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© Gius. Laterza & Figli, todos os direitos reservados.

Publicado por acordo com Marco Vigevani Agenzia Letteraria

Título original: Introduzione a Aristotele.

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1ª edição: novembro de 2012

Tiragem: 2.000 exemplares

Preparação de originais: Laura Vasconcellos

Revisão tipográfica: Tereza da Rocha

Projeto gráfico: Regina Ferraz

CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

R223i Reale, Giovanni, 1931-

Introdução a Aristóteles / Giovanni Reale ; tradução Eliana Aguiar. – Rio de

Janeiro : Contraponto, 2012.

Tradução de: Introduzione a Aristotele

ISBN 978-85-7866-073-4

1.Aristóteles. 2. Filosofia. 3. Filosofia antiga – História.I. Título. II. Série.

12-7169 CDD: 100 CDU: 1


Sumário

Advertência

Cronologia

I. O homem, a obra e a formação do pensamento

filosófico

Do nascimento ao ingresso na Academia

As duas décadas na Academia, as obras da juventude

e a formação da filosofia de Aristóteles

Os “anos de viagem”

O retorno a Atenas, a fundação do Perípato e as obras

de escola

A leitura de Aristóteles hoje

Notas

II. A “filosofia primeira”: análise da Metafísica

Conceito e características da metafísica

As quatro causas

O ser, seus significados e o sentido da fórmula “ser

enquanto ser”

A “tábua” aristotélica dos significados do ser e seu

sentido

Especificações acerca dos quatro sentidos do ser

A questão da substância

A substância em geral e as notas definidoras do

conceito de substância

A “forma” aristotélica não é universal

O ato e a potência

Demonstração da existência da substância

suprassensível

A natureza do Motor Imóvel

Unidade e multiplicidade do divino


Deus e o mundo

Notas

III. A “filosofia segunda”: análise da Física

Caracterização da física aristotélica

A mudança e o movimento

O espaço e o vazio

O tempo

O infinito

A “quinta-essência” e a divisão entre mundo

sublunar e mundo celeste

Notas

IV. A psicologia: análise de De anima

Conceito aristotélico de alma

A tripartição da alma

A alma vegetativa

A alma sensitiva

A alma racional

Notas

V. A filosofia moral: análise da Ética a Nicômaco

Relações entre ética e política

O bem supremo do homem: a felicidade

Dedução da “virtude” das “partes da alma”

As virtudes éticas

As virtudes dianoéticas

A perfeita felicidade

Psicologia do ato moral

Notas

VI. A doutrina do Estado: análise da Política

Conceito de Estado

O cidadão
O Estado e suas formas possíveis

O Estado ideal

Notas

VII. A filosofia da arte: análise da Poética

Conceito de ciências produtivas

A mimese poética

O belo

A catarse

Notas

VIII. A fundação da lógica: análise do Organon

Conceito de lógica, ou “analítica”

O esquema geral dos escritos lógicos e a gênese da

lógica aristotélica

As categorias, os termos e a definição

As proposições: Sobre a interpretação

O silogismo

O silogismo científico ou demonstração

O conhecimento imediato

Os princípios da demonstração

Os silogismos dialéticos e sofísticos

A lógica e a realidade

Notas

História da fortuna crítica e das interpretações de

Aristóteles

História da escola peripatética e dos escritos de

Aristóteles até a edição de Andrônico de Rodes

Os comentaristas gregos de Aristóteles

Aristóteles na Idade Média

Aristóteles no Renascimento e nos primeiros séculos

da era moderna

O renascimento de Aristóteles nos séculos XIX e XX


A inovação do método genético e a redescoberta do

jovem Aristóteles

Notas

Bibliografia comentada

Compilações bibliográficas e resenhas críticas

As obras de Aristóteles

Edições gerais e específicas das obras de Aristóteles

Traduções das obras em língua italiana

Traduções em latim e em línguas modernas

Índices e léxicos

Coletâneas, paráfrases e comentários

Estudos críticos

Traduções de Aristóteles em língua portuguesa


ADVERTÊNCIA

Em termos de análise e de síntese, este livro é o produto de

uma série de pesquisas e estudos que iniciei há quase vinte

anos. Além de diversos artigos e ensaios em coletâneas e

revistas, dediquei a Aristóteles Il concetto di filosofia prima e

l’unità della metafísica de Aristotele (Milão, 1965, 1967), e

traduzi a Metafísica, com introdução e comentário analítico,

para a editora Loffredo (2 v., Nápoles, 1968). Sempre em

conexão com Aristóteles, traduzi e comentei Metafísica, de seu

discípulo Teofrasto, mostrando todas as relações entre ela e a

obra maior do mestre. Paralelamente a esta Introdução a

Aristóteles, publico a primeira tradução italiana do Tratado

sobre o cosmo para Alexandre, reivindicando a paternidade do

texto para Aristóteles (Loffredo, Nápoles, 1974).

No plano da síntese, discorri sobre Aristóteles no peque-no

volume Il motore immobile (La Scuola, Brescia) e sobretudo em

I problemi del pensiero antico (v. 1, Dalle origini ad Aristoteles,

Celuc, Milão, 1972).

O leitor encontrará nesta Introdução, portanto, o resultado

de todos os estudos anteriores. É evidente que muitos aspectos

já extensamente refletidos foram aqui retomados com alguns

retoques, ou até de modo integral. Em específico, retomei

partes de Problemi del pensiero antico, em sua maioria

resumidas; o primeiro capítulo e a parte concernente à história

do aristotelismo são totalmente novos.

Agradeço enfaticamente ao professor Berti, a quem muito

devo no que diz respeito à interpretação do primeiro

Aristóteles: os resultados que obteve ao estudar o Aristóteles

exotérico são os mesmos a que cheguei examinando o

Aristóteles esotérico. Devo agradecer-lhe também por ter-me

permitido ler o esboço de um trabalho, a ser brevemente

publicado, sobre as interpretações de Aristóteles (que

integrarão a obra organizada por V. Mathieu, Questioni di

*
storiografia filosofica, La Scuola, Brescia), que me foi de grande

utilidade.
Giovanni Reale

*
Efetivamente publicado em 1975. [n.t.]
CRONOLOGIA

384-383 a.C. Aristóteles nasce em Estagira, filho do médico

Nicômaco e de Féstis. É provável que viva um breve período

em Pela, quando o pai foi nomeado médico da corte do rei

macedônio Amintas.

367-366 a.C. Transfere-se para Atenas e entra na Academia,

onde permanece por duas décadas, durante as quais redige e

publica inúmeras obras, a maioria sob a forma de diálogos.

Essas obras foram chamadas de “exotéricas”, em contraposição

às que vieram depois, escritas apenas para aulas e cursos, e que

por isso ficaram conhecidas como “esotéricas”, ou dirigidas

aos iniciados.

360-358 a.C. Data provável da redação do diálogo Grilo. Talvez

seja imediatamente posterior aos tratados Sobre as Ideias e

Sobre o bem.

353 a.C. Data provável da redação de Eudemo.

351-350 a.C. Data provável da redação de Protréptico, ao qual

logo se seguiu o tratado Sobre a filosofia.

347 a.C. Morre Platão; Aristóteles deixa a Academia e Atenas,

mudando-se provavelmente para Atarneu, convidado pelo

tirano Hérmias, e logo em seguida para Assos, cidade que

Hérmias doou aos filósofos da Academia, Erasto e Corisco,

pelos bons serviços prestados.

347-345 a 344 a.C. Aristóteles funda a dirige uma escola em

Assos, com Xenócrates, Corisco e Erasto. Começa a redigir as

obras destinadas à escola e para de produzir escritos dirigidos

ao grande público. Não é mais possível reconstruir, mesmo

parcialmente, a cronologia dessas obras.

345-344 a 343-342 a.C. Aristóteles funda e dirige uma escola

em Mitilene, na ilha de Lesbos.

343-342 a.C. Por intercessão de Hérmias, Filipe da Macedônia

escolhe Aristóteles para educar seu filho Alexandre. Data desse

período a redação do Tratado sobre o cosmo para Alexandre, se


é que (como eu considero) ele é um documento autêntico (de

fato, apresenta muitos pontos tangenciais aos textos

exotéricos).

341 a.C. Hérmias cai prisioneiro dos persas e em seguida é

morto. Nesse período, Aristóteles se casa com Pítia, irmã de

Hérmias, com quem tem uma filha que recebe o mesmo nome

da mãe.

340 a.C. Nomeado regente, Alexandre interrompe seus

estudos. É provável que Aristóteles tenha se transferido pouco

depois para Estagira, reconstruída por Alexandre a seu pedido

(fora destruída pouco antes da partida de Aristóteles de

Atenas). Pítia morre, talvez em Estagira. Aristóteles se casa

com Hérpiles, que lhe deu um filho, o qual, em homenagem ao

avô paterno, se chamou Nicômaco.

335-334 a.C. Aristóteles volta a Atenas e funda o Perípato.

335-334 a 323 a.C. No Perípato, Aristóteles ministra os

grandes cursos de filosofia e ciência, e elabora e sistematiza os

escritos esotéricos.

323 a.C. Morre Alexandre, o que desencadeia uma revolta

antimacedônica. Aristóteles sente-se ameaçado a ponto de ser

obrigado a deixar Atenas.

322 a.C. Aristóteles transfere-se para Calcides, onde tem

propriedades herdadas de sua mãe; morre poucos meses

depois.
I.

O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO

PENSAMENTO FILOSÓFICO

Do nascimento ao ingresso na Academia

Para expor e interpretar corretamente o pensamento de

Aristóteles é indispensável expor algumas informações

essenciais sobre sua vida, sobre a gênese, as características

peculiares, a destinação de suas obras e os respectivos

problemas de caráter cronológico. A crítica moderna julgou

que poderia resolver muitas das questões suscitadas pela leitura

de Aristóteles remetendo-se aos dados biográficos, e chegou a

acreditar que a natureza do pensamento aristotélico seria

plenamente desvelada a partir de sua gênese. É bem verdade

que essa nova orientação da crítica — que, como veremos, foi

inaugurada em 1923 por Werner Jaeger — esbarrou com suas

colunas de Hércules em menos de cinquenta anos, à medida

que destruiu as premissas de onde partira e as próprias bases

sobre as quais trabalhara. Mas também é verdade que obteve

resultado irreversível ao demonstrar o despropósito da atitude

adotada durante séculos em relação a Aristóteles: seu

pensamento era visto como um bloco monolítico, desligado de

sua gênese e de sua história. As novas interpretações do

filósofo demonstraram, em especial, que é impossível

compreender o pensamento aristotélico sem tomar como

ponto de partida o evento essencial de sua vida, ou seja, os

vinte anos passados na Academia, na escola de Platão. Foi no

curso dessas duas décadas, nos constantes debates com Platão e

nas polêmicas correlatas com os acadêmicos, que Aristóteles

conquistou sua consciência filosófica e construiu as bases de

seu próprio pensamento. Em grande parte, os dogmas

aristotélicos só assumem a justa proporção e o significado

exato quando remetidos a essa matriz acadêmico-platônica.


Examinemos, portanto, de maneira ordenada, os principais

dados da biografia de Aristóteles.

Fontes plenamente confiáveis indicam o primeiro ano da

xcix Olimpíada, ou seja, 384-383 a.C., como data de

1
nascimento de nosso filósofo. Seu pai se chamava Nicômaco e

pertencia à corporação dos asclepíades, isto é, professava a arte

médica. Sua mãe se chamava Féstis e, segundo certa tradição,

também era vinculada aos asclepíades.

A cidade que viu Aristóteles nascer foi Estagira (hoje

Stavros), que fazia parte do reino macedônio. Havia muito era

colonizada pelos gregos, e nela se falava um dialeto jônico.

Portanto, os pais de Aristóteles eram gregos, e sua cidade natal

havia tempos era helenizada.

O pai, Nicômaco, que, como dissemos, era médico, deve ter

se destacado em sua arte, pois, como foi atestado, escreveu

livros de medicina e até uma obra de “física”. Seu prestígio era

tamanho que foi escolhido por Amintas, rei dos macedônios,

como seu amigo e médico da corte. Desde os tempos do rei

Arquelau, a residência dos soberanos macedônios se firmara na

cidade de Pela; por conseguinte, é lícito pensar que Nicômaco

e também Aristóteles residiram nessa cidade, na corte

macedônia. Em todo caso, Aristóteles não morou muito tempo

em Pela, porque logo ficou órfão.

É bastante provável que Aristóteles tenha se transferido de

Pela para Atarneu. De fato, sabemos que, com a morte dos

pais, ele ficou sob a tutela de Próxeno, que era dessa cidade.

Já podemos tirar algumas conclusões úteis dos elementos até

aqui expostos. É fantasiosa a pretensão de descobrir em

Aristóteles características e traços não gregos, pois de sangue

grego eram seus pais, e sua pátria havia muito era

completamente helenizada. O grande amor pelas ciências

naturais, uma das características peculiares de Aristóteles, já

tinha raízes bem claras na família, tanto pelo lado do pai

quanto pelo da mãe. Também as relações que Aristóteles

estabeleceria futuramente com Filipe e com Alexandre da

Macedônia, das quais falaremos amplamente, têm origem, pelo


menos em parte, nessa antiga ligação do pai, Nicômaco, com

os macedônios. Enfim, o tempo que passou em Atarneu, na

casa de seu tutor, Próxeno, pode ter alguma ligação com as

estreitas relações que Aristóteles manteria depois com

Hérmias, futuro tirano de Atarneu e de Asso, como veremos.

As duas décadas na Academia, as obras da juventude e a

formação da filosofia de Aristóteles

Para completar a educação do jovem Aristóteles, que bem cedo

deve ter manifestado uma vocação especulativa, Próxeno

resolveu mandá-lo para Atenas e inscrevê-lo na Academia. A

fama de Platão e de sua escola já tinha se espalhado e se

consolidado em todo o mundo grego. Esse fato encontra

testemunhos precisos e circunstanciados. Diógenes Laércio,

citando palavras de Apolodoro, escreveu: “Encontrou-se

[Aristóteles] com Platão na idade de dezessete anos e ficou em

2
sua escola por vinte anos.” Portanto, é fácil calcular que

Aristóteles entrou para a Academia em 367-366 a.C., e que lá

permaneceu até 347-346 a.C., ou seja, exatamente o período

que vai da segunda viagem de Platão à Sicília até sua morte.

Em suma, Aristóteles frequentou a Academia exatamente nas

duas décadas de maior esplendor da escola, no período em que

fervilhavam os grandes debates relativos à revisão crítica a que

Platão submeteu o próprio pensamento.

Como todos sabem, Platão fundou a Academia pouco

tempo depois da primeira viagem à Sicília (388 a.C.),

atribuindo-lhe o estatuto jurídico de comunidade religiosa

consagrada ao culto das Musas e de Apolo, senhor das Musas.

Essa era uma forma — a única, aliás — de conceder aspecto

legal à escola, projeto radicalmente novo e, enquanto tal, não

previsto pelas leis do Estado. As finalidades da Academia

tinham caráter sobretudo político, ou, melhor dizendo, caráter

ético-político-educativo: Platão pretendia preparar os

“verdadeiros políticos” do futuro, os homens capazes de

renovar radicalmente o Estado por meio do saber e do

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conhecimento do Bem supremo.
Situando-se para além do horizonte socrático, a Acade-mia

incluía o estudo de aritmética, geometria, astronomia e até de

medicina, disciplinas encaradas como preparação necessária

para a dialética. Cientistas ilustres como Eudoxo, matemático e

astrônomo, deram aulas na escola. Sabemos também da

presença de médicos chegados especialmente da Sicília. Sem

dúvida, os ensinamentos ministrados por essas pessoas

4
provocavam debates fecundos. Portanto, o interesse pela

ciência que Aristóteles já levava consigo, produto do ambiente

familiar, encontrou na Academia o espaço perfeito para se

desenvolver de modo adequado. Platão encontrava-se na

Sicília em 367-366, como dissemos, e lá permaneceu até o

início de 364; assim, a primeira influência decisiva sobre

Aristóteles foi do próprio Eudoxo, na época a figura mais

destacada da escola. De fato, Aristóteles irá se referir a ele mais

de uma vez e de maneira bastante clara. Como alguns

destacaram, é provável que, além do exemplo como cientista-

filósofo enciclopédico, Aristóteles tenha sido influenciado

sobretudo pelo postulado defendido por Eudoxo de “salvar os

5
fenômenos” (postulado também da Academia, mas levado às

últimas consequências por Eudoxo), ou seja, “encontrar um

princípio que explique os fatos mas mantenha intacto o modo

6
genuíno como eles se apresentam”. Contudo, Aristóteles não

adotou as ideias filosóficas de Eudoxo; elas discordavam

demais das de Platão e incorriam em aporias bem mais graves

que as platônicas, as quais pretendiam corrigir.

Outros personagens de destaque com quem Aristóteles deve

ter se encontrado logo no início foram Espeusipo, Filipe de

Opunte, Erasto e Corisco. Os dois primeiros se tornaram

escolarcas da Academia; na terceira viagem de Platão à Sicília, a

escola seria dirigida por Heráclides Pôntico; Filipe ficou

responsável pela publicação da última obra platônica, as Leis;

Erasto e Corisco, como veremos, teriam seus nomes ligados

mais intimamente a Aristóteles.

Pouco sabemos sobre as relações pessoais de Aristóteles com

Platão, que ele conheceu, segundo as informações já expostas,

quando tinha entre dezenove e vinte anos. As fontes parecem


apontar claramente para relações não muito pacíficas. Platão

considerava Aristóteles muito inteligente (se é verdade que

costumava chamá-lo pela alcunha de “A Inteligência”), porém,

entrava em conflito com ele em virtude do temperamento

polêmico e das críticas que o jovem e decidido discípulo lhe

fazia. No entanto, a influência de Platão sobre Aristóteles foi

absolutamente determinante, e não apenas por um período de

sua vida, mas para sempre. Como veremos, o platonismo foi o

núcleo em torno do qual a especulação aristotélica se

construiu. É absolutamente correto o que Diógenes Laércio

escreve: “Aristóteles foi o mais genuíno dos discípulos de

7
Platão.” No decurso dos séculos seguintes, esse fato foi com

8
frequência ignorado, e, a partir do Renascimento, muitos se

compraziam em contrapor os dois filósofos como termos de

uma antítese irredutível. Contudo, veremos que as razões desse

equívoco tiveram um caráter predominantemente teórico,

apriorístico e anti-histórico.

Reconstruir com exatidão a atividade de Aristóteles ao longo

das duas décadas passadas na Academia é impossível, pois a

documentação de que dispomos não é precisa o bastante. No

entanto, de uma maneira conjectural e com ampla margem de

aproximação, é possível determinar os principais

acontecimentos.

Pode-se conjecturar que, no triênio que vai de seu ingresso

na Academia até o retorno de Platão da Sicília, Aristóteles

estudou ciências matemáticas sob a batuta de Eudoxo. É

provável que tenha iniciado antes do retorno de Platão seu

segundo ciclo de estudos, que de hábito ia dos vinte aos trinta

anos, segundo o plano geral que podemos ler na República (de

fato, na qualidade de estrangeiro, Aristóteles foi dispensado do

curso de ginástica e do respectivo estágio). Na segunda fase, os

jovens eram preparados para a dialética, aprofundando a

natureza das disciplinas aprendidas na fase propedêutica e suas

afinidades recíprocas, a fim de refletir sobre a possibilidade de

transcender tais disciplinas para alcançar o Ser puro das Ideias,

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ou seja, para chegar à dialé-tica pura.
Não resta dúvida de que situar a paideia platônica em bases

científico-dialéticas agradava ao jovem Aristóteles, como se vê

claramente no Grilo, que parece ser sua primeira obra,

dedicada à retórica. Nela, tomando como ponto de partida

uma série de escritos retóricos compostos para celebrar Grilo,

filho de Xenofonte, morto em 362 a.C. na Batalha de

Mantineia, Aristóteles polemizava com a retórica entendida

como simples incitação irracional dos sentimentos, tal como

teorizada por Górgias e proposta de novo por Isócrates e sua

escola. Assim, o Grilo representa a nítida tomada de posição de

Aristóteles a favor da paideia platônica e contra a paideia

isocrática, baseada na retórica. Parece que a tese defendida por

Aristóteles era exatamente a mesma que Platão havia

sustentado anos antes no Górgias: a retórica não é uma techne,

não é uma arte nem uma ciência. Como se sabe, Platão

reabilitou parcialmente a retórica no Fedro, onde aponta a

total negatividade e vacuidade de uma retórica de tipo

gorgiano-isocrático, e demonstra que, para perdurar, a retórica

deve ter como base a dialética. Portanto, o Fedro reafirma a

tese de que a retórica, entendida como estimulação dos

sentimentos, não é arte. Logo, não é necessário, como quer

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Jaeger, situar a composição do Grilo como anterior ao Fedro.

Na verdade, Aristóteles referia-se sobretudo à tese do

Górgias, desenvolvendo-a e aprofundando-a, porque a retórica

que pretendia repudiar, aquela que servia de base aos elogios

escritos em honra a Grilo — entre os quais, segundo parece,

havia um texto do próprio Isócrates —, era exatamente aquela

contra a qual Platão polemizava no Górgias, e que Isócrates

havia retomado.

O Grilo deve ter sido muito bem aceito na Academia, tanto

que Aristóteles foi encarregado de ministrar um curso oficial

de retórica. Chegou até nós a informação de que ele iniciou seu

curso com a seguinte frase: “É torpe calar e deixar falar

*
Isócrates”, paródia de um verso de Eurípedes. A orientação

seguida pelo curso de Aristóteles, portanto, é bastante clara:

contestar todas as pretensões da retórica de tipo gorgiano e

isocrático em prol da defesa da dialética, e provavelmente


mostrar, como Platão já havia feito no Fedro, que, para ter

valor, a retórica deve se basear na dialética. Assim como o

Grilo, o curso de retórica deve ter obtido grande repercussão,

pois Cefisodoro, discípulo de Isócrates, escreveu uma obra

dividida em quatro livros, denominada Contra Aristóteles; e,

como conjecturam certos autores, com algum fundamento, o

próprio Isócrates respondeu aos ataques de Aristóteles no

11
Antídosis.

A cronologia do Grilo e do curso de retórica pode ser

facilmente reconstruída. Grilo morreu em 362 a.C., os

encômios foram publicados logo em seguida, e o texto de

Aristóteles foi uma reação contra a má retórica desses elogios.

Portanto, é possível pensar que o Grilo foi escrito entre 360 e

358 a.C., e que o curso teve início imediatamente depois, ou

seja, quando Aristóteles contava cerca de 25 anos.

Uma segunda obra juvenil datável de forma bastante segura

é Eudemo, ou Sobre a alma. A obra, sob a forma de diálogo, era

dedicada à memória de Eudemo de Chipre, condiscípulo e

amigo de Aristóteles que morreu em combate perto de

Siracusa, durante uma expedição organizada por Díon contra

Dionísio, o Jovem. Ora, as fontes antigas permitem estabelecer

de forma bastante plausível que a morte de Eudemo aconteceu

no ano de 354 a.C.; portanto, é muito provável que Aristóteles

tenha escrito a obra em memória do amigo morto no ano

seguinte, em 353 a.C.

O texto tinha um caráter eminentemente consolativo e

tratava dos problemas da alma e seus destinos ultraterrenos.

Dessa vez, o modelo usado por Aristóteles foi Fédon. Aliás, ele

volta a propor algumas das teses do Fédon, defendendo-as com

tal eficácia que, como todos sabem, os neoplatônicos tardios

consideraram equivalentes a obra-prima platônica e o texto

aristotélico. Se isso é incontestavelmente certo, como

testemunham os fragmentos que chegaram até nós, não é

verdade que Aristóteles se limitava a repetir Platão de maneira

passiva; nem é fato que defendesse aquela metafísica das Ideias

que iria repudiar depois. Além do mais, defendia apenas de

12
forma parcial uma visão acentuadamente pessimista da vida.
Na realidade, a julgar pelos já citados fragmentos, mais que

um discurso metafísico, o que Aristóteles faz em Eudemo é um

discurso de fé, com uma remissão pontual ao mito; o tom

pessimista se explica pelo estado de espírito em que Aristóteles

andava mergulhado em decorrência da morte do amigo.

Portanto, o que escreve Berti a respeito disso nos parece

correto:

Já se disse que a ocasião em que Eudemo foi escrito seria suficiente para

justificar amplamente o destaque atribuído à precariedade da vida terrena e,

por outro lado, o fato de que o discurso aristotélico sublinhava acima de tudo a

felicidade da vida futura. Mesmo sem levar isso em conta, cabe admitir que, de

todo modo, Aristóteles aprovaria a concepção transcendentalista expressa no

diálogo [Fédon], mas sem se considerar obrigado a apoiar por isso a doutrina

13
das ideias separadas.

Como veremos, Aristóteles logo abandonou o conceito das

Ideias transcendentes (já refutada por Eudoxo), mas não a de

um Deus e de uma realidade divina transcendentes.

Aliás, como testemunham expressamente os textos que

chegaram a nós, a imortalidade da alma também era

demonstrada por Aristóteles no Eudemo, mais com

argumentos baseados na verossimilhança e na persuasão do

que com provas rigorosas e científicas, o que se harmoniza

14
plenamente com a finalidade consolativa do diálogo.

Os textos testemunham também que a imortalidade

propugnada por Aristóteles referia-se ao intelecto, ou seja, à

15
alma racional (não à alma como um todo, tal como

16
pretendiam certos críticos). Em suma, no que diz respeito à

imortalidade da alma, Aristóteles devia advogar a tese que

defenderia também nas obras tardias e que se expressa de

modo paradigmático na Metafísica:

Se, ademais, resta alguma coisa depois da corrupção da substância composta,

este é um problema que ainda precisa ser examinado. Nada o impede para

alguns seres, como por exemplo a alma: não a alma toda, mas apenas a alma

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intelectiva; toda, seria impossível.

Esta será também, como veremos, a posição assumida em

Sobre a alma.

A postura teórica do Eudemo acerca da natureza da alma

devia ser análoga (mesmo que apenas in nuce) àquela que se


encontra em Sobre a alma. Aristóteles não concebia a alma

como uma Ideia, como pretenderam alguns deduzir dos

fragmentos, mas como substância-forma. Ele polemizava,

como já havia feito Platão, com a concepção da alma como

harmonia do corpo (concepção que reduzia a alma a

epifenômeno do corpo), atribuindo-lhe, em consequência,

uma realidade substancial. Mas essa alma substancial era ao

mesmo tempo concebida e afirmada expressamente como

“uma forma” (ou seja, uma forma substancial que informa um

corpo), a qual, decompondo-se o corpo, não se decompõe com

ele.

Tirando partido de todos os estudos recentes sobre o jovem

Aristóteles, Berti fez a seguinte avaliação da obra que acabamos

de analisar brevemente:

[ …] não se sustenta a interpretação que Jaeger faz do Eudemo, vendo nessa

obra a expressão de uma postura doutrinal totalmente fiel ao platonismo,

entendido como doutrina das ideias separadas e da reminiscência, afirmação da

imortalidade da alma como um todo e concepção dualista das relações alma e

corpo. Ela teve grande sucesso, e merecidamente, porque, depois das intuições

isoladas de Zeller e Kaim, trouxe à luz o platonismo do jovem Aristóteles e

permitiu a melhor compreensão de sua formação espiritual, oferecendo uma

imagem do filósofo totalmente diversa daquelas tradicionais e

indubitavelmente mais próxima da realidade histórica. Mas seu erro foi

acreditar que, no ano de 353, Aristóteles ainda se mantinha fiel ao platonismo

do Fédon, escrito 25 ou trinta anos antes. [ …] Na realidade, há elementos

platônicos no Eudemo, e são muitos: a convicção da imortalidade e da

preexistência da alma (limitada, porém, apenas à alma intelectiva), a doutrina

de sua substancialidade e sua imortalidade e aquele caráter ultraterreno que o

leva a considerar a vida depois da morte superior, mais natural e mais feliz que

a vida terrena. Alguns desses elementos estavam destinados a permanecer

também nas obras mais maduras, enquanto outros, em particular o tom

ultraterreno, não possuem pretensões doutrinais, e se devem apenas às

circunstâncias ocasionais e à intenção consolativa do diálogo. O que se deve

definitivamente rejeitar é sua adesão à doutrina das ideias separadas, à doutrina

18
da reminiscência e à concepção da alma como ideia.

Sublinharemos aqui outro elemento que nos parece

essencial: na época em que redigiu o Eudemo, Aristóteles ainda

se mostrava sensível ao componente religioso e místico

presente em Platão como um todo, mas esse componente aos

poucos iria perder peso e consistência na evolução posterior de

Aristóteles. Portanto, se há uma antítese entre o Eudemo e as

obras tardias, é a seguinte: as obras tardias limitam o discurso


filosófico à pura dimensão científica, e abandonam todos os

discursos de caráter mítico e religioso que ainda se

apresentavam no Eudemo.

Há um terceiro texto de Aristóteles escrito no período de

permanência na Academia e que parece datável, pelo menos

com certa margem de aproximação. Trata-se do Protréptico, ou

Exortação à filosofia, o mais celebrado, lido e imitado de todos

os escritos publicados por Aristóteles.

A obra, da qual possuímos muitos fragmentos reproduzidos

por Giamblico em seu texto com o mesmo título, era dedicada

e dirigida a Temison, “rei de Chipre” (ou seja, rei de uma das

nove cidades da ilha naquela época). Ora, entre 351 e 350 a.C.

Chipre entrou em guerra contra os persas; e, no período

imediatamente anterior, intensificara suas relações com

Atenas. Portanto, 351-350 a.C. é aceita como data provável da

composição do Protréptico, hipótese ainda mais verossímil

quando se pensa que o livro compreende uma resposta ao

Antídosis de Isócrates, redigido em 352 a.C.

No Protréptico, Aristóteles retoma a polêmica contra a escola

de Isócrates e seu programa educativo, controvérsia que teve

início com o Grilo e prosseguiu no curso de retórica, com a

participação do isocrático Cefisodro e depois do próprio

Isócrates, justamente com o Antídosis. Dessa vez o ataque é

levado às ultimas consequências. Já a dedicatória é muito

significativa: Isócrates havia dedicado três obras exortativas aos

príncipes de Salamina, em Chipre; Aristóteles oferece sua nova

obra a outro príncipe de Chipre, com a clara intenção de levar

o pensamento da Academia até onde era grande a penetração

da escola isocrática. Mais notável, no entanto, é que Aristóteles

não pretende derrotar Isócrates desmontando outra vez, como

no Grilo, a retórica que servia de base à escola do adversário,

mas demonstrando positivamente a excelência da filosofia que,

por sua vez, fundamentava a paideia da Academia. Aristóteles

evidencia a excelência dessa filosofia em todos os sentidos, seja

em si e para si, seja pelos efeitos e benefícios que proporciona

aos homens. Contrariando o Antídosis, em especial, a filosofia

é apontada como a única base para uma ação segura. Portanto,


o Protréptico é uma defesa integral da filosofia e ao mesmo

tempo o documento em que Aristóteles, às vésperas dos 35

anos, esclarece de modo definitivo, para si e para os outros, o

ideal da “vida teórica”, aquele tipo de vida que tem na

especulação o próprio fim e a própria felicidade, avançando

para além das posições da Academia.

Em primeiro lugar, Aristóteles demonstra a

imprescindibilidade da filosofia, ilustrando o conjunto dos

atributos que a coroam e que fazem dela a mais excelente de

todas as coisas.

A filosofia é necessária, como demonstra o fato de que até

para negá-la é preciso filosofar; negar a filosofia significa fazer

filosofia, pois os raciocínios que pretendem demonstrar sua

impossibilidade não prescindem de um caráter filosófico. No

fragmento (frag.) 2, lemos o seguinte:

Em resumo, se é preciso filosofar, é preciso filosofar; se não é preciso filosofar,

também é preciso filosofar. Pois, se a filosofia existe, todos estamos de alguma

forma obrigados a filosofar, dado que ela existe. Mas, se não existe, somos

obrigados a investigar por que não existe. Ao investigar, filosofamos, pois

19
investigar é a causa da filosofia.

A filosofia certamente é possível. Os princípios e as causas

primeiras, o objeto específico da filosofia são, em si e para si,

por sua própria natureza, o que há de mais cognoscível,

mesmo que para nós pareçam obscuros. Essa é uma das teses

que irão reaparecer no Aristóteles maduro; e é ela, aliás, o

centro de sua ontologia: aquilo que é primeiro para os sentidos

20
é último para a plenitude do Ser, e vice-versa.

Para exercer a filosofia, ademais,

[ …] não são necessários instrumentos ou locais específicos; não importa o

lugar da Terra em que coloquemos o pensamento, poderemos sempre alcançar

21
a verdade, pois ela está presente em toda parte.

Trata-se de um pensamento que alcançará grande êxito na

era helenístico-romana.

Além disso, a filosofia é um bem objetivo e constitui o fim

metafísico do homem, ou seja, aquilo em que e pelo qual a

essência do homem se realiza plenamente. O homem é corpo e

alma; mas o corpo é um instrumento a serviço da alma e,


portanto, inferior à alma. A alma, por sua vez, é dividida em

partes, todas subordinadas à parte racional. Por conseguinte, o

homem “é apenas ou sobretudo essa parte”, ou seja, a alma

racional. Mas a missão da alma racional é alcançar a verdade,

missão que só se realiza pela filosofia. Logo, a filosofia é a

realização daquilo que há de mais elevado em nós, sendo,

portanto, a nossa perfeição. Por conseguinte, o conhecimento

é a virtude suprema, por assim dizer, a chave da vida do

22
homem.

É possível compreender então por que a filosofia é

considerada o “fim” do homem. Demonstrar que ela realiza a

essência do homem pressupõe diretamente essa tese, pois a

essência de uma coisa é também seu fim. Aristóteles, porém,

julga que deveria fornecer uma prova específica, o que

demonstra como ele já estava imbuído de sua fundamental

concepção finalística da realidade e de alguns conceitos

basilares da metafísica. Aquilo que é “primeiro” para a geração

é “último” quanto ao valor ontológico; e vice-versa: aquilo que é

último para a geração é primeiro quanto ao valor ontológico.

Ora, no homem, o corpo se desenvolve primeiro, depois a

alma; e, na alma, primeiro as faculdades irracionais, de-pois a

faculdade racional. Assim, com base nesse princípio

estabelecido, a alma racional, que é última na geração, é

primeira na ordem e no valor ontológico, e, portanto, primei-

ro é também o conhecimento filosófico, que representa a

23
“virtude” dessa alma.

A filosofia também é útil. Sobretudo no desenvolvimento

desse ponto Aristóteles responde a Isócrates, quando este

afirma no Antídosis que a orientação filosófica da paideia

acadêmica era totalmente abstrata, à medida que a filosofia era

inútil. Pois bem: Aristóteles afirma, em primeiro lugar, o

conceito da superioridade do contemplar sobre o fazer, da

teoresis sobre a práxis: contemplar tem valor autônomo, fazer

tem valor subordinado; na vida ultraterrena, os bem-

aventurados vivem contemplando, não agindo:

É evidente que nossa tese é mais verdadeira que as outras se nos transferimos

em pensamento para a Ilha dos Bem-aventurados. Na verdade, lá não há


necessidade de nada, nem se obtêm benefícios de alguma outra coisa, pois só

24
subsistem o pensamento e a especulação.

Contudo, embora seja verdadeira a tese de que a filosofia

vale em si e por si, também é verdade que a filosofia é útil para

25
a ação, pois propicia as normas e os parâmetros do agir.

Enfim, a filosofia traz felicidade. Todos os homens amam

viver, sendo a vida algo agradável em si; porém, a vida mais

elevada consiste em pensar; portanto, a suprema felicidade se

realiza na atividade do pensamento (em particular na filosofia,

em que o pensamento se realiza de modo perfeito). Por isso a

conclusão de Aristóteles é esta:

Nada que seja divino ou bem-aventurado pertence aos homens, com exceção

da única coisa digna de consideração, ou seja, aquilo que há em nós de

inteligência e sabedoria; na verdade, entre as coisas que há em nós, apenas esta

parece ser imortal e só esta é divina. E pelo fato de participarmos dessa

faculdade, a vida, apesar de sua natureza miserável e difícil, pode ser

administrada de modo tão agradável que o homem, em comparação com as

outras coisas, parece um Deus. “Entre as coisas que há em nós, a inteligência é

efetivamente o deus” — quer tenha sido Hermotino, quer Anaxágoras a dizer

isso —, e “o éon mortal tem uma parte de algum deus”. Portanto, é preciso

filosofar ou partir daqui dando adeus à vida, pois todas as outras coisas

26
parecem pura verborragia e palavras vãs.

Nas últimas décadas, no âmbito da produção do primeiro

Aristóteles, a crítica deu muito destaque a algumas obras de

conteúdo metafísico, sobre as quais a clássica monografia de

Jaeger não se pronunciou. Infelizmente, a datação desses

estudos só é possível com grande margem de aproximação e

por meio de conjecturas. Mas essas obras revestem-se de

grande importância para a compreensão do desenrolar do

pensamento aristotélico, pois representam uma tomada de

posição precisa, nítida e pontual de Aristóteles em relação à

ontologia platônica. Portanto, uma referência a seu conteúdo

torna-se indispensável.

27
Vamos começar pelo tratado Sobre as Ideias.

A crítica recente deu grande destaque à estreita conexão

entre esse texto e o movimento de revisão crítica que teve

início na Academia a partir da segunda viagem de Platão à

Sicília. O diálogo platônico com o qual o tratado Sobre as

Ideias revela maior afinidade é Parmênides (sobretudo a


primeira parte), redigido e publicado por Platão justamente

depois de seu retorno da segunda viagem.

A situação na qual nasce o tratado Sobre as Ideias pode ser

reconstruída de forma bastante pontual. Durante a segunda

viagem de Platão à Sicília, a Academia foi dominada, como

veremos, pela figura de Eudoxo, que pretendia resolver a

aporia fundamental da doutrina platônica das Ideias,

consistindo esta na dificuldade de conciliar as duas

características essenciais das Ideias: serem “separadas” e, ao

mesmo tempo, serem a “causa das coisas”. Eudoxo passou a

defender a imanência das Ideias: misturando-se às coisas, as

Ideias seriam causa do ser das próprias coisas. Na tentativa de

resolver uma aporia, a tese de Eudoxo, decididamente herética,

caía em outros impasses bem mais graves e grosseiros, pois

tratava as Ideias imateriais como coisas materiais; portanto,

traía justamente a concepção fundamental da ontologia

platônica.

Todos os membros da Academia devem ter participado

desses ardentes debates, inclusive propondo soluções

alternativas. O próprio Aristóteles, que chegou à Academia

exatamente nesse momento, não se limitou a uma participação

passiva nas discussões, mas logo se viu obrigado a formar uma

opinião própria, que discordava tanto de Platão quanto de

Eudoxo. O Aristóteles que Platão encontrou ao voltar da Sicília

tinha vinte anos e, nos três anos de Academia, já havia

solucionado, na ausência do fundador da escola, algumas das

dificuldades do platonismo. Os primeiros debates com Platão,

ao que tudo indica, devem ter sido bastante inflamados. Note-

se que há justamente no Parmênides um Aristóteles muito

jovem que, a nosso ver (outros também já observaram isso),

coincide com o Aristóteles histórico. Se a resposta de

Cefisodoro ao Grilo confirma que Aristóteles já havia tratado

da teoria das Ideias, ela também demonstra que, na época da

redação do mencionado diálogo, a informação de que

Aristóteles se dedicava à doutrina das Ideias circulava inclusive

fora dos muros da Academia. E se a resposta de Cefisodoro já

conhece o tratado Sobre as Ideias, é provável que ele tenha sido


redigido logo depois do Grilo (que, como vimos, se situa entre

360 e 358 a.C.).

Ao que tudo indica, eram duas as teses fundamentais do

tratado Sobre as Ideias: a) não é possível admitir Ideias

separadas; b) para que a doutrina das Ideias se sustentasse,

28
seria preciso eliminar a doutrina dos princípios. Trataremos

da doutrina dos princípios adiante, quanto falarmos do tratado

Sobre o bem. Avaliaremos agora o significado e o alcance dessa

recusa da doutrina das Ideias. O que Aristóteles pretende

atingir não é tanto a Ideia, mas sua “separação”. Platão

também critica essa separação na primeira parte do

Parmênides. Contudo, os caminhos que os dois filósofos

trilham são muito diferentes. Platão considerava que era

possível manter ao mesmo tempo os aspectos transcendente e

imanente das Ideias, desde que entendidos de maneira

adequada: para ele, as dificuldades da “separação” diziam

respeito apenas a um modo deformado de compreender as

Ideias. Aristóteles, ao contrário, considera que é preciso

renunciar totalmente à transcendência das Ideias,

transformando-as em “causas formais” imanentes das coisas.

Entretanto, ao realizar essa mudança na doutrina platônica,

não renuncia a toda e qualquer forma de transcendência; no

lugar do inteligível transcendente ele coloca a inteligência

transcendente, ou seja, Deus, como veremos melhor ao debater

o tratado Sobre a filosofia e sobretudo ao analisar a Metafísica.

O fato de ter transformado as Ideias transcendentes em

formas imanentes não implicava absolutamente um

alinhamento de Aristóteles com as posições defendidas por

Eudoxo. Por isso criticou-o expressamente, demonstrando que

sua teoria da “mistura” das Ideias nas coisas destruía a

imaterialidade, situando as Ideias no plano dos elementos

materiais. De fato, mesmo tornando imanentes as Ideias,

Aristóteles continua a afirmar sua espiritualidade e

imaterialidade. Como Berti disse muito bem, Aristóteles

transforma as Ideias de entes transcendentes em estruturas

transcendentais, o que não representa de forma alguma a

recusa de todo o sistema platônico, como indica Berti, mas


apenas uma revisão crítica desse sistema, “realizada como a

consumação de uma instância estabelecida pelo próprio Platão

29
e tendo em vista um platonismo mais fecundo e rigoroso”.

O tratado Sobre o bem também se liga estreitamente à

atividade do último Platão, e seria uma dissertação sobre o

curso oral ministrado por Platão a respeito da “teoria dos

princípios”. O curso de Platão sobre o Bem é fato atestado

também por outras fontes. Chegou até nós inclusive a notícia

de que muitos dos que seguiram o curso saíram

decepcionados, pois esperavam ouvir aquilo que normalmente

se entende por bem, mas depararam, ao contrário, com

discursos acerca de matemática e geometria; por fim, ouviam o

30
filósofo afirmar que “o Bem é Uno”. O curso sobre o Bem

era a expressão do momento matemático-pitagórico do

pensamento platônico, cujos traços encontramos em alguns

dos últimos diálogos, sobretudo Filebo e Timeu.

31
Nessa última fase de seu pensamento, Platão submeteu a

doutrina das Ideias a uma reconsideração radical. As Ideias

precisam de uma explicação posterior, à medida que são

múltiplas; de fato, toda multiplicidade deve ser justificada

enquanto tal em função de uma unidade superior. Assim, para

explicar a multiplicidade, Platão considera necessário deduzir

as Ideias de princípios superiores. Esses princípios eram

justamente o Uno e a Díade o grande e o pequeno (o Uno,

como dissemos, identificava-se ao Bem). O Uno tinha a função

de princípio formal, e a Díade, de princípio material.

Combinando-se entre si, Uno e Díade eram a causa das Ideias-

Números, e, portanto, das Ideias propriamente ditas; e, enfim,

as Ideias eram a causa das coisas. Toda a realidade deduzia-se,

assim, do supremo par de princípios Uno-Díade. No primeiro

livro da Metafísica, Aristóteles extrai as consequências de seu

tratado Sobre o bem e escreve:

Sendo as Ideias causa de outras coisas, Platão considera que os elementos

constitutivos das Ideias seriam os elementos de todos os seres. E aponta o

grande e o pequeno como elemento material das Ideias, e o Uno como elemento

formal; de fato, considera que, justamente por participação no Uno, o grande e

32
o pequeno dá origem às Ideias e aos Números.
É justamente essa “doutrina dos princípios” que Aristóteles

expõe de maneira ampla no tratado Sobre o bem, apontando as

razões apresentadas na Academia a seu favor e analisando o

modo como as Ideias-Números e as Ideias são deduzidas dos

Princípios. Com certeza tal exposição não devia ter um caráter

doxográfico, mas crítico-teórico. Provavelmente ele ainda não

submetia a doutrina dos princípios a uma crítica acurada,

como havia feito com as Ideias no tratado Sobre as Ideias. No

entanto, é certo que desenvolvia a doutrina dos princípios na

direção que o tratado Sobre as Ideias já indicava. Talvez suas

conclusões fossem aquelas que encontramos no primeiro livro

da Metafísica, pouco depois do trecho citado:

A partir do que se disse, fica claro que ele se serviu só de duas causas: a formal e

a material. De fato, as Ideias são causas formais das outras coisas, e o Uno é

causa formal das outras Ideias. Ante a pergunta sobre que matéria tem função

de substrato do qual se predicam as Ideias — no âmbito dos sensíveis — e o

Uno — no âmbito das Ideias —, ele respondeu que é a Díade, isto é, o grande e

33
o pequeno.

Em suma, Aristóteles deve ter extraído sua própria doutrina

da causa formal e da causa material da reflexão sobre a

doutrina dos princípios. Aliás, a doutrina de Filebo, que é a

exposição mais próxima das “doutrinas não escritas” de Platão,

também leva a conclusões bastante próximas das aristotélicas.

Filebo fala de quatro gêneros supremos do real: o limite (ou

princípio determinante), o ilimitado (ou princípio

indeterminado), o misto desses dois e a causa da mistura. É

fácil identificar nos dois primeiros, respectivamente, a causa

formal e a causa material de Aristóteles; e no misto, aquilo que

será o sínolo (synolon), ou o composto de forma e matéria. O

tratado Sobre o bem, sem dúvida, não falava da causa da

mistura, pois ela permanece fora do processo de geração das

Ideias-Números do Uno e da Díade, intervindo apenas na

gênese do cosmo. Platão debate o tema longamente no Timeu,

um diálogo cosmológico, enquanto Aristóteles, mais uma vez

corrigindo a doutrina platônica, aborda a questão no tratado

Sobre a filosofia, do qual falaremos a seguir.

Provavelmente o tratado Sobre o bem foi escrito pouco

depois do tratado Sobre as Ideias, no qual a doutrina dos


princípios era mencionada, como sabemos, mas não ainda

desenvolvida. Também depõe a favor dessa ordem de sucessão

o fato de que, no tratado Sobre as Ideias, Aristóteles criticasse a

doutrina das Ideias, mas não ainda a das Ideias-Números ou

números ideais, estreitamente ligada à doutrina do Uno e da

Díade; e de que tal crítica, como é expressamente atestado,

aparece, ao contrário, no tratado Sobre a filosofia. Portanto,

Aristóteles primeiro tomou posição em relação à teoria das

Ideias em geral, negando a “separação” entre elas; em seguida,

expôs e avaliou criticamente a doutrina dos “princípios”, deles

deduzindo os conceitos de “causa material” e de “causa

formal”; finalmente, criticou e eliminou tudo o que lhe parecia

absurdo nessa doutrina, em particular os números ideais,

declarando, como leremos a seguir, que eles são impensáveis e

34
inconcebíveis.

Chegamos assim ao tratado Sobre a filosofia, o mais

comprometido e mais vasto dos escritos juvenis do

35
Estagirita. Todos os estudiosos, com a única exceção de

Werner Jaeger e seus seguidores mais fiéis, admitem o fato de

que esse texto faz parte do período acadêmico. Na verdade, as

36
provas de Jaeger contra isso não têm bases sólidas. O

estudioso alemão, convencido de que Aristóteles jamais

criticou Platão durante o período passado na Academia, achou

necessário deslocar a redação do texto para os anos da estada

em Assos (de que falaremos em breve), motivado justamente

pelo fato de o texto criticar Platão. Contudo, as fontes antigas

37
dizem de modo claro que Platão era criticado nos diálogos,

usando o plural de modo inequívoco e não limitando a

circunstância apenas ao tratado Sobre a filosofia. Ademais,

Jaeger considera possível ver no frag. 6 uma alusão à morte de

Platão. Mas esse fragmento é altamente ambíguo e não pode

ser entendido, inequivocamente, no sentido desejado por

Jaeger. Todos os elementos internos levam a crer que o tratado

Sobre a filosofia tenha sido composto nos últimos anos de

permanência de Aristóteles na Academia. Certas remissões

38
doutrinais ao Timeu e às Leis são uma comprovação disso.
A obra, que devia ter a forma de diálogo, dividia-se em três

livros. O primeiro, com uma resenha histórico-teórica, definia

o conceito de filosofia como conhecimento dos princípios

39
supremos do real. O segundo criticava a doutrina das Ideias e

também a doutrina das Ideias-Números, ou números ideais.

Contra estes últimos, Aristóteles alegava o seguinte:

[ …] se as Ideias são outra espécie de número, mas não matemático, não

poderíamos ter nenhum conhecimento dele; de fato, quem, entre a maior parte

40
de nós, compreende uma espécie de número diversa?

Enfim, no terceiro livro, Aristóteles apresentava sua

ontologia, teologia e cosmologia de modo sistemático,

inserindo muitas novidades. Introduzia a doutrina da forma-

privação e do ato-potência (talvez essa doutrina já aparecesse

no primeiro livro; em todo caso, já estava presente no

Protréptico); ele apresentava uma nova visão de Deus como

inteligência: este, e não mais o Uno e a Díade, era colocado no

vértice da realidade. Introduzia a doutrina da eternidade do

mundo, inovando profundamente a cosmologia do Timeu; e

41
dava forma sistemática à concepção teológica do Universo.

São particularmente importantes as inovações no campo

teológico, demonstrando que o Estagirita, embora ainda não

tivesse elucidado sua concepção do divino, tinha resolvido de

modo positivo o problema da transcendência. Um ser

transcendente existe, mas não se trata do mundo das Ideias, e

sim do Deus-pensamento ou de uma multiplicidade de

princípios de natureza análoga, que se remetem a um primeiro

princípio superior. Eis a demonstração que Aristóteles dava da

existência de Deus:

Também dão testemunho de que o poder divino é eterno as doutrinas

esclarecidas e discutidas em muitos trechos dos tratados destinados ao público;

isto é, é necessário que a primeira e suprema divindade seja completamente

imutável; se for de fato imutável, será também eterna. Ele chama de “tratados

destinados ao público” aqueles que são colocados à disposição da multidão e

seguem uma exposição ordenada desde o início. Costuma-se denominar tais

escritos de exotéricos, e os mais científicos de acroamáticos e doutrinais. Ele trata

desse tema nos livros Sobre a filosofia. De fato, essa é uma proposição de

validade universal; onde há um melhor, há também um ótimo; dado que, no

âmbito daquilo que existe, há uma realidade que é superior a outra realidade,

existe por conseguinte uma realidade perfeita, que deve ser a potência divina.

Portanto, aquilo que muda o faz por obra de um agente externo ou por obra de
si mesmo; se por obra de um agente externo, este lhe é superior ou inferior; se

por obra de si mesmo, em vista de algo inferior ou à medida que aspira a uma

realidade superior. Porém, a potência divina nada tem de superior a si, por

obra de quem poderia sofrer uma mudança (de fato, seria uma categoria

superior de divindade), e há o postulado de que aquilo que é superior não sofre

influência daquilo que é inferior; portanto, se sofresse uma influência de algo

que lhe é inferior, estaria acolhendo algo de mau, no entanto, não há nada de

mau no divino. E tampouco muda a si mesmo por aspirar a uma realidade

superior; não carece de nenhuma das perfeições que lhe são próprias. Portanto,

não se modifica para pior, à medida que nem mesmo um homem, por vontade

própria, piora a si mesmo ou acolhe algo de mal recebido em consequência de

uma mudança para pior. Aristóteles recolheu essa demonstração do segundo

42
livro da República de Platão.

E sobre o problema da multiplicidade, ou unidade dos

princípios, o frag. 17 diz:

É uma argumentação de Aristóteles: “Ou o princípio é único ou há muitos

deles. Se é uno, temos o que buscamos. Se são muitos, podem ser ordenados ou

desprovidos de ordem. Contudo, se são desprovidos de ordem, mais

desordenados ainda serão os seus efeitos, e o cosmo não será mais cosmo, e sim

ausência de cosmo; e aquilo que é contra a natureza existirá, enquanto o que

está em conformidade com a natureza não existirá. Se, ao contrário, são

ordenados, ordenaram-se por força própria ou por obra de alguma causa

externa. Todavia, caso se ordenem por força própria, eles têm um princípio

43
comum que os une, e este é o princípio.”

Aqui, a solução do problema da multiplicidade-unidade dos

princípios remete fortemente àquela que Aristóteles irá propor

44
na Metafísica.

Ao contrário, porém, é bastante duvidoso que Aristóteles já

tivesse uma solução definitiva para o problema da natureza de

Deus e para sua função de causa. Relata Cícero:

No terceiro livro de Sobre a filosofia, Aristóteles expõe uma doutrina

incoerente, entrando em desacordo com seu mestre, Platão. De fato, ele ora

concede um absoluto valor divino ao intelecto, ora defende que o mundo (= a

própria periferia extrema) é uma divina potência, ora estabelece outro poder

divino à frente do mundo (= da periferia extrema), e lhe atribui a função de

dirigir e conservar seu movimento por meio do movimento retrógrado. Em

seguida, afirma que o calor do céu é um poder divino, sem compreender que o

céu é parte do mundo, definido por ele mesmo em outro trecho como poder

divino. Mas como esse célebre intelecto divino poderia se conservar em

tamanha velocidade? Onde estão, aliás, os vários deuses, se considerarmos o céu

também um poder divino? Como, ademais, ele afirma que Deus é desprovido

de corpo, acaba privando-o de qualquer sensibilidade e até de sabedoria. De

que modo, além disso, o mundo poderia se mover, se é desprovido de corpo;

ou de que modo [o mundo], movendo-se sempre, poderia ser [o divino poder]

45
sereno e feliz?
Ora, embora Cícero possa ser responsável por muitos mal-

entendidos (veremos adiante que, no que diz respeito à

pluralidade do divino, o grego jamais hesitou em declará-lo ao

mesmo tempo uno e múltiplo), resta o fato de que o tratado

Sobre a filosofia não devia ser suficientemente claro acerca da

natureza de Deus e de sua função causadora. Ao que tudo

indica, mais que como mente incorpórea, Aristóteles já

concebia Deus como causa final; no entanto, sem dúvida não

havia esclarecido que Deus age sobre o mundo como o amante

sobre o amado. Contudo, nem De caelo nem a Física

desenvolvem esse conceito, que só irá aparecer com toda a

clareza na Metafísica.

