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TOMÁS DE
AQUINO
UM PERFIL HISTÓRICO-FILOSÓFICO
Tradução
Orlando Soares Moreira
Edições Loyola
Título original:
Tommaso d'Aquino- Un profilo storico-filosofico
© 2012 by Carocci editore S.p.A., Roma
Corso Vittorio Emanuele 11, 229- 00186- Roma
ISBN 978-88-430-6534-9
Porro, Pasquale
Tomás de Aquino : um perfil histórico-filosófico I Pasquale Porro ;
tradução de Orlando Soares Moreira. -- São Paulo : Edições Loyola,
2014.
14-02495 CDD-189.4
ISBN 978-85-15-04119-0
©EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2014
fazem parte dessa classe, Tomás - com base também no que já foi sugerido por Alben.:
Magno- propõe o modelo de uma demonstração ex suppositione finis (que ele desenvoo~
e usa no Comentário à Física): se é impossível estabelecer um nexo absolutamente neces.x
rio entre causa e efeito, deve-se partir do próprio efeito, que representa o fim de um prO\:~
so natural, e julgar que, se ele se verifica (ou quando se verifica), então é possível subir, por
via demonstrativa (até sem necessidade absoluta), às causas que o tornam possível. Enfii::..
tem-se neste caso não uma necessidade a priori, mas uma necessidade a posteriori, que Sé
extrai do fim e da forma. O exemplo de Tomás diz respeito à geração de uma oliveira: cic
fato, não é necessário que uma oliveir~ germine, pois a semente poderia se perder ou ~
impedida na sua ação por outras causas; mas se a oliveira germina então é necessário qut
se dê a causa, ou seja, a semente. Essa necessidade, embora inferior à absoluta, é toda'-u.
suficiente para obter proposições científicas válidas no mundo sublunar (precisamente n.:
mundo dos eventos ut frequenter) 21 • A propósito dos princípios por si conhecidos, ToflUi.
segue a distinção proposta por Boécio no De (h)ebdomadibus. Tais princípios são as ca~
de que se obtém a conclusão e são imediatos porque não podem ser, por sua vez, deduzid~
de outros princípios. O seu traço característico é dado pelo fato de que o predicado es.u
incluído na razão ou definição do sujeito. Todavia, algumas proposições por si conheci~
são formadas por termos verdadeiramente conhecidos de todos, como o princípio de iden-
tidade ou o axioma segundo o qual o todo é maior que a parte. Outras proposições por s
conhecidas são formadas por termos que são conhecidos somente pelos especialistas dé
uma disciplina; um exemplo de proposições desse tipo é o axioma "todos os ângulos ret~
são iguais': que é imediato e por si conhecido porque o predicado está incluído na definiçãc,
do sujeito, mas não é conhecido de todos porque nem todos conhecem imediatamente o
significado de ângulo reto. Tomás parece reservar a denominação dignitates para as pro-
posições do primeiro tipo, positiones para as válidas para os especialistas. A abordagem to-
masiana, como foi observado, reflete assim a penetração do modelo euclidiano no coração
mesmo da epistemologia aristotélica. Outros desenvolvimentos originais do comentário
tomasiano referem-se à interpretação do segundo modo de pregação per se (aquele em que
o sujeito é causa do predicado e, mais precisamente, causa matt-rial, como Tomás deixa cla-
ro) e à aplicação a esse último da distinção entre pregação abstrata e concreta: no primeiro
caso, o acidente é definido em geral, sem referência a um substrato determinado, e o sujeito
aparece in obliquo, ou seja, num caso indireto (o achatamento é a curvatura do nariz); no
segundo, o sujeito aparece na definição em caso reto e quase desenvolve a função de gênero
(achatado é o nariz curvo).
28. Cf. A. Corbini, La teoria della scienza nel Xlll secolo. I commenti agli Analitici secondi, Firenze, Sismell
Edizioni dei Galluzzo, 2006, espec. 42-47 ("Unione accademica nazionale. Testi e studi': 20); para os outros
temas que mencionamos a seguir, cf. também 74-79 e 106-108.
