3.5. Polo Sudeste Matogrossense

As modificações no sistema produtivo da soja para formação do


SAG do foi pequena. No pólo pesquisado no Mato Grosso a instalação
da empresa foi a principal modificação e desta forma, criou-se uma
alternativa de venda para os agricultores familiares da região. Ou seja,
a estrutura básica do SAG do biodiesel já estava presente no Mato Grosso.

Figura 16 – SAG Polo Sudeste Matogrossense.


FONTE: Pesquisa de Campo.

A empresa dessa região que fez parte do estudo foi a Barralcool,


cuja unidade produtora de biodiesel está localizada no município de
Barra dos Bugres MT. A Barracool utiliza o óleo de soja na produção de
biodiesel.
Capítulo 4

Agricultura Familiar

No que se refere à agricultura familiar, cumpre observar que o


desenvolvimento brasileiro foi marcado pela especificidade regional
das atividades produtivas, empreendidas em diversos períodos da história
desde o início da colonização portuguesa. Essa característica contribuiu
para o surgimento de profundas disparidades regionais, as quais foram
se agravando ao longo do tempo.
A produção primária, nesta pesquisa, é representada pela
agricultura familiar, um dos elos mais conflituosos do agronegócio.
Por um lado, seus atores estão distantes do mercado e dispersos
geograficamente, e são muito heterogêneos. Apesar de inúmeras
conceituações formuladas para agricultura familiar, esta pesquisa
utilizará os requisitos definidos pela legislação do Pronaf, que são os
seguintes: máximo de 4 módulos fiscais63; renda familiar anual bruta
entre R$ 5 mil e R$ 110 mil, com 70% da renda familiar originada da
exploração agropecuária e não agropecuária do estabelecimento; e,
por fim, trabalho familiar predominante, utilizado apenas eventualmente
o trabalho assalariado, de acordo com as exigências sazonais da
atividade agropecuária, podendo haver até dois empregados
permanentes (BNDES, 1999).

63. Unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada município, considerando os
seguintes fatores: a) tipo de exploração predominante no município; b) renda obtida com a
exploração predominante; c) outras explorações existentes no município que, embora não
predominantes, sejam significativas em função da renda ou da área utilizada; d) conceito de
propriedade familiar (BRASIL, 1979).
144 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Gráfico 18 – Número de agricultores familiares por tamanho da


propriedade e região do Brasil.
FONTE: IBGE (2010).

O processo de amostragem dos agricultores familiares fornecedores


da matéria prima foi intencional e não probabilístico. Os resultados
apresentados demonstram a importância da percepção dos agricultores,
com base na sua prática individual e coletiva na composição dos
indicadores de sustentabilidade.
Foram realizadas 150 entrevistas com agricultores familiares, 30
em cada região, envolvidos na produção do principal insumo (mamona,
soja e dendê) para a produção de biodiesel. Os indicadores estão
baseados nas percepções dos produtores, pois elas refletem as ações
dos indivíduos em retorno às modificações do ambiente institucional
ao se estabelecer uma nova racionalidade econômica do desenvolvimento
sustentável, principalmente pelas opções políticas e adoção de
programas. Preferiu-se a utilização dos indicadores-respostas, já que
exprimem as ações individuais que irão moldar e garantir o alcance da
sustentabilidade nos polos pesquisados (OECD, 2001).
Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um questionário
estruturado elaborado para ser aplicado aos agricultores familiares,
com questões divididas em quatro blocos: 1) identificação do agricultor
familiar; 2) indicadores de sustentabilidade econômica; 3) indicadores
de sustentabilidade ambiental; e 4) indicadores de sustentabilidade
social. O motivo da padronização do questionário é obter dos
entrevistados respostas que permitam comparações entre as amostras
selecionadas.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 145

Tabela 12 – Indicadores de Sustentabilidade do SAG do Biodiesel.


FONTE: base na Instrução Normativa 2009 do MDA.

4.1. Perfil dos agricultores familiares

4.1.1. Polo Mato Grosso

A amostragem da pesquisa, no Mato Grosso apresenta o seguinte


perfil: homens, mais que 43 anos de idade, com segundo grau completo
e proprietários das áreas com experiência de mais de 10 anos na
agricultura. O tamanho médio das propriedades é de 93,2 hectares e a
área destinada ao plantio da soja é de cerca 69,1 ha.

Tabela 13 – Perfil dos produtores entrevistados em Mato Grosso.


FONTE: pesquisa de campo.
146 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

4.1.2. Polo Ceará

De acordo com a amostra da pesquisa, os agricultores familiares


no Ceará apresentam o seguinte perfil: homens, mais que 40 anos de
idade, analfabetos, assentados pelo Programa Nacional de Reforma
Agrária e com experiência de mais de 10 anos na agricultura. O tamanho
médio das propriedades é de 23,69 hectares; todavia, a área destinada
ao plantio da mamona não ultrapassa a média de 2,18 hectares.

Tabela 14 – Perfil dos produtores entrevistados no Ceará.


FONTE: pesquisa de campo.

Os agricultores familiares entrevistado em Minas Gerais


apresentam o seguinte perfil: homens, mais que 48 anos de idade, 1º
grau incompleto, proprietários das áreas cultivas e com experiência de
mais de 10 anos na agricultura. O tamanho médio das propriedades é
de 24 hectares; todavia, a área destinada ao plantio da mamona não
ultrapassa a média de 3,37 hectares.

Tabela 15 – Perfil dos produtores entrevistados em Minas Gerais.


FONTE: pesquisa de campo.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 147

4.1.3. Polo Rio Grande do Sul

A caracterização dos agricultores familiares do Polo Central do


Rio Grande do Sul baseia-se nas entrevistas realizadas. Todos os
entrevistados são homens, mais que 30 anos de idade e alfabetizados;
porém, a maioria – 68% – não completou o primeiro grau. 83% deles
são proprietários e arrendatários das propriedades, e com experiência
de mais de 10 anos na agricultura. O tamanho médio das propriedades
é de 61,10 hectares; todavia, a área destinada ao plantio da oleaginosa
não ultrapassa uma média de 44,33 hectares.