Esse Deus, concebido como impassível, não cria o mundo,

46
que, portanto, é eterno. Os astros, feitos de éter (quinta-

essência) e animados, ocupam um lugar privilegiado no

47
cosmo. A alma desses astros era denominada entelékheia, que

fontes contaminadas por influências estoicas identificaram

erroneamente ao próprio éter. Na realidade, como Berti

demonstrou com uma análise acurada de todos os documentos

e suas interpretações, essa identificação é equivocada, pois

[ …] o éter constitui apenas o corpo, não a alma dos astros, e o apelativo

entelékheia pretende indicar menos o movimento da alma que sua

continuidade, ou seja, a circularidade que ela imprime ao movimento do

48
astro.

O aristotelismo do tratado Sobre a filosofia reforma

radicalmente o platonismo, mas conserva seu núcleo essencial,

ou seja, a descoberta do suprassensível e do transcendente, que

se torna noûs e não mais noetón, ou seja, Inteligência suprema,

não simplesmente Inteligível. As Ideias tornadas imanentes

passam a ser a forma das coisas, ou seja, a estrutura inteligível

do sensível. Entre mundo e Deus se estende uma faixa

intermediária, que não é mais aquela do metaxù platônico, ou

seja, não é a esfera dos entes matemáticos, mas o conjunto dos

corpos e esferas celestes, incorruptíveis, eternos, dado que são

feitos de éter, de matéria estruturalmente diversa da matéria

do mundo sublunar. Temos aqui, portanto, um esboço das

ideias metafísico-ontológico-cosmológicas que os tratados do

Aristóteles maduro tratarão de explicitar e aprofundar.


Os “anos de viagem”

Com a morte de Platão em 347 a.C., explode na Academia uma

grave crise sucessória a respeito da direção da escola. Eudoxo

havia rompido com Platão e com a Academia, e retornara à

pátria. Os aspirantes à direção eram Heraclides Pôntico, que já

fora regente da Academia por ocasião da terceira viagem de

Platão à Sicília; Xenócrates, personalidade de incontestável

destaque; e Espeusipo, que ostentava seus estreitos laços de

parentesco com Platão, sendo seu sobrinho (filho da irmã de

Platão, Potone). Naturalmente, nenhum desses personagens

rivalizava com Aristóteles, que com certeza também se sentia

mais capacitado para a sucessão. A direção da Academia, no

entanto, passou justamente às mãos de Espeusipo: os laços de

sangue com o fundador da escola prevaleceram sobre o valor

científico. É importante assinalar que, efetivamente, Aristóteles

havia se afastado de Platão em vários aspectos, salvando,

porém, a substância do platonis-mo, enquanto Espeusipo se

49
afastara do mestre traindo o próprio espírito do platonismo.

Consciente de que, apesar das dissidências mencionadas, era

o mais autêntico continuador de Platão, Aristóteles não

suportou a decisão e deixou a Academia. O abandono, como

foi corretamente sublinhado por Jaeger, tem o sabor de uma

“secessão”, tanto que ele foi acompanhado por Xenócrates,

que, depois de Aristóteles, era o personagem de maior

50
destaque da escola.

Aristóteles não podia retornar à sua Estagira natal, pois

naquele período a cidade havia sido destruída por Filipe da

Macedônia. Diante disso, aceitou de bom grado o convite de

Hérmias, tirano de Atarneu. O filósofo havia passado seus dias

de adolescência nessa colônia, na casa de Proxeno, e portanto

era possível que já tivesse travado conhecimento com Hérmias.

Ora, nesse período, Hérmias, que de humilde servidor de

Eubulo, senhor de Atarneu, havia passado a seu sócio e em

seguida a sucessor, estabeleceu uma relação estreita com dois

platônicos formados na Academia, Erasto e Corisco (já

mencionados), que tentaram criar leis inspiradas nos

princípios platônicos para sua pátria, Scepsis, cidade próxima


51
de Atarneu. A cooperação de Erasto e Corisco com Hérmias

foi bastante fecunda, fazendo com que a tirania deste último se

tornasse mais benigna e esclarecida, e levando os territórios

próximos, situados entre Atarneu e Assos, a se submeterem

voluntariamente a seu domínio. O próprio Platão consagrou

essa colaboração, endereçando aos três homens a Carta vi.

Tudo indica que Aristóteles e Xenócrates se juntaram a

Hérmias, Erasto e Corisco em Atarneu. No mesmo ano, eles se

transferiram para Assos, cidade que Hérmias ofereceu a Erasto

e Corisco pelos bons serviços prestados. Em Assos, os quatro

filósofos abriram uma escola com a intenção de transformá-la

na verdadeira Academia. Corisco deve ter sido um dos mais

apaixonados ouvintes das aulas de Aristóteles, pois o Estagirita

a ele se dirigia em muitas dessas aulas, usando seu nome nos

exemplos que criava para ilustrar os conceitos que expunha, e

que ainda podem ser lidos nas obras da escola. Entre os

ouvintes mais assíduos de Aristóteles, além de Corisco,

estavam Neleu, filho de Corisco, e Teofrasto, nascido em

Eresos, na ilha de Lesbos, que seria o sucessor de Aristóteles no

Perípato.

Aristóteles completou um triênio de atividade na escola de

Assos. Mas em 345-344 a.C., provavelmente estimulado por

Teofrasto, transferiu-se para Mitilene, em Lesbos, onde abriu

outra escola, a qual dirigiu por dois anos, ou seja, até 343-342,

que também se tornou uma Academia, não uma instituição

contraposta à Academia.

Em 343-342 a.C., Filipe da Macedônia escolheu Aristóteles

como preceptor de seu filho Alexandre, então com treze anos.

Hérmias, que havia estabelecido uma aliança com Filipe, com

quem preparava secretamente os planos de uma guerra contra

a Pérsia, teve papel decisivo nessa escolha. Ele tinha Aristóteles

na mais alta conta e, além do mais, considerava a grande

vantagem de contar com um homem de confiança na corte de

Filipe. A escolha deve ter sido facilitada pelos antigos laços que

uniam a família de Aristóteles aos reis macedônios. Pouco

depois, Hérmias caiu em poder dos persas, capturado numa

armadilha. Torturado, não revelou os planos secretos


elaborados com Filipe e morreu como herói. Aristóteles

dedicou-lhe um poema cheio de sentimento.

Aristóteles casou-se, ao que tudo indica, logo após a morte

de Hérmias, com a irmã deste, Pítia, provavelmente refugiada

na corte macedônia. Teve uma filha com ela, que recebeu o

nome da mãe.

No Castelo de Mieza, perto de Pela, durante três anos,

Aristóteles encarregou-se da educação de Alexandre: aquele

que em breve se tornaria o guia espiritual do helenismo,

portanto, foi o educador daquele que viria a ser um dos

maiores personagens da história grega. O entendimento entre

os dois homens era excelente. Não há dúvida de que, tendo em

conta a idade do discípulo, Aristóteles não se limitou à

tradicio-nal paideia, mas tratou de transmitir também alguns

princípios filosóficos. É difícil estabelecer até que ponto os

ensinamentos de Aristóteles influíram na formação espiritual

de Alexandre, mas é certo que a política do imperador

macedônio seguirá caminhos totalmente opostos aos

recomendados pelo mestre.

Em 340 a.C., Alexandre é nomeado regente do reino e tem

de interromper os estudos. Alexandre deu grande prova de sua

gratidão ao mestre, atendendo a seu pedido de reconstruir a

cidade de Estagira. E, ao que tudo indica, foi para lá que

Aristóteles se transferiu, talvez pensando em colaborar para o

renascimento da cidade, elaborando suas leis. Nesse ínterim, o

filósofo perdeu a esposa, unindo-se em seguida a Hérpiles, que

provavelmente foi sua governanta, depois concubina e enfim,

segundo algumas fontes, segunda esposa. Hérpiles dará ao

filósofo um filho homem, que receberá o nome do avô

paterno, Nicômaco.

É impossível estabelecer o que Aristóteles teria escrito nesses

anos de viagens. Deve remontar a essa época, se for autêntico

(como acreditamos, pessoalmente), o Tratado sobre o cosmo

para Alexandre, uma esplêndida síntese das doutrinas

cosmológico-físico-teológicas de Aristóteles, com ligações

estreitas com os conceitos desenvolvidos no Protréptico e no

diálogo Sobre a filosofia. Quanto ao resto, só podemos


trabalhar com hipóteses. Talvez Aristóteles tenha parado de

publicar livros, dedicando-se apenas à redação de cursos e

aulas. O único curso que poderia datar do período acadêmico

são os Tópicos, que, a bem dizer, têm ligações estreitas com a

retórica, matéria que, como sabemos, Aristóteles já lecionava

na Academia. As tentativas mais recentes dos estudiosos para

estabelecer quais dos tratados a nós chegados pertencem ao

período de Assos e Mitilene não passam de conjecturas

altamente discutíveis, em razão da ausência de qualquer dado

52
histórico e objetivo que possa servir de base.

Muitas das partes dos tratados que hoje lemos remon-tam,

sem dúvida, a essa época; contudo, jamais saberemos quais são

eles, pois Aristóteles de várias maneiras retomou os cursos em

Atenas e reelaborou, completou e sistematizou suas aulas.

O retorno a Atenas, a fundação do Perípato e as obras de

escola

Em 335-334 a.C., quando Alexandre já detinha as rédeas da

situação política da Grécia, Aristóteles voltou para Atenas.

Tinha então cinquenta anos e não havia ninguém capaz de

fazer sombra à sua fama: era o professor de Alexandre e

também o pensador mais conceituado e renomado do

momento. Nesse ínterim, na Academia, Espeusipo fora

53
substituído por Xenócrates, com quem Aristóteles havia

rompido relações há algum tempo. Consciente de que tinha

muito mais a dizer que Xenócrates, Aristóteles resolveu se

afastar definitivamente da Academia e abrir seu próprio

espaço, criando uma escola, certo de que poderia produzir

tanto quanto Platão na Academia. Contudo, como era

estrangeiro, e a lei ateniense não lhe permitia adquirir terrenos

e imóveis, ele resolveu fundar sua escola num ginásio público,

o Liceu (assim chamado por ser consagrado a Apolo Lício),

que dispunha de um prédio e um jardim (um “passeio”). A

nova escola foi chamada de Perípato por causa desse passeio

(perípatos, em grego, quer dizer “passeio”) e pelo costume

aristotélico de dar aula enquanto andava. Escreve Diógenes

Laércio: “[Aristóteles] escolheu o passeio público, o Perípato,

no Liceu, e, passeando até chegar a hora de fazer suas unções,


debatia filosofia com os discípulos. Daí o nome

54
peripatético.” Não importa o que digam, os frequentes

exemplos dados por Aristóteles de que o passeio é um meio de

alcançar a saúde são uma confirmação desse costume de

ensinar passeando de que fala a tradição.

Durante quase doze anos, Aristóteles dirigiu a escola com

sucesso, ofuscando a fama da Academia. A seu lado ensinaram

nomes como Teofrasto e Eudemo de Rodes, dando

55
contribuições importantes. Esses anos foram dedicados à

sistematização das aulas. Como os cursos eram para uso

interno da escola, em seguida foram denominados esotéricos,

em contraposição às obras juvenis, escritas para um público

mais amplo, fora da escola, e que por isso eram chamadas

56
exotéricas. Quis a sorte que nenhuma dessas obras

publicadas (exotéricas) chegasse até nós, e que, ao contrário,

boa parte das aulas (obras esotéricas) se conservasse.

Tomando a liberdade de apresentar a lista completa desses

57
títulos adiante, mencionaremos aqui os tratados de maior

relevância do ponto de vista filosófico, que exporemos a seguir.

São eles os catorze livros de filosofia primeira, que receberam

depois o nome de Metafísica; os tratados de filosofia segunda

— Física, Sobre o céu, Sobre a geração e a corrupção —, aos

quais se conecta também o texto Sobre a alma; três cursos de

ética — Ética a Eudemo, Ética a Nicômaco e Grande Moral

(cuja autenticidade é negada por parte da crítica) —; Política,

Poética, Retórica, Organon, compreendendo Categorias, Sobre a

interpretação, Analíticos primeiros e Analíticos segundos, Tópicos

e Refutações sofísticas. A essas obras filosóficas acrescenta-se

uma massa imponente de obras sobre ciências naturais.

Os anos de ensino em Atenas, isto é, dos cinquenta aos

sessenta e dois anos de idade, foram certamente os mais

fecundos de Aristóteles: é o período em que o homem,

alcançando a plenitude da experiência espiritual, ainda dis-põe

de todas as suas energias para dar-lhe um acabamento

definitivo.
Em 323 a.C., a morte de Alexandre desencadeou uma onda

de ódio antimacedônico em Atenas. Caiu sobre Aristóteles

uma acusação de irreligião, por causa do poema em memória

de Hérmias, considerado apropriado a um deus, nunca a um

mortal. As intenções que se escondiam por trás dessa acusação

eram claríssimas (Sócrates também havia sido denunciado por

impiedade): queriam que Aristóteles pagasse um preço

altíssimo por suas relações com Alexandre. O filósofo

abandonou Atenas com a família e se refugiou em Calcides,

onde tinha propriedades herdadas da mãe. Foi lá que, alguns

meses depois, veio a falecer.

Teofrasto, amigo fiel de longa data, assumiu a direção do

58
Perípato.

A leitura de Aristóteles hoje

Já dissemos antes que o mérito essencial de Jaeger foi ter

chamado a atenção dos estudiosos para a necessidade de partir

das obras da juventude, ou melhor, dos fragmentos que

chegaram até nós, para se ter um correto entendimento de

Aristóteles. Por infortúnio, porém, tais fragmentos são

escassos, e muito poucos são diretos. Ora, os fragmentos são

como peças de um mosaico; logo, podem compor os mais

varia-dos desenhos. Além disso, como as obras juvenis eram

em sua maioria diálogos, há o perigo de se topar com trechos

de discursos de personagens que não expressam o pensamento

de Aristóteles. Por isso a reconstituição das obras do jovem

Aristóteles é obrigatoriamente conjectural. Partindo dessa

premissa, em todo caso, pode-se concluir que é impossível

extrair dos fragmentos que chegaram até nós o perfil de um

Aristóteles completamente platônico, tal como o que Jaeger

59
reconstruiu. A crítica a Platão começa muito cedo, como

veremos, e é uma crítica que leva — recorrendo a termos

hegelianos — à superação de Platão, que é uma suprassunção.

Veremos quais elementos atestam esse aspecto. (É significativo,

aliás, que Jaeger não tenha examinado os tratados Sobre as

Ideias e Sobre o bem.)


No entanto, o ponto mais frágil da leitura jaegeriana de

Aristóteles é a interpretação dos escritos de escola do

Estagirita. Jaeger certamente tem razão quando diz que nem

todos foram redigidos nos últimos doze anos, em Atenas, e que

grande parte remonta aos anos de Assos e de Mitilene. Mas

erra quando pretende em seguida estabelecer quais pertencem

àquele período, quais ao último. E erra porque, na falta de

qualquer dado histórico que lhe sirva de base, é obrigado a se

apoiar em pressupostos teóricos. Jaeger acredita que é possível

distinguir nas obras de escola algumas estratificações

fortemente platônicas, outras menos platônicas, e outras,

ainda, de tendência antiplatônica. Considera esses estratos

teoricamente tão diversos a ponto de não serem unificáveis, e,

consequentemente, localiza os primeiros no período de Assos,

os segundos num período de transição e os terceiros na última

etapa da evolução espiritual de Aristóteles. Só que, aplicando

esse método “genético”, muitos estudiosos chegaram, no curso

de meio século, a conclusões diametralmente opostas às de

60
Jaeger.

Hoje, ganha cada vez mais força a opinião de que o método

genético, pelo menos no sentido jaegeriano, deve ser deixado

de lado. Alguns estudiosos destacaram que, se um autor não

renega uma obra ou parte dela, deve ser considerado

61
plenamente responsável pela obra. Isso vale ainda mais para

as obras esotéricas de Aristóteles, que jamais saíram de suas

mãos e, portanto, podiam ser retificadas e organizadas como

melhor lhe parecesse. Se o Estagirita considerasse superados

alguns trechos desses cursos ou mesmo o curso inteiro,

certamente os teria suprimido ou modificado. Além do mais, o

sistema de rolos dava aos livros da época uma notável

plasticidade, permitindo que fossem corrigidos quando e do

modo que se desejasse.

Essas razões voltam a impor, portanto, a oportunidade,

quando não a necessidade, de refazer a leitura unitária dos

textos esotéricos. Naturalmente, nesse processo, cabe verificar

se e em que medida a unidade é real ou problemática; em todo

caso, trata-se de uma decisão que deve ser tomada no plano


teórico, não no histórico-genético. Em suma, depois de meio

século de experimentos sob a égide do método genético, ficou

claríssimo que as obras esotéricas não podem ser consideradas

simples apontamentos, e que se obstinar a lê-las nessa

condição é privá-las de significado filosófico.

A leitura dos esotéricos que propomos nas páginas a seguir

será, portanto, unitária, no sentido mencionado. Em cada um

dos escritos esotéricos, nascidos e crescidos num intervalo

bastante amplo de tempo, com interrupções, retomadas e

repetições, é possível identificar linhas de força, parâmetros

constantes e também reexames incessantes de problemas e

soluções. Foram justamente as pesquisas dos textos realizadas

com o método genético que, de modo paradoxal, acabaram

tornando isso mais claro e evidente.

Passemos, portanto, à análise pontual das obras de escola,

tentado captar seus núcleos essenciais. Como não podemos

dispor de um critério cronológico, pelas razões já expostas,

utilizaremos a ordem lógica com que Aristóteles distinguia

hierarquicamente as ciências. Na verdade, ele considerou

primeiras as ciências teóricas, ou seja, puramente

contemplativas, que são a metafísica, a física e a matemática; as

ciências práticas, isto é, a ética e a política, são segundas; e

terceiras são as ciências poiéticas, ou seja, as artes. A lógica não

entra no quadro porque, mais que uma ciência, fornece o

instrumento preliminar para qualquer ciência, mostrando

como o homem raciocina.

NOTAS
1. Apolodoro (= frag. 38 Jacoby), em Diógenes Laércio, v, 9. Todas as informações

que se seguem, exceto as provenientes de Diógenes, foram extraídas das antigas

biografias de Aristóteles (cf. “Bibliografia comentada”, § 2, 3), reunidas no

trabalho fundamental de I. Düring, Aristotle in the Ancient Biographical Tradition,

Göteborg, 1957. Boas reconstruções modernas podem ser encontradas em W.

Jaeger, Aristoteles, Berlim, 1923 (trad. ital., Florença, 1935, várias reeds.), passim.

Aristóteles, L’éthique à Nicomaque, t. i, 1, introdução de R. Gauthier, Louvain,

1970, p. 2 ss; I. Düring, Aristotles, Darstellung und Interpretation seines Denkes,

Heidelberg, 1966, p. 1-21. Para a primeira parte da vida de Aristóteles, a

reconstrução de E. Berti, La filosofia del primo Aristotele, Pádua, 1962, p. 123 ss, é

muito bem cuidada. (Razões de espaço nos impedem de indicar ponto a ponto

todas as fontes em que nos apoiamos, as eventuais fontes discordantes, os vários


motivos que depõem a favor daquelas a que conferimos maior peso; o leitor

interessado encontrará tudo isso nas obras acima indicadas.)

2. Diógenes Laércio, v, 9 (a tradução dos trechos de Diógenes é de M. Gigante,

Diogene Laerzio, Vita dei filosofi, Laterza, Bari, 1962).

3. Cf. U. von Wilamovitz-Moellendorff, Platon. Berlim, 1959, p. 208 ss.

4. Cf. Jaeger, op. cit., p. 11-27.

5. Cf. Arist., Metaph. a 8, passim.

6. Cf. Berti, op. cit., p. 142.

7. Diógenes Laércio, v, 1.

8. Cf. adiante, “História da fortuna crítica e das interpretações de Aristóteles”, § 4.

9. Cf. Berti, op. cit., p. 151-159.

10. Cf. W. Jaeger, Paideia, trad. ital., Florença, 1967, v. ii, p. 250 ss. [Edição

brasileira: Paideia. São Paulo: Martins Fontes, 1996.]

11. Para aprofundamento e bibliografia, remetemos a Berti, op. cit., p. 159-185.

12. Quem defende essa tese é Jaeger, em Aristotele, p. 49-68; Bignone (L’Aristotele

perduto e la formazione filosofica di Epicuro, Florença, 1936, v. i, p. 67 ss) parece

reconfirmá-la plenamente.

13. Berti, op. cit., p. 417.

14. Cf. Elias, Arist. categ. proem., p. 114, 25 ss = Eudemo, frag. 3 Ross.

15. Cf. Themist., Arist. de anim., p. 106, 29 ss = Eudemo, frag. 2 Ross.

16. Tese de Jaeger, Aristotele, p. 62 ss.

17. Arist., Metaph. L 3, 1.070 a 24-26. A tradução dos trechos da Metafísica citados

aqui e mais adiante é de G. Reale, Aristotele, La “Metafísica”, 2 v. Nápoles:

Loffredo, 1968.

18. Cf. Berti, op. cit., p. 453-543. Para exegeses opostas, cf. Jaeger, Aristotele, p. 69-

132; W. G. Rabinowitz, Aristotle’s “Protrepticus” and the Sources of the

Reconstruction, Berkeley/Los Angeles, 1957; I. Düring, Aristotle’s “Protrepticus”.

An Attempt at Reconstruction, Estocolmo, 1961 (excelente); os artigos do mesmo

autor que citamos nas “Referências bibliográficas”, § vii, 2. Uma boa tradução

com comentário histórico e teórico é a de E. Berti, Esortazione alla filosofia

(“Protreptico”), Pádua, Radar, 1967.

19. Elias, Prophyr. Isag. 3, 17 ss. Protreptico, frag. 2 Ross (trad. ital. Berti).

20. Cf. Protreptico, frag. 5 Ross.

21. Jambl., Ptotr. 40, 20 ss = Protreptico, frag. 5 Ross.

22. Cf. Protreptico, frags. 6-7 Ross.

23. Ibid., frag. 11 Ross.

24. Jambl., Protr. ix, 53, 2 ss = Protreptico, frag. 12 Ross.

25. Cf. Potreptico, frag. 13 Ross.

26. Jambl., Protr. viii, 48, 9 ss = Protreptico, frag. 10 c Ross.


27. Para um aprofundamento do tratado Sulle Idee, cf. Berti, op. cit., p. 186-249 e P.

Wilpert, Zwei aristotelische Frühschriften über die Ideenlehre, Regensburg, 1949;

outra bibliografia in Berti, op. cit.

28. Cf. Sulle Idee, respectivamente frags. 3 e 4.

29. Berti, op. cit., p. 249.

30. Arist., Harm. 2, 20, 16-31, rep. in Ross, Arist. Fragm., p. 111.

31. Cf., sobre o complexíssimo problema da “doutrina não escrita” de Platão,

“Bibliografia comentada”, § viii, 3.

32. Arist., Metaph. a 6, 987 b 18 ss.

33. Arist., Metaph. a 6, 988 a 9 ss.

34. Para um debate sobre a bibliografia relativa ao tratado Sobre o bem e para uma

interpretação aprofundada dos fragmentos, cf. Berti, op. cit., p. 250-316.

35. Para um estudo aprofundado do tratado Sobre a filosofia, ver Berti, op. cit., p.

317-409 (com o debate a respeito de toda a bibliografia até 1961). Para exegeses

opostas, cf. Jaeger, Aristotele, p. 161-220, e Arist., Della filosofia, texto, tradução,

organização, introdução e comentário exegético de M. Untersteiner, Roma, 1963

(com amplíssima bibliografia, p. xxvi-xl). Cf. também os artigos de Untersteiner

citados na “Bibliografia comentada”, § viii, 2.

36. Cf. Jaeger, Aristotele, p. 167 ss.

37. Procl. apud Filopono. De aet. mundi, p. 31, 17 ss (Rabe) = Sulla filosofia, frag. 10

Ross.

38. Cf. Berti, op. cit., p. 401 ss.

39. Cf. frag. 8, 6 Ross.

40. Syrian., Metaph. 159, 33 ss = Sulla filosofia, frag. 11 Ross.

41. Cf. especialmente frags. 10-29 Ross.

42. Simplic., De caelo 228, 28 ss = Sulla filosofia, frag. 16 Ross (tradução de M.

Untersteiner [cf. nota 34]. A tradução dos outros fragmentos aqui mencionados é

do mesmo autor).

43. Schol. in Proverb. Salomonis cod. Paris gr. 174 f 46 a = Sulla filosofia, frag. 17

Ross.

44. Cf. Metaph. L 8, passim.

45. Cic., De nat. deor. i, 13, 33 = Sulla filosofia, frag. 26 Ross. Cf. Berti, op. cit., p. 375

ss.

46. Filopono, De aetern. mundi, 30, 10 ss = Sulla filosofia, frag. 18 Ross; cf. também

frag. 19 a b c.

47. Cic., Tusc. disp. i, 10-22 = Sulla filosofia, frag. 27 Ross.

48. Berti, op. cit., p. 556; cf. ibid., p. 392-401.

49. Para uma exposição sintética das doutrinas desses filósofos da primeira

Academia, remetemos o leitor ao segundo volume do nosso I problemi del pensiero

antico. Milão: Celuc, 1972, p. 30 ss.

50. Cf. Jaeger, Aristotele, p. 135 ss.


51. Cf. a excelente reconstrução desse período da vida de Aristóteles em L’éthique à

Nicomaque, Gauthier, i, 1, p. 30 ss.

52. De fato, dos mesmos elementos é possível extrair teses opostas; o leitor poderá

ter acesso à documentação que elaboramos a respeito disso no volume ii de Il

concetto di filosofia prima, passim.

53. Cf. Reale, I problemi del pensiero antico, ii, p. 45-53.

54. Diógenes Laércio, v, 2; cf. também Cic., Acad. i, 4, 17.

55. Cf. Reale, I problemi del pensiero antico, ii, p. 61 ss.

56. Cf. nota 42, trecho de Simplício.

57. Cf. “Bibliografia comentada”, § ii, 1.

58. Sobre Teofrasto, cf. Reale, I problemi del pensiero antico, ii, p. 65 ss.

59. O trabalho de Berti, citado várias vezes, é a mais eloquente confirmação disso.

60. Para a documentação, remetemos a nosso volume Il concetto di filosofia prima,

passim.

61. Cf. P. Aubenque, Le problème de l’être chez Aristote. Paris, 1962, p. 9 ss.

* Nas citações dos textos de Aristóteles, optamos por traduzir as versões italianas

mencionadas por Giovanni Reale. Muitas vezes as traduções brasileiras

consultadas diferiam bastante das italianas (tanto no estabelecimento de alguns

conceitos quanto na própria construção dos períodos), não se coadundo, em

diversas ocasiões, com as análises e os comentários de Reale. Ademais, o próprio

autor muitas vezes interfere explicitamente nas traduções apresentadas,

intervenções que se perderiam caso se seguissem as edições em português. [n.t.]


II.

A “FILOSOFIA PRIMEIRA”: ANÁLISE DA

METAFÍSICA

Conceito e características da metafísica

O que é “metafísica”?

Vamos começar por esclarecer a palavra. Sabe-se que

“metafísica” não é um termo aristotélico (talvez tenha sido

cunhado pelos peripatéticos, se não tiver nascido por ocasião

da edição das obras de Aristóteles por Andrônico de Rodes, no

1
século i a.C.).

Aristóteles utilizava “filosofia primeira”, ou mesmo

“teologia”, em oposição a “filosofia segunda”, ou “física”; mas

o termo “metafísica” certamente é mais pregnante e tornou-se

o preferido da posteridade, sendo definitivamente consagrado.

Como veremos, a “metafísica” aristotélica é, na verdade, a

ciência que se ocupa das realidades que estão acima das físicas,

2
as realidades transfísicas, e, como tal, se opõe à física. Por isso

foi denominada metafísica cada tentativa filosófica do

pensamento humano de superar o mundo empírico e alcançar

um universo metaempírico.

Tomando como premissa esse esclarecimento de caráter

geral, cabe caracterizar de maneira exata os sentidos precisos

que Aristóteles concedeu à ciência que ele chamou de “filosofia

primeira” e que os pósteros denominaram “metafísica”. Essas

definições são, na verdade, quatro:

a) A metafísica indaga as causas e os princípios primeiros, ou

3
supremos.

4
b) A metafísica indaga o ser enquanto ser.

5
c) A metafísica indaga a substância.
6
d) A metafísica indaga Deus e a substância suprassensível.

As quatro definições aristotélicas de metafísica estão em

perfeita harmonia entre si: uma leva estruturalmente à outra, e

7
cada uma a todas as outras, de modo orgânico e unitário.

Examinemos mais de perto. Quem pesquisa as causas e os

princípios primeiros deve necessariamente encontrar Deus. Ele

é, de fato, a causa e o princípio primeiro por excelência.

Chegaremos a conclusões idênticas se partirmos das outras

definições: perguntar o que é o ser significa perguntar se existe

somente o ser sensível ou também um ser suprassensível (ser

teológico). Do mesmo modo, a questão “O que é a

substância?” implica também a pergunta “Que tipos de

substâncias existem, apenas as sensíveis ou também as

suprassensíveis?”, e, portanto, envolve também a questão

teológica.

Com base nisso, compreende-se por que Aristóteles utilizou

o termo “teologia” para indicar a metafísica, posto que as três

definições levam estruturalmente à questão teológica. A busca

de Deus não é apenas um momento da investigação metafísica,

mas seu momento essencial e definidor. Aliás, o Estagirita diz

com toda a clareza que, se não houvesse uma substância

suprassensível, nem sequer existiria uma metafísica, e a física

seria a ciência mais elevada: “Se não subsistisse outra

substância além daquelas sensíveis, a física seria a primeira

8
ciência.”

Já dissemos que as ciências teóricas são superiores às práticas

e às produtivas, e que, por sua vez, a metafísica é superior às

outras duas ciências teóricas. Ao fazer metafísica, o homem

realiza efetivamente a pura vida contemplativa que, pelas

razões já vistas no Protréptico, é ontologicamente superior à

vida ativa. Ao fazer metafísica, o homem se aproxima de

9
Deus, não somente porque o conhece, mas também porque

faz o mesmo que Deus, que é puro conhecimento, como

veremos. Portanto, Aristóteles diz: “Todas as outras ciências

podem até ser mais úteis ao homem, mas nenhuma é superior

10
a esta [metafísica].”
As quatro causas

Depois de examinar e esclarecer as definições de metafísica do

ponto de vista formal, vamos agora analisar sinteticamente seu

conteúdo.

Dissemos que a metafísica é apresentada por Aristóteles,

antes de mais nada, como pesquisa das causas primeiras.

Cumpre então estabelecer quais e quantas são essas “causas”.

Aristóteles determinou que as causas devem ser

necessariamente finitas quanto ao número e estabeleceu que,

no que se refere ao mundo do devir, reduzem-se às seguintes

(já entrevistas, embora confusamente, segundo ele, por seus

predecessores): 1) causa formal; 2) causa material; 3) causa

11
eficiente; 4) causa final.

As duas primeiras nada mais são que a forma (ou essência) e

a matéria que constituem todas as coisas, e delas falaremos em

breve. (É bom lembrar que causa e princípio significam para

Aristóteles aquilo que funda, aquilo que condiciona, aquilo

que estrutura.) Mas atenção! Se considerarmos o ser das coisas

estaticamente, matéria e forma bastam como explicação;

porém, se, ao contrário, considerarmos as coisas

dinamicamente, ou seja, em seu desenvolvimento, em seu

devir, em seu gerar-se e corromper-se, então já não bastam. Na

verdade, é evidente que, se considerarmos, por exemplo,

determinado homem do ponto de vista estático, ele se reduz

apenas à sua matéria (carne e ossos) e à sua forma (alma);

contudo, se o considerarmos de outro modo e perguntarmos

“Como esse homem nasceu? Quem o gerou? Por que se

desenvolve e cresce?”, então duas outras razões ou causas são

necessárias: a causa eficiente, ou motriz, ou seja, o pai que o

gerou, e a causa final, isto é, o télos, ou escopo para o qual

tende o devir do homem (a realização de sua essência).

O ser, seus significados e o sentido da fórmula “ser enquanto

ser”

Dissemos que, além de doutrina das causas, a metafísica é

definida por Aristóteles como doutrina “do ser”, ou também


“do ser enquanto ser”. Vejamos, portanto, o que é o ser (o[n,

ei,~nai) e o ser enquanto ser (o]n h/,~ o[n) no contexto da

especulação aristotélica. Contra os eleatas, que entendiam o ser

como único, e contra os platônicos, que o viam como

realidade transcendente, Aristóteles caracteriza o ser da

seguinte maneira:

a) O ser exprime originariamente uma “multiplicidade” de

significados. Nem por isso, porém, é um mero “homônimo”,

ou seja, um “equívoco”. Entre univocidade e equivocidade

pura há uma via intermediária, e o caso do ser está justamente

nela. Eis a célebre passagem em que Aristóteles enuncia essa

doutrina:

Fala-se ser em múltiplos sentidos, mas sempre em referência a uma unidade e a

uma realidade determinada. Não se fala ser por mera homonímia, mas do

mesmo modo como dizemos que é “sadio” tudo que se refere à saúde, que a

conserva, que a produz, que é seu sintoma ou que tem condições de recebê-la;

ou do mesmo modo como dizemos que é “médico” tudo que se refere à

medicina, ou que a possui, ou que é bem-disposto para ela por natureza, ou

que é obra da medicina; e podemos acrescentar ainda outros exemplos de

coisas como essas que também são ditas. Assim, portanto, fala-se ser em muitos

12
sentidos, mas todos em referência a um só princípio.

Mas vamos deixar, por ora, a determinação e a identificação

desse princípio, prosseguindo na caracterização geral do

conceito de ser.

b) Em consequência de tudo o que estabelecemos, o ser não

poderá se reduzir a um “gênero” e menos ainda a uma

“espécie”. Trata-se, portanto, de um conceito transgenérico,

além de transespecífico, ou seja, mais amplo e estendido que o

gênero e também que a espécie.

c) Se a unidade do ser não é uma unidade de espécie nem de

gênero, que tipo de unidade é? O ser exprime significados

diversos, mas que têm relação precisa com um princípio

idêntico ou uma realidade idêntica, como bem ilustram os

exemplos de “sadio” e “médico”, no trecho citado. Portanto, as

várias coisas denominadas ser exprimem, sim, sentidos

diversos do ser, mas todas elas implicam, ao mesmo tempo,

uma referência a algo que é uno, ou, mais especificamente, à


substância. É o que Aristóteles afirma com toda a clareza na

conclusão do trecho mencionado:

Assim, portanto, fala-se ser em muitos sentidos, mas todos em referência a um

só princípio. Algumas coisas se chamam ser porque são substâncias, outras

porque são afecções da substância, ou porque são corrupções ou privações, ou

qualidades, ou causas produtoras ou geradoras, seja da substância, seja daquilo

que se refere à substância, ou porque são negações de qualquer uma delas, isto

13
é, da substância.

Portanto, o centro unificador dos sentidos do ser é a ousía, a

substância. A unidade deriva nos vários sentidos do ser porque

todos eles têm relação com a substância. Nesse sentido, pode-

se dizer que a ontologia aristotélica é fundamentalmente uma

“ousiologia”.

Tais esclarecimentos servem para alertar o leitor quanto à

interpretação da célebre fórmula “ser enquanto ser” (o]n h/

o[n). Essa fórmula não pode ser entendida como um

uniforme, abstrato e unívoco ente de caráter extremamente

geral, como muitos creem, mas exprime a própria

multiplicidade dos significados do ser e a relação que os liga

formalmente e que faz com que cada um deles seja ser. Então,

o ser enquanto ser significa a substância e tudo aquilo que, de

múltiplas maneiras, se refere à substância.

Em todo caso, fica evidente que, para Aristóteles, a fórmula

“ser enquanto ser” perde qualquer significado fora do contexto

do discurso sobre a multiplicidade dos significados do ser:

quem atribui a ela o sentido de ser generalíssimo ou de puro

ser, aquém e acima das múltiplas determinações do ser, cai

vítima do “arcaico” modo de pensar dos eleatas e trai

14
completamente o significado da reforma aristotélica.

A “tábua” aristotélica dos significados do ser e seu sentido

Depois de estabelecido o conceito de ser e o princípio da

originária e estrutural multiplicidade dos sentidos do ser,

vamos examinar agora quantos e quais são esses sentidos.

Aristóteles esboça uma “tábua” precisa dos significados do

15
ser.
a) Fala-se ser, de um lado, no sentido de acidente, ou seja,

como ser acidental ou casual (o]n kata; sumbebhkov~). Por

exemplo, quando dizemos “o homem é músico”, estamos

indicando um caso de ser acidental; na verdade, ser músico não

exprime a essência do homem, mas apenas aquilo que pode

acontecer de o homem ser, um puro acaso, um mero acidente.

b) Oposto ao ser acidental é o ser por si (o]n kaJ ∆auJto).


Isso não indica o que é por outro, como o ser acidental, mas o

que é ser por si, ou seja, essencialmente. Como exemplo de ens

per se, Aristóteles aponta, na maioria das vezes, apenas a

substância; mas pode também indicar todas as categorias: além

da essência, ou substância, a qualidade, a quantidade, a relação,

16
o agir, o suportar, o onde e o quando. De fato (ao contrário

do que se verifica na especulação medieval), em Aristóteles, as

categorias diferentes da substância são algo bem mais sólido

que aquilo que é puramente acidental (que exprime o

puramente fortuito), dado que, embora de maneira

subordinada à substância, são fundamento, em segunda

ordem, dos outros sentidos do ser, como veremos.

c) Em terceiro lugar, aparece na lista o sentido do ser como

verdadeiro, ao qual se contrapõe o significado do não-ser como

falso. Trata-se do ser que poderíamos chamar de “lógico”: o ser

como verdadeiro indica o ser do juízo verdadeiro, enquanto o

não-ser como falso indica o ser do juízo falso. Este é um ser

puramente mental, que só tem subsistência na razão e na mente

que pensa.

d) Em último lugar vem o sentido do ser como potência e

como ato (o]n dunavmei kai; ejnergeiva/). Dizemos, por

exemplo, que é vidente tanto aquele que tem a potência de ver

— isto é, que pode ver, mas está momentaneamente, digamos,

de olhos fechados — quanto aquele que vê em ato. De forma

análoga, dizemos também que está em ato uma estátua já

esculpida, e que está em potência o bloco de mármore que o

artífice esculpe; nesse mesmo sentido, dizemos que é trigo o

broto de trigo, pois que é trigo em potência, e que a espiga

madura é trigo em ato. O ser segundo a potência e segundo o

ato, esclarece Aristóteles, se estende a todos os sentidos já


mencionados do ser: pode existir um ser acidental em potência

ou em ato, pode haver o ser do juízo verdadeiro ou falso em

potência ou em ato, e, sobretudo, pode haver uma potência e

17
um ato segundo cada uma das diversas categorias.

Especificações acerca dos quatro sentidos do ser

Os quatro sentidos do ser na realidade são quatro “grupos” de

sentidos; cada um deles reagrupa depois sentidos semelhantes

mas não idênticos, ou seja, não unívocos mas análo-gos. As

diferentes categorias não expressam sentidos idênticos ou

unívocos do ser; o ser expresso em cada “figura das categorias”

constitui um sentido diverso daquele de cada uma das outras.

Por conseguinte, a expressão “o ser segundo as figuras das

categorias” designa tantos sentidos diversos do ser quantos são

os seres. Aristóteles diz expressamente que o ser não pertence

às diversas categorias do mesmo modo e no mesmo grau: “O é

predica-se de todas as categorias, porém não do mesmo modo,

mas de modo primário, da substância, e de modo derivado,

18
das outras categorias.”

E ainda:

[ …] é preciso dizer que as categorias são seres apenas por homonímia, ou que
são seres apenas quando se acrescenta ou se retira de “ser” determinada

qualificação; como, por exemplo, quando se diz que também o não cognoscível

é cognoscível. Com efeito, está correto afirmar que se diz que as categorias são

ser não em sentido equívoco, nem em sentido unívoco, mas diz-se que elas são

ser do mesmo modo que a palavra médico, cujos diversos sentidos implicam

referências a uma só e mesma coisa, e nem por isso são puros homônimos;

médico designa um corpo, uma operação ou um instrumento não por

19
homonímia ou sinonímia, mas em virtude da referência a uma só coisa.

Essa última realidade é obviamente a substância. Como se

pode ver, aquilo que vale em geral para os diversos significados

do ser vale depois, em particular, para as categorias: as demais

categorias são ser apenas em relação à primeira e em virtude

dela. Mas então, perguntaríamos, além da unidade que é

própria de todos os significados do ser, qual o vínculo

específico que reúne as diversas “figuras de categorias” naquele

grupo único que é justamente o grupo das “categorias”? A

resposta é a seguinte: as figuras das categorias expressam os

significados primeiros e fundamentais do ser, são a distinção


originária em que se apoia necessariamente a distinção dos

significados posteriores. As categorias representam, portanto, os

significados em que o ser se divide originariamente, são as

divisões supremas do ser, ou, como também diz Aristóteles, os

20
“gêneros” supremos do ser. Nesse sentido, é fácil compreender

por que Aristóteles incluiu nas categorias o grupo dos

significados do ser “por si”: justamente porque se trata dos

significados originários.

A potência e o ato também representam dois significados

diversos do ser (a potência é chamada abertamente de não-ser

em relação ao ato, pois é não-ser em ato), posto que uma é ser

potencial ainda não realizado, e o outro, ser atual e realizado.

Mas é importante sublinhar que, mesmo tomados

singularmente, eles têm múltiplos significados, tantos quantas

forem as categorias. Uma coisa é a potência segundo a

substância, outra é a potência segundo a qualidade, outra é a

potência segundo a quantidade, e assim por diante. O mesmo

pode ser dito do ato.

Discurso análogo vale para o ser como verdadeiro e para o

ser acidental, cujos vários modos, por falta de espaço, não será

possível elucidar aqui. No entanto, um ponto essen-cial

merece destaque. O ser como verdadeiro, que é o ser do juízo

unindo (separando) sujeito e predicado, só pode ter lugar

segundo as categorias (como veremos melhor na lógica). E

assim, o ser acidental nada mais é que a afecção ou o

acontecimento puramente fortuito que tem lugar segundo as

21
várias figuras categoriais.

Em resumo, todos os significados do ser pressupõem o ser

das categorias; por sua vez, o ser das categorias depende

inteiramente do ser da primeira categoria, isto é, da substância.

Portanto, todos os significados do ser supõem o ser das

categorias; e se, por sua vez, o ser das categorias supõe o ser da

primeira categoria e nele se baseia inteiramente, é evidente que

a pergunta radical sobre o sentido do ser deve centrar-se na

substância. Assim, é possível compreender perfeitamente as

exatas afirmações de Aristóteles:


Na verdade, aquilo que, desde os tempos antigos, assim como agora e sempre,

constitui o eterno objeto de pesquisa e o eterno problema “O que é o ser?”

equivale a este outro: “O que é a substância?” [ …]; por isso também devemos

examinar principal, fundamental e, por assim dizer, exclusivamente o que é o

22
ser entendido nesse sentido.

O sentido último do ser é revelado pelo sentido da

substância (oujsiva). O que é, então, a substância?

A questão da substância

Já de início, cabe dizer que o problema da substância é o mais

delicado, complexo e, em certo sentido, também o mais

desconcertante para quem quer entender a metafísica

aristotélica renunciando às soluções sumárias a que nos

habituaram as classificações simplistas dos manuais.

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que a questão geral

da substância envolve dois problemas essenciais estreitamente

ligados, um dos quais se desenvolve em duas direções

diferentes. As soluções que os predecessores de Aristóteles

deram para a questão da “substância” eram totalmente

antitéticas: alguns viram na matéria sensível a única substância;

Platão, ao contrário, localizou a verdadeira substância nos

entes suprassensíveis, enquanto a convicção comum parecia

enxergar nas coisas concretas a verdadeira substância. Mas eis

que Aristóteles enfrenta a questão estruturando-a de maneira

exemplar. Depois de ter reduzido o problema ontológico geral

a seu núcleo central, ou seja, à questão da ousía (como vimos),

ele afirma com toda a clareza que o ponto de chegada está em

determinar quais substâncias existem: se apenas as sensíveis

(como querem os naturalistas) ou também as suprassensíveis

(como querem os platônicos). Atenção! Este é o problema dos

problemas e a quaestio ultima, a pergunta por excelência da

23
metafísica aristotélica (e de toda a metafísica, em geral).

Porém, para resolver esse problema específico, Aristóteles

quis primeiro solucionar outra questão: o que é a substância?

Eis, portanto, o outro problema da ousiologia aristotélica: o

que é a substância em geral? É a matéria? É a forma? É o

composto? Esse problema geral deve ser resolvido antes do

outro, por correção metodológica; tendo estabelecido antes o


que é, em geral, a ousía, será possível dizer com maior precisão

se existe apenas o sensível ou também o suprassensível. Se, por

exemplo, concluíssemos que ousía é somente a matéria ou o

composto concreto de matéria e forma, a questão da

substância suprassensível estaria eliminada eo ipso; se, no

entanto, concluíssemos que ousía também é algo mais, ou pelo

menos predominantemente algo mais que matéria, então a

questão do suprassensível se apresentaria sob nova luz. Em que

Aristóteles irá se basear para examinar a substância em geral?

Claro, naquelas substâncias que ninguém contesta, as

substâncias sensíveis. Assim escreve o filósofo, de modo

expresso:

Todos admitem que algumas das coisas sensíveis são substâncias; portanto,

devemos desenvolver nossa investigação a partir delas. É de grande utilidade

proceder gradualmente para o que é mais cognoscível. Na verdade, todos

chegam ao saber desta forma: partindo das coisas menos cognoscíveis por

natureza [= as coisas sensíveis] em direção àquelas mais cognoscíveis por

24
natureza [= as coisas inteligíveis].

A substância em geral e as notas definidoras do conceito de

substância

Mas vamos afinal à pergunta: o que é a ousía em geral?

Tudo o que foi dito antes deve ter preparado o leitor para a

resposta aristotélica ao problema em questão. O Estagirita diz

que por “substância” (ousía) podem ser entendidos, a diversos

títulos: 1) a forma; 2) a matéria; 3) o sínolo, ou composto de

matéria e forma. Com isso, Aristóteles reconhecia em cada um

de seus predecessores uma parte de razão e apontava que o

erro foi a unilateralidade e a exclusão.

Tentaremos ilustrar brevemente tais significados.

a) Substância é, num sentido, a forma (ei,~do~, moryhv).

“Forma”, segundo Aristóteles, é a íntima natureza das coi-sas,

“o que é”, ou a essência (to; tiv h,~n ei,~nai) delas. A forma ou

essência do homem, por exemplo, é sua alma, ou seja, aquilo

que faz dele um ser vivente racional; a forma ou essência do

animal é a alma sensitiva; a da planta, a alma vegetativa. E

ainda: a essência do círculo é o que faz com que ele tenha

aquela determinada figura com aquelas determinadas


qualidades; o mesmo deve se repetir em relação às diferentes

coisas. Quando definimos as coisas, costumamos nos referir à

sua forma ou essência; em geral, as coisas só são cognoscíveis

25
em sua essência.

b) Contudo, se a alma racional não conformasse um corpo,

não haveria um homem, e se a alma sensitiva não conformasse

certa matéria, não teríamos um animal; se a alma vegetativa

não conformasse outra matéria, não teríamos as plantas. E o

mesmo vale — e de modo ainda mais evidente — para todos

os objetos produzidos pela atividade da arte; se a essência ou

forma da mesa não se realizasse na madeira, ela não teria

qualquer concretude (e o mesmo deve se repetir em todos os

casos). Nesse sentido, também a matéria é fundamental para a

constituição das coisas; e, portanto, ela pode ser denominada

— pelo menos dentro desses limites — substância das coisas.

Por outro lado, é evidente que tais limites são bem definidos:

de fato, se não houvesse a forma, a matéria seria indeterminada

26
e não bastaria para constituir as coisas.

c) Com base no que foi dito, o terceiro significado também

fica perfeitamente claro: o “sínolo” (suvnolon). Sínolo é a

união concreta de forma e matéria. Todas as coisas concretas

nada mais são que sínolos de forma e matéria.

Portanto, todas as coisas sensíveis, sem distinção, podem ser

consideradas em sua forma, em sua matéria e no conjunto de

forma e matéria; e são “substância” (ousía), a título diverso (no

sentido que vimos), tanto a forma quanto a matéria e o

27
sínolo.

Desenvolvendo o problema da substância em geral em uma

segunda direção, o Estagirita também tentou determinar quais

são esses “títulos” com base nos quais alguma coisa tem o direito

de ser considerada substância. Nos textos, essa segunda direção

nem sempre se distingue explicitamente da primeira, e muitas

vezes se entrelaça a ela de várias maneiras. Contudo, é essencial

distingui-la para entender em profundidade o pensamento

aristotélico.
O Estagirita parece estabelecer que as características

definidoras das substâncias são cinco. Substância é:

a) O que não é inerente a outra coisa nem predicado de outra

coisa; portanto, é objeto de inerência e de predicação.

b) Aquilo que pode subsistir por si ou separadamente do resto,

autonomamente.

c) Aquilo que é “algo de determinado” (não um universal

abstrato, um tovde ti).

d) O que tem uma unidade intrínseca e não é mero agregado

de partes não organizadas.

e) O que é ato ou em ato (não puramente em potência).

Ora, a matéria só tem o primeiro atributo de

substancialidade, portanto, só é substância de maneira muito

imprópria; a forma e o sínolo, ao contrário, possuem todas as

características da substancialidade, embora de modos

diferentes. Então qual será a substância por excelência? Do

ponto de vista empírico, substância por excelência parece ser o

indivíduo concreto, ou seja, o sínolo. No entanto, do ponto de

vista metafísico, a “substância primeira” é a forma: a forma é

princípio, causa e fundamento, enquanto, em relação a ela, o

28
sínolo é principiado, causado e fundado.

O sentido do ser é assim plenamente determinado. O ser em

seu significado mais forte é a substância; e a substância, num

primeiro sentido (impróprio), é matéria, num segundo sentido

(mais próprio) é sínolo, num terceiro sentido (e por

excelência) é forma. Ser, portanto, é a matéria; ser, num grau

mais alto, é o sínolo; e ser, no sentido mais forte, é a forma.

Desse modo, compreende-se por que Aristóteles chamou a

29
forma de “causa primeira do ser”, pois ela “informa” a

matéria e funda o sínolo.

A “forma” aristotélica não é universal

Apresentada da maneira que propusemos, a doutrina

aristotélica da substância parece bem menos aporética do que

30
sustentava sobretudo Zeller, mas também muitos estudiosos
modernos. A distinção dos múltiplos significados da ousía

implica a necessidade de não elaborar um discurso em termos

de aut-aut (ou-ou), como se, a qualquer custo, somente um

dos significados pudesse restar em campo; mas de fazer, ao

contrário, um discurso em termos de et-et (e-e), como vimos:

a metafísica aristotélica não é voltada, como sua sucessora,

para a reductio ad unum a qualquer preço, mas para a distinção

dos vários aspectos da realidade. Feita essa distinção, ela não

apenas recusa posteriores unificações como declara que esses

vários aspectos são irredutíveis, e os considera enquanto tais,

como expressão do caráter estrutural da realidade.

Assim se resolve facilmente outra dificuldade sugerida por

Zeller. É difícil — diz ele — considerar imutáveis as formas do

mutável, como queria Aristóteles. Na verdade, Aristóteles

insiste com muita energia no aspecto da imutabilidade do eîdos.

Pois bem: a imutabilidade do eîdos aristotélico não passa da

imutabilidade da causa, da condição ou do princípio metafísico

em relação ao causado, ao condicionado e ao principiado

31
empírico.

Finalmente, concluímos nossa análise da substância nos

detendo em um aspecto muitas vezes negligenciado e cuja

compreensão, aliás, é fatalmente obstada pela abordagem

zelleriana — que serve de base para muitos estudiosos. Trata-

se da relação entre a forma e o universal. Aristóteles demonstra,

como acabamos de ver, que matéria, forma e sínolo

apresentam requisitos que os qualificam como ousía, enquanto

o universal, que os platônicos elevam à categoria de substân-

cia por excelência, não tem absolutamente qualificação alguma

para ser considerado substância, pois não responde a nenhum

32
dos requisitos que são próprios da substancialidade.

Mas, dirão alguns, o eîdos aristotélico não é universal? A

resposta é inequivocamente negativa. Inúmeras são as vezes em

que Aristóteles qualifica seu eîdos de “tovde ti”, expressão que

indica uma coisa determinada, que se opõe ao universal

abstrato; além disso, vimos que todas as características da

substancialidade dizem respeito ao eîdos. O eîdos aristotélico é

um princípio metafísico: em termos modernos, seria uma


estrutura ontológica transcendental. Daremos como prova

apenas uma passagem — a mais significativa — que fecha o

livro dedicado à substância. Depois de dizer que ela é “um

princípio e uma causa”, Aristóteles mostra o modo como se

deve buscar esse princípio e essa causa. A coisa ou o fato cujo

princípio ou causa se busca devem ser previamente

conhecidos, e cabe situar a pesquisa da seguinte forma: por que

tal coisa ou tal fato são assim e assim? O que equivale a dizer:

por que a matéria é (ou constitui) esse determinado objeto? Eis

como Aristóteles expõe a questão:

[ …] esse material é uma casa: por quê? Porque nele está presente a essência de
casa. E assim investigaremos: por que essa determinada coisa é homem? Ou:

por que esse corpo tem tais características? Portanto, na investigação de por

que, busca-se a causa da matéria, ou seja, a forma pela qual a matéria é uma

33
determinada coisa: e essa é justamente a substância.

