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Cultura Documentos
Albino Jopela
(Editor)
Maputo
2011
i
Ficha Técnica
Título
Manual de Conservação do Património Cultural Imóvel em Moçambique
Coordenação
Solange Macamo
Editor
Albino Jopela
Autores
Albino Jopela, Décio Muianga, Kátia Filipe, Matilde Muocha, Solange Macamo e Teodato
Nguirazi.
Revisão
Solange Macamo
ii
Nota sobre os autores
iii
Sumário
Lista de Figuras ..................................................................................................................................... vi
Siglas e Acrónimos ............................................................................................................................... vii
Apresentação
Armando Artur João ........................................................................................................................... viii
Prefácio
Aires Bonifácio Ali .................................................................................................................................. x
Agradecimentos .................................................................................................................................... xi
I. Introdução
Solange Macamo ................................................................................................................................... 1
II. Definição de conceitos-chave
Albino Jopela .......................................................................................................................................... 3
1. Cultura ........................................................................................................................................... 3
2. Património Cultural ....................................................................................................................... 3
3. Património Cultural Tangível ......................................................................................................... 4
4. Protecção do Património Cultural Imóvel ..................................................................................... 5
5. Preservação do Património Cultural Imóvel ................................................................................. 5
6. Conservação do Património Cultural Imóvel................................................................................. 6
7. Gestão do Património Cultural Imóvel .......................................................................................... 6
III. Importância da Conservação do Património Cultural Imóvel em Moçambique .............................. 7
IV. Constrangimentos que afectam o Património Cultural Imóvel em Moçambique ........................... 9
1. Diagrama dos perigos que ameaçam o Património Cultural Imóvel........................................... 10
2. Exemplos de constrangimentos que afectam o Património Cultural Imóvel em Moçambique . 11
2.1 Arte Rupestre ........................................................................................................................ 11
2.1.1. Deterioração de Origem Natural .................................................................................. 12
2.1.2. Deterioração de Origem Humana ................................................................................ 13
2.2 Estrutura em Pedra - Amuralhados do tipo Zimbabwe ........................................................ 13
2.2.1. Deterioração de Origem Natural .................................................................................. 14
2.2.2. Deterioração de Origem Humana ................................................................................ 15
2.3 Património Histórico Edificado ............................................................................................. 16
2.3.1. Deterioração de Origem Natural .................................................................................. 16
2.3.2. Deterioração de Origem Humana ................................................................................ 17
V. Conservação do Património Cultural Imóvel
Solange Macamo ................................................................................................................................. 19
1. Princípios gerais de conservação do Património Cultural Imóvel ............................................... 19
2. Princípios gerais de restauro do Património Cultural Imóvel ..................................................... 21
3. Procedimentos técnicos para a conservação do Património Cultural Imóvel
Albino Jopela ................................................................................................................................... 22
3.1 Documentação do Património Cultural Imóvel .................................................................... 22
3.2 Avaliação das condições existentes num bem do Património Cultural Imóvel .................... 23
3.3 Definição do significado cultural (valores) do Património Cultural Imóvel .......................... 24
3.3.1 Valores culturais ............................................................................................................ 26
a) Valor histórico ............................................................................................................ 26
b) Valor de identidade (baseado no reconhecimento) .................................................. 27
iv
c) Valor relativo artístico ou técnico .............................................................................. 29
d) Valor científico (arqueológico) .................................................................................. 30
3.3.2 Valores socioeconómicos contemporâneos .................................................................. 31
a) Valor social ................................................................................................................. 31
b) Valor económico ........................................................................................................ 33
c) Valor político .............................................................................................................. 34
d) Valor local, nacional e mundial .................................................................................. 34
3.4 Monitoria das condições do Património Cultural Imóvel ..................................................... 37
4. Procedimentos técnicos para a conservação do Património Cultural Imóvel
Teodato Nguirazi ............................................................................................................................. 38
4.1. Monumentos arqueológicos ................................................................................................ 38
4.1.1. Amuralhado de Niamara .............................................................................................. 39
4.1.2. Amuralhado de Manyikeni ........................................................................................... 41
4.2. Locais e sítios com pinturas rupestres
Décio Muianga ............................................................................................................................ 43
4.2.1. Pinturas rupestres de Macanga .................................................................................... 43
4.2.2. Pinturas rupestres de Chinhamapere ........................................................................... 44
4.2.3. Pinturas rupestres de Chicolone................................................................................... 46
4.3 Património Histórico Edificado
Teodato Nguirazi......................................................................................................................... 48
VI. Gestão do Património Cultural Imóvel em Moçambique
Albino Jopela ........................................................................................................................................ 51
1. Custódia Tradicional do Património Cultural Imóvel .................................................................. 51
1.1 Exemplo da custódia tradicional do Património Cultural Imóvel em Moçambique ............. 52
1.2. Combinação dos Sistemas Tradicionais e dos Métodos Modernos na Gestão do Património
Cultural Imóvel ............................................................................................................................ 54
2. Gestão do Património Cultural Imóvel no contexto da Educação Patrimonial
Matilde Muocha .............................................................................................................................. 57
2.1. Sobre a Educação Patrimonial ............................................................................................. 57
2.2. Sobre a importância da Educação Patrimonial .................................................................... 58
2.3. Quem faz a Educação Patrimonial? ..................................................................................... 58
2.4. Meios da Educação Patrimonial........................................................................................... 59
2.4.1. Simpósios, workshops, seminários ............................................................................... 60
2.4.2. Currículo escolar ........................................................................................................... 60
2.4.3. Publicações simplificadas ............................................................................................. 61
2.4.4. Meios de comunicação social ....................................................................................... 62
2.4.5. Uso de placas de identificação e interpretação ........................................................... 62
3. Turismo Cultural no contexto da Gestão do Património Cultural Imóvel
Kátia Filipe ....................................................................................................................................... 65
VII. Considerações finais
Albino Jopela ........................................................................................................................................ 70
VIII. Referências Bibliográficas............................................................................................................. 71
v
Lista de figuras
vi
Siglas e Acrónimos
AAN Rede de Arqueologia Africana
AHM Arquivo Histórico de Moçambique
AFRICA 2009 Programa Regional de Desenvolvimento e Formação na Área do
Património Cultural
ARPAC Instituto de Investigação Sócio - cultural
ASDI Agência Sueca de Desenvolvimento Internacional
CEDH Centro de Estudos de Desenvolvimento do Habitat
CNPC Conselho Nacional do Património Cultural
DAA Departamento de Arqueologia e Antropologia
DGS Direcção Geral de Segurança
DINAC Direcção Nacional de Cultura
DNPC Direcção Nacional do Património Cultural
FAPF Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico
FLCS Faculdade de Letras e Ciências Sociais
FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique
GACIM Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique
ICOMOS Conselho Internacional de Monumentos e Sítios
ICCROM Centro Internacional para o Estudo da Preservação e Restauração do
Património Cultural
INDE Instituto Nacional do Desenvolvimento da Educação
MC Ministério da Cultura
MEC Ministério da Educação e Cultura
NORAD Agência Norueguesa para o Desenvolvimento
ONG Organização Não Governamental
PC Património Cultural
PCI Património Cultural Imóvel
PCESG Plano Curricular do Ensino Secundário Geral
PHE Património Histórico Edificado
PIDE Polícia Internacional de Defesa do Estado
PPAGPCM Projecto de Pesquisa Arqueológica e Gestão do Património Cultural em
Moçambique
SIDA-SAREC Agência Sueca para a Cooperação Científica
UEM Universidade Eduardo Mondlane
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
VUE Valor Universal Excepcional
vii
Apresentação
O Manual de Conservação do Património Cultural Imóvel em Moçambique é uma obra que foi
preparada em 2008, contando já com um prefácio do então Ministro da Educação e Cultura,
Sua Excelência Aires Bonifácio Baptista Ali. Dificuldades que se prenderam, essencialmente,
com falta de financiamento não permitiram que a obra fosse publicada nessa altura. Ainda na
fase de edição, o Manual foi sendo usado durante os vários cursos de formação de técnicos
provinciais e distritais do sector da cultura, o que contribuiu para a sua familiarização acerca
das noções de património cultural, tipos e a sua aplicabilidade.
Este Manual surge numa altura em que, a legislação sobre protecção do património cultural
do país foi reforçada, com a aprovação em 2010, pelo Conselho de Ministros, das duas
Políticas de Monumentos e de Museus. Usando a generosa oferta de financiamento da
Agência Espanhola para a Cooperação Internacional (AECID), o Ministério da Cultura
considerou pertinente a publicação deste Manual, com vista a sua larga difusão e uso, de
forma a contribuir para o fortalecimento das intervenções cada vez maiores na área de gestão
e conservação do património cultural.