28.4
IOMAI DI AQUIND- UM PERFIL HlllDRICD-FILDIDfi(D
decurso da sua meticulosa exposição 29 • Podemos, porém, nos deter em dois pontos: o modo
como Tomás interpreta a estrutura do texto aristotélico e a nova discussão, no prólogo, em
torno do sujeito mesmo da metafísica como ciência. No que diz respeito ao primeiro ponto,
é interessante observar- como foi muito oportunamente demonstrado- que Tomás in-
terpreta o terceiro livro (Beta) como agenda ou plano de trabalho de toda a Metafísica aris-
totélica30. Essa leitura se apoia evidentemente num pressuposto fundamental, ou seja, que a
obra aristotélica como a conhecemos possa ser considerada um texto fortemente unitário, a
despeito não somente das perplexidades dos intérpretes contemporâneos, mas também das
dúvidas levantadas por alguns dos comentaristas antigos tardios ou árabes sobre a copre-
sença nela de instâncias não facilmente conciliáveis. Com efeito, para Tomás a Metafísica
apresenta uma estrutura fundamentalmente bipartida (I- VI e VII-XII), mas ordenada e ho-
mogênea; os livros do primeiro subgrupo devem ser considerados propedêuticos, ao passo
que os do segundo respeitam a divisão clássica da epistemologia aristotélica, ocupando-se
em seguida do sujeito da ciência, das suas propriedades e dos princípios (subiectum, passio-
nes subiecti, principia subiecti): os livros VII- IX (Zeta, Eta, Teta) têm a ver com o subiectum;
o livro X (Jota), com as passiones ou propriedades (um e muitos etc.); os livros XI-XII (Capa
e Lambda, levando em conta que, como já lembrado, Tomás não comentou os últimos dois
livros), com os principia. A chave dessa junção, para Tomás, está exposta no livro Beta
- o livro das "aporias" -, que apresenta, por sua vez, uma subdivisão interna: o primeiro
capítulo limita-se a apresentar genericamente as próprias aporias, que são depois explicita-
mente formuladas nos restantes cinco capítulos. Não é, portanto, por acaso que Tomás, ao
comentar os cap. 2-6 do Beta, tenha a preocupação de precisar os lugares em que as várias
aporias são depois efetivamente discutidas e resolvidas dentro da Metafísica - locais que
se encontram quase todos na segunda das partes antes distintas (livros VII-XII, ou Zeta-
Lambda). Somente o quarto livro (Gama) parece pôr algum problema a propósito, porque,
embora pertencendo à primeira parte (a "propedêutica"), já oferece a solução de algumas
aporias: Tomás trata do problema explicando que esse livro, junto com o VI (Épsilon), se
ocupa somente das aporias preliminares que dizem respeito ainda ao modo de proceder da
ciência e não aos conteúdos dela, que são abordados no bloco VII-XII. Desse modo, como
sugerido ainda por Galluzzo, a Metafísica aristotélica parece assumir no seu todo a forma
de uma verdadeira quaestio escolástica, cujos argumentos pro e contra são postos no livro
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ASEGUNDA REGENOA EM PARI\11168 1271)
Beta, ao passo que as relativas soluções se encontram nos livros Gama e Zeta-Lambda. Esse
tipo de enfoque evidencia a atitude verdadeiramente técnica e disciplinar com que Tomás
enfoca o próprio comentário da obra aristotélica, independentemente das questões de épo-
ca que muitas vezes prevaleceram sobre sua abordagem.