Mas aqui está o exemplo mais eloquente, com o qual

Aristóteles encerra sua investigação:

O que é composto de alguma coisa de tal modo que o todo constitui uma

unidade não é como um amontoado, mas como uma sílaba. A sílaba não é

apenas as letras de que é formada, nem BA é idêntica a B e A, nem a carne é

simplesmente fogo e terra; uma vez que os compostos, ou seja, carne e sílaba, se

dissolvem, deixam de existir, enquanto letra, fogo e terra continuam a ser.

Portanto, a sílaba é algo que não é redutível unicamente a letras, ou seja, a

vogais e consoantes, mas uma coisa diferente delas. Assim, a carne não é apenas

fogo e terra ou quente e frio, mas também algo diferente deles. Ora, se mesmo

esse algo fosse, ele também, um elemento ou um composto de elementos,

aconteceria o seguinte: se fosse um elemento, valeria o discurso anterior (a

carne seria constituída por esse elemento fogo e terra e por alguma coisa

diferente, de modo que iríamos até o infinito); se, ao contrário, fosse um

composto de elementos, é evidente que seria composto não de um só, mas de

vá-rios elementos (do contrário, estaríamos ainda no primeiro caso), de modo

que se repete, também aí, o discurso a respeito de carne e sílaba. Por isso

compreende-se claramente que esse algo não é um elemento, mas a causa pela

qual essa coisa é carne, aquela outra é sílaba, e assim por diante, para todo o

34
resto. Esse algo é a substância de cada coisa: de fato, é a causa primeira do ser.

Como se vê, a ousía-eîdos de Aristóteles, como estrutura

imanente ontológica da coisa, não pode efetivamente ser

confundida com o universal abstrato. O universal, ao

contrário, é o gênero (gevno~), que não tem uma realidade

ontológica própria; por exemplo, o animal, entendido como

gênero animal, é apenas um termo comum abstrato que não


tem realidade em si e não existe senão no homem ou em outra

forma animal.

Por outro lado, é importante destacar que o eîdos aristotélico

tem dois aspectos: um deles é ontológico, como vimos, e o

outro é o que poderíamos chamar de lógico. O Estagirita não

estudou nem estabeleceu esses dois aspectos e suas relativas

diferenças, mas, nos vários casos, passou de um a outro de

maneira inconsciente. Podemos observar melhor que ele a

diferença, até por razões linguísticas, pois de quando em

quando somos obrigados e traduzir eîdos de dois modos

diferentes: às vezes como “forma” e às vezes como “espécie”.

No que diz respeito ao aspecto ontológico do eîdos, ou seja, da

“forma”, Aristóteles tem razão ao dizer que não se trata de um

universal. E quanto ao eîdos no sentido lógico de espécie?

Claro, a espécie nada mais é que o eîdos quando pensado pela

mente humana. Portanto, seria possível dizer que, como

estrutura ontológica ou princípio metafísico, o eîdos não é

universal; porém, ao contrário, quando é pensado e abstraído

pela mente humana, ele se torna universal. É bom repetir:

preocupado em reafirmar o primeiro ponto, Aristóteles não

destacou o segundo. (Ainda mais porque, a seu ver, o eîdos,

mesmo considerado como espécie, é a “diferença” específica

que dá concretude ao gênero, justamente “diferenciando-o” e,

35
portanto, resgatando-o de sua abstrata universalidade, como

veremos também na lógica.) Em todo caso, essas dificuldades

não devem desviar nosso olhar daquilo que foi dito antes

acerca da estatura ontológica e real do eîdos: não somente ele

não é um universal como também é mais ser que a matéria e

mais ser que o sínolo, pois é o princípio que, estruturando a

36
matéria, faz subsistir o próprio sínolo.

O ato e a potência

Devemos ainda acrescentar às doutrinas já expostas algumas

pormenorizações relacionadas à potência e ao ato referidos à

37
substância: A matéria é “potência”, ou seja, potencialidade,

no sentido de que é capacidade de assumir ou receber a forma:

o bronze é “potência” da estátua, pois é capacidade tanto de

receber quanto de assumir a forma da estátua; a madeira é


“potência” dos vários objetos que podem ser feitos com ela,

pois é capacidade concreta de assumir as formas desses vá-rios

objetos. A forma se configura, ao contrário, como ato ou

atuação dessa capacidade. O composto ou sínolo de matéria e

forma, enquanto tal, será ato de modo predominante; se

considerado em sua forma, será apenas ato, ou enteléquia; se

considerado em sua materialidade, será, ao contrário, misto de

potência e ato. Portanto, todas as coisas que possuem matéria

têm sempre, enquanto tais, maior ou menor potencialidade.

Porém, como veremos, se há seres imateriais, ou seja, formas

38
puras, eles serão atos puros, sem potencialidade.

Como mencionamos, o ato também é chamado por

Aristóteles de enteléquia: às vezes, parece que flutua entre os

dois termos certa diversidade de significado; todavia, na maior

parte dos casos e em particular na Metafísica, os dois são

sinônimos. Portanto, ato e enteléquia significam realização,

perfeição atuante e atuada. A alma, portanto, como essência e

forma do corpo, é ato e enteléquia do corpo; em geral, todas as

formas das substâncias sensíveis são ato e enteléquia. Deus,

como veremos, será enteléquia pura (e assim também as outras

Inteligências motrizes das esferas celestes).

O ato, diz ainda Aristóteles, tem absoluta “prioridade” e

superioridade sobre a potência; de fato, a potência existe

sempre em função do ato e é condicionada pelo ato, do qual

ela é potência. Enfim, o ato é superior à potência, pois é o

39
modo de ser das substâncias eternas.

A doutrina da potência e do ato, do ponto de vista

metafísico, é de enorme importância. Com ela Aristóteles

conseguiu resolver as aporias eleáticas do devir e do

movimento: devir e movimento deslizam no núcleo do ser, pois

não indicam uma passagem do não-ser absoluto ao ser, mas do

ser em potência ao ser em ato, ou seja, de ser para ser. Além

disso, também solucionou perfeitamente o problema da

unidade da matéria e da forma: a primeira é potência, a

segunda, ato, ou atuação da potência. Por fim, o Estagirita

serviu-se dessa doutrina, pelo menos em parte, para

demonstrar a existência de Deus e entender sua natureza. Mas os


conceitos de potência e de ato também desempenham, em

Aristóteles, um papel importantíssimo no âmbito de todas as

outras ciências.

E assim chegamos à última das questões da metafísica: a da

substância suprassensível, que é o problema decisivo.

Demonstração da existência da substância suprassensível

Há substâncias suprassensíveis ou só substâncias sensíveis?

Aristóteles tentou responder com precisão a essa pergunta,

pois era o ponto que achava importante corrigir em Platão.

Eis de que maneira se demonstra a existência do

suprassensível.

As substâncias são as realidades primeiras, no sentido de que

todos os outros modos de ser, como já vimos amplamente,

dependem delas. Portanto, se todas as substâncias fossem

corruptíveis, absolutamente nada haveria de incorruptível.

Mas — diz Aristóteles — o tempo e o movimento, sem dúvida,

são incorruptíveis. O tempo não foi gerado nem será

corrompido; em momento anterior à geração do tempo deve

ter existido um “antes”, e após a destruição do tempo deverá

existir um “depois”. Ora, “antes” e “depois” nada mais são que

tempo. Em outros termos: pelas razões vistas, sempre há

tempo antes ou depois de qualquer suposto início ou fim do

tempo; portanto, o tempo é eterno. O mesmo raciocínio vale

para o movimento, pois, para Aristóteles, o tempo nada mais é

que uma determinação do movimento. Portanto, não há

tempo sem movimento, a eternidade do primeiro postula a

eternidade do segundo. No entanto, em que condições pode

subsistir um movimento (e um tempo) eterno? O Estagirita

responde com base nos princípios que havia estabelecido pelo

estudo das condições do movimento na Física: somente

quando subsiste um Princípio primeiro que dele seja causa.

Porém, para ser causa do movimento, como deve ser tal

princípio? Em primeiro lugar, diz Aristóteles, o Princípio deve

ser eterno: se eterno é o movimento, eterna deve ser sua causa.

Em outras palavras: para ser capaz de explicar um movimento

eterno, a causa só pode ser eterna.


Em segundo lugar, o Princípio deve ser imóvel: na verdade,

somente o imóvel é causa absoluta do móvel. Na Física,

Aristóteles demonstrou esse aspecto com rigor. Tudo que está

em movimento é movido por algo outro; se esse algo, por sua

vez, for movido, será movido ainda por outro algo. Mas, para

explicar cada movimento, é preciso buscar apoio em um

princípio que de per si não se mova depois, pelo menos em

relação ao que move. Seria absurdo pensar em recuar de motor

em motor ao infinito, pois um processo ao infinito é

impensável nesses casos. Ora, se assim é, não apenas deve

haver motores relativamente móveis, dos quais procedem os

movimentos singulares, como também — a fortiori — um

Princípio absolutamente primeiro e absolutamente imóvel, do

qual procede o movimento de todo o Universo.

Em terceiro lugar, o princípio deve ser totalmente isento de

potencialidade, ou seja, deve ser ato puro. Se ele tivesse

potencialidade, haveria a possibilidade de não se mover em

ato; mas isso é absurdo, pois nesse caso não haveria um

movimento eterno dos céus, isto é, um movimento sempre em

ato. Para concluir: como há um movimento eterno, é

necessário que haja um Princípio eterno que o produza, e é

necessário que esse Princípio seja: a) eterno, se aquilo que ele

causa é eterno; b) imóvel, se a causa absolutamente primeira

do móvel é o imóvel; c) ato puro, se o movimento que causa

está sempre em ato.

Esse princípio é o Motor Imóvel, justamente a substância

40
suprassensível que buscávamos.

Mas como o Primeiro Motor pode mover e permanecer

absolutamente imóvel? No âmbito das coisas que conhecemos,

há algo que saiba mover sem mover a si mesmo?

Aristóteles responde indicando o exemplo de coisas como o

objeto do desejo e da inteligência. O objeto do desejo é aquilo

que é belo e bom: ora, o belo e o bom atraem a vontade do

homem sem que eles mesmos se movam; assim também o

inteligível move a inteligência sem se mover. Igualmente desse

tipo é a causalidade exercida pelo Primeiro Motor, ou seja,

pela substância primeira; o Primeiro Motor move como o


41
objeto de amor atrai o amante (kinei~ wJ~ ejrwvmenon),

enquanto todas as outras coisas movem sendo movidas.

Como é evidente, a causalidade do Primeiro Motor não é

uma causalidade de tipo eficiente, ou seja, do tipo daquela

exercida por uma mão que move um corpo, ou pelo escultor

que entalha o mármore, ou pelo pai que gera o filho. Deus, ao

contrário, move atraindo; e atrai como objeto de amor, vale

dizer, à guisa de fim; a causalidade do Motor Imóvel é

portanto, propriamente, um causalidade de tipo final.

O mundo, que é constantemente atraído por Deus como fim

supremo, não teve um começo. Não houve um momento em

que havia o caos (ou o não cosmo) porque, se assim fosse,

estaria desmentido o teorema da prioridade do ato sobre a

potência; isto é, primeiro seria o caos, que é potência, e depois

seria o mundo, que é ato. Seria também um absurdo, pois

Deus, sendo eterno, deve necessariamente atrair, como objeto

de amor, o Universo, que, portanto, deve ser tal como é desde

42
sempre.

Essa é uma tese que Aristóteles já havia defendido no tratado

Sobre a filosofia, nos últimos anos de sua permanência na

Academia.

A natureza do Motor Imóvel

O princípio do qual “dependem o céu e a natureza” é Vida. E

que vida? Aquela que, mais que qualquer outra, é excelente e

perfeita; a vida que nós só podemos viver por um breve tempo;

a vida do puro pensamento; a vida da atividade contemplativa.

Eis o trecho estupendo em que Aristóteles — fato

extremamente raro para ele — se comove e no qual sua

linguagem é quase poesia, canto, celebração:

Assim, desse princípio dependem o céu e a natureza. E seu modo de viver é o

mais excelente: um modo de viver que só nos é concedido por um breve tempo.

Mas ele permanece sempre nesse estado. Para nós, é impossível, mas para ele

não é impossível, pois o ato do seu viver é prazer. Para nós, vigília, sensação e

conhecimento também são agradáveis em grau supremo, exatamente porque

são ato; assim também, em virtude deles, esperanças e lembranças. [ …] Se,

portanto, Deus se encontra perenemente nessa feliz condição em que nos

encontramos às vezes, isso é maravilhoso. Se ele se encontra em uma condição

superior, é ainda mais maravilhoso. Ele se encontra de fato nessa condição. Ele
é também Vida, pois a atividade da inteligência é Vida, e ele é precisamente esta

atividade. Sua atividade, que subsiste de per si, é vida ótima e eterna. Na

verdade, dizemos que Deus é vivente, eterno e ótimo; desse modo, pertence a

43
Deus uma vida perenemente contínua e eterna; isto é, portanto, Deus.

Mas o que pensa Deus? Deus pensa a coisa mais excelente.

Mas a coisa mais excelente é Deus. Portanto, Deus pensa a si

mesmo, é atividade contemplativa de si mesmo, é pensamento

de pensamento (novhsi~ nohvsew~). Eis as exatas afirmações

do filósofo:

[ …] o pensamento que é pensamento por si tem por objeto aquilo que é de per
si excelente, e o pensamento que o é em grau máximo tem por objeto aquilo

que é excelente em máximo grau. A inteligência pensa a si mesma,

apreendendo-se como inteligível: na verdade, ela se torna inteligível intuindo-

se e pensando a si, de modo que inteligência e inteligível coincidem. A

inteligência é de fato aquilo que é capaz de apreender o inteligível e a

substância, e está em ato quando os possui. Portanto, mais ainda que tal

capacidade, o que a inteligência tem de divino é esta propriedade; a atividade

44
contemplativa é aquilo que há de mais agradável e de mais excelente.

E ainda: “Se a Inteligência divina é aquilo que há de mais

excelente, ela pensa a si mesma, e seu pensamento é

45
pensamento de pensamento.”

Portanto, Deus é eterno, imóvel, ato puro, isento de

potencialidade e de matéria, vida espiritual e pensamento de

pensamento. Sendo isso, claro, “não pode ter qualquer

grandeza”, mas deve ser “sem partes e indivisível”. Ademais,

46
deve ser “impassível e inalterável”.

Unidade e multiplicidade do divino

Aristóteles pensou, porém, que Deus não era suficiente para

explicar o movimento de todas as esferas que, segundo ele,

formavam o céu. Deus move diretamente o primeiro móvel —

o céu das estrelas fixas —, mas entre essa esfera e a Terra há

muitas outras esferas concêntricas, de grandezas decrescentes e

encerradas umas nas outras. O que move essas esferas?

Poderia haver duas respostas: ou elas se movem pelo

movimento derivado do primeiro céu, que se transmite

mecanicamente de uma esfera a outra, ou por outras

substâncias suprassensíveis, imóveis e eternas, que se movem

de modo análogo ao do Primeiro Motor.


Aristóteles adotou a segunda solução. A primeira não

poderia se enquadrar na concepção de diversidade dos vários

movimentos das inúmeras esferas que, segundo as visões da

astronomia da época, eram diferentes e não uniformes.

Portanto, não haveria modo de explicar como o movimento

do primeiro céu gerava diferentes movimentos, nem como o

poder de atração de um só Motor gerava movimentos

circulares rotativos em direção oposta. Essas são as razões pelas

quais Aristóteles introduziu a multiplicidade dos motores,

pensados como substâncias suprassensíveis capazes de mover

de modo análogo ao de Deus, ou seja, como causas finais

(causas finais relativamente à esferas singulares).

Então, com base nos cálculos dos astrônomos Galipos e

Eudoxo, com algumas correções que julgou necessárias,

Aristóteles estabeleceu que eram 55 as esferas, admitindo,

porém, a possibilidade de que fossem 47. Quantas fossem as

esferas, tantas seriam as substâncias imóveis e eternas que

produzem seus movimentos. Deus ou o Primeiro Motor move

diretamente a primeira esfera e apenas indiretamente as

demais. As outras 55 substâncias suprassensíveis movem as

47
outras 55 esferas.

Seria essa uma forma de “politeísmo”?

Para Aristóteles, assim como para Platão e para os gregos em

geral, o “Divino” designa uma ampla esfera, na qual, a títulos

diversos, se incluem múltiplas e diferentes realidades. Já para

os fisiologistas, o “Divino” incluía estruturalmente muitos

entes. O mesmo vale para Platão: “divinas” são para Platão as

ideias do Bem e do Belo, e, em geral, todas as Ideias. “Divino”

é o “Demiurgo”; “divinas” são as almas; “divinos” são os astros

e “divino” é o mundo. De maneira análoga, para Aristóteles,

“divino” é o Motor Imóvel, “divinas” são as substâncias

imóveis e suprassensíveis que movem os céus, “divinos” são

astros, estrelas, esferas, almas de esferas e astros, e “divina” é

também a alma intelectiva dos homens. Divino, em suma, é

tudo aquilo que é eterno e incorruptível. Os gregos não

sentiam a antítese unidade-multiplicidade do divino; portanto,


não por acaso, a questão jamais havia sido formulada nesses

termos.

Mesmo partindo da premissa de que, dada a forma mentis

dos gregos, a existência de 55 substâncias suprassensíveis, além

da Primeira, ou seja, além do Motor Imóvel, devia parecer bem

menos estranha que para nós, cabe reconhecer que é inegável a

tentativa de unificação por parte de Aristóteles. Antes de mais

nada, ele só denominou explicitamente Deus, em sentido forte,

o Primeiro Motor. No mesmo lugar em que está exposta a

doutrina da pluralidade dos motores Aristóteles reitera a

unicidade do Motor Primeiro — Deus em sentido próprio e

verdadeiro —, e dessa unicidade deduz a unicidade do Mundo.

O décimo segundo livro da Metafísica, como se sabe, termina

com a solene afirmação de que as coisas não querem ser mal

governadas por uma multiplicidade de princípios. A assertiva

se encerra, como para lhe conferir solenidade ainda maior,

com o significativo verso de Homero:

De multicapitães não carecemos. Não é bom! Que um rei, um só, nos comande

e encabece.*

Diante disso, claro que Aristóteles não poderia deixar de

conceber as outras substâncias imóveis, que movem as esferas

celestes singulares, como hierarquicamente inferiores ao

Primeiro Motor Imóvel. Sua hierarquia vem a ser a mesma que

a das ordens das esferas que movem os astros. Por isso todas as

55 substâncias são inferiores ao Primeiro Motor e depois

48
hierarquizadas umas em relação às outras. Isso explica

perfeitamente como elas podem ser substâncias individuais

diversas entre si; são formas puras imateriais, uma inferior à

outra. Contudo, de certa maneira, elas são deuses inferiores.

No entanto, o Estagirita deixou completamente inexplicada

a precisa relação existente entre Deus e tais substâncias, e

também entre as substâncias e as esferas que elas movem. A

Idade Média transformaria as substâncias nas famosas

“inteligências angélicas” motrizes, mas só conseguiu operar a

transformação em virtude do conceito de criação.

Deus e o mundo
Deus (ao falar em Deus estamos nos referindo ao Primeiro

Motor), como vimos, pensa e contempla a si mesmo. Ele pensa

também o mundo e os homens que estão no mundo?

Aristóteles não deu uma solução clara a esse problema, mas

parece (pelo menos em certa medida) que tendia para a

negativa.

Sem dúvida, o Deus aristotélico tem conhecimento da

existência do mundo e de seus princípios universais. Por outro

lado, se Deus é propriamente esse princípio supremo, claro

também que deve se autoconhecer enquanto tal, ou seja, ele

conhece a si mesmo como objeto de amor e de atração do

Universo como um todo.

É verdade, porém, que os indivíduos enquanto tais, ou seja,

com suas limitações, deficiências e pobreza, não são

conhecidos por Deus; esse conhecimento do imperfeito, aos

olhos de Aristóteles, representaria uma diminutio de Deus.

Portanto, os indivíduos empíricos, segundo Aristóteles, são

indignos do pensamento divino justamente por sua

49
empiricidade e particularidade.

Outra limitação do Deus aristotélico — com o mesmo

fundamento que a anterior, de não ter criado o mundo, o

homem, as almas singulares — consiste no fato de que ele é

objeto de amor, mas não ama (ou, no máximo, ama somente a

si mesmo). Os indivíduos, enquanto tais, não são de forma

alguma objeto do amor divino; Deus não se curva para os

homens e menos ainda para o homem singular. Cada homem,

como cada coisa, tende de vários modos a Deus, mas Deus,

assim como não pode conhecer, também não pode amar

nenhum homem singular.

NOTAS
1. Cf. Reale, La “Metafísica”, i, p. 3 ss, e indicações bibliográficas nele incluídas.

2. As “substâncias separadas”, como diz Aristóteles. Em suma, a metafísica

aristotélica é o prolongamento do problema fundamental do platonismo.

3. Cf. Metaph. a, a e b.

4. Cf. Metaph. G, e 2-4, k.

5. Cf. Metaph. z, h, Q.
6. Cfr. Metaph. e 1 e L.

7. Cf. Reale, Il concetto di filosofia prima, passim.

8. Metaph. e 1, 1.026 a 27-29; k 7, 1.064 b 9-11.

9. Metaph. a 2.

10. Ibid. a 2, 983 a 10-11.

11. Cf. Metaph. a 3-10.

12. Metaph. G 2, 1.003 a 33-1.003 b 6.

13. Metaph. G 2, 1.003 b 5-10.

14. Para um aprofundamento dos problemas, cf. J. Owens, The Doctrine of Being in

the Aristotelian Metaphysics, Toronto, 1963.

15. Cf. Metaph. D 7, e 2-4; sobre essa “tábua”, cf. Reale, La “Metafisica”, v. i, p. 30 ss.

O primeiro a compreender e ilustrar adequadamente essa tábua dos significados

foi F. Brantano no texto Von der mannigfachen Bedeutung des Seieden nach

Aristoteles, Freiburg, 1862 (Darnmstadt, 1960), até hoje insuperável.

16. Além das oito indicadas, em alguns textos Aristóteles lista também o jazer e o ter

como categorias. A tábua essencial, no entanto, é aquela citada, pois a nona e a

décima categorias são, na realidade, dedutíveis das outras. Sobre o problema das

categorias e de sua “dedução”, indicamos quatro estudos clássicos, bastante

aprofundados a partir de diferentes pontos de vista: F. A. Trendelenburg,

Geschichte der Kategorienlehre, Berlim, 1846; H. Bonitz, “Ueber die Kategorien des

Aristóteles”, Sitzungsber. d. Kais. Akad. d. Wissensch, Philos.-hist. Klasse, Bd. 10,

Heft 5, Viena, 1853, p. 591-645; O. Apelt., Die Kategorienlehre des Aristoteles, no v.

Beiträge zur Geschichte der griech. Philos., Leipzig, 1891, p. 101-216, além do

volume de Brentano citado na nota 15, p. 72-220.

17. Para um aprofundamento do problema, cf. Reale, La “Metafisica”, i, p. 34 ss.

18. Metaph. z 4, 1.030 a 21 ss.

19. Ibid., z 4, 1.030 a 32 ss; cf. acima os trechos citados em correspondência com as

notas 12 e 13.

20. Cf. Metaph. z 3, 1.029 a 21 e a densa documentação sobre esse aspecto em

Brentano, op. cit., p. 98 ss e passim.

21. Cf. Reale, La “Metafisica”, i, p. 41 ss.

22. Metaph. z 1, 1.008 b 2-7.

23. Ibid., z 2, passim.

24. Ibid., z 3, 1029 a 33 ss. Já no Protréptico, como vimos, Aristóteles havia

estabelecido que, por natureza (isto é, em si e por si), vem primeiro o inteligível,

ontologicamente primeiro; para nós, ao contrário, vem primeiro o sensível,

ontologicamente segundo; o sensível é primeiro para nós porque é justamente o

ponto de onde partimos para conhecer: só chegamos ao inteligível depois,

passando pelo sensível.

25. Cf. Metaph. z 4-12, h 2-3 e Reale, op. cit., i, p. 572-621, e ii, p. 19-30.

26. Cf. Metaph. z 3.

27. Ibid., z e h, passim.


28. Cf. Reale, La “Metafísica”, i, p. 51 ss.

29. Metaph. z 17, 1.041 b 26.

30. E. Zeller, Die Philosophie der Griechen, ii, 2, Leipzig, 1921, p. 344 ss.

31. Cf. Metaph. z 7-9 e Reale, op. cit., i, p. 589-606.

32. Metaph. z 13-16 e Reale, op. cit., i, p. 621-634.

33. Cf. Metaph. z 17, 1.041 a 25 ss, 1.041 b 5 ss.

34. Cf. Metaph. z 17, 1.041 b 11-28.

35. Cf. Metaph. z 12, passim.

36. Metaph. z 3, 1.029 a 5-7.

37. Cf. Metaph. h e Q.

38. Cf. Metaph. L 6-8.

39. Cf. Metaph. Q 8, passim.

40. Cf. Metaph. L 6-7.

41. Metaph. L 7, 1.072 b 3.

42. Cf. Metaph. L 6, passim.

43. Metaph. L 7, 1.072 b 13-18, 24-30.

44. Metaph. L 7, 1.072 b 18-24.

45. Metaph. L 9, 1.074 b 34 ss.

46 Metaph. L 7, 1.973 a 5-13.

47. Metaph. L 8, passim.

48. Metaph. L 8, 1.073 b 1-3

49. Cf. Metaph. L 9, passim.

* Ilíada ii, 204-205, em Os nomes e os navios – Homero, Ilíada ii, trad. Haroldo de

Campos e Odorico Mendes. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999. [n.t.]


III.

A “FILOSOFIA SEGUNDA”: ANÁLISE DA FÍSICA

Caracterização da física aristotélica

A segunda ciência teórica para Aristóteles é a física, ou

“filosofia segunda”, que tem como objeto de pesquisa a

realidade sensível, intrinsecamente caracterizada pelo

movimento, assim como a metafísica tem como objeto a

realidade suprassensível, intrinsecamente caracterizada pela

1
ausência absoluta de movimento.

Depois das contribuições platônicas, a distinção de uma

problemática física impunha-se estruturalmente: se os planos

da realidade são dois, ou, para usar termos mais aristotélicos,

se há dois gêneros de substâncias estruturalmente distintos —

o gênero suprassensível e o gênero sensível —, então as

ciências que têm como objeto de investigação essas duas

realidades diversas também deverão ser necessariamente

diversas. A distinção entre metafísica e física terá como

consequência a superação definitiva do horizonte da filosofia

dos pré-socráticos e acarretará uma mudança radical do antigo

sentido de physis, que, além de significar a totalidade do ser,

agora irá significar também o ser sensível; “natureza” passará a

significar, de modo predominante, natureza sensível (mas um

sensível no qual a forma continua a ser o princípio

2
dominante).

Na verdade, a palavra “física” pode induzir o leitor moderno

ao erro: para nós, a física identifica-se à ciência da natureza

entendida à maneira galileana, ou seja, quantitativamente. A

posição de Aristóteles, ao contrário, é diametralmente oposta;

sua física não é uma ciência quantitativa da natureza, mas uma

ciência qualitativa; comparada à física moderna, a de

Aristóteles, mais que uma “ciência”, é uma “ontologia”, ou

“metafísica” do sensível. Estamos, portanto, diante de uma


consideração tipicamente filosófica da natureza; este, aliás, é o

tipo de consideração que irá prevalecer até a revolução

realizada por Galileu. Por conseguinte, não deve ser motivo de

espanto o fato de encontrarem-se nos livros da Metafísica

inúmeras reflexões físicas (no sentido mencionado), e, vice-

versa, nos livros da Física, reflexões de caráter metafísico, pois

os âmbitos das duas ciências se intercomunicam

estruturalmente; o suprassensível é causa e razão do sensível, e

tanto a investigação metafísica quanto (embora em sentido

diverso) a própria investigação física desembocam no

suprassensível. Além disso, também é idêntico o método de

estudo aplicado às duas ciências, o que, aliás, será

demonstrado de forma adequada na exposição que se segue (a

qual, por razões de espaço, se limita a alguns temas de fundo,

os mais substantivos).

A mudança e o movimento

Dissemos que a característica essencial da natureza é dada pelo

movimento, e, por conseguinte, que Aristóteles dedica grande

parte da Física à análise do movimento e suas causas.

O que é o movimento?

Já sabemos que o movimento só se tornou problema

filosófico depois que foi negado, como aparência ilusória,

pelos eleatas. Sabemos também que ele foi recuperado e

parcialmente justificado pelos pluralistas. Contudo, ninguém,

nem Platão, soube estabelecer qual eram sua essência e seu

estatuto ontológico.

Os eleatas haviam negado o devir e o movimento porque,

segundo seu ponto de vista, eles implicariam a existência de

um não-ser (aquilo que vem a ser passa, em geral, de um

estado a outro, e cada um desses estados não é o precedente

nem o consequente; sendo assim, nascer e morrer seriam uma

passagem do não-ser absoluto ao ser e do ser ao não-ser

absoluto), mas, na verdade, o não-ser não existe de modo

algum. Aristóteles chega à solução dessa aporia da maneira

mais brilhante.
Ora, o movimento é um dado de fato originário e, portanto,

não pode ser posto em dúvida. Mas como se justifica? Sabemos

(pela metafísica) que o ser tem muitos significados, e que um

grupo desses significados origina-se da dupla ser como

potência e ser como ato. Em relação ao ser-em-ato, o ser-em-

potência pode ser chamado de não-ser, mais precisamente, de

não-ser-em-ato; mas claro que se trata de um não-ser relativo,

pois a potência é real, porque real é a capacidade e efetiva é a

possibilidade de chegar ao ato. Sendo assim, e atingindo o

ponto que nos interessa, o movimento (e a mudança, em

geral) é a passagem do ser em potência ao ser em ato (o

movimento é o ato ou a atuação daquilo que é em potência

3
enquanto tal, diz Aristóteles). Portanto, o movimento não

supõe efetivamente o não-ser de Parmênides, pois se

desenvolve no seio do ser e é passagem de ser (potencial) a ser

(atual); assim, o movimento perde definitivamente aquele

caráter que poderíamos denominar nulificante — que fazia

com que os eleatas se vissem obrigados a eliminá-lo — e é

fundamentalmente explicado.

Mas Aristóteles ainda faz outras análises da questão do

movimento que são de importância capital; ele chega a

estabelecer quais são todas as possíveis formas de movimento e

sua estrutura ontológica. Vamos nos remeter ainda uma vez à

distinção originária dos diversos significados do ser. Vimos

que potência e ato dizem respeito às várias categorias, não

apenas à primeira. Portanto, também o movimento, que é

passagem da potência ao ato, dirá respeito às várias categorias

4
(todas as categorias ou as principais). Assim, é possível

deduzir as várias formas de mudança a partir da tábua de

categorias. Algumas categorias efetivamente não admitem

mudança, como, por exemplo, a categoria da relação, pois

basta que um dos termos se mova para que o outro, mesmo

que não alterado, mude o significado relacional (portanto, se

admitíssemos movimento segundo a relação, admitiríamos o

absurdo de um movimento sem movimento para o segundo

termo); as categorias do agir e do sofrer são por si mesmas

movimentos, e não é possível movimento de movimento;

enfim, também o quando, ou o tempo, como vimos, é uma


afecção do movimento. Restam as categorias 1) substância, 2)

qualidade, 3) quantidade, 4) lugar. E é exatamente segundo

essas categorias que ocorre a mudança. A mudança segundo a

substância é a geração e a corrupção; a mudança segundo a

qualidade é a alteração; a mudança segundo a quantidade é o

aumento e a diminuição; e o movimento segundo o lugar é a

translação. Mudança é um termo geral que se aplica bem a

todas as quatro formas, mas movimento, ao contrário, é um

termo que designa as outras três, em particular a última.

Em todas as suas formas, o devir supõe um substrato (que é,

aliás, o ser potencial) que passa de um oposto a outro; na

primeira forma, de um contraditório a outro contraditório;

nas outras três formas, de um contrário a outro contrário. A

geração é um assumir a forma; a alteração é uma mudança da

qualidade; o aumento e a diminuição são uma passagem de

pequeno a grande e vice-versa; o movimento local é passagem

de um ponto a outro ponto. Somente os compostos (os

sínolos) de matéria e forma podem mudar, pois apenas a

matéria implica potencialidade; a estrutura hilemórfica da

realidade sensível, que implica necessariamente matéria e

5
potencialidade, é, portanto, a raiz de cada movimento.

Essas considerações nos levam, assim, ao problema das

quatro causas que já conhecemos. Matéria e forma são causas

intrínsecas do devir. A causa externa, por sua vez, é o agente, ou

causa eficiente; nenhuma mudança tem lugar sem essa causa,

pois não pode haver passagem da potência ao ato sem que haja

um motor já em ato. Por fim, a causa final é o escopo e a razão

do devir. Essa causa indica substancialmente o sentido positivo

de cada devir. Para Aristóteles, trata-se fundamentalmente de

uma progressão para a forma e de uma realização da forma.

Longe de ser a porta de entrada para o nada, o devir, segundo

Aristóteles, é a via que leva à plenitude do ser, a via que as coisas

percorrem para se atualizar, para ser plenamente o que são,

para realizar sua essência ou forma (nesse sentido, é fácil

compreender por que a physis aristotélica é, em última análise,

6
essa forma).
Constata-se, a propósito disso, que a teleologia aristotélica é

falha, não pelas limitações que Aristóteles opera expressamente

7
em alguns dos famosos trechos da Física, mas por não

apresentar solução para a aporia metafísica de fundo, segundo

a qual o mundo existe não por um desígnio do Absoluto, mas

por um anseio quase mecânico e fatal de todas as coisas pela

perfeição, intuído e afirmado pelo Estagirita, mas não

rigorosamente justificado. Sobre a razão de fundo do finalismo

universal, o último Platão, com a doutrina do Demiurgo, no

Timeu, enxergou mais longe: na verdade, ou se admite um ser

que projeta o mundo e que o faz ser em função do bem e do

melhor ou o finalismo universal não se sustenta.

O espaço e o vazio

Ligados ao conceito do movimento surgem os conceitos de

8
espaço e de vazio. Os objetos não estão no não-ser, que não

existe, mas em um onde, ou seja, em um lugar que, por

conseguinte, é algo que existe. Não resta dúvida de que o lugar

existe e é uma realidade, tendo em mente o deslocamento

recíproco dos corpos (no recipiente onde a água está agora,

quando ela sai, entra o ar; em geral, um corpo diverso vem

sempre tomar o mesmo lugar ocupado pelo corpo retirado,

substituindo-o); “[ …] portanto, claro que o lugar também é

algo, e que a parte de espaço para a qual e da qual se verifica a

9
mudança dos dois elementos é algo distinto de ambos”. Além

disso, a experiência mostra que existe um “lugar natural” para

o qual cada um dos elementos tende quando não encontra

obstáculo: fogo e ar tendem para o alto, terra e água, para

baixo. Alto e baixo não são algo relativo a nós, mas são

objetivos, são determinações naturais; “[ …] o alto não é uma

coisa qualquer, é para onde se dirigem o fogo e o leve, e, da

mesma forma, o baixo não é uma coisa qualquer, é para onde

10
vão as coisas pesadas e feitas de terra”.

O que é, então, o “lugar”? Aristóteles chegou a uma primeira

caracterização ao distinguir o lugar que é comum a muitas

coisas daquele que é próprio a cada objeto: “[ …] o lugar é, por


um lado, algo comum em que todos os corpos estão; por
outro, é o lugar particular em que um corpo está

imediatamente, [ …] e se o lugar é aquilo que contém

imediatamente cada corpo, ele constituirá então um

11
determinado limite”. Adiante, Aristóteles determina que

…]
“[ o lugar é aquilo que contém aquele objeto do qual é

lugar, e não é nada da coisa mesma que contém”. Juntando as

duas caracterizações, o lugar é “[ …] o limite do corpo

12
continente, à medida que é contíguo ao conteúdo”. Por

último, Aristóteles afirma ainda que o lugar não deve ser

confundido com o recipiente: o primeiro é imóvel enquanto o

segundo é móvel. Poderíamos dizer que, em certo sentido, o

lugar é o recipiente imóvel, ao passo que o recipiente é um

lugar móvel:

[ …] assim como o vaso é um lugar transportável, o lugar também é um vaso

que não se pode transportar. Por isso, quando alguma coisa que está dentro de

outra coisa se move e se transforma numa coisa móvel, como um barquinho

em um rio, ela utiliza aquilo que a contém antes como um vaso que como um

lugar. O lugar, ao contrário, precisa ser imóvel; por isso o rio inteiro é antes

lugar, pois o inteiro é imóvel. Portanto, o lugar é o primeiro limite imóvel do

13
continente.

Essa definição tornou-se famosa, e os filósofos medievais a

fixaram na renomada fórmula terminus continentis immobilis

primus.

A definição do lugar tem como consequência o fato de que é

impensável um lugar fora do Universo, e que não há um lugar

em que o Universo esteja situado:

[ …] quando se prescinde do Universo inteiro, não há nenhuma outra coisa

fora do todo; por isso todas as coisas estão no céu, pois se entende que o céu é o

todo! O lugar, ao contrário, não é o céu, mas, por assim dizer, a extremidade do

céu, e ele é [limite imóvel] contíguo ao corpo móvel; por isso a terra está na

água, que está no ar, que por sua vez está no éter, o éter do céu; mas o céu não

14
é, na verdade, uma outra coisa.

Assim, o movimento do céu como totalidade só será possível

num sentido: o da circularidade sobre si mesmo, não havendo

possibilidade de translação. Note-se que tudo que se move está

em um lugar (e se move tendendo a chegar a seu lugar

natural); aquilo que é imóvel não está em um lugar; portanto,

Deus e as inteligências motrizes não necessitam

estruturalmente do lugar.
Dessa definição de lugar deriva também a impossibilidade

do vazio. O vazio era entendido como “lugar em que não há

15
nada”, ou “lugar desprovido de corpo”. Mas é evidente que,

dada a definição de lugar como terminus continentis, um lugar

em que não há nada é uma contradição em termos. Dessa

forma, desaparece o pressuposto axial sobre o qual os

atomistas construíram sua doutrina dos átomos e a concepção

mecanicista do Universo.

O tempo

Aristóteles dedicou análises aprofundadas ao conceito de

tempo. Elas antecipam até alguns conceitos que santo

16
Agostinho iria desenvolver e celebrizar.

Eis o ponto focal da doutrina aristotélica do tempo:

Seria possível suspeitar que o tempo simplesmente não existe, ou que sua

existência é obscura e com dificuldade observável pelo seguinte motivo: uma

parte dele foi e não é mais, uma parte está para ser e não é ainda. E dessas partes

se compõem o tempo em sua infinitude ou aquele que percebemos

gradualmente. Pode parecer impossível que, compondo-se de não-entes, ele

possua uma essência. Além disso, se há um todo divisível em partes, a partir do

momento em que ele existe, é necessário que todas as partes existam também,

ou pelo menos algumas delas. No entanto, algumas partes do tempo existiram,

outras estão para existir, mas nenhuma existe, embora ele seja divisível em

partes. Deve-se ter presente também que o instante não é uma parte; de fato, a

parte tem uma medida, e o todo deve ser composto de partes, enquanto o

17
tempo não parece um conjunto de instantes.

O que é, então, o tempo? Aristóteles tenta resolver o mistério

em função de dois pontos de referência: o movimento e a alma.

Quando se prescinde de um ou do outro, a natureza do tempo

nos escapa.

Entretanto, o tempo não é movimento e mudança, mas

implica essencialmente movimento e mudança:

A existência do tempo [ …] não é possível sem a existência da mudança;

quando não mudamos nada em nosso ânimo, ou não percebemos nenhuma

18
mudança, temos a impressão de que o tempo realmente não passou.

Como o tempo está em estreita relação com o movimento,

ele pode ser tomado como uma afecção ou propriedade deste.

Que propriedade seria essa? O movimento, que sempre é

movimento por um espaço contínuo, por conseguinte, é


contínuo; portanto, igualmente contínuo deve ser o tempo,

pois a quantidade do tempo transcorrido é sempre

proporcional ao movimento. No contínuo distinguem-se o

antes e o depois, que, por conseguinte, têm um correspondente

no movimento, e, portanto, no tempo. Ora,

[ …] quando determinamos o movimento por meio da distinção entre antes e

depois, conhecemos também o tempo. Então dizemos que o tempo cumpre seu

19
percurso quando temos a percepção do antes e do depois no movimento.

Daí a célebre definição: “Tempo é o número do movimento

20
segundo o antes e o depois.”

Ora, a “percepção” do antes e do depois, e, portanto, do

número do movimento, pressupõe necessariamente a alma:

Quando [ …] pensamos as extremidades como diferentes do meio, e a alma nos


sugere que os instantes são dois, ou seja, o antes e o depois, então dizemos que

entre esse dois instantes há um tempo, já que o tempo parece aquilo que é

21
determinado pelo instante; que isso permaneça como fundamento.

Mas se a alma é o princípio espiritual numerante, e,

portanto, a condição de distinção entre o numerado e o

número, então a alma passa a ser a conditio sine qua non do

próprio tempo, e compreende-se perfeitamente a aporia que

Aristóteles sugere nessa passagem de incomensurável

importância histórica:

É possível [ …] questionar se o tempo existe ou não sem a existência da alma.

Com efeito, não se admitindo a existência do numerante, fica impossível

também a do numerável, de modo que, obviamente, nem haveria o número.

Na verdade, número é aquilo que foi numerado, ou o numerável. Mas se é

verdade que, na natureza das coisas, apenas a alma ou o intelecto que está na alma

têm a capacidade de numerar, daí resulta impossível a existência do tempo sem a

22
existência da alma.

Trata-se de um pensamento fortemente antecipador da

perspectiva agostiniana e das concepções espiritualistas do

tempo, que só recentemente recebeu dos estudiosos a aten-ção

merecida.

Aristóteles determinou em seguida que, para medir o tempo,

deve haver uma unidade de medida, assim como é necessária

uma unidade de medida para mensurar qualquer coisa. Deve-

se buscar tal unidade no movimento uniforme e perfeito; e

posto que o único movimento uniforme e perfeito é o circular,


a unidade de medida é o movimento das esferas e dos corpos

celestes. Deus e as inteligências motoras, que estão fora do

espaço, estão também, em sua condição de imobilidade, fora

do tempo.

O infinito

23
Enfim, devemos falar do conceito de infinito. Aristóteles

nega que exista um infinito em ato. Quando fala de infinito,

entende sobretudo “corpo” infinito, e os argumentos que

apresenta contra a existência do infinito em ato são

precisamente contra a existência de um corpo infinito. O

infinito existe apenas como potência ou em potência. Infinito

em potência é, por exemplo, o número, pois sempre é possível

acrescentar a qualquer número outro número sem chegar a

um limite extremo além do qual não se possa avançar. Infinito

em potência é também o espaço, pois ele é divisível ao infinito,

e o resultado da divisão é sempre uma grandeza que, enquanto

tal, é sempre posteriormente divisível. Infinito potencial, por

fim, é também o tempo, pois não pode existir todo junto em

ato, mas se desenvolve e cresce infinitamente.

Aristóteles não entreviu nem de longe a ideia de que o

infinito pudesse ser o imaterial, justamente porque relacionava

o infinito à categoria da quantidade, que vale apenas para o

sensível. Isso explica também por que ele acabou por

referendar de modo definitivo a ideia pitagórica (e, em geral,

própria de quase todo o pensamento helênico) de que o finito é

perfeito e o infinito é imperfeito. Escreve Aristóteles em uma

página paradigmática:

Infinito é [ …] aquilo fora do qual, quando se assume como quantidade,

sempre é possível assumir alguma outra coisa. Em contrapartida, aquilo fora do

qual não há nada é perfeito e inteiro. Pois assim definimos o inteiro: aquilo a

que nada falta; por exemplo, o homem inteiro e o cofre inteiro. Assim como no

particular, ele o é também no mais autêntico significado lógico, ou seja, inteiro

é aquilo fora do qual não há nada; mas aquilo fora do qual há alguma coisa que

lhe falta não é o todo, não importa o que lhe falte. Em contrapartida, o inteiro e

o perfeito são a mesma coisa em tudo e por tudo, ou alguma coisa semelhante

por natureza. Contudo, nenhuma coisa que não tenha um fim é perfeita, e o

24
fim é o limite.
Essa passagem permite compreender muito bem a razão pela

qual Aristóteles deve necessariamente negar a Deus o atributo

de infinitude. Mais que nunca, depois dessa teorização do

infinito como potencialidade e imperfeição, a antiga intuição

dos jônicos, de Melisso e de Anaxágoras, em que o Absoluto

era infinito, teria de ser obliterada; ela se manteria excêntrica

em relação ao pensamento de toda a cultura grega, e teve de

esperar a descoberta de novos horizontes metafísicos para

renascer.

A “quinta-essência” e a divisão entre mundo sublunar e

mundo celeste

Aristóteles dividiu a realidade sensível em duas esferas

nitidamente diferenciadas entre si (já na época do tratado

Sobre a filosofia): de um lado, o mundo sublunar; do outro, o

mundo supralunar, ou celeste, como mencionamos ao falar de

metafísica. Agora cabe esclarecer as razões dessa distinção.

O mundo sublunar é caracterizado por todas as formas de

mudança, entre as quais predominam a geração e a corrupção.

Os céus, ao contrário, são caracterizados exclusivamente pelo

movimento local e, de forma mais exata, pelo movimento

circular. Nas esferas celestes e nos astros não há lugar para

geração, corrupção, alteração, aumento ou diminuição (em

todas as idades, os homens viram os céus assim como nós o

vemos; portanto, a própria experiência diz que eles são sempre

iguais e nos leva a concluir que jamais nasceram; e, assim

como nunca nasceram, são também indestrutíveis). A

diferença entre esfera supralunar e esfera sublunar, ambas

igualmente sensíveis, reside apenas na matéria diversa de que

são constituídas:

Se existe algo que é eternamente movido, nem mesmo isso pode ser movido

segundo a potência, mas apenas de um ponto a outro (justamente como se

movem os céus). E nada impede que exista uma matéria própria desse tipo de

movimento. Por isso o Sol, os astros e todo o céu estão sempre em ato; não se

deve temer que eles parem em algum momento, como temem os físicos. Eles

também não se cansam de percorrer sua rota, pois seu movimento não é, como

o das coisas corruptíveis, ligado à potência dos contrários, o que tornaria

25
fatigante a continuidade do movimento.
Essa matéria, que é potência dos contrários, é dada pelos

quatro elementos (terra, água, ar e fogo), que Aristóteles,

contra o eleata Empédocles, considera transformáveis um no

outro, de maneira a explicar a geração e a corrupção de modo

mais profundo que aquele filósofo. Por outro lado, a outra

matéria — que possui apenas a potência de passar de um

ponto a outro, e que, portanto, só pode receber o movimento

local — é o éter, assim chamado porque corre sempre (ajei;

26
Jei~n) e que recebeu a denominação de “quinta substância”

porque vem se somar às quatro substâncias dos outros

elementos (água, ar, terra e fogo). Enquanto o movimento

característico dos outros quatro elementos é retilíneo (os

pesados movem-se de cima para baixo, os leves, de baixo para

cima), o movimento do éter, ao contrário, é circular (ele não é

nem pesado nem leve). Não está sujeito a geração, corrupção,

nem a acréscimo e alteração ou outras afecções que impliquem

tais mudanças; é por esse motivo que os céus, constituídos por

ele, também são incorruptíveis. Essa convicção de Aristóteles

iria perdurar ao longo de todo o pensamento medieval, e a

distinção entre mundo sublunar e mundo supralunar só viria

abaixo, com o pressuposto que a sustentava, com a chegada da

era moderna.

Dissemos no início que a física aristotélica (assim como

grande parte de sua cosmologia) é, na verdade, uma metafísica

do sensível. Portanto, o leitor não deve se espantar ao constatar

que a Física está cheia de considerações metafísicas e culmina

com a demonstração da existência de um Motor Primeiro

Imóvel. Radicalmente convencido de que “se não houvesse o

eterno, não haveria sequer o devir”, o Estagirita coroou suas

investigações físicas com a demonstração da existência desse

princípio. Mais uma vez, o resultado da “segunda navegação”,

de que Platão fala em Fédon, se mostra absolutamente

27
determinante.

NOTAS
1. Cf. Metaph. e 1, 1.025 b 18 ss.

2. Sobre o conceito aristotélico de natureza, cf. O. Hamelin, Aristote, “Physique ii”,

Paris, 1931; e A. Mansion, Introduction à la “Physique” aristotélicienne,

Louvain/Paris, 1945, p. 92 ss.


3. Cf. Phys. G 1, 201 a 10 ss; Metaph. k 9, 1.065 b 33.

4. Cf. Phys. G 1-2; Metaph. k 9.

5. Cf. Phys. a 5 ss; e 1-2.

6. Cf. Phys. b., em parte 7-8.

7. Phys. b 4-6, sobre o qual cf. Mansion, op. cit., p. 292-314.

8. Cf. Phys. D, passim.

9. Phys. D 1, 208 b 6 ss. A tradução dos trechos citados é de A. Russo. Aristóteles, La

Fisica, Laterza, Bari, 1968 (agora também em Aristóteles, Opere, Roma/Bari,

1973).

10. Phys. D 1, 208 b 19-21.

11. Phys. D 2, 209 b 31 ss.

12. Phys. D 4, 211 a 34 ss e 212 a 5 ss.

13. Phys. D 4, 212 a 14-21.

14. Phys. D 5, 912 b 16-22.

15. Phys. D 7, 213 b 31 e 33.

16. Temos um exame exaustivo da doutrina aristotélica do tempo em J.-M. Dubois,

Le temps et l’instant selon Aristote, Paris, 1967. Cf. também L. Ruggiu, Tempo

coscienza e essere nella filosofia di Aristote, Brescia, 1968.

17. Phys. D 10, 218 b 32-218 a 8.

18. Phys. D 11, 218 b 21-23.

19. Phys. D 11, 219 a 22-25.

20. Phys. D 11, 219 b 1 ss.

21. Phys. D 11, 219 a 26-30.

22. Phys. D 14, 223 a 21-26 (grifo nosso).

23. Cf. Phys. G 4-8.

24. Phys. G 6, 207 a 7-15.

25. Metaph. Q 8, 1.050 b 20-27.

26. De caelo a 3, 270 b 22 ss.

27. Para uma interpretação moderna da física aristotélica, em grande parte antitética

à nossa, ver W. Wieland, Die aristotelische Physik, Göttingen, 1962.


IV.

A PSICOLOGIA: ANÁLISE DE DE ANIMA

Conceito aristotélico de alma

A física aristotélica não indaga apenas a natureza em geral e

seus princípios, o Universo físico e sua estrutura, mas também

os seres que estão no Universo: os inanimados, os animados

desprovidos de razão e os seres animados e dotados de razão (o

homem). O Estagirita dedica atenção especial aos seres

animados, escrevendo sobre eles uma grande quantidade de

tratados, entre os quais se destaca, por profundidade,

originalidade e valor especulativo, o célebre Sobre a alma, que

examinaremos a seguir (a maior parte dos outros tratados

contém doutrinas que interessam mais à história da ciência

1
que à história da filosofia).

Os seres animados se diferenciam dos inanimados porque

possuem um princípio que lhes dá vida. Esse princípio é a

alma. Mas o que é a alma?

Para responder à pergunta, Aristóteles toma como base sua

concepção metafísica hilemórfica da realidade. Todas as coisas

em geral são sínolos de matéria e de forma; a matéria é

potência, enquanto a forma é enteléquia, ou ato. Isso também

vale para os seres vivos. Ora, observa o Estagirita, os corpos

vivos têm vida, mas não são vida; portanto, são como um

substrato material e potencial do qual a alma é forma e ato.

Escreve Aristóteles:

Necessariamente, portanto, a alma é substância, entendida como forma de um

corpo natural que tem vida em potência. Mas a substância (entendida como

forma) é ato perfeito. A alma, portanto, é ato perfeito de um corpo do gênero

2
especificado.

E ainda:

[ …] a alma é ato perfeito primeiro de um corpo natural que tem vida em

potência. [
3
…] Posto que devemos dar uma definição geral válida para toda
4
alma, ela poderia ser o ato perfeito primeiro de um corpo natural orgânico.

Essa simples definição já deixa bem claro que a psyché

aristotélica apresenta características novas, seja em relação à

psyché dos pré-socráticos, identificada em grande parte com o

princípio físico, ou pelo menos reduzida a um aspecto deste,

seja em relação à psyché platônica, tão dualisticamente

contraposta ao corpo a ponto de ser vista como diversa e

incapaz de conciliação harmônica com um corpo, visto como

cárcere e local de expiação da alma. (Depois do Fédon, Platão

passará a entender a alma como princípio de movimento,

temperando, mas não superando de todo, sua posição

original). Aristóteles assume uma posição intermediária,

unificando os dois primeiros pontos de vista, tentando fazer

deles uma síntese mediadora — como, aliás, na solução de

todos os problemas especulativos. Têm razão os pré-socráticos,

que veem a alma como algo intrinsecamente ligado ao corpo;

mas Platão está certo quando identifica na alma um princípio

formal. Não se trata, porém, de uma realidade autônoma e não

conciliável com o corpo, mas da forma, do ato ou da enteléquia

do corpo; trata-se, portanto, daquele princípio inteligível que,

estruturando o corpo, faz com que ele seja aquilo que deve ser.

Desse modo, salva-se a unidade do ser vivente.

Mas, assim como foi recuperada na metafísica pela doutrina

do Motor Imóvel, a substancial descoberta platônica da

transcendência também não se perde na psicologia, dado que

Aristóteles não considera a alma absolutamente imanente. O

pensar puro, o especular que leva ao conhecimento do

imaterial e do eterno (que leva o homem, ainda que por breves

instantes, a quase tangenciar o divino), não pode deixar de ser

uma prerrogativa de alguma coisa em nós que é congênere ou

tem afinidade com o conhecido, como Platão havia

demonstrado de maneira definitiva no Fédon. Assim, mesmo

pagando o preço das aporias sem solução, Aristóteles não

hesita em afirmar a necessidade de que uma parte da alma seja

“separável” do corpo.

