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O MÉTODO ESCOLÁSTICO

(Algumas Notas)

A palavra «escolástica» vem do latim «schola». O termo «scholasticus», embora também


tenha sido sinónimo de «rethor» ou professor de eloquência (como em Quintiliano, retórico
romano), veio a designar, em especial, o homem letrado, culto ou sábio, referindo-se
fundamentalmente ao professor de uma schola (magister scholarum).
A escolástica corresponde ao método didáctico utilizado na especulação
filosófico-teológica das escolas medievais (que primeiramente eram catedralícias e monásticas
e só depois passaram a ser universidades), assim como à forma de literatura dele proveniente;
ou, também, à finalidade do ensino, ao seu conteúdo ou ao período de tempo em que vigorou,
ainda que este último sentido, cronológico, devido aos renascentistas (que davam a designação
de «philosophia scholastica» à ensinada nas escolas da Idade Média), seja menos exacto (em
virtude de a filosofia escolástica ter subsistido para além desse período histórico).
O método escolástico vai ganhando forma ao longo do tempo. No séc. XII apresenta já a
estruturação em que assenta a fisionomia perfeita que alcançou no séc. XIII e que acabou por
constituir o género literário típico das obras dos grandes doutores.
Podemos dizer que o método escolástico comporta três elementos essenciais: a lectio, a
quaestio e a disputatio.
A lectio («lição») constituía o eixo em torno do qual girava a pedagogia medieval, mais
voltada para a aquisição e transmissão do saber do que do seu acrescento: consistia na leitura de
um texto cuja letra era comentada/explicada pelo mestre ou que este aproveitava para
desenvolver os seus pontos de vista e colocar uma quaestio.
A quaestio («questão») provinha, pois, da lectio, que tinha como objecto os textos dos
auctores (em que se consubstanciavam os programas escolares), tomados como auctoritates
(por ex., Aristóteles, Hipócrates, a Sagrada Escritura e as Sentenças de Pedro Lombardo). No
séc. XII, a quaestio traduzia-se numa pergunta ou problema para que se buscava resposta ou
solução.
A disputatio («disputa») consistia no raciocínio desenvolvido com vista a fornecer a
resposta ou solução da quaestio, assente na variedade de opiniões e no confronto das
auctoritates pró e contra: depois do enunciado (em forma interrogativa) do tema em discussão,
eram indicadas as razões pelas quais a resposta se orientava num determinado sentido e as que
apontavam em sentido contrário; seguidamente tinha lugar a solutio ou responsio; finalmente
procedia-se à refutação das opiniões contrárias.

No séc. XIII a disputatio tornou-se uma forma de ensino universitário, distinguindo-se três espécies de
disputationes: a disputatio ordinaria, que era realizada cada semana ou cada quinzena, acerca de determinado
tema; a disputatio solemnis, que tinha lugar duas vezes por ano (antes do Natal e da Páscoa), com a presença do
bispo, do chanceler e de toda a corporação escolar, devendo o magister (que presidia) dar resposta a qualquer
assunto que fosse proposto, «de quo libet»; e a disputatio magistralis, que tinha lugar entre dois mestres.

Depois da descoberta da «Logica nova» (entre 1120 e 1160), o método escolástico adquiriu
maior rigor, passando a ter a utilização sistemática da dialéctica aristotélica como um dos seus
elementos característicos; o principal cultor desta foi S. Tomás de Aquino (séc. XIII), que dela
se serviu, designadamente, na Summa Theologiae.

Mas, em que se traduz, afinal, a dialéctica aristotélica?