Tabela 16 – Perfil dos produtores entrevistados no Rio Grande do Sul.


FONTE: pesquisa de campo.

4.1.4. Polo Pará

De acordo com a pesquisa, os agricultores familiares no Pará


apresentam o seguinte perfil: homens, mais que 35 anos de idade, 1º
grau incompleto, possuem a propriedade, experiência de mais de 10
anos na agricultura. O tamanho médio das propriedades é de 9,92
hectares, sendo que a área cultivada é a mesma (Tabela 17).
148 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Tabela 17 – Perfil dos produtores entrevistados no Pará.


FONTE: pesquisa de campo.

4.2. Esmagadoras

Os SAGs nos polos apresentados não apresentaram a esmagadora


como segmento separado das usinas. Nos polos do Rio Grande do Sul,
Pará e Mato Grosso que possuem empresas privadas como responsáveis
pela produção de biodiesel a esmagador faz parte da planta industrial
das mesmas. Porém nos polos centrados em empresas públicas, como é
o caso do Ceará e de Minas Gerais temos situações distintas. O polo do
Ceará não possui esmagadora e por isso compra o óleo de soja64,
enquanto o polo de Minas Gerais possui um esmagadora incorporada.

4.3. As usinas

O Brasil possui um total de 109 usinas de biodiesel no Brasil,


classificadas como produzindo, paradas, em planejamento, e, em
construção. Deste total somente 49 (45%) estão produzindo. As usinas
produtoras de biodiesel devem possuir registro na Agência Nacional do
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e na Receita Federal, e
ainda, caso cumpram todos os requisitos determinados pelo Ministério
do Desenvolvimento Agrário (MDA), podem ou não possuir o Selo Social.
Há 30 usinas com o Selo Social, 60% delas possuem autorização da
ANP, e 46% estão registradas na Receita Federal.

64. A Petrobras adquire a mamona dos produtores apenas para atender a política de incentivo
aos produtores. Na época da pesquisa a mamona adquirida se encontrava estocada nos
armazéns da Petrobras.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 149

Na região Cento Oeste 65% das usinas possuem autorização na


ANP e 42% na Receita Federal. Nesta região, das 21 usinas produzindo
possuem a autorização da ANP, e somente seis não possuem da Receita
Federal. Nesta região 12 usinas possuem o Selo Social, destas, 9 estão
em MT e 3 em GO, representando cerca de 28% do total.
Na região Sudeste, 55% possui autorização da ANP, 38% na Receita
Federal e 17% possuem o Selo Social. Nesta região são 5 usinas que
possuem o Selo e todas elas pertencem ao estado de SP, todas as usinas
produzindo possuem autorização da ANP e apenas 4 (14%) não possuem
da Receita Federal.
Na região Nordeste, 57% possuem autorização da ANP e da Receita
Federal, e com o mais elevado percentual de usinas com Selo Social
50%. Ou seja, de todas as usinas que se encontram produzindo apenas
uma não possui o Selo Social (88%), esta ainda, é a única que não
possui o registro na ANP e na Receita.
Na região Sul, 44% possuem autorização da ANP e da Receita
Federal. Nesta região 4 usinas que possuem o Selo Social e todas elas
pertencem ao estado de RS. Todas as usinas produzindo possuem
autorização da ANP da Receita Federal.
Na região Norte, 86% possuem autorização da ANP e da Receita
Federal, e somente 29% possuem o Selo Social. Ou seja, de todas as
usinas que se encontram produzindo apenas duas possuem o Selo Social,
no PA e em TO. Nesta região, das 5 usinas produzindo, todas possuem
a autorização da ANP e da Receita Federal.
Na Tabela 18 observa-se a quantidade de usinas no Brasil e em
suas regiões. Na região Centro Oeste encontra-se 43, ou seja, 39% de
todas as usinas do país, sendo que 21 delas usinas estão produzindo.
Individualmente, o estado que mais se destaca, tanto em âmbito nacional
como regional é o MT.

Tabela 18 – Quantidade de Usinas no Brasil e em suas Regiões.


FONTE: A partir de dados compilados de Biodieselbr (2009).
150 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Na Tabela 18 pode-se também verificar que seguindo a região


Centro Oeste estão as regiões Sudeste e Nordeste com apenas 10 e 8
usinas respectivamente. O número total de usina no Sudeste é 29 (27%),
sendo a segunda maior região do país. Deste total, somente 10 estão
produzindo, representando 34% na região e 20% no país. O Nordeste é
a quarta região considerando o total de usinas (14), mas a terceira
região em usinas produzindo (8), as quais representam 57% na região.
O Nordeste representa 13% do total de usinas do país e 16% das usinas
produzindo.
A região Sul é a terceira no número total de usinas (16), o que
corresponde a 15% do total de usina no país, porém se encontra na
quarta posição em usinas produzindo (5), 31% das usinas da região.
Por fim, a região Norte é a última região em número de usinas total (7)
e produzindo (5). Esta região atinge o percentual mais elevado na
relação entre o total de usinas e o número de usinas produzindo na
região (71%). Porém, colabora somente em 6% no total de usinas e se
iguala com a região Sul com 10% das usinas produzindo. Quanto à
capacidade produtiva, o Brasil pode quase dobrar sua produção se todas
as usinas passarem a condição de produzindo.
A Tabela 19 mostra a quantidade total de usinas e aquelas que
estão produzindo nos estados da federação brasileira.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 151

Tabela 19 – Quantidade de Usinas dos Estados da Região.


FONTE: A partir de dados compilados de Biodieselbr (2009).
Capítulo 5

Sustentabilidade e o PNPB:
A Percepção dos Produtores

5.1. Aspectos Gerais

Essa seção apresenta a pesquisa qualitativa intencional e não-


probabilistica realizada com os produtores rurais nos cinco principais
polos de produção: i. Quixadá (mamona), no CE; ii. Central do RS
(soja); iii. Moju no PA (dendê); iv. Sudoeste do MT (soja); v. Norte de
MG (Mamona). Conforme apresentado, a pesquisa foi realizada em
2009, com 150 agricultores familiares, sendo 30 produtores de cada
polo. O estudo procurou analisar as três dimensões da sustentabilidade
– ambiental, social e econômica, conforme exposto na Tabela 12.
Entre as características gerais pesquisadas, o tempo de residência
na propriedade apresenta-se relevante, para se verificar o nível de
interação social dos agricultores e também no que tange às decisões
coletivas da comunidade. Observou-se que os agricultores do sertão do
CE estão há menos tempo na propriedade, e são assentados da reforma
agrária. No RS, 95% dos entrevistados residem na propriedade há mais
tempo, e não são assentados (Gráfico 19).