Eis as passagens mais significativas a respeito disso:


É claro, portanto, que a alma não é separável do corpo, ou, pelo menos — se

por natureza ela é divisível —, que algumas de suas partes não o são; o ato

perfeito de algumas de suas partes é o ato perfeito das correspondentes partes

do corpo. Mas nada impede que pelo menos algumas outras partes sejam

5
separáveis, pois não são ato perfeito de nenhum corpo.

E um pouco mais adiante:

Em relação ao intelecto e à faculdade especulativa, em certo sentido, nada é

claro; parece, contudo, que se trata de outro gênero de alma, e que esse gênero

só pode se separar do corpo como o eterno do corruptível. Daí resulta que as

outras partes da alma não podem ser separadas, como pretendem alguns

6
pensadores.

Também na Metafísica, ele diz claramente, como já sabemos:

Se, ademais, resta alguma coisa depois da corrupção da substância composta,

este é um problema que ainda precisa ser examinado. Nada o impede para

alguns seres, como por exemplo a alma: não a alma toda, mas apenas a alma

7
intelectiva; toda, seria impossível.

A tripartição da alma

Contudo, para entender profundamente o sentido dessas

afirmações, cumpre examinar primeiro a doutrina geral da

alma e o sentido da célebre tríplice distinção das “partes” ou

“funções” da alma. Platão já havia mencionado, desde a

República, três “partes” ou “funções” da psyché, distinguindo

uma alma concupiscível, uma alma irascível, uma alma

intelectiva. Mas essa tripartição, nascida fundamentalmente da

análise do comportamento ético do homem e introduzida para

explicá-lo, pouco tem em comum com a tripartição

aristotélica, que nasceu, ao contrário, da análise geral dos seres

vivos e de suas funções, portanto, num terreno mais biológico

que psicológico.

Como os fenômenos da vida — raciocina Aristóteles —

supõem determinadas operações constantes nitidamente

diferenciadas (a tal ponto que algumas podem subsistir em

alguns seres sem as que lhes são sucessivas), então a alma, que

é princípio de vida, também deve ter capacidades, funções ou

partes que governam e regulam essas operações. Pois bem,

como os fenômenos e as funções fundamentais da vida são: a)

de caráter vegetativo, como nascimento, nutrição, crescimento;

b) de caráter sensitivo motor, como sensação e movimento; c)


de caráter intelectivo, como conhecimento, deliberação e

escolha — e são assim pelas razões antes expostas —,

Aristóteles introduz a distinção entre: a) alma vegetativa; b)

alma sensitiva; c) alma intelectiva, ou racional. Escreve o

Estagirita: “As mencionadas faculdades da alma podem ser

encontradas [ …] em sua totalidade em alguns seres, em

outros, apenas em parte, e em outros, ainda, em número de

8
uma só.” As plantas possuem apenas a alma vegetativa; os

animais, a vegetativa e a sensitiva; os homens, a vegetativa, a

sensitiva e a racional. Para possuir a alma racional, o homem

deve possuir as outras duas, assim como o animal, para possuir

a sensitiva, deve possuir a vegetativa. Mas é possível possuir

apenas a alma vegetativa, sem as demais:

Entre os seres corruptíveis, aqueles que são dotados de razão possuem também

todas as outras faculdades; mas, ao contrário, entre aqueles que possuem

apenas uma delas, nem todos possuem a faculdade de raciocinar, e alguns não

têm sequer imaginação, enquanto outros vivem apenas com ela. No que diz

9
respeito ao intelecto especulativo, o raciocínio é diferente.

Portanto, entre as três almas há antes uma distinção que

uma separação. Escreve Ross:

[ …] a divisão que a alma admite não é uma divisão em partes qualitativamente


diferentes, mas em partes que possuem, cada uma delas, a qualidade do todo.

Embora Aristóteles não diga isso, a alma é de fato homeômera, como um

tecido, não como um órgão. E embora use com frequência a expressão

10
tradicional “parte da alma”, a palavra que prefere é “faculdade”.

Observação exata. Porém, como veremos, se por um lado

esclarece algumas coisas, por outro acentua a aporia de outras;

em particular, torna aporética a relação da alma intelectiva

com as demais. Aliás, é o próprio Aristóteles quem enfatiza, na

passagem citada, que a questão é diferente quando se trata do

intelecto especulativo.

Examinemos cada uma das três funções da alma.

A alma vegetativa

A alma vegetativa é o princípio mais elementar da vida; como

os fenômenos mais elementares da vida, conforme já dissemos,

são geração, crescimento e nutrição, a alma vegetativa é o

princípio que os governa. Fica assim nitidamente superada a


explicação que os naturalistas davam para os processos vitais.

A causa do crescimento não é o fogo, nem o calor, nem a

matéria, em geral; o fogo e o calor são no máximo causas

contribuintes, não a verdadeira causa. Em todo processo de

nutrição e de crescimento está presente uma regra ou lei que

proporciona grandeza e crescimento, coisa de que o fogo é

estruturalmente incapaz, e que seria inexplicável sem algo além

do fogo, isto é, sem a alma. Assim, também é impossível

explicar o fenômeno da nutrição pelo jogo mecânico de

relação entre elementos semelhantes (como queriam alguns)

ou entre certos elementos contrários; a nutrição é a assimilação

do dessemelhante que só a alma torna possível, por meio do

calor:

Posto que há três coeficientes — aquilo que é nutrido, aquilo de que se nutre e

aquilo que o nutre —, aquilo que nutre é a alma, aquilo que é nutrido é o corpo

11
que possui essa alma, aquilo de que se nutre é o alimento.

Por fim, a alma vegetativa governa a reprodução, alvo de

todas as formas de vida finita no tempo. Na verdade, toda

forma de vida, até a mais elementar, é feita para a eternidade,

não para a morte. Mesmo o mais modesto dos vegetais, ao se

reproduzir, busca o eterno, e a alma vegetativa é o princípio

que torna possível, no nível mais baixo, a perpetuação na

eternidade.

A alma sensitiva

Além das funções examinadas no item anterior, os animais

possuem sensações, apetites e movimento. Portanto, é preciso

supor outro princípio que governe tais funções; esse princípio

é a alma sensitiva.

Vamos começar pela primeira função da alma sensitiva: a

sensação, que, entre as três, em certa medida, é a mais

importante e, sem dúvida, a mais característica.

Alguns dos antecessores de Aristóteles explicavam a sensação

como uma afecção, paixão ou alteração que o semelhante sofre

por obra do semelhante (ver, por exemplo, Empédocles ou

Demócrito), ao passo que outros a viam como uma ação que o

semelhante sofre por obra do dessemelhante. Aristóteles toma


essas formulações como ponto de partida e vai além, buscando

mais uma vez a chave para interpretar a sensação na doutrina

metafísica da potência e do ato. Possuímos faculdades

sensitivas que não são capazes de receber sensações em ato,

apenas em potência. Elas são como o combustível, que só

queima em contato com o comburente. Assim, a faculdade

sensitiva, em contato com o objeto sensível, deixa de ser

simples capacidade de sentir para se transformar em sentir em

ato.

Todo ente sofre e é movido pela ação de um agente e do agente que está em ato.

Por isso tanto sofre a ação do semelhante quanto sofre a ação do dessemelhante

— como afirmamos. Na realidade, ele sofre a ação do dessemelhante, mas,

12
depois de tê-la sofrido, torna-se semelhante.

E ainda:

A faculdade sensitiva é, em potência, aquilo que o sensível já é em ato perfeito,

conforme dissemos. Ela sofre, portanto, porque não é semelhante; mas, uma

13
vez que sofreu sua ação, torna-se semelhante e é como ele.

Por isso diz muito bem Ross:

A sensação não é uma alteração comparável à simples substituição de um

estado por seu oposto, mas à realização de uma potência, ao avanço de alguma

14
coisa para si mesma e para a atuação.

Mas — perguntaremos — o que significa afirmar que a

sensação é um tornar-se semelhante ao sensível? Não se trata,

evidentemente, de um processo de assimilação parecido com o

que tem lugar na nutrição; na assimilação da nutrição,

assimila-se também a matéria, enquanto na sensação só a

forma é assimilada. Escreve Aristóteles:

Para qualquer percepção em geral, é preciso ter presente que o sentido é o

receptáculo das formas sensíveis sem a matéria, como a cera recebe a marca do

anel, mas não o ferro e o ouro, ou seja, recebe a marca áurea e férrea, mas não

como ouro e ferro. De maneira análoga, o sentido sofre a ação de cada ente que

tem calor, sabor ou som, porém, não quando se considera cada um desses entes

como coisa particular, mas apenas enquanto ele possui essa qualidade, e em

15
virtude da forma.

Em seguida, o Estagirita examina os cinco sentidos e os

sensíveis que são próprios a cada um deles. Quando um

sentido capta o sensível próprio, então a relativa sensação é

infalível. Além dos sensíveis próprios, há também os sensíveis

comuns, como movimento, repouso, figura e grandeza, por


exemplo, que não são percebidos por nenhum dos cinco

sentidos em particular, mas podem ser percebidos por todos:

[ …] não pode haver um órgão sensorial próprio dos sensíveis comuns, que

percebemos acidentalmente, a cada sensação particular; esses são movimento,

repouso, grandeza, número, unidade, que percebemos por meio de um

movimento; por um movimento percebemos, por exemplo, uma grandeza, e

portanto uma figura, pois a figura é uma determinada grandeza, enquanto o

ente em repouso é percebido por sua falta de movimento; o número, pela

negação da continuidade e por meio dos sensíveis próprios, dado que cada

16
sentido percebe uma só ordem de sensíveis.

Tendo em mente esses esclarecimentos, pode-se falar de um

“sentido comum” (e Aristóteles efetivamente fala), que é como

um sentido “geral” não específico, ou, melhor, é o sentido que

age de maneira não específica, como os estudiosos observaram

com propriedade. Em primeiro lugar, na passagem citada,

percebe-se muito bem que a sensação capta os sensíveis

comuns de modo não específico. Além disso, sem dúvida,

pode-se falar de sentido comum a propósito do sentido do

sentir ou da percepção do sentir, ou ainda quando

distinguimos ou comparamos os sensíveis entre si.

Com base nessas distinções, Aristóteles estabelece que os

sentidos são infalíveis quando captam os objetos que lhes são

próprios, mas apenas nesse caso. Eis o famoso trecho que

formula essa doutrina:

A percepção dos sensíveis próprios é verdadeira ou comporta o mínimo

possível de erro. Em segundo lugar vem a percepção do objeto em que tais

qualidades sensíveis se inserem acidentalmente; nesse caso, o engano já é

possível, dado que ninguém se engana ao distinguir que o sensível é branco,

mas pode se enganar ao distinguir se branco é um determinado ente ou outro.

Em terceiro lugar vem a percepção dos sensíveis comuns, [ …] e cito, por

exemplo, movimento e grandeza; é sobretudo a respeito deles que o sentido

17
pode se enganar.

Da sensação derivam a “fantasia”, que é produção de

imagens, e a “memória”, que as conserva (e do acúmulo de

fatos mnemônicos deriva a “experiência”).

As outras duas funções da alma sensitiva que mencionamos

no início deste item são o apetite e o movimento. O apetite

nasce em consequência da sensação:

As plantas só possuem a faculdade nutritiva; outros seres, ao contrário,

possuem, além dela, a sensitiva. Mas, se possuem a sensitiva, têm também a


apetitiva, pois apetite é desejo, ardor e vontade. Todos os animais têm pelo

menos um sentido: o tato; por outro lado, onde há sensação, há prazer e dor, há

prazeroso e doloroso, e quem os sente tem também o desejo, que é o apetite do

18
prazeroso.

O movimento dos seres viventes, enfim, deriva do desejo: “O

19
motor é um princípio único: a faculdade apetitiva”, e o

20
desejo é “uma espécie de apetite”. O desejo é movido pelo

objeto desejado que o animal capta pela sensação ou que, de

todo modo, se apresenta de forma sensível. Portanto, apetite e

movimento dependem intimamente da sensação.

A alma racional

Como a sensibilidade não é redutível à simples vida vegetativa

e ao princípio da nutrição, mas contém um plus que só pode

ser explicado quando se introduz um princípio ulterior, ou

seja, a alma sensitiva, também o pensamento e as operações a

ele ligadas, como a escolha racional, são irredutíveis à vida

sensitiva e à sensibilidade, pois contêm um plus que só se

explica com a introdução de um princípio ulterior: a alma

racional. É dela que falaremos agora.

O ato intelectivo é análogo ao ato perceptivo à medida que é

uma recepção ou assimilação de formas inteligíveis, assim

como esse último é uma assimilação da forma sensível, mas

difere profundamente da faculdade perceptiva, pois não é

misturado ao corpo e ao corpóreo. Eis o modo como

Aristóteles caracteriza o intelecto, numa das mais elevadas

páginas que jamais brotaram de sua pena, na qual a antiga

intuição de Anaxágoras ganha forma definitiva — graças às

categorias emprestadas de Platão — e, por conseguinte, é

assimilada como uma conquista irreversível.

Sobre a parte com a qual a alma conhece e pensa — seja ela algo separado ou

não separável espacialmente, mas apenas idealmente —, é preciso ver quais

características possui e como se produz o pensar. Ora, se o pensar tem algo a

ver com o sentir, isso deve ser o fato de sofrer algo por parte do pensado, ou

alguma coisa do gênero. Mas então, a rigor, ele não deve sofrer nada, mas

apenas acolher a forma e tornar-se, em potência, semelhante à coisa, mas não

efetivamente a própria coisa; em suma, a relação do pensante com o pensado

deve ser semelhante à do senciente com o sentido. Em consequência, é preciso

que o intelecto, posto que pensa tudo, esteja isento de qualquer mistura —

como Anaxágoras diz que deve ser — a fim de que possa “dominar”, ou seja, a
fim de que possa conhecer. Qualquer coisa estranha que se apresentasse no

meio atuaria como um obstáculo e um impedimento; sendo assim, o intelecto

não pode ter nenhuma natureza, exceto esta: a de ser potencialidade. Portanto,

aquilo que na alma chamamos Noûs (assim entendo aquilo com que a alma

pensa e opina) não é, em ato, nenhuma das realidades existentes antes de seu

efetivo pensar. Por isso não é razoável que ele seja misturado ao corpo, porque

logo iria adquirir certa qualidade, e seria frio ou quente, ou seria um

instrumento de certa espécie, como é o órgão do sentido. Ora, ao contrário,

nada disso acontece. E têm razão aqueles que dizem que a alma é o lugar das

formas ideais, salvo que isso não pode ser dito de toda a alma, mas apenas da

alma pensante, e que as formas ideais nela não existem em ato, mas só em

potência. Claro que a imunidade, no que diz respeito a sofrer ações, não é igual

no caso das faculdades inteligente e senciente, quando consideramos os órgãos

do sentido e a própria sensação. Se a perceptibilidade daquilo que é percebido

sensivelmente for muito intensa, o sentido não pode sentir; assim, os sons

demasiado fortes são indistinguíveis, o mesmo valendo para as cores demasiado

luminosas e para os odores muito acentuados. Todavia, quando o intelecto

pensa um pensamento que se encontra no nível mais alto da capacidade de

pensar, isso não significa que ele tem menos capacidade de pensar as coisas de

menor relevância: ao contrário, tem mais. Pois o órgão do sentido não existe

sem o corpo, enquanto a inteligência existe por si mesma. Quando, desse

modo, a inteligência torna-se todas as coisas, tal como ocorre com aquele que é

denominado sábio quando transforma sua capacidade em ato (e isso acontece

quando seu atuar-se só depende dele mesmo), também neste caso ela é de certo

modo potencial, embora não no sentido anterior, de ter apreendido e

21
descoberto. Assim, então, o intelecto pode pensar por si mesmo.

O conhecimento intelectivo, como o sensitivo, também é

explicado por Aristóteles em função das categorias metafísicas

de potência e ato. A inteligência, de per si, é capacidade e

potência de conhecer as formas puras; as formas, por sua vez,

estão contidas em potência nas sensações e nas imagens da

imaginação. É necessário, portanto, que alguma coisa traduza

essa dupla potencialidade em ato, de modo que o pensamento

se atualize, apreendendo a forma em ato, e a forma contida na

imagem se converta em conceito apreendido e possuído em

ato.

Assim surgiu aquela distinção que se tornou fonte de

inúmeros problemas e debates, na Antiguidade e na Idade

Média, entre intelecto em potência (ou possível) e intelecto

agente, segundo uma terminologia que se tornará técnica, mas

que em Aristóteles só é técnica virtualmente. Eis a página que

apresenta a distinção e que permanecerá como ponto de

referência constante durante séculos:


Como em toda a natureza há um elemento que é matéria e é próprio de cada

gênero (sendo, em potência, todos os objetos que constituem o gênero), e

outro elemento que é a causa eficiente, dado que produz todos eles (como a

arte atua em relação à matéria), é necessário que também na alma haja esses

elementos diversos. De um lado está o intelecto, que tem a potencialidade de

ser todos os objetos; do outro, o intelecto que produz todos eles, quase como se

fosse um estado semelhante à luz, pois, em certo sentido, a luz transforma em

ato as cores que estavam só em potência. Esse intelecto é separado, impassível e

sem mistura, pois, em sua essência, é ato. Na verdade, o agente é sempre

superior ao paciente, e o princípio, à matéria. A ciência em ato é idêntica a seu

objeto; a ciência em potência, no indivíduo, é (quanto ao tempo) anterior; mas,

em termos absolutos, não é anterior sequer em relação ao tempo. Não é que

esse intelecto às vezes pense, às vezes não pense. Separado [do corpo], ele é

22
justamente apenas aquilo que é, e isso é imortal e eterno.

Duas afirmações contidas nesse trecho merecem destaque.

Em primeiro lugar, a comparação com a luz: assim como as

cores não seriam visíveis, e a vista não poderia distingui-las se

não houvesse a luz, também as formas inteligíveis, contidas nas

imagens sensíveis, permaneceriam em estado potencial; o

intelecto em potência também não as poderia captar em ato se

não houvesse uma luz inteligível, permitindo ao intelecto “ver”

o inteligível e permitindo ao inteligível ser visto em ato. Trata-

se de uma imagem, a mesma com que Platão representou a

suprema Ideia do Bem. Contudo, para explicar a mais elevada

das faculdades humanas, Aristóteles só podia lançar mão de

uma analogia, justamente porque essa faculdade é irredutível a

algo ulterior e representa um ponto-limite intransponível.

A outra afirmação é a de que esse intelecto em ato (ou

agente) está “na alma”. Caem, portanto, as explicações já

defendidas pelos antigos intérpretes de que o Intelecto agente é

Deus (ou, de todo modo, um Intelecto divino separado), o

qual, entre outras coisas, como vimos, tem características

estruturalmente inconciliáveis com as do intelecto agente. É

verdade que Aristóteles afirma que “o intelecto vem de fora, e

23
só este é divino”, enquanto as faculdades inferiores da alma

já estão em potência no germe masculino e passam, por

intermédio dele, para o novo organismo que se forma no

ventre materno; mas é também verdade que, mesmo vindo “de

fora”, ele permanece na alma (ejn th/~ ynch/~) durante toda a

vida do homem. O “vir de fora” do intelecto significa,

portanto, sua transcendência, no sentido de diferença por


natureza; ou seja, significa alteridade essencial em relação ao

corpo — representa a proclamação da dimensão

metaempírica, suprassensível e espiritual que existe em nós. É

o divino em nós.

No entanto, se o intelecto agente não é Deus, ele espelha as

características do divino, sobretudo sua absoluta

impassibilidade, como diz textualmente o Estagirita:

Mas acredita-se que o intelecto é gerado como uma substância particular e que

não perece. De fato, se perecesse, teria sido destruído sobretudo pelo

enfraquecimento da velhice; e, nessas condições, sem dúvida, aconteceria o

mesmo que ocorre com os órgãos sensoriais; se o velho recuperasse a

integridade dos olhos, veria da mesma forma que um jovem. Pois a velhice se

deve a uma afecção que não é da alma, mas do ser em que essa alma está

encerrada, como se verifica nos estados de embriaguez e de doença. Tanto a

atividade teórica quanto a atividade especulativa esmorecem quando outra

parte do corpo, no interior, começa a enfraquecer; porém, o intelecto em si

mesmo é impassível. Meditar, amar ou odiar não são afecções suas, mas do

24
composto, e o intelecto, com certeza, é algo mais divino e é impassível.

Como na Metafísica, uma vez estabelecido o conceito de

Deus com as características que vimos, Aristóteles não pôde

resolver as numerosas aporias que a concepção comportava,

também aqui, uma vez estabelecido o conceito do espiritual

que está em nós, ele não conseguiu superar as aporias que dele

derivavam.

Esse intelecto é individual? Como pode vir “de fora”? Que

relação tem com nossa personalidade e com nosso eu? E com

nosso comportamento moral? Ele tem um destino

escatológico? Qual o sentido de sua sobrevivência ao corpo?

Estas são questões que Aristóteles deixou sem resolver, e estão

estruturalmente destinadas a ficar sem resposta no contexto do

discurso aristotélico, depois que ele abandonou o componente

mítico-religioso platônico que havia acolhido nos primeiros

escritos. Para que fossem enfrentadas, sobretudo para que

fossem resolvidas racionalmente de maneira adequada, elas

exigiriam a elaboração do conceito de criação, que, como

sabemos, é estranho não só a Aristóteles, mas a toda a cultura

grega.

NOTAS
1.Para uma leitura aprofundada dessas obras, indicamos F. A. Trendelen-burg,

Aristotelis “De anima”, libri tres, Berlim, 1877 (cujo comentário ainda é

fundamental; reed. Graz, 1957); G. Rodier, Aristote, “Traité de l’âme”, Paris, 1900;

P. Siwek, Aristotelis “De anima”, libri tres, Roma, 1943-1946; J. Tricot, Aristote,

“De l’âme”, Paris, 1947; D. Ross, Aristotle, “De anima”, Oxford, 1961.

2. De an. b 1, 312 a 19-22. A tradução que citamos é a de A. Barbieri (Aristóteles,

L’anima, Laterza, Bari, 1957), na qual, contudo, faremos algumas correções.

3. De an. b 1, 312 a 27 ss.

4. De an. b 1, 412 b 5 ss.

5. De an. b 1, 413 a 4-7.

6. De an. b 2, 413 b 24-29.

7. Metaph. D 3, 1.070 a 24-26.

8. De an. b 3, 414 a 29-31.

9. De an. b 3, 415 a 6-12.

10. W. D. Ross, Aristotle, Londres, 1923; trad. ital., Aristotele, Bari, 1949, p. 198.

11. De an. b 4, 416 b 20-23.

12. Ibid., b 5, 417 a 17-20.

13. Ibid., b 5, 418 a 3-6.

14. Ross, Aristotele, p. 202; cf. De an. b 5, 417 b 6 e 16.

15. De an. b 12, 424 a 17-24 (cf. Trendelenburg, op. cit., p. 337 ss).

16. De an. G 1, 425 a 14-20.

17. De an. G 3, 428 b 18-25.

18. Ibid., b 3, 414 a 32-414 b 6.

19. De an. G 10, 433 a 19 ss.

20. De an. G 10, 433 a 25 ss.

21. De an. G 4, 429 a 10-429 b 10 (a tradução desta página, particularmente eficaz, é

de G. Calogero, Storia della logica ântica, i, Bari, 1967, p. 289).

22. De an. G 5, 430 a 10-23.

23. De genr. anim. b 3, 736 b 27 ss.

24. De an. a 4, 408 b 18-29.


V.

A FILOSOFIA MORAL: ANÁLISE DA ÉTICA A

NICÔMACO

Relações entre ética e política

Na sistematização aristotélica do saber, as ciências práticas,

como vimos, vêm em segundo lugar, depois das ciências

teóricas. Elas são hierarquicamente inferiores às teóricas na

medida em que nelas o saber deixa de ser um fim em si

mesmo, no sentido absoluto, pois está subordinado e de certa

maneira submetido à atividade prática. Essas ciências práticas

dizem respeito efetivamente à conduta dos homens e também

ao objetivo que eles pretendem alcançar com essa conduta,

quer sejam considerados como indivíduos, quer como

membros de uma sociedade, mais precisamente, da sociedade

política. Aristóteles, aliás, denomina “política” (e também

“filosofia das coisas do homem”), em geral, a ciência que

abarca a atividade moral dos homens tanto como indivíduos

quanto como cidadãos. Em seguida, ele subdivide essa

“política” (ou “filosofia das coisas do homem”),

respectivamente, em ética e política propriamente dita (teoria

do Estado).

Nessa subordinação da ética à política, há uma influência

clara, determinante, da doutrina platônica, a qual, de resto,

dava forma paradigmática à concepção tipicamente helê-nica

de que só se pode entender o homem como cidadão e que situa

a cidade acima tanto da família quanto do indivíduo singular:

o indivíduo existe em função da cidade, não a cidade em

função do indivíduo. Eis o que Aristóteles diz expressamente:

Se o bem é idêntico para o indivíduo e para a cidade, parece mais importante e

mais perfeito escolher e defender o bem da cidade. Sem dúvida, o bem também

é desejável quando diz respeito a uma só pessoa, mas é mais belo e mais divino

1
quando se refere a um povo e às cidades.
Portanto, cabe à política uma função arquitetônica, ou seja,

de comando; compete a ela determinar “que ciências são

necessárias na cidade, quais cada um deve aprender e até que

ponto”. É bem verdade, porém, que, como destacaram alguns

estudiosos, à medida que Aristóteles avança em sua Ética, as

relações entre indivíduo e Estado ameaçam ruir. Contudo, esse

fato, em si mesmo importantíssimo, não é enfrentado por

Aristóteles no plano da consciência crítica. Ele não chega a

extrair as consequências que, levadas a seu limite, poderiam

derrubar a abordagem geral da “filosofia das coisas do

homem”. Os condicionamentos histórico-culturais pesaram

mais que as conclusões especulativas, e a pólis continuou a ser

para o Estagirita, fundamentalmente, o horizonte que engloba

os valores do homem.

O bem supremo do homem: a felicidade

Em suas várias ações, o homem tende sempre para fins

precisos, que se configuram como bens. Ora, há fins e bens que

desejamos, tendo em vista outros fins e bens futuros, e que,

portanto, são fins e bens relativos. Porém, como é impensável

um processo que leva de um fim a outro e de um bem a outro

até o infinito (pois isso destruiria até os próprios conceitos de

bem e de fim, que implicam estruturalmente um término),

devemos pensar que todos os fins e bens para os quais tende o

homem existem em função de um fim último e de um bem

supremo.

Qual é esse bem supremo? Aristóteles não tem dúvida: todos

os homens, sem distinção, consideram que esse bem é a

eudaimonia, ou seja, a felicidade.

A felicidade, portanto, é o fim para o qual tendem,

consciente e declaradamente, todos os homens. Mas o que é a

felicidade? Aqui começam as divergências: a multidão não

pensa igual aos letrados e os próprios letrados divergem entre

si.

A maioria dos homens acredita que a felicidade consiste no

prazer e no gozo. Mas uma vida dedicada aos prazeres é uma


vida que torna os homens “semelhantes aos escravos”, é uma

2
“existência digna de animais”.

As pessoas mais evoluídas e mais cultas situam o bem

supremo e a felicidade na honra. E buscam a honra sobretudo

aqueles que se dedicam ativamente à vida política. No entanto,

este não pode ser o fim último que todos buscamos, pois,

como observa acertadamente Aristóteles, trata-se de algo

externo: “A honra parece depender antes de quem a confere do

que de quem a recebe; nós, ao contrário, consideramos que o

3
bem é algo de individual e inalienável.” Ademais, os homens

não buscam tanto a honra por si mesma, mas como prova e

reconhecimento público de sua própria bondade e virtude,

que, portanto, demonstram ser algo mais importante que a

honra.

Se os tipos de vida dedicados aos prazeres ou à busca de

honras, mesmo inadequados pelas razões expostas, têm uma

aparente plausibilidade, o mesmo não se pode dizer da vida

consagrada ao acúmulo de riquezas, que, na opinião de nosso

filósofo, não tem sequer essa plausibilidade aparente:

A vida [ …] dedicada ao comércio é algo que vai contra a natureza, e é evidente


que a riqueza não é o bem que procuramos; de fato, ela tem em vista apenas o

4
ganho, não passa de um meio para alcançar outra coisa.

É bem verdade que os prazeres e as honras são buscados por

si mesmos, mas não as riquezas; a vida dedicada ao acúmulo de

riquezas, por conseguinte, é a mais absurda e a mais

inautêntica, pois está voltada para a busca de coisas que valem

no máximo como meios, nunca como fins.

Mas o bem supremo do homem também não pode ser

aquilo que Platão e os platônicos indicaram como tal, ou seja,

a Ideia do Bem ou o transcendente Bem-em-si, pois, nesse caso,

é evidente que não seria realizável ou alcançável pelo homem.

Não se trata, portanto, de um bem transcendente, mas de um

bem imanente; não pode ser um bem já definitivamente

realizado, mas realizável e adquirível pelo homem e para o

homem. (Para Aristóteles, o bem não é uma realidade única e

unívoca, mas, como vimos em relação ao conceito de ser, é

plurívoco, diverso nas diferentes categorias e diverso nas


diferentes realidades que pertencem a cada categoria, embora

sempre ligado por uma relação de analogia.)

Mas qual é o bem supremo realizável pelo homem?

A resposta de Aristóteles está em perfeita harmonia com a

concepção singularmente helênica da areté, sem a qual seria

inútil tentar compreender plenamente a construção ética do

nosso filósofo.

O bem do homem só pode consistir na “obra” que lhe é

peculiar, ou seja, aquela obra que ele e só ele sabe realizar,

assim como, em geral, o bem de cada coisa consiste na obra

que é peculiar a essa coisa. A obra do olho é ver, a obra do

ouvido é ouvir, e assim por diante. E a obra do homem? Ela a)

não pode ser o simples viver, posto que o simples viver é

próprio também de todos os seres vegetais; b) tampouco pode

ser o sentir, posto que é comum também aos animais; c) nada

mais resta senão concluir que a obra peculiar do homem é a

obra da razão e a atividade da alma segundo a razão. Logo, o

verdadeiro bem do homem consiste nessa “obra”, ou

“atividade”, da razão, mais exatamente, nas perfeitas

explicação e atuação de tal atividade. Essa é, portanto, a

“virtude do homem”, e é nela que se encontra a felicidade.

Em consequência, e como já havia feito no Protréptico,

Aristóteles afirma:

Assim sendo, o bem próprio do homem é a atividade da alma em

conformidade com a virtude; se as virtudes são muitas, segundo a melhor e

mais perfeita. Isso vale também para uma vida completa. Se uma só andorinha,

ou um só dia, não faz verão, tampouco um só dia, ou um breve tempo,

5
proporciona beatitude ou felicidade.

Aristóteles adere à doutrina socrático-platônica que via a

essência do homem na alma, mais precisamente, na parte

racional da alma, no intelecto. Somos a nossa razão e o nosso

espírito. O homem bom, diz Aristóteles, “[ …] age mediante a


parte racional de si mesmo, que parece constituir cada um de

6
nós”. E ainda: “Está claro, portanto, que cada um de nós é

sobretudo intelecto, e que a pessoa moralmente idônea ama o

7
intelecto acima de tudo.” Enfim: “Se esta [a alma racional,

em particular, a parte mais elevada dessa alma, ou seja, o


intelecto] é a parte dominante e melhor, tudo parece indicar

8
que cada um de nós consiste propriamente nela.”

Como esse é o fundamento próprio da ética socrático-

platônica, não é de admirar que, ao aceitar o fundamento,

Aristóteles acabe por concordar com Sócrates e Platão bem

mais do que em geral se acredita. Os valores autênticos,

também para o Estagirita (como já destacamos), não poderiam

ser os exteriores (como a riqueza), que apenas tangenciam o

homem; nem os corporais (como os prazeres), que não se

referem ao verdadeiro eu do homem, mas apenas aos prazeres

da alma, posto que o verdadeiro homem é a alma: “Tendo,

portanto, repartido o bem em três grupos, os chamados bens

exteriores, os da alma e os do corpo, devemos dizer que os

bens relacionados à alma são os principais e os mais perfeitos.”

9
Os verdadeiros bens do homem são os bens espirituais, que

consistem na virtude de sua alma; e é na virtude que reside a

felicidade. Quando falamos de virtude humana, não nos

referimos de modo algum às virtudes do corpo — como

esclarece Aristóteles, de modo inequívoco —, mas às da alma,

e afirmamos que a felicidade é uma atividade própria da alma.

O socrático “cuidado da alma” é, também para Aristóte-les,

o caminho, a única via que leva à felicidade. No entanto, ao

contrário de Sócrates e sobretudo de Platão, Aristóteles

considera indispensável também ser dotado o suficiente de

bens exteriores e de meios de fortuna; na verdade, se a

presença deles não traz felicidade, ausentes, eles podem frustrá

—la ou comprometê-la (pelo menos em parte). Essa

reavaliação parcial dos bens exteriores vem se associar a certa

reavaliação do prazer, que, para Aristóteles, coroa a vida

virtuosa e é como uma consequência necessária, da qual a

virtude é o antecedente.

Dedução da “virtude” das “partes da alma”

A felicidade é definida, portanto, como atividade da alma

conforme à virtude. Fica evidente, então, que qualquer

aprofundamento posterior do conceito de “virtude” depende

de um aprofundamento do conceito de alma. Ora, como


vimos, segundo Aristóteles, a alma se divide em três partes:

duas irracionais (a alma vegetativa e a alma sensitiva) e uma

racional (a alma intelectiva). Como cada uma dessas partes

tem uma atividade que lhe é peculiar, cada qual tem também

sua virtude peculiar, ou excelência. Contudo, a virtude

humana é apenas aquela em que intervém a atividade da razão.

a) A alma vegetativa é comum a todos os seres vivos: “A

virtude de tal faculdade consiste em algo comum a todos os

10
seres, não especificamente ao homem.”

b) Diverso, no entanto, é o discurso a respeito da alma

sensitiva e concupiscível, a qual, mesmo sendo de per si

11
irracional, “ainda participa de certo modo da razão”. Fica

claro, então, que há uma virtude dessa parte da alma que é

especificamente humana e que consiste em dominar, por assim

dizer, tais tendências e impulsos que são, de per si,

imoderados; é isso que o Estagirita chama de “virtude ética”.

c) Enfim, posto que também há em nós uma alma

puramente racional, deve haver também uma virtude peculiar

a essa parte da alma, que será a “virtude dianoética”, ou seja, a

virtude racional.

As virtudes éticas

Vamos começar pelo exame da virtude ética, ou, melhor, das

virtudes éticas, pois elas são numerosas, tantas quantos são os

impulsos e sentimentos que a razão deve moderar. As virtudes

éticas derivam em nós do hábito. Somos potencialmente

capazes, por natureza, de formá-las e, por meio do exercício,

traduzir essa potencialidade em ato. Realizando

sucessivamente atos justos, nós nos tornamos justos, ou seja,

adquirimos a virtude da justiça, que depois permanece em nós

de maneira estável, como um habitus que mais tarde irá nos

ajudar a realizar atos de coragem. E assim por diante. Em

suma, para Aristóteles, as virtudes éticas são aprendidas da

mesma maneira que aprendemos as várias artes, que são, elas

também, “hábitos”.
Esse discurso, embora esclarecedor, ainda não toca o cerne

da questão; diz como adquirir e em seguida possuir tais

virtudes, mas ainda não diz em que consistem as virtudes. Qual

é a natureza comum a todas as virtudes éticas? O Estagirita

responde com precisão: jamais existirá virtude quando houver

excesso ou falta, ou seja, quando houver demais ou de menos;

virtude implica, ao contrário, uma justa proporção, o meio-

termo entre dois excessos. Escreve Aristóteles:

Em qualquer coisa, seja ela homogênea ou divisível, é possível distinguir o mais,

o menos e o igual, tanto em relação à própria coisa quanto em relação a nós

mesmos; o igual é um meio-termo entre o excesso e a escassez. Assim, chamo

de posição intermediária em relação a uma coisa aquela que dista na mesma

medida de cada um dos extremos, e ela é única e idêntica em todas as coisas;

chamo de posição intermediária em relação a nós aquilo que não excede nem

falta; esta, no entanto, não é única nem igual para todos. Por exemplo:

tomando-se o dez como quantidade excessiva e o dois como quantidade

escassa, o seis aparecerá como o meio-termo em relação à coisa; esse é o meio-

termo segundo a proporção numérica. Contudo, o meio-termo em relação a

nós não deve ser interpretado da mesma forma; se, para determinada pessoa,

comer dez unidades de alimento é demais e comer duas é pouco, isso não

significa que o professor de ginástica deve ordenar que coma seis, pois essa

ração ainda pode ser muito ou muito pouco, dependendo de quem vai recebê-

la: para Milo (que era um atleta excepcional) seria pouco, mas para um atleta

principiante seria demais. Pode-se dizer o mesmo em relação à corrida ou à

luta. Assim, cada pessoa que tem ciência evita o excesso e a escassez, busca o

meio-termo e a ele dá preferência; o meio-termo não é estabelecido em relação

12
à coisa, mas em relação a nós.

Mas — perguntaremos —, ao tratar das virtudes éticas, a

que se referem o “excesso”, a “escassez” e o “meio-termo”

mencionados? Referem-se — esclarece Aristóteles — a

sentimentos, paixões e ações. A virtude ética, portanto, é o

meio-termo entre os dois extremos da paixão, que se

produzem por escassez ou por excesso. É óbvio, para todos os

que compreenderam bem essa doutrina aristotélica, que a

posição intermediária não é a mediocridade e tampouco é sua

antítese; o “justo meio” está nitidamente acima dos extremos e

representa, por assim dizer, sua superação, portanto, como

bem diz Aristóteles, um “ápice”, ou seja, o ponto mais elevado

da perspectiva do valor, já que marca a afirmação da razão

sobre o irracional: “[ …] em relação à sua essência e à razão que


estabelece sua natureza, a virtude é uma posição intermediária;
mas, em relação ao bem e à perfeição, ela ocupa o lugar mais

13
elevado”.

Temos aqui quase uma síntese de toda aquela sabedoria

grega que encontrou sua expressão mais típica nos poetas

gnômicos e nos Sete Sábios, e que apontou mais de uma vez o

meio-termo, o nada em demasia, a justa medida, como regra

suprema do agir moral, regra que é como uma chave

paradigmática do modo de sentir helênico. Temos também a

assimilação da lição pitagórica, que situava a perfeição no

limite (o péras); e sobretudo um eco preciso do conceito de

“justa medida”, que teve grande importância especialmente no

último Platão.

A doutrina da virtude ética como “justo meio” entre dois

extremos é ilustrada por uma ampla análise das principais

virtudes éticas (ou, melhor, daquelas que o grego de então

considerava essenciais), naturalmente não deduzidas segundo

um fio condutor preciso, mas empírica e quase

rapsodicamente elencadas. A virtude da coragem é o “justo

meio” entre os excessos de temeridade e de covardia; a

coragem, desse modo, é a justa medida imposta ao sentimento

de medo que, quando desprovido de controle racional, pode

degenerar, na escassez, em covardia e, no excesso, em

temeridade. A temperança é o “justo meio” entre os excessos

de intemperança ou devassidão ou de insensibilidade; a

temperança, portanto, é o comportamento justo que a razão

impõe diante de determinados prazeres. A liberalidade é o

“justo meio” entre a avareza e a prodigalidade; a liberalidade,

assim, é o comportamento justo que a razão impõe em relação

ao uso do dinheiro — e assim por diante.

Entre as virtudes éticas, o Estagirita não hesita em apontar a

justiça como a mais importante (e dedica todo o quinto livro à

análise desse ponto). Num primeiro sentido, a justiça é o

respeito à lei do Estado; e como a lei do Estado (do Estado

grego) abarca toda a área da vida moral, a justiça, nesse

sentido, compreende de certo modo toda a virtude. “Por isso”,

comenta Aristóteles, antecipando a célebre proposição da

Crítica da razão prática, de Kant, “a justiça é muitas vezes


considerada a maior das virtudes, e ‘nem Vésper nem a estrela-

d’alva’ são tão admiráveis. Como diz o provérbio, na justiça

14
estão compreendidas todas as virtudes juntas.” Mas o

significado específico da justiça, que Aristóteles analisa com

acurácia, diz respeito à repartição de bens, vantagens e ganhos.

A justiça, entendida nesse sentido, consiste na justa medida

com que se devem repartir benefícios, vantagens e ganhos, ou

males e desvantagens, e ela consiste numa posição

intermediária “porque é característica do justo meio, enquanto

15
a injustiça é característica dos extremos”.

De maneira geral, as abundantes e requintadas análises sobre

os vários aspectos de cada virtude ética que Aristóte-les

empreende permanecem, no máximo, num plano apenas

fenomenológico. Pode-se dizer, aliás, que muitas vezes as

convicções morais da sociedade a que pertencia exerceram

uma influência decisiva sobre ele — como, por exemplo, no

caso da descrição da magnanimidade, que deveria ser uma

espécie de coroação das virtudes, mas, ao contrário,

transforma-se numa pesada hipoteca que o gosto da época

impõe à doutrina aristotélica.

As virtudes dianoéticas

Acima das virtudes éticas, segundo Aristóteles, estão as outras,

que, como mencionamos, são as virtudes da parte mais elevada

da alma, ou seja, da alma racional; são, portanto, virtudes

dianoéticas, ou virtudes da razão. E posto que duas são as

partes ou funções da alma racional — uma que conhece as

coisas contingentes e variáveis, outra que conhece as coisas

necessárias e imutáveis —, logicamente haverá uma perfeição,

ou virtude, da primeira e uma perfeição, ou virtude, da

segunda. Essas duas partes da alma racional são basicamente a

razão prática e a razão teórica, e as respectivas virtudes são as

formas perfeitas com as quais se apreendem a verdade prática e

a verdade teórica.

A virtude típica da razão prática é a “sensatez” (phrónesis),

enquanto a virtude típica da razão teórica é a “sabedoria”

(sophía).
A “sensatez” consiste em conseguir governar corretamente a

vida do homem, ou seja, saber deliberar a respeito do que é

bom ou mau para o homem. Esta, diz Aristóteles, é “uma

capacidade prática acompanhada do raciocínio verdadeiro

16
sobre aquilo que é bom ou mau para o homem”. Para uma

compreensão exata da doutrina aristotélica, é importante

observar que a phrónesis, ou sensatez, ajuda a deliberar

corretamente a respeito dos verdadeiros objetivos do homem,

no sentido de que aponta os meios capazes de atingir os fins

verdadeiros; ou seja, ajuda a identificar e obter as coisas que

levam a tais fins, mas não indica nem determina os próprios

fins. Os verdadeiros fins e o objetivo verdadeiro são

apreendidos pela virtude, que dirige a vontade de modo

correto. Eis o que Aristóteles diz: “A obra humana se cumpre

pela sensatez e pela virtude ética; a virtude aponta a retidão dos

17
propósitos, enquanto a sensatez torna os meios corretos.”

É evidente, portanto, que as virtudes éticas e a virtude

dianoética da sensatez estão ligadas entre si numa via de mão

dupla. Eis o que afirma Aristóteles: “a) não é possível ser

virtuoso sem a sensatez; b) não é possível ser sensato sem a

18
virtude ética”.

A outra virtude dianoética, a mais elevada, é, como

dissemos, a sabedoria (sophía). Ela é constituída pela

apreensão intuitiva dos princípios por meio do intelecto, ou

pelo conhecimento discursivo das consequências que derivam

desses princípios. A sabedoria é uma virtude mais elevada que

a sensatez porque esta última diz respeito ao homem e,

portanto, também a tudo que há nele de mutável; a sabedoria

diz respeito àquilo que está acima do homem. O homem é o

melhor dos seres viventes; contudo, diz Aristóteles,

[ …] há outras coisas muito mais divinas; para ficar só nas mais visíveis, há os

astros que compõem o Universo. Por tudo o que foi dito, é evidente que a

sabedoria é ao mes-mo tempo ciência e intelecto das coisas mais elevadas por

19
natureza.

A perfeita felicidade

De vez que, como vimos no início, a felicidade é uma atividade

conforme à virtude, agora está claro em que ela consiste. Em


primeiro lugar, consiste na atividade do intelecto conforme a

sua virtude; o intelecto é aquilo que há de mais elevado em

nós, e a atividade do intelecto é atividade perfeita,

autossuficiente, tem em si o próprio fim, pois tende ao

conhecimento em si. Na atividade de contemplação intelectiva o

homem atinge o ápice de suas possibilidades e põe em ato o

que há de mais alto em si. Escreve Aristóteles:

[ …] se a atividade do intelecto, que é contemplativa, parece superior em

dignidade, além de não contemplar nenhum outro fim senão ela mesma — o

fim de ter em si o seu próprio prazer perfeito (que intensifica a atividade), de

ser autossuficiente, fácil e ininterrupta, na medida das possibilidades do

homem —, também parece que todas as qualidades atribuídas aos homens

felizes se encontram nessa atividade; então ela será a felicidade perfeita do

homem, desde que perdure pela vida inteira, pois, de fato, nada do que diz

respeito à felicidade pode ser incompleto. No entanto, uma vida assim será

superior à natureza do homem; pois não é por ser homem que ele viverá dessa

maneira, mas porque tem em si algo de divino; e na mesma medida em que esse

algo supera a estrutura composta do homem, também sua atividade superará a

atividade conforme às outras virtudes. Se, portanto, o intelecto é algo de divino

em comparação com a natureza do homem, também a vida conforme ao

intelecto será divina se comparada à vida humana. Porém, não se deve dar

ouvido àqueles que aconselham que, sendo homens, devemos nos ater às coisas

humanas; e, sendo mortais, às coisas mortais; devemos, antes, tanto quanto

possível, agir como imortais e tudo fazer para viver segundo a parte mais

elevada que temos em nós, pois, ainda que ela seja pequena em tamanho,

20
supera em muito todo o resto em potência e valor.

Em segundo lugar vem então a vida conforme às virtu-des

éticas. Elas dizem respeito à estrutura composta do homem e,

enquanto tal, só podem proporcionar uma felicidade humana.

A felicidade da vida contemplativa, ao contrário, de certa

forma, leva para além do humano; realiza, por assim dizer,

uma tangência à divindade cuja vida só pode ser

contemplativa. Escreve textualmente Aristóteles:

Portanto, a atividade do deus, que excele em bem-aventurança, será

contemplativa. Então, entre as atividades humanas, aquela que tiver maior

afinidade com ela será mais capaz de produzir felicidade. Prova disso é o fato de

que todos os outros seres vivos não participam da felicidade, pois são

completamente desprovidos dessa faculdade. Na verdade, para os deuses, toda a

vida é bem-aventurada; porém, para os homens, ela o é apenas à medida que

puderem ter uma atividade semelhante àquela; nenhum outro ser vivente é feliz,

pois de modo algum participa da especulação. Logo, tanto quanto se estender a

especulação também irá se estender a felicidade; naqueles em que a especulação

é maior, a felicidade também será maior; isso não acontece por acaso, mas
graças à especulação: ela tem valor em si. Assim, a felicidade é uma espécie de

21
especulação.

Psicologia do ato moral

Sócrates reduziu as virtudes à ciência e ao conhecimento e

negou que o homem pudesse querer ou fazer voluntariamente

o mal. Platão em grande medida compartilhou essa concepção;

e, embora tivesse identificado forças irracionais no espírito

humano — a alma concupiscível e a alma irascível —, capazes

de se opor à alma racional, sempre acreditou que a virtude

humana consiste no domínio da razão e na submissão das

forças irracionais à razão por meio da força da própria razão,

pois para ele a virtude era sempre, em última análise, razão.

Aristóteles tenta superar essa interpretação “intelectualista” do

fato moral. Como bom realista que era, percebeu muito bem

que uma coisa é conhecer o bem, outra é pô-lo em ato, realizá-

lo e transformá-lo, por assim dizer, em substância das próprias

ações; e tratou de determinar mais de perto quais seriam os

complexos processos psíquicos que o ato moral pressupõe.

Em primeiro lugar, ele esclarece o que entende por “ações

involuntárias” e “ações voluntárias”. Involuntárias são aquelas

realizadas por imposição ou por ignorância das circunstâncias;

voluntárias são aquelas “em que o princípio motor está em

quem age, se ele conhece as circunstâncias particulares em que

22
a ação se desenvolve”.

No entanto, se até esse ponto tudo parece lógico, de repente

a perspectiva muda, pois Aristóteles inclui entre as ações

voluntárias também as que foram ditadas pela impetuosidade,

pela ira e pelo desejo; portanto, chama de voluntárias as ações

das crianças (e até de outros animais, posto que têm origem

neles próprios, logo, dependem deles). É evidente que, nesse

sentido, “voluntárias” são as ações simplesmente espontâneas,

que se originam nos sujeitos que as realizam, não coincidindo

com aquelas a que nós, modernos, damos esse nome.

Mas o Estagirita prossegue na análise e mostra que os atos

humanos, além de “voluntários” no sentido mencionado, são

determinados por uma “escolha” (proaíresis); e afirma que esta


parece “uma coisa essencialmente própria da virtude e mais

23
apta que as ações para julgar os costumes”. De fato, a

escolha não pertence à criança ou ao animal, mas apenas ao

homem que raciocina e reflete. A “escolha” sempre implica

raciocínio e reflexão, precisamente aquele tipo de raciocínio e

reflexão concernente às coisas e às ações que dependem de nós

e que participam da ordem dos realizáveis. Aristóte-les chama

esse tipo de raciocínio e reflexão de “deliberação”. A diferença

entre deliberação e escolha é a seguinte: a deliberação

estabelece quais e quantos são os vários meios e as várias ações

que cabe acionar para atingir determinados fins; estabelece

toda a série de coisas que cumpre realizar para chegar a

determinado fim, desde as mais remotas até as mais próximas

e imediatas; a escolha age sobre estas últimas, descartando as

irrealizáveis e pondo em ato as que considera realizáveis.

Assim, escreve Aristóteles:

O objeto da deliberação e o objeto da escolha são a mesma coisa, salvo que o

objeto da escolha já foi determinado, pois o que se escolhe é aquilo que já foi

decidido pela deliberação. Na verdade, todos deixam de indagar como devem

agir quando fizeram voltar a si mesmos, à parte de si mesmos que comanda, o

24
princípio da ação: é essa que decide.

Muitos estudiosos acreditaram ver nessa passagem aquilo

que chamamos de “vontade”, pois a escolha é um apetite ou

um desejo deliberado; portanto, não é somente desejo ou

apetite, nem somente razão. Por infortúnio, quando se tenta

aprofundar a posição de Aristóteles, ela se revela

extremamente ambígua e esquiva. Na verdade, ele nega de

modo expresso que a escolha possa se identificar à vontade

(boúlesis), pois a vontade diz respeito apenas aos fins,

enquanto a escolha (assim como a deliberação) diz respeito aos

meios. Então, se é verdade que a escolha é aquilo que nos

transforma em autores de nossas ações, responsáveis por elas,

ela não é o que nos torna verdadeiramente bons, pois só os fins

a que nos propomos alcançar podem ser bons, enquanto a

escolha (assim como a deliberação) refere-se apenas aos meios.

Assim, o princípio primeiro, aquele do qual depende nossa

moralidade, está antes na volição do fim.


E o que é a volição do fim? Das duas, uma: ou é uma

tendência infalível para o bem, para aquilo que é

verdadeiramente o bem, ou é uma tendência para aquilo que

nos parece o bem. No primeiro caso, é evidente que a escolha

incorreta jamais será voluntária, mas, como dizia Sócrates, será

uma espécie de ignorância, um erro, um equívoco. No

segundo caso, seria preciso concluir que “aquilo que se deseja

não é desejado por natureza, mas é desejado segundo o que

parece bom a cada um. Como, para uns, uma coisa parece boa,

enquanto para outros outra coisa parece boa, se assim fosse, o

25
desejado poderiam ser coisas contrárias”: isso significaria

que ninguém seria considerado bom ou mau; ou, o que dá no

mesmo, todos seriam bons porque todos fariam o que lhes

parece bem. Aristóteles acredita que pode sair desse dilema do

seguinte modo:

[ …] devemos dizer que o objeto da vontade no sentido absoluto e verdadeiro é


o bem, mas, para cada um de nós em particular, o objeto da vontade é aquilo

que parece bem; para quem é virtuoso, o que é verdadeiramente bom; para

quem é vicioso, qualquer coisa; assim como, no caso dos corpos, as coisas

verdadeiramente saudáveis o são para os corpos bem-dispostos, enquanto para

os enfermos, ao contrário, outras coisas é que são saudáveis; o mesmo vale em

relação às coisas amargas, doces, quentes, pesadas e assim por diante. Quem é

virtuoso avalia corretamente todas as coisas, e em cada uma delas a verdade lhe

aparece. Na realidade, para cada disposição de caráter, são belas e agradáveis as

coisas que a ela se adaptam, e talvez o homem virtuoso seja diferente dos outros

sobretudo porque é capaz de distinguir a verdade em cada coisa, sendo ele

mesmo norma e medida dessas coisas. Na maioria dos homens, porém, o

engano vem do prazer, que parece bom, mas na verdade não o é. Por isso eles

26
escolhem o agradável como um bem e evitam o doloroso como um mal.

Se é assim, contudo, estamos andando em círculos: para me

tornar e ser bom devo desejar os fins bons, mas só serei capaz

de reconhecê-los se eu for bom. A verdade é que Aristóteles

entendeu muito bem que somos responsáveis por nos-sas

ações, causas de nossos próprios atos morais, causas do

próprio modo como as coisas nos parecem ser moralmente;

mas não soube dizer por que isso é assim e qual é, dentro de

nós, a raiz de tudo isso. Ou seja, não soube determinar

corretamente a verdadeira natureza da vontade e do livre-

arbítrio. Isso explica por que, mesmo reprovando Sócrates, ele

retoma por vezes as posições socráticas, afirmando, por

exemplo, que o incontinente erra, pois, no momento em que


comete a ação de incontinência, não tem perfeita consciência;

e que o conhecimento é determinante no que diz respeito ao

agir moral. Explica também por que Aristóteles chega inclusive

a dizer que, quando um homem se torna vicioso, não pode

mais deixar de sê-lo, embora antes fosse possível não se tornar

27
vicioso.

