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7 Nota introdutória
111 ~·o upado, como nota Hicks, em oferecer epítomes de sua doutrina3 •
M.1, predomina hoje a opinião, sustentada por alguns dos mais eminen-
Nota introdutória 7
tes editores desta coletânea, de Gassendi, no século XVII, a Usener no
século XIX, de que ela foi composta por algum discípulo.
A questão da autoria apresenta interesse estritamente historiográ-
fico, já que, seja quem for seu autor, as Máximas correspondem, várias
delas literalmente, à Carta a Menequeu (sobre o prazer e a felicidade) e
são coerentes com as demais Cartas, portanto com o essencial da obra
remanescente de Epicuro. Bem mais importante, para nós, é o debate
sobre a importância e a qualidade filosófica da coletânea. A solenidade
com que Diógenes Laércio anuncia sua transcrição, meio milênio após
o desaparecimento daquele que foi, se não seu autor, certamente seu
grande inspirador, comprova que as Máximas eram consideradas refe-
rência essencial da literatura epicurista:
8 Epicuro
4. A seleção dos prazeres (aforismos VIII-X)
5. O valor ético da ciência física (aforismos XI-XIII)
6. A vida do sábio em relação à natureza, a seus companheiros e
ao prazer verdadeiro (aforismos XIV-XXI)
7. Provas e critérios da ação moral (entendamos: verdadeira-
mente prazerosa) (aforismos XXlI-XXVI)
8. Amizade (aforismos XXVII-XXVIII)
9. A classificação dos desejos (aforismos XXlX-XXX)
10. Justiça e injustiça (aforismos XXXI-XXXVIII)
11. A vida do sábio na comunidade epicurista (aforismos XX-
XIX-XL)5
Quatro desses tópicos (nn. 1, 6, 7 e 10) configuram blocos temá-
1irns que agrupam em conjunto, sempre segundo Bailey, vinte e qua-
l ro aforismos (contra dezesseis repartidos entre os sete tópicos res-
lantes). Dois desses blocos (nn. 1e10) não dão margem a contestação.
( l primeiro expõe o tetraphármakos (I-IV); o segundo, as regras da
jusliça (XXI-XXXVIII)). Já os de número 6, "a vida do sábio em rela-
\;lo à natureza, a seus companheiros e ao prazer verdadeiro" (XIV-
XXI ), e 7, "provas e critérios da ação moral" (XXII-XXVI), não se im-
p<Wm com a mesma evidência. Diremos por que nos comentários que
.1rnmpanham nossa própria tradução. Adiantamos, porém, desde
lo).\o, que nossa principal dúvida a respeito da classificação de Bailey
1•stá l'lll saber se o critério que utilizou para identificar oito tópicos
1•111 dl'zcsseis aforismos não seria demasiado analítico e, por conse-
Hllintl', se não conviria tentar discernir na coletânea nexos de articu-
la\•lo l' linhas de força mais abrangentes. Foi o que fez V. Goldschmidt
rm Sl'll notável estudo sobre A doutrina de Epicuro e o direito. Reco-
11h1'l'l'ndo a utilidade da "análise temática" desenvolvida por Bailey,
l'l'l'Hllllla, entretanto,
~. < :. llnik·y, Epicurus, The Extant Remains, Oxford, 1926, p. 346. Citado em
V< loldHd11nid1, ibid., p. 251.
Nota introdutória 9
em sua independência e, neste sentido, em seu isolamento, os
ligaria numa (ou numas) unidade(s) dinârnica(s)" 6 •
10 Epicuro
Colocada com perfeita lógica logo após o enunciado do tetraphár-
makos, a V Máxima enfatiza a determinação recíproca dos meios e do fim
supremo: para viver prazerosamente (~õÉwç Çfjv, que é a própria defini-
ção da felicidade, portanto do fim supremo), é preciso viver prudente-
mente, belamente e justamente (cj>poví.µwç, KCXÀWÇ, ÔLKcxÍ.wç Çfjv). Sabe-
doria, beleza e justiça são, pois, as virtudes que condicionam a felicidade.
Goldschrnidt vincula essa máxima à VI, que trata dos meios de
viver em segurança entre os homens, introduzindo, pois, o tema da jus-
tiça e do direito. Sustenta que "pela maneira como estão colocadas 7 (as
máximas V e VI) "têm uma mesma função e comandam toda a sequên-
ia da coletânea"ª. Inferir da posição de uma máxima sua função privi-
legiada é confiar demais na hipótese de "uma ordem por razões", a qual,
ev identemente, só é boa na medida em que a razão confirmar a ordem e
o conteúdo da máxima justificar sua posição. É o que ocorre com a
quinta máxima, que formula um princípio fundamental (o condiciona-
mento recíproco da virtude e da felicidade) . Mas não com a sexta: ela
declara serem bens conformes à natureza (-r:à -r:fjç cj>ÚOEwç &.ycxeóv ), por-
tJ nto eticamente válidos, quaisquer meios que nos permitam viver em
segurança, introduzindo assim um tema de incontestável importância,
que será retomado, explícita ou implicitamente, nas máximas XIII-XIV
l' XXX-XL. Contrariamente à anterior, porém, não enuncia um princí-
Nota introdutória 11
bém, quanto ao fundo filosófico, reflete certa relutância do eminente
historiador em aceitar que um meio natural indispensável à felicidade
possa ser adquirido sem virtude. Por isso classifica como "falso" um
meio que, do ponto de vista da ética materialista, não é, em princípio,
nem verdadeiro nem falso.