Gráfico 19 – Tempo do agricultor na propriedade.


FONTE: Pesquisa de Campo.
154 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Nos polos pesquisados do MT e do PA o intervalo de 3 a 10 anos


na propriedade foi o que obteve o maior número de resposta. No estado
do PA 92% dos entrevistados afirmaram que a propriedade deve-se ao
projeto da Agropalma, em parceria com o governo estadual e local. O
Governo do PA doou as terras, em média, 6 a 12 hectares para cada
família e coube à Agropalma fornecer as mudas e toda a infra-estrutura
inicial. No estado do MT 75% declararam morar entre 3 e 10 anos na
propriedade e os demais (25%) a mais de 10 anos, ressalta-se neste
caso que a maioria dos agricultores entrevistados é nascida em outras
regiões do país e migraram para o Centro Oeste no final da década de
90. Já no polo de MG, 70% dos entrevistados residente na propriedade
há mais de 10 anos.
Outro ponto relevante a ser considerado é há quanto tempo os
agricultores produzem a oleaginosa que dará origem ao biodiesel.
Analisando-se esse aspecto, pode ser verificada a relevância da
experiência nos indicadores da sustentabilidade social, já que o PNPB
deve respeitar a cultura e os conhecimentos dos agricultores familiares.
No polo gaúcho, de acordo com os dados coletados, a cultura da soja
faz parte da rotina dos agricultores há mais de 10 anos para 48% dos
entrevistados, dado também encontrado no polo mato grossense, 68%
declaram ter experiência no cultivo e produção da soja a mais de 10
anos, outros 29% produz a mais de 5 anos e apenas 4% (1 produtor)
tem produção há somente 3 anos. Enquanto isso, no CE o cultivo da
mamona é recente, pois 45% dos agricultores familiares produzem a
oleaginosa há menos de um ano. No mesmo sentido foi a resposta de
60% dos agricultores mineiros, os quais produzem mamona há um
ano.
No PA 76% dos agricultores cultivam o dendezeiro no período
compreendido de 5 a 10 anos, fato que relaciona-se com o projeto de
assentamento criado pelo governo estadual, explicado no item anterior.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 155

Gráfico 20 – Tempo que o agricultor cultiva a oleaginosa


para o biodiesel.
FONTE: Pesquisa de Campo

Os reflexos da falta de experiência no cultivo da mamona ficaram


evidentes quando os agricultores familiares foram questionados sobre
obstáculos encontrados no desenrolar do processo. Dos entrevistados
do CE, 47% responderam que tiveram dificuldades na plantação,
atribuindo esse problema à falta de uma assistência técnica adequada,
já que semearam em local que não era apto ao cultivo. Outro fator
mencionado foi a situação climática atípica no inverno de 2009.

Gráfico 21 – Percentual de agricultores que apontaram


alguma dificuldade de plantio.
FONTE: Pesquisa de Campo
156 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

No RS, a realidade é diferente. Tal fato pode ser atribuído ao alto


nível tecnológico alcançado pela soja e à experiência dos agricultores
na sua plantação. Nos dados coletados, 84% dos agricultores familiares
responderam não ter dificuldade alguma para o plantio da soja. Somente
16% consideram haver obstáculos, distribuídos em duas categorias: as
climáticas e as técnicas.
O polo pesquisado no Estado do PA apresentou um número baixo
de agricultores que apontaram alguma dificuldade na produção e
salienta-se que nenhum no que diz respeito ao critério técnico. Somente
11% consideraram como fator de dificuldade o valor de compra
estabelecido pela empresa compradora e a falta de comprador
alternativo da produção.
Os agricultores de MG e do MT afirmaram possuir alguma
dificuldade para o plantio, percentual que variou de 60 a 70% em
ambos os estados. Porém os motivos foram diversos. Os agricultores
mato-grossenses consideram o preço de venda abaixo do esperado como
o principal obstáculo, principalmente porque os contratos de insumos
são fixados no valor anterior a colheita. Já os agricultores mineiros
indicam a falta de tecnológica e conhecimento da produção como
entrave para a produção de matéria prima.

Gráfico 22 – Tipos de dificuldades encontradas.


FONTE: Pesquisa de Campo
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 157

Outro quesito importante é nível de escolaridade, já que a


alfabetização define a relação estabelecida entre a indústria e os
agricultores, que ocorre por meio de contratos escritos. Essa relação,
portanto, pode condicionar o acesso dos produtores ao mercado de
biodiesel, se traduzindo em um indicador de sustentabilidade econômica.

Gráfico 23 – Grau de escolaridade dos agricultores.


FONTE: Pesquisa de Campo

Além disso, a educação também é fator de relevância na construção


da vida em sociedade, possibilitando o exercício da cidadania e
configurando um indicador de sustentabilidade social. O polo do Sertão
Central do CE apresentou um alto grau de analfabetismo – cerca de
40% dos agricultores assim se intitularam, e 40% deles não possuem o
primeiro grau completo. No Polo Central do RS, não se constatou a
presença de analfabetos, e 70% dos agricultores familiares enquadram-
se na categoria do primeiro grau incompleto65.
Com relação ao nível escolar dos agricultores do MT, têm-se desde
analfabeto até nível superior, entretanto 86% do total apresentam
escolaridade entre fundamental completo e ensino médio completo.