Contudo, é justo reconhecer que, sem obter êxito completo,

Aristóteles entreviu melhor que todos os seus antecessores que

o fato de ser bom ou mau depende de algo que existe dentro de

nós, que não consiste em simples desejo irracional, mas que

tampouco é razão pura. Essa alguma coisa, contudo, lhe

escapa, e ele não consegue determiná-la. Aliás, devemos

reconhecer objetivamente que nenhum grego conseguiria esse

feito, e que o homem ocidental só iria entender a vontade e o

livre-arbítrio com o advento do cristianismo.

NOTAS
1.Eth. Nic. a 2, 1.094 b 7-10 (a tradução dos trechos da Ética a Nicômaco que

citaremos aqui são de A. Plebe, Laterza, Bari, 1957, hoje também em Aristóteles,

Opere, op. cit.).

2. Eth. Nic. a 5, 1.095 b 20.

3. Eth. Nic. a 5, 1.095 b 24-26.

4. Eth. Nic. a 5, 1.096 a 5-7.

5. Eth. Nic. a 7, 1.098 a 12-20.

6. Eth. Nic. i 4, 1.166 a 16 ss.

7. Eth. Nic. i 8, 1.169 a 2 ss.

8. Eth. Nic. k 7, 1.178 a 2 ss.

9. Eth. Nic. a 8, 1.098 b 12-15.

10. Eth. Nic. a 13, 1.102 b 2 ss.

11. Eth. Nic. a 13, 1.102 a 13 ss.

12. Eth. Nic. b 6, 1.106 a 26-1.106 b 7.

13. Eth. Nic. b 6, 1.107 a 6-8.

14. Eth. Nic. e 1, 1.129 b 27-30.

15. Eth. Nic. e 5, 1.133 b 32-1.134 a 1.

16. Eth. Nic. z 5, 1.140 b 4-6.

17. Eth. Nic. z 12, 1.144 a 6-9.

18. Eth. Nic. z 13, 1.144 b 31-33.

19. Eth. Nic. z 7, 1.141 a 34-1.141 b 2 (em que nos afastamos da tradução de Plebe).
20. Eth. Nic. k 7, 1.177 b 19-1.178 a 2.

21. Eth. Nic. k 8, 1.178 b 21-32.

22. Eth. Nic. G 1, 1.111 a 22-24.

23. Eth. Nic. G 2, 1.111 b 5 ss. (Divergimos de Plebe na interpretação do termo

proaivresi~, que, a nosso ver, não se expressa apropriadamente como

“proposição”, mas traduz-se melhor como “escolha”, vocábulo muito mais claro e

mais de acordo com o original grego.)

24. Eth. Nic. G 3, 1.113 a 2-7 (afastamo-nos parcialmente da tradução de Plebe).

25. Eth. Nic. G 4, 1.113 a 20 ss.

26. Eth. Nic. G 4, 1.113 a 23, 1.113 b 2.

27. Cf. Eth. Nic. G 5, passim.


VI.

A DOUTRINA DO ESTADO: ANÁLISE DA POLÍTICA

Conceito de Estado

Vimos que, para o Estagirita, embora o bem singular do

indivíduo e o bem do Estado tenham a mesma natureza (posto

que ambos consistem na virtude), o bem do Estado é mais

importante, mais nobre, mais perfeito e mais divino. A razão

disso reside na própria natureza do homem, ao demonstrar

com clareza que ele é absolutamente incapaz de viver isolado e

que precisa, para ser ele mesmo, estabelecer relações com seus

semelhantes em todos os momentos de sua existência.

Em primeiro lugar, a natureza distinguiu os homens em

machos e fêmeas, que se unem para formar a primeira

comunidade, a família, para procriação e satisfação das

necessidades elementares (para Aristóteles, o núcleo familiar

incluiria também o escravo que, como veremos, é escravo por

natureza).

Como as famílias não bastam a si mesmas, surgiu a aldeia,

que é uma comunidade mais ampla, criada para garantir as

necessidade da vida de modo orgânico e sistemático.

Se a família e a aldeia são suficientes para garantir as

necessidades básicas da vida em geral, elas não bastam para

assegurar as condições da vida perfeita, ou seja, da vida moral.

Essa forma de vida, que bem poderíamos chamar de espiritual,

só pode ser assegurada pelas leis, pelas magistraturas e, em

geral, pela complexa organização de um Estado. É no Estado

que o indivíduo, instado pelas leis e pelas instituições políticas,

é levado a deixar seu egoísmo e a viver não mais segundo o

subjetivamente bom, porém, segundo o verdadeira e

objetivamente bom. Assim, o Estado, que cronologicamente é

último, torna-se primeiro do ponto de vista ontológico, pois se

configura como o “todo” do qual a família e a aldeia são as


“partes”, e, ontologicamente, o todo precede as partes, pois

somente o todo dá sentido a elas. Assim, só o Estado dá

sentido às outras comunidades e só ele é autossuficiente. Eis o

que diz Aristóteles: “Quem for incapaz de fazer parte de uma

comunidade, quem não precisa de nada, bastando-se a si

1
mesmo, é uma besta ou um deus, não uma parte da cidade.”

O cidadão

Em primeiro lugar, Aristóteles analisa a família e os problemas

da administração familiar. E aqui o filósofo se deixa realmente

condicionar pelas estruturas sociopolítico-culturais de seu

tempo, a ponto de ir contra seus próprios princípios

metafísicos. Ele repete o preconceito grego segundo o qual a

mulher é “por natureza” inferior ao homem porque possui

menos “razão” que ele. Reitera também o preconceito segundo

o qual há homens escravos “por natureza” — seriam aqueles

homens em que o instinto e a sensibilidade predominam sobre

a razão (os escravos, para Aristóteles, eram tão necessários

quanto os animais domésticos, indispensáveis para os serviços

relativos às necessidade do corpo, aos quais um homem “livre”

2
não deve se dedicar). Posto que Aristóteles, sempre

condicionado pelos preconceitos helênicos, considera que,

entre os bárbaros, ao contrário do que acontece entre os

gregos, o instinto e a sensibilidade predominam sobre a razão,

ele também considera “justo” e “natural” que os bárbaros

sejam submetidos aos gregos e se tornem escravos deles,

quando capturados em guerra.

Bem mais razoáveis, embora dentro dos limites das

condições econômicas de seu tempo, são as observações de

Aristóteles acerca da administração da família e da aquisição

de riquezas. Uma economia saudável deve fornecer o

necessário para se viver; portanto, deve compreender apenas as

atividades naturais (caça, pecuária e agricultura) ou a troca,

excluindo qualquer comércio e qualquer atividade que tenha

como base o dinheiro, pois esta objetiva o aumento

indiscriminado das riquezas. Uma economia baseada nessas

últimas atividades perderia de mira o verdadeiro propósito do

viver e acabaria fatalmente dedicando-se à produção de bens


materiais, em vez de usá-los para a vida. Esta seria

3
transformada em meio, deixando de ser um fim.

Da análise da família Aristóteles passa (depois de pesadas

4
críticas ao comunismo platônico) ao exame do Estado, sem

aprofundar as questões relacionadas à aldeia (que, como

vimos, era o segundo elemento constitutivo do Estado). A

propósito, como muitos já notaram, ele apresenta a questão de

um ponto de vista diferente. Como o Estado é composto de

cidadãos, trata-se de estabelecer quem é o cidadão.

Para ser cidadão de uma cidade, não basta residir em seu

território, nem gozar do direito de impetrar uma ação judicial,

nem sequer ser descendente de cidadãos. Para ser cidadão é

necessário “participar dos tribunais e das magistraturas”, é

preciso fazer parte da administração da justiça e da assembleia

5
que legisla e governa a cidade.

Mais que nunca, reflete-se nessa definição a característica

peculiar da pólis grega, onde o indivíduo só se sentia cidadão

se participasse diretamente do governo da coisa pública em

todos os seus momentos (fazer leis, tratar de sua aplicação,

administrar justiça). Por conseguinte, nem o colono nem um

membro de uma cidade conquistada podiam se sentir ou ser

considerados “cidadãos”. Mas tampouco os operários podiam

ser verdadeiros cidadãos, mesmo que fossem homens livres

(isto é, embora não fossem imigrantes, nem estrangeiros, nem

escravos), pois eles não dispunham do tempo necessário para

exercer as funções que, para Aristóteles, são essenciais. Assim,

os cidadãos de uma cidade são muito poucos, e todos os outros

homens da própria cidade acabam se transformando, de certa

maneira, em meios para a satisfação das necessidades dos

primeiros. Os operários se diferenciam dos escravos porque,

enquanto estes servem às necessidades de uma só pessoa,

aqueles servem às necessidades públicas, mas nem por isso

6
deixam de ser meios.

Dessa forma, embora Aristóteles afirmasse que “não devem

ser considerados cidadãos todos aqueles sem os quais a cidade

7
não subsiste”, a história acabou por demonstrar que a verdade
é justamente o contrário; para isso, contudo, foram necessárias

várias revoluções, e até hoje é difícil pôr em prática essa

verdade, embora ela já tenha sido plenamente conquistada no

plano teórico.

O Estado e suas formas possíveis

O Estado, cujas naturezas e finalidade já estabelecemos, pode

ser posto em prática sob diferentes formas, isto é, sob

diferentes “constituições”. Eis a maneira como Aristóteles

define a constituição: “[ …] é a estrutura que dá ordem à

cidade, estabelecendo o funcionamento de todos os cargos e

8
sobretudo da autoridade soberana”. Ora, claro que, a partir

do momento em que essa autoridade soberana pode se realizar

sob diversas formas, as constituições serão tantas quantas

forem as formas. O poder soberano pode ser exercido: a) por

um só homem; b) por poucos homens; c) pela maior parte dos

homens. Mas isso não é suficiente. Cada uma dessas três formas

de governo pode ser exercida de modo correto, de modo

incorreto ou, mais precisamente:

Quando um só, poucos ou a maioria exerce o poder tendo em vista o interesse

comum, então há necessariamente as constituições justas; quando um, poucos

ou a maioria exerce o poder tendo em vista seu interesse privado, então há os

9
desvios.

Assim, há três formas de constituição justa: a) monarquia; b)

aristocracia; c) politeia. A elas corresponde o mesmo número

de formas de constituição ilegítimas: a) tirania; 2) oligarquia;

3) democracia. (Para melhor compreensão, o leitor moderno

deve ter em mente o que o Estagirita entende por

“democracia”: um governo que, deixando de lado o bem de

todos, visa a favorecer os interesses dos mais pobres de modo

indevido. Por conseguinte, ele dá ao termo a acepção negativa

que hoje atribuiríamos à palavra “demagogia”; Aristóteles, na

verdade, faz questão de esclarecer que o erro em que incorre a

democracia é considerar que, como todos são iguais em

liberdade, podem e devem ser iguais também em todo o resto.)

Qual a melhor entre essas três constituições?


A resposta de Aristóteles é plurívoca. Antes de mais nada, é

preciso dizer que as três formas de governo, quando exercidas

com retidão, são naturais e portanto boas, porque o bem do

Estado consiste em visar ao bem comum. No entanto, é

evidente que, se existisse numa cidade um homem que

superasse a todos, o poder monárquico caberia a ele; e se

houvesse um grupo de indivíduos excelentes em virtude, seria

o caso de um governo aristocrático. Portanto, em tese, a

monarquia seria a melhor forma de governo, desde que

houvesse na cidade um homem excepcional; a aristocracia o

seria, por sua vez, quando houvesse um grupo de homens

excepcionais. Mas como tais condições não se verificam na

realidade, Aristóteles, com seu forte senso de realidade, indica

a politeia como forma de governo mais conveniente para a

cidade grega de seu tempo; nela não havia um ou poucos

homens excepcionais, mas muitos homens, que, não sendo

excelentes na virtude política, eram capazes de comandar e ser

comandados, alternadamente, segundo a lei.

A politeia é quase um meio-termo entre a oligarquia e a

democracia; ou, como os estudiosos bem observaram, uma

democracia temperada com oligarquia; de fato, quem governa

é uma multidão (como na democracia), não uma minoria

(como na oligarquia); porém não se trata de uma multidão

pobre (ao contrário da democracia), mas de uma multidão

suficientemente abastada para servir ao exército e que se

destaca também na capacidade e na virtude guerreiras. Como

se pode ver, a politeia dosa as qualidades e elimina os defeitos

das duas formas desviantes; portanto, no esquema geral

traçado pelo Estagirita, ela acaba se situando em posição um

tanto anômala, pois está num plano diverso, seja em relação às

duas primeiras constituições perfeitas, seja em relação às três

imperfeitas. A politeia, portanto, como já observaram os

estudiosos, é a constituição que valoriza “a classe média”, que,

justamente por ser “média”, oferece maiores garantias de

estabilidade. Eis as afirmações explícitas de Aristóteles:

Uma cidade almeja ser constituída, na medida do possível, por cidadãos iguais

e semelhantes entre si, e isso acontece sobretudo com cidadãos pertencentes às

classes médias; por isso a cidade mais bem governada será aquela em que se
realizam tais condições, das quais deriva por natureza a possibilidade da

comunidade de cidadãos. De mais a mais, justamente a classe que funda essas

possibilidades, ou seja, a classe média, é que tem sua existência garantida na

cidade. Os que a ela pertencem, por não serem pobres, não desejam as

condições dos demais, nem os outros desejam as deles, como acontece com os

ricos, cuja posição é invejada pelos pobres. Por isso, não tramando contra os

outros e não sendo objeto de tramas, eles passam a vida sem perigos. Como

dizia Focílides: “Muitas coisas são ótimas por sua posição intermediária, e é

nessa posição que quero estar na cidade.” É evidente, portanto, que a melhor

comunidade política é a que se baseia na classe média; as cidades que se

encontram nessas condições podem ser bem governadas; isto é, aquelas — digo

— em que a classe média é mais numerosa e mais poderosa que as duas classes

10
extremas ou pelo menos uma delas.

Portanto, assim como na ética, também na política o

conceito de “meio-termo” desempenha papel fundamental.

O Estado ideal

Não cabe falar aqui, dado seu caráter minucioso e até técnico,

das análises que Aristóteles elabora nos livros iv, v e vi da

Política (dedicados ao exame dos vários gêneros e espécies de

constituição, das várias formas de revolução, das causas que as

determinam e de como é possível preveni-las). O Estagirita dá

provas de um extraordinário conhecimento histórico, uma

compreensão penetrante e fina sagacidade no entendimento

dos fatos e acontecimentos políticos que são realmente

notáveis.

Em contrapartida, despertam maior interesse, no que diz

respeito à problemática propriamente filosófica, os últimos

dois livros, dedicados à análise do Estado ideal. À medida que,

para Aristóteles, a concepção de Estado, como vimos, é

fundamentalmente moral, não é de admirar que ele centralize

seu discurso antes nos problemas morais e educativos que nos

aspectos técnicos relativos às instituições e às magistraturas.

Vimos na Ética que os bens pertencem a três gêneros

diferentes: bens exteriores, bens corporais e bens espirituais da

alma. E vimos também em que sentido os dois primeiros

devem ser considerados simples meios para a realização dos

terceiros. Isso vale — diz Aristóteles — tanto para o indivíduo

quanto para o Estado, que também deve bus-car os dois


primeiros de maneira limitada e exclusivamente em função dos

bens espirituais, pois a felicidade consiste ape-nas neles.

11
Eis as condições ideias para dar lugar a um Estado feliz:

a) Quanto à população, condição primeira da atividade

política, ela não deve ser nem muito pequena nem numerosa

demais, mas na medida justa. De fato, uma cidade que tem

poucos cidadãos não poderá ser autossuficiente, e a cidade

deve bastar a si mesma. Aquela que tem um número grande

demais de cidadãos, por sua vez, dificilmente será governável.

Ninguém pode ser general de um grande número de cidadãos.

Ninguém pode ser o arauto de uma cidade populosa demais se

não tiver a voz do guerreiro Estentor. Os cidadãos não irão

conhecer uns aos outros, e, portanto, não poderão distribuir os

cargos com conhecimento de causa. Em suma, Aristóteles quer

uma cidade na medida do homem.

b) Também o território deve apresentar características

semelhantes. Deverá ser grande o suficiente para fornecer o

necessário à vida, sem produção excedente. Deverá ser

alcançável com a vista. Deverá ser difícil de atacar e fácil de

defender, em posição favorável tanto em relação ao interior

quanto em relação ao mar.

c) As qualidades ideais do cidadão são — na opinião de

Aristóteles — exatamente as mesmas que os gregos

apresentam: quase um meio-termo e uma síntese das qualidades

dos povos nórdicos e dos povos orientais. (Inútil dizer que,

também nesse parecer, o Estagirita é vítima dos mesmos

preconceitos que fizeram com que se acreditasse que os

“bárbaros” eram escravos “por natureza”.)

d) Aristóteles examina então as funções essenciais para a

cidade e sua distribuição ideal. Para subsistir, uma cidade deve

possuir: cultivadores de terra que forneçam alimentos; artesãos

que forneçam instrumentos e manufaturas; guerreiros para

defendê-la dos rebeldes e dos inimigos; comerciantes que

produzam riqueza; homens que estabeleçam o que é útil à

comunidade e quais são os direitos recíprocos do cidadão;

sacerdotes que cuidem do culto.


Pois bem: a boa cidade impede que todos os cidadãos

exerçam todas essas funções. De início, na cidade ideal, não

deverá ser praticada uma forma de vida particular, como a dos

agricultores, operários ou ainda dos comerciantes; esses são

modelos de vida ignóbeis e contrários à virtude, e, de todo

modo, capazes de impedir o exercício da virtude, pois não

propiciam a disponibilidade e o tempo livre necessários para

isso. Os camponeses, portanto, serão escravos, e os operários e

comerciantes não farão parte dos “cidadãos”. Os verdadeiros

cidadãos tratarão apenas da guerra, do governo e do culto. Por

sua natureza, tais funções, que exigem virtudes diversas (o

guerreiro deve ter força, o juiz e o legislador, sensatez), terão

de estar a cargo de pessoas diversas; mas isso dificilmente seria

aceito pelos guerreiros, que, possuindo a força militar, em

qualquer caso exigiriam também o poder político.

A solução proposta por Aristóteles é a seguinte: as mesmas

pessoas exerceriam essas funções em tempos diversos. “A

natureza determina que os jovens possuam a força e os velhos,

a sensatez, de modo que é útil e justo dividir os poderes tendo

12
em conta esse fato.” Assim, os cidadãos serão primeiro

guerreiros, depois conselheiros e enfim sacerdotes. Todos eles

serão abastados e — como camponeses, operários e

mercadores encarregam-se de fornecer o que é preciso para

satisfazer as necessidades materiais — terão todo o seu tempo

disponível para o exercício da virtude e para a plena realização

da vida feliz. Desse modo, o “bem viver” e a felicidade são

concedidos apenas a esse número restrito de “cidadãos”; todos

os outros, mesmo que vivam e atuem na cidade, são reduzidos

a simples “condições necessárias” para a vida fe-liz dos demais,

e estarão, portanto, condenados a uma vida infra-humana.

Aqui estamos diante do habitual condicionamento histórico-

social que limita profundamente o pensamento aristotélico

sobre esse tema, situando-o numa dimensão muito distante da

nossa, pois, de forma substancial, o filósofo julga necessário

que muitos homens vivam uma vida infra-humana ou não

perfeitamente humana para que os demais possam viver a

plena e perfeita vida humana, e considera tudo isso “natural”.


e) Ainda há, contudo, um ponto essencial. A felicidade da

cidade depende da virtude, mas a virtude vive em cada

cidadão; portanto, a cidade só pode se tornar e ser feliz à

medida que cada cidadão se torne e seja virtuoso. Como cada

homem pode se tornar virtuoso e bom? Em primeiro lugar,

deve haver certa disposição natural que, em seguida, recebe a

influência dos hábitos e costumes, ou seja, dos pensamentos e

discursos. Ora, a educação age justamente sobre hábitos e

pensamentos; por conseguinte, ela é fator de enorme

importância no Estado.

Os cidadãos devem ser educados de modo

fundamentalmente igual para que sejam capazes, em seus

turnos, de obedecer e comandar, posto que, sempre em turnos,

deve-rão obedecer (quando forem jovens) e em seguida

comandar (quando se tornarem homens maduros). Em

particular, dado que a virtude do cidadão bom e do homem

bom é idêntica, a educação deverá ter em mira, de modo

substancial, a formação de homens bons; ela deverá fornecer os

meios para que o ideal estabelecido pela ética se realize, isto é,

para que o corpo viva em função da alma, as partes inferiores da

alma em função das superiores, e, em particular, para que se

realize o ideal da pura contemplação. Escreve o filósofo:

Introduzindo nas ações uma distinção análoga à que foi feita em relação às

partes da alma, poderemos dizer que são preferíveis aquelas que derivam da

melhor parte da alma, pelo menos para quem saiba comparar todas ou ao

menos duas partes da alma, pois todos consideram melhor aquilo que tende

para um fim mais elevado. Qualquer tipo de vida ainda pode ser dividido em

dois, segundo sua tendência para as ocupações e o trabalho ou para a liberdade

em relação a qualquer compromisso, ou para a guerra ou para a paz; em

conformidade com essas distinções, as ações são necessárias e úteis ou belas. Ao

escolher esses ideais de vida, é preciso seguir as mesmas preferências que valem

para as partes da alma e para as ações que delas derivam; é preciso escolher a

guerra tendo como objetivo a paz, o trabalho tendo como objetivo a libertação em

relação a ele, as coisas necessárias e úteis para alcançar as belas. O legislador deve

ter em mente todos estes elementos que acabamos de anali-sar, as partes da

alma e as ações que as caracterizam, mirando sempre as melhores, de modo que

sejam tomadas como fins, não apenas como meios. Esse critério deve guiar o

legislador em seu comportamento diante das várias concepções da vida e dos

vários tipos de ação: é necessário atender ao trabalho, fazer a guerra, praticar as

coisas necessárias e úteis; mais que isso, é preciso praticar o livre repouso, viver em

13
paz e fazer coisas belas [ou seja, contemplar].
O Estado, não os indivíduos privados, deverá ministrar a

educação, que tem início naturalmente com o corpo,

desenvolvendo este primeiro que a razão; ela prossegue com a

educação dos impulsos, dos instintos e dos apetites; e, enfim,

encerra-se com a educação da alma racional. A tradicional

educação ginástico-musical grega é adotada pelo Estado

aristotélico, e é com essa descrição que termina a Política.

Deve-se apenas reiterar que as classes inferiores estão

excluídas da educação. Para Aristóteles, uma educação técnico-

profissional é um contrassenso, pois não educaria em benefício

do homem, mas das coisas que servem ao homem, enquanto a

verdadeira educação é uma formação no sentido de se tornar

verdadeira e plenamente homem. Pretensão admirável esta, e

que teria muito a dizer ainda hoje, se Aristóteles não

pretendesse que, para que alguns possam se tornar e ser

perfeitamente homens, outros devem prosseguir presos ao

destino de ser homens pela metade.

Em suma, também na política a concepção metaempírica da

alma e dos valores da alma constitui a linha de força a partir da

qual se desenvolve todo o discurso aristotélico. Aqui também

Aristóteles se mostra bem mais próximo de Platão do que se

costuma acreditar: o Estagirita critica e rejeita certos aspectos

aberrantes da República platônica, mas não seu ideal básico.

NOTAS
1. Pol. a 2, 1.253 a 27-30. A tradução dos trechos citados é de C. A. Viano, “Política”

e “Costituzione d’Atene” di Aristotele, Utet, Turim, 1955.

2. Cf. Pol. a 5.

3. Pol. a 7 ss.

4. Pol. b.

5. Pol. G 1.

6. Pol. G 5.

7. Pol. G 5, 1.278 a 2 ss.

8. Pol. G 6, 1.078 b 8-10.

9. Pol. G 7, 1.079 a 27-31.

10. Pol. D 11, 1.295 b e 5-34.

11. Cf. Pol. h 4 ss.


12. Pol. h 9, 1.329 a 14-17.

13. Pol. h 14, 1.333 a 26; 1.333 b 3.


VII.

A FILOSOFIA DA ARTE: ANÁLISE DA POÉTICA

Conceito de ciências produtivas

Já vimos que o terceiro gênero das ciências é constituído pelas

“ciências poiéticas”, ou “ciências produtivas”. Como diz o

nome, tais ciências ensinam a criar e a produzir coisas, objetos,

instrumentos, segundo regras e conhecimentos precisos.

Como é óbvio, trata-se das várias artes ou, como falamos,

ainda lançando mão de um termo grego, das “técnicas”.

Contudo, na formulação do conceito de arte, os gregos

visavam, mais do que nós, ao momento cognitivo que ele

pressupõe, sublinhando, em especial, a contraposição entre

arte e experiência; na verdade, esta última implica uma

repetição preponderantemente mecânica e não vai além do

conhecimento do quê, ou seja, do dado de fato, enquanto a arte

vai além, referindo-se ao conhecimento do porquê ou se

aproximando disso, e constitui, enquanto tal, uma forma de

conhecimento. Fica evidente, portanto, a razão da inclusão das

artes no quadro geral do saber, assim como o motivo de sua

posição no terceiro e último grau, pois elas são um saber, mas

um saber que não é fim em si mesmo e tampouco se volta para

o benefício do agir moral (como o saber prático), mas para o

benefício do objeto produzido.

As ciências poiéticas, em seu conjunto, só indiretamente

dizem respeito à pesquisa filosófica. A exceção são as belas-

artes, que se distinguem do conjunto das outras artes na

estrutura ou na finalidade.

Diz Aristóteles: “Algumas coisas que a natureza não sabe

1
fazer a arte faz; outras, ao contrário, ela imita.”

Logo, há artes que completam e integram de algum modo a

natureza e, portanto, têm como fim a mera utilidade


pragmática; e artes que, ao contrário, “imitam” a própria

natureza, reproduzindo ou recriando alguns de seus aspectos

com material moldável, com cores, sons ou palavras, e cujos

fins não coincidem com os fins da mera utilidade pragmática.

São estas as chamadas “belas-artes”, objeto de Aristóteles na

Poética. Na verdade, o Estagirita limita-se à análise da poesia e,

a bem dizer, apenas da poesia trágica; apenas

subordinadamente examina a poesia épica (numa parte da

obra que se perdeu, e teria tratado também da comédia). Mas

algumas das coisas que diz valem também para as belas-artes

em geral, ou pelo menos podem ser estendidas às outras belas-

artes. Dois são os conceitos que devem concentrar nossa

atenção para compreendermos qual é, na visão de Aristóteles, a

natureza do fato artístico: a) o conceito de “mimese” e b) o

conceito de “catarse”.

A mimese poética

Comecemos pelo exame da mimese. Platão censurou a arte

com severidade justamente por se tratar de mimese, ou seja, de

imitação de coisas fenomênicas, as quais (como sabemos), por

sua vez, são imitações dos paradigmas eternos das Ideias; desse

modo, a arte seria cópia da cópia, aparência de aparência,

esgotando o verdadeiro até fazê-lo desaparecer. Aristóteles

opõe-se nitidamente a esse modo de conceber a arte e

interpreta a mimese artística a partir de uma perspectiva

oposta, transformando-a numa atividade que, longe de

reproduzir passivamente a aparência das coisas, quase recria as

coisas segundo uma nova dimensão.

Eis o texto basilar a respeito disso:

[ …] fica claro […] que não é ofício do poeta descrever as coisas que realmente
aconteceram, mas as que podem acontecer em determinadas circunstâncias, ou

seja, coisas que são possíveis segundo as leis da verossimilhança e da

necessidade. De fato, o historiador e o poeta não diferem porque um escreve

em versos, o outro em prosa; a história de Heródoto bem poderia ser posta em

versos; e, mesmo em versos, não seria menos história. A verdadeira diferença é

que o historiador descreve fatos que realmente ocorreram, e o poeta, fatos que

poderiam ocorrer. Por isso a poesia é algo mais filosófico e mais elevado que a

história; a poesia tende, de preferência, para a representação do universal, e a

história, para o particular. Podemos dar uma ideia do que significa “universal”

com o seguinte exemplo: certo indivíduo de tal ou qual natureza diz ou faz
coisas de tal ou qual natureza que correspondem às leis da verossimilhança ou

da necessidade; é justamente a isso que visa a poesia, ainda que dê nomes

próprios a seus personagens. Já o particular ocorre quando se conta, por

2
exemplo, o que fez Alcebíades ou o que lhe aconteceu.

Essa passagem, sob muitos aspectos, é iluminadora.

a) Em primeiro lugar, Aristóteles entende muito bem que a

poesia não é poesia porque usa versos (um historiador poderia

usar versos e nem por isso estaria fazendo poesia). Portanto, é

lícito dizer que não são os meios usados pela arte que a

determinam como arte.

b) Em segundo lugar, Aristóteles identifica bem que a poesia

(e a arte em geral) também não depende de seu objeto, ou

melhor, do conteúdo de verdade de seu objeto. Não é a verdade

histórica das pessoas, dos fatos e das circunstâncias nela

representada que lhe conferem o valor de arte. A arte, claro,

pode narrar coisas que efetivamente aconteceram, mas só se

torna arte quando acrescenta a essas coisas um certo quê

inexistente na narrativa puramente histórica (é interessante

lembrar que o Estagirita entende a narrativa histórica

sobretudo como crônica, como descrição de pessoas e fatos

apenas cronologicamente ligados). Se as Histórias de Heródoto

fossem postas em versos, isso não geraria poesia; contudo,

coisas efetivamente acontecidas e narradas por Heródoto

poderiam se transformar em poesia. Como? Responde

Aristóteles:

E ainda que ocorra a um poeta poetar sobre fatos que realmente aconteceram,

ele não será menos poeta por isso; pois nada impede que, entre as coisas que

realmente acontecem, haja algumas de natureza tal que poderiam ser vistas não

como coisas que realmente aconteceram, mas como coisas cuja ocorrência seria

possível e verossímil. E é graças a esse aspecto da possibilidade e da

verossimilhança que aquele que resolve narrá-las não é seu historiador, mas seu

3
poeta.

c) Portanto, fica claro, em terceiro lugar, que a arte tem uma

superioridade em relação à história graças ao modo diverso de

tratar os fatos. Enquanto a história permanece inteiramente

ligada ao particular, considerando-o na condição de particular,

a arte, mesmo quando fala dos mesmos fatos que a história,

transfigura-os, por assim dizer, pelo modo de tratá-los e vê-los

“sob o aspecto da possibilidade e da verossimilhança”, fazendo


assim com que ganhem um significado mais amplo e, em certo

sentido, universalizando tal objeto. Aristóteles recorre ao termo

4
técnico “universal” (ta; kaJovlou). Mas que tipos de

“universal” podem ser os da arte, esses tipos de universal que

(como lemos na passagem inicial) não desdenham nomes

próprios?

d) Evidentemente, não estamos tratando aqui dos universais

lógicos, do tipo que é objeto da filosofia teórica e, em

particular, da lógica. Se a arte não deve reproduzir verdades

empíricas, também não deve reproduzir verdades ideais de

tipo abstrato, mais precisamente, verdades lógicas. A arte não

só pode e deve desligar-se da realidade como não deve

apresentar fatos e personagens como são, mas como poderiam

ou deveriam ser; pode também, como Aristóteles diz

expressamente, introduzir o irracional e o impossível, e até

dizer mentiras e tornar conveniente o uso de paralogismos

(raciocínios falsos); pode fazer tudo isso desde que torne o

5
impossível e o irracional verossímeis. O Estagirita chega a dizer

o seguinte: “O impossível verossímil é preferível ao possível,

6
porém incrível.” E ainda: “No que diz respeito às exigências

da poesia, é preciso ter em mente que se deve preferir sempre

uma coisa impossível, embora crível, a uma coisa incrível,

7
mesmo que possível.” Sendo assim, a arte pode muito bem

representar os deuses de modo inverídico, porque é assim que

são representados pelo povo e, como crença do povo, passam a

fazer parte da vida.

e) A universalidade da representação da arte nasce de sua

capacidade de reproduzir os acontecimentos “segundo a lei da

verossimilhança e da necessidade”; ou seja, de sua capacidade

de reconstituir os acontecimentos de tal maneira que eles se

mostrem interligados e conectados de modo perfeitamente

unitário, quase como um organismo no qual cada parte tem

seu sentido em função do todo do qual faz parte.

Então, com terminologia crociana, Valgimigli diz que o

universal da arte é “o universal concreto, ou melhor, no

8
máximo de sua concretude”. Poderíamos dizer também que é

o “universal fantástico”, usando modelos mais próximos dos


de Vico. Mas é óbvio que essa terminologia nos leva

decididamente para além de Aristóteles. Não obstante, é

evidente que, pelas considerações feitas antes, na célebre

passagem de que lançamos mão como ponto de partida, o

Estagirita intuiu, mesmo que vaga e confusamente, tudo isto: a

arte é mais filosófica que a história, mas não é filosofia; o

universal da arte não é o universal lógico e, portanto, é algo

autônomo, que tem seu próprio valor, embora este não seja o

valor do verdadeiro historiador nem o valor do verdadeiro

lógico. A posição platônica fica, assim, nitidamente superada.

O belo

A estética moderna nos habituou a considerar os problemas da

arte de tal maneira que é difícil pensar na possibilidade de

defini-la prescindindo de uma concepção adequada do belo.

Na realidade, isso não era assim tão claro para os antigos.

Platão ligou o belo antes à erótica que à arte, e Aristóteles,

mesmo relacionando o belo à arte, só o definiu de forma

incidental na Poética. Eis, portanto, sua definição:

[ …] o belo, seja ele um ser animado ou outro objeto qualquer, desde que

igualmente constituído de partes, não só deve apresentar certa ordem particular

entre essas partes como também deve ter, dentro de determinados limites, uma

grandeza própria; na verdade, o belo consiste na grandeza e na ordem.

Portanto, não pode ser belo um organismo excessivamente pequeno, pois, em

tal caso, atuando-se num lapso de tempo quase imperceptível, a vista se

confunde; tampouco pode ser um organismo excessivamente grande, como,

por exemplo, um ser de 10 mil estádios, pois o olho não conseguiria abarcar o

objeto em seu conjunto; assim, sua unidade e sua totalidade orgânica

9
escapariam a quem olha.

Aristóteles exprimiu o mesmo conceito na Metafísica, onde o

belo se relaciona às matemáticas:

Posto que o bem e o belo são diversos (o primeiro se encontra sempre nas

ações, enquanto o segundo se encontra também nos entes imóveis),

equivocam-se os que afirmam que as ciências matemáticas não dizem nada

sobre o belo e sobre o bem. De fato, as matemáticas falam do bem e do belo, e

conseguem revelá-los em grau máximo; se é verdade que nunca os nomeiam

explicitamente, dão a conhecer, todavia, seus efeitos e razões; portanto, não se

pode dizer que não falam deles. As formas supremas do belo são a ordem, a

simetria e o definido — e as matemáticas nos levam a conhecê-los mais que

10
todas as outras ciências.
Por conseguinte, para Aristóteles, o belo implica ordem,

simetria de partes, determinação quantitativa, ou, em uma

palavra, proporção.

Compreende-se assim que, ao aplicar tais cânones à tragédia,

Aristóteles estabelecesse que ela não poderia ser muito longa

nem muito curta, porém capaz de ser apreendida pela mente

de um só golpe, do princípio ao fim. Para ele, a mesma coisa

11
valeria para qualquer obra de arte.

Esse modo de Aristóteles conceber o belo traz a clara marca

helênica do “nada em demasia” e da “medida”; em especial,

refere-se ao pensamento pitagórico, que via a perfeição no

“limite”.

A catarse

Dissemos que Aristóteles trata fundamentalmente da tragédia e

que desenvolve sua teoria da arte em relação a ela. Não cabe

aqui abordar os pormenores da questão, mas é preciso destacar

um ponto que, mesmo apresentado em estreita conexão com a

definição de tragédia, vale para a arte em geral. Escreve ele:

Tragédia [ …] é mimese de uma ação séria e completa em si mesma, com uma


determinada extensão, em linguagem embelezada por várias espécies de

ornamentos, mas cada um em seu lugar, nas diversas partes; em forma

dramática e não narrativa, que, mediante uma série de casos que suscitam

12
piedade e terror, tem como efeito aliviar e purificar a espírito de tais paixões.

O texto original diz exatamente que ela tem como efeito a

catarse das paixões (kavJarsi~ tw~n paJhmavtwn). O ponto

mais interessante é o fim da definição, que, no entanto, é

bastante ambíguo; em consequência, foi objeto de diferentes

exegeses. Alguns consideraram que Aristóteles estava falando

de purificação das paixões no sentido moral, quase como uma

sublimação obtida pela eliminação daquilo que elas têm de

deletério. Outros, ao contrário, entenderam a “catarse das

paixões” no sentido de suspensão ou eliminação temporária

das paixões num sentido quase fisiológico, e, portanto, no

13
sentido de livrar-se das paixões.

É provável que Aristóteles explicasse mais a fundo o sentido

da catarse no segundo livro da Poética, mas infelizmente este se


perdeu. Contudo, temos dois trechos da Política que

mencionam o assunto e gostaríamos de mencioná-los, dada a

importância da questão. Eis o primeiro trecho:

Ademais, a flauta não é um instrumento que favoreça as qualidades morais,

mas suscita antes emoções desenfrea-das, tanto que deve ser usada somente nas

14
ocasiões em que ouvi-la, mais que um aumento de saber, produz catarse.”

Na segunda passagem, ele determina:

Aceitamos a distinção feita por alguns filósofos entre as melodias com

conteúdo moral, aquelas que estimulam a ação e aquelas que suscitam

entusiasmo; em exata correspondência são classificadas também as harmonias.

Acrescente-se a isso o fato de que, a nosso ver, a música não deve ser praticada

tendo em vista um só tipo de benefício que dela possa derivar, mas múltiplos

usos, pois pode servir para a educação, para obter a catarse [ …] e, em terceiro
lugar, para o repouso, o alívio do espírito e a suspensão das fadigas. De todas

essas considerações, resulta evidente que é pre-ciso fazer uso de todas as

harmonias, no entanto, não do mesmo modo, empregando na educação

aquelas que têm maior conteúdo moral e na audição de músicas executadas por

outras pessoas as que incitam a ação ou inspiram comoção. Essas emoções, tais

como piedade, medo e entusias-mo, que em certas pessoas encontram forte

ressonância, se manifestam em todos, porém mais em alguns e menos em

outros. Vemos ainda que quando alguns, a quem elas comovem intensamente,

ouvem cânticos sagrados que impressionam a alma, logo se encontram na

situação de quem foi curado ou purificado. A mesma coisa vale

necessariamente para os sentimentos de piedade, de medo e, em geral, para

todos os sentimentos e afecções, dependendo da necessidade de cada um, pois

todos podem sentir uma purificação e um agradável alívio. De forma análoga,

as músicas particularmente adequadas para produzir purificação proporcionam

15
aos homens uma alegria inocente.

Essas passagens demonstram claramente que a “catarse

poética” não é uma purificação de caráter moral (posto que é

expressamente distinta dela), mas também fica evidente que

ela não pode ser reduzida a um fato puramente fisiológico. É

provável — e em qualquer caso possível — que, mesmo com

oscilações e incertezas, Aristóteles entrevisse nessa agradável

“liberação” efetuada pela arte algo semelhante àquilo que hoje

chamamos de “prazer estético”.

Platão havia condenado a arte — entre outras coisas —

também por desencadear sentimentos e emoções, debilitan-do

o elemento racional capaz de dominá-los. Aristóteles vira a

interpretação platônica de cabeça para baixo: a arte não nos

carrega, mas nos descarrega da emotividade, e o tipo de


emoção que ela proporciona não só não prejudica, como de

certo modo é capaz de curar.

NOTAS
1. Phys. b 8, 199 a 15-17

2. Poet. 9, 1.451 a 36, 1.451 b 11. Todos os trechos da Poética aqui citados foram

extraídos da tradução de M. Valgimigli; cf. nota 8, abaixo.

3. Poet. 9, 1.451 b 29-33.

4. Poet. 9, 1.451 b 7.

5. Poet. 24, 1.460 a 13 ss.

6. Poet. 24, 1.460 a 26 ss.

7. Poet. 25, 1.461 b 11 ss.

8. M. Valgimigli (org.), Aristóteles, Poetica, Bari, 1968 7, p. 28. (A tradução da

Poética foi publicada na coleção Filosofi Antichi e Medioevali e na Piccola

Biblioteca Filosofica Laterza, em edição condensada. Citamos esta última.)

9. Poet. 7, 1.450 b 36; 1.451 a 4.

10. Metaph. m 3, 1.078 a 31; 1.078 b 2.

11. Cf. Poet. 7.

12. Poet. 6, 1.449 b 24-28.

13. Entre os muitos textos sobre esse assunto, indicamos o artigo de W. J.

Verdenius, “Kátharsis tôn pathe matón”, em vários autores, Autour d’Aristote,

Louvain, 1955, p. 367-373, que debate de maneira sucinta e clara todos os

elementos necessários para a compreensão da questão.

14. Pol. Q 6, 1.341 a 21-24 (trad. Viano).

15. Pol. Q 7, 1.341 b 32, 1.342 a 16.


VIII.

A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO

ORGANON

Conceito de lógica, ou “analítica”

No esquema que serviu de base para que o Estagirita

subdividisse e sistematizasse as ciências, a lógica não encontra

espaço, e isso não se dá por acaso. A lógica não diz respeito à

produção de algo (como as ciências poiéticas), nem à ação

moral (como as ciências práticas), nem sequer a uma

determinada realidade distinta daquela que é objeto da

metafísica, da física ou da matemática (ciências teóricas).

A lógica, ao contrário, considera a forma que deve ter

qualquer tipo de discurso visando a demonstrar alguma coisa e

pretendendo, em geral, ser conclusivo. Portanto, a lógica

mostra como o pensamento procede quando pensa, qual é a

estrutura do raciocínio, quais são seus elementos, como é

possível fornecer demonstrações, que tipos e modos de

demonstração existem, o que demonstram e quando são

possíveis.

Naturalmente, poderíamos dizer que a lógica também é

ciência, pois seu conteúdo é dado pelas operações do

pensamento, ou seja, daquele ens tamquam verum (o ser

1
lógico) que o Estagirita distinguiu. Contudo, isso só se

encaixaria de maneira parcial nas concepções de Aristóteles,

que chamou a lógica de “ciência” apenas de passagem e quase

2
por acaso, considerando-a antes um estudo preliminar, uma

propedêutica comum a todas as ciências. Assim, o termo

organon, que significa “instrumento”, introduzido por

Alexandre de Afrodísia para designar a lógica em seu conjunto

(e que, a partir do século vi d.C., foi utilizado como título do

conjunto de todos os escritos aristotélicos relativos à lógica),


define bem o conceito e o fim da lógica aristotélica, que

forneceria os instrumentos mentais necessários para enfrentar

3
qualquer tipo de investigação.

Mas ainda é preciso acrescentar que o termo lógica não foi

usado por Aristóteles para designar aquilo que entendemos

hoje por lógica. Seu emprego nessa acepção remonta à época

de Cícero (e provavelmente tem origem estoica), mas só se

4
consolidou em definitivo com Alexandre. Aristóteles preferia

usar a palavra “analítica”, e Analíticos é o título dos escritos

5
fundamentais do Organon.

A analítica (do grego analysis, que quer dizer “resolução”)

explica o método pelo qual, partindo de determinada

conclusão, podemos decompô-la nos elementos dos quais ela

deriva, isto é, nas premissas de onde brota; assim, é possível

fundamentá-la e justificá-la. A analítica é substancialmente a

doutrina do silogismo e constituiu o núcleo fundamental, o

eixo em torno do qual giram todas as outras figuras da lógica

aristotélica. O Estagirita, aliás, tinha perfeita consciência de ter

sido o descobridor do silogismo, tanto que, no fim de

Refutações sofísticas, diz com toda a clareza que, embora

houvesse muitos e antigos tratados sobre os discursos

6
retóricos, nada havia sobre o silogismo.

Isso equivale a dizer que, como a lógica (aristotelicamente

entendida) polariza-se completamente em torno ao silogismo,

foi a descoberta do silogismo que permitiu a Aristóteles a

organização e em seguida a enucleação de toda a problemática

lógica e, por conseguinte, a fundação da lógica.

O esquema geral dos escritos lógicos e a gênese da lógica aristotélica

Para melhor orientação na exposição do tema, é oportuno

esboçar exatamente o esquema geral que emerge dos escritos

lógicos de Aristóteles que chegaram até nós. Sem dúvida eles

não foram redigidos na ordem em que depois se

7
sistematizaram no Organon; mesmo assim, é nessa ordem

que têm sido lidos. No centro, como vimos, estão os Analíticos

8
(que Aristóteles talvez considerasse uma obra única), que
logo foram divididos em Analíticos primeiros e Analíticos

segundos. Os primeiros tratam da estrutura do silogismo em

geral, de suas diversas figuras e de seus diferentes modos,

considerando-o de maneira formal, ou seja, prescindindo do

seu valor de verdade e examinando apenas a coerência formal

do raciocínio. Na verdade, pode haver um silogismo

formalmente correto, que parte de determinadas premissas

para deduzir as consequências que elas impõem; mas, se as

premissas não são verdadeiras, chega-se a conclusões

inverídicas, embora o silogismo esteja formalmente correto.

Nos Analíticos segundos, ao contrário, Aristóteles trata do

silogismo que, além de formalmente correto, é também

verdadeiro, ou seja, do silogismo científico, que constitui a

demonstração propriamente dita, verdadeira. O filósofo dá a ele

a seguinte definição:

Chamo de demonstração o silogismo científico; chamo de científico aquele

silogismo com base no qual, pelo fato de possuí-lo, há ciência. Então, se a

ciência é dessa forma que propusemos, é necessário que a ciência

demonstrativa proceda de proposições verdadeiras, imediatas, mais conhecidas,

anteriores e causas das conclusões. Assim sendo, os princípios serão

efetivamente pertinentes ao demonstrado. A bem dizer, o silogismo subsiste

mesmo sem essas condições, mas a demonstração não pode subsistir sem elas,

9
pois não estaria produzindo ciência.

Por conseguinte, os Analíticos segundos, além das premissas,

tratam do modo como elas são conhecidas e dos correlatos

problemas de definição. Nos Tópicos, por sua vez, Aristóteles

analisa o silogismo dialético, aquele que parte de premissas

baseadas simplesmente na opinião ou em elementos que

parecem aceitáveis para todos ou aceitáveis para a maioria, e

que, portanto, proporciona vários tipos de argumentação

puramente prováveis.

Por fim, em Refutações sofísticas (que talvez formassem o

10
último livro dos Tópicos), ele trata das argumentações

sofísticas.

Como os silogismos são constituídos por juízos e

proposições que, por sua vez, são constituídos por conceitos e

termos, Aristóteles precisava examinar tanto os primeiros

quanto os segundos. Nas Categorias e em Sobre a interpretação


encontram-se, respectivamente, de maneira aproximativa,

análises relativas aos elementos mais simples da proposição: os

conceitos ou termos primeiros, o juízo e a proposição. Diante

disso, os responsáveis pela sistematização do Organon

consideraram natural que esses tratados fossem dispostos no

início do livro, quase como preliminares dos Analíticos e dos

Tópicos. Essa ligação permanece, não há dúvida, mas é muito

mais tênue do que se julgou no passado. É importante observar

em especial que a doutrina do conceito e da proposição, tal

como apresentada nos tratados de lógica clássica e em boa

parte dos escritos com caráter de manual, na maioria é fruto de

reelaborações posteriores (sobretudo medievais) de alguns

elementos extraídos de Aristóteles.

Enfim, é importante recordar, para não deixar escapar o

sentido da lógica aristotélica, que ela nasceu de uma reflexão

acerca dos procedimentos iniciada pelos filósofos precedentes,

sobretudo pelos sofistas, e mais ainda acerca do procedimento

socrático, em particular da forma como foi ampliado e

aprofundado por Platão. Decerto o método matemático

também teve sua influência, como demonstra a própria

terminologia utilizada para indicar várias figuras da lógica.

Mas a matemática foi apenas um componente, e tampouco

havia outras ciências cujos métodos pudessem ter sugerido tais

descobertas a Aristóteles. A lógica aristotélica, portanto, tem

uma gênese eminentemente filosófica: ela marca o momento

em que o logos filosófico, já amadurecido pela estruturação de

todas as principais questões, torna-se capaz de problematizar a

si mesmo e ao próprio modo de proceder, e estabelece, depois

de ter aprendido a raciocinar, o que é a própria razão, ou seja,

como se faz para racionar, como, quando e sobre que coisas é

possível raciocinar.

Só essa descoberta já seria suficiente para dar a Aristóteles

um dos primeiríssimos lugares na história do pensamento

humano.

As categorias, os termos e a definição


O tratado Categorias estuda, como dissemos, algo que de certa

maneira corresponde ao estudo do elemento mais simples da

lógica. Se tomarmos uma proposição como “O homem corre”,

ou “O homem vence”, e desfizermos o nexo que a une, ou seja,

se separarmos o sujeito do predicado, obte-remos palavras

“sem conexão”, sem qualquer ligação com a proposição, como

“homem”, “vence”, “corre” (termos desconectados que, ao se

combinarem, dão origem à proposição). Ora, diz Aristóteles:

Das coisas ditas sem nenhuma conexão, cada qual significa a substância, ou a

quantidade, ou a qualidade, ou a relação, ou o onde, ou o quando, ou estar numa

11
posição, ou o ter, ou o fazer, ou o sofrer.

Como se pode ver, essas são as “categorias” que já

conhecemos da Metafísica. É uma lista de dez (talvez uma

pitagórica homenagem ao número perfeito da década), mas

sabemos que, na verdade, o número mais exato é oito, pois

“estar numa posição” (ou “jazer”) e o “ter” são subsumíveis

em outras categorias.

Se, como vimos, as categorias representam os significados

fundamentais do ser do ponto de vista metafísico, claro que,

do ponto de vista lógico, representarão (por conseguinte) os

gêneros supremos aos quais todos os termos da proposição

devem se reportar. Portanto, a passagem citada é claríssima:

quando decompomos uma proposição em seus termos, cada

um e todos os termos obtidos representam, em última análise,

uma das categorias. Logo, assim como as categorias

representam (do ponto de vista ontológico) os significados

últimos do ser, elas também representam (do ponto de vista

lógico) os significados últimos aos quais são redutíveis todos

os termos de uma proposição. Decompondo a proposição

“Sócrates corre”, obteremos “Sócrates”, que pertence à

categoria da substância, e “corre”, que pertence à categoria do

“fazer”. Assim, quando digo “Sócrates está agora no Liceu” e

decomponho a proposição, obtenho “Sócrates”, da categoria

da substância; “agora”, da categoria do “quando”; “no Liceu”,

categoria do “onde”; e assim sucessivamente.

O termo “categoria” foi traduzido por Boécio como

“predicamento”, mas a tradução só exprime parcialmente o


sentido da palavra grega — e não é de todo adequada, dá

origem a inúmeras dificuldades, em grande parte elimináveis

quando se mantém o original. De fato, a primeira categoria

desempenha sempre o papel de sujeito e só impropriamente o

de predicado, como quando digo: “Sócrates é um homem” (ou

seja, Sócrates é uma substância); as outras fazem as vezes de

predicado (ou, se quisermos, são as figuras supremas de todos

os possíveis predicados, os gêneros supremos de predicados).

E, naturalmente, como a primeira categoria constitui o ser

sobre o qual se apoia o ser das outras, a primeira categoria será

o sujeito, e as outras não poderão deixar de se referir a ele;

portanto, só elas poderão ser predicados no sentido verdadeiro

e próprio.

Quando consideramos os termos da proposição

isoladamente e tomamos cada qual em si mesmo, não temos

nem verdade nem falsidade. Ou, como diz Aristóteles:

Essas coisas que listamos, tomadas uma a uma, em si e de per si, não

constituem uma afirmação, a qual só pode ser gerada, ao contrário, por sua

conexão recíproca; de fato, tudo indica que toda afirmação é verdadeira ou

falsa, enquanto, entre as coisas ditas sem nenhuma conexão, nenhuma é

12
verdadeira ou falsa; por exemplo: “homem”, “branco”, “corre”, “vence”.

Isso significa: a verdade (ou falsidade) nunca está nos termos

tomados singularmente, mas somente no juízo que os conecta

e na proposição que expressa tal conexão. Naturalmente, como

as categorias não são apenas os termos que resultam da

decomposição da proposição, mas os gêneros aos quais podem

ser reduzidas ou nos quais se incluem, elas são uma coisa

primeira e não redutível depois. No máximo, pode-se dizer

que são “seres”, mas ser não é um gênero (como já vimos), e

portanto elas não são definíveis porque não existe algo mais

geral a que possamos recorrer para determiná-las.

Chegamos assim ao problema da definição, que Aristóteles

não trata nas Categorias, mas nos Analíticos segundos e em

outros escritos. Contudo, como a definição diz respeito aos

termos e aos conceitos, cabe falar dela agora.

Já dissemos que as categorias são indefiníveis, pois são

generalíssimas, são os gêneros supremos. Indefiníveis são


também os indivíduos, e por razões opostas, ou seja, porque

são particulares e estão nos antípodas das categorias: deles, só é

possível ter percepção, isto é, uma apreensão puramente

empírica. Mas entre as categorias e os indivíduos há toda uma

gama de noções e conceitos que vão do mais ao menos geral e

que constituem os termos dos juízos e das proposi-ções que

formulamos (o nome que indica o indivíduo só pode aparecer

como sujeito). Esses termos, que estão entre a universalidade

das categorias e a particularidade dos indivíduos, são

conhecidos pelo nome de definição (horismós).

O que quer dizer “definir”? Mais que explicar o significado

de uma palavra, quer dizer determinar o que é o objeto que a

palavra indica. Por isso explicam-se perfeitamente as

definições que Aristóteles dá para “definição”: “O discurso que

exprime a essência”, ou “o discurso que exprime a natureza

das coisas”, ou ainda “o discurso que exprime a substância das

13
coisas”.