Neste ano em que se celebra o Ano do Presidente Samora Machel, Herói Nacional, o
Ministério da Cultura tem sob a sua responsabilidade a nobre tarefa de construir
Monumentos em todas as capitais provinciais, que fazem homenagem a sua figura, como
fundador do Estado Moçambicano e primeiro Presidente da República Popular de
Moçambique. Nesse sentido, há necessidade de conservar e garantir a gestão eficiente dos
monumentos a serem erguidos, bem como de todo o legado relacionado com o Presidente
Samora Machel, com destaque para o Local Histórico de Chilembene, terra onde nasceu, na
província de Gaza.
viii
Cultural, pelo Mestre Albino Jopela, docente e investigador no Departamento de Arqueologia
e Antropologia, na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane.
O seu empenho e dedicação resultaram no presente Manual de Conservação do Património
Cultural Imóvel em Moçambique, cuja coordenação coube à Doutora Solange Macamo,
Directora Nacional do Património Cultural, contando ainda com a contribuição de docentes e
técnicos ligados ao património cultural, em Moçambique.
O Ministro da Cultura
ix
Prefácio
No entanto, apesar dos vários esforços levados a cabo com vista à conservação do património
cultural, os bens imóveis constituem ainda, na sua maioria, parte vulnerável do nosso
património cultural. De facto, os problemas de origem natural como é o caso da acção de
determinadas espécies de animais e plantas assim como o uso indevido dos bens patrimoniais
quer por negligência, ignorância ou indiferença, constituem alguns dos constrangimentos que
afectam o património cultural imóvel em Moçambique. É por isso imprescindível a adopção
de um instrumento orientador ou guia prático, visando a facilitação da conservação e
divulgação do património cultural imóvel, tanto pelo Estado como pela sociedade civil,
instituições privadas e pessoas singulares.
Maputo, 2008
x
Agradecimentos
Os comentários iniciais, sobre este trabalho, feitos pela então Vice-Ministra da Educação e
Cultura, Sua Excelência Antónia da Costa Xavier Dias, à quem agradecemos, foram muito úteis
para adequar melhor os conteúdos ao público das escolas, no âmbito do currículo local.
Agradecemos ainda à Doutora Alda Costa, museóloga, pelos comentários muito oportunos
que ajudaram a melhorar o trabalho, ainda na sua fase embrionária.
xi
Solange Macamo
I. Introdução
O presente manual tem como objectivo contribuir para a disseminação dos procedimentos
básicos de conservação do Património Cultural Imóvel (abreviadamente designado PCI) em
Moçambique, de forma a garantir a sua fruição pela comunidade, através de métodos
adequados de conservação. É, essencialmente, um guia prático a ser usado pelos dirigentes e
técnicos da área do património cultural e ainda por professores, no âmbito da utilização dos
recursos culturais para o desenvolvimento do programa do currículo escolar local. Na
elaboração deste manual foi usada a legislação e documentação normativa sobre o
património cultural existente no país e a nível internacional, como a que se segue:
1
Macamo, S. (Coord.) 2003a. Inventário Nacional de Monumentos, Conjuntos e Sítios - Património Cultural.
Maputo: Ministério da Cultura e UNESCO.
1
• Lei No. 13/2009 da Assembleia da República que estabelece um quadro legal que visa
proteger, preservar e valorizar o património da Luta de Libertação Nacional,
designadamente: (i) As bases e destacamentos da Frente de Libertação de
Moçambique, os centros educacionais e os locais onde se realizaram as principais
reuniões durante a Luta de Libertação Nacional; (ii) Os monumentos da Frente de
Libertação de Moçambique; e (iii) As sedes e as penitenciárias da Polícia Internacional
de Defesa do Estado (PIDE) e Direcção Geral de Segurança (DGS).
• Resolução no 12/2010 de 2 de Junho sobre a Política de Monumentos que tem como
objecto a preservação e valorização de Bens Imóveis do Património Cultural de
Moçambique, de forma a garantir a sua fruição pública. Abrange os monumentos,
conjuntos e sítios, de acordo com o critério de valor local, nacional ou universal que
estes bens representam.
• Convenção da UNESCO para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural,
1972. Na qualidade de Estado Parte da Convenção de 1972, Moçambique
compromete-se a assegurar a identificação, protecção, conservação, apresentação do
Património Cultural e natural situado no seu território, transmitindo o seu legado às
futuras gerações.
2
Albino Jopela
1. Cultura
A cultura pode ser definida como sendo um conjunto complexo de maneiras de ser, estar, e
relacionar-se desde o nascimento até a morte, passando pelos rituais que marcam os
principais momentos do processo de integração social e de socialização. A cultura
compreende: os aspectos materiais (vestuário, arquitectura, instrumentos de trabalho); os
aspectos filosóficos (ideias, crenças, valores). Estes aspectos estão em constante interacção
com novas realidades e experiências. Por isso, a cultura deve ser entendida como a totalidade
do modo de vida de um povo ou comunidade (Resolução no 12/97, 1997:5).
2. Património Cultural
2
São entendidos como sendo os elementos que fazem parte da memória colectiva, tais como a história e a
literatura oral, as tradições populares, os ritos, as próprias línguas nacionais e ainda obras da criatividade
comunitária e todas as formas de criação artística e literária (contos, provérbios e outros aspectos do saber
popular).
3
PATRIMÓNIO CULTURAL
Património Tangível Património Intangível
IMÓVEL MÓVEL Música
Obras arquitectónicas Manuscritos antigos Dança
Monumentos Objectos etnográficos Literatura
Estações arqueológicas Obras de arte plásticas, Teatro
Locais históricos Objectos de arte popular Tradição oral
Centros históricos Colecções museológicas Práticas sociais
Paisagens culturais Instrumentos líticos Artesanato
Jardins botânicos Moedas e medalhas Religiões
Elementos naturais Cerimónias
São os bens culturais móveis3 e imóveis com valor arqueológico, arquitectónico, histórico,
antropológico e artístico, que fazem parte do património cultural moçambicano. Constituem
bens culturais imóveis:
• Locais ou Sítios - Lugares relacionados com tráfico de escravos, estações arqueológicas, como
por exemplo, os abrigos com pinturas rupestres; os centros de poder pré-colonial e as
3
Constituem bens culturais móveis elementos arqueológicos, manuscritos antigos, objectos históricos, objectos
etnográficos, obras de arte plásticas, arte popular, decorativa, de artesanato ou representativa de épocas,
género e estilos.
4
construções do tipo Zimbabwe. Entram ainda nesta definição os Locais Históricos da
Resistência contra a ocupação colonial assim como da Luta Armada de Libertação Nacional;
A protecção é entendida, em termos legais, como sendo a acção necessária para proporcionar
as condições de sobrevivência do património cultural e neste caso do monumento ou estação
arqueológica. A protecção legal, baseada na legislação e normas que possam ser
implementadas, visa garantir a defesa contra intervenções prejudiciais e estabelece as
respectivas penalizações (Macamo 2003a). Por exemplo, o Estado promove a declaração e
classificação de Imóveis, com vista a distingui-los e a reconhecer o seu valor arqueológico,
histórico, sócio - cultural, artístico, estético ou natural e garantir a sua conservação e fruição
pela comunidade, conferindo-lhes uma protecção legal e um estatuto privilegiado. A
classificação de Bens Imóveis do Património Cultural tem como finalidade a conservação
permanente do Imóvel e a sua protecção contra a destruição ou contra as alterações não
autorizadas pela autoridade competente.
5
6. Conservação do Património Cultural Imóvel
Numa perspectiva mais abrangente, gestão refere-se à conservação planeada dos recursos
patrimoniais existentes, identificados e avaliados, de modo a prevenir a exploração, a
decadência ou destruição devido a negligência, ignorância ou indiferença por parte o público
em geral. No presente manual, o termo gestão é entendido como sendo todo o processo que
visa não só cuidar do local (monumento, estação arqueológica, local histórico, paisagem e sua
área circundante), incluindo os bens culturais tangíveis e intangíveis associados, como
também reter e manter o seu significado cultural, ou seja, todos os valores que são atribuídos
ao património pelos grupos interessados ou afectados (Ndoro 2001).
4
O termo refere-se ao contínuo cuidado e protecção do imóvel e a sua área circundante e deve-se distinguir da
reparação. Esta última envolve reabilitação e restauro (Burra Charter 1999).
5
É o conjunto de operações de reparação que, mantendo a imagem e a traça original no exterior dos edifícios,
inclusive por processos de modernização nas tecnologias e materiais, permite garantir maior longevidade e
maior conforto no seu uso ou na sua funcionalidade para acolhimento de novos usos (CEDH/FAPF 2008).
6
Conjunto de acções de reposição do estado original de uma construção com melhoria ou modernização das
suas funcionalidades (CEDH/FAPF 2008).
6
e legitimado pelas instituições do Estado através da adopção de instrumentos legais e das
normas aplicáveis ao património cultural. Pela sua natureza, este sistema tornou-se
hegemónico no concernente à gestão da herança cultural das comunidades (Ndoro & Pwiti
1999; Ndoro 2003; Mumma 2005). Por seu turno, o sistema de custódia tradicional é
apanágio de muitas comunidades que vivem nas proximidades de sítios do património
cultural. A custódia tradicional, enquanto modelo de gestão do património é anterior à
ocupação colonial e é regido por sistemas políticos, sociais, religiosas e éticas das
comunidades locais. O mesmo é orientado pelas necessidades do dia-a-dia (uso/ práticas) das
comunidades e legitimado pelos direitos históricos de uso e aproveitamento dos recursos
existentes e disponíveis localmente (Jopela 2006, 2010b).