65. A nomenclatura 1º e 2º grau está desatualizada, mas era a mais conhecida pelos agricultores.
Refere-se ao ensino fundamental e médio da nomenclatura atual.
158 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Um pouco mais de 36% afirmaram terem cursado o curso técnico


agrícola, demonstrando a vocação destes para a produção rural. Em
pontos opostos encontram-se 4% de produtores analfabetos e o mesmo
percentual com nível superior completo, e ainda outros 4% estão
cursando o nível superior. No estado do PA 80% dos entrevistados não
concluíram o primeiro grau e o restante divide-se entre analfabetos e
com o primeiro grau completo. Os agricultores mineiros também
possuem sua maioria com primeiro grau incompleto, porém com
porcentagem de 50% e do restante 30% enquadra-se no nível educacional
primeiro grau completo.

5.2. Sustentabilidade Econômica

• Origem da renda da propriedade

A agricultura aparece como a fonte de renda principal dos


entrevistados. Vale observar que para a avaliação do PNPB, não foi
considerada a ajuda financeira provida às famílias necessitadas por
meio do denominado Programa Bolsa Família (PBF) e os subsídios
estaduais, ou seja, crédito sem necessidade de retorno ao governo do
Ceará66.
No polo do Nordeste, a agricultura existente até a introdução do
PNPB era de subsistência, estruturada principalmente no cultivo de milho
e feijão. Esse fato foi modificado com a inserção da mamona da região,
que passa a se apresentar como uma importante fonte de renda para os
agricultores. Portanto, no Polo de Quixadá foi criada uma nova fonte
de renda para a agricultura familiar.
Da mesma forma, na comunidade de Arauaí (Polo de Moju), a
agricultura existente até a introdução do plantio do dendê era de
subsistência, estruturada principalmente no cultivo de milho, arroz,
mandioca e criação de animais domésticos. Esse fato foi modificado
com a inserção do cultivo da palma na região, que passa a se apresentar
como uma importante e única fonte de renda para os agricultores.
Cabe salientar que o objetivo da Agropalma é o óleo de dendê, o qual é
usado para fabricação de vários produtos e o biodiesel é um deles.

66. São beneficiadas com o Programa Bolsa Família aquelas famílias com renda per capita de
R$ 70,01 até 140,00, e famílias extremamente pobres com renda per capita até R$ 70,00. A
contrapartida é que as famílias beneficiárias mantenham seus filhos e/ou dependentes
freqüentando a escola e vacinados (BOLSA FAMILIA, 2010).
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 159

No polo do MT observa-se em média 97% da renda dos produtores


é oriunda da propriedade. Entretanto, a soja não é o único produto
gerador de renda, representando em média 77% da renda total.
Quase a totalidade (96,4%) dos agricultores do polo do MT planta
milho, a denominada “safrinha”, período entre a colheita e o plantio
da soja. Desta forma, este produto complementa a renda sem competir
por terra e ainda traz benefícios para o solo. Dentre os demais produtos
geradores de renda, destaca-se o arroz, com 21%, que segundo os
produtores deve-se a uma estratégia de amenizar a dependência da
renda com a soja. Os demais produtos possuem uma comercialização
muito incipiente, e em geral informal.
Vale observar que, no polo do RS, a renda da agricultura familiar
também advém unicamente do cultivo de soja e do arroz. Porém, duas
diferenças significativas devem ser analisadas. A primeira observação
é de que ambas as culturas – soja e arroz – são destinadas ao mercado,
e em escala superior às culturas do Nordeste, principalmente em virtude
da área das propriedades e do nível de desenvolvimento tecnológico da
produção.

• Presença de compradores alternativos

Uma importante característica que diferencia os pólos é com


relação à criação ou não de um novo mercado para os produtores
familiares. Nos polos do RS e do MT, o PNBP trouxe apenas mais uma
alternativa de renda com a instalação da empresa produtora de biodiesel
na região. Mais de 90% dos agricultores gaúchos afirmaram que, se
não venderem para a Granol, poderão negociar com outros compradores.
No entanto, preferem vender para a empresa produtora de biodiesel, já
que o valor pago é maior. No MT, 71% dos produtores declaram
possuírem compradores alternativos, apenas 21% deles acreditam que
não possuem compradores alternativos caso a usina de biodiesel não
comprar sua produção.
No caso do polo de MT, é importante ressaltar que há duas usinas
de biodiesel que adquirem matéria prima dos produtores da agricultura
familiar. Com relação à localização desses produtores entrevistados,
uma fica a cerca de 420 km e outra a 160 km. Desta forma, uma usina,
em relação à outra, é comprador alternativo. Dentre os outros tipos de
compradores alternativos, os produtores relatam empresas e indústrias
de outros setores que não aqueles ligados ao biodiesel, tais como,
armazéns e esmagadoras multinacionais (Bunge, ADM e Cargill).
160 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Ressalta-se aqui a diferença entre os compradores alternativos.


No caso do RS e do MT se o comprador alternativo não fizer parte o
SAG do biodiesel é indiferente para ele se a produção é fruto da
agricultura familiar ou não. Porém quando o comprador faz parte do
SAG, como é o caso da outra usina instalada no MT é provável a
valorização do produto, pois a origem é levada em consideração, pois
dela depende a manutenção do selo Combustível Social.

Gráfico 24 – Presença de comprador alternativo.


FONTE: Pesquisa de Campo.

Quase 60% dos entrevistados mineiros responderam não saber da


presença de comprador alternativo, tal resultado deve-se principalmente
pelo pouco tempo de cultivo da oleaginosa (mamona) e ao fato de
alguns ainda não terem comercializado sua produção.
A situação nos polos do Nordeste e do Norte opõe-se aos resultados
apresentados. Pois do Polo Quixadá (CE) 70% dos agricultores familiares
responderam que não têm outro comprador para sua produção de
mamona. Menos de 20% relataram a presença de um terceiro que,
eventualmente, poderia comprar a mamona – mas eles preferem vender
para a empresa de biodiesel, porque ela possibilitou o cultivo com a
distribuição de sementes. Alguns agricultores relataram a importância
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 161

do compromisso – nem sempre ligado necessariamente à existência de


um contrato, mas à doação das sementes e à assistência técnica prestada
pelos órgãos ligados à prefeitura e ao estado.
A dificuldade de encontrar comprador alternativo também foi
relatada pelos agricultores paraenses entrevistados em maioria absoluta
(100%) afirmaram não ter comprador alternativo. Ressalta-se que entre
os agricultores e a empresa produtora de biodiesel existe um contrato
firmado o qual estabelece que os agricultores estão obrigados a vender
sua produção por 25 anos à Agropalma.