Bem mais adequada parece-nos a opção de Bailey, que reconhe-
cendo a posição-chave da máxima V, trata-a como um tópico exclusivo
e agrupa as máximas VI-VII no tópico seguinte, sob o título "Proteção
perante as perturbações exteriores". Sem dúvida, o sábio buscará a segu-
rança vivendo justamente. Mas exatamente porque, para Epicuro, ser
justo, como ser virtuoso em geral, não é um fim em si, tudo que ajuda a
viver prazerosamente (portanto a ser feliz) é um bem conforme à natu-
reza das coisas.
Cumpre assinalar ainda a classificação proposta por Jean Bollack, que
tem os méritos e os limites de uma descrição concisa. Parecem-nos, entre-
tanto, muito mais importantes as múltiplas conexões entre as diferentes
máximas que ele salienta nos densos comentários consagrados a cada uma
delas, apoiados em minuciosa e erudita análise dos textos de Epicuro 10•
Entre as traduções mais recentes, algumas contentam-se em ver-
ter as máximas, sem se preocupar em subdividi-las em tópicos. A de
Jean-François Balaudé, para a língua francesa, indica os principais te-
mas em que elas se agrupam, sem inscrevê-las num esquema classifi-
catório baseado na posição de cada uma no interior da coletânea. Vale
mencionar que também ele considera a máxima V um tópico exclusi-
vo (virtude); que aproxima as máximas VI, VII, XIII, XIV, XXXIX, XL
(supressão dos temores e segurança), assim como as máximas XV,
XXI, XXVI, XXIX, XXX (os desejos, o limitado e o ilimitado) 11 •
Procuramos justificar nossa própria classificação temática, mas
também assinalamos, nos comentários, os nexos importantes entre adá-
gios incluídos em grupos temáticos distintos, o que confirmaria, se pre-
ciso fosse, que a complexa rede de interconexões ligando as máximas
que compõem a coletânea não se deixa enquadrar numa ordem linear
de sucessão.
12 Epicuro
As Máximas traduzidas e comentadas
II-A morte nada é para nós. Com efeito, aquilo que está decomposto
é insensível, e a insensibilidade é o nada para nós.
'O Sávawç oúõE:v 1Tpoç ~µiiç· to yàp ÕLaÀu8E:v &.vaL08T]tEL · to
õ'&.vaweriwuv oúõE:v 1Tpoç ~µiiç .
14 Epicuro
X, § L26) nota que a multidão ora foge da morte como do pior d~s
males, ora a deseja como o termo das misérias da vida. Para o sábio,
p rém, a vida não é um fardo. Segundo Esopo, de resto, ela tampouco
para quem vive no infortúnio e na miséria. Tal é a lição da fábula
0
velho e a morte". Carregando,, colina acima, quase exausto, um
~·ixe de lenha que cortara, depositou-o no chão, clamando pela mor-
l '. Esta logo acorreu perguntando-lhe por que a chamara. "- Para
que me ajudes a erguer o fardo."
Podemos decompor a terapi.a do quádruplo remédio em duas
l'ta pas, uma contendo os dois primeiros, outra os dois últimos remé-
di . Os dois primeiros, dirigindo-se unicamente ao intelecto, exer-
m efeito terapêutico imediato. Basta compreender a natureza das
oi as: não são os deuses, mas sim os átomos em movimento que re-
~ ·m 0 Universo; a morte é apenas separação dos átomos co~ponen
lt'S do organismo. Já o terceiro e o quarto remédios são propname~te
l'I j os: ensinam a lidar com o prazer e com a dor. Se bastasse seguir o
1111pulso imediato (desfrutar todos os prazeres, fugir de todas as do-
it•s) para ser feliz, a Filosofia como arte da vida melhor seria desnece~-
,11 ia e, sobretudo, não haveria tanta gente infeliz. Como não basta, Já
11
·m dias, numa descoberta intelectual, mas principalmente em cons-
1,1111 •s exercícios. O obeso sabe que precisa controlar a gula, mas para
, r1 ·g ir controlá-la terá de se autoeducar até adquirir novos hábitos
1111 11
il11u ·ntares.
16 Epicuro
A segunda frase comporta duas interpretações. (1) Podemos en-
tender que a mesma sensação não pode ser simultaneamente prazerosa
e dolorosa. Padecer da sede é incompatível com o prazer de saciá-la,
que começa com o primeiro gole d' água: ele não afugenta toda a sede,
mas faz irromper a sensação prazerosa e, portanto, suprime o padeci-
mento. Se, porém, uma vez saciada a sede, me obrigassem a continuar
ingerindo água, a dor retornaria até seu limite extremo, uma morte
atroz. (2) Mas é também possível entender, levando em conta a máxi-
ma seguinte, que examina o limite no tempo da duração da dor, que a
incompatibilidade a que ela se refere diz respeito à sensibilidade em
seu todo. Se as sensações prazerosas predominam, as sensações doloro-
sas e as angústias permanecem latentes, quando não são suprimidas.