De um modo geral, existem inúmeras razões para se conservar o PCI, na medida em que este:
7
particular (Moçambique com a Ilha de Moçambique, a República do Zimbabwe com o
amuralhado do Grande Zimbabwe; o Egipto com as pirâmides; a Índia com o Taj
Mahal, entre outros exemplos).
8
importante para a gestão do património cultural, incluindo bens móveis e imóveis e ainda o
património intangível. No entanto, a legislação por si só não é capaz de evitar a degradação
do PCI. Há necessidade da tomada de medidas preventivas, depois de se conhecerem os
principais factores que afectam a conservação do PCI.
A deterioração dos bens do PCI é um processo natural irreversível, que pode ser
constantemente adiado mas não se pode evitar. O facto de alguns bens do património
cultural terem sobrevivido por centenas de anos (como é o caso dos amuralhados e pinturas
rupestres etc.), pode induzir à assumpção de que os mesmos irão sobreviver para sempre
(Walderhaug Saetersdal 2000). De facto, a não percepção por parte dos gestores do
património e do público em geral de que o nosso PCI não é eterno, constitui um dos principais
problemas para a sua conservação.
9
De um modo geral, o PCI está, constantemente, a deteriorar-se como resultado das mudanças
físicas, biológicas e químicas que ocorrem ao longo do tempo – deterioração natural. No
entanto, se a deterioração dos bens culturais imóveis é um fenómeno natural, a velocidade
com que a mesma ocorre deve-se, em grande medida, às acções do homem. A deterioração
artificial (não natural) resulta das diversas acções levadas a cabo pelo homem e que afectam
negativamente o património cultural (Mazel 1982; Jopela 2007).
Por conseguinte, a forma pela qual um monumento se deteriora depende do material do qual
o bem patrimonial é feito e também das condições naturais e humanas às quais o mesmo se
encontra sujeito. Os elementos que ameaçam os bens do património cultural não têm o
mesmo efeito. Alguns deles podem danificar o património imediatamente e de uma forma
permanente, como é o caso de terramotos, fogos ou conflito armado. Outros actuam
lentamente e levam muito tempo antes que os danos se tornem realmente visíveis, como é o
caso da corrosão, humidade, etc. De um modo geral, as estações arqueológicas é que estão
particularmente mais expostas às condições do clima, roubos, vandalismo, escavações ilícitas
e ao impacto negativo do turismo.
10
2. Exemplos de constrangimentos que afectam o Património Cultural Imóvel em
Moçambique
7
Caracterizam-se pela representação de pessoas e animais, sendo o vermelho a cor predominante. Pelo seu
carácter detalhado, é possível identificar em alguns casos a espécie do animal e o sexo das figuras humanas
representadas nas rochas.
8
Também designadas Batwa, são marcadas pelo uso extensivo de desenhos geométricos de cor vermelha,
representação de animais em proporções distorcidas e em poucos casos apresentam desenhos de figuras
humanas.
9
Estas pinturas têm como principal característica predominância da cor branca em relação à vermelha. São
executadas a dedo e normalmente aparecem desenhos de animais e de pessoas (Smith 1997).
11
No entanto, e apesar do reconhecido valor arqueológico e cultural que é atribuído às estações
com pinturas rupestres, as mesmas tem-se debatido com vários problemas de ordem humana
e natural, que tem acentuado cada vez mais a sua deterioração.
Água de superfície – Normalmente resulta da queda de chuvas e escorre pelo painel (contendo
pinturas rupestres), o que resulta numa acção erosiva. Geralmente, esta erosão de água deixa um
rastro vertical característico e nas zonas marginais, ao longo da área manchada, verifica-se,
normalmente, uma concentração de sais e microrganismos (cor branca). Este processo que,
geralmente, afecta as pinturas expostas em estações a céu aberto, em muitos casos resulta na perda
de pigmentação das pinturas existentes na rocha.
Poeira - Pode ser causada por animais em busca de abrigo, pessoas que residam nas imediações das
estações, estradas não asfaltadas com considerável tráfico, etc. Frequentemente, as partículas de pó
(incluem elementos como quartzo, barro, ou agentes de ferrugens) são aerotransportadas e acabam
depositando-se na superfície da rocha. Uma vez depositado na superfície da rocha, o pó passa por um
processo de mineralização até tornar-se permanente na superfície, sendo praticamente impossível a
sua remoção, sem causar dano para as pinturas rupestres aí existentes.
Acção animal - Em abrigos rochosos, animais como bois, cabritos, macacos e outros podem esfregar-
se frequentemente contra superfícies da rocha que contém pinturas rupestres. Isto causa desgaste
dos pigmentos usados na pintura, dada a presença de substâncias como pó e lama no corpo dos
animais, causando a descoloração ou desaparecimento das imagens. De modo semelhante, algumas
espécies de pássaros constroem seus ninhos em abrigos de pedra (no tecto e nas paredes superiores).
Isto pode obscurecer as pinturas e causar a perda de pigmentos em caso de remoção do ninho da
superfície da rocha.
Vegetação – As plantas com folhas e talos bem como outros tipos de vegetação podem escovar a
superfície da rocha contendo pinturas, causando um efeito abrasivo na arte. A acção das raízes pode
causar rachas no substrato e debilitar a estrutura física da rocha. Apesar destes impactos negativos, a
vegetação pode, por outro lado, contribuir para a preservação da arte, impedindo a luz solar de incidir
12
directamente sobre painéis com pinturas, ou pelo menos, reduzir o período em que as pinturas ficam
expostas ao sol (Jopela 2007:19-20).
Contacto corporal – Em muitos casos ocorre quando as pessoas tentam tirar fotografias num espaço
apertado (abrigo rochoso de pequenas dimensões); quando se sentam ou se apoiam em pedras que
contém arte para alcançar determinados fins; ou simplesmente tocam nas pinturas porque têm uma
atracção táctil. Estas acções podem causar adulteração do pigmento e podem manchar a arte
reduzindo a sua beleza estética.
Erosão da estação - Geralmente causada pelo elevado tráfico de pessoas que caminha fora das trilhas
previamente estabelecidas para o efeito, ou pela acção de elementos naturais como água das chuvas
ao escorrer do topo dos montes para as áreas mais baixas. O corte indiscriminado de árvores para uso
como combustível lenhoso em áreas com pinturas rupestres (montes) pode também acelerar a
erosão.
Fogos - Os efeitos de fogos incluem a fumaça que pode enegrecer as superfícies do abrigo rochoso e
também a esfoliação da superfície de pedra (Jopela 2007:21).
10 Vandalismo é um conceito difícil de definir, mas em geral refere-se a todos os actos inapropriados por parte
dos utilizadores/visitantes do bem patrimonial que resultam num dano à integridade da natureza original do
património.
11
As grafites são produzidos por diferentes tipos de marcadores, lápis, batom, esmalte de unha e materiais
similares que os visitantes facilmente trazem consigo.
13
viviam os chefes, como símbolo de poder e de prestígio (Meneses 1989, Ndoro 2001;
Macamo 2006). Este termo pode englobar ainda todas as ruínas de empedrado constituídas
por complexos, recintos, fortins, simples ou desmoronados, torres cónicas, sepulcros, bases
onde assentaram palhotas habitacionais (estruturas de dhaka) (Macamo 2003b citando
Oliveira 1973). É o caso do Grande Zimbábwé na República do Zimbabwe e dos amuralhados
de Niamara, Songo e Manyikeni em Moçambique (Macamo 2006). À semelhança dos sítios
com pinturas rupestres, os amuralhados também tem-se debatido com vários problemas de
ordem humana e natural.
Em muitos casos, árvores gigantescas crescem com raízes muito profundas que
desestabilizam a estrutura do amuralhado. O crescimento de variadas espécies de plantas, se
não for controlado, pode bloquear o acesso e a vista do monumento. Um crescimento
14
considerável do sistema de raízes da vegetação, pode causar deformações e distúrbio na
fundação, resultando na consequente perda de estabilidade, o que pode levar ao colapso
parcial ou total da estrutura do amuralhado.
É nesta base que, alguns elementos naturais actuam como mecanismos que contribuem para
o colapso dos amuralhados do tipo Zimbabwe. O crescimento da vegetação pode também
causar o deslocamento das pedras no topo da parede. Neste caso, as pedras perdem a sua
posição inicial que, até certa medida, conferia equilíbrio à pilha das demais pedras desde a
fundação. De modo semelhante, basta uma secção da parede entrar em colapso, para a zona
de instabilidade progredir ao longo da restante área, tombando, progressivamente, as pedras
(Ndoro 2001).