• Impacto sobre a renda com o PNPB

Quando questionados a respeito do aumento em sua renda depois


do PNPB, 80% dos agricultores do Polo Central do RS, Polo Moju do PA
e do Polo do Sudoeste de MT responderam que aumentou. O Polo do
Sertão Central do CE apresentou situações distintas: i. a maioria, cerca
de 40%, considera que a renda aumentou; ii. 35% responderam que a
renda foi mantida, e esclareceram que, devido às condições climáticas
atípicas do inverno de 2009, no qual houve excesso de chuva, ocorreu
perda total ou parcial da produção; iii. ainda por causa da situação
climática, 10% dos entrevistados relataram que a renda diminuiu, pois
a área plantada poderia ter sido destinada a outros cultivos (feijão e
milho). Em decorrência, foram obrigados a comprar produtos que eles
mesmos poderiam ter produzido; e iv. também foi diagnosticado que
alguns agricultores ainda não tinham vendido a produção.
A situação do Polo de MG é muito semelhante ao do CE. As respostas
foram dividas em duas categorias: 60% dos agricultores consideraram
que a renda aumentou e o restante respondeu que se manteve
principalmente por ainda não ter vendido a produção
Sublinha-se que o aumento da renda atestada pelos agricultores
familiares do Polo de Moju em que a maioria de 96% não se deve à
produção do biodiesel, mas sim a produção do óleo de dendê. Para os
agricultores o biodiesel trata-se somente de uma estratégia de
diversificação de produtos da empresa Agropalma.
162 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Gráfico 25 – Comportamento da renda após a produção de oleaginosa


para a produção de biodiesel.
FONTE: Pesquisa de Campo.

• Gastos com a renda extra gerada

Para os produtores que tiveram incremento da renda com o PNPB


foi perguntado sobre seu uso. No polo do RS, os agricultores familiares
demonstraram dificuldade em diferenciar a renda da soja destinada à
produção de biodiesel da renda derivada da venda da soja para outros
usos. Em síntese, 62% indicaram a alternativa de investimentos na
propriedade, principalmente em compra de maquinário, acrescida
também do item compra de bens imóveis, que representou 11% das
respostas. O item pagamento de dívidas também teve resultados
significativos. De qualquer forma, o aumento da renda vem sendo
revertido, em linhas gerais, em investimento na propriedade.
Mais de 70% dos entrevistados no MT investiram o lucro da venda
do biodiesel na propriedade, por meio de aquisição do maquinário. A
tecnologia do maquinário foi muito variada, pois dependeu do grau de
tecnologia que o agricultor encontrava-se antes da inserção do biodiesel.
Ressalta-se que o item compra de imóveis (terra) não obteve
nenhuma resposta, o que denota a importância da intensificação da
produção como forma de geração de renda e não mais na terra como
reserva de capital.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 163

No Nordeste, o aumento da renda está fortemente relacionado à


melhoria na segurança alimentar. Mais de 43% dos entrevistados
indicaram terem aumentado a quantidade e a qualidade dos alimentos
consumidos pela família. Um dos entrevistados declarou: “Agora eu
posso comer carne”.
Alguns produtores adquiriram pequenos animais, não só como
forma de investimento na propriedade, mas principalmente para a
própria alimentação, tais como caprinos, ovinos e galináceos.
A renda excedente no polo de Quixadá, diferentemente do Sul que
grande parte foi para investimentos na propriedade, abrangeu bens de
uso pessoal. As famílias adquiriram panelas e mobiliário para a casa.
O polo de MG apresentou situação semelhante ao do nordeste,
porém em percentuais distintos. O item pagamento de dívida representou
30% das respostas, seguido incremento na diversidade e quantidade de
alimentos.
No Polo do PA ao serem questionados sobre a aplicação da renda
oriunda da venda do dendê para a indústria, os produtores responderam
que: investiram na propriedade, na melhora da alimentação, na
aquisição de utensílios domésticos (geladeira, televisão, fogão a gás e
outros). Investimento na propriedade deu-se por meio da aquisição do
“Boi Carrero” utilizado para transportar o dendê.

Figura 17 – Transporte do dendê na Comunidade Arauaí.


FONTE: Pesquisa de campo.
164 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Gráfico 26 – Destino da renda obtida com a venda de


oleaginosa para indústria de biodiesel.
FONTE: Pesquisa de Campo.

• Diversificação da produção

A diversificação de culturas é visível em todas as regiões


pesquisadas. O diferencial está somente no foco da diversificação –
enquanto o objetivo dos agricultores do RS e de MT está atrelado ao
mercado, o escopo dos agricultores do Nordeste, Sudeste e Norte reside
na subsistência alimentar, pois tanto o feijão quanto o milho fazem
parte da alimentação básica. A presença de várias culturas na
propriedade cumpre com o indicador econômico de produção
diversificada, ou seja, ingresso de renda de outras atividades ou não
gerar despesa derivado da necessidade alimentar.

Gráfico 27 – Outras atividades agropecuárias nas


propriedades rurais pesquisadas.
FONTE: Pesquisa de Campo.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 165