O problema do sujeito da metafísica, porém, é discutido por Tomás sobretudo no
prólogo do comentário, que retoma e, ao mesmo tempo, integra o que já fora exposto no
Comentário ao De Trinitate de Boécio. Todas as ciências e artes estão ordenadas a um único
fim, no qual consiste a perfeição do homem, ou seja, a sua felicidade (beatitudo): é, por-
tanto, necessário, como acontece em todos os conjuntos múltiplos orientados para uma só
coisa, que uma dessas ciências e artes governe e dirija as outras: e essa ciência é a que pode
precisamente reivindicar para si o nome de sabedoria se, como afirma Aristóteles, é pró-
prio do sábio ordenar ou dirigir (sapientis est ordinare). O exemplo aristotélico que Tomás
emprega a tal propósito é o da natural divisão em senhores e escravos: como os que são
particularmente dotados de capacidade intelectual sujeitam a si os que, porém, são inte-
lectualmente fracos, assim a ciência que é maximamente intelectual deve ser naturalmente
reguladora das outras. Como identificar, então, essa ciência maximamente intelectual? Se
as ciências se dividem com base nos seus objetos, maximamente intelectual não poderá ser
senão a ciência que se ocupa do que é maximamente inteligível. Mas esse último âmbito
pode ser considerado de três pontos de vista: em primeiro lugar, a partir da ordem do
conhecimento; nesse sentido, maximamente inteligíveis são as causas, mediante cujo co-
nhecimento se obtém a certeza do que se segue. Portanto, maximamente intelectual nesse
sentido será a ciência que se ocupa das causas.
Em segundo lugar, maximamente inteligível é o que se afasta do modo do conheci-
mento sensível: ora, os sensíveis são sempre particulares, ao passo que os inteligíveis são
universais. Maximamente intelectual nesse sentido será, portanto, o que se ocupa dos prin-
cípios maximamente universais, como o ente e tudo o que a ele se vincula imediatamente,
como o um e os muitos, a potência e o ato etc.
Em terceiro lugar, maximamente inteligível é o que é maximamente separado da ma-
téria. Tal é não somente o que é abstraído da matéria assinalada, ou seja, pela matéria que
faz a função de princípio de individuação, como no caso da física, mas em geral por toda
a matéria sensível, e não somente segundo a consideração, como no caso da matemática,
mas segundo o ser. Absolutamente separados da matéria segundo o ser são Deus e as outras
substâncias separadas (as inteligências). Maximamente intelectual será, portanto, a ciência
que se ocupa de tal âmbito.
Essa tríplice caracterização não indica, todavia, três ciências diferentes, cada qual com
seu próprio sujeito distinto (respectivamente as causas, o ente e as suas propriedades, Deus
e as outras substâncias separadas), mas uma só e idêntica ciência, pois as substâncias se-
paradas, como prossegue Tomás, coincidem com as causas universais e primeiras do ser; e
como compete a uma só e mesma ciência considerar as causas próprias de um gênero qual-
quer e do próprio gênero é preciso que uma só ciência se ocupe das substâncias separadas
e do ente comum, de que tais substâncias são causas comuns e universais.
Todavia, uma vez que - como o próprio Aristóteles prescreve nos Segundos analí-
ticos - é necessário que toda ciência tenha um só sujeito determinado, dever-se-á dizer,
com maior precisão, que o sujeito dessa ciência é somente o ens commune: sujeito em toda
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TOMAS Df AO UI NO - UM PfRfll HIITORICD fllDIDFICD
ciência, com efeito, é aquilo de que se procuram as causas e as propriedades, e não as causas
mesmas, que representam, antes, o fim a que a ciência tende. Repropõe-se a essa altura a
dificuldade que já encontramos no Comentário ao De Trinitate: como se concilia a escolha
do ens commune como sujeito da metafísica com o outro postulado aristotélico segundo
o qual a filosofia primeira se ocupa do que é separado e, portanto, como parece, imate-
rial? Tomás repropõe o mesmo modelo tomado de Avicena: imaterial não é apenas o que
nunca se encontra na matéria, mas também o que pode se dar igualmente sem matéria,
como o ens commune. Também os diversos nomes da própria ciência são explicados com
base em Avicena: ela é chamada de "ciência divina" porque se ocupa das substâncias sepa-
radas; "metafísica" porque se ocupa daquilo a que se chega depois das realidades físicas no
processo de resolução (ou seja, na passagem do que é particular ao que é mais universal);
"filosofia primeirà' porque se ocupa das causas primeiras do ente.