Quando este bem patrimonial se encontra aberto ao público, alguns visitantes podem tornar-
se a principal causa de degradação do imóvel. De facto, casos há em que os visitantes
danificam o imóvel, por exemplo, ao escalar e sentarem-se nas paredes do amuralhado, ou
mesmo ao caminharem sobre depósitos arqueológicos. De igual modo, algumas actividades
das próprias comunidades locais, quando desconhecedora do valor do imóvel, podem
ameaçar a integridade dos imóveis. As ameaças podem assumir a forma de roubo, pastagem
de gado, abate de árvores para fins de uso doméstico ou a realização de rituais que não são
compatíveis com as condições do monumento (Ndoro 1996).
15
Por outro lado, práticas arqueológicas e de preservação impróprias também afectam a
conservação dos amuralhados. As escavações arqueológicas mal posicionadas podem minar a
fundação de algumas paredes do imóvel.
O Património Histórico Edificado (PHE) é constituído por todos os edifícios que são
testemunhos de épocas passadas, sendo identificados por documentação literária ou pela
construção em si, através da sua tipologia, técnica de construção ou de outra forma. O PHE
inclui não somente edifícios urbanos, mas também outras obras construídas, tais como
construções arqueológicas (como as construções do tipo Zimbabwe e Swahili), fortins, poços,
túmulos, pavimentos e outros.
De um modo geral, o envelhecimento natural dos materiais que fazem parte do Património
Histórico Edificado associado às condições do clima (sol, chuva, humidade) constitui a
principal causa de degradação desta categoria do PCI. As mudanças frequentes de
16
temperatura entre noite (muito baixas) e o dia (muito elevadas) causam a presença de água,
por exemplo num edifício de alvenaria, responsável pelo fenómeno de condensação e
evaporação. A tensão causada pelos sucessivos ciclos de aquecimento/arrefecimento,
associado às acções das chuvas contribui, sobremaneira, para a deterioração de materiais
como a madeira que em muitos casos constitui parte integrante do imóvel (Carrilho 2005).
No caso do PHE localizado ao longo da costa a sua deterioração está igualmente associada ao
elevado teor de sal nas paredes dos edifícios. Por exemplo, nos edifícios de alvenaria com
elevado teor de sal marinho resultante do tipo de materiais usados, os processos de
degradação surgem quando um dos três elementos do ambiente onde se inserem as paredes
(a temperatura, a água e o sal se altera), criando-se um desequilíbrio no conjunto (CEDH/FAPF
2008).
17
Desenvolvimento urbano - O crescimento populacional e a necessidade de expansão leva, por
vezes, a um desenvolvimento urbano descontrolado que pode resultar na destruição de
edifícios históricos dada a necessidade de racionalização no uso do espaço urbano.
18
Solange Macamo
Não existe um método universal para a conservação do Património Cultural. Cada categoria
do património imóvel (monumento, conjunto e sítio) tem os seus problemas humanos,
geológicos e ambientais que mudam ao longo do tempo. Mesmo assim, os princípios gerais
de conservação podem ser aplicados aos bens imóveis do património cultural, em
Moçambique, pesem embora os vários constrangimentos e desafios.
Os princípios gerais mais conhecidos de conservação do património cultural imóvel são os que
se seguem:
19
• Proteger e preservar recursos arqueológicos in situ (ou seja onde estão situados). Onde há
risco do seu desaparecimento, tomar medidas de mitigação para limitar a deterioração e
perda de informação;
• Avaliar as condições existentes dos elementos que definem e caracterizam o imóvel, para
determinar as intervenções apropriadas a serem levadas a cabo;
• Manter os elementos característicos do imóvel, através da reparação e reforço dos seus
materiais e uso de métodos de conservação credíveis, como os seguintes:
a) Os materiais em falta que definem o imóvel devem ser substituídos com base no uso de
protótipos sobreviventes;
b) Os elementos característicos que definem um imóvel devem ser reparados no lugar de
serem substituídos. Quando os elementos característicos estão degradados, existindo
evidência física suficiente, deverão ser substituídos por elementos novos, em conformidade
com a versão anterior;
c) Onde a evidência física é insuficiente, deverá ser usado material e detalhes de elementos
compatíveis com o carácter do imóvel. As feições em falta de um imóvel deverão ser
substituídas por outras, com base numa informação detalhada documental ou evidência oral;
• Documentar qualquer intervenção para referência futura;
• Conservar o valor patrimonial e elementos característicos do imóvel, sempre que forem
adicionados elementos novos ou realizada uma nova construção;
• Para os bens classificados, ou em vias de classificação, deve-se fixar uma Zona de Protecção12,
que considere a visibilidade, a volumetria, o desenho arquitectónico, a articulação entre o
interior e o exterior e demais exigências de protecção do Imóvel, sendo que qualquer obra a
levar a efeito nestas zonas carece de parecer prévio do sector que superintende a área da
cultura;
• Sensibilizar o público e os órgãos de informação sobre a importância das medidas cautelares e
as acções a levar a cabo com vista a conservação dos bens patrimoniais (Traduzido e adaptado
de Parks Canada, 2003: 1-3).
12
Zona de protecção arqueológica - É a zona que circunda um elemento imóvel arqueológico, ou outras áreas
que possuam evidências de elementos arqueológicos de inestimável valor científico e que importa preservar
para as gerações presentes e futuras. Nesta zona são interditas alienações, obras de demolição, de construção,
ou qualquer outra obra que determine a sua alteração física (Decreto 27/94 de 20 de Julho).
20
2. Princípios gerais de restauro do Património Cultural Imóvel
O restauro é uma operação que deve ter carácter excepcional, sendo precedido de um estudo
arqueológico ou histórico, e só podendo ser realizado após aprovação do respectivo projecto
pela autoridade competente da área da cultura. O restauro é regido por três princípios
fundamentais:
• Reversibilidade - A restauração tem de facilitar qualquer intervenção futura e não deve alterar
a obra na sua substância. O restauro de imóveis destina-se a conservar e a revelar os valores
estéticos e históricos destes e baseia-se no respeito pelas substâncias antigas e pela
autenticidade.
• Legibilidade - Perceptível e clara como intervenção qualificada em tempo posterior e que não
se resume apenas a uma intervenção mimética, quase sempre impossível ou muito difícil.
Assim se tornam mais fáceis correcções no futuro sem mexer nas partes originais.13 A
restauração não pode induzir o observador ao engano de confundir a intervenção ou
eventuais acréscimos com o que existia anteriormente (a intervenção tem de ser
detalhadamente documentada). É nesta base que os elementos destinados a ocupar as falhas
existentes deverão integrar-se harmoniosamente no contexto, tendo que se distinguir das
partes originais, a fim de que o restauro não falseie o documento de arte e de história. As
decisões a tomar no que concerne ao preenchimento de partes em falta devem basear-se em
vestígios arqueológicas ou evidências históricas, como registos de arquivos, tradição oral,
fotografias, desenhos, plantas e outros meios que as traduzam.
13
A definição deste conceito deve-se ao Arquitecto Júlio Carrilho à quem muito agradecemos.
21
Albino Jopela
22
− Monitorar as mudanças físicas e sociais relacionados com o imóvel, ao longo do
tempo.
3.2 Avaliação das condições existentes num bem do Património Cultural Imóvel
A avaliação das condições existentes num bem do PCI consiste na apreciação do impacto dos
vários factores (de carácter natural e humano) que perigam a condição física e espiritual do
local (imóvel) e seu ambiente imediato. Qualquer intervenção numa estação deve ser
precedida de um estudo acerca da condição física do bem patrimonial e do seu estado de
preservação. Esta avaliação irá constituir, igualmente, uma base para os desenvolvimentos
futuros no PCI a preservar (Jopela 2007, 2010c).
23
minucioso na avaliação das condições de um bem patrimonial imóvel pode também fornecer
dados para uma antevisão dos problemas e identificar áreas do PCI que podem constituir
motivo de preocupação dos gestores num futuro imediato ou longínquo.
Em termos metodológicos existem vários princípios básicos para uma avaliação adequada das
condições físicas dos bens imóveis. É fundamental observar, identificar e descrever
(compreender) os fenómenos que ocorrem ou afectam o PCI (ver o que está acontecendo).
É importante separar estes aspectos, porque o que é visível nem sempre indica o problema
subjacente. Só depois deste exercício é que se pode passar para a fase da selecção das
melhores estratégias com vista a tratar os problemas identificados.
O significado ou valor do PCI é a atribuição social relativa de qualidade que se dá aos mesmos.
Assim, este valor depende da sociedade e pode mudar ao longo do tempo. Especial atenção
deve ser dirigida para o que se considera culturalmente significante (Pearson & Sullivan
1995). Certos valores podem estar relacionados mais especificamente com aspectos
intrínsecos do património (monumento ou estação), enquanto outros valores podem estar
associados à sua localização e ao seu relacionamento com o cenário em que se encontra
(estações com pinturas rupestres, florestas ou montes considerados sagrados).