A dialéctica é a «arte de discutir». Para Aristóteles constitui uma técnica logística
caracterizada pelo emprego do silogismo (categórico), do qual «o filósofo» – como Aristóteles é
referenciado por S. Tomás de Aquino – forneceu uma definição muito geral («O silogismo é um

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discurso no qual, sendo afirmadas certas coisas, resulta necessariamente delas algo de
diferente, pelo simples facto desses dados» – Analytica Priora, I,1,24b), que pode ser
concretizada através da exemplificação que dela deu: a inferência silogística é aquela que,
partindo de duas proposições que unem dois termos (sujeito e predicado) a um terceiro, conduz
ao estabelecimento de uma nova proposição que une aqueles dois termos, mediante um
processo dedutivo, em que a conclusão é inferida de duas premissas, a premissa maior e a
premissa menor. Como a conclusão é única para cada silogismo, se se quiser fazer outro
silogismo é preciso dispor de, pelo menos, uma premissa diferente de qualquer das duas usadas
imediatamente antes ou de ambas (no caso de ser utilizada como premissa a conclusão anterior).

Vejamos um exemplo de silogismo (categórico) e como se formaliza (ou seja, como os termos de cada
proposição se traduzem por símbolos literais, variáveis), para compreender em que consiste.

Exemplo: Se todos os homens são mortais


e todos os portugueses são homens,
então todos os portugueses são mortais.

Forma silogística usada por Aristóteles: Forma silogística moderna:


Se A é predicado (é verdadeiro) de todo o B Se todo o m é p
e B é predicado (é verdadeiro) de todo o C e todo o s é m,
então A é predicado (é verdadeiro) de todo o C.* então todo o s é p.*
* Repare-se que o termo médio (B ou m), porque geral e comum às duas proposições, está nas duas premissas, mas não na
conclusão; o termo maior (A ou p) é sempre o predicado da conclusão e aparece igualmente na premissa maior; e o termo
menor (C ou s) é sempre o sujeito da conclusão e aparece também na premissa menor. Assim, no exemplo apresentado,
«homens» é o termo médio, «portugueses» é o termo menor e «mortais» é o termo maior.

Importa, todavia, ter presente que, em virtude de o valor das premissas não ser sempre o
mesmo, o silogismo é mais amplo do que a demonstração, pois se esta é uma espécie de
silogismo, nem todo o silogismo é demonstração. A par do silogismo demonstrativo
(necessário ou científico) – que parte de proposições verdadeiras –, Aristóteles admite, na
verdade, o silogismo dialéctico – que parte de proposições prováveis, de opiniões geralmente
aceites. Como «o filósofo» escreve nos Tópicos (104 a), «uma proposição dialéctica destina-se
a indagar o que todos os homens, a maioria deles ou os filósofos aceitam, admitindo que não
irão contra a opinião geral».

Ora, foi precisamente o recurso a este silogismo dialéctico que caracterizou o método
escolástico utilizado pelos comentadores no estudo do direito.

ANTÓNIO ALBERTO VIEIRA CURA


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Bibliografia: ABBAGNANO, Nicola, Silogismo e Silogística, in Dicionário de Filosofia (S.Paulo,


1982), 863-864 e 866-867; ALVES, V. de Sousa, Silogismo, in Logos, vol. 4 (Lisboa-S. Paulo, 1992),
1114-1118; BERNHARDT, Jean, Aristóteles, in História da Filosofia de Platão a S. Tomás de Aquino
(Lisboa, 1986), 84 e 113-117; COSTA, Mário Júlio de Almeida, História do Direito Português, 3.ª ed.
(Coimbra, 1996), 237 e 240; FERRATER MORA, José, Silogismo, in Dicionário de Filosofia (Lisboa,
1982), 369-372; FREITAS, Manuel da Costa, Tomás de Aquino (São), in Logos, vol. 5 (Lisboa-S. Paulo,
1992), 184-185; PÉPIN, Jean, São Tomás de Aquino e a filosofia do século XIII, in História da
Filosofia, cit., 257-261; PIRES, Francisco Videira, Dialéctica, in Logos, vol. 1 (Lisboa-S. Paulo, 1989),
1391-1396; PONTES, J. M. da Cruz, Escolástica, in Logos, vol. 2 (Lisboa-S. Paulo, 1990), 166-173; e
SILVA, Carlos, Aristóteles, in in Logos, vol. 1, cit., 397-399.

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