Os cirenaicos pretendiam ver em fórmulas como a desta máxi-
ma uma concepção puramente negativa do .prazer. Como refere
{ :lcmente de Alexandria nas Stromata, "estes cirenaicos refutam a de-
11 n ição do prazer oferecida por Epicuro, a saber, a eliminação daquilo
que faz sofrer, chamando-a estabilidade do morto" 2 • De que menos
sl'ntimos dor mais prazer sentimos, inferem ironicamente que o me-
lhor seria não sentir nada. Como se entre dor e prazer houvesse, como
diríamos hoje, soma nula, ou ainda proporção inversa (a cada dimi-
1111içáo equivalente da dor corresponderia acréscimo equivalente de
prazer e reciprocamente).
Não entraremos aqui no longo e um pouco estéril debate sobre
,, oposição ~õóv~ KtxtaCTrT]µtxnK~ e ~õov~ EV KLv~aEL, dando por esta-
lwlccido que Epicuro admite ambos. Uma linha de interpretação que,
rntre os contemporâneos, vai de Brochard a Salem3 sustenta, neste
Kl"lll ido, que a supressão da dor não é, ela própria, prazer, mas a con-
di\•lo para que esse possa emergir: o prazer não é, pois, mero reverso
d11 dor, uma dor negativa.
J.. Alirmam também, prossegue Clemente, "que nos dão alegria não só os
11r1m·n·s, mas também as companhias ou as honrarias, enquanto Epicuro
HlllNidera que toda alegria da alma deriva de um prazer precedente da carne
(,,111111111111, li, 21, p. 184, Stãhlin). Einaudi Parenti refere, nas Testimonianze
111/111 1/111ri1111, os principais depoimentos sobre este ponto (op. cit., p. 446 ss.).
1. < J. Jean Salem, Démocrite, Épicure, Lucrece, Fougeres, Encre Marine,
llJIJH, p. 4H 49.
18 Epicuro
Esta máxima suscitou as mais diversas interpretações. A maioria
dos tradutores entende que na primeira sentença o advérbio auvqwç
modifica o verbo XPOVÍ.(EL: a dor não dura continuamente. É a solu-
' ao gramaticalmente mais óbvia, mas não dá o melhor sentido. Mar-
f.\hcrita Isnardi Parente, seguindo Arrighetti, apenas transfere a difi-
, uldade gramatical quando propõe: "Non dura ininterrottamente il
dolore della carne" 5, entendendo que E:v T'ÍJ aapKÍ. equivale a um geni-
1ivo, portanto que "na carne" equivale a "da carne". Sem tomar esta
liberdade sintáxica, Marcel Conche traduz: "la douleur ne dure pas
d'une façon ininterrompue dans la chair" 6 • Essas traduções sugerem
que não há dores físicas contínuas e, indiretamente, que as dores psí-
quicas, sim, não se interrompem.
Bem melhor é a interpretação de Hicks, que vincula auvqwç a
u'i cit..yoúv: "Continuous pain does not last long in the flesh": a dor
LOlltínua não dura muito tempo no corpo 7• Literalmente teríamos
l'lll português: "o que faz sofrer continuamente", entendendo não
111na dor que continua indefinidamente (até a morte), mas que, en-
q11.111to persiste, não admite interrupções, não dando tréguas ao
p.tciente8.
iv Tfl aapÚ=na carne ou no corpo por oposição à mente (que
l111nhém é corpórea, mas formada de átomos sutilíssimos). O termo
1111kás inicialmente significa carne (no sentido não alimentar, expres-
~o l'lll francês pelo termo "chair"). Epicuro utiliza-se dele com o sig-
11ilirndo do que é corpóreo e humano.
Notamos, na Introdução, que as Máximas 1- IV expõem não os
r11111Kiados do tetraphármakos, mas os argumentos que os justificam.
P11rn mostrar que podemos suportar a dor, a presente máxima consi-
llrr11 a duração da dor contínua (a passageira passa logo), relativa-
1 ic1·1 é a interpretaçã d
Ma·is dºf' , .
der que prazer e d . o a sequencia. Devemos enten-
ou que c or coexistem quando d"''
l!erentemente localizados
"as forças
, orno
que sustenta Bollack, nã o h,a coex1stencia,
. , . mas luta, entre
d concentram ou dissolvem" d d
or ultrapassa um , e mo o que, quando a
dias), a sensa - pouco o prazer corporal (durante não muitos
çao prazerosa está ausent ?9 E ·
convincente . . , . e. sta mterpretação é mais
mas sen:tpre 'epms1a coexistenc1a do prazer e d a dor não é estática
nvo ve uma contradi - '
(prazer ou dor) d . . çao em ato, na qual um dos polos
A pre omma, deixando o outro latente
c:ompreensão
mos à ante · M da última frase d epen d e d o sentido .. que confira-
nor.