Apesar de ser aceitável que o PCI tem sempre consigo uma carga de valores, a avaliação dos
mesmos afigura-se como uma das primeiras medidas com vista a conservação do bem
cultural, devido a duas razões fundamentais:
Há valores múltiplos que podem estar associados ao mesmo património imóvel, sendo que os
valores que se julgarem significantes ou importantes é que irão justificar as políticas a
adoptadas para a sua conservação. Por outro lado, um único bem cultural pode possuir
valores conflituosos, que podem tornar difícil qualquer decisão a tomar por parte do gestor.
Assim, quando se está diante de patrimónios culturais, as considerações devem incluir
fundamentalmente: valores culturais e valores sócio-económicos contemporâneos (Pearson &
Sullivan 1995).
25
3.3.1 Valores culturais
Os valores culturais que estão associados aos recursos patrimoniais podem ser classificados
em diversas categorias:
a) Valor histórico
Este valor reconhece a contribuição que o lugar prestou para o nosso conhecimento sobre o
passado. O lugar pode ser típico ou ser um exemplo bem conservado de uma cultura, grupo,
época, tipo de actividade humana ou pode ser associado à um indivíduo particular.
Normalmente o lugar, mais do que representar uma fase ou aspecto da história, tem uma
longa sequência histórica e mostra o seu desenvolvimento.
Exemplo:
26
Figura 4- Monumento do II Congresso no Local Histórico de Matchedje, Província de Niassa
(Com permissão de Emanuel Dionísio).
Este grupo de valores está relacionado com o vínculo emocional (espiritual, religioso,
simbólico, político, patriótico ou nacionalista) da sociedade, em relação a um objecto ou
estação. Consiste em percepções emocionais, tendo este grupo de valores um grande
impacto na protecção, conservação e salvaguarda do recurso cultural. Estes valores podem
reforçar o tratamento a dar ao património (restauração). Ao mesmo tempo a ausência desta
identidade pode levar à negligência ou destruição do PCI.
Exemplo:
O Local Histórico de Chilembene localiza-se no Posto Administrativo de Chilembene, Distrito
de Chókwè, Província de Gaza. O património histórico de Chilembene é constituído por
diversos elementos, entre os quais constam:
• O “Berço” de Samora Machel, contendo um monumento que simboliza o local onde
nasceu o Presidente Samora Machel;
• A residência de Samora Machel, declarada Casa-Museu, em 2008, por ocaisão da
celebração dos 75 anos do seu nascimento. É uma construção do tipo pré-fabricado
edificada em 1975 e usada por Samora Machel enquanto Presidente da República
Popular de Moçambique até a sua morte, em 1986;
27
• O busto e monumento a Samora Machel, erguidos na Rotunda de Chilembene, em sua
homenagem, como fundador do Estado Moçambicano;
• O Cemitério, onde repousam os restos mortais de parte da Família de Samora Machel,
incluindo os seus progenitores; Moisés Mandande Machel e Guguye Thema Dzimba;
• O conjunto das construções coloniais, incluindo o edifício prisional da PIDE-DGS; a
antiga residência do Chefe do Posto colonial de Chilembene e as residências dos
sipaios.14
Em 2008 este local histórico foi classificado como Património Cultural por força do Decreto n°
46/2008, em virtude de ser o local onde nasceu, a 29 de Setembro de 1933, e cresceu o
Primeiro Presidente de Moçambique Independente, Samora Moisés Machel. A classificação
de Chilembene como Património Cultural além de constituir um reconhecimento e
homenagem ao “Berço” do fundador do Estado Moçambicano, é fonte de inspiração para os
moçambicanos, exaltando os valores de auto-estima, patriotismo, heroicidade e bravura
(Decreto no 46/2008 de 30 de Outubro).
Figura 5 – Casa - Museu Samora Machel no Local Histórico de Chilembene, Província de Gaza
(Com permissão de Emanuel Dionísio).
14
Fundamentação para a classificação do Local Histórico de Chilembene apresentada pelo Ministério da
Educação e Cultura ao Conselho de Ministros, em 2008.
28
c) Valor relativo artístico ou técnico
Estes valores resultam da investigação levada a cabo por profissionais, com a intenção de
demonstrar o significado relativo do bem patrimonial, em relação ao tempo presente ou
futuro. Estes valores podem residir na beleza do desenho, a sua singularidade no estilo,
desenvolvimento artístico ou mesmo comprovativo do elevado nível de criatividade humana.
Estes valores proporcionam as bases para a classificação e listagem do património, bem como
para as estratégias do seu tratamento, por exemplo, em relação ao património edificado.
Exemplo:
Localizada junto do Jardim Tunduru e da estátua de Samora Machel, a Casa de Ferro constitui
uma referência na Baixa da Cidade de Maputo. O modelo deste monumento, inteiramente
produzido em metal, foi concebido pela Escola de Eiffel em 1892, por encomenda do Governo
Colonial Português à Bélgica. A mesma destinava-se a ser residência do Governador Geral de
Moçambique, fim para o qual nunca chegou a servir. Após sua construção instalaram-se nela
vários serviços, tais como o Tribunal (em 1892), os Serviços de Agrimensura (em 1912) e o
Museu Geográfico Gago Coutinho (em 1972). Actualmente funciona a Direcção Nacional do
Património Cultural. Este edifício pré-fabricado é representativo do uso do ferro como
material de construção nobre, em resultado das inovações em arquitectura no período da
revolução industrial. A Casa de Ferro destaca-se não só pela sua beleza artística e
arquitectónica, mas também pela sua autenticidade e integridade (permanece em bom
estado de conservação) e exemplaridade (único imóvel que resta em construções deste tipo)
(Macamo 2003a; Lage & Carrilho 2010).
29
Figura 6 – Casa de Ferro (actual Direcção Nacional do Património Cultural), Cidade de Maputo
(Foto de Albino Jopela)
Exemplo:
30
da estação de Chibuene com artigos importados do primeiro ao segundo milénio, enriquece o
nosso conhecimento sobre práticas de comércio antigo de Moçambique com o mundo.
a) Valor social
Abrangem as qualidades pelas quais o lugar se tornou um foco espiritual, político, nacional,
ou outros sentimentos culturais de um grupo maioritário ou minoritário. Está relacionado
com actividades sociais tradicionais e o uso compatível do lugar no presente. Envolve,
igualmente, uma interacção social contemporânea do PCI com a comunidade, jogando um
papel preponderante no estabelecimento da identidade cultural. Os lugares com valores
tradicionais ou religiosos têm, frequentemente, um grande significado social que está
relacionado com o seu conhecimento pela comunidade. Estes valores são muito importantes
e, provavelmente, os mais fortes, em termos de conservação do lugar, pelas comunidades
locais.
31
Exemplo:
15
O painel é composto por uma série de figuras humanas, umas empunhando arcos e flechas e outras em transe
(experiência espiritual na qual o médium espiritual entra para um estado alterado de consciência). O painel
contém ainda imagens de um antílope, um pássaro, um rinoceronte e figuras geométricas.
32
Figura 9 – Cerimónias do Kudhira Nvura, no sopé do Monte Chinhamapere
(Com permissão de Tore Saetersdal).
b) Valor económico
No contexto da conservação, o valor económico deve ser entendido como o valor gerado
pelos bens culturais (recursos patrimoniais), ou pela acção da sua conservação,
nomeadamente através do turismo cultural.
Exemplo:
33
Figura 10 – Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, Cidade de Maputo
(Foto de Albino Jopela)
Exemplo:
O Local Histórico de Mueda
A descrição detalhada de Mueda, Sede do Distrito de Mueda, na província de Cabo Delgado,
como Local Histórico da Luta Armada de Libertação Nacional, foi efectuada por Pachinuapa &
Manguedye (2009) e mais recentemente por Tiane & António (2010), por ocasião da
passagem dos 50 anos do Massacre de Mueda.
“Mueda é um Local Histórico onde, a 16 de Junho de 1960, ocorreu um massacre que vitimou
mais de 600 moçambicanos que reivindicavam às autoridades coloniais portuguesas a
liberdade do Povo Moçambicano. O Local é composto pelos seguintes bens patrimoniais:
• O edifício da antiga Administração Colonial Portuguesa, onde foi estabelecido o Centro
de Interpretação de Mueda;
34
• A Vala Comum e o Memorial do Massacre, erguido após a Independência Nacional,
reabilitado em 1999 e requalificado em 2010;
• Duas campas de dois líderes da revolta contra a opressão colonial, nomeadamente
Matias Shibiliti e Faustino Vanomba;
• Duas campas de guerrilheiros da Luta Armada de Libertação Nacional: uma de Maria
Chipande, guerrilheira que se destacou pelos serviços prestados nos infantários e a
outra de Ernesto do Rosário Ndupa, guerrilheiro e comandante da Base Nampula, no
distrito de Mueda.
O valor histórico deste Local advém do facto de estar associado ao massacre, acontecimento
que inspirou os ideais da Luta de Libertação Nacional. Com efeito, o Massacre de Mueda:
• Despertou a consciência do Povo Moçambicano, em geral, e dos camponeses de
Mueda, em particular, de que o colonialismo português era um mal cujo fim exigia a
Luta Armada;
• Constituiu o ponto de viragem na história do Povo Moçambicano, na sua luta contra a
ocupação colonial portuguesa;
• Contribuiu para o aprofundamento da consciência nacionalista na luta contra a
opressão colonial portuguesa”.16
16
Teor da placa descritiva e de protecção do Local Histórico de Mueda elaborada pela Direcção Nacional do
Património Cultural em Maio de 2010.