Para poder definir alguma coisa são necessários o “gênero” e

a “diferença”, diz Aristóteles; ou, na fórmula clássica em que se

expressa o pensamento aristotélico, o “gênero próximo” e a

14
“diferença específica”. Se quisermos saber o que quer dizer

“homem”, devemos identificar, por meio da análise, o “gênero

próximo” no qual ele se inclui, que não é aquele de “vivente”

(pois também as plantas são viventes), mas o de “animal” (o

animal tem, além da vida vegetativa, também a sensitiva), e

depois analisar as “diferenças” que determinam o gênero

animal, até encontrar a “diferença última”, distintiva do

homem, que é “racional”. O homem, portanto, é “animal”

(gênero próximo) “racional” (diferença específica). A essência

das coisas é dada pela diferença última que caracteriza o gênero.

15

Para a definição dos conceitos singulares, vale o que foi dito

a respeito das categorias: uma definição será válida ou não,

mas nunca verdadeira ou falsa, pois verdadeiro e falso

implicam sempre uma união ou separação de conceitos, e isso

só acontece no juízo e na proposição, dos quais iremos falar.


As proposições: Sobre a interpretação

Quando juntamos os termos entre si (um nome e um verbo) e

afirmamos ou negamos algo de alguma outra coisa, então

temos o juízo. O juízo, portanto, é o ato com o qual afirmamos

ou negamos um conceito em relação a outro conceito, e a

expressão verbal do juízo é a enunciação ou proposição. A bem

da verdade, Aristóteles não tem uma terminologia precisa

sobre o assunto: aquilo que denominamos juízo ele indica

antes pelos termos apóphasis (afirmação) e katáphasis

(negação), ou seja, pelos termos que indicam as operações de

que o juízo é formado. E aquilo que chamamos de proposição

ele indica pelo termo prótasis. Juízo e proposição constituem a

forma mais elementar de conhecimento, aquele que permite

conhecer diretamente o nexo entre um predicado e um sujeito

(o verdadeiro e o falso nascem, portanto, com o juízo, ou seja,

com a afirmação e com a negação; o verdadeiro ocorre quando

ao juízo se une o que é realmente conjunto (ou se separa o que

é realmente separado), e o falso, quando ao juízo se une o que

não é conjunto (ou se separa o que não é separado). A

enunciação ou proposição que exprime o juízo expressa

sempre afirmação ou negação; portanto, é verdadeira ou falsa.

16
É importante notar que nem toda frase é uma proposição

concernente à lógica; todas as frases que exprimem preces,

invocações, exclamações e assemelhados não dizem respeito à

lógica, mas a outro tipo de discurso, por exemplo, o retórico

ou o poético; apenas o discurso apofântico ou declarativo

17
pertence à lógica.

A primeira distinção dos juízos é entre juízos afirmativos e

juízos negativos, dado que julgar é afirmar ou negar algo de

alguma outra coisa (como cada afirmação de uma coisa se

opõe à sua negação, e entre afirmação e negação não há meio-

termo, então, necessariamente, a verdade está em uma ou na

18
outra).

Quanto àquilo que receberá o nome de “quantidade”, ou

seja, a extensão (maior ou menor universalidade do sujeito), os

juízos se dividem em universais, se dizem respeito a um

universal (por exemplo, “Todos os homens são brancos”, ou


“Nenhum homem é branco”), individuais ou singulares,

quando se referem a um indivíduo (por exemplo, “Sócrates é

branco”, ou “Sócrates não é branco”). Além disso, pode haver

um juízo que diga respeito a um universal, mas não seja

universal, como no caso de “Um homem é branco” (ou

“Alguns são brancos”, e as negativas correspondentes); esse

juízo foi denominado particular. (Nos Analíticos, Aristóteles

prefere juízos indefinidos.) Os juízos contraditórios universais e

individuais são sempre um verdadeiro e o outro falso; os

particulares contraditórios, por sua vez, podem ser ambos

19
verdadeiros (um homem é branco, outro não é branco).

Sobre a interpretação analisa, enfim, o modo como se afirma

ou se nega algo de alguma coisa, e, portanto, a modalidade das

proposições. Nós não apenas conectamos ou separamos um

predicado e um sujeito dizendo é ou não é, mas às vezes

especificamos também o modo como sujeito e predicado estão

conectados ou separados. Uma coisa é dizer “O sujeito tal é

desse jeito”; outra é dizer “O sujeito tal deve ser desse jeito”;

outra ainda é dizer “O sujeito tal pode ser desse jeito” (eis um

exemplo esclarecedor: uma coisa é dizer “Deus existe”, outra é

dizer “Deus deve existir”, e outra, ainda, “Deus pode existir”).

Aristóteles reduz tais proposições que implicam necessidade e

possibilidade à forma assertiva. Assim, temos: para a

necessidade, a proposição “É necessário que A seja B”; para a

possibilidade, “É possível que A seja B”. As negações seriam:

“Não é necessário que A seja B” e “Não é possível que A seja

B”. Em seguida, ele desenvolve uma complexa série de

20
considerações sobre essas proposições modais.

No entanto, não se pode dizer que o filósofo tenha

identificado as distinções posteriores do juízo hipotético e do

juízo disjuntivo.

O silogismo

Quando afirmamos ou negamos algo de alguma coisa, ou seja,

quando julgamos ou formulamos proposições, ainda não

estamos raciocinando. Tampouco refletimos, obviamen-te,


quando formulamos uma série de juízos e listamos uma série

de proposições desconexas entre si.

Em contrapartida, raciocinamos quando passamos desses

juízos e proposições a proposições que tenham determinados

nexos entre si e que sejam, de certo modo, causas umas das

outras, umas antecedentes, outras consequentes. Não há

reflexão sem esse nexo, sem esse caráter de consequência. Ora,

o silogismo é o raciocínio perfeito, aquele em que a conclusão

a que se chega é de fato a consequência que deriva

necessariamente do antecedente.

Em geral, num raciocínio perfeito, ou seja, num silogismo,

deve haver três proposições, das quais duas são antecedentes;

portanto, diz-se que estas são premissas e a terceira é o

consequente, a conclusão que deriva das premissas. No

silogismo há sempre três termos em jogo, dos quais um

desempenha a função de uma espécie de dobradiça que une os

outros dois, como veremos a seguir.

Eis o exemplo clássico de silogismo: “Se todo homem é

mortal e se Sócrates é homem, então Sócrates é mortal.”

Como se pode ver, o fato de Sócrates ser mortal deriva

necessariamente de se estabelecer que todo homem é mortal e

que Sócrates é homem. Portanto, “homem” é o termo usa-do

como alavanca para a conclusão. Entende-se, então, a célebre

definição dada por Aristóteles:

Silogismo é um discurso (isto é, um raciocínio) em que, estabelecidos alguns

dados (isto é, premissas), segue-se necessariamente algo diferente deles, pelo

simples fato de terem sido estabelecidos. Com a expressão “pelo simples fato de

terem sido estabelecidos” entendo o que decorre por força deles; com a

expressão “o que decorre por força deles” entendo o fato de não precisar

acrescentar nenhum termo estranho para que tenha lugar a relação de

21
necessidade.

Um estudioso italiano comenta muito bem essa passagem:

O silogismo caracteriza-se, portanto, pelo fato de o consequente derivar

necessariamente do antecedente pela simples razão de este ter sido formulado.

Nesse sentido, as premissas são causa não da verdade ou da falsidade, ou, em

geral, do conteúdo do consequente em si mesmo, mas da sequela; de modo

que, posto o antecedente, o consequente não pode deixar de derivar dele. As

premissas silogísticas, por isso, têm valor de hipóteses e devem ser precedidas

22
da conjunção “se”.
No silogismo, o que está em causa é a coerência do raciocínio;

o conteúdo de verdade deve permanecer fora de questão e será

chamado em causa, como veremos, sob outra perspectiva.

Mas voltemos ao exemplo de silogismo apresentado. A

primeira das proposições se chama “premissa maior”, a

segunda “premissa menor”, a terceira “conclusão”. Os dois

termos unidos na conclusão se chamam extremo menor, o

primeiro (que é o sujeito, “Sócrates”), e extremo maior, o

segundo (que é o predicado, “mortal”). Como tais termos são

unidos entre si por outro, que dissemos desempenhar uma

função de dobradiça, ele é chamado de termo “médio”, ou

23
seja, termo que opera a mediação.

Mas Aristóteles não apenas estabeleceu o que é o silogismo,

ele também levou a efeito toda uma série de complexas

distinções entre as diversas “figuras” possíveis dos silogismos e

os vários “modos” válidos de cada uma delas.

As diversas “figuras” (schémata) do silogismo são

determinadas pelas diferentes posições que o termo médio

pode ocupar em relação aos extremos nas premissas. Como o

termo médio pode ser: a) sujeito na premissa maior ou

predicado na menor; b) predicado tanto na premissa maior

quanto na menor; c) sujeito em ambas as premissas, as figuras

possíveis do silogismo serão três. O exemplo que demos antes é

de primeira figura, que, segundo Aristóteles, é a figura mais

perfeita, pois é a mais natural, à medida que manifesta o

processo de mediação da maneira mais clara e linear.

Mas como as proposições que fazem as vezes de premissas

podem variar por “quantidade” (podem ser universais ou

particulares) e por “qualidade” (podem ser afirmativas ou

negativas), há múltiplas combinações possíveis para cada uma

das três figuras. Aristóteles estabelece, numa análise exata,

quais e quantas são essas possíveis combinações, que são os

“modos” do silogismo. As conclusões do Estagirita são as

seguintes: há quatro modos válidos da primeira figura, quatro

da segunda e seis da terceira.


Não cabe falar aqui das distinções posteriores entre

silogismos perfeitos e imperfeitos, do modo de reduzir os

segundos aos primeiros, dos modos de reduzir os silogismos

das outras figuras aos da primeira, e das regras referentes à

conversão das proposições para operar tais transformações.

Tampouco é o caso de adentrar aqui as questões da silogística

modal que o Estagirita enfrenta, ou seja, as questões

relacionadas aos silogismos que consideram a modalidade das

proposições que servem de premissas (se seriam de simples

existência ou implicariam a modalidade da necessidade, ou

ainda a da possibilidade), com todas as suas possíveis

combinações. Essa é a parte mais incômoda e criticada da

24
silogística aristotélica.

Enfim, como Aristóteles não havia reconhecido as

proposições hipotéticas e disjuntivas, ele não pôde estabelecer

uma doutrina do silogismo hipotético e disjuntivo, sobre os

quais falarão Teofrasto e sobretudo os estoicos.

O silogismo científico ou demonstração

Como vimos, o silogismo como tal mostra qual a essência

mesma do raciocínio, qual a estrutura da inferência; também

como tal prescinde do conteúdo de verdade das premissas (e,

portanto, das conclusões). O silogismo “científico” ou

“demonstrativo” se diferencia porém do silogismo em geral

porque pressupõe, além da correção formal da inferência,

também o valor de verdade das premissas (e das

consequências). Como bem diz Mignucci:

O procedimento silogístico próprio da ciência se chama demonstração. Trata-

se de um tipo particular de silogismo que se diferencia do silogismo não pela

forma, do contrá-rio não poderia ser chamado propriamente silogismo, mas

pelo conteúdo das premissas formuladas. Na verdade, na demonstração, as

premissas devem ser sempre verdadeiras, enquanto isso não precisa se verificar

necessariamente no silogismo como tal, pois, nesse caso, só interessa

determinar se um dado consequente deriva ou não das premissas formuladas

pelo simples fato de terem sido formuladas, independentemente do valor de

verdade que possam ter. Na demonstração, ao contrário, sendo ela o

procedimento que leva à ciência do consequente, isto é, que leva a verificar se o

consequente é verdadeiramente tal ou não, cabe postular um antecedente

verdadeiro, dado que somente do verdadeiro deriva necessariamente o

25
verdadeiro.
Logo, além da correção do procedimento formal, a ciência

implica a verdade do conteúdo das premissas. Vamos então a

uma passagem dos Analíticos segundos sobre esse ponto

fundamental:

Julgamos ter ciência de cada coisa [ …] quando acreditamos que sabemos que a
causa em virtude da qual a coisa existe é justamente a causa dessa coisa, e que

não é possível que seja de outra maneira. Por conseguinte, é impossível que

aquilo que seja objeto de ciência em sentido próprio seja diferente do que é.

Ora, se há outro modo de ter ciência, nós o veremos a seguir [alusão ao saber

intuitivo, com o qual apreendemos os princípios primeiros]; por enquanto,

basta dizer que ter ciência é saber por demonstração. Entendo por demonstração

o silogismo científico; e por silogismo científico aquele em virtude do qual, pelo

simples fato de possuí-lo, temos ciência. Então, se ter ciência é aquilo que

estabelecemos [isto é, conhecer as causas], é necessário que a ciência

demonstrativa proceda de premissas verdadeiras, primeiras, imediatas, mais

conhecidas, anteriores e causais das conclusões. De fato, somente assim os

princípios serão pertinentes ao que foi demonstrado. O silogismo pode

subsistir mesmo sem essas condições, mas não a demonstração, do contrário

26
não produziria ciência.

A passagem revela de maneira paradigmática qual a ideia

aristotélica de “ciência”. Ela é fundamentalmente um processo

discursivo que tende a determinar o porquê e a causa; e, das

quatro causas que conhecemos bem, sobretudo a causa formal,

ou essência. De fato, essa é a causa fundamental porque, ao

indicar a essência ou natureza da coisa, representa

precisamente aquele “meio” em virtude do qual estabelecemos

a necessária conexão de certas propriedades com um sujeito

dado. Entende-se, portanto, o significado de uma célebre

afirmação do Estagirita na Metafísica: “[ …] como nos

silogismos, o princípio de todos os processos de geração é a

substância; com efeito, os silogismos derivam da essência, e

27
dela derivam também as gerações.”

Assim como a substância (ou essência, ou forma, ou eidos)

está no centro da metafísica e da física, ela está também no

centro da teoria da ciência, ou seja, de todo o sistema aristotélico.

Enquanto o silogismo aristotélico em geral implica um elevado

grau de “formalismo”, o silogismo científico, isto é, a

demonstração científica, está quase inteiramente ligada à

concepção metafísica da substância, e a ciência aristotélica

pretende ser a busca da substância e de todos os nexos que ela

implica.
Esse é um ponto de vista consideravelmente distante daquele

que as ciências exatas da era moderna adotaram para si.

A passagem que acabamos de citar revela ainda um segundo

ponto fundamental: como devem ser as premissas do silogismo

científico ou da demonstração. Em primeiro lugar, devem ser

verdadeiras, por razões já amplamente ilustradas; em seguida,

devem ser primeiras, ou seja, necessitam, por sua vez, de

posteriores demonstrações; mais conhecidas e anteriores, ou

seja, inteligíveis e claras de per si, e mais universais que as

conclusões; e causais das conclusões, pois devem conter a razão

destas últimas.

Chegamos assim a um ponto delicadíssimo da doutrina

aristotélica da ciência. Surge aqui o problema: como

conhecemos as premissas? Sem dúvida não será por meio de

silogismos posteriores, pois do contrário iríamos até o infinito.

A via deve ser outra. Qual seria essa via?

O conhecimento imediato

O silogismo é um processo substancialmente dedutivo, pois

extrai verdades particulares de verdades universais. Mas como

apreender as verdades universais? Aristóteles fala de indução e

intuição como processos em certo sentido opostos ao processo

silogístico, mas em todo caso pressupostos pelo próprio

silogismo.

A indução (ejpagwghv) é o procedimento pelo qual se deriva

o universal do particular. Embora Aristóteles tente mostrar nos

28
Analíticos o modo como a própria indução pode ser

silogisticamente tratada, ele não só não o consegue, como essa

tentativa fica totalmente isolada; ele mesmo reconhece que, em

geral, a indução não é um raciocínio, porém, ao contrário, um

“ser conduzido” do particular ao universal por obra de uma

espécie de apreensão imediata ou de intuição (ou como quer

que se chame esse conhecimento não mediato); ou ainda, se

quisermos, por obra desse procedimento no qual o “meio” é

em certo sentido dado pela experiência dos casos particulares

29
(em substância, a indução é o processo de abstração).
A intuição, por sua vez, é a apreensão pura e simples dos

princípios primeiros. Portanto, Aristóteles também admite o

intelecto intuitivo. Vejamos como isso está descrito nos

Analíticos segundos:

Posto que, dentre as disposições racionais com as quais apreendemos a verdade,

algumas são sempre verdadeiras, enquanto outras — como por exemplo a

opinião e o cálculo — admitem o falso, ao passo que o conhecimento científico

e a intuição são sempre verdadeiros; posto que nenhum outro gênero de

conhecimento, exceto a intuição, é mais exato que o conhecimento científico, e que,

por outro lado, os princípios são mais cognoscíveis que as demonstrações; pos-

to que todo conhecimento científico se constitui de modo argumentativo, e,

portanto, não pode haver conhecimento científico dos princípios; e posto que

nada, exceto a intuição, pode ser mais verdadeiro que o conhecimento científico, a

intuição deve ter por objeto os princípios. Isso fica evidente não apenas para

quem investiga essas considerações, mas também pelo fato de que o princípio

da demonstração não é ele próprio uma demonstração; por conseguinte, o

princípio do conhecimento científico não é o conhecimento científico.

Portanto, se não há nenhum outro gênero de conhecimento verdadeiro senão a

ciência, a intuição será o princípio da ciência. Assim, a intuição pode ser

considerada princípio do princípio, enquanto a ciência como um todo está

30
analogamente relacionada à totalidade das coisas que tem por objeto.

Como se pode ver, essa é uma página que dá razão à noção

de fundo do platonismo: o conhecimento discursivo supõe um

conhecimento não discursivo anterior; a possibilidade do saber

mediato supõe necessariamente um saber imediato.

Os princípios da demonstração

Em suma, as premissas e os princípios da demonstração são

apreendidos por indução ou por intuição. A respeito disso, é

importante notar que cada ciência irá assumir, antes de tudo,

premissas e princípios próprios, ou seja, premissas e princípios

que são peculiares a ela, e só a ela.

Em primeiro lugar, irá assumir a existência do âmbito, ou,

melhor (em termos lógicos), a existência do sujeito para o qual

todas as suas determinações afluirão e que Aristóteles chama

de gênero-sujeito. Por exemplo: a aritmética assumirá a

existência da unidade e do número; a geometria, a existência

da grandeza espacial, e assim por diante. Cada ciência irá

caracterizar seu objeto por meio da definição.

Em segundo lugar, cada ciência irá proceder à definição do

significado de uma série de termos que lhe pertencem (a


aritmética, por exemplo, definirá o significado de

“comensurável” e “incomensurável” etc.) sem assumir sua

existência, mas tratando antes de provar que são características

pertinentes a seu objeto.

Em terceiro lugar, para isso, as ciências terão de fazer uso de

certos “axiomas”, ou seja, proposições intuitivamente

verdadeiras que são precisamente os princípios em virtude dos

quais acontece a demonstração. Eis um exemplo de axioma:

“Se de iguais subtraem-se iguais, os restos serão iguais.”

Portanto, conclui Aristóteles,

[ …] toda ciência demonstrativa guarda relação com três elementos, ou seja,

com aquilo que é dado como algo que é (ou seja, o gênero cujas afecções por si

[as características essenciais] a ciência considera), com os axiomas chamados

comuns, proposições primeiras das quais partem as demonstrações, e, enfim,

31
com as afecções cujos significados foram assumidos.

Entre os axiomas, alguns são “comuns” a várias ciências

(como o mencionado); outros, a todas as ciências, sem

exceção, como o princípio da não contradição (não se pode

afirmar e negar do mesmo sujeito, ao mesmo tempo e sob a

mesma relação dois predicados contraditórios) e os princípios

de identidade e do terceiro excluído, que estão estreitamente

ligados ao da não contradição (cada coisa é aquilo que é; não é

possível haver um termo médio entre dois contraditórios). São

os famosos princípios transcendentais, vá-lidos para todo tipo

de pensamento como tal (por serem válidos para todo ente

como tal), conhecidos por si e, portanto, primeiros, os quais

Aristóteles debate expressa e amplamente no célebre livro iv da

Metafísica. Eles são condições incondicionais de toda

demonstração (e são indemonstrá-veis, pois qualquer forma de

32
demonstração os pressupõe estruturalmente).

As ciências, portanto, têm princípios próprios, princípios

comuns a algumas delas e princípios comuns a todas, que

podem ser apreendidos por indução ou por intuição e

determinados por definição. Essas são as condições da

mediação silogística.

Os silogismos dialéticos e sofísticos


Vimos que a teoria do silogismo em geral diz respeito à simples

correção formal da inferência. A teoria do silogismo científico

ou demonstração diz respeito, ao contrário, também ao

conteúdo de verdade da inferência, que, como sabemos,

depende da verdade das premissas. O silogismo científico só

existe quando as premissas são verdadeiras e possuem as

características examinadas. Quando as premissas, em vez de

verdadeiras, são simplesmente prováveis, ou seja, baseadas na

opinião, então temos o silogismo dialético, que Aristóteles

estuda nos Tópicos.

O objetivo desse tratado é explicado por Aristóteles no

seguinte trecho:

Este tratado se propõe a encontrar um método que, acerca de qualquer

formulação de pesquisa que se proponha, permita estabelecer silogismos que

partam de elementos baseados em opiniões aceitas; e que impeçam que

venhamos a dizer algo em contradição com a tese que nós mesmos estamos

defendendo. Em primeiro lugar, é preciso dizer o que é um silogismo e que

diferenças marcam sua esfera, para que possamos entender o silogismo

dialético. Este último é o objeto de estudo do presente tratado.

Silogismo é propriamente um discurso em que, formulados alguns elementos,

algo de diferente deriva necessariamente deles. Assim, temos de um lado a

demonstração, quando o silogismo é constituído por e deriva de elementos

verdadeiros e primeiros, ou de elementos tais que o princípio de seu

conhecimento provenha de elementos verdadeiros e primeiros. Por outro lado, é

dialético o silogismo que chega à conclusão a partir de elementos baseados na

opinião. Elementos verdadeiros e primeiros são, ademais, aqueles que extraem

sua credibilidade de si mesmos, e não de outros elementos; diante dos

princípios das ciências, não se deve buscar o porquê em outra parte; é preciso,

ao contrário, que cada um dos princípios imponha sua verdade por si mesmo.

São baseados na opinião os elementos que, por sua vez, parecem aceitáveis para

todos, para a grande maioria ou para os sábios e entre eles, ou seja, para todos,

33
para a grande maioria ou para aqueles especialmente eminentes ou ilustres.

O silogismo dialético, segundo Aristóteles, serve para nos

tornar capazes de debater e, em particular, de identificar,

quando debatemos com pessoas comuns ou instruídas, quais

os seus pontos de partida e se suas conclusões concordam com

essas premissas ou não, situando-nos não numa perspectiva

estranha à do oponente, mas em conformidade com seu

próprio ponto de vista. Para a ciência, além de ensinar a

debater corretamente os prós e os contras de várias questões,

serve também para averiguar os princípios primeiros, que,

como sabemos, não são dedutíveis silogisticamente e só podem


ser apreendidos por meio da indução ou da intuição. Contudo,

tanto a indução quanto a justificativa de uma intuição supõem

um debate com as opiniões da maioria ou dos mais doutos.

Explica Aristóteles:

Este tratado é igualmente útil no que diz respeito aos elementos próprios de

cada ciência, pois, partindo dos princípios primeiros da ciência em exame, é

impossível dizer algo sobre os princípios mesmos, visto que são anteriores a

todos os outros elementos; portanto, é necessário examiná-los à luz de

elementos fundados na opinião e referentes a cada objeto. Essa é a tarefa

própria, ou a mais apropriada, da dialética; utilizada nas investigações, ela leva

34
de fato aos princípios de todas as ciências.

Como se pode ver, em Aristóteles a “dialética” assume um

significado muito diferente do que tinha para Platão (ou, se

quisermos, mantém o significado mais fraco e menos

específico que Platão lhe atribuía, dado que, para este, a

dialética é sobretudo a ciência das relações entre as Ideias).

Mas os Tópicos não aprofundam esse segundo aspecto,

limitando-se predominantemente ao primeiro; por

conseguinte, invadem com abundância o terreno da retórica.

35

“Tópicos” (tovpoi) significa “lugares” (em latim, loci), e a

palavra indica metaforicamente os quadro ideais aos quais

pertencem e, portanto, de onde podem ser extraídos os

argumentos, como sedes et quasi domicilia argumentorum,

36
como dirá Cícero. Os Tópicos descrevem, portanto, o

“arquivo de onde o raciocínio deve extrair seus argumentos”,

como disse muito bem Ross, que considera essa obra

aristotélica a menos estimulante entre as que compõem o

Organon:

O debate pertence a um modo passado de pensar; é um dos últimos esforços

daquele movimento do espírito grego em direção a uma cultura geral que tenta

discutir qualquer assunto sem estudar os princípios primeiros que lhe são

próprios e que conhecemos pelo nome de movimento sofístico. O que

distingue Aristóteles [scil.: naquilo que ele diz nos Tópicos] dos sofistas, pelo

menos do modo como foram retratados por ele e por Platão, é que seu objetivo

não é ajudar os ouvintes e leitores a atingir o ganho e a glória com uma falsa

aparência de sabedoria, mas debater as questões do modo mais sensato

possível, sem um conhecimento especial. Mas o próprio Aristóteles apontou

um caminho melhor, o da ciência. Foram os seus Analíticos que deixaram os

37
Tópicos fora de moda.
Enfim, além das premissas baseadas na opinião, o silogismo

pode derivar de premissas que parecem fundadas na opinião

(mas que na realidade não o são). Há então o silogismo erístico.

E há também o caso de certos silogismos que o são apenas na

aparência e sugerem uma conclusão, à qual só chegaram, no

entanto, graças a passagens incorretas; nesse caso, há os

paralogismos, os raciocínios errados. Ora, Refutações sofísticas

38
(que muitos consideram o nono livro dos Tópicos) estudam

exatamente as contestações (élenkhos quer dizer justamente

“contestação”) sofísticas, ou seja, falaciosas. A refutação

correta é um silogismo cuja conclusão contradiz a conclusão

do adversário; as refutações dos sofistas, ao contrário (assim

como sua argumentação, em geral), eram feitas de modo a

parecer corretas, embora na realidade não o fossem, e

lançavam mão de uma série de truques para induzir os não

experientes ao erro. As Refutações sofísticas estudam com

notável perspicácia todos os meandros desses possíveis

enganos e os paralogismos mais característicos a que dão

ensejo.

A lógica e a realidade

Muitos estudiosos dizem e repetem à exaustão que, de certa

forma, a lógica aristotélica afastou-se do real; a lógica diz

respeito ao universal; a realidade, ao contrário, é substância

individual e particular; o universal não é real, o real não é

sujeito à lógica. Se fossem, o real fugiria totalmente das malhas

da lógica. Na verdade, não é assim. Essas interpretações

supõem que a substância primeira de Aristóteles é o indivíduo

empírico, o que não é correto, como bem sabemos. O

indivíduo é sínolo ou composto de matéria e forma. Se a

substância, em certo sentido, é sínolo, no sentido mais forte é a

39
forma ou essência que determina a matéria. O sínolo é um

tovde ti, algo de empiricamente determinado, mas a forma

também é um tovde ti, algo de determinado do ponto de vista

inteligível. Sendo apreendida pelo pensamento, ela se torna

universal, no sentido de que a estrutura ontológica que

determina uma coisa se converte em conceito que é

apreendido como capaz de referir-se a várias coisas, portanto,


capaz de ser predicado de vários sujeitos (de todos os que

possuem tal estrutura). A forma ontológica converte-se então

numa espécie lógica.

As operações mentais posteriores descobrem, analisando as

espécies, as possibilidades estruturais de inseri-las em gêneros,

os quais representam universais mais amplos (e são como uma

matéria lógica ou inteligível cuja forma ou espécie é a

especificação). Esses gêneros se ampliam sucessivamente em

universalidades até as categorias (gêneros supremos). Acima

das categorias, o pensamento descobre ainda um universal que

já não é mais um gênero, e sim uma relação analógica: é o ser e

o uno. Mas essas operações do pensamento não têm um valor

meramente nominal, pois se baseiam na mesma estrutura do

real, que é uma estrutura eidética, como vimos na metafísica

40
de modo pontual.

Como se sabe, Kant defendia que a lógica aristotélica (que

ele entendia como lógica puramente formal) nasceu perfeita.

Depois das descobertas da lógica simbólica, ninguém mais

pode repetir tal juízo, visto que a aplicação dos símbolos

facilitou enormemente o cálculo lógico e mudou muitas coisas.

Ademais, é bem difícil afirmar que o silogismo é a forma

própria de qualquer mediação e de qualquer inferência, como

acreditava Aristóteles. Contudo, por mais numerosas que

sejam as objeções que foram e ainda podem ser formuladas

contra a lógica aristotélica, e por mais verdades que possam

conter as instâncias que vão do Novum Organon de Bacon ao

Sistema de lógica de Stuart Mill, além de instâncias que vão da

lógica transcendental kantiana à lógica da razão (lógica do

infinito) hegeliana, ou, enfim, as instâncias das metodologias

das ciências modernas, é sempre indubitável que a lógica

ocidental em seu conjunto tem suas raízes no Organon de

Aristóteles, que, portanto, ainda é um marco no caminho do

pensamento humano.

NOTAS
1. Cf. Metaph. e 2-4.

2. Cf. Reth. a 4, 1.359 b 10, em que se fala de “ciência analítica (e, como iremos ver

em seguida, “analítica” substitui, em Aristóteles, a palavra “lógica”).


3. Cf. Th. Waitz, Aristotelis “Organon”, 2 v. Lipsiae, 1844 (reed. Aalen, 1965), v. ii, p.

293 ss.

4. Cf. C. Prantl, Geschichte der logik im Abendlande, 2 v. Leipzig, 1927, v. ii, p. 54,

535.

5. Além de Analíticos, Aristóteles usa a expressão Escritos sobre o silogismo para

referir-se a esses textos. Ver M. Mignucci (org.), Aristóteles. Analitici primi.

Nápoles, 1970, p. 40 e nota 2.

6. Confutazioni sofistiche, 34, 183 b 34 ss e, em parte, 184 a 8-184 b 8.

7. Ver status quaestionis em Aristóteles, Analitici primi, p. 19 ss; cf. também

V. Sainati, Storia dell’“Organon” aristotelico, Florença, 1968.

8. Cf. Waitz (org.), Organon, i, p. 366 ss.

9. An. post. a 2, 71 b 17-25, tradução Mignucci (Aristotele, Gli “Analitici secondi”,

Bolonha, 1970; essa é a edição condensada. Mignucci reeditou-a com amplíssimo

comentário na mesma coleção em que saíram Gli “Analitici primi”, Loffredo,

Nápoles).

10. Em sua edição cit. do Organon, Waitz os considera simplesmente o último livro

(Iota) dos Tópicos; cf. a justificativa que ele fornece no v. ii, p. 528 ss; cf. também

as indicações dadas por Mignucci na edição citada de Gli “Analitici primi”, p. 19,

nota 2.

11. Cat. 4, 1 b 25-27 (D. Pesce [org.], Aristoteles, Le categorie. Pádua, 1966).

12. Ibid., 4, 2 a 4-10.

13. Cf. os lugares em que tais definições aparecem no Organon (Waitz, op. cit., ii, p.

398 ss).

14. Cf. passagens ibid., ii, p. 399.

15. Ver em especial Metaph. z 12.

16. De interpr. 1 e 9.

17. Ibid., 4, 17 a 1-7.

18. Ibid., 5-6.

19. Ibid., 7.

20. Ibid., 9 ss.

21. An. pr. a 1, 24 b 18-22 (afastamo-nos em parte da tradução de Mignucci).

22. M. Mignucci, La teoria aristotelica della scienza. Florença, 1965, p. 151.

23. Cf. An. pr. a 4.

24. Sobre todas essas questões aqui apenas mencionadas, o leitor encontrará as

explicações e os aprofundamentos necessários na introdução e no comentário de

Mognucci, tantas vezes citados.

25. Mignucci, La teoria aristotelica della scienza, p. 110 ss.

26. An. post. a 2, 71 b 9-25 (tradução de M. Mignucci).

27. Metaph. z 9, 1.034 a 30-32.

28. An. pr. b 23, passim.


29. Cf. H. Bonitz, Index aristotelicus, p. 264 a s.v.

30. An. pr. b 19, 100 b 5-17.

31. An. post. a 10, 76 b 11-16.

32. Ver Metaph G 3-8 e Aristóteles, La metafisica (Reale, op. cit., v. i, p. 329-357).

33. Top. a 1, 100 a 18-100 b 23 (a tradução é de Giorgio Colli, cf. Organon, Laterza,

Bari 1970).

34. Ibid., a 2, 101 a 36; 101 b 4.

35. Para uma exposição específica da dialética aristotélica, cf. A. Viano, La logica di

Aristotele. Turim, 1955, cap. iv, passim.

36. Cic., De Oratore 2, 39, 162 (cf. Top. h. no final).

37. Ross, Aristotele, p. 86 ss.

38. Cf. nota 10, acima.

39. Em Metaph. z 7, 1.032 b 1 ss, Aristóteles diz, sem meios-termos: “chamo de

‘forma’ (eîdos) a essência de cada coisa e a substância primeira”.

40. Remetemos, para todos os oportunos aprofundamentos, ao livro z da Metafísica,

passim, essencial para compreender o pensamento aristotélico como um todo. A

lógica (como qualquer outra parte do pensamento aristotélico) só é inteligível

com base na doutrina da substância-forma, tal como vem determinada nesse

livro. Cf. Reale, La “Metafísica”, i, p. 562-637.


HISTÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS

INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

História da escola peripatética e dos escritos de Aristóteles até a edição de

1
Andrônico de Rodes

Em 322-321 a.C., Teofrasto sucedeu Aristóteles na direção do

Perípato, mantendo-se à frente da escola até 288-284 a.C. Ele

foi uma figura de primeira ordem, um pesquisador formidável,

de cultura enciclopédica; quanto à vastidão do saber, rivalizava

com o próprio Aristóteles. Teofrasto, que, como vimos, seguiu

de perto a evolução do pensamento aristotélico desde os

tempos de Assos e Mitilene, não foi contudo capaz de retomar

e repensar os temas aristotélicos. Na verdade, orientou o

aristotelismo para uma direção naturalística e fez com que

perdesse seu peculiar vigor especulativo. Em sua Metafísica,

imprimiu um sentido cosmológico à ontologia aristotélica,

reduziu o alcance do finalismo e começou a levantar dúvidas,

embora timidamente, sobre o Motor Imóvel. Revelou

tendências análogas também em física e psicologia. Na ética,

preferiu a fenomenologia descritiva à análise dos princípios (é

famoso o seu Características). Em lógica, produziu algumas

correções e inovações. A mais conhecida é a doutrina do

silogismo hipotético, na qual foi precursor dos estoicos.

Tendências análogas podem ser reconhecidas também em

outros discípulos de Aristóteles: Eudemo, Dicearco e

Aristóxeno. Os dois últimos voltaram até a defender a doutrina

materialista da alma-harmonia, expressamente refutada por

Aristóteles.

Abertamente materialista foi a orientação do terceiro

escolarca do Perípato, Estratão de Lâmpsaco, que dirigiu a

escola de 288-284 a 274-270 a.C. e que eliminou o fim,

eliminou a forma, eliminou o Motor Imóvel da explicação da

natureza e do cosmo, limitando-se a fazer uso dos conceitos de

matéria e movimento. De mais a mais, entendeu a psicologia


num sentido sensualista, de modo que era conhecido, e com

razão, como “o Físico”.

De 270 a.C. até por volta do fim da era pagã, a vida da escola

aristotélica prosseguiu num clima de monotonia e

constrangedora mediocridade. Lícon, que sucedeu Estratão e

manteve o escolarcado por quase meio século, era mais literato

que filósofo, assim como seu sucessor, Aríston de Quios. Um

contemporâneo de Lícon, Jerônimo de Rodes, acolheu

ecleticamente as doutrinas epicurianas. Critolaus de Faselide,

sucessor de Aríston, pendeu para o estoicismo, e tendências

ecléticas podem ser encontradas em seu sucessor, Diodoro de

Tiro.

Depois de Diodoro, os aristotélicos deixaram pouquíssimos

vestígios até Andrônico de Rodes, que, como veremos a seguir,

lançou as bases de um renascimento de Aristóteles e salvou o

pensamento do filósofo para a posteridade.

Pode-se perguntar quais teriam sido as razões que levaram a

escola de Aristóteles a uma crise tão grave, que começou logo

após sua morte e prosseguiu por um século e meio. Entre as

muitas causas possíveis, uma é decisiva. Ao morrer, Teofrasto

deixou os prédios e os jardins para a escola, mas entregou a

biblioteca, e portanto todos os escritos de Aristóteles, para

Neleu de Scepsis (Diógenes Laércio, v, 52), filho daquele

Corisco que já conhecemos. Hoje sabemos por Estrabão (xiii, i,

54) que Neleu transferiu-se com a biblioteca para a Ásia

Menor, e que, morrendo lá, deixou-a para seus herdeiros.

Estes, que não tinham pelas obras nenhum interesse especial,

resolveram esconder os preciosos manuscritos num porão,

para evitar que caíssem nas mãos dos reis atálidas, dedicados à

construção da biblioteca de Pérgamo. Assim, os escritos

ficaram escondidos até serem comprados por um bibliófilo de

nome Apelicão, que os levou de volta a Atenas, onde ficaram

por breve tempo. Depois da morte de Apelicão, eles foram

confiscados e levados para Roma (86 a.C.) por Sila, e lá foram

entregues para transcrição ao gramático Tirânio, que não

terminou a obra, depois levada a termo por Andrônico.


Portanto, após a morte de Teofrasto, a escola peripatética foi

privada do instrumento mais importante de uma escola

filosófica: a biblioteca. E foi privada justamente daquela

produção aristotélica que consistia nos cursos e aulas, ou seja,

nos escritos esotéricos, que continham a mensagem

indiscutivelmente mais original e mais profunda do Estagirita.

Assim, estavam disponíveis apenas as obras publicadas (as

exotéricas) e talvez partes ou extratos dos textos esotéricos; em

todo caso, o que estava à disposição correspondia a uma

parcela mínima da obra completa de Aristóteles.

Andrônico de Rodes, que mencionamos antes e que era,

como quer uma antiga tradição, o décimo primeiro escolarca

do Perípato, foi de Atenas a Roma disposto a recuperar o

Aristóteles esotérico para a escola e para o mundo filosófico. É

provável que tenha estabelecido uma relação com Tirânio,

beneficiando-se do trabalho que ele já havia feito; de modo

que, entre 40 e 20 a.C., Andrônico pôde afinal publicar as

obras de escola do Estagirita. A publicação seguiu um

procedimento sistemático, segundo um plano preciso, que

levava em conta o conteúdo das obras e a ordem lógica em que

deveriam ser lidas. Assim, pela primeira vez, os estudiosos

tinham à disposição todo o material deixado por Aristóteles

organizado do ponto de vista conceitual. Foi só depois dessa

edição de Andrônico que se começou, muito devagar ainda, a

entender que o verdadeiro Aristóteles não estava naqueles

escritos publicados para um amplo círculo de leitores, mas nos

textos esotéricos redigidos como apontamentos de cur-so para

seus alunos. A profundidade dos esotéricos pouco a pouco

venceu sua dificuldade e a linguagem própria para iniciados.

Com o passar do tempo, aliás, a situação mudou

completamente: as obras exotéricas foram postas de lado,

caindo no esquecimento e se perdendo; só os escritos

esotéricos chegaram até nós, justamente na sistematização

realizada por Andrônico.

2
Os comentaristas gregos de Aristóteles

Depois da edição de Andrônico, a produção dos

peripatéticos mudou de tom e de nível. Mesmo que não


tenham ensejado um repensamento radical de Aristóteles,

podemos falar de um “renascimento aristotélico”, que

começou como um trabalho de exposição e exegese do

pensamento esotérico do Estagirita e culminou com a criação

dos grandes comentários às várias obras.

Andrônico propunha uma leitura de Aristóteles que

começava com a Lógica, sublinhando seu valor instrumental;

seu discípulo Boezo de Sidón, por sua vez, propunha que se

começasse com a Física. Tudo indica que ambos tendiam para

uma interpretação naturalista do pensamento aristotélico.

Nicolau de Damasco (entre as eras pagã e cristã) escreveu

uma obra orgânica, Acerca da filosofia de Aristóteles, que parece

ter sido a primeira apresentação sistemática do Aristóteles

esotérico.

Com Aspásio (primeira metade do século ii a.C.) começa a

série dos comentaristas. De sua autoria, chegou a nós uma

parte do comentário da Ética a Nicômaco. Também são

lembrados como comentaristas Adrasto de Afrodísia e

Hermínio, cujo discípulo, Alexandre de Afrodísia, é

considerado o maior dos comentaristas de Aristóteles.

De Alexandre (que foi professor de filosofia aristotélica em

Atenas entre 198 e 211 d.C.) chegaram aos nossos dias o

imponente comentário da Metafísica (cujo texto talvez inclua

uma parte espúria), o comentário dos Analíticos primeiros, dos

Tópicos e dos Meteorológicos. Na verdade, Alexandre também

produziu um pensamento próprio, não alinhado à ortodoxia

aristotélica. Ele se inclinou para o naturalismo em ontologia e

psicologia, acentuando o caráter imanente da forma e,

portanto, da alma, que considera mortal. O intelecto agente,

que Aristóteles julgava a faculdade imanente da alma, para

Alexandre era a causa primeira transcendente, entidade

transcendente e ao mesmo tempo comum a todos os homens.

A intelecção teria lugar nos homens por obra da atividade

desse intelecto produtivo transcendente, único para todos,

sobre o intelecto de cada um de nós. Teríamos, portanto, um

contato direto com o divino, mas seríamos mortais.


Alexandre fecha a série de comentadores com convicções

aristotélicas. Depois dele, Aristóteles ainda seria muito lido e

estudado, mas em função do neoplatonismo, e os aristotélicos

puros seriam verdadeiras exceções, como Temístio, por

exemplo, no século iv, autor de paráfrases aos tratados

aristotélicos. O aristotelismo irá se fundir e se incorporar ao

neoplatonismo; assim, o Perípato e os peripatéticos deixariam

de existir como escola e como filosofia autônoma cerca de três

séculos antes que as escolas pagãs fossem oficialmente fechadas

por ordem de Justiniano.

Mas o comentário a Aristóteles continuaria a desfrutar da

estima dos neoplatônicos. A tendência comum a todos os

comentaristas era conciliar tanto quanto possível Platão e

Aristóteles. No século iii d.C., Porfírio (discípulo de Plotino),

primeiro dos comentaristas neoplatônicos, dedicou-se às

Categorias, escrevendo o Isagoge, ponto de referência para

todos os pensadores medievais.

Do círculo de Giamblico, temos Dexipo (século iv), autor de

um comentário às Categorias.

Também entre os neoplatônicos das escolas de Atenas e de

Alexandria havia numerosos comentaristas de Aristóteles.

Siriano (século v), que foi professor de Proclo, deixou um

comentário à Metafísica. Amônio, discípulo de Proclo que

dirigiu a escola de Alexandria, comentou Categorias, Sobre a

interpretação e Analíticos primeiros.

Todos os comentaristas do século v vieram da escola de

Amônio: Asclépio, do qual restou um comentário parcial à

Metafísica; João Filipono, que comentou obras de lógica e

também Física, Sobre a alma, Metafísica, Sobre a geração e a

corrupção, Meteorológicos e Sobre a geração dos animais.

Discípulo de Amônio foi também Simplício, que transitou

entre as correntes alexandrina e ateniense do neoplatonismo.

Comentou Categorias, Física, Sobre o céu e Sobre a alma. Em

529, foi obrigado a abandonar Atenas e migrou para a Pérsia,

em decorrência do fechamento das escolas pagãs por

Justiniano.
Entre os mais jovens discípulos de Amônio figurava

Olimpiodoro (segunda metade do século vi), que, além dos

diálogos platônicos, comentou Categorias. Elias e David foram

seus discípulos e deixaram comentários a Categorias e ao

3
Isagoge de Porfírio (século vii).

Ao lado dos comentaristas gregos, é importante mencionar

também os bizantinos, dos quais os mais conhecidos são

Miguel de Éfeso (cujos comentários a algumas obras científicas

e a Ética chegaram até nós) e Eustrásio (do qual temos um

comentário a Análiticos segundos), que viveram no século xi, e

Sofonias, do qual restou um comentário a Sobre a alma.

(Recordemos, enfim, que também saiu das fileiras do

neoplatonismo o Ptolomeu que escreveu uma Vida de

Aristóteles, tornando-se fonte de informações para quase todas

4
as biografias sucessivas do Estagirita. É provável que fosse

discípulo de Porfírio e Giamblico, e tenha vivido em

Alexandria na primeira metade do século iv.)

5
Aristóteles na Idade Média

No século vi, Severino Boécio traduziu o Organon de

Aristóteles para o latim. Dessa tradução circulam apenas

Categorias e Sobre a interpretação, visto que as traduções dos

outros tratados transformaram-se em letra morta. Mas essas

duas se conservaram, tanto que ainda foram utilizadas no

século xii, conforme demonstraram estudos mais recentes.

Portanto, entre os séculos vi e xii, o mundo latino só conheceu

efetivamente e estudou da obra de Aristóteles os dois primeiros

tratados do Organon.

Enquanto isso, porém, Aristóteles renascia no mundo árabe.

Na primeira metade do século ix, foi fundada em Bagdá uma

escola de tradutores de grego que produziu versões árabes de

Aristóteles e de alguns de seus comentaristas mais conhecidos:

Alexandre, Temístio, Porfírio e Amônio. Foi traduzida

também a Theologia Aristotelis, que, como todos sabem, é na

realidade uma antologia das Enéadas de Plotino. Tudo isso

explica claramente por que a interpretação que os árabes

fizeram de Aristóteles era acentuadamente neoplatônica.


Na segunda metade do século ix, Al-Kindi escreveu uma

Introdução ao estudo de Aristóteles, codificando os cânones do

Estagirita numa interpretação de caráter decididamente

neoplatônico, que ele aplicou também em seus comentários a

algumas obras singulares. Al-Farabi deu continuidade à obra

de comentário e repensamento de Aristóteles no século x,

assim como fez Avicena, com maior originalidade, no século

xi.

Mas o comentarista de Aristóteles por excelência foi

Averróis (“que o comentário deu”, como diz Dante, Inf., iv,

144), no século xii. Pelo menos em parte, Averróis reagiu

contra a interpretação neoplatônica; mesmo sem obter êxito

completo, decerto percorreu um longo caminho na direção

oposta à de seus predecessores. Redigiu três séries de

comentários: a) “os pequenos comentários”, paráfrases que

sintetizam as teses e conclusões de Aristóteles, sem as

mediações teóricas que levam a tais conclusões e destinadas

àqueles que não tinham condições de enfrentar a leitura dos

textos do Estagirita; b) os “comentários médios”, em que

expõe a doutrina aristotélica com as respectivas mediações

demonstrativas, acompanhadas também de reflexões pessoais;

c) os “comentários maiores”, em que apresenta os textos

aristotélicos com as respectivas interpretações.

Por intermédio da Espanha, da Sicília e da Itália meridional,

o aristotelismo árabe teve notável influência sobre o

pensamento ocidental, que, como dissemos, entre todas as

obras de Aristóteles, só havia lido diretamente os dois

primeiros tratados do Organon.

No século xii, entre 1128 e 1155, Giacomo Veneto

desenvolveu uma atividade febril de tradutor, como

demonstrou recentemente Minio-Paluello. Traduziu Analíticos

primeiros e Analíticos segundos, Tópicos, Refutações, Física,

Sobre a alma, parte de Parva naturalia, Metafísica e os escólios

6
gregos a Analíticos primeiros e ao primeiro livro da Metafísica.

Grande parte do Corpus aristotelicum também foi traduzida,

no mesmo século, por autores ainda não identificados. No fim

do mesmo século, somente as seguintes obras de Aristóteles


ainda não tinham sido traduzidas para o latim: Sobre o céu, os

três primeiros livros de Meteorológicos, talvez Política e

Economia, os tratados sobre os animais, Retórica e Poética.

Na primeira metade do século xiii, Roberto Grossates-ta

traduziu, com alguns colaboradores, entre outras obras, Sobre

o céu e Ética a Nicômaco, com comentários de Eutrásio, Miguel

de Éfeso e Aspásio.

Na corte de Manfredi, Bartolomeu de Messina traduziu

várias obras científicas do Estagirita.

Por fim, na segunda metade do século xiii, o tradutor

responsável foi Guilherme de Moerbeke; em parte utilizando

as traduções anteriores, em parte retraduzindo ex novo,

colocou à disposição do leitor ocidental toda a obra de

Aristóteles. Assim, Enzio Franceschini resume os resultados

das pesquisas acerca das traduções de Guilherme de Moerbeke:

Guilherme corrigiu as seguintes versões anteriores a ele: Sophistici elenchi (de

Boécio); Analytica posteriora, Physica, De anima, De memoria, De longitudine,

De iuventute, De respiratione, De morte (todas de Giacomo Veneto); De

generatione, De sensu, De somno, Metaphysica media, Politica vetus, De partibus

animalium (?); anônimas: Liber ethicorum, De caelo, Simplicius in “De caelo”

(Roberto Grossatesta). Traduziu ex novo as seguintes: Meteora, o comentário de

Alexandre de Afrodísia a Meteorológicos (1260); o comentário de João Filipono

aos livros i e ii de De anima (1268); o comentário de Temístio a De anima

(1267); o comentário de Simplício a Predicamenta (com o texto aristotélico:

1266); o comentário de anônimo a Periermeneias; o livro xi (K) da Metafísica;

os livros ii-viii de Politica; Rhetorica; Epistola ad Alexandrum; Poetica; De

historia animalium, De progressu animalium, De motu an., De generatione an., o

7
comentário de Alexandre de Afrodísica a De sensu.

Nos séculos xii e xiii foram realizadas também várias

traduções de Aristóteles do árabe; no século xiii, sobretudo no

âmbito do comentário de Averróis.

Em paralelo às traduções, surgiram no século xiii e no

seguinte inúmeros comentários. Os que indicaremos agora são

apenas os mais conhecidos; muitos ainda são inéditos, pois um

catálogo completo ainda não foi compilado. Comentários a

Analíticos segundos e Refutações, além de um compêndio da

Física, por Roberto Grossatesta. Paráfrases às obras

aristotélicas (Lógica, Física, Metafísica, Ética e Política), de

Alberto Magno. Esclarecedores e corretos comentários, ainda


hoje amplamente utilizáveis, de Tomás de Aquino a Sobre a

interpretação, Física, Metafísica, Ética, Sobre a alma, Sobre o

senso e o sensato, Sobre o céu e o mundo, Meteorológicos, Política.

Roger Bacon escreveu Quaestiones supra libros octo

“Physicorum” Aristotelis e Quaestiones supra libros “Primae

Philosophiae”. Egídio Romano comentou Sobre a geração, Sobre

a alma, Física, Metafísica e os escritos sobre lógica. A Henrique

de Gand são atribuídas as Quaestiones supra “Metaphysicam”

Aristotelis e um comentário a Física. De Scotus recordaremos

as Quaestiones subtilissimae super libros “Methaphysicorum”

Aristotelis. De Ockham recordaremos Expositio in librum

“Porphirii”, In librum “Predicamentorum”, In duos libros

“Perihermeneias”, In duos libros “Elenchorum”, Expositio in octo

libros “Physicorum” e Quaestiones in libros “Physicorum”

(inéditas).

A interpretação que a Idade Média fez de Aristóteles, como

mencionamos, ressentiu-se fortemente da interpretação

neoplatônico-avicenista. De resto, além da influência dos

comentaristas árabes, também contribuiu para essa

interpretação a atribuição a Aristóteles do Liber de causis, que,

como sabemos hoje, é um extrato da Elementatio theologica de

Proclo (Santo Tomás de Aquino irá perceber a dependência do

Liber de causis em relação a Elementatio).

Como é sabido, Aristóteles não foi prontamente aceito pelos

pensadores cristãos. Os livros de lógica e de ética foram bem

recebidos, enquanto os de metafísica, física e cosmolo-gia eram

considerados contrários à doutrina da Revelação, pois

defendiam a eternidade do mundo. Isso agravou-se à medida

que pensadores imanentistas e os de tendência herética, como

Amalrico de Bena e David de Dinant, pareciam encontrar

apoio nas doutrinas aristotélicas. A partir de 1210, as obras

físicas e metafísicas do Estagirita foram proibidas em Paris.

Mas os vetos foram inúteis, e as obras continuaram a se

afirmar cada vez mais. Eis um fato altamente significativo: em

1263, Urbano iv confirmava a interdição, mas permitia que,

precisamente em sua corte, Guilherme de Moerbecke

traduzisse as obras que proibira. Na realidade, a partir da


segunda metade do século xiii, Aristóteles se transformou no

filósofo cujas obras constituíam, na universidade, os livros de

texto para o ensino da filosofia nos cursos de artes.

A história da interpretação medieval de Aristóteles coincide

com a história do pensamento árabe e da escolástica, ou seja,

com a parte mais conspícua da filosofia medieval. O problema

principal, tanto entre os árabes quanto no mundo latino, foi a

conciliação das doutrinas aristotélicas com os textos sagrados.

Limitando-nos ao Ocidente, que é o que nos diz respeito mais

de perto, destacam-se pelo menos três posições diversas em

relação a Aristóteles: a) um grupo de pensadores assume em

relação ao Estagirita uma posição negativa mais ou menos

nuançada, afirmando a necessidade de um retorno ao

agostinismo (Guilherme de Auvergne, Alexandre de Hales,

Roberto Grossatesta e o grande Boaventura); b) outros, como

Alberto Magno e sobretudo Tomás de Aquino, tentaram

realizar uma mediação integral entre Aristóteles e a doutrina

revelada (a introdução do teorema da distinção entre essência

e existência deu a Santo Tomás a base para fundamentar, no

plano racional, o princípio da criação e reformar radicalmente

o aristotelismo, tornando-o conciliável com a fé); c) Siger de

Brabante, enfim, sem se preocupar em conciliar Aristóteles e a

fé, deu ao filósofo uma interpretação de caráter decididamente

averroísta; rechaçou a reforma tomista e defendeu que, para

Aristóteles, o mundo é eterno, sem início e portanto

necessário, dado que desde sempre o Motor Imóvel atrai e

move o Universo, e que o intelecto possível é uma substância

separada, única para todos os homens; para superar a oposição

que assim se criava entre o pensamento de Aristóteles e os

dogmas da fé, Siger introduziu a distinção entre duas ordens

de verdade, a verdade de fé e a verdade de razão.