Como é fácil constatar, esse prólogo tem alguns elementos em comum com a aborda-
gem desenvolvida, com maior sutileza, no Comentário ao De Trinitate, como a explicação
relativa às diferentes denominações e a distinção entre dois diferentes tipos de imaterialida-
de. Mas há também algumas diferenças, talvez não propriamente irrelevantes: a distinção
entre abstração e separação é apenas acenada (e em continuação do comentário é muitas
vezes ignorada), e não é de modo algum referida às duas diferentes operações do intelecto;
embora alguns temas fundamentais avicenianos estejam ainda bem presentes, é realmente
abandonado o ponto decisivo, ou seja, a passagem da análise "transcendental" do conceito
de ente à relativa ao ente divino - operação possível em Avicena porque o ente, em geral,
inclui o divino (e, portanto, o próprio divino é uma das propriedades, porque, sem dúvi-
da, a mais excelente, do próprio ente), ao passo que Tomás entende explicitamente o ens
commune somente como ente criado. O prólogo parece, assim, marcar um passo atrás com
relação ao comentário: o sofisticado trabalho aviceniano para levar à unidade as indicações
esparsas de Aristóteles sobre o sujeito da filosofia primeira parece dar passagem a uma
interpretação mais tradicional. Se há um texto de Tomás que se presta à acusação heideg-
geriana segundo a qual a metafísica ocidental se constituiu essencialmente como ontoteo-
logia (admitido que se trate de uma acusação, evidentemente) é precisamente o prólogo do
Comentário à Metafísica: a metafísica, como ela é aqui apresentada, é ontoteologia porque
se ocupa ao mesmo tempo do que é universal e do que é primeiro, estabelecendo o nexo
entre os dois âmbitos na ligação de causalidade entre o segundo e o primeiro (com boa
paz de quem minimiza esse nexo para procurar subtrair Tomás ao anátema heideggeriano
em relação à ontoteologia) 31 • Enfim, não há no prólogo, bem como em todo o comentário,
nenhuma referência à duplicidade da ciência divina ou à exigência de fundamentar um
31. Cf. sobretudo J.-L. MARION, Saint Thomas d'Aquin et lonto-théo-logie, Revue Thomiste, 95, "Saint
Thomas et l'onto-théologie. Actes du colloque tenu à I'Institut catholique de Toulouse les 3 et 4 juin 1994"
( 1995) 31-66, que é também uma espécie de palinódia- ou, para usar o próprio termo escolhido pelo autor,
de retractatio - do que ele próprio tinha escrito antes (sobretudo em Dio senza essere, Milano, Jaca Book,
1992 [ed. or.: Dieu sans l'être, Paris, Presses Universitaires de France, 1982]). Para algumas observações a
propósito (e sobre a suposta utilidade de fazer referência no medievalismo às "acusações" heideggerianas
em relação à ontoteologia), cf. P. PoRRO, Heidegger, la filosofia medievale, la medievistica contemporanea,
Quaestio, 1 (2001) 431-461 (C. EsPOSITO, P. PoRRo [a cura di], Heidegger e i medievali); lo., Metafisica e
teologia nella divisione delle scienze speculative dei Super Boetium De Trinitate, in ToMMASO D'AQUINO,
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ASEGUNDA REGiNCIA EM PARIS (126812721
espaço epistemologicamente adequado para a theologia nostra ao lado e acima da teologia
dos filósofos. Essa última essência poderia ser explicada, porém, com base no fato de que
a intenção principal de Tomás é aqui explicar a Metafísica de Aristóteles e não ampliar o
discurso até incluir o problema da relação entre essa ciência divina e a fundamentada na
revelação. Todavia, deve-se dizer que o comentário de Tomás deve ser ainda lido com ex-
trema cautela, até estar finalmente disponível a edição crítica Leonina: como essa última
promete corrigir as edições atualmente disponíveis de modo substancial, pode-se muito
bem dizer que ela representa o desenvolvimento editorial mais desejado por todos os leito-
res "filosóficos" de Tomás.
Commenti a Boezio (Super Boetium De Trinitate. Expositio libri Boetii De ebdomadibus), introd., trad., notas
e apênd. P. Porro, Milano, Bompiani, 2007,467-526.
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TOMAS DI AOUINO - UM I'Ufll H~TOIICO-fllOSOFICO