35
d) Valor local, nacional e mundial
Por estas razões, a Ilha de Moçambique tornou-se num importante entreposto comercial da
rota marítima entre a Europa Ocidental, a costa Leste Africana, o sub-continente da Índia e,
de uma forma geral, a Ásia. O património intangível da Ilha incorpora as danças, tradições,
artesanato, culinária e crenças praticadas na Ilha que, assim, reforçam a integridade social
impregnada no património material do sítio. Em reconhecimento do seu valor universal
excepcional, a Ilha foi classificada Património Cultural Mundia pela UNESCO em 1991. Assim,
os valores do património cultural da Ilha de Moçambique devem ser considerados a vários
níveis: local, nacional e mundial com uma simbiose de valores civilizacionais da África, Ásia e
Europa, que enriquecem a cultura moçambicana.
Após o registo e avaliação das condições do bem patrimonial, segue-se a fase de controlo
permanente do modo como os diversos elementos (naturais e humanos) interagem com o PCI
– a monitoria. Parte-se do princípio que a deterioração dos bens culturais imóveis é um
processo natural, sendo que a intervenção humana só afecta a sua velocidade (Jopela 2007).
37
Teodato Nguirazi
Uma das soluções para os vários problemas anteriormente referidos que enfermam os
monumentos passa, por vezes, pela demolição completa ou parcial do imóvel. No entanto,
antes de se demolir para posterior reconstrução, várias precauções devem ser tomadas:
notas, desenhos, fotografias. Ao se demolir o monumento pedra a pedra, estas devem ser
enumeradas de modo a garantir a reposição na ordem original.
Para certas situações mais específicas relacionadas com as principais causas de destruição de
monumentos, são aqui avançadas algumas medidas, nomeadamente:
38
• No caso de aluimento do monumento sobre si mesmo, pelo seu próprio peso, tendo a infra-
estrutura mais ou menos cedido, é preciso demolir tudo e depois reconstruir inteiramente as
pedras intactas;
• No caso dos monumentos ameaçados de destruição por grandes trabalhos de construção, a
solução consiste em deslocar o monumento por desmontagem pedra a pedra para voltar a
monta-lo noutro local. A nova montagem far-se-á, se possível, num local semelhante,
conservando a orientação original e tentando reconstruir um ambiente primitivo (In Frederic
1980).
a) Problemas
39
b) Procedimentos
ii) Para salvaguardar o imóvel do impacto negativo do tráfego humano na estação, devem-
se definir algumas trilhas por onde os visitantes devem passar de modo a que as outras
partes do monumento sejam preservadas do impacto negativo dos visitantes.
40
4.1.2. Amuralhado de Manyikeni
a) Problemas
Pela sua exposição às intempéries, ao longo do tempo, é notório o fraco nível de segurança
desta estrutura. À semelhança do exemplo anterior, o não controle da vegetação constitui
uma das principais ameaças à integridade física do imóvel, quer pela existência de árvores
que ao secarem caem sobre as paredes do amuralhado, quer ainda pelo capim e pequenos
arbustos que cobrem as partes baixas da estrutura.
b) Procedimentos
41
conservação. É digno de realce o facto de Manyikeni beneficiar de algumas medidas com
vista a sua conservação, como é o caso da placa de identificação e interpretação, que ao
mesmo tempo apela aos visitantes a tratar o local com o devido respeito.
42
Décio Muianga
a) Problema
Neste painel com pinturas rupestres é visível o problema de origem humana: grafite
(marcas a preto que não estão de acordo com o contexto original das pinturas). Pelo facto
da estação encontrar-se num abrigo rochoso, numa área de difícil acesso, presume-se que
as marcas poderão ter sido feitas por membros da comunidade local (jovens pastores) ou
por algum visitante que por ali passou.
b) Procedimentos
43
sucedida, a restauração não iria por si só parar com esta forma de manifestação de
vandalismo do nosso PCI.
i) É por isso necessário registar ou documentar a estação, apurar o seu significado cultural e
sócio-económico. É igualmente pertinente sensibilizar a comunidade local (órgãos locais do
governo, autoridade tradicional, população em geral) sobre a importância da preservação
do património em causa.
ii) É fundamental disseminar a informação sobre esta categoria do nosso património cultural
nas escolas mais próximas (educação patrimonial), de modo a consciencializar a
comunidade estudantil (os mais jovens). À semelhança dos casos anteriores, sugere-se a
colocação de placas de identificação, de protecção (património protegido ao abrigo da Lei no
10/88 de 22 de Dezembro) e placas descritivas (para dar a conhecer o significado/valor
social, histórico e arqueológico do imóvel) com vista à disseminação da informação.
44
a) Problemas
É notável o desvanecimento de algumas áreas do painel com pinturas, pelo facto deste estar
exposto às constantes mudanças das condições ambientais como é o caso do elevado nível
de humidade e chuvas. Por exemplo, a água (resultante da queda de chuvas) que escorre
pelo painel passando por cima das pinturas, exerce uma acção erosiva e de desgaste. As
manchas brancas (provavelmente resultante da concentração de sais e microrganismos)
resultam, provavelmente, desta acção erosiva. Portanto, a água e outros factores naturais
acabam contribuindo para o normal processo geológico de degradação da rocha que, por
sua vez, tem um impacto negativo sobre as pinturas.
Por outro lado, há registo de intervenção humana no painel referente a uma tentativa da
autoridade colonial em limpar parte das imagens existentes na rocha (Muianga 2006). Além
disso, o facto de algumas pinturas estarem a uma altura não elevada sugere a possibilidade
de estarem sujeitas ao toque dos visitantes o que contribui igualmente para a sua
degradação.
b) Procedimentos
45
Figura 18 - Museu e Centro Cultural Comunitário de Manica, Província de Manica
(Com permissão de Tore Saetersdal).
ii) À semelhança do que foi sugerido anteriormente, deverão, igualmente, ser colocadas no
local placas de protecção, descritivas e didácticas. A placa didáctica apela para o código de
conduta a ser seguido pelos visitantes. Por exemplo: “As pinturas rupestres são um recurso
cultural não renovável visto que uma vez destruídas perdem-se para sempre. Por isso,
aprecie a arte tratando-a com respeito: tire fotografias, olhe as imagens de perto, mas
nunca toque ou encoste nas pinturas porque as gorduras da sua pele irão danificar a arte
dos nossos antepassados” (Jopela 2010d:15).
47
Teodato Nguirazi
Alguns dos problemas que afectam esta categoria do PCI são agravados pelo corrente
abandono ou desuso dos edifícios. Tal acontece, em muitos casos, devido a incapacidade de
se atribuir uma função para o contínuo uso do edifício, ou pelo contínuo e acelerado estado
de degradação em que o mesmo se apresenta.
Tome-se como exemplo uma Igreja construída no século XVIII, cujo estado de conservação
apresenta-se ameaçado por problemas como infiltração de água, elevados níveis de
humidade, deficiente sistema de ventilação existente, falta de iluminação, etc. Para além
dos princípios e procedimentos sugeridos nos exemplos anteriores (documentação,
avaliação das condições existentes), pode-se igualmente adoptar as seguintes medidas:
• De igual modo deve proceder-se a substituição dos alicerces debilitados (aros de madeira),
por outros mais robustos, cuidando, igualmente, das condições de ventilação de modo a
reduzir ao mínimo os níveis de humidade no seu interior.
• A atribuição de uma função ao edifício (utilização pública) pressupõe, por exemplo, a criação
de sanitários. Este pode ser um dos maiores problemas a resolver, dada a falta de local
apropriado e a inexistência de um sistema de esgoto.
48
4.3.1. Prédio Pott
a) Problemas
Este edifício representa a combinação de alguns dos problemas que afectam esta categoria
de património. Por um lado, os factores de origem natural como as condições climáticas
(chuvas e humidade) constituem um dos principais responsáveis pela deterioração de
edifícios de alvenaria pois, facilitam o crescimento de microrganismos, musgos e vegetação
intrusa, assim como também carregam sais solúveis que resultam em fenómenos de
corrosão.
Por outro lado, este tipo de imóveis caracteriza monumentos não vivos (estado de ruínas
sem uso) o que acelera a velocidade da sua deterioração visto que os mesmos já não
beneficiam do interesse e nem do cuidado do seu depositário.
b) Procedimentos
i) Uma das primeiras acções consiste em avaliar as condições existentes dos elementos que
definem e caracterizam este tipo de imóveis (diagnosticar as causas de decadência), para
determinar as intervenções mais apropriadas a fazer.