Por fim, pode-se considerar pelas respostas dos produtores


entrevistados que houve o aumento da renda nos cinco polos pesquisados.
Porém, no Nordeste, Norte e Sudeste a produção de mamona ou dendê
se apresenta como única renda existente, em face das condições da
agricultura familiar naquelas regiões. A aplicação da renda decorrente
da venda da mamona condiz com as necessidades daqueles agricultores,
ou seja, de melhoria na própria alimentação. Vê-se claramente a ligação
entre o indicador econômico com o indicador social de elevação na
qualidade de vida.
Vale observar que, apesar de os agricultores do sertão do CE receber
incentivos do governo estadual para o plantio, houve o cuidado de se
solicitar aos mesmos que as respondas sobre o incremento da renda se
ativesse àquela oriunda da venda da matéria prima para a produção de
biodiesel. Ou seja, as respostas não contemplavam incentivos
governamentais para que se evitassem possíveis vieses.
No polo do RS e do MT a produção também tem resultados
positivos, mas a renda é utilizada para outros fins que não a alimentação.
Os agricultores demonstraram outras necessidades, pois a segurança
alimentar parece ser um indicador não tão problemático para esses
agricultores familiares pesquisados.
Assim, embora não se possam generalizar esses resultados, verifica-
se, que de uma forma geral, por meio dos indicadores econômicos
analisados do PNPB houve ganhos para os produtores familiares
entrevistados. Entretanto, sabe-se que eles são frutos da obrigatoriedade
do Selo Social e das políticas adotadas pelas prefeituras locais,
particularmente nas regiões em que a matéria prima está introduzida.
Nota-se preocupante o fato de que a mamona, não está sendo processada
pela Petrobras, devido às questões tecnológicas ainda não resolvidas,
como também que a produtividade desse produto está aquém do
esperado. Essas dificuldades tornam instável o arranjo adotado, o que
pode indicar descontinuidade futura do projeto nestas regiões, ou seja,
as consideradas prioritárias do programa.

5.3. Sustentabilidade ambiental

• Área de Preservação Permanente

O conceito de meio ambiente divide-se em quatro aspectos: meio


ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho. Entretanto, esclarece-
se que esta pesquisa se baseia na análise do meio ambiente natural.
166 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

O meio ambiente natural é aquele que existe por si só, ou seja,


independentemente da influência do homem. Podem-se citar como
exemplos: a atmosfera, a água (rios, mares, lagos etc.), a flora, as
florestas, a fauna, o solo. O meio ambiente natural é mediatamente
tutelado pelo caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, e
imediatamente, pelo §1°, I, III e VII, desse mesmo artigo67.
No que tange à vertente ambiental do conceito de sustentabilidade,
apresentam-se neste trabalho os indicadores referentes aos espaços
protegidos dentro da propriedade rural familiar. Os espaços protegidos
dividem-se em Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanentes
(APPs), ambos destinados à manutenção da biodiversidade.
As APPs e as Reservas Legais são espécies do gênero “espaços
territorialmente protegidos”, que estão previstos no inciso III do §1º do
art. 225 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). O espaço destinado à
Reserva Legal deve ser determinado pelo proprietário e aprovado pelo
órgão estadual competente, enquanto os limites da APP já são previstos
em lei.
No entanto, as APPs têm como função primordial a preservação e
proteção dos mananciais, rios e reservatórios68. Por outro lado, a Reserva
Legal destina-se a manter, dentro de cada propriedade, uma percentagem

67. “[...]§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:I - preservar
e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e
ecossistemas;[...]III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e
seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade
dos atributos que justifiquem sua proteção;[...]VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na
forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a
extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (BRASIL, 1988).
68. Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e
demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso
d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja: 1 - de 30
(trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; 2 - de 50
(cinquenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de
largura; 3 - de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200
(duzentos) metros de largura; 4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham
de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; 5 - de 500 (quinhentos) metros para
os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; b) ao redor das
lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais; c) nas nascentes, ainda que
intermitentes, e nos chamados “olhos d’água”, qualquer que seja a sua situação topográfica,
num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura; d) no topo de morros, montes,
montanhas e serras; e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°,
equivalente a 100% na linha de maior declive; f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou
estabilizadoras de mangues; g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de
ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; h)
em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 167

mínima de vegetação nativa, que cumpre uma importante função


ecológica como habitat para a biodiversidade3.Portanto, os indicadores
relativos à proteção da fauna e da flora foram unidos sob a expressão
“proteção da biodiversidade”, porque ela inclui os dois fatores de análise.
Os agricultores das regiões entrevistadas foram questionados sobre
a existência de área não cultivada e destinada à preservação da
vegetação. Os resultados obtidos foram semelhantes nos polos
pesquisados: no Sertão Central do CE, 64% dos agricultores responderam
que possuem área não destinada ao cultivo; no centro do RS, 80% dos
entrevistados deixam de produzir em uma área determinada; no sudoeste
matogrossense o percentual chega a quase 100%, em MG quase 80%, e
no PA o total de áreas não destinadas à produção não alcançou 20%.
O baixo percentual de áreas não utilizadas na produção no PA
explica-se da seguinte forma: o projeto de dendê em Arauaí apresenta
uma área expressiva de aproximadamente 4.500 hectares, dos quais
3.000 hectares são destinados à Reserva Legal, e 1.500 hectares, ao
plantio. Esse fato deriva da forma de aquisição da propriedade – todos
os entrevistados são assentados do Programa da Agricultura Familiar,
conseqüentemente, todos possuem área de Reserva Legal. Em adição a
isso, no título constitutivo é obrigatória a averbação dessa área. Por
outro lado, 17% dos agricultores desse polo afirmaram que deixam
parte da propriedade sem plantio. As áreas não utilizadas se encontram
em beira de rio, enquadrando-se no conceito de APAs.

perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações
urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos
diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo
(BRASIL, 1965).
69. A Lei n. 9.985/2000, em seu art. 1º, inciso III, recepcionou o conceito normativo de diversidade
biológica estabelecido pela Convenção sobre Diversidade Biológica, artigo 2º:”Diversidade
biológica: a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre
outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos
ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies,
entre espécies e de ecossistemas” (BRASIL, 2000).
168 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Gráfico 28 – Existência de áreas não utilizadas nas propriedades rurais


pesquisadas.
FONTE: Pesquisa de Campo.

Segundo os dados coletados, o polo do CE os produtores


apresentam 68% do total da propriedade destinada à Reserva Legal, o
que deriva também do fato de todos os entrevistados serem assentados
do Programa Nacional de Reforma Agrária, em que é obrigatória a
averbação da área de Reserva Legal. Outro fator a ser levado em conta
para explicar a presença expressiva de Reserva Legal é a falta de
maquinário para trabalhar a terra, fato também verificado no estado
do PA.
No polo do sudoeste do matogrossense os produtores indicaram
destinar quase 70% da área da propriedade para a Reserva Legal, ao
passo que quase 30% das áreas protegidas como APPs são de beira de
rio. No Polo Central do RS a APPs representam 26% do total, enquanto
as áreas de Reserva Legal estão próximas a 35%. No polo de MG tanto
a reserva legal quanto de APPs em beira de rio tem percentuais próximos
a 30%.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 169

Gráfico 29 – Locais não utilizados para cultivo.