Em geral, é preciso dizer que a Idade Média tomou de

Aristóteles as categorias essenciais para entender Deus (ser

supremo, suprema forma, pensamento de pensamento), o

cosmo (estrutura hilemórfica dos entes materiais, ato, potência

e todos os conceitos a eles ligados; finitude do mundo e sua

estrutura) e o próprio homem (o conceito de alma como


forma substancial, os processos do conhecimento, o conceito

de virtude). Na verdade, a Revelação iria transformar e

conferir valores inéditos a tais categorias. Mas os filósofos

medievais só estavam parcialmente conscientes disso. As

interpretações mais recentes da filosofia medieval estão

deixando cada vez mais claro como era simplista o velho

esquema que via na escolástica uma mera adaptação de

Aristóteles às exigências da Revelação. Em todo caso, ainda é

verdade que o fundador do Perípato estimulou e fecundou o

pensamento medieval como nenhum outro filósofo nas eras

que o seguiram. O epíteto que Dante deu a Aristóteles,

chamando-o de “mestre dos que sabem”, exprime à perfeição

o sentimento de toda uma época.

8
Aristóteles no Renascimento e nos primeiros séculos da era moderna

Se Dante deu o cetro do saber a Aristóteles, Petrarca, abrindo a

era do humanismo, o entregaria a Platão. Na filosofia

humanístico-renascentista, quem estimulou a reflexão

filosófica foi sobretudo Platão. Porém, também Aristóteles,

mesmo que em menor grau, desfrutou de um novo

renascimento.

Na era renascentista, o rosto de Aristóteles muda muito em

relação à Idade Média; entre outras coisas, afirma-se nessa

época o mito da oposição radical entre os dois filósofos. Na

realidade, a oposição nasce do conflito de dois ideais; os

amantes das letras e os espíritos religiosos encontrarão em

Platão (neoplatonicamente entendido) seu alimento espiritual,

enquanto os amantes das ciências, os espíritos laicos e os

amantes da empiria encontraram seu alimento em Aristóteles.

Os dois vão se transformar, assim, em dois símbolos: o

primeiro, de uma visão transcendental-religiosa-espiritualista

da realidade; o segundo, de uma visão predominante

naturalista-empirista. O célebre afresco Escola de Atenas, de

Rafael, representa visualmente essa oposição de maneira

admirável, retratando Platão com o dedo apontado para

invisíveis e metafísicas alturas, e Aristóteles, para os fenômenos

visíveis da experiência.
O primeiro defensor da oposição entre Aristóteles e Platão

foi Jorge Gemistos Pleton, que foi para a Itália de Bizâncio por

ocasião do Concílio de Florença. Ele pretendia reunificar as

religiões com base na metafísica do platonismo

(neoplatonicamente entendido), que considerava

incomparavelmente superior à de Aristóteles. Sua Comparação

da filosofia de Platão e de Aristóteles (redigida por volta de

1440) provocou uma reação forte entre os aristotélicos e deu

origem a uma série de escritos polêmicos. Recordaremos Jorge

Scholario Genádio, que escreveu Sobre as dúvidas de Pleton

acerca de Aristóteles. Teodoro Gaza também escreveu contra

Pleton. Ficou famosa sobretudo a resposta de Jorge de

Trebizonda a Pleton, Comparação dos filósofos Platão e

Aristóteles (1455), respondida por sua vez por Basílio

Bessarion, que escreveu Contra um caluniador de Platão

(1469).

Jorge Genádio ( † c.1464), Jorge de Trebizonda ( † 1484),

Teodoro Gaza (1400-1478) e Hermolau Bárbaro ( † 1493) são

considerados iniciadores do aristotelismo renascentista. Jorge

de Trebizonda fez nove traduções de textos aristotélicos e

comentou sobretudo os escritos relativos à lógica. Teodoro

Gaza também traduziu obras de Aristóteles e de Teofrasto.

Hermolau Bárbaro traduziu, além dos escritos de Aristóteles,

os comentários de Temístio. (Proveniente da margem oposta, é

importante recordar a excelente tradução de Bessarion da

Metafísica.)

O Aristóteles que renasce, como já mencionamos, é um

antiplatônico e também acentuadamente antiescolástico:

Hermolau considerava Alberto e Santo Tomás (assim como

Averróis) “bárbaros”.

Entre os aristotélicos renascentistas, é possível identificar

duas orientações segundo posições interpretativas opostas: os

averroístas, que enfatizavam o intelecto possível único para

todos, e os alexandristas, que sublinhavam, ao contrário, a

mortalidade da alma. A Universidade de Pádua era o centro do

averroísmo; o iniciador da interpretação alexandrista foi Pedro

Pomponazzi.
Entre os aristotélicos que, de certa forma, se inspiraram no

averroísmo, recordamos Nicolau Vernia ( † 1499), Agostinho

Nifo ( † 1546), que se aproximou mais tarde do tomismo,

Alexandre Achillini (†1512) e Marco Antônio Zimara (†1532).

Simão Pórcio ( † 1555) foi seguidor de Pomponazzi (1462-

1524). César Cesalpino ( † 1603) interpretou Aristóteles numa

chave naturalista. Jacobo Zabarella ( † 1589) e César Cremoni

(†1631) aproximaram-se da interpretação alexandrista.

Fora da Itália, trataram de Aristóteles com exposições e

comentários J. Faber Stapulensis (Jacques Lefèvre, † 1537, que

foi o iniciador do humanismo francês), Petrus Ramus (Pierre

de la Ramée, † 1572), que criticou a lógica aristotélica, mas

escreveu comentários aos escritos lógicos Física e Metafísica. O

próprio Filipe Melantone (1497-1560) mostrou-se bastante

sensível ao discurso aristotélico.

Muitas traduções e diversos comentários humanistas e

renascentistas a Aristóteles ainda precisam ser descobertos ou

permanecem inéditos. Um catálogo dessas obras não foi

organizado nem sequer programado.

Um renascimento de Aristóteles de caráter escolástico

aconteceu por obra dos dominicanos e depois dos jesuítas

(cuja ordem foi fundada em 1540), em conexão com seu

trabalho em favor da Contrarreforma.

Entre os dominicanos, destacamos: Domingo de Flandres

( † c.1500), que escreveu Questiones, acerca da Metafísica do

Estagirita; Crisóstomo Javelli ( † meados dos anos 1500), que

comentou, entre outros, Metafísica, Ética, Política e Sobre a

alma; Francisco Silvestre de Ferrara ( † 1528), que escreveu,

entre outros, Questioni sulla “Fisica” e sul “De anima”; To-más

de Vio ( † 1534), que comentou as obras de lógica e Sobre a

alma.

Depois do Concílio de Trento, surgiram Domingo Soto

(†1560), que comentou Física e Sobre a alma; Francisco Toledo

(†1596), que comentou as obras de lógica, Física, Sobre a alma

e Sobre a geração; Pedro Fonseca ( † 1599), que comentou

Metafísica; Francisco Suárez ( † 1617), cujas Disputationes


metaphysicae são dignas de nota. Recordaremos por último

Silvestre Mauro (1619-1687), que comentou de forma clara e

linear todo o Aristóteles filósofo (Lógica, Retórica, Poética,

Éticas, Política, Economia, Física, Sobre o céu, Sobre o mundo,

Sobre geração, Sobre a alma, Parva naturalia, Metafísica), obra

publicada em Roma, em 1668 (a reedição, publicada em Paris,

em 1885, ainda pode ser encontrada: Aristotelis Opera Omnia

quae extant brevi paraphrasi et litterae perpetuo inhaerente

expostione illustrata a Silvestro Mauro, 4 v.).

Mas a filosofia moderna já havia tomado um rumo

totalmente diverso. Depois de Galileu, Bacon e Descartes,

Aristóteles foi quase esquecido; Leibniz constitui a típica

exceção que confirma a regra. O grande Kant irá ignorar quase

completamente os escritos do Estagirita. A lógica formal

aristotélica, que ele conhece e louva, é na verdade a lógica

amplamente reelaborada pela tradição escolástica; a metafísica

que debate é a racionalista, de Wolf; enquanto as éticas que vão

lhe servir de confrontação são as éticas epicurista e estoica.

Assim, até a chegada de Hegel, todos os grandes filósofos

ignoraram os escritos de Aristóteles.

O renascimento de Aristóteles nos séculos XIX e XX

No decorrer do século xix, dois acontecimentos mudaram

radicalmente a situação a favor de Aristóteles: a nítida

reavaliação da filosofia do Estagirita feita por Hegel e a grande

edição crítica da obra completa de Aristóteles realizada pela

Academia de Berlim e organizada por Bekker e outros filólogos

de renome inquestionável.

Hegel tomou uma posição drasticamente favorável a

Aristóteles, sobretudo em Lições sobre a história da filosofia

(que, como todos sabemos, nasceram de uma série de cursos

universitários ministrados em Jena, em 1805-1806, em

Heidelberg, em 1816-1817 e em 1817-1818, e por fim em

Berlim, entre 1819 e 1820), lições publicadas postumamente

9
por Michelet, em 1833, e ampliadas em 1840-1844. Eis uma

das afirmações de Hegel, extremamente significativa: “Ele

[Aristóteles] é um dos mais ricos e profundos gênios


científicos que jamais existiram, um homem ao qual nenhuma

época pode contrapor outro igual” (v. ii, p. 275). E eis como o

filósofo alemão estigmatizava a ignorância de sua época acerca

da filosofia de Aristóteles:

Entre outras coisas, o que nos induz a tratar extensamente Aristóteles é a

consideração de que contra nenhum outro filósofo se cometeu tamanha

injustiça, com tradições desprovidas de qualquer sombra de pensamento

transmitidas a respeito de sua filosofia, bem conceituadas até hoje, embora ele

tenha sido por tantos séculos o mestre de todos os filósofos. De fato, opiniões

diametralmente opostas à sua filosofia lhe são atribuídas. Enquanto Platão é

muito lido, os tesouros aristotélicos continuaram desconhecidos durante

séculos, até a era moderna, e os mais infundados preconceitos a seu respeito

ainda prevalecem. Quase ninguém conhece suas obras especulativas, lógicas; às

obras dedicadas à história natural, rendeu-se modernamente certa justiça, mas

não às concepções filosóficas. Por exemplo, é opinião quase universal que as

filosofias aristotélica e platônica são completamente opostas, como o realismo

ao idealismo; o aristotelismo seria realismo em sua forma mais trivial. Platão

teria situado como princípio o ideal, de modo que a ideia interna se alimentaria

de si mesma em sua criação; segundo Aristóteles, ao contrário, a alma seria

uma tábula rasa, recebendo do exterior, de maneira passiva, todas as suas

determinações; a filosofia aristotélica seria portanto empirismo e lockismo da

pior espécie etc. Veremos como isso pouco corresponde à verdade. De fato,

Aristóteles superou Platão em profundidade especulativa, já que conheceu a

mais radical das especulações, o idealismo, e a ele se ateve, não obstante a parte

importantíssima que dedicou ao empirismo. Sobretudo entre os franceses,

contudo, ainda se nutrem opiniões absolutamente errôneas sobre Aristóteles. A

insistência da tradição em lhe atribuir cegamente certas afirmações, sem se

preocupar em verificar se estão mesmo em seus livros, pode ser provada pelo

fato de que, nos antigos tratados de estética, as três unidades do drama —

unidade de ação, de tempo e de lugar — são celebradas como les règles

d’Aristote, la saine doctrine. Mas Aristóteles, ao contrário (Poet. cap. 8 e 5), fala

apenas da unidade de ação e, incidentalmente, também da unidade de tempo,

sem fazer qualquer menção à terceira, a unidade de lugar. [p. 276]

Finalmente, eis a afirmação mais forte de Hegel a favor de

Aristóteles: “Se [ …] a filosofia fosse levada a sério, não haveria


nada mais digno que ministrar um curso sobre Aristóteles, o

mais digno de ser estudado entre os antigos filósofos” (p. 293).

Naturalmente, a interpretação de Hegel é muito apriorística,

visto que ele lê Aristóteles em função de suas próprias

categorias; contudo, resta sempre o aspecto positivo do que foi

dito.

O outro grande acontecimento já mencionado foi a edição

da obra completa de Aristóteles, por Bekker: Aristoteles Opera,

editit Academia Regia Borussica. Os primeiros dois volumes


têm o texto crítico de todas as obras e foram publicados em

1831; o volume iii, publicado também em 1831, contém várias

traduções latinas; o iv, de 1836, traz extratos dos comentários

gregos; o v, publicado em 1880, traz os Fragmentos e o Index

aristotelicus. Os comentários foram organizados por Brandis (e

alguns suplementos editados por Usener foram inseridos no

volume v), os Fragmentos foram recolhidos por V. Rose, e o

Index foi preparado por H. Bonitz (cf. organização de Bekker

reeditada por O. Gigon, Berlim, 1960 ss). Entre 1853 e 1860,

Brandis apresentou uma exposição acuradíssima do

pensamento aristotélico, apoiada em sólidas bases filológicas,

dedicando ao tema pelo menos três dos seis volumes de sua

célebre obra Handbuch der Geschichte der griechisch-römischen

Philosophie. Além do Index, que continua a ser um

instrumento indispensável de trabalho, Bonitz fez um

excelente comentário (além de uma nova edição crítica da

Metafísica) em latim (Aristotelis “Metaphysica”, recognovit et

enarravit H. Bonitz, 2 v., Bonn, 1848 ss), de caráter histórico-

filológico. Com sua edição dos fragmentos (refeita mais tarde,

em 1886, para a Bibliotheca Teubneriana) e com o volume

anterior, Aristoteles pseudepigraphus (Leipzig, 1863), Rose

lançou as bases para o renascimento dos estudos sobre o

Aristóteles exotérico (paradoxalmente, ele não considerava

autênticos todos os fragmentos dos exotéricos).

F. A. Trendelenburg formou-se como filólogo na escola de

Bekker e de Brandis (enquanto em filosofia se deixava arrastar

pela problemática hegeliana). Além de um pequeno livro que é

uma joia de perfeição e clareza, no qual apresenta e comenta

sistematicamente os textos fundamentais da lógica (Elementa

logicae aristoteleae, Berlim, 1836, com várias reedições),

Trendelenburg escreveu a primeira grande História da doutrina

das categorias, centrada principalmente em Aristóteles, além de

fazer a edição crítica com um comentário em latim a respeito

de Sobre a alma (Geschichte der Katogorienlehre, Berlim, 1846,

reeditado várias vezes, e Aristotelis “De anima”, libri tres, 1933;

edito altera emendata at auct, Berlim, 1877). O volume sobre

as categorias, que interpretava a gênese das categorias do ponto

de vista gramatical, deu origem a uma série de discussões de


alto nível que mergulhou a fundo na problemática relacionada

à doutrina aristotélica das categorias (o próprio Bonitz

participou dessas discussões). Na escola de Trendelenburg

formou-se, por sua vez, F. Brentano, que, com seu Von der

mannigfachen Bedeutung des Seiden nach Aristoteles (de 1862),

interpretou a ontologia aristotélica de maneira bastante

original, reconstruindo a “tábua” de significados do ser

segundo o Estagirita, mostrando a conexão entre os vários

significados e a relação analógica que liga todos eles à

substância. Como iremos ver a seguir, Brentano exerceu

influência sobre Heidegger, de quem parte toda uma corrente

de intérpretes de Aristóteles ainda hoje em atividade.

Todos esses livros, durante muito tempo, foram pontos de

referência autorizados e ainda são obras de leitura

indispensável.

Entre as obras do século xix que tiveram um peso notá-vel

no âmbito dos estudos aristotélicos podemos recordar: F.

Biese, Die Philosophie des Aristoteles, 2 v., Berlim, 1835-1842; F.

Ravaisson, Essai sur la “Metaphysique” d’Aristote, 2 v., Paris,

1837-1846, que entende a ontologia aristotélica numa chave

espirtualista-neoplatônica; Th. Waitz, que fez uma nova edição

crítica, com excelente comentário em língua latina do Organon

(Aristoteles, “Organon”, 2 v., Leipzig, 1844; Aalen, 1965, ed.

anast.); A. Schwegler, que fez uma edição com tradução e

comentário analítico da Metafísica: Die “Metaphysik” des

Aristoteles. Grundtext, Übersetzung und Commentar, 4 v.,

Tübingen, 1847 ss (Frankfurt, 1960, reed.), em que é possível

perceber influências hegelianas; Prantl, Geschichte der Logik im

Abdenlande, v. i, Leipzig, 1855 (Graz, 1955, reed.), que

também demonstra influências hegelianas.

O trabalho que teve maior influência sobre a cultura

filosófica foi o volume ii de Philosophie der Griechen, de E.

Zeller (1878), cuja tradução italiana está em curso (a última

parte do volume já foi publicada em Florença, pela Nuova

Italia, em 1966, com atualização de A. Plebe), em que a

inspiração hegeliana se faz sentir, embora de maneira

atenuada. Zeller vê Aristóteles como aquele que tentou


conciliar conceito puro e empiria sem o conseguir, em virtude

da impossibilidade de conciliação entre universal e individual.

Como, para Zeller, o indivíduo, segundo Aristóteles, era a

verdadeira substância, em última instância, esta seria

incognoscível; somente o universal era verdadeiramente

cognoscível. Quase toda a manualística irá repetir em larga

medida a interpretação de Zeller.

Muito inferior foi o volume sobre Aristóteles de Gomperz,

no âmbito de seus Griechische Denker, entre os séculos xix e xx

(tradução italiana, Florença, 1962), visto que, na tentativa de

reagir contra a interpretação espiritualista e idealista, deu à

leitura de Aristóteles uma perspectiva positivista tão pesada

que chegou a deformar de maneira evidente a imagem do

Estagirita.

Meier apresentou uma interpretação que corrigia em sentido

realista a leitura idealista de Prantl, com Die Syllogistik des

Aristoteles, 3 v., Tübingen, 1896-1900 (reed. anast. Hildesheim,

1969-1970). Entre os italianos, G. Calogero (I fondamenti della

logica aristotelica, Florença, 1927) tentou seguir um meio—

termo entre Prantl e Meier (ele vê na lógica aristotélica uma

cisão entre momento noético e momento dianoético).

Entre os séculos xix e xx, a bibliografia a respeito de

Aristóteles tornou-se muito abundante, e as posições dos

autores foram se tornando cada vez mais diluídas e plurívocas,

de modo que só seria possível traçar um quadro de conjunto

com uma série de observações que não cabe aqui

10
desenvolver.

Com uma considerável esquematização, é possível, contudo,

distinguir as seguintes orientações, entre as quais a literatura

dos séculos xix e xx parece evoluir:

1) Uma orientação idealístico-espiritualista, que teve início,

como vimos, com Hegel e mostrou-se muito fecunda

sobretudo naqueles autores que dele tomaram apenas alguns

pontos de partida, redimensionando-os em função dos

instrumentos filológicos que a edição Bekker colocou à

disposição de 1831 em diante.


2) Uma orientação positivista, cujo representante típico é

Gomperz. Se não as doutrinas do positivismo oitocentista,

com certeza a mentalidade positivista inspira também alguns

intérpretes do século xx (como Solmsen, por exemplo).

3) Uma orientação heideggeriana. Brentano, como dissemos,

influenciou Heidegger (O ser e o tempo começa com um

resumo das conclusões do livro de Brentano sobre o ser

aristotélico), que, aliás, não hesitou em afirmar: “Deixem de

lado a leitura de Nietzsche e durante dez a catorze anos

estudem primeiro Aristóteles.” Seguem essa orientação K.

Schilling Wollny, W. Bröcker, E. Tugendhat, L. Lugarini,

parcialmente, P. Aubenque e outros.

4) A orientação neoescolástica. (Em Louvain foi criada toda

uma coleção de estudos de Aristóteles que deu origem a obras

de ilustres aristotélicos como A. Mansion, E. Nuyens e G.

Colle; o Pontifical Institute of Medioeval Studies, de Toronto,

produziu uma das mais belas monografias sobre a metafísica

aristotélica, assinada por J. Owens; na Itália, criou-se uma nova

coleção para apresentar todas as obras filosóficas de Aristóteles

com ricos comentários.) É importante dizer que, ao contrário

do que muitos pensam, e de maneira simplista, os

neoescolásticos não estão interessados em tomistizar

Aristóteles, mas antes em compreendê-lo nos limites da

economia de seu pensamento para entender melhor as

novidades de Santo Tomás, enquanto os neoclássicos estão em

geral interessados em trazer à tona a originalidade e a validade

de certa impostação especulativa dos problemas que se

encontra justamente em Aristóteles.

5) A orientação histórico-filológica. Pelo menos nas intenções,

pretendia manter-se filosoficamente neutra. Contudo, isso só

acontece muito raramente, sobretudo nos trabalhos de maior

fôlego. Em todo caso, merece destaque o fato de que dessa

orientação filológica nasceu a interpretação chamada de

genética, inaugurada em 1923 por Werner Jaeger, da qual

falaremos a seguir (Jaeger foi discípulo do grande

Wilamowitz).
6) Por fim, no caso da interpretação da lógica, difundiu-se

uma tendência a entender o Organon com base nos cânones da

moderna lógica formal, ou logística (cf. em particular

Lukasiewicz e seus seguidores, e, na Itália, em particular M.

Mignucci). Cabe mencionar enfim uma tendência forte,

sobretudo nos países de língua inglesa, de estudar a Retórica e,

de uma maneira geral, Aristóteles do ponto de vista da

linguística moderna.

A inovação do método genético e a redescoberta do jovem Aristóteles

Como a interpretação genética introduziu na leitura de

Aristóteles um método não somente novo, mas revolucionário,

e deu origem a um verdadeiro Aristóteles-Renascimento, pelo

menos no círculo dos eruditos, devemos ilustrar brevemente

suas características e indicar seus êxitos.

Em 1923, Werner Jaeger publicou o volume Aristoteles,

Grundlegung einer Geschichte seiner Entwicklung (tradução

italiana de Guido Calogero, Florença, 1935, várias vezes

reeditada). Jaeger já era conhecido como estudioso de

Aristóteles desde a publicação, em 1912, de Studien zur

Entstehungsgeschichte der Metaphysik des Aristoteles, no qual,

porém, ainda adotava os cânones interpretativos da filologia

alemã do século xix. No Aristoteles, porém, ele elaborou a nova

hipótese da evolução espiritual do filósofo que estava destinada

a fazer grande sucesso. Não seria exagero afirmar, como alguns

já fizeram, que toda a bibliografia sobre Aristóteles posterior a

1923 de alguma forma é uma tomada de posição a favor ou

contra as conclusões desse livro. Jaeger tenta reconstruir a

história espiritual do Estagirita desde o período da Academia

até os últimos anos. Aristóteles teria passado de uma fase

platônica para um interesse cada vez mais acentuado na

experiência e no mundo empírico, atenuando

progressivamente seu interesse pelo transcendental e pela

metafísica. No período acadêmico, Aristóteles teria aderido

fielmente ao platonismo. Nos anos imediatamente posteriores

à morte de Platão, teria começado, já em Assos, a criticar a

filosofia platônica, concebendo a metafísica como doutrina do

suprassensível. Em seguida Aristóteles teria voltado seu


interesse para as substâncias e para as enteléquias imanentes,

até chegar à concepção da metafísica como fenomenologia dos

diversos significados do ser. No fim de sua vida, teria se

interessado quase exclusivamente nas ciências empíricas.

Todos os ramos da filosofia aristotélica exibiriam as marcas

dessa parábola evolutiva que parte do platonismo e se encerra

no empirismo. Porém, o que mais interessa é o fato de que essa

evolução teria introduzido uma disparidade não apenas en-tre

as obras juvenis e as da maturidade, mas no interior de todas

as obras de escola. A bem dizer, e essa é a tese mais destrutiva

de Jaeger, as obras de escola, iniciadas já no período de Assos,

seriam formadas por sucessivas estratificações, cada qual

expressando uma fase diversa da evolução espiritual do

Estagirita, de modo que, entre as várias partes, não haveria

nenhuma unidade literária, nem sequer homogeneidade

especulativa, portanto, nenhuma unidade filosófica. Eis o que

Jaeger escreve, por exemplo, a propósito da Metafísica:

Não é legítimo considerar como unidade os trechos recolhidos no Corpus

methaphysicum e colocar na base de seu conteúdo confrontado uma categoria

comum, obtida pela média de elementos totalmente heterogêneos. [ …].


Efetivamente ilícito é partir do pressuposto de sua homogeneidade filosófica

para esconder os problemas que coloca a cada passagem, inclusive do ponto de

vista do conteúdo. Há que rechaçar qualquer tentativa de reconstruir com os

trechos que sobreviveram uma unidade literária póstuma, por meio da

transposição ou da exclusão de livros. Mas não menos recusável é a admissão

precipitada de sua unidade filosófica, em detrimento das características de cada

documento de uma atividade de pensamento que lutou com os mesmos

problemas durante décadas, e que representa um momento fecundo, um grau

do desenvolvimento em vista de uma nova formulação. [Trad. cit., p. 226]

As conclusões de Jaeger, de início recebidas por muitos com

entusiasmo, logo revelaram sua precariedade quando avaliadas

em função do próprio método genético. H. von Arnim

mostrou a possibilidade de inverter exatamente o sentido da

linha evolutiva traçada por Jaeger. As hipóteses de Von Arnim

foram amplamente aproveitadas por Paul Gohlke e Max

Wundt, que reconstruíram uma curva da evolução de

Aristóteles que vai do empirismo à recuperação do platonismo.

Oggioni tentou combinar as duas possibilidades, mostrando

um Aristóteles que, ao mesmo tempo que avançava para o

empirismo, continuava a recair no platonismo. I. Düring, por


outro lado, tentou demonstrar que Aristóteles nunca havia

sido platônico no sentido apontado por Jaeger, mas sempre

soube assumir posições próprias. Enfim, outros demonstraram

que os elementos platônicos e aristotélicos se equilibram

sempre, desde os escritos juvenis. Alguns estudiosos tentaram

em seguida aplicar o método genético ao estudo de um só

conceito ou de uma só doutrina ao longo de todo o corpus,

como fez Nuyens em relação à doutrina da alma, com

resultados que contrastavam com os de Jaeger. Por fim,

Zürcher pensou que poderia demonstrar, pelo método

genético, que somente 20% do Corpus aristotelicum são

autênticos; 80% seriam de fato obra de Teofrasto; Aristóteles

teria permanecido sempre platônico, e Teofrasto, ao contrário,

teria passado do platonismo ao empirismo. (O leitor

encontrará análises realizadas pelas várias teses e pelos vários

intérpretes nos seguintes trabalhos: Berti, La filos. del primo

Arist., p. 9-122; Reale, Il concetto di filos. prima, p. 327-373 e

passim; Plebe, atualização de Zeller, La filos. dei Greci, passim).

Hoje, o método genético chegou às próprias Colunas de

Hércules. Os últimos seguidores não se entendem mais, nem

entre si, pois, como já dissemos, com o método genético foi

possível demonstrar tudo e o contrário de tudo. Ele só

conseguiria se sustentar se as obras de escola ou as partes de

que são constituídas fossem efetivamente datáveis, ou seja, se

algum testemunho externo sobre a época em que foram

redigidas tivesse chegado a nós. Na verdade, por meio da

análise de seu conteúdo, constituído de aulas que eram

sucessivamente remanejadas, é estruturalmente impossível

remontar à data em que foram escritas. Além disso, os escritos

aristotélicos, mesmo desprovidos de unidade literária, como

realmente são, só podem ser lidos unitariamente pela razão

fundamental de que, como nunca saíram das mãos de

Aristóteles e como foram sucessivamente elaborados,

assumiram aquela fisionomia precisa que seu autor pretendia

que tivessem. Em suma, como Aristóteles não repudiou as

obras ou partes delas, ele permanece “unitariamente”

responsável por elas. Os esotéricos não podem ser tratados

como se fossem meros apontamentos.


Os êxitos positivos mais notáveis alcançados pelo método

inaugurado por Jaeger são os seguintes: a) a redescoberta do

Aristóteles dos escritos juvenis (exotéricos); aplicando os

cânones jaegerianos a seu Aristotele perduto e la formazione

filosofica de Epicuro (1936), E. Bignone conseguiu reinterpretar

a filosofia helenística numa nova perspectiva (sobre os

resultados gerais dessa descoberta, ver Berti, La filos. del primo

Arist., passim); b) a demonstração de que, histórica e

teoricamente, Aristóteles só pode ser entendido em suas

relações dialéticas com o platonismo; c) um aprofundamento e

uma avaliação crítica verdadeiramente capilares das obras mais

significativas de Aristóteles, que trouxeram à tona muitos e

importantes elementos novos, úteis para uma compreensão

cada vez mais adequada de seus textos; d) um sentido mais

vivo da historicidade do pensamento do Estagirita,

considerado no passado de maneira demasiado abstrata e anti-

histórica.

Como alternativa ao Aristóteles “genético”, foi proposto e

ainda se propõe, por um lado, um Aristóteles problemático,

expresso paradigmaticamente por Aubenque, próximo da

corrente dos heideggerianos; por outro lado, há o Aristóteles

dos neoclássicos, que tentam libertá-lo das marcas escolásticas

sem dilacerá-lo com o método genético nem condená—lo ao

xeque-mate, como fazem, por sua vez, os intérpretes

heideggerianos, os problematicistas.

Em todo caso, hoje não parece mais possível entrincheirar-se

atrás do filologismo dos epígonos do método genético; só será

possível devolver aos textos de Aristóteles um sentido plausível

se, e à proporção que, voltarmos a acreditar no discurso

filosófico.

NOTAS
1. Para uma exposição mais aprofundada do que é dito neste parágrafo e no

seguinte remetemos a Reale, I problemi del pensiero antico, ii. Le scuole ellenistico-

romane, p. 59-90, 502-513, em que se encontra também a bibliografia essencial.

2. A lista completa dos comentaristas gregos que chegaram aos nossos dias e estão

publicados pela Academia de Berlim em edição exemplar pode ser encontrada na

“Bibliografia comentada”, § vii, 1.


3. Sobre esses comentaristas neoplatônicos, ainda é bastante útil a última parte da

obra de Zeller, traduzida para o italiano: G. Martano (org.), Zeller e Mondolfo, La

filosofia dei Greci, parte iii, v. iv, Florença, 1961.

4. Cf. “Bibliografia comentada”, § ii, 3.

5. No que concerne às traduções latinas medievais de Aristóteles, utilizamos todas as

preciosas indicações de E. Franceschini, “Ricerche e studi su Aristotele nel

Medioevo latino”, em vários autores, Aristotele nella critica e negli studi

contemporanei, Milão, 1956, p. 144-166. Fundamental a respeito disso é o

Aristoteles latinus (cf. “Bibliografia comentada”, § v, 1), excepcional monumento

de erudição. No que concerne à releitura medieval de Aristóteles, remetemos às

mais autorizadas histórias da filosofia medieval (Ueberweg-Gayer, De Wulf,

Gilson e Vasoli, onde se encontra também ampla bibliografia).

6. L. Minio-Paluello, “Jacobus Veneticus Grecus, Canonist and Translator of

Aristotle”, Traditio, viii, 1952, p. 265-304.

7. Franceschini, op. cit., p. 160.

8. Para aprofundar esse aspecto, remetemos às mais qualificadas histórias da

filosofia moderna e aos estudos sobre o humanismo e o Renascimento. O volume

iii da Grundiss, de Ueberweg, ainda é utilíssimo pelas preciosas indicações. No que

diz respeito à chamada “segunda escolástica”, em geral negligenciada, remetemos

a F. Copleston, Storia della filosofia, v. iii: Da Occam a Suarez, Brescia, 1966 (ed.

orig. 1953; 1960), p. 421 ss.

9. Há uma boa tradução italiana da obra, organizada por E. Codignola e E. Sanna,

Florença, 1930 ss, ainda acessível, de onde tiramos as citações.

10. Para um quadro detalhado, remetemos a E. Berti, capítulo “Aristotele” em

Questioni di storiografia filosofica, que será publicada pela La Scuola, Brescia

(gentilmente, o autor nos deu acesso às provas); o recorte da bibliografia de Berti

representa o complemento exato para esse capítulo. Por falta de espaço,

indicaremos apenas alguns dos nomes mais significativos entre os estudiosos de

Aristóteles, sem, no entanto, dar todas as indicações sobre suas obras, que

poderão ser encontradas na “Bibliografia comentada”. Os trabalhos indicados

nessa bibliografia, § i, 2, serão complementos úteis para tudo o que foi dito aqui.
BIBLIOGRAFIA COMENTADA

I. COMPILAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS E RESENHAS CRÍTICAS

Quase toda a bibliografia aristotélica, até 1896, encontra-se em M. Schwab,

Bibliographie d’Aristote, Paris, Librairie H. Welter, 1896. A obra é manuscrita e tem

cerca de 3.750 indicações (é preciosa sobretudo pelas indicações pontuais de

edições, traduções e comentários de Aristóteles).

Para a bibliografia sobre o período entre o século xix e o século xx, ver:

Ueberweg-Praechter. Die Philosophie des Altertums. Basileia, 1926, p. 101-122.

Para a bibliografia posterior a 1926, ver:

Gómez-Nogales, S. Horizonte de la Metafísica aristotélica. Estudios Onienses, série ii,

v. 2. Madri, 1955, p. 247-398.

Philippe, M. D. Aristoteles (Bibliographische Einführungen in das Studium der

Philosophie). Berna, I. M. Bochenski, 1948.

Totok, W. Handbuch der Geschichte der Philosophie. Frankfurt, 1964.

Também são muito úteis:

Aristotle. British Museum, Catalogue of Printed Books. Londres, 1884.

Aristoteles. Berlim, Preussischen Staatsbibliothek, Sondrebruk aus dem

Gesamtkatalog der Preussischen Bibliotheken, 1934.

Catalogue général des livres imprimés de la Bibliothèque Nationale. Auteurs, iv:

Aristote. Paris, 1901.

Para atualização bibliográfica, devem ser consultados:

L’année philologique de Marouzeau e o Répertoire bibliographique de la philosophie

da Société Philosophique de Louvain, publicado com a Revue philosophique de

Louvain.

Para um status quaestionis concernente à moderna literatura aristotélica, devem ser

consultados:

Berti, E. La filosofia del primo Aristotele. Pádua, 1962, p. 9-122.

———. Aristotele. In: V. Mathieu, Brescia (org.). Questioni di storiografia filosofica

(cujas provas pude consultar por gentil concessão do autor).

Gohlke, P. “Jahresbericht über die Fortschritte der classischen

Altertumswissenschaft”. Überblick über die Literatur zu Aristoteles bis 1925, ccxvi,

1927, p. 65-100; ccxx, 1929, p. 265-328.

Long, H. S. “Classical World”. A Bibliographical Survey of Recent Work of Aristotle, li,

1958, p. 47-51; 57-60; 67-76; 96-98; 117-119; 160-162; 167-168; 193-194; 204-209.

Moraux, P. “L’évolution d’Aristote”. In: Vários autores. Aristote e Saint Thomas

d’Aquin. Louvain, 1957, p. 9-41.

Wilpert, P. “Zeitschrift für philosophische Forschung”. Die lage der Aristotles

Forschung, i, 1946, p. 123-140.


Para as bibliografias concernentes às obras singulares ou às partes singulares da

filosofia de Aristóteles, ver o § viii, início de cada subparágrafo.

II. AS OBRAS DE ARISTÓTELES

Lista das obras esotéricas e exotéricas


Os títulos das obras do Corpus aristotelicum serão listados na ordem em que foram

publicados na edição de Bekker, inclusive as obras espúrias; indicaremos na coluna

da esquerda o título grego, e na da direita os títulos em latim (em geral

empregados nas citações) e em português.

Kathgorivai Categoriae

Categorias

Peri; eJrmhneiva~ De interpretatione

Sobre a intepretação

∆Analutika; provtera Analytica priora

Primeiros analíticos

∆Analutika; u{stera Analytica posteriora

Segundos analíticos

Topikav Topica

Tópicos

Peri; sojistikw~n ejlevgcwn De sophisticis elenchis

Refutações sofísticas

Fusikh; ajkrovasi~ Physica

Física

De caelo

Sobre o céu

De generatione et corruptione

Sobre a geração e a corrupção

Metewrologikav Meteorologica

Meteorológicos

Peri; kovsuou pro;~ ∆Alevxandron De mundo


Sobre o mundo

De anima

Sobre a alma

De sensu et sensibili

Sobre o sentido e as sensações

Peri; mnhvmh~ kai; ajnamnhvsew~ De memoria et reminiscentia

Sobre a memória e a reminiscência

Peri; u{pnou kai; ejgrhgovrsew~ De somno

Sobre o sonho

Peri; ejnupnivwn De somniis

Sobre os sonhos

De divinatione per somnum

Sobre a predição pelos sonhos

Peri; makrobiovthto~ kai; De longitudine et brevitate vitae

bracubiovthto~ Sobre a longevidade e a brevidade

da vida

Peri; neovthto~ kai; ghvrw~ De juventute et senectute

Sobre a juventudo e a senectude

De vita et de morte

Sobre a vida e a morte

De respiratione

Sobre a respiração

Peri; pneuvmato~ De spiritu

Sobre o espírito

Historia animalium

História dos animais


Peri; zw/vwn morivwn De partibus animalium

Sobre as partes dos animais

Peri; zw/vwn kinhvsew~ De motu animalium

Sobre o movimento dos animais

Peri; poreiva~ zw/vwn De incessu animalium

Sobre a progressão dos animais

Peri; zw/vwn genevsew~ De generatione animalium

Sobre a geração dos animais

Peri; crwmavtwn De coloribus

Sobre as cores

De audibilibus

Sobre o que se ouve

Fusiognwmonikav Physiognomonica

Fisiognômica

De plantis

Sobre as plantas

Peri; Jaumasivwn ajkousmavtwn De mirabilibus auscultationibus

Sobre as auscultações miraculosas

Mhcanikav Mechanica

Mecânica

Problhvmata Problemata

Problemas

De lineis insecabilibus

Sobre as linhas indivisíveis

Ventorum situs

Lugares dos ventos


Peri; Xenojavnou~, De Xenophane, Zenone, Gorgia

peri; Zhvnwno~, peri; Gorgivou [o título exato, no entanto, é

Xenoph., Melisso, Gorgia]

Sobre Xenófones, Melisso e Górgias

Ta; meta; ta; juoikav Metaphysica

Metafísica

∆HJika; Nikomavceia Ethica Nichomachea

Ética a Nicômaco

∆HJika; Megavla Magna moralia

Moral Magna

∆HJika; Eujdhveia Ethica Eudemea

Ética a Eudêmio

De virtutibus et vitiis

Sobre a virtude e os vícios

Politikav Politica

Política

Oijkonomikav Oeconomica

Economia

Tevknh rJhtorikhv Rhetorica

Retórica

ÔRhtorikh; pro;~ ∆Alevxandron Rhetorica ad Alexandrum

Retórica a Alexandre

Peri; poihtikhv~ Poetica

Poética

Fragmenta Fragmenta

Fragmentos

∆AJhnaivwn politeiva Atheniensium respublica


Constituição ateniense

Eis os títulos das obras que tiveram alguns fragmentos recuperados segundo a

edição do Ross, com as respectivas traduções em italiano e em português:

Diálogos

Grillo o della retorica

Grilo ou Sobre a retórica

Sumpovsion Simposio

Simpósio

Sofista

Sofista

Eudemo o dell’anima

Eudemo ou Sobre a alma

Nhvrinqo~ Nerinto

Nerinto

Erwtikov~ Erotico

Erótico

Protreptikov~ Protreptico (esortazione alla filosofia)

Protréptico (exortação à filosofia)

Peri; plouvtou Della richezza

Sobre a riqueza

Sulla preghiera

Sobre a prece

Peri; eujgeneia~ Sulla nobiltà di nascita

Sobre a nobreza de nascimento

Sul piacere

Sobre o prazer

Peri; paideiva~ Sull’educazione


Sobre a educação

Peri; basileiva~ Sulla monarchia

Sobre a monarchia

∆Alevxandro~, h] uJpe;r ajpoivkwn Alessandro o delle colonie

Alexandre ou Sobre as colônias

Politikov~ Politico

Política

Sui poeti

Sobre os poetas

Peri; jilosojiva~ Sulla filosofia

Sobre a filosofia

Peri; dikaiosuvnh~ Sulla giustizia

Sobre a justiça

Obras lógicas

Peri; problhmavtwn Sui problemi

Sobre os problemas

Diairevsei~ Divisioni

Divisões

ÔÁpomnhvmata ejpiceirhmatikav Tracce per argomentazioni

Esboços para argumentações

Kathgorivai Categorie

Categorias

Peri; ejnantiwn Sui contrari

Sobre os contrários

Obras filosóficas

Sul Bene

Sobre o bem
Sulle Idee

Sobre as Ideias

Sui Pitagorici

Sobre os pitagóricos

Sulla filosofia di Archita

Sobre a filosofia de Arquitas

Peri; Dhuokrivtou Su Democrito

Sobre Demócrito

Códices

Catálogos das obras de Aristóteles


Algumas listas de títulos das obras de Aristóteles chegaram até nós por intermédio

de:

1) Diógenes Laércio. Vite dei filosofi, v, 21 ss.

2) Um autor anônimo da chamada Vita menagiana (do nome de seu editor), que

recorre a Hesíquio de Mileto como fonte.

3) Ptolomeu, que recorre a Andrônico como fonte.

Essas listas foram publicadas por V. Rose, respectivamente, no volume da Aristotelis

opera da Academia de Berlim, 1870, p. 1.463 ss. Cf. também Rose, Aristoteles

pseudepigraphus, Leipzig, 1863, p. 11 ss; Arist. Fragmenta, 3ª ed., 1886, p. 3 ss, p.

1466 ss (cf. também Rose, Aristoteles pseudepigraphus, p. 18 ss e Fragmenta, 2ª ed.

cit., p. 9 ss); p. 1.469 ss (cf. também Rose, Fragmenta, 3ª ed. cit., p. 19 ss).

Sobre o argumento, ver:

Moraux, P. Les listes anciennes des ouvrages d’Aristote. Louvain, 1951 (onde o leitor

encontrará status quaestonis, nova e aprofundada conjectura e riquíssima

bibliografia).

Antigas biogra as
As principais biografias de Aristóteles que chegaram até nós são:

1) Vida de Aristóteles, de Diógenes Laércio.

2) Duas vidas gregas (Vita marciana e Vita vulgata).

3) Uma vida latina.

4) Duas vidas siríacas.

5) Quatro vidas árabes, de An-Nadim, Al-Mubashir, Al-Qifti, Usaibia.

Essas vidas foram editadas e comentadas recentemente, com grande competência e

precisão:

Düring, I. Aristotle in the Ancient Biographical Tradition. Gotemburgo, 1957 (reúne

todo o material biográfico antigo, elabora uma nova edição crítica e um comentário
histórico-filológico).

.E A
Edições gerais

A primeira edição impressa das obras de Aristóteles é a chamada “aldina” (do

impressor Aldo Manuzio): Aristotelis Opera. Graece …, Veneza, 1495-1498, 6 v.


À aldina seguiram-se as três edições de Basileia. A primeira, organizada por

Erasmo de Roterdã, foi publicada em 1531 (Aristotelis Opera Omnia, Basileia, 1531),

a segunda, em 1539 (Basileensis secuda, uma reprodução da precedente), e a terceira,

em 1550 (Basileensis tertia ou isingriniana, do impressor Isingrim), com correções

das precedentes.

Em 1551-1553, foi publicada a segunda edição aldina em 6 v. (chamada camotiana

em razão das correções feitas por J. B. Camotius).

Em 1584-1587, foi publicada a célebre edição de Sylburg, em 5 v. e 11 to-mos

(Aristotelis Opera quae extant, Francfort, 1584-1587), que aprimora as anteriores.

Em 1590 foi publicada em Lyon uma nova edição organizada por Causbonus

(Aristotelis Opera nova editio …, 2 v.), reeditada em 1596.


Uma edição posterior foi organizada por Pacius, que fez uma revisão da

precedente (Opera omnia Graece et Latine …, Gênova, 1596 e Lugduni 1597).


Recordemos ainda: Opera, nova editio, Graece et Latine …, 2 v., Genevae 1602 (e

1606-1607). E posteriormente: Tou Stageiritou ta Sozomena, Latinae interpretationes

adiectae qua graeco contextui melius respondent …, 2 v., Aureliae Allobrogum, 1606-
1609.

Entre as edições seiscentistas, devem ser mencionadas ainda a de Du Val, Opera

omnia quae extant, Graece et Latine …, 2 v., Parisiorum, 1619, reeditada em 1629 e

ainda em 1639 e 1654 (ampliada para 4 v.).

No século xviii, Th. Buhle deu início a uma nova edição das obras de Aristóteles,

mas não conseguiu terminá-la: Opera omnia Graece …, v. i-iv, Biponti, 1791-1793, v.
v. Argentorati, 1799.

Entre as edições do século xix, destaca-se a de Bekker, que mencionamos

anteriormente e cuja descrição iremos fazer a seguir. Por zelo de completude,

mencionamos também as outras:

Aristotelis Opera ad optimorum librorum fidem accurate edita, Tauchnitz, Lipsae,

1831-1832, em 16 v. (edição esteriotípica com correções), reeditada em 1867-1873.

Aristotelis Opera quae extant, uno volumine comprehensa [ …] eiditi C. H. Weisse,

Tauchnitz, Lipsiae, 1843.

A edição destinada a suplantar todas as outras e a se tornar referência para a citações

foi a da Academia de Berlim, 1831-1870, ainda indispensável, embora superada em

vários detalhes:

Reiner, G. Aristotelis Opera editit Academia regia Borussica, Berolini, 1831-1870. i-ii:

Aristotelis Graece, texto crítico organizado por I. Bekker (impresso em duas

colunas: a da esquerda, indicada com a e a da direita, com b); iii: Aristoteles Latine

compreende traduções latinas renascentistas de vá-rios autores; o volume foi

publicado também em 1931; iv: Scholia in Aristotelem, com passagens extraídas de

comentaristas gregos, organizadas por A. C. Brandis (a edição dos comentários


gregos que a Academia de Ber-lim publicou sucessivamente, cuja lista daremos

adiante, tornou esse volume praticamente inútil); v: Aristotelis Fragmenta,

reunidos por V. Rose; suplementos aos Scholia in Aristotelem organizados por

Usener, e Index aristotelicus, organizado por H. Bonitz. (Esse Index é uma obra de

altíssi-mo nível, ainda hoje não superada, enquanto a coletânea de fragmentos não

é mais utilizável; cf. adiante a indicação das mais recentes edições dos fragmentos.)

Uma reedição (corrigida) dessa edição monumental foi organizada por O. Gigon,

Berlim, 1960-1961.

Digna de menção especial, porque melhora, em certos aspectos, o trabalho de

Bekker, é a edição publicada por F. Didot, não tão apreciada quanto mereceria e,

por infortúnio, não utilizável objetivamente, pois não reproduz a paginação de

Bekker, hoje obrigatória nas citações: Aristotelis Opera omnia graece et latine, cum

indice nominum et rerum absolutissimo. A. F. Didot, v. i-iv, Parisiis, 1848-1869, v. v

(Index), 1874.

Muitas das obras do Corpus aristotelicum estão disponíveis também nas seguintes

conhecidas coleções de clássicos gregos e latinos:

• Biblioteca Teubneriana;

• Collection des Universités de France;

• Oxford Classical Texts;

• The Loeb Classical Library.

Serão fornecidas a seguir, paulatinamente, indicações sobre muitas obras

aristotélicas publicadas nessas coleções.

Edições de obras específicas

Limitamo-nos aqui às obras de interesse estritamente filosófico, nas quais se baseou

nossa exposição, e seguindo sua ordem. Para um quadro geral, remetemos a:

Bonetti, A. “Le edizioni del texto greco do Aristotele das 1831 ai nostri giorni”. In:

Vários autores. Aristotele nella critica e negli studi contemporanei. Milão, 1956, p.

166-201.

Fragmentos
Plezia, M. Aristotelis epistularum fragmenta cum testamento. Varsóvia, 1961.

Rose, V. Aristotelis pseudepigraphus. Leipzig, 1863.

———. Aristotelis quae ferebantur librorum fragmenta. 3ª ed. Leipzig, 1867

(publicado em 1870, com o Index arist., de Bonitz, no v. v de Bekker).

———. Aristotelis quae ferebantur librorum fragmenta. 3ª ed. Leipizig, 1886

(Bibliotheca Teubneriana).

Ross, W. D. Aristotelis fragmenta selecta. Oxford, 1955.

Walzer, R. Aristotelis dialogorum fragmenta. Florença, 1934.

Metafísica
Bonitz, H. Aristotelis “Metaphysica”, 2 v. Seleção e comentários de B. H. Bonn 1848-

1849 (o segundo volume foi reproduzido em edição anastásica, Hildesheim, 1960).

Christ, W. Aristotelis “Metaphysica”. Seleção de C. W. Leipzig, 1886 (reimpressão

corrigida, 1895, reeditada várias vezes).


Schwegler, A. Die “Metaphysik” des Aristoteles, Grundtext, Uebersetzung und

Commentar, 4 v. Texto explicativo. Tübingen, 1847-1848 (Frankfurt, 1960, reprod.

anast.).

As três edições oitocentistas ainda são úteis. No século xx foram publicadas as duas

melhores:

Jaeger, W. Aristotelis “Metaphysica”. Seleção e breve comentário crítico de

W. Jaeger. Oxonii, 1957 (o autor remete-se em grande parte a Ross, acrescentando

algumas conjecturas bastante perspicazes).

Ross, W. D. Aristotle’s “Metaphysics”, 2 v. Texto revisto com introdução e

comentários. Oxford, 1924, 1958, 1953 (excelente).

Recordemos ainda, por zelo de completude:

García Yerba, V. “Metafísica” de Aristótele. Edição trilíngue. Madri, 1970.

Tredennick, H. Aristotle, The “Metaphysics”. Tradução em inglês. Londres/Nova

York, 1933-1935 (inferior às duas anteriores; Loeb Classical Library).

Física
Carteron, H. Aristote, “Physique”, 2 v. Texto estabelecido e traduzido por H.

Carteron. Paris, 1926-1931 (Collection des Universités de France).

Prantl, C. Aristoteles’ Acht Bücher “Physik”. Tradução alemã. Leipzig, 1854 (do

mesmo autor, ver também a edição organizada para a Bibliotheca Teubneriana,

Leipzig, 1879).

Ross, W. D. Aristotle’s “Physics”. Texto revisado, introdução e comentários. Oxford,

1936 (o texto crítico foi editado em 1950; Oxford Classical Texts).

Wicksteed, Ph. H. e Cornford, F. M. “Aristotle”. The “Physics”. Tradução em inglês.

Londres/Nova York, 1929-1934 (Loeb Classical Library).

De caelo
Allan, D. J. Aristotelis “De caelo”. Oxford, 1936 (edição corrigida, 1955; Oxford

Classical Texts).

Guthrie, W. K. C. Aristotle, “On the Heavens”. Tradução em inglês. Londres, 1939

(Loeb Classical Library).

Longo, O. Aristotele, “De caelo”. Tradução, introdução, texto crítico e notas.

Florença, 1962.

Moraux, P. Aristote, “Du ciel”. Texto estabelecido e traduzido. Paris, 1965

(Collection des Universités de France).

Prantl, C. Vier Bücher das “Himmelgebaüde” und zwei Bücher Entstehen und

Vergehen, Grieschich und Deutsch. Leipzig, 1858 (cf. do mesmo autor o texto

crítico das duas obras publicado na Bibliotheca Teubneriana, Leipzig, 1881).

De generatione et corruptione
Joachim, H. H. Aristotle on Coming-to-be and Passin-away. Texto revisado com

introdução e comentários. Oxford, 1922.

Mugler, C. Aristote, “De la génération et de la corruption”. Texto estabelecido e

traduzido. Paris, 1966 (Collection des Universités de France).

De anima
Biehl, G. Aristotelis, “De anima” libris três. Edição revista. Leipzig, 1896 (Bibliotheca

Teubneriana).

Hett, W. S. Aristotle, “On the Soul”. Tradução em inglês. Londres, 1936 (Loeb

Classical Library).

Hicks, R. D. Aristotle, “De anima”. Tradução, introdução e notas. Cambridge, 1907.

Jannone, A. e Barbot, E. Aristote, “De l’âme”. Texto estabelecido por A. Jannone,

tradução e notas de E. Barbotin. Paris, 1966 (Collection des Universités de

France).

Roder, G. Aristote, “Traité de l’âme” traduit e annoté, 2 v. Paris, 1900.

Ross, W. D. Aristotle, “De anima”. Introdução e comentários. Oxford, 1961 (o texto

crítico de Ross também pode ser encontrado, sem introdução e comentários, em

Oxford Classical Texts).

Trendelenburg, F. A. Aristoelis, “De anima” libri três. Berlim, 1877 (Graz, 1957, reed.

anast., com excelente comentário em latim).

Éticas
Ainda não há uma edição totalmente satisfatória das três Éticas, mas há bons

comentários anexos às traduções mencionadas a seguir. Teremos, portanto, de

recorrer às edições do fim do século xix:

Armstrong, G. C. Aristotle “Magna Moralia”. Tradução em inglês. Londres, 1935

(publicado no segundo volume da Metafisica organizado por Tredennick, op. cit.;

Loeb Clasical Library).

Burnet, J. The “Ethics” of Aristotle. Londres, 1900.

Bywater, I. Aristotelis “Ethica Nicomachea”. Oxford, 1894 (reeditada várias vezes;

Oxford Classical Texts).

Fritzscche, A. T. H. Aristotelis “Ethica Eudemia”. Regensburg, 1851.

Grant, A. The “Ethics” of Aristotle, 2 v. Ilustrado; ensaio e notas. Londres, 1857, 1884

Rackham, H. Aristotle, The “Nicomachean Ethics”. Tradução em inglês.

Londres/Nova York, 1926, 1934 (The Loeb Classical Library).

———. Aristotle … The “Eudemian Ethics”. Tradução em inglês. Londres, 1935

(Loeb Classical Library).