49
ii) Todo o processo referente a reabilitação do Prédio Pott (como a colocação da tijoleira
tradicional, substituição dos alicerces debilitados, iluminação de todos os espaços, etc.) tem
de primar pela conservação do valor patrimonial dos monumentos (não remover, substituir,
ou alterar substancialmente a sua configuração).
iii) As intervenções devem reger-se pelas regras de restauro: seguir os padrões tradicionais,
ser reversíveis e não impedir futuras acções. De igual modo, não se deve alterar as fachadas,
a decoração e nem adicionar feições que nunca existiram nestes edifícios históricos.
iv) É preciso acima de tudo encontrar um uso compatível para estes imóveis quer seja de
cunho cultural, pedagógico ou de lazer (Museu, Livraria, Direcção de Serviços, Centro
Cultural, Salões de Exposições, etc), mantendo a sua característica exterior original. Apesar
destas exigências, o interior dos edifícios pode ser alterado de modo a melhor responder ao
novo uso que se pretende atribuir ao edifício.
50
Albino Jopela
Atendendo a falta de pessoal qualificado para várias actividades relacionadas com a gestão
do PCI existente em Moçambique, bem como ao facto de a gestão contemplar, para além de
aspectos técnicos (documentação, interpretação, monitoria, etc.), é fundamental o diálogo
permanente entre os gestores do património e o público em geral. É igualmente
incontornável a necessidade de envolver os mais variados grupos interessados ou afectados
pelo património na sua gestão.
Tem sido notório, nos tempos que correm, que muitas comunidades sempre cuidam dos
locais culturalmente importantes para si, baseadas num sistema de valores e mecanismos
sociais restritivos. É igualmente notável, o facto de que parte dos bens imóveis do
património cultural moçambicano encontram-se situados nas zonas rurais, como é o caso
das estações com arte rupestre, amuralhados do tipo Zimbabwe, abrigos rochosos, igrejas
ou santuários. Neste contexto sócio-cultural, afigura-se pertinente compreender e
sobretudo valorizar os sistemas tradicionais através dos quais o PCI é localmente gerido
pelas comunidades locais.
51
Nesta base, o termo custódia tradicional refere-se à gestão do património cultural levada a
cabo pelas comunidades locais, através de conhecimentos e práticas de expressão cultural
local. Estas práticas são embutidas de crenças e valores que são transmitidos de uma
geração para a geração seguinte e que se “perpetuam” por intermédio de instituições
sociais como ritos e tradição oral (Jopela 2006).
Tomando como exemplo as estações arqueológicas com pinturas rupestres localizadas nos
montes Chinhamapere17 e Guindingue18, no Distrito de Manica, a custódia tradicional das
pinturas rupestres engloba todos os mecanismos e acções, regidos pelas normas
consuetudinárias, levadas a cabo pela comunidade local, com vista ao uso e contínua
preservação das pinturas rupestres e do meio natural envolvente com relevância cultural
(simbólica), onde as pinturas se encontram também inseridas.
Pela análise de três aspectos que caracterizam e determinam o modo de vida das
comunidades Shona do Distrito de Manica, verifica-se que:
(i) O aparato ideológico das comunidades do Distrito de Manica é fortemente marcado pela
crença em espíritos ancestrais, tidos como legítimos donos da terra e de todos os recursos
existentes no seu território. Nesta base, as comunidades locais atribuem múltiplos valores à
paisagem natural (árvores gigantescas, florestas, nascentes, abrigos rochosos), onde se
encontram igualmente inseridas as estações com pinturas rupestres (nos montes
Chinhamapere e Guindingue). Por conseguinte, o respeito e o medo que emanam da
paisagem natural, tida como local de repouso dos espíritos ancestrais, faz com que as
estações arqueológicas lá inseridas beneficiem da custódia (protecção) das comunidades
locais.
17
O monte Chinhamapere situa-se na parte noroeste da cordilheira Vumba e comporta as estações
arqueológicas de Chinhamapere I, Chinhamapere II e Chinhamapere IV.
18
O monte Guindingue localiza-se na parte sul oriental da cordilheira Vumba, integrando as estações de
Mouchiabaka, Guro, Chinhamonhoro, Monte Tsoro e Inhassane.
52
(ii) Os rituais cíclicos de pedido de chuva denominados kudhira nvura, por controlarem a
chuva, a colheita, a saúde, são muito importantes para a manutenção da ordem e do bem-
estar social no seio destas comunidades. Assim, estando algumas estações com pinturas
rupestres (estações de Chinhamapere I e de Moucoundihwa) integradas numa das fases
desta prática social (cerimónia de pedido de chuva), estes locais gozam da custódia das
comunidades presentes. Por conseguinte, o respeito comunitário em relação a alguns dos
locais com significado cultural, deriva do facto destes constituírem parte integrante destas
práticas sociais que são, até certo ponto, imprescindíveis para o bem-estar psicológico da
comunidade.
(iii) A estrutura política tradicional responsável pela gestão dos recursos, transmissão e
controle dos usos e costumes por parte dos membros da comunidade sempre existiu e
mantêm-se na essência até aos dias que correm. Esta estrutura político-cultural existente
em Manica (Mambo, Sabuko, Samuthanda, Swikiro, etc.) comprova a sobrevivência dos
53
sistemas tradicionais de gestão dos locais com significado cultural, ao longo dos anos. No
caso vertente de Chinhamapere, a gestão e controle da estação é assegurada pela
costumeira Mbuya Gondo que exerce o papel de guardiã do património.
Constata-se portanto, pela análise destes três aspectos acima descritos, que a custódia
tradicional das estações com pinturas rupestres localizadas nos montes Chinhamapere e
Guindingue, assenta num sistema amplo e complexo de crenças, ritos, leis consuetudinárias
que impõem às comunidades o respeito pela natureza, mas sobretudo pelos espíritos
ancestrais. De facto, o sucesso da gestão do património cultural baseada na custódia
tradicional, que ocorre nas áreas rurais, é demonstrado pela contínua existência de estações
com arte rupestre em excelente estado de conservação, apesar de não haver uma
intervenção dos gestores profissionais.
1.2. Combinação dos Sistemas Tradicionais e dos Métodos Modernos na Gestão do PCI
54
• O exemplo da custódia tradicional das pinturas rupestres no distrito de Manica, mostra que a
autoridade tradicional ou autoridade comunitária, é a estrutura político-religiosa que, pela sua
legitimidade, orienta e representa as respectivas comunidades locais. Atendendo que parte do
PCI insere-se no meio rural (amuralhados Zimbabwe e pinturas rupestres), onde a estrutura
tradicional assume reconhecida importância, facilmente se depreende que a autoridade
tradicional constitui um dos principais parceiros dos gestores não só para a disseminação dos
múltiplos valores das estações, mas sobretudo na elaboração e implementação de qualquer
plano de gestão (Jopela 2006).
Uma das premissas para uma estratégia adequada de co-gestão do património imóvel entre
as entidades formais (Sector cultural do governo) e as comunidades locais é a educação ou
formação dos vários segmentos sociais das comunidades locais, incluindo educadores ou
professores das escolas. Nesta base, a comunidade, representada em comissões ou
conselhos de gestão, pode beneficiar de uma formação sobre a importância de se gerir o
património cultural bem como os procedimentos básicos a seguir.
Para que haja um interesse por parte da comunidade, as comissões ou conselhos de gestão
devem incluir os representantes dos mais variados extractos comunitários: chefes
tradicionais, membros das estruturas do Governo (Secretário de Bairro), representantes dos
grupos sócio-económicos e profissionais (professores, técnicos do sector da cultura, etc.). É
necessário, sobretudo, mostrar o poder que as comunidades têm de gerar benefícios
concretos para a população, quer sejam financeiros ou outros (educação e cultura) através
de gestão do património cultural.
55
A efectivação de uma estratégia eficiente de co-gestão do PCI implica, igualmente, a
capacitação das comunidades. Esta capacitação deve ocorrer tanto a partir dos técnicos
(gestores da cultura e professores) para a comunidade, como das comunidades para os
técnicos, tendo como base o seu saber tradicional e de acordo com a definição das
prioridades locais. Os técnicos devem contribuir para a formação de organizações
comunitárias (associativismo), assim como na clarificação dos conceitos-chaves e
procedimentos no que concernente à gestão do PCI (Jopela 2010b).
56
Matilde Muocha
A gestão do PCI envolve uma série de processos holísticos e interdisciplinares cuja finalidade
é garantir que os bens patrimoniais sejam preservados para o usufruto das gerações
presentes e futuras. Um desses processos é a educação patrimonial, que, a par com outros
procedimentos de gestão do PCI, constitui uma componente importante no cumprimento
da missão de preservar e valorizar os bens do património cultural. Nesse sentido, a
sensibilização e consciencialização dos membros de uma determinada comunidade sobre
matérias ligadas ao seu património cultural é uma ferramenta que garante a inclusão e
identificação efectiva daqueles em relação aos seus bens culturais. Por sua vez, a educação
das comunidades constitui, igualmente, um mecanismo eficaz de preservação, baseado no
princípio de que apenas é possível cuidar ou preservar um bem patrimonial quando se
conhece o seu valor e significado.