sentir mais praz d esmo sofrend
d d
o uma oença prolongada, podemos
enfermictad er o que or ou porque o so f" nmento provocado pela
e se torna
rosas que lhe s- . 1 , eventualmente m d
enor o que sensações praze-
afugenta o praze ao s1mu taneas
. ou po rque a d or, quando muito intensa
r e reciprocamente. '
E:ni Dad impossibilidade
sinamentos )E . de viver
· prazerosamente seguindo (os en-
para porta- e picuro,
d 1 Theon
. , 0 pe . por Plutarco
rsonagem escolhido
voz
promessa do t t h , o P atomsmo , arg . à
umenta que, contrariamente
mais do q e rap armakon , a do r e o so f nmento
· duram muito
ue o prazer. A argumentaç- , '
ralistas C:r. t- d . . ao, que sera retomada pelos mo-
1s
assimila a étº aos nos . .ms milênio . ,
s segumtes, e meramente polêmica· .
tetraphármak ica epICunsta
. à dos · ·
cirena1cos, d esconsiderando que o·
discerni>- os on visa, como expli ºt 1
ci aremos ogo adiante, ensinar a
._ prazeres pro , . ' f; r .
a dialétic:a impl' .t d p1~1~s a e IC1dade. Tampouco leva em conta
morte ntida , ic1 a ,a Maxima II e a estupenda lição de Esopo. "A
________e_p-ara nos, mas a vida, nosso bem de raiz, é tudo para
9. Ibid., p. 247 .
20 Epicuro
nós. Preferimos permanecer vivos mesmo sofrendo, enquanto man-
tivermos a expectativa de que a dor ceda, permitindo-nos reencon-
1
trar o prazer básico de viver" º.
10. Sem se referir a Epicuro (talvez sem mesmo conhecer seus escritos),
Drauzio Varela, o médico que se tornou um dos mais lidos escritores brasilei-
ros da virada de milênio, também sustenta, num artigo consagrado às raízes
evolucionistas de nossa baixa capacidade de suportar a dor da fome, "que
geralmente somos patifes para dores agudas de forte intensidade", por exem-
plo uma cólica renal, uma crise de vesícula, uma cefaleia excruciante, ao passo
que "muita gente convive com dores crônicas na coluna, cólicas abdominais,
episódios repetitivos de enxaqueca estoicamente, sem lamentar a sorte". Con-
firma também, de seu ponto de vista, a tese de que as doenças que se prolon-
gam não impedem a carne de sentir mais prazer do que dor, notando que "é
mais fácil suportar dores crônicas que a fome"; "quando ela aperta, o prazer
de estar vivo desaparece". Na perspectiva científica da evolução, as dores crô-
nicas são suportáveis porque não matam, ao passo que a espécie animal para
a qual a fome aguda não fosse insuportável teria sido eliminada na luta pela
vida. Drauzio Varela, "A fome e a evolução da espécie", Folha de S.Paulo, 11 de
janeiro de 2003, p. ES. Que ele se sirva do advérbio "estoicamente" a propósito
de um tema que, na filosofia antiga, foi sobretudo discutido pelos epicuristas
mostra a eficácia da vulgar caricatura de que foram e seguem sendo vítimas
os epígonos e discípulos do Mestre do Jardim.
11. Carta a Menequeu, § 132. Nisto se opõe a Aristóteles, para o qual a filo-
sofia é o saber arquitetônico.
12. Maurice Solovine, Épicure. Doctrines et maximes. Paris, Hermann,
1965, p. 108.
13. Esta fórmula é referida nas Institutas de Justiniano, no Digesto e em
Ulpiano.
14. Preferimos sabedoria prática a prudência, dado o desgaste semântico
que este termo sofreu nas línguas modernas, notadamente na nossa.
22 Epicuro
d h d ·smo professado pe-
rito. Por isso distingue-se radicalmente o e o:ento (µóvriv ÕÉ -rhv
. , dmitem 0 prazer no mov
los cirenaicos, que soa ouso (KIXTIXOTT]µanKhv ).
iv KLV~aEL), desconsiderando o prazer no rep os cirenai-
. d 't ambos1s A experiência prazerosa, que para
Epicuro a mi e · · · mo na
. d frui ão se inscreve, para o epicuns '
cos se exaure no mstante a ç .' a e a antecipação de
. 'd de da experiência psíqmca: a lembranç
contmm a
um prazer também são prazeres.
23
As Máximas traduzidas e comentadas
estoicos, "não depende de nós" 17 . Epicuro, porém, diz muito mais: não
havendo virtudes em si, não há tampouco condicionamento necessá-
rio entre meios e fins. Não há mais mérito em sentir-se seguro do que
em be~er água da fonte ou colher o fruto da árvore. Os fins justificam
os me10s, sempre que os meios não entorpecerem os fins. As virtudes
não são, pois, sempre indispensáveis. Afinal, elas também pertencem
à esfera_ dos meios: "escolhemos as virtudes também em vista do pra-
zer e nao por elas mesmas, assim como recorremos à medicina em
vista da saúde" (D.L. X, 138).
24 Epicuro
O CONHECIMENTO, CONDIÇÃO DA VIDA PRAZEROSA
26 Epicuro
IX - Se todo prazer pudesse ter se acumulado, não só persistindo no
tempo, mas também percorrendo a inteira composição de nosso
corpo, ou pelo menos as principais partes de nossa natureza, então
os prazeres não difeririam entre si.
Et Ka-rrnÚKvou néiaa ~õov~ -rQ Kal. XPÓV4J Kal. TIEp(oõov -rà
ã.0powµa imf]pxEv T1 -rà KUpLúÍ-raw µÉpT) -rf]ç cj>ÚaEwç, ouK ã.v
no-rE ÕLÉcj>Epov àU~Àwv al ~õoval.
