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Desde o meu nascimento em 1877, há precisamente vinte e um

verões, gozo da vida neste pequeno e muito remoto povoado. Posto à


beira dum extenso e límpido ribeirão, sobre o qual se reflete um belo
tom dourado durante as auroras e crepúsculos, este vilarejo deleita-se
dum nome sublime: Iajubá, rio dourado.
Numa das regiões periféricas deste vilarejo, situa-se meu lar:
um tacanho e modesto domicílio. Sustentado sobre estacas de peroba
rosa, paredes de pedras e tábuas de eucalipto tratado, trata-se duma
simples, mas calma e tranquila, residência.
Defronte, estende-se um grande e largo caminho de pedras. Por
meio dele, cruza-se todo o vilarejo — de ponta a ponta. Não bastante,
também à margem dele, ainda defronte ao meu lar, desdobra-se uma
grande e abastada lavoura comunitária. Lá, belíssimos pomares
frutificam e brindam-nos com laranjeiras, macieiras e limoeiros.
À retaguarda desta minha simples e modesta residência, por sua
vez, nutre-se uma pequena horta domiciliar. Mais atrás, embora ainda
não muito ao longe, flui-se um donairoso e sereno riacho. Deste
pequeno afluente do grande ribeirão da vila, alimenta-se o monjolo
d’água da vizinhança.
Decerto, podeis pensar: tudo isso é perfeito! A realidade,
contudo, opõe-se: tudo está ameaçado. Ah! Quão tranquilo, de fato,
eram os tempos de outrora. O povoado, com pouquíssimos habitantes,
era colmado com paisagens pitorescas: estavam presentes riachos,
araucárias, paineiras rosas, planaltos, ipês, jacarandás-mimosos e flores
variadas.
Perpetuavam-se aqui apenas as mais harmoniosas notas
sonoras. Nasciam elas, quase sempre, tão somente do leve uivar dos
ventos, dos melodiosos pipilos dos passarinhos, dos gritos alegres das
crianças que brincavam pelas ruas e, claro, das orquestras naturais
regidas pelas mais variadas formas de vida presentes.
Porém, sobretudo na última década, tudo mudou. A beleza deste
recinto, infelizmente, deu lugar à ameaçadora ascensão das indústrias, e
os bosques verdejantes de outrora, tão encantadores, transformaram-se
numa simplória matéria-prima para as fábricas.
Enfim, o vilarejo campestre, antes abarrotado por viçosos
horizontes, transformou-se num palco para o espetáculo de horrores
dos homens industrialistas. Pouco a pouco o paraíso perdido do passado
desembocou no pecado terrível vivenciado pelo presente. Nem mesmo
os animais permaneceram: fugiram muitos!
Sob profunda angústia nostálgica, resta-me desfrutar tão
somente desta pequena janela do meu lar. Através dela, enquanto meu
espírito transcende compondo breves poemas, meus olhos contemplam
as montanhas que ainda pairam no horizonte longínquo e cercam esta
vila.

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