Ramsauer, G. Aristotelis “Ethica Nicomachea”. Leipzig, 1878.

Susemihl, Fr. Aristotelis “Ethicha Nicomachea”. Leipzig, 1882 (3ª ed. organizada por

O. Apelt, 1812).

———. Aristotelis quae feruntur “Magna Moralia”. Leipzig, 1883.

———. [Aristotelis “Ethica Eudemia”] Eudemi Rhodii Ethica. Leipzig, 1884.

Voilquin, J. Aristote, “Ethique de Nicomaque”. Texto, tradução e notas. Paris, 1940.

Política
Aubonnet, J. Aristote, “Politique”. Texto estabelecido e traduzido. Paris, 1960 ss (até

hoje foram publicados os dois primeiros volumes, até o livro v;* Collection des

Universités de France).

Immisch, O. Aristotelis “Politica”. Leipzig, 1929 (Bibliotheca Teubneriana).


Newman, W. L. The “Politics” of Aristotle, 4 v. Dois ensaios e introdução. Oxford,

1887-1922.

Rackham, H. Aristotle, “Politics”. Tradução em inglês. Londres, 1932 (The Loeb

Classical Library).

Ross, W. D. Aristotelis “Política”. Oxford, 1957 (Oxford Classical Texts).

Susemihl, Fr. Aristotelis “Política”. 3ª ed. Leipzig, 1882 (Bibliotheca Teubne-riana).

Poética
Bywater, I. On the Art of Poetry. Introdução crítica e comentários. Oxford, 1909.

Gudeman, A. Aristoteles, “Perì Poietikês”, mit Einleitung. Texto, notas críticas,

comentário exegético, anexo crítico e índice onomástico, de temas e locais.

Berlim/Leipzig, 1934.

Herdy, J. Aristote, “Poétique”. Texto estabelecido e tradução. Paris, 1932 (Collection

des Universités de France).

Kassel, R. Aristotelis “De arte poética”. Oxford, 1965 (Oxford Classical Texts).

Rostagni, A. Aristotele, “Poética”. Introdução e comentários. Turim, 1927 (1945).

Organon
Waitz, Th. Aristotelis “Organon, 2 v. Leipzig, 1844-1846 (reed. anast., 1962; trata-se

de trabalho excelente, de consulta indispensável ainda hoje, sobretudo pelo

comentário).

As melhores edições críticas dos tratados singulares do Organon encontram-se na

coleção “Oxford Classical Texts”:

Minio-Paluello, L. Aristotelis “Categoriae” et “Liber de interpretatione”. Oxford,

1949.

Ross, W. D. Aristotelis “Topica” et “Sophistici Elenchi”. Oxford, 1958 (ed. revista,

1970).

Ross, W. D. e Minio-Paluello, L. Aristotelis “Analytica priora et posteriora”. Oxford,

1964.

Deve-se destacar também a excelente edição com comentários dos Analíticos de

Ross: Aristotle’s “Prior and Posterior Analytics”. Texto revisto, introdução e

comentário. Oxford, 1949.

Menos válida, embora útil, é a edição com tradução inglesa do Organon, publicada

na Loeb Classical Library: o volume i, contendo Categoriae, De interpretatione,

Analytica priora, foi organizado por H. P. Cooke e H. Tredennick e publicado em

1938; o volume ii, com os Analytica posteriora e os Topica, foi organizado por H.

Tredennick e E. S. Forster e publicado em 1960; os De sophisticis elenchis foram

organizados por Forster (com De generat. et corr. e o De mundo) e publicados em

1955.

.T
Infelizmente, ainda não há uma tradução da obra completa de Aristóteles. Uma

tradução sistemática, com introduções críticas, comentário analítico e bibliografias

foi organizada pelo Centro di Studi Filosofici di Galarate, pela editora Loffredo, de

Nápoles. Já foram publicados até agora:


Reale, G. (org.). La Metafísica, 2 v. Nápoles, 1968.

Mignucci, M. (org.). Gli Analitici primi. Nápoles, 1970.

Sairão em breve:

Mignucci, M. (org.). Gli Analitici secondi. (O autor já antecipou a tradução da obra

em tiragem limitadíssima, publicada por Azzoguidi, Bolonha, 1970.)

Reale, G. (org.). Trattato sul cosmo per Alessandro [1974].

Zadro. A. (org.). I Topici [1974].*

A maior parte das traduções dos tratados aristotélicos em língua italiana foi

publicada pela editora Laterza: Opere, organização de Gabriele Giannnatoni, 4 v.,

Roma/Bari, 1973 (lançadas também em brochura). As traduções foram organizadas

por: Giorgio Colli (Organon), Antonio Russo (Fisica, Della generazione e della

corruzione, Metafisica), Oddone Longo (Del cielo), Renato Laurenti (Dell’anima,

Piccoli trattati di storia naturale, Politica, Trattato sull’economia, Costituzione degli

Ateniesi), Mario Vegetti (Parti degli animali), Armando Plebe (Etica Nichomachea,

Grande etica, Etica Eudemia, Retorica), Manara Valgumigli (Poetica) e Gabriele

Giannantoni (Frammenti).

Além dessas, encontram-se em outras editoras:

De caelo. Organização, tradução, introdução e notas de O. Longo. Florença:

Sansoni, 1962.

De motu animalium. Tradução, texto e comentários de L. Torraca. Nápoles, 1958.

Dell’anima. Organização, tradução, introdução e comentários de R. Laurenti.

Nápoles/Florença, 1970.

Física. Organização de G. Laurenza. Nápoles, 1967.

Generazione e corruzione. Organização de P. Cristofolini. Turim: Boringhieri, 1963.

La politica, La costituzione di Atene. Organização de A. Viano. Turim: Utet, 1966.

Poética. Organização de F. Albeggiani. Florença: La Nuova Italia, 1934 (reeditado

várias vezes).

Le categorie. Organização, tradução, introdução e comentários de D. Pesce. Pádua:

Liviana Editrice, 1966.

Opere biologiche. Organização de M. Vegetti e D. Lanza. Turim: Utet, 1972 (contém:

Ricerche sugli animale, Le parti degli animali, La locomozione degli animali, La

percezione e i percepibili, La memoria e il richiamo alla memoria, Il sonno e a la

veglia, I sogni, La premonizione nel sonno, La lunghezza e la brevità della vita, La

respirazione, Il moto degli animali).

Das obras juvenis, temos as duas traduções:

Esortazione alla filosofia (Protreptico). Organização de E. Berti. Pádua: Radar, 1967.

Della filosofia. Tradução, introdução, texto e comentário exegético de M.

Untersteiner. Roma: Edizioni di Storia e Letteratura, 1963.

.T
Traduções latinas
No que diz respeito às traduções latinas de Aristóteles, destacamos:
Aristoteles Latinus, 2 v. Codices descripsit G. Lacombe, in societatem operis

adsumptis A. Birkenmayer, M. Dulong, Aet. Franceschini: Pars prior, Romae,

1939, p. 1763; Pars Posterior, Cantabridgiae, 1955, p. 764-1.388. Eis a descrição

que um dos autores faz da obra, que é um verdadeiro monumento de erudição e

de precisão: “Os dois volumes oferecem uma descrição completa de 2.012 códices,

inclusive os poucos fragmentos; reúnem a bibliografia essencial dos estudos sobre

o Aristóteles latino até 1953; traçam uma breve história da fortuna medieval do

Estagirita (e de seus comentaristas gregos e árabes) apresentando os resultados das

descobertas feitas durante as pesquisas sobre a tradição manuscrita; e oferece,

finalmente, amplos exemplos (incipit ed explicit) de todas as versões. O segundo

volume, ademais, tem suplementos e índices riquíssimos e exatos, frutos da

doutrina e do esforço inteligente e brilhante de Lorenzo Minio-Paluello” (cf. E.

Franceschini, em trabalho citado a seguir, p. 145).

Para um breve e claro status questionis, ver:

Franceschini, E. “Ricerche e studi su Aristotele nel Medioevo latino”. In: Vários

autores. Aristoteles nella critica e negli studi contemporanei. Milão: Vita e Pensiero,

1957, p. 144-166.

No que diz respeito, por outro lado, às traduções das obras de Aristóteles feitas por

eruditos do Renascimento, ver:

Aristoteles latine interpretibus variis, v. iii. Edição da Academia Prussiana das obras

de Aristóteles, op. cit. (1831).

Garin, E. “Le traduzioni umanistiche di Aristotele nel secolo xv”. Atti dell’Academia

Fiorentina di Scienze Morali. Florença: La Colombaria, 1950.

Traduções em inglês
Em língua inglesa, há uma boa tradução de todo o Corpus aristotelicum:

Ross, D. (org.). The Works of Aristotle. Oxford, Clarendon Press, 1908 ss (chamada

comumente de The Oxford Translation of Aristotle). Eis aqui, portan-to, a

descrição da obra e de seus respectivos organizadores: i. Logic, 1928: Categorie, De

interpretatione (E. M. Edghill), Analytica priora (A. J. Jenkinson), Analytica

posteriora (G. R. Mure), Topica, De sophisticis elenchis (W. A. Pickard-Cambridge);

ii. Philosophy of Nature, 1930: Physica (R. P. Hardie e R. K. Gaye), De Caelo (J. L.

Stocks), De generatione et corruptione (H. H. Joachim); iii. The Soul, 1913:

Meteorologica (E. W. Webster), De mundo (E. S. Forster), De anima (J. A. Smith),

Parva naturalia (J. I. Beare e G. R. T. Ross), De Spiritu (J. F. Dobson); iv. History of

Animals, 1910: Historia animalium (sir D’Arcy W. Thompson); v. Parts of animals,

1912: De partibus animalium (W. Ogle), De motu animalium, De incessu

animalium (A. S. L. Farquharson), De generatione animalium (A. Platt); vi. Minor

Biological Works, 1913: De coloribus, De audibilibus, De Melisso, Xenophane, Gorgia

(T. Loveday e E. S. Forster), De mirabilibus auscultationibus (L. D. Dowdall), De

lineis insecabilibus (H. H. Joachim); vii. Problems, 1927 (E. S. Forster); viii.

Metaphysics (D. Ross); ix. Ethics, 1925: Ethica Nicomachea (D. Ross), Magna

Moralia (St. G. Stock), Ethica Eudemia (J. Solomon); x. Politics and economics,

1921: Politica (B. Jowett), Oeconomica (E. S. Forster), Atheniensium Respublica (F.

G. Kenyon); xi. Rethoric and Poetics: Rhetorica (W. Rhys Roberts), De Rethorica ad

Alexandrum (E. S. Forster), De poetica (I. Bywater); xii. Select Fragments, 1952 (D.

Ross).
Essa tradução se impôs como referência no plano internacional e ainda não foi

superada, embora hoje já evidencie sua data em muitos aspectos.

Traduções inglesas se encontram também na edição bilíngue da Loeb Classical

Library, da qual já demos as devidas indicações no parágrafo concernente à edição

do texto.

Traduções em francês
A tradução francesa Barthélemy Saint-Hlaire, do século xix, hoje é inutilizável.

Excelentes traduções foram feitas recentemente por J. Trocot, Aristote, traduction

nouvelle et notes (Paris, Vrin, 1934 ss). A obra compreende:

Organon, Métaphysique (nova edição totalmente reintegrada, com comentário); De

la génération et de la corruption; De l’âme; Traité du ciel suivi du Traité pseudo-

aristotélicien de l’Esprit; Les météorologiques; Histoire des animaux (2 v.); Les

economiques; Éthique à Nicomaque.

Traduções em língua francesa podem ser encontradas também nas edições bilíngues

das várias obras de Aristóteles publicadas pela Collection des Universités de France,

cujas indicações já demos à medida que apareciam no parágrafo relativo às edições

dos textos. Deve-se destacar, particularmente, a recente versão com amplíssimo

comentário da Ética a Nicômaco:

Gauthier, R. A. (org.). L’éthique à Nicomaque, 4 v. Louvain: Jolif, 1970.

Traduções em alemão
Uma tradução de todas as obras aristotélicas foi iniciada e orientada a bom termo

por Paul Gohlke: Aristoteles, Die Lehrschriften, herausgegeben, übertragen und in ihrer

Entstehung erläutert (Paderborn, F. Schöning, 1945 ss). Eis o plano da obra: i.

Aristototele und sein Werk; ii. Lógica: Kategorien und Hermeneutik; Erste Analytic;

Zweite Analytic; Topik; iii. Retórica e poética: Rethorik; Poetik und Fragmente der

Homererklärung; Rhetorik an Alexander; iv. Física: Physikalische Verlesung; Ueber den

Himmel; Ueber Werden und Vergehen; Meterologie; An König Alexander über die

Welt; Kleine Schriften zur Physik und Metaphysik; v. Metaphysik; vi. Alma: Ueber die

Seele; Kleine Schriften zur Seelenkunde; vii. Ética e política: Grosse Ethik; Schrift über

Tugenden und Laster; Eudemische Ethik; Nikomachische Ethik; Politik;

Verfassungsgeschichte der Athener; Ueber Haushaltung in Familie und Staat; viii.

Natureza: Tierkunde; Ueber die Glieder der Geschöpfe; Ueber die Zeugung der

Geschöpfe; Kleine Schriften zur Naturgeschichte; ix. Problemas.

Esse importante empreendimento de Gohlke não foi em geral bem recebido, mas,

na verdade, o juízo desfavorável em grande parte pode ser atribuído à posição

fortemente negativa de Jaeger em relação aos estudos de Gohlke, que, aplicando o

método genético, derrubavam as conclusões jaegerianas. É preciso dizer que o valor

da tradução de Gohlke é desigual, contudo, apesar disso, ela apresenta momentos

felizes e intuições brilhantes que devem ser levadas em conta.

Um grande plano de traduções da obra completa de Aristóteles, com organização

de vários especialistas, foi programado pela Wissenschaftliche Buchgesellschaft de

Darmstadt, em colaboração com a Akademie Verlag de Berlim:

Deutsche Aristoteles Gesamtausgabe. Aristoteles, Werke in deutscher Übersetzung, 20 v.

A obra foi iniciada sob a direção de E. Grumach e, depois de sua morte, de H.

Flashar. Eis o plano da obra, com os organizadores de cada volume (os volumes já

publicados estão precedidos por asterisco):


i. 1. Kategorien (Konrad Gaiser, Tübingen); 2. Perì hermenéias (E. Baer, Munique;

R. Tessmer, Munique).

ii. Topik, Sophistische Widerlegungen (M. Soreth, Köln).

iii. Analytica i/ii (J. Mau, Göttingen).

iv. Rhetorik (N. N.).

v. Poetik (R. Kassel, Berlim).

*vi. Nikomachische Ethik, übers. u. komment. von Franza Dirlmeier, durchges.

Aufl. 1969.

*vii. Eudemische Ethik, übers. von Franz Dirlmeier, durchges. Aufl. 1969.

*viii. Magna Moralia, übers. von Franz Dirlmeier, durchges. Aufl. 1966.

ix. Politik (O. Gigon, Berna).

x. 1. Staat der Athener (B. Lotze, Jena); 2. Ökonomik (H. Braunert, Kiel).

*xi. Physikvorlesung, übers. von Hans Wagner, 1967.

xii. 1 e 2. Meterologie. Ueber die Welt, übers. von Hans Atrohm, 1970; 3. Ueber den

Himmel (P. Moraux, Berlim); 4. Ueber Entstehen und Vergehen (E. G. Schimidt,

Jena).

*xiii. Ueber die Seele, übers. von Willy Theiler, durchges. Aufl. 1969.

xiv. Parva Naturalia (J. Wiesner, Berlim).

xv. Metaphysik (G. Patzig, Göttingen).

xvi. Zoologische Schriften i: Tiergeschichte (K. Bartels, Zurique).

xvii. Zoologische Schriften ii. 1. Ueber die Teile der Tiere (I. Düring, Gotemburgo);

2. Die kleineren zoologischen Schriften (J. Kollesch, Berlim).

*xviii. Opuscula. 1. Ueber die Tugend, übers. von Ernst A. Schmidt, 1965; 2.

Mirabilia, übers. von Helmut Flashar; 3. De audibilibus, übers. von Ulrich Klein,

1972; 4. De plantis (H. J. Drossaart Lulofs, Amsterdã); 5. De colori-bus (M.

Schramm, Tübingen); 6. Physiognomica (M. Schramm, Tübingen); 7. De lineis

insecabilibus (M. Schramm, Tübingen); 8. Mechanica (M. Schramm, Tübingen); 9.

Xenophanes, Melissos, Gorgias (H. J. Newiger, Konstanz).

*xix. Problemata Physica, übers. von Helmut Flashar, 1962.

xx. Fragmente (O. Gigon, Berna).

A julgar pelos volumes já publicados, a edição irá superar a tradução inglesa de

Oxford, sobretudo por trazer ricos comentários (e, portanto, justificações da

tradução), introduções e bibliografias (hoje, uma tradução de Aristóteles sem notas

é quase ilegível).


Insuperado, pois talvez só possa ser vencido com o auxílio de calculadoras

eletrônicas, é o já citado Index Aristotelicus de Bonitz, no volume v da edição das

obras de Aristóteles da Academia de Berlim. O Index foi reproduzido recentemente,

em separado e em edição anastásica:

Bonitz, H. Index Aristotelicum. Darmstadt: Wissenscheftlicre Buchgesellschaft, 1955.


Também têm utilidade o Index rerum et nominum (p. 1-903) e o Index naturalis

historiae (p. 905-924), no último volume da edição anteriormente citada de F.

Didot.

Podem-se consultar ainda:

Aristotelis opera omni. Index nominum et rerum absolutissimus, v. quintum

continens indicem nominum et rerum. Parisiis, 1874.

Kiernan, T. Aristotle Dictionary. Nova York, 1961.

Organ, T. W. An Index to Aristotle. Princeton, 1948.

Também são úteis para consulta os índices das edições críticas das obras singulares.

.C ,
Comentários gregos, alexadrinos e bizantinos
Os comentários gregos foram publicados numa edição monumental organizada

pela Academia de Berlim:

Commentaria in Aristotelem graeca, edita consilio et auctoritate Academiae Litterarum

Regiae Borussicae (G. Reimeri, Berolini, 1882-1909). Eis o catálogo completo:

i. Alexander, in Metaphysica, M. Hayduck, 1891.

ii. 1. Alexander, in Priora Analytica, M. Wallies, 1983; 2. Alexandre, in Topica, M.

Wallies, 1891; 3. Alexander (Mich. Ephs.), in Soph. elenchos, M. Wallies, 1898.

iii. 1. Alexander, in De Sensu, P. Wendland, 1901; 2. Alexander, in Meteor. libros,

M. Hayduck, 1899.

iv. 1. Porphyrius, Isagoge, in Categorias, A. Busse, 1887; 2. Dexippus, in Categorias,

A. Busse, 1888; 3. Ammonius, in Prophyrii Isagogen, A. Busse, 1891; 4. Ammonius,

in Categorias, A. Busse, 1895; 5. Ammonius, in De interpretatione, A. Busse, 1897;

6. Ammonius, in Abalytica Priora, M. Wallies, 1899.

v. Themistius: 1. In Analytica Posteriora, M. Wallies, 1900; 2. In Physica, H.

Schenkl, 1900; 3. De Anima, R. Heinze, 1889; 4. De Caelo hebr. et latine, S.

Landauer, 1902; 5. Metaph. l. L paraphrasis hebr. et latine, S. Landauer, 1903; 6.

(Sophon.), in Parv. Nat., P. Wendland, 1903.

vi. 1. Siryanus, in Metaphysica, G. Kroll, 1902; 2. Asclepius, in Metaphysica, M.

Hayduck, 1888.

vii. Simplicius, in De Caelo, I. L. Heiberg, 1893.

viii. Simplicius, in Categorias, K. Kalbfleische, 1907.

ix. Simplicius, in Physica i-iv, H. Diels, 1882.

x. Simplicius, in Physica v-viii, H. Diels, 1895.

xi. Simplicius, in De anima, M. Hayduck, 1882.

xii. Olympiodori: 1. Prolegomena in Categorias, A. Busse, 1902; 2. In Meteora, G.

Stüve, 1900.

xiii. Joannes Philoponus (Olim Ammon.): 1. In Categorias, A. Busse, 1898; 2. In

Anal. Priora, M. Wallies, 1905; 3. In Anal. Posteriora, c. anon. in l. ii, M. Wallies,

1909.
xiv. Joannes Philoponus: 1. In Meteor. l. i, M. Hayduck, 1901; 2. De Generatione et

corr., H. Vitelli, 1897; 3. (Mich. Ephes.) De Gen. anim., M. Hayduck, 1903.

xv. Joannes Philoponus, De Anima, M. Hayduck, 1897.

xvi. Joannes Philoponus, in Phys. i-iii, H. Vitelli, 1887.

xvii. Joannes Philoponus, in Phys. iv-vii, H. Vitelli, 1888.

xviii. 1. Elias, in Prophyr. Isag. et Aristot. Categ., A. Busse, 1900; 2. David,

Prolegomena in Porphyr. Isag., A. Busse, 1904; 3. Stephanus, in De Interpretatione,

M. Hayduck, 1885.

xix. 1. Aspasius, in Ethica, G. Heylbut, 1889; 2. Heliodorus, in Ethica, G. Heylbut,

1889.

xx. Eustratius, Michael, Anônimo, in Ethica, G. Heylbut, 1892.

xxi. 1. Eustratius, in Anal. Post. ii, M. Hayduck, 1907; 2. Anônimo e Stephanus, in

Rethoricam, H. Rabe, 1896.

xxii. Michael Ephesius: 1. In Parva Naturalia, P. Wemdland, 1903; 2. In De part.

anim., De anim. mot., De anim. incessu., M. Hayduck, 1904; 3. In Eth. v, M.

Hayduck, 1901.

xxiii. 1. Sophonias, in De Anima, M. Hayduck, 1883; 2. Anônimo, in Paraphrasis

in Cat., M. Hayduck, 1883; 3. [Themistius], in Priora Anal. i, M. Wallies, 1884; 4.

Anônimo, in Paraphrasis in Sophisticos elencos, M. Hayduck, 1884.

Para as traduções latinas de inúmeros desses comentários, ver:

Schwab, Bibliographie d’Aristote, passim.

Philippe, Aristoteles, p. 19 ss.

Comentários medievais e renascentistas


Como grande parte da filosofia medieval, seja árabe, seja ocidental, é um repensar e

um comentário de Aristóteles, remetemos, para essa seção, a coletâneas de filosofia

medieval.

Para os comentários medievais latinos, consultar as seguintes coletâneas:

Lohr, H. Charles. Mediaeval Latin Aristotle Commentaries, Authors. In Traditio, xxiii

(1967), p. 313-413 [a-f]; xxiv (1968), p. 149-245 [g-i]; xxvi (1970), p. 135-216 [Ja-

Jo]; xxvii (1971), p. 251-351 [Jo-Myn]; xxviii (1972), p. 281-396 [n-Ri]; xxix

(1973), p. 93-197 [Ro-Wil].

Zimmermann, Albert. Verzeichnis ungedruckter Kommentars zur “Metaphysik” und

“Physik” des Aristoteles aus des Zeit etwa 1250-1350, Bd. I. Leiden-Köln, 1971.

Para os comentários renascentistas, é possível encontrar ricas indicações em:

Schwab, Bibliographie d’Aristote.

Philippe, Aristoteles, p. 22 ss.

Comentários modernos
Esses comentários normalmente aparecem com as edições do texto e suas traduções;

já foram, em sua maioria, indicados nas respectivas entradas. Daremos indicações

adicionais nos estudos críticos.

.E
Estudos sobre o pensamento de Aristóteles em geral

Os estudos gerais sobre Aristóteles anteriores a 1896 já foram indicados em:

Schwab, Bibliographie d’Aristote, p. 22 ss; os posteriores, até 1925, podem ser

encontrados em Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 102, e as mais recentes em Totok,

HandBuch, p. 219 ss, Siebek H., Aristoteles, Stuttgart, 1899, 1922 (tradução italiana,

Palermo, 1911).

Alfaric, P. Aristote. Paris, 1905.

Allan, D. J. The Philosophy of Aristotle. Londres, 1952; Oxford 1970 (foi traduzido

para o inglês, o francês e recentemente também para o italiano, com organização

de F. Decleva Caizzi. Milão: Lampugnani-Nigri, 1973).

Berti, E. L’unità del sapere in Aristotele. Pádua, 1965.

Bremond, A. Le dilemme arisotélicien. Paris, 1933.

Brentano, F. Aristoteles und seine Weltanschauung. Leipzig, 1911 (Darmstadt, 1967,

reed. anast.).

Bröcker, W. Aristoteles. Frankfurt, 1935, 1964.

Brun, J. Aristote et le Lycée. Paris, 1961.

Carbonara, C. La filosofia greca. Aristotele. Nápoles, 1967.

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Cresson, A. Aristote, sa vie, son oeuvre, avec un exposé de la philosophie. Paris, 1944,

1963.

Düring, I. Aristoteles, Darstellung und Interpretation seines Denkes. Heidelberg, 1966

(trabalho fundamental; depois da de Jaeger, talvez seja a mais significativa

monografia de conjunto; cf. do mesmo autor o verbete “Aristóteles” na

Realencyclopädie der classischen Altertumswissenschaft, Pauly-Wissova, suppl. b. xi).

Edel, A. Aristotle. Nova York, 1967.

Fuller, B. A. G. Aristotle. Nova York, 1935.

Goedeckemeyer, A. Die Gliederung der aristotelischen Philosophie. Halle, 1912.

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Bari, Laterza, 1946, com trabalho bastante acurado). [Edição portuguesa de L. F.

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Schilling, Wollny K. Aristoteles’ Gedanke der Philosophie. Munique, 1929.

Stiegen, A. The structure of Aristotle’s Thought. An Introduction to the Study of

Aristotle’s Writings. Oslo, 1966.

Taylor, E. A. Aristotle. Londres, 1912 (várias reeds.).

Zürcher, J. Aristoteles’ Werk und Geist. Paderborn, 1952.

Relembramos aqui, enfim, algumas coletâneas de estudos de vários autores (outras,

mais específicas, serão citadas nos respectivos parágrafos):

Autour d’Aristote. Récueil d’études de philosophie ancienne et médiévale offert à Mons.

A. Mansion. Louvain, 1955.

Aristotele nella critica e negli studi contemporanei. Milão, 1957.

Bambrough, R. (org.). New Essays on Plato and Aristotle. Londres, 1959.

Düring, I. e Owen, G. E. L. (orgs.). Aristotle and Plato in the Mid-fourth Century

(Atas do i Symposium Aristotelicum). Gotemburgo, 1960.

L’attualità della problematica aristotélica. Pádua: Antenore, 1970.

Estudos específicos

Estudos sobre o primeiro Aristóteles


Depois do Aristoteles de Jaeger, houve uma redescoberta da filosofia do jovem

Aristóteles, ou seja, da filosofia dos exotéricos, e surgiu então toda uma bibliografia

sobre o assunto, na maioria bastante especializada. O leitor poderá encontrá-la

totalmente indicada e recenseada em:

Berti, E. La filosofia del primo Aristotele, passim.

Mencionaremos apenas algumas das obras mais significativas sobre o tema:

Bernays, J. Die “Dialoge” des Aristoteles in ihrem Verhältnis zu seinen übrigen

Werken. Berlim, 1863 (ainda indispensável, embora superado em muitíssimos

aspectos).

Bignone, E. L’Aristotele perduto e la formazione filosofica di Epicuro, 2 v. Florença,

1936, 1973 (embora a perspectiva jaegeriana que a baseia tenha sido superada,

trata-se de uma obra fundamental, que continua válida graças à demonstração da


influência que o jovem Aristóteles teve sobre a filosofia da era helenística, em

particular sobre Epicuro).

Bidez, J. Un singulier naufrage littéraire dans l’Antiquité. À la recherche des épaves de

l’Aristote perdu. Bruxelas, 1943.

Chroust, A. Aristotle’s “Protrepticus”. A Reconstruction. Indiana, Notre Dame, 1964.

Düring, I. “Problems in Aristotle’s Protrepticus”. Eranos, lii, 1954, p. 139-171.

———. “Aristotle in the Protrepticus ‘nel mezzo del cammin’”. In: Vários autores.

Autour d’Aristote. Louvain, 1955, p. 81-97.

———. Aristotle’s “Protrepticus”: An Attempt at Reconstruction. Gotemburgo, 1961

(trabalho fundamental; desbloqueia de maneira decisiva a interpretação jaegeriana

do Protréptico e oferece uma dicção exemplar do texto).

Einarson, B. “Aristotle’s Protrepticos and the Structure of the Epinomis”.

Transactions and Proceedings of the American Philological Association, lxvii, 1936, p.

261-285.

Festugière, A. J. “Aristote: Le dialogue Sur la philosophie”. In: ———. La révélation

d’Hermès Trismégiste, v. ii, 1949, p. 249-259.

Gadamer, H. G. “Der aristotelische Protreptikos und die entwickungsgeschichtliche

Betrachtung der aristotelischen Ethik”. Hermes, lxiii, 1928, p. 138-164.

Karpp, H. “Die Schrift des Aristoteles Perì Ideôn”. Hermes, lxviii, 1933, p. 384-391.

Lazzati, G. L’Aristotele perduto e gli scrittori cristiani. Milão, 1938.

Mansion, S. “La critique de la théorie des Idées dans le Perì Ideôn d’Aristote”. Revue

Philosophique de Louvain, xlvii, 1949, p. 169-202.

Mariotti, S. “Nuove testimonianze de echi dell’Aristotele giovanile”. Atene e Roma,

viii, 1940, p. 48-60.

Monan, J. D. “La connaissance morale dans le Protreptique d’Aristote”. Revue

Philosophique de Louvain, lix, 1960, p. 185-219.

Moraux, P. À la recherche de l’Aristote perdu. Le dialogue sur la justice. Louvain,

1957.

Mühll, P. von der. “Osokrates und der Protreptikos des Aristoteles”. Philologus, xciv,

1941, p. 259-265.

Owen, G. E. L. “A proof in the Perì Ideôn”. Journal of Hellenic Studies, lxxvii, 1957,

p. 103-111.

Pepin, J. “L’inteprétation di De Philosophia d’Aristote”. Revue des Etudes Grecques,

lxxvii, 1964, p. 445-488.

Philipson, R. “Il Perì Ideôn di Aristotele”. Rivista di Filologia e di Istruzione Classica,

lxiv, 1936, p. 113-125.

Rabinowitz, W. G. Aristotle’s “Protrepticus” and the Sources of its Reconstruction.

Berkeley/Los Angeles, 1957.

Rostagni, A. “Il dialogo aristotelico Perì Poietôn”. Rivista di Filologia Classica, liv,

1926, p. 433-470; lv, 1927, p. 155-173.

Saffrey, H. D. Le “Perì Philosophias” d’Aristote et la théorie platonicienne des idées et

des nombres. Leiden, 1955.


Schuhl, P. M. Aristote, “De la richesse”, “De la prière”, “De la noblesse”, “Du plaisir”,

“De l’éducation”, “Fragments et témoignages”. Tradução, prefácio e comentário de

P. M. Schuhl. Paris, 1968.

Untersteiner, M. “Il Perì Philosophías di Aristotele”. Rivista di Filologia e di

Istruzione Classica, xxxviii, 1960, p. 337-362; xxxix, 1961, p. 121-159.

———. Aristotele “Della filosofia”. Texto, introdução e comentário exegético.

Roma, 1963.

Wilpert, P. “Reste verlorener Aristotelesschrfiten bei Alxander von Aphrodisia”.

Hermes, lxxv, 1940, p. 369-396.

———. “Neue Fragmente aus Perì Tagathoû”. Hermes, lxxvi, 1941, p. 225-250.

———. Zwei aristotelische “Frühschriften über die Ideenlehre”. Regensburg, 1949.

———. “Di aristotelische Schrift Ueber die Philosophie”. In: Vários autores. Autour

d’Aristote. Louvain, 1955, p. 96-116.

———. “Die Stellung der Schrift Ueber die Philosophie in der

Gedankenentwicklung des Aristoteles”. Journal of Hellenic Studies, lxxvii, 1957, p.

155-162.

Relações de Aristóteles com a doutrina platônica das Ideias e dos números-ideias


Além dos trabalhos já citados a respeito dos tratados Sobre as Ideias e Sobre o bem,

também são essenciais para orientar-se adequadamente quanto a essa problemática:

Cherniss, H. Aristotle’s Criticism of Plato and the Academy. Baltimore, 1944 (Nova

York, 1962).

———. The Riddle of the Early Academy. Berkeley/Los Angeles, 1945 (Nova York,

1962; traduzido para o alemão e prestes a ser publicado também em língua

italiana) [trad. it., L. Ferrero: L’enigma dell’Accademia ântica. Florença: La Nuova

Italia, 1974].

Gaiser, K. Platons ungeschriebene Lehre. Stuttgart, 1963 (contém a primeira edição

dos testemunhos [p. 441-557], sistematicamente ordenados).

Gentile, M. La dottrina delle Idee Numeri e Aristotele. Pisa, 1930.

Kraemer, H. J. Areté bei Platon und Aristoteles. Zum Wesen und zur Geschichte der

platonischen Ontologie. Heidelberg, 1959 (Amsterdã, 1967).

Levi, A. In: G. Reale (org.). Il problema dell’essere nell’ontologia e nella gnoseologia di

Platone. Pádua, 1970, p. 32 ss (obra póstuma).

Robin, L. La théorie platonicienne des Idées et des nombres d’aprés Aristote. Paris,

1908 (Hildesheim, 1963, reed. anast.).

Ross, D. Plato’s Theory of Ideas. Oxford, 1953.

Stenzel, J. Studien zur Entwicklung der platonischen Dialetik von Sokrates bis

Aristoteles. Breslau, 1917 (Dermstadt, 1961).

———. Zahl und Gestalt bei Platon und Aristoteles. Leipzig/Berlim, 1924

(Darmstadt, 1959).

Taylor, A. E. Plato. Londres, 1926 (trad. it., Florença, 1949, p. 777-797; encontra-se

uma exposição mais extensa da interpretação dos números-ideias de Taylor em

Philosophical Studies [1963], p. 91-150).


Wedberg, A. Plato’s Philosophy of Mathematics. Estocolmo, 1955.

Wippern, Jürgen (org.). Das Problem der ungeschriebenen Lehre Platons. Beiträge

zum Verständnis der Platonischen Prinzipienphilosophie. Darmstadt, 1972

(importante coletânea de artigos de vários autores).

A metafísica e a problemática ontológico-teológica


Uma bibliografia quase completa poderá ser consultada pelo leitor das seguintes

obras já citadas: Schab, Bibl. d’Arist., p. 209 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p.

104 ss, 113 ss; Totok, Handbuch, p. 234 ss e 250 ss.

Excelente é a bibliografia que o leitor encontrará em J. Owens, The Doc-trine of

Being in the Aristotelian Metaphysics (Toronto, 1951 [1963], p. 425 ss); também

bastante rica é a de S. Gómez-Nogales, Horizonte de la metafísica aristotélica, p. 259

ss, 374 ss; e de Reale, Aristotele, “La Metafisica”, v. ii, p. 449-702. Enfim, uma

bibliografia comentada de cerca de uma centena de livros e artigos sobre o assunto

pode ser encontrada em Reale, Il concetto di filo-sofia prima, p. 321-376. Status

quaestionis referente às interpretações genéticas da Metafísica pode ser encontrado

em Berti, La filosofia del primo Aristotele, p. 39-75.

A bibliografia que mencionaremos a seguir está entre as mais importantes do

século xx; no que diz respeito ao século xix, cf. Reale, Aristóteles, Metafísica, v. ii, p.

462 ss.

Ambuehl, H. Das Objekt der Metaphysik bei Aristóteles. Freiburg Schweiz, 1958.

Arnim, H. von. “Zu W. Jaeger Grudlegung der Entwicklungsgeschichte des

Aristoteles”. Wiener Studien, xlvi, 1928, p. 1-48 (fundamental até hoje porque

representa a primeira tomada de posição sobre sólidas bases filológicas contra a

interpretação genética jaegeriana, em particular da Metafísica).

———. “Die Entstehung der Gotteslehre des Aristoteles”. Sitzungsberichte der

Akademie der Wissenschaften in Wien, Philos.-hist. Klasse, ccxii, 1931, 5

Abhandlung.

Arpe, C. Das tì ên Eînai bei Aristóteles. Hamburgo, 1937.

Aubenque, P. Le problème de l’être chez Aristote. Essai sur la problématique

aristotélicienne. Paris 1962, 1966 (cf. a tese exposta sucintamente pelo autor em

“Aristoteles und das problem der Metaphysik”, Zeitschrift für Philosophische

Froschung, xv, 1961, p. 321-333).

Badareu, D. L’individuel chez Aristote. Paris, s.d. [1936].

Boehm, R. Das Grundlegende und das Wesendliche. Zu Aristoteles’ Abhandlung

“Ueber das Sein und das Seinde” (Metaphysik Z). Den Haag, 1965.

Buchanan, E. Aristotle’s Theory of Being. Cambridge (Mass.), 1962.

Cencillo, L. Hyle. Origen, concepto y funciones de la materia en el corpus aristotelicum.

Madri, 1958.

Chen, Chung Hwan. Das Chorismos-problem bei Aristoteles. Berlim, 1940.

Chevalier, J. La notion du nécéssaire chez Aristote et chez ses prédécesseurs. Paris, 1915.

Décarie, V. L’objet de la métaphysique selon Aristote. Montreal/Paris, 1961.

Deninger, J. G. “Wahres Sein” in der Philosophie des Aristoteles. Meisenheim am

Glam, 1961.
Dhondt, U. “Science suprême et ontologie chez Aristote”. Revue de Philosophie de

Louvain, lix, 1961, p. 5-30.

Elders, L. Aristotle’s Theorie of the One. A Commentary on Book x of the

“Metaphysics”. Assen, 1961.

Golhke, P. Die Entstehung der aristotelischen Prinzipienlehre. Tübingen, 1954.

Gómez-Nogales, S. Horizonte de la metafísica aristotélica. Madri, 1955.

Jaeger, W. Studien zur Entstehungsgeschichte der Metaphysik des Aristoteles. Berlim,

1912.

Kraemer, H. J. Der Ursprung der Geistmetaphysik. Amsterdã, 1964.

———. “Zur geschichtlichen Stellung der aristotelischen Metaphysik”. Kantstudien,

lviii, 1967, p. 313-354.

Lesze, W. Hyle, Studien zum aristotelischen Materiebegruff. Berlim, 1971 (trabalho

importante: o mais completo sobre o assunto).

Lugarini, L. Aristotele e l’idea della filosofia. Florença, 1961.

Mansion, A. “Philosophie première, philosophie seconde et métaphysique chez

Aristote”. Revue Philosophique de Louvain, lvi, 1958, p. 165-221.

Marlan, Ph. From Platonism to Neoplatonism. The Hague, 1952, 1960.

Moser, S. Metaphysik einst und jetzt. Kritische Untersuchungen zu Begriff und Ansatz

der Ontologie. Berlim, 1958.

Oggioni, E. La filosofia prima di Aristotele. Milão, 1939. (Pode-se encontrar uma

exposição mais clara da tese do autor na amplíssima introdução à tradução de

Eusebietti da Metafísica aristotélica. Pádua, 1950.)

Owens, J. The Doctrine of Being in the Aristotelian Methaphysics. Toronto, 1951 (ed.

revista, 1963; trabalho fundamental sob todos os pontos de vista).

Patzig, G. “Theologie und Ontologie in der Metaphysik des Aristoteles”.

Kantstudien, lii, 1960-1961, p. 185-205.

Preiswerk, A. “Das Einzelne bei Platon und Aristoteles”. Philologus,

supplementband xxxii, 1939.

Reale, G. Teofrasto e la sua aporetica metafísica. Brescia, 1964 (no qual o problema

das relações entre a metafísica de Teofrasto e a metafísica aristotélica é tratado

amplamente).

Reiner, K. “Die Entstehung und ursprüngliche Bedeutung des Namens

Metaphysik”. Zeitschrift für Philosophische Forschung, viii, 1954, p. 210-237.

Rijk, L. M. de. The Place of the Categories of Being in Aristotelian’s Philosophy. Assen,

1952.

Riondato, E. Storia e metafisica nel pensiero di Aristotele. Pádua, 1961.

Stallmach, J. Dynamis und Energeia. Untersuchungen am Werk des Aristoteles zur

Problemgeschichte von Möglichkeit und Wirklichkeit. Meisenheim am Glan, 1959.

Tugendhat, E. Tì katà tinós. Eine Untersuchung zur Struktur und Ursprung

aristotelischer Grundbegriffe. Freiburg, 1958.

Wagner, H. “Zum Problem des aristotelischen Metaphysikbegriff”. Philosophische

Rundschau, vii, 1959, p. 129-148.


Werner, C. Aristote et l’idéalisme platonicien. Paris, 1910.

Wundt, M. Untersuchungen zur Metaphysik des Aristoteles. Stuttgart, 1953.

Estudos sobre a problemática física e cosmológica


O leitor encontrará uma bibliografia bastante rica nas seguintes obras citadas:

Schwab, Bibl. d’Aristote, p. 130 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 105, 1.153 ss;

Totok, Handbuch, p. 242, 252; Ross, Arist. Phys., p. viii ss; Wagner, Arist.,

Physilvorlesung.

Carteron, H. La notion de force dans le système d’Aristote. Paris, 1924.

Conen, P. F. Die Zeittheorie des Aristoteles. Munique, 1964.

Dehn, M. “Raum, Zeit, Zahl bei Aristoteles vom mathematischen Standpunkt aus”.

Scientia, lx, 1936, p. 21-21, 69-74.

Dubois, J. M. Le temps et l’instant selon Aristote. Paris, 1967 (toda a primeira parte

da obra [p. 15-125] descreve o status quaestione em relação à temática do tempo).

Düring, I. “Naturphilosophie bei Aristoteles und Theophrast”. In: Vários autores.

Verhandlungen des 4. Symposium Aristotelicum, Heidelberg, 1969.

Edel, A. Aristotle’s Theory of the Infinite. Nova York, 1934.

Evans, M. G. The Physical Philosophy of Aristotle. Albuquerque, 1964.

Giacon, C. Il divenire in Aristotele. Pádua, 1947.

Gohlke, P. “Die Entstehungsgeschichte der naturwissenschaftlischen Schriften des

Aristoteles”. Hermes, lix, 1924, p. 274-306.

———. Moderne Logik ind Naturphilosophie bei Aristoteles. Paderborn, 1962.

Le Blond, J. M. Logique et méthode chez Aristote. Études sur la recherche des principes

dans la Physique aristotélicienne. Paris, 1939.

Mansion, A. Introduction à la physique aristotélicienne. Louvain, 1913 (2ª ed. rev. e

ampl., Louvain, 1946).

———. “La physique aristotélicienne et la philosophie”. Revue Neosc., xxxix, 1936,

p. 5-26.

Mondolfo, R. L’infinito nel pensiero dell’Antichitá Clássica. Florença, 1956.

Moreau, J. L’espace et le temps selon Aristote. Pádua, 1965.

Reiche, L. Das Problem des Unendlichen bei Aristoteles. Breslau, 1911.

Riezler, K. Physics and Reality. Lectures of Aristotle on modern Physics at an

International Congress of Science. New Haven: Yale Univ. Press, 1940.

Robin, L. “Sur la conception aristotelicienne de la causalité”. Archiv für Geschichte

der Philosophie, xxiii, 1910, p. 1-28, 184-210 (publicado também em Robin, La

pensée hellenique des origines à Epicure. Paris, 1942).

Ruggiu, L. Tempo, conscienza e esse nella filosofia di Aristotele. Brescia, 1968.

Runner, H. E. The Delopment of Aristotle Illustrated from the Earliest Books of the

Physics. Kampen, 1951.

Schramm, M. Die Bedeutung der Bewegungslehre des Aristoteles für seine beiden

Lösungen der zenonischen Paradoxie. Frakfurt, 1962 (para a bibliografia


concernente às relações entre Aristóteles e os paradoxos zenonianos sobre o

movimento, cf. Ross, Ar. Phys., p. xi ss).

Solmsen, F. Aristotle’s System of the Physical World. Ithaca: Cornell Univ. Press,

1960.

Theiler, W. Zur Geschichte der theleologischen Naturbetrachtung bis auf Aristoteles.

Zurique, 1924; Berlim, 1965.

Verdenius, W. J. e Waszink, J. H. Aristotle. On Coming-to-be and Passing-away.

Some Comments. Leiden, 1946, 1966.

Wieland, W. Die aristotelische Physik. Untersuchungen ueber die Grundlegung der

Naturwissenschaft un die sprachlischen Bedingungen der Prinzipeinforschung bei

Aristoteles. Tübingen, 1962.

Woodbridge, F. J. E. Aristotle’s Vision of Nature. Nova York, 1965.

Estudos sobre a problemática psicológica e gnoseológica


Para uma bibliografia sobre as questões psicológicas, cf. Schwab, Bibl. d’Aristote, p.

179 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 117; Hicks, Arist. De anima, p. ix-xviii; O.

Apelt in Biehl-Apelt, Arist. De an., op. cit., p. ix-xiii; Totok, Handbuch, p. 142 ss; F.

Nuyens, L’évolution de la psychologie d’Aristote, Louvain, 1948, p. 319-390. Status

quaestionis concernente às interpretações genéticas da psicologia poderá ser

encontrado em Berti, La filosofia del primo Aristotele, p. 88 ss.

Barbotin, E. La théorie aristotélicienne de l’intellecte d’après Théophraste.

Louvain/Paris, 1954.

Bobba, R. La dottrina dell’intelletto in Aristotele e nei suoi più illustri commentatori.

Turim, 1896.

Brentano, F. Die Psychologie des Aristoteles insbesondere seine Lwehre vom Noûs

poeitikós. Mainz, 1867; Darmastadt, 1967 (ainda fundamental).

Cassirer, H. Aristoteles Schrift “Von der Seele” und ihre Stellung innerhalb der

aristotelischen Philosiphie. Tübingen, 1932.

Catin, S. “L’intelligence selon Aristote”. Laval Théologique et Philosophique, iv, 1948,

p. 252-288.

———. “Le nombre de sens externes d’après Aristote”. Laval Théologique et

Philosophique, vii, 1951, p. 59-67.

———. “L’object de sens externes dans la conception aristotélicienne de la

sensation”. Laval Thélogique et Philosophique, xv, 1959, p. 9-31.

Chaignet, A.-E. Essai sur la psychologie d’ Aristote. Paris, 1883.

De Corte, M. “Notes exégétiques sur la théorie aristotélicienne du ‘Sensus

communis’”. New Scholasticism, vi, 1932, p. 187-214.

———. La doctrine de l’intelligence chez Aristote. Paris, 1934.

Hamelin, O. La théorie de l’intellect d’après Aristote et ses commentateurs. Paris, 1953

(introdução de E. Barbotin).

Kurfess, H. Zur Geschichte der Erklärung der aristotelischen Lehre vom sogenannten.

Noûs poietikós und pathetikós. Tübingen, 1911.

Lefèvre, Charles. Sur l’évolution d’Aristote en psychologie. Louvain, 1972.


Mansion, E. “L’immortalité de l’âme et de l’intellect d’après Aristote”. Revue

Philosophique de Louvain, li, 1953, p. 444-472.

Moraux, P. Alexandre d’Aphrodise exégète de la noétique d’ Aristote. Liège/Paris,

1942.

Nuyens, F. L’évolution de la psychologie d’Aristote. Louvain, 1948 (trata-se do mais

significativo dos trabalhos concernentes à evolução da doutrina aristotélica da

alma).

Oehler, K. Die Lehre vom noetischen und dianoetischen Denken bei Platon und

Aristoteles. Munique, 1962.

Schilfgaarde, P. van. De Zielkunde van Aristoteles. Leiden, 1938.

Shute, C. W. The Psychology of Aristotles; an Analysis of the Living Being. Columbia,

1941; Nova York, 1964.

Siwek, P. La psychophysique humaine d’après Aristote. Paris, 1930.

Soleri, G. L’immortalità dell’anima in Arisotele. Turim, 1952.

Spicer, E. E. Aristotle’s Conception of the Soul. Londres, 1934.

Estudos sobre a ética aristotélica


Além dos repertórios várias vezes citados de Schwab, Ueberweg-Praetcher e Totok,

encontram-se excelentes bibliografias específicas sobre a temática moral em

Aristóteles em: Aristotelis Ethica Nicomachea, Apelt, p. xii-xxix. Para a bibliografia

posterior a 1912, ver: Gauthier-Jolif, L’éthique à Nicomaque, v. ii, 2, p. 917-940, que

vai até 1958, e o suplemento relativo aos anos 1958-1968 no v. i, 1 (2ª ed., 1970), p.

315-334. Excelentes também são as bibliografias de Dirlmeier, Aris, Nik. Eth., p.

255-264; id., Arist. Eud. Eth., p. 121-127; id., Magn. Mor., p. 113-118. Status

quaestionis das interpretações genéticas da ética pode ser encontrado em Berti, La

filos. d. prim. Arist., p. 76-87; e, com maior amplitude, em Zeller-Plebe (parte ii, v. vi

da tradução italiana da obra zelleriana, especialmente na “Nota sulla questione dello

sviluppo dell’etica aristotélica”, p. 88-110). Dadas as limitações de espaço,

restringimo-nos aqui à indicação de algumas monografias, com exclusão de muitos

dos trabalhos de caráter predominantemente filológico e referentes à autenticidade

e à gênese de cada um dos trabalhos éticos, que podem ser encontrados em

Dirlmeier.

Allan, D. J. “The Practical Syllogism”. In: Vários autores. Autour d’Aristote. Louvain,

1955, p. 325-340.

Ando, T. Aristotle’s Theory of Practical Congnition. Kioto, 1958.

Arnim, H. von. Die drei aristotelischen Ethiken. Leipzig/Viena, 1924.

Aubenque, P. La prudence chez Aristote. Paris, 1963.

Bausola, A. “La teleologia aristotelica e il valore dell’attività noetica”. In: Vários

autores. Aristotele nella critica e negli studi contemporanei. Milão, 1956, p. 26-70.

Brink, K. O. Still und Form des pseudoaristotelischen Magna Moralia. Ohlau, 1933.

Donini, P. L. L’etica dei Magna Moralia. Turim, 1965.

Gauthier, R. A. La morale d’Aristote. Paris, 1958.

Gillet, M. Du fondement intellectuel de la morale d’après Aristote. Freiburg, 1905

(Paris, 1928).
———. “Les éléments psychlogiques du caractère moral d’après Aristote”. Revue

des Sciences Philosophiques et Théologiques, i, 1907, p. 217-238.

Goedeckmeyer, A. Aristoteles’ praktische Philosophie. Leipzig, 1922.

Hardie, W. F. R. Aristotle’s Ethical Theory. Oxford, 1968.

Joachim, H. H. The Nichomachean Ethics, a Commentary. Oxford, 1951

(organização de D. A. Rees).

Kalkreuter, H. Die Mesotes bei und vor Aristoteles. Tübingen, 1911.

Kapp, E. Das Verhältnis der eudemischen zur nikomachischen Ethik. Freiburg, 1912.

La Fontaine, A. Le plaisir d’après Platon et Aristote. Paris, 1902.

Léonard, J. Le bonheur chez Aristote. Bruxelas, 1948.

Lieberg, G. Die Lehre von der Lust in den Ethiken des Aristoteles. Munique, 1959.

Lottin, O. “Aristote et la connexion des vertus morales”. In: Vários autores. Autour

d’ Aristote. Louvain, 1955, p. 343-366.

Monan, J. D. Moral Knowledge and its Methodology in Aristotle. Oxford, 1968.

Oates, W. J. Aristotles and the Porblem of Value. Princeton, 1963.

Ramsauer, A. J. G. Zur Charakteristic der aristotelischen Magna Moralia. Fak-simile

Neudrusk-Ausgabe Oldembrug, 1858, mit einer Einleitung von F. Dirlmeier.

Stuttgart-Bad Kannstatt, 1964.

Vários autores. Untersuchungen zur Eudemischen Ethik. Atas do v Symposium

Aristotelicum. Berlim, 1971 (organizado por Von P. Maoraux e D. Harflinger).

Walzer, R. Magna Moralia und aristotelische Ethik. Berlim, 1929.

Estudos sobre a política aristotélica


Para uma bibliografia completa acerca da temática política, ver: Schwab,

Bibliographie d’Aristot., p. 157 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 119 ss; e a

bibliografia já citada de Aubonnet, na introdução à sua edição da Política na

Collection des Universités De France. Para o staus quaestionis concernente ao

problema da Política, cf. Berti, La filosofia del primo Aristotele, p. 76-87, e a nota de

Plebe, “La questione della composizione della Politica dall’Aristoteles di Jaeger ai

giorni nostri”, in Zeller-Plebe, p. 215-245.

Ashley, W. The Theory of Natural Slavery Accordig to Aristotle and St. Thomas. Notre

Dame (Indiana), 1941.

Bagolini, L. “Il porblema della schiavitù nel pensiero etico-politico di Aristotele”.

Scienza e Filosofia, 1942, p. 1-38.

Barker, E. The Political Thought of Plato and Aristotle. S.l., 1902 (Nova York, 1959).

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Estudos sobre a poética e a retórica


Sobre a Poética, há uma excelente bibliografia: L. Cooper e A. Gudelman, A

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Bibliogra a sobre a lógica


Para a literatura sobre a lógica, cf. Schwab, Bibliographie d’Aristote, p. 84 ss;

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riquíssima coletênea de indicações bibligráficas pode ser encontrada em I. M.

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Organon. Tradução do grego, textos adicionais e notas de Edson Bini. Bauru:

Edipro, 2005.
* Respectivamente em 1986 e 1989 foram publicadas as duas partes do volu-me iii,

até o livro viii. O autor refere-se aqui aos volumes publicados até 1974, ano em que

esta Introdução a Aristóteles foi lançada. [n.t.]

*
Os dois últimos títulos foram efetivamente publicados: Trattato sul cosmo per

Alessandro, com organização, introdução e comentários de G. Reale, Nápoles,

Loffredo, 1974; I Topici, com organização, introdução e comentários de A. Zadro,

Nápoles, Loffredo, 1974. [n.t.]

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