19. Cf. Margherita Isnardi Parente (org.), Epicuro, Opere, Torino, Unione
Tipografico-Editrice Torinese, 2• edição, 1983, p. 207: "Se ogni piacere se in-
tensificasse nel suo luogo e nella sua dura ta [... ]''.
28 Epicuro
sas e o limite dos desejos (ro rrÉpcxç rwv Em8uµLwv), é incapaz de
atingir o fim que ele próprio se propõe: viver imerso no prazer. Não
escapará da insatisfação e da angústia, portanto da vida infeliz.
30 Epicuro
vangloriam de desfrutar plenamente os prazeres, sem precisar recor-
rer à "physiologia". Ninguém, porém, é imune à frustração, à dor, à
doença e à morte. O estudo da natureza deve ser constante, já que a
ansiedade, a incerteza e a angústia estão sempre à espreita de quem
não se armou com o quádruplo remédio.
Bailey abre aqui novo bloco. Opção discutível, já que esta má-
xima continua discutindo as condições da vida em segurança. É
mais sábio viver longe da confusão e da turbulência das grandes
aglomerações humanas. Mas para abrigar a pequena comunidade
dos iniciados na vida prazerosa Epicuro não instalou seu jardim
OS LIMITES DO PRAZER
32 Epicuro
va 21 • É portanto um mau cálculo hedonístico adquirir dinheiro em vez
de adquirir senso da medida.
Note-se o caráter relacional do conceito de riqueza: sua fonte é a
natureza, mas a satisfação que ela proporciona consiste no uso que
dela fazemos.
Desnecessário enfatizar a atualidade desta máxima numa socie-
dade regida pela acumulação da riqueza pela riqueza e em que as mul-
tidões depauperadas deslumbram-se com o sobreconsumo das mino-
rias endinheiradas. No teto de barracos onde quase sempre faltam
alimentos sadios, tremulam antenas parabólicas. A riqueza propícia à
vida feliz está a nosso alcance. Não é difícil obtê-la, desde que não
percamos de vista a conformidade de nossos desejos com o que recla-
ma nossa natureza.
XVI - A fortuna tem pouco efeito sobre o sábio; foi sua razão que
regulou as coisas maiores e mais importantes [e as regula e regulará]
durante toda a duração de sua vida.
Bpcxxfo oo<t>0 -rúxri ncxpEµn( 1T1"El, -rà ÕE µÉyw-rcx Kcxt Kup Lw-rcx-rcx
Ó Àoywµoç Õl4ÍKllKE K!XL K!X't"cX 't"OV OUVEXfl XPÓVOV 't"OU ~(ou
ÕlOlKEL K!XL ÕlülK~OEl.
34 Epicuro
OuK haúi;Etcn EV tíJ aapKL ~ ~õov~ ETIELõàv IXnaÇ to Kat'
EVÕELav Õ'.Àyouv Ei;aLpE8íJ, àUà µóvov TIOLKLÀÀEtaL. tí'jç ÕE
füavo(aç to nÉpaç to Katà t~v ~õov~v ànEyÉvvT]aEv ~ tE
tOÚtWV autwv EKÀÓYLGLÇ Kal tWV óµoyEVWV toÚtoLÇ tOUÇ ºªª
µEYLGtOUÇ <fiópouç napEGKEÚ<X(E tíJ ÕLavo(~.
36 Epicuro
considera, diante das circunstâncias anunciadoras de que
deixaremos de viver, ter sido privada daquilo que oferece a melhor
vida.
'H µE:v aàpÇ ànÉÀaPE Tà nÉpaTa Tf]ç ~õovf]ç linELpa KaL &nELpoç
auT~V xpóvoç napEOKEÚtxOEVº ~ ÕE ÕL<XVOLO'. TOU Tf]ç aapKOÇ
TÉÀouç KO'.L nÉpaToç J..apouaa Tov EmÂ.oywµov KO'.L Touç únE:p
Tou atwvoç cpópouç EKÂ.ÚOaaa TOV navTEÂ.f] pLov napEOKEÚtxaE,
KaL oUSEV ETL TOU ànópou xpóvou npoaEÕÉ0T]µEV, ciU' OUTE
EcpuyE T~V ~õov~v, oUõ' ~v(Ka T~V ÉÇayú>y~v EK TOU (f]v Tà
np&yµam napEOKEÚa(Ev, wç EÂ.À.Lnoua& n TOU àp(awu pLou
KaTÉaTpEcpEV.
CRITÉRIOS E CONDIÇÕES
DO BOM CÁLCULO HEDON1STICO
38 Epicuro
Tà úcjiEOTT")Kàç õE'i i;ÉÀoç EmÀoy((E09aL K<XL Tiâaav T~V Evápynav,
Ecji' ~v i;à, õoÇa(ÓµEva àv&yoµEv· EL ÕE µ~. TICÍVT<X àKpw(aç K<Xl
i;apaxfiç EoTaL µEoTá.
40 Epicuro
esperada e daquilo que não o é, não deixarás o erro passar
despercebido; assim, serás sempre capaz de manter tua inteira
capacidade de avaliar e de discernir aquilo que é correto e aquilo
que é incorreto.