Em Moçambique, a educação patrimonial relativa aos bens do PCI é dinamizada por três
intervenientes, nomeadamente:
• Profissionais (gestores ou estudiosos) do património que se encontram em
instituições ou departamentos a nível central (por exemplo Ministérios ou
universidades). Estes profissionais do património desenvolvem um trabalho de
planificação e coordenação das estratégias de educação patrimonial, conhecimento,
estratificação e caracterização do público-alvo, sempre através da realização de
actividades práticas, testando-se o que é aplicável no terreno.
• Profissionais (gestores) do património a nível local (a nível da Província ou Distrito)
que, por se encontrarem no terreno, (próximos dos bens do património cultural),
58
implementam, por iniciativa própria, ou sob supervisão do nível central, as políticas e
estratégias adoptadas no âmbito da educação patrimonial.
• Guias, intérpretes ou educadores19 culturais são igualmente responsáveis pela
educação patrimonial localmente.
• Educadores do sistema formal de ensino a vários níveis, como os professores de
disciplinas de História desempenham um papel importante na educação patrimonial
(Jameson 2008).
19
Segundo Jameson (2008) a tendência de opção por estas últimas designações deve-se ao facto de que, ao
contrário da narrativa de factos, datas e nomes feita pelo guia do património cultural, o intérprete ou
educador cultural é um agente formado para poder oferecer uma experiência de visita e de interpretação
única; ao fim da visita o público deve ter desenvolvido maior relação com o bem visitado, ter situado a sua
integração espácio-temporal na história do bem cultural em causa.
59
• Autenticidade: a educação patrimonial deve respeitar os princípios de autenticidade do bem
cultural;
• Inclusão: a educação patrimonial deve envolver activamente a participação da comunidade
circundante e outros intervenientes, reconhecendo a validade de diversas perspectivas e
interesses sobre o bem, enquanto se encoraja a tolerância e o respeito mútuo;
• Pesquisa, avaliação e formação: o profissional da educação patrimonial deve pesquisar
sempre, formar-se e avaliar o seu desempenho e satisfação pública (Jameson 2005:435).
Tal como é sugerido num dos princípios da educação patrimonial, é importante envolver as
comunidades circundantes e interessadas, directa ou indirectamente, num bem cultural. Os
seminários, workshops e palestras constituem mecanismos de disseminação e compreensão
comum sobre a importância da preservação do património cultural. Em Moçambique, a
prática dos órgãos centrais (área do património cultural do sector da cultura), em realizar
encontros com os intervenientes a vários níveis de gestão do património cultural apresenta-
se, assim, como uma das ferramentas eficazes de educação patrimonial. Os profissionais de
gestão do património cultural a nível local (sectores provinciais e distritais de cultura) usam
os resultados dos seminários e conferências como momentos de educação patrimonial,
tendo como finalidade informar os intervenientes sobre o significado dos bens culturais
existentes e da forma como estes devem ser protegidos e promovidos.
60
descrito nos manuais escolares. A este nível é importante que o docente faça interacção
com os investigadores e gestores do património cultural que possam existir, quer a nível
central como localmente (na província ou no distrito). A inclusão dos bens do PCI como
recursos de educação, localmente, contextualizados permite que os formandos cresçam
com um sentido de salvaguarda e preservação cultural dos seus bens culturais.
Um dos principais constrangimentos para uma educação patrimonial efectiva tem sido a
natureza sofisticada e complexa das informações sobre os bens do PCI, por resultarem das
investigações científicas, sendo inacessíveis ao consumo público, em geral. A solução
sugerida seria a adopção de publicações simplificadas, as quais colocam a informação em
linguagem de fácil compreensão e direccionada para faixas etárias devidamente
identificadas. O uso das publicações em Banda Desenhada é um exemplo de simplificação
da informação para consumo massivo de matérias ligadas ao PCI. Os panfletos, folhetos,
cartazes, brochuras e o recurso às tecnologias de informação, como telefones celulares,
61
para disseminação do património cultural constituem outras soluções de publicações
simplificadas.
As placas constituem medidas cautelares na gestão do PCI pois estas têm como finalidade
facultar a identificação e garantir a localização dos bens culturais imóveis. A concepção das
placas deve levar em conta, para além dos resultados das pesquisas, estudos contextuais da
62
realidade físico - ambiental da zona onde o bem cultural imóvel se localiza, a coordenação
com as estratégias do código de sinalização rodoviária da administração nacional de
estradas, bem como ir de encontro com a organização espacial do sítio onde se encontram,
a fim de salvaguardar a integridade física do bem e a protecção do visitante (Muocha 2005).
Por essa razão, a colocação das placas de identificação não deve ser encarada, por si só,
como uma solução para a preservação dos bens patrimoniais. É igualmente importante
conjugar com as demais medidas de conservação já sugeridas.
64
Kátia Filipe
O turismo tem sido cada vez mais visto como uma actividade impulsionadora e
incontornável no contexto de acções conducentes à conservação da natureza e à
preservação da cultura. Constitui, igualmente, um factor essencial para muitas economias
nacionais, regionais e mundiais, podendo ser um factor catalisador do desenvolvimento
sustentável, quando adequadamente gerido (Robinson & Picard 2006).
Deste modo, o desenvolvimento do turismo cultural, contribui acima de tudo, para que se
dê a conhecer a realidade e a riqueza do património cultural de uma comunidade, de um
país, de uma região. Através destas actividades, a história de domínio local passa a ser mais
65
abrangente, mais conhecida e, consequentemente, mais pessoas ficam desejosas de
conhecer esta parte da história. É assim que um determinado local, uma paisagem, um
monumento, ou objecto de museu se pode tornar foco de atracção turística, dinâmica essa
que passa pela criação de infra-estruturas, como casas, hospitais, hotéis, estradas, pontes;
pela melhoria nos sistemas de saneamento, de abastecimento de água, no fornecimento de
energia eléctrica, no acesso às tecnologias de informação, com destaque para as redes de
telefonia móvel, fixa e Internet, entre outros aspectos conducentes á um cenário de
desenvolvimento local.
66
• Actua como um mecanismo que reforça • Cria um elevado custo de vida para as
a afirmação da identidade cultural da comunidades residentes em virtude de vários
comunidade e a sua auto-estima, serviços (aluguer, alojamento, alimentação,
encorajando os esforços do Governo de artesanato) se direccionarem para um público
preservação do património cultural. financeiramente mais capacitado (turista).
• Reduz a sazonalidade e a vulnerabilidade • Excesso de exploração dos recursos leva a uma
do sector do turismo transcendendo ao degradação do ambiente natural (terra,
tradicional turismo de verão (sol e praia). paisagem) e cultural (património cultural
tangível e intangível) (Robinson & Picard 2006).
O turismo cultural não diz respeito somente a uma estratégia de gestão e apresentação dos
valores do património cultural. Deve estar também devidamente enquadrado na actividade
turística de toda a região (Distrito, Província), tendo em conta:
Assim, um dos maiores desafios para o sucesso desta actividade, que é o turismo cultural,
consiste em assegurar o envolvimento efectivo dos vários actores que contribuem para o
desenvolvimento do turismo no geral, nomeadamente:
o Sector Privado – Operadores turísticos como é o caso das agências de viagens; gestores
ou empreendedores nas áreas de hotelaria; companhias aéreas; os mass-media (rádio,
televisão, revistas); Organizações Não Governamentais (ONG’s) que desenvolvem
actividades nos diversos campos e que interagem directamente com as comunidades
depositárias do património, etc.
68
Para além do envolvimento efectivo dos diferentes intervenientes e interessados no
desenvolvimento do turismo cultural, o desenvolvimento sustentável desta actividade
apresenta outros desafios, nomeadamente:
Portanto, com o cenário aqui descrito pretendeu-se mostrar que o turismo, além de ser um
instrumento importante de promoção social e dinamização económica, é também, e
principalmente, uma actividade cultural. A gastronomia, música, arquitectura, as lendas, as
danças e os trajes regionais, as paisagens são um ponto de passagem obrigatório para cada
turista. O turismo cultural, mais do que uma actividade económica, é um sustentáculo muito
importante para a valorização e preservação da história local, nacional, regional e mundial.
É por isso que, a correcta conservação e gestão do património cultural tem de constituir, ao
lado de outros sectores de desenvolvimento, como é o caso da educação, uma prioridade
nacional já que atrai uma vasta audiência, possibilitando a manutenção das identidades dos
diversos grupos culturais e a celebração da diversidade cultural.
69
Albino Jopela
Importa frisar que apesar dos vários esforços levados a cabo com vista à conservação do
património cultural moçambicano, os bens imóveis constituem ainda, na sua maioria, parte
vulnerável do nosso património cultural. Por outro lado, a cada vez maior necessidade de se
conservar os elementos de identidade cultural dos moçambicanos justifica sobremaneira a
pertinência da conservação e gestão do património cultural existente. O Manual de
Conservação do Património Cultural Imóvel em Moçambique apresenta-se como uma
contribuição com vista à facilitação da conservação e divulgação do PCI, tanto pelo governo
(sector da cultura) como pela sociedade civil, instituições privadas, associações ou pessoas
singulares.
70
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