Você está na página 1de 6

Faculdade Estácio de Macapá – SEAMA

Aluna: Fabíola Pena Arrelias

Professora: Bianca Bitencourt

Macapá, 09 de setembro de 2020.

Pós Graduação Direito Penal e Processo Penal

A minissérie Olhos que condenam retrata o caso de cinco jovens que


foram injustamente acusados de um estupro no Central Park. Uma obra que,
de forma direta, consegue fazer com que a audiência se relacione com cada
um dos personagens retratados e a dificuldade que cor, classe social e local de
onde vêm, invariavelmente, acarreta em uma sociedade acostumada a utilizar
do viés racial/cor da pele como fator de inocência, merecimento ou
monstruosidade/culpabilidade.

Sendo assim, conta-se a história de cinco jovens (quatro negros e um


latino) que são acusados, sem nenhuma prova, de estuprar uma jovem branca
de classe-média, no Central Park, em Nova York. A partir desse ponto tem
início uma caçada por culpados, que precisam confessar e receber punição
rapidamente. Percebe-se que não só na apresentação da história dos
personagens, mas também preocupada em dar destaque a alguns detalhes do
jogo de interesses da polícia e seus agentes, a série tem seu início marcado
por um ritmo acelerado, desenvolvido graças a sobreposição de
acontecimentos que evidenciam como o ego dos agentes de justiça em
conjunto com a “oportunidade” da fama molda toda a conduta referente à
apuração do caso. Esses elementos formam a receita ideal para criar um show
midiático no qual os condenados são as pessoas que já vêm com o carimbo de
culpa.
Assim, percebe-se que é desse ponto que a trama conversa de forma
mais clara com o título em inglês ‘’When They See Us’’ (Quando eles nos
veem). Ou seja, quando eles nos enxergam, nós somos criminosos e culpados
desde o primeiro momento, principalmente se estivermos fora do espaço
delimitado - nesse caso, fora do Bronx, passeando pela área nobre de Nova
York.
A partir de então somos inseridos em uma sequência de situações que
se desenvolve por meio das ações da promotora de justiça de Nova York,
Linda Fairstein, que poucas horas depois do acontecido no parque passa a
chamar os jovens, que seriam interrogados como testemunhas, de animais, e
muda o status de todos para suspeitos. Essa mudança gera uma força-tarefa
focada na extração das confissões dos jovens, a todo custo, com a polícia
buscando por pessoas que se encaixem na narrativa roteirizada pelo
departamento para que seja possível julgá-los, condená-los e encerrar o caso.
Depois desse processo, o choque vem rápido. DuVernay mostra com
agilidade e intensidade como a polícia arrasta cada um dos garotos para a
delegacia e os submete a abusos morais e físicos, sem que pais e
responsáveis estejam presentes. Nesse momento, a opção por planos
próximos, incomoda, justamente por não permitir que os olhos se desviem da
ação, da tortura física e psicológica que homens formados impõem aos jovens
com idades entre 14 e 16 anos, colocando o espectador de frente com o olhar
e a sensação de pânico de cada um dos personagens.
As ações para conseguir a confissão acontecem de forma arbitrária e
tem como fator de desequilíbrio não só os policiais e a promotora, mas também
a promotora de justiça da Procuradoria Distrital de Nova York, Elizabeth
Lederer, que faz parte do time que coleta os depoimentos e instrui os policiais
sobre o que precisa ser registrado para que as informações tenham apelo para
a condenação do júri.
Com tudo isso apresentado somente na primeira hora da série, o
incômodo dá o tom e não para de crescer, minuto a minuto, culminando com
um dos diálogos mais doloridos que uma criança pode se submeter. A partir
daí, o ritmo acelerado com que os momentos mais intensos vão sendo
colocados na tela surpreende. Se no início, o contato para entender um pouco
do lado humano de cada personagem é apresentado de forma muito rápida, a
jornada de desumanização de cada um deles, por parte de quem os acusa e de
quem os mostra para o público comum, acontece de maneira ainda mais
intensa.