E'( nv' (xpáUELÇ &rrl..Wç cx'Caerimv KCXL µ~ ÕLmp~oELç -rà
õol;cx(ÓµEVOV KCX'tà 'º i!pOOµEVÓµEVOV KCXl 'º
rrcxpàv ~ÕT] KCXTà
't~V cx'laeria LV KCXl -rà rráeri KCXl rréiocxv cpCXVTCXOHK~V f:mpoÀ ~V -rf]ç
fücxvolcxç, auv-rcxpái;ELç KCXL Tàç ÀoL rràç cxtae~aELç -riJ µcx-rcxlcv ÕÓÇ1J,
wa-rE To Kpn~pLov ürrcxv f:KpcXUELç· Et õE.= PEPmwaELç Kcxl. -rà
rrpooµEvÓµEvov &rrcxv f:v -rcx1ç õoÇcxo-rLKcx1ç f:vvolcxLç KCXL -rà µ~ -r~v
f:mµcxp-rÚpT]OLV, ouK EKÀELtVELÇ -rà ÕLEtVEUoµÉvov· wç 'tHTJPTJKWç Ea1J
rréiocxv à.µcpwM-rT]OLV KCXL rréiocxv KpLOLV rnu op8wç ~ µ~ op8wç.
42 Epicuro
Para todos os viventes, o fim inscrito na natureza é a satisfação
dos desejos necessários. Perdê-lo de vista por causa de noções errô-
neas, desejos ilusórios ou vãs ambições é ser inconsequente com a
busca da vida prazerosa.
Por "algo diferente" (&Uo n) deve-se entender tudo que não
corresponde à busca do prazer propício e da serenidade. O desacordo
entre os atos (npál;ELç) e as palavras (ÀÓyoLç) remete, antes que a uma
imagem falsa que oferecemos de nós mesmos aos outros (ou a vãs
promessas que não cumprimos, à maneira dos políticos vulgares), a
um divórcio, em nós mesmos, entre fins extranaturais, paranaturais
ou sobrenaturais (outros que não os naturais), que pretendemos se-
guir e o fim natural, notadamente as motivações corpóreas às quais,
bem ou mal, nossos atos obedecem.
Esse desacordo entre palavras e atos é o inverso daquele que é
próprio aos libertinos (cf. máxima X). Eles pretendem seguir a natu-
reza ao se entregarem à busca compulsiva do prazer, mas na verdade
tentam forçá-la para arrancar-lhes mais prazeres do que somos capa-
zes de desfrutar. Por isso, não conseguem atingir o fim natural (viver
prazerosamente). Não escapam da insatisfação e da angústia, portan-
to da vida infeliz.
A natureza é sempre mais forte do que os vãos discursos, como
bem assinalou Bollack: "Por melhores que sejam as razões, as condu-
tas têm razão contra elas. O interesse de si transparece em cada ato,
embora o discurso não se oriente por ele. Neste sentido, a prática
nunca é tão falsa quanto a opinião vazia, já que os atos exprimem a
natureza, queiramos ou não, ao passo que o discurso pode ser utiliza-
do para qualquer fim" 28 •
44 Epicuro
A tradução de µaKapLÓTT]Ta, assim como a de TO µaKápwv, pri-
meira palavra das Máximas, merece um comentário. No contexto da
máxima I, o adjetivo substantivado TO µaKápwv define, juntamente
com &cpeaprnv (imortal), a perfeição de um ser divino. Por isso prefe-
rimos traduzi-lo por plenitude (já que nada falta aos deuses) e não
por felicidade.
Tenha ou não sido influenciado pelo Liceu, esse sentido do ter-
mo é congruente com o aristotélico. Na Ética a Nicômaco,VII,
Aristóteles deriva µaKcXplOÇ de xa[pELv 30 ; no livro VIII, emprega o
termo em contextos que sugerem uma qualidade mais divina do que
humana: 0Ewv p[oç µaKcXpLoç; 0Eoç EUôaLµwv KaL µaKápwç 31 • Notável
também, neste sentido, é a passagem do livro I,11, em que examina se
algum homem pode ser dito feliz antes do termo de sua vida. A ativi-
dade em conformidade com a virtude é o principal fator da felicidade,
mas se um homem virtuoso, Príamo por exemplo, sofreu grandes des-
graças, podemos dizê-lo feliz (Eôõa[µwv), mas não consideramos que
foi plenamente feliz (µaKápwç). Reserva assim µaKcXpLoç para denotar
a plenitude da vida que não só obedeceu à virtude, mas foi também
favorecida por circunstâncias propícias32 •
Na presente máxima, diferentemente da máxima I, µarnpLÓTT]Ta
refere-se a uma qualidade da vida humana. A amizade é o melhor
meio para assegurar a felicidade durante a vida inteira (Elç T~v rnú
oÀou pi.ou µaKapLÔTT]Ta). A duração é aqui decisiva, como no exemplo
de Príamo utilizado por Aristóteles. Traduzimos pois por felicidade,
entendida como caracterizando uma vida humana em sua
totalidade.