FONTE: Pesquisa de Campo.

• Poluição e conservação do solo

As condições dos recursos hídricos foram abordadas sob o ponto


de vista da contribuição dos agricultores para eliminação da poluição
causada por despejo de resíduos. Os agricultores do Nordeste alegaram,
em maioria de 91%, não despejar qualquer tipo de dejetos (em rios,
riachos, olhos d’água). Isso em grande parte pode ser devido à tecnologia
adotada e baixo grau de desenvolvimento econômico, já que vivem de
subsistência. Porcentual inferior foi observado no centro do RS, onde o
resultado de respostas negativas à eliminação de resíduos ficou próximo
a 75%. Os entrevistados do estado do PA e do MT afirmaram não
descartar produtos nos recursos hídricos qualquer tipo de resíduo.
170 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Gráfico 30 – Frequência de descarte de resíduos em rios, riachos e olhos


d’água.
FONTE: Pesquisa de Campo.

O uso de corretivos do solo é maior no Polo Central do RS, estimado


em cerca de 70%, enquanto o polo do Sertão Central do CE apresenta
um índice inferior, de 58%, em grande parte oriunda de esterco de
animal.
A prática de correção do solo é adotada por 100% dos entrevistados
no polo do MT. A maioria dos produtores adota a rotação de culturas
com milho e soja, como também o plantio direto na palha.
No PA o uso de corretivos do solo é estimado de 100%, pois
semestralmente é compulsória a aplicação de adubo químico. Vale
observar o dendezeiro é um importante agente para a conservação dos
recursos naturais, pois as folhas da sua planta, as palmas, são fortes e
compactas, oferecendo proteção ao solo contra a erosão causada pelas
chuvas.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 171

Gráfico 31 – Frequência com que faz uso de práticas para correção do


solo.
FONTE: Pesquisa de Campo.

Salienta-se que a separação de resíduos pode ser um fator


importante na proteção do solo, pois os resíduos orgânicos são usados
na compostagem, ou seja, como adubo orgânico. O porcentual de
agricultores que separa os resíduos no CE é baixo, dada a escassez de
alimentos na região. Já os recursos inorgânicos são queimados.
No RS, 73% dos produtores afirmaram separar os resíduos
orgânicos e inorgânicos devido à existência de coleta seletiva no meio
rural, realizada pelas prefeituras. Os recursos orgânicos segundo os
produtores são utilizados para adubar a terra no cultivo de hortaliças e
leguminosas, como também para a alimentação dos pequenos animais.
172 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

Gráfico 32 – Frequência com que separa resíduos.


FONTE: Pesquisa de Campo.

Os indicadores ambientais encontrados possuem pouca ligação


com o PNBP e sim com a cultura local, crenças e atuação do estado. O
PNPB, por meio do selo Combustível Social deve procurar alternativas
para a implementação do pilar da sustentabilidade ambiental que não
se restrinjam a atuação posterior à degradação do ambiente.

5.4. Sustentabilidade Social

O resultado da análise dos indicadores econômicos de


sustentabilidade – categorizados como aumento de renda derivado do
plantio das oleaginosas, geração de renda e retorno econômico
satisfatório – demonstrou que o aumento de renda está ligado à melhora
nas condições de vida da família dos agricultores familiares. Esse fato
é observado nos polos do CE e de MG, em que os agricultores com o
incremento da renda puderam adquirir bens para sua casa e consumir
mais alimentos e com melhor qualidade. Já nos polos do RS, PA e MT,
em que os produtores apresentavam nível de renda mais elevado, que
os dos polos de CE e MG, verificou-se aumento de investimentos na
propriedade.
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 173

Ações coletivas sobre o plantio de oleaginosas para o biodiesel


também foram verificadas. Os produtores também relataram que os
órgãos públicos têm proporcionado seminários ligados ao tema. No
polo do CE 79% dos entrevistados participam das discussões
comunitárias. Os polos PA e de MG apresentaram percentuais de 50% e
62% no que diz respeito às decisões coletivas. Salientam-se dois fatores
relevantes para esse alto porcentual: o fato de os agricultores não terem
experiência sobre o cultivo da mamona e / ou dendê e a forma como
adquiriram a propriedade – via reforma agrária. O tempo de moradia
na propriedade torna-se irrelevante, pois não foi considerado um fator
de agregação social.

Gráfico 33 – Frequência com a qual participam de discussões comunitárias.


FONTE: Pesquisa de Campo.

Apesar de os agricultores do RS residirem na propriedade há mais


tempo, os dados demonstraram que esse fato não interfere na interação
social sobre o destino da plantação de soja. Os agricultores já têm
experiência no cultivo, e não adquiram a propriedade por meio de
processos iguais.
Os agricultores familiares foram questionados sobre as eventuais
alterações em suas vidas após a plantação das respectivas oleaginosas
destinadas à produção de biodiesel. Os agricultores do RS afirmaram
174 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

(84%) que suas condições de vida melhoraram, o polo do MT apresentou


resultado semelhante (80%). Com relação aos agricultores do CE, 39%
consideraram que houve melhoras, enquanto 61% afirmaram não ter
percebido diferença. Vale observar que 11% dos agricultores entrevistados
não tinham vendido a ainda a produção.
Pelos mesmos motivos do CE, no polo de MG, 60% dos agricultores
consideraram que houve melhoras. Dos que não verificaram melhora,
o principal motivo foi ainda não terem vendido a produção.

Gráfico 34 – Percepção na melhora na qualidade de vida dos entrevistados.


FONTE: Pesquisa de Campo.