De um lado temos o frisson da imprensa norte-americana não muito


distante do que vemos hoje no Brasil, trabalhando sobre visões
preestabelecidas, tratando o caso não como algo a ser compreendido e
investigado (apesar de todas as indicações de que algo está errado), mas
simplesmente esperando a condenação de um grupo de jovens negros e
cobrando esse resultado com uma moral e abordagem distorcida: uma punição
rápida para confirmar o que grande parte do público queria ver.
Até Donald Trump, em imagens da época, aparece pedindo o retorno da pena
de morte ao estado, algo que não acontecia desde 1963, e mostrando que seu
conceito de compreensão humana sempre foi distorcido ao afirmar que
os “negros têm muitos privilégios”.
Como contraponto dessa fala, é possível acompanhar a reação das
mães e de como uma leitura social básica, feita de cima para baixo - como
parte dos privilégios de ser branco, rico, entre outras coisas - simplesmente faz
com que a ideia de soluções “simples” sejam ventiladas como algo oportuno
dentro de uma sociedade complexa e que tem como parte de uma situação
extrema - é importante reforçar - a cor da pele, a origem dos acusados e suas
situações sociais como fatores preponderantes na relação como a sociedade
os vê e os julga.
Até esse momento, enquanto o público acompanha o desdobramento
dos fatos que irão levar os cinco jovens à prisão, mesmo com uma narrativa
impactante, DuVernay não perde a mão. Em conjunto com o diretor de
fotografia, ela encontra equilíbrio na forma de mostrar a história, seja
apresentando uma conversa dramática, seja conduzindo o espectador por um
passeio rápido e instigante por alguns pontos de Nova York.
A partir do momento em que o julgamento e os desdobramentos legais
são encerrados passamos a ter contato com as mudanças do dia a dia de cada
um dos jovens, as relações das famílias e suas relações que foram construídas
e encerradas tão rapidamente. Nesse ponto, apesar de termos a chance de
ficar mais próximos do que acontece quando uma fase importante da vida de
cada um deles é levada embora, quando famílias se despedaçam, a história
perde um pouco do ritmo. Parece que na tentativa de mostrar detalhes mais
profundos, alguns pontos se apresentam de forma desnecessária e o tempo
narrativo se esgarça. Porém, vale a pena seguir.
Nas mais de duas horas que transcorrem até o final da minissérie,
somos jogados dentro do vórtice que é estar preso, de famílias sem dinheiro, e
de como o Estado - por meio de ferramentas de controle - leva a vida de um
ex-presidiário para sempre. A possibilidade de reintegração social é quase
impossível, algo que fica claro, quando um dos ex-presidiários comenta que
uma vez que eles te pegam, eles ficam com você.
Mesmo com um pouco de dificuldade para contextualizar o tempo e a
saída dos personagens para as ruas, a abordagem segue para mostrar como -
após cumprir com o destino que parece vir marcado à ferro na pele de quem
nasce pobre e com a pele mais escura - é praticamente impossível conseguir
escapar do trajeto predeterminado.
Toda essa jornada apresentando os problemas e os desdobramentos
que uma condenação causa na cabeça e na vida de cada personagem, acaba
servindo para destacar um ponto que quase sempre fica de fora das histórias:
Como retomar a vida depois da prisão.
Essa abordagem faz com que seja possível ter a compreensão de quão
difícil e complexo é esse recomeço e ganha ainda mais potência quando
proporciona a chance de nos relacionarmos com a história de cada um dos
personagens, com seus problemas e suas tentativas de retorno. Essas
nuances são trabalhadas de forma interessante e com uma sutileza ímpar (que
contrasta com o início da série) que humaniza ainda mais cada um dos
momentos, tornando a conexão com esses adultos ainda mais forte.
Assim, o grande trunfo desse ponto da história fica por conta da
possibilidade de compreender como algo que esses homens não controlam
(cor, classe social e local de nascimento) influencia o desdobramento de suas
vidas, em todos os momentos: Antes e depois da prisão.
A parte final de Olhos que Condenam fecha o arco centrando a narrativa
na trajetória de Korey Wise, que, por ter 16 anos na época do crime, é enviado
para uma prisão comum. Sua trajetória dentro de toda a história é uma das
mais chocantes, principalmente por causa do fator que o levou até a delegacia
e então para a prisão. Wise passa mais de onze anos cumprindo pena. Nesse
processo perde o contato com a mãe e sofre com a impossibilidade de ter
qualquer tipo de suporte financeiro da família, situação que não só retira sua
liberdade, mas também inviabiliza - em uma fase complexa da vida - o contato
com pessoas que ama e precisa.
É uma construção intensa que nos coloca no dia a dia de Wise, até o
nosso limite e o dele. No fim, sua liberdade, assim como sua prisão, acontece
por acaso da vida que - se não tivesse sido documentado - ninguém
acreditaria.
Porém, mesmo com uma entrega brilhante de Jerome e a narrativa cuidadosa
dosada, parece que DuVernay se perde em alguns pontos nesse momento de
conclusão, possivelmente pela possibilidade de ter mais tempo para conduzir o
público até o lugar para o qual gostaria.
Sendo assim, pude perceber que com todo esse contexto em jogo,
histórias, ilegalidades e vidas destruídas por causa de algo que ainda hoje
interfere de forma brutal no dia a dia de milhões de jovens negros nos Estados
Unidos e no mundo, Olhos que Condenam é uma produção que precisa ser
vista, com calma, e sem pré julgamentos. Um registro necessário, justamente
por funcionar como uma possibilidade de aproximar o público da narrativa que
foi imposta aos cinco jovens e causar, de alguma forma, o que obras artísticas
precisam: Revolta, reflexão e movimento.
REFERÊNCIAS

https://blogs.correiobraziliense.com.br/proximocapitulo/critica-olhos-que-condenam-da-
netflix/

https://observatoriodocinema.uol.com.br/criticas/criticas-de-series/2019/05/olhos-que-
condenam-critica-minisserie

https://quintacapa.com.br/resenha-olhos-que-condenam-o-conto-angustiante-sobre-racismo-
da-netflix/

https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/sociologia/a-cor-pele-discriminacao.htm

https://www.geledes.org.br/preconceito-discriminacao-e-intolerancia-no-brasil/

https://www.politize.com.br/populacao-carceraria-brasileira-perfil/

https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/
noticias/sistema

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38537789

https://www.univali.br/graduacao/direito-itajai/publicacoes/revista-de-iniciacao-cientifica-
ricc/edicoes/Lists/Artigos/Attachments/1008/Arquivo%2030.pdf

Você também pode gostar