Essa máxima é igual à Sentença Vaticana 13. Mas as referências
aos amigos e à amizade são bem mais numerosas nas Sentenças. O
termo cp[Àoç aparece em quatro sentenças (34, 39, 56, 66) e cpLÀla em
30. Ét.Nic. VII, 12, 1152 b 7-8: 1:0V µcmÍpLOV wvoµÚKCXOLV CXTTO 1"0U
XCXLpELV.
31. Cf. Index aristotelicum, Aristotelis opera ex recensione Immanuelis
Bekkeri, editio altera quam curavit Olof Gigon, volumen quintum, edidit
Hermannus Bonitz, Berolini, apud W. de Gruyter et socios, MCMLXI, p. 442
a-b (verbete µcxKápwç).
32. Ét.Nic. VII, 1,11,llOla 6-8.
46 Epicuro
Nesta Máxima, como na XL (a última da coletânea), o aspecto
utilitário da amizade é enfatizado em conexão com a segurança da
vida; nesta está expressa a ideia de que a amizade é a maior riqueza
porque nos proporciona segurança e prazer. Viver cercado de amigos,
além de proporcionar prazeres propícios e duráveis, é a melhor ma-
neira de se proteger das ameaças e riscos que perturbam a vida.
A convicção de que a amizade é a melhor garantia de felicidade
a nosso alcance é uma consequência histórica da decadência dos valo-
res da pólis. Na medida em que ser bom cidadão deixa de ser garantia
e meta da vida melhor, ter amigos é o bem maior a buscar nas relações
recíprocas.
48 Epicuro
opinião vazia (KEV~v õóÇcxv). Literalmente, o substantivo composto
KEvoõol;Lá significa opinião vazia, ideia oca. Chamamos futilidade o
vício de seguir tais opiniões.
O bem supremo consiste num durável bem-estar consigo mes-
mo (e com os amigos), incompatível não somente com os prazeres
turbulentos, nervosos ou grosseiros, mas também com aqueles liga-
dos ao que por aqui chamamos a "fogueira das vaidades", como a os-
tentação de riquezas, o exibicionismo dos "ricos e famosos': o sucesso
político ou intelectual e outros análogos que tanto fascinam os des-
lumbrados de ontem e de hoje.
50 Epicuro
[... ]nem o de uma comunidade cívica (cité) total41 , transcendente em
relação aos cidadãos e indiferente à felicidade de cada um deles (como
ensina Platão). Numa doutrina atomística, ele só pode ser o de todos e
o de cada um" 42 • A pré-noção do justo refere-se ao que é útil para todos
e cada qual nas relações recíprocas. A utilidade consiste em proporcio-
nar segurança nas relações recíprocas. Ser justo é, pois, aplicar a regra
ou esquema mental de não prejudicar os outros para não ser por eles
prejudicado (rà µ~ ~ÂámELv &U~Âouç µT]ÕE ~Ãámrn8àL). Temos inte-
resse em não nos prejudicar porque nosso supremo interesse é viver
prazerosamente. Encontraremos essa fórmula mais quatro vezes: duas
vezes na máxima XXXII, uma vez na XXXIII e na XXXV.
41. No original grego, referido por Goldschmidt, op. cit., p. 40, OÀl'] ~
TTÓÀLÇ.
42. Ibid., p. 40. O texto de Platão está em Rep. IV, 420 b.
52 Epicuro
ciar os sentimentos de prazer e dor a certos comportamentos, perce-
bendo, por exemplo, ser útil respeitar o território alheio para evitar
confrontos. Mesmo nessa hipótese, só por analogia podemos dizer
que tais espécies são capazes de acordos ou pactos implícitos. A per-
cepção do risco que faz o mais fraco recuar perante o mais forte é útil
à conservação de sua vida, mas ela permanece circunscrita ao perigo
da situação concreta, na qual o útil, não discernido enquanto tal, é o
efeito objetivo do medo.
Entretanto, levando devidamente em conta o valor relacional da
preposição 11póç (nada há que seja justo ou injusto em relação aos vi-
ventes que não concluíram pactos), é razoável supor que a primeira
proposição se refira à atitude dos humanos diante dos demais viven-
tes. Ao lado de preceitos de índole religiosa (as escolas de Pitágoras e
de Empédocles, professando a metempsicose, proibiam matar qual-
quer animal), havia leis na Grécia clássica que disciplinavam as rela-
ções dos homens com outras espécies, notadamente as domésticas. A
domesticação, inclusive a das espécies que se inscrevam na cadeia ali-
mentar humana, tem forte analogia com os pactos de submissão.
A segunda proposição da máxima refere-se aos povos (E:SvT])
que não puderam ou não quiseram concluir pactos. Os povos organi-
zados em Estados podem regular suas relações recíprocas por meio de
tratados ou de acordos tácitos. Podem, notadamente, abster-se de in-
vadir o território alheio. Mas povos nômades ou comunidades que
vivem dispersas e não dispõem de formas de organização política não
podem, por isso mesmo, negociar coletivamente. É também o caso de
povos que, embora dotados de organização estatal, estão divididos ou
indecisos quanto à atitude a adotar diante de um outro povo. Quanto
aos que não quiseram negociar, a recusa corresponde à desproporção
de forças entre as partes. Aquela que é demasiado forte prefere não
perder tempo para impor sua vontade discricionária. Aquela que é
mais fraca, mas considera ter condições para resistir, não aceita sem
luta a submissão.