Como se pode notar, os indicadores sociais apresentam-se bastante


relacionados aos indicadores econômicos. Pelas entrevistas, observou-
se também que há muitos desafios a serem enfrentados para que o
Programa obtenha os resultados desejados, em termos de incorporação
dos produtores familiares no mercado de biodiesel. Nos casos em que
a produção da matéria prima já faz parte da dinâmica dos produtores,
os ganhos advindos do programa foram principalmente pelo fato de
que os produtores agora possuírem um canal a mais para escoar a
produção. Esse é o caso dos agricultores do RS, MT e PA. No entanto,
para os produtores novos, os que estão nas áreas foco do Programa,
particularmente no CE e MG, a falta de tradição no cultivo da matéria
FLAVIA TRENTINI | M A R I A SYLV I A MACCHIONE SAES | ORGS . 175

prima, as dificuldades tecnológicas e falta de recursos são questões que


precisam ser resolvidas. Isso para que o Programa não deixe de lado os
produtores familiares para conseguir se tornar um grande produtor de
biodiesel.
Conclusões

A presente pesquisa objetivou analisar os efeitos dos condicionantes


da demanda por sustentabilidade no setor de bicombustível brasileiro.
Para isso priorizou-se estudar as relações entre os agentes produtivos
dos sistemas agroindustriais de biodiesel e de etanol, visando discutir
de que forma os agentes estão se adaptando e / ou antevendo às
mudanças que estão sendo impostas a sua realidade.
Inicialmente foi apresentado o ambiente competitivo e o
institucional em que estão inseridos os dois mercados, de forma a mostrar
como estes influenciam o lócus estratégico das firmas. No caso do SAG
do etanol, por se constituir de um setor tradicional e ter uma
configuração mais madura, em termos de relações produtivas, optou-
se por estudar os contratos firmados entre os segmentos, buscando
verificar as relações de conflitos e cooperação no tema sustentabilidade.
No que diz respeito aos contratos do segmento agrícola do sistema
agroindustrial do etanol, o estudo evidenciou que as alterações
institucionais e legais formatada para níveis mais exigentes de
sustentabilidade social e ambiental tiveram importante impacto na forma
de organização das firmas, alterando as modalidades mais frequentes
de governança da cadeia. Verificou-se que houve uma tendência de
produtores individuais de pequeno e médio porte sofrerem perdas de
eficiência e competitividade, que somente puderam ser compensadas
com a adoção de maior integração com a indústria.
No que tange às negociações envolvendo usinas e distribuidoras,
se pôde notar que tanto as estruturas de governança, bem como as
estratégias adotadas pelos agentes, são norteadas basicamente pelo fator
preço, desempenhando a sustentabilidade um papel de mero “protocolo
a ser seguido”, a exceção dos agentes que atuam ou almejam atuar no
mercado externo. Nos contratos de exportação, há a presença de
178 SUSTENTABILIDADE : O DESAFIO DOS BIOCOMBUSTIVEIS | VOL . 1

adequações da produção aos patamares de sustentabilidade pretendidos


internacionalmente.
No que tange ao biodiesel, as ações para implantação desse
mercado no Brasil, inovou ao colocar como cerne o Selo Social, que
tem como principal meta a incorporação da produção familiar no
mercado de energia alternativa. Por trazer dois objetivos complexos:
criação de um mercado e incorporação da produção familiar o programa
tem importantes desafios a solucionar. Há que solucionar a questão da
tecnologia na fabricação de biodiesel com matéria prima oriunda da
produção familiar, particularmente a mamona. Há que organizar a
produção para que esta seja capaz de atender a demanda. Pela pesquisa
realizada com os produtores familiares, percebeu-se que os ganhos
advindos da produção de biodiesel foram criar um mercado a mais
para escoar a produção, enquanto para os produtores de mamona os
ganhos decorrem da política do governo: assistência e subsídios à
produção.
Referências

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Sobre os Autores

Coordenadoras

Dra. Flavia Trentini70


Professora Doutora da Universidade de São Paulo – Faculdade de Direito
de Ribeirão Preto
Pós-doutora em Administração – Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP)
Pesquisadora do Grupo de Estudos Agrários (GEA FD/FEA – USP)
Diretora Secretária Geral do Instituto Brasileiro de Direito Ambiental,
Direito Agrário e Economia (IBRAA)
Dra. Maria Sylvia Macchione Saes
Professora Associada da Universidade de São Paulo – Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo
(FEA/USP)
Membro do PENSA – Centro de Conhecimento em Agronegócios
Pesquisadora do Grupo de Estudos Agrários (GEA FD/FEA – USP)
Diretora de Apoio à Universidade, Pesquisas e Projetos do Instituto
Brasileiro de Direito Ambiental, Direito Agrário e Economia (IBRAA)

Co-autores

Ms. Amilton Luiz Novaes


Professor Assistente da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
Mestre em Agronegócio – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
(UFMS)

70. Pesquisador CNPq/Coordenadora do Projeto nº 04/2008 CNPq


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Ms. Fabio Dolnikoff


Mestre em Administração pela FEA/USP
Professor do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa
Flávia Baldotto da Rocha71
Advogada
Mestranda em Direito – USP. Bolsista do Projeto CNPQ
Membro do Grupo de Estudos Agrários (GEA FD/FEA – USP)
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Ambiental, Direito Agrário e
Economia (IBRAA)
Francisco de Godoy Bueno
Advogado formado pela Faculdade de Direito da USP
Pós-graduando em Contratos Empresariais – Instituto de Ensino e Pesquisa
(INSPER)
Membro do Grupo de Estudos Agrários (GEA FD/FEA – USP)
Diretor de Apoio às Associações ligadas às Atividades Agrárias do
Instituto Brasileiro de Direito Ambiental, Direito Agrário e Economia
(IBRAA)
Paula Sarita Bigio Schnaider72
Bacharel em Administração de Empresas – Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP)
Mestranda em Administração – Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP)
Dra. Roberta de Castro Souza
Professora Doutora da Universidade de São Paulo- Engenharia de
Produção – Escola Politécnica da (POLI/USP)
Doutora em Engenharia de Produção – Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo (POLI/USP).

71. Bolsista do CNPq – Projeto 05/2008


72. Bolsista do CNPq – Projeto 05/2008.

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