Compostas numa época de incessantes confrontos bélicos, as
Máximas refletem a constatação de que a guerra altera a balança do
justo e do injusto. Em particular, as devastações provocadas na Grécia
pela terrível guerra do Peloponeso e nas décadas seguintes, ao longo
54 Epicuro
causastes o menor prejuízo. Procurai obter apenas o que é
possível, levando em conta as verdadeiras intenções de
cada um. Sabeis tão bem quanto nós que, no mundo dos ho-
mens, os argumentos de direito só têm peso na medida em
que os adversários em confronto dispõem de meios de coerção
equivalentes e que, se não for esse o caso, os mais fortes tiram
todo o partido possível de seu poderio, ao passo que aos mais
fracos só cabe se inclinar"49 •
Em suma, o interesse do mais fraco é aceitar um pacto, mesmo
desigual, que lhes trará alguma segurança e evitará males maiores. É
útil compreender, com efeito, que entre o fraco e o forte os pesos são
desiguais: dois pesos, duas medidas. Vae victis! disse Breno, chefe dos
gauleses vencedores, aos romanos vencidos ao lançar sua espada ·na
balança em que pesava o ouro exigido em troca da paz.
56 Epicuro
viver vida de feras. Devemos, com efeito, temer tudo que é
vergonhoso e honrar a justiça por seu valor intrínseco 5º,
posto que temos, nos deuses, bons príncipes (&pxovrnç
&ycnoúç) e nos demônios (fo(µovcxç) protetores de nossas
vidas (1125,a).
58 Epicuro
To µE:v E=mµaptupoÚµEVOV on ouµcpÉpEL EV ta'iç XPELaLÇ tf]ç
rrpoç &U~Àouç KOLvwvlaç twv voµLo8Évtwv EivaL ÕLrnlwv EXEL
, ";' ', ' ' \ .. , 'f
tOV 'tOU ÕLKaLOU ELVaL, ECX.V tE 'tO CX.U'tO 7TCX.OL YEVlltaL EaV tE
µ~ to autó· E=àv ÕE µóvov 8f]tal nç, µ~ àrropalvEL ÕE KCX.tà
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wu ÕLKcúou cpúoLv EXEL. Kliv µnarrl rrt1J to Katà to õl.KaLov
ouµcpÉpov, xpóvov õÉ tLva ELÇ t~v rrpÓÀll*Lv EvapµÓttEL ouõE:v
~nov EKE'ivov tov XPÓvov ~v ôCKaLDv to'iç µ~ cpwva'iç KEvcúç
Éauwuç ouvtapánouo w, àUà rr ÀE'iota rrpáyµata pÀÉrrouo w.
Não havendo leis justas ou injustas em si, elas devem ser avalia-
das pelas consequências, úteis ou nocivas, que acarretaram em deter-
minadas circunstâncias (KCHVWV yEvoµÉvwv rwv rrpayµárwv ). Elas só
devem deixar de ser consideradas justas quando suas consequências
são nocivas à vida em comum, sem que as circunstâncias tenham
mudado. Se as leis se tornaram nocivas porque as circunstâncias
mudaram, elas não deixam de ter sido justas enquanto duraram as
circunstâncias que as tornavam úteis. O critério da conformidade
das leis com a utilidade comum não deve, pois, ser assimilado ao
"ensaio e erro''. A prenoção do justo, tal uma bússola, permite dis-
cernir, com razoável grau de certeza, as leis suscetíveis de favorecer
o interesse que temos todos em não prejudicar os outros para não
sermos por eles prejudicados daquelas que, promovendo o interesse
de alguns, geram ressentimento e revolta nos demais.
Ademais, parece-nos importante frisar que "a natureza contra-
tual do direito", tal como a entendiam os epicuristas, não se confun-
de com o contratualismo moderno. Epicuro não pretende funda-
mentar a ordem pública num acordo de vontades, nem, menos ainda,
entende-a como "personificação" da autoridade coletiva, à maneira
de Hobbes, ou como "coisa pública" no sentido de Rousseau. U~
decreto discricionário não é um pacto. Os métodos cruéis do tir~no
que crucifica ou empala piratas, na medida em que são úteis à segu-
rança dos navegantes e das populações costeiras, reforçam o direito
positivo da tirania, embora constituam um pacto de submissão.
60 Epicuro
XXXIX - Aquele que melhor sabe lidar com as inquietações que
vêm de fora age de maneira que torne familiar tudo que puder;
quanto ao que não puder, que pelo menos lhe não seja hostil; qu~to
àquilo, enfim, relativamente ao qual nem isso é, possív~l, ,ele. evita
qualquer contato e faz tudo que é útil para mante-lo a di~tanc1a. ~
'O ro µ~ eappoDv &rrà rwv E/;W0EV &pwra auar~aaµEVOÇ, ou
roç rà µE:v õuvarà óµócpuÀa KarEaKEuáaaro, rà õE: µ~ õuvarà
ouK tXÀÀÓcpuÀá YE' oaa yE µ~õE: roDro õuvaroç ~v &vErrtµLKroç
ÊyÉvno Kal. ÊÇ~p(aaro oaa roDr' EÀuaL ' ,
rEÀEL ,
rrparrELv.
62 Epicuro