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Consensus Auditory- Perceptual Evaluation of Voice (CAPE-V), ASHA 2003

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Comentado por: Mara Behlau

www.asha.org, arquivo http://professional.asha.org/resources/divs/div_3.cfm.


Consensus Auditory- Perceptual Evaluation of Voice (CAPE-V)

A avaliação perceptivo-auditiva da voz é a base da semiologia vocal e, embora a análise acústica


tenha oferecido admiráveis progressos nas últimas duas décadas, a percepção do clínico mantém-se
soberana. O uso de protocolos padronizados, uma tendência mundial, permite a troca de informações entre
diversos serviços; todavia, sendo a voz um fenômeno multidimensional, as variantes disponíveis são
inúmeras e, geralmente, representam a realidade de um determinado serviço ou de uma categoria
profissional.
O protocolo aqui comentado é o CAPE-V (Consensus Auditory–Perceptual Evaluation of Voice),
que foi desenvolvido por um grupo de fonoaudiólogos americanos especialistas em voz, que fazem parte da
SID-3 da ASHA (Special Interest Division 3 – Voice and Voice Disorder, American Speech-Language and
Hearing Association) e que contou com a contribuição de profissionais convidados, pesquisadores da
percepção humana. Após discussões sobre controvérsias em análise auditiva e de acordo com as
sugestões dos membros integrantes do grupo, desenvolveu-se este protocolo que considera os
fundamentos da produção vocal, dados psicoacústicos, conhecimento sobre escalas psicométricas e
peculiaridades da percepção humana. Foi também considerada a experiência de outras profissões e a
tendência moderna na mensuração da percepção humana.
O objetivo primário deste protocolo é descrever a severidade de atributos perceptivo-auditivos de
um problema vocal, de uma forma comum aos clínicos; o secundário é buscar bases anatômicas e
fisiológicas dos desvios vocais e avaliar a necessidade de testes complementares para a avaliação vocal.
Não se espera que este protocolo seja o único instrumento determinante da natureza da alteração vocal,
mas sim uma ferramenta inicial de avaliação clínica para o fonoaudiólogo que trabalha com voz. Sendo o
CAPE-V o resultado de um consenso de especialistas, todos os parâmetros sobre os quais não se atingiu
concordância no grupo, foram eliminados, como por exemplo, a aspereza vocal.
O CAPE-V avalia seis parâmetros pré-determinados, com a possibilidade de inclusão de dois
adicionais, em 3 tarefas diversas: vogais sustentadas, frases específicas e conversação espontânea. Estas
tarefas foram consideradas pelo grupo do consenso como mínimas e suficientes para a avaliação inicial de
voz de um paciente. Para se assinalar o grau do desvio observado, utiliza-se uma escala analógica linear,
com 10cm de extensão (de 0 a 100mm), onde deve ser registrada a avaliação específica de cada
parâmetro. Essa marcação deverá ser posteriormente transformada no número correspondente, por meio
de leitura direta com régua milimetrada. Embora a avaliação perceptivo-auditiva da voz geralmente utilize
escalas de intervalos iguais (exemplo: grau de desvio 0, 1, 2 e 3, correspondentes a uma alteração ausente,
discreta, moderada e severa), tal estratégia é considerada limitada, pois o número de categorias é muito
restrito e algumas pessoas têm relações mágicas com os números, evitando colocar zero, ou preferindo o
número 2 e, assim por diante. As escalas lineares oferecem uma opção de 100 postos e são consideradas
menos tendenciosas.
Após os dois dias de apresentações e análises, sediados na University of Pittsburgh, em junho de
2002, com a coordenação da Fga. Dra. Katherine Verdolini, seguiu-se uma intensa discussão e, finalmente,
foi obtido consenso entre os especialistas para a inclusão dos seguintes seis parâmetros perceptivo-
auditivos da voz no protocolo CAPE-V: severidade global da alteração, rugosidade, soprosidade, tensão,
pitch e loudness. Além da marcação do desvio nos parâmetros referidos, o clínico deverá ainda indicar se a
alteração assinalada é consistente (C) ou intermitente (I), circulando a respectiva letra impressa na folha de
respostas. Quando um parâmetro é avaliado como consistente, indica que ele esteve presente durante
todas as tarefas de fala, já o intermitente indica presença assistemática do desvio.
Os parâmetros foram definidos pelo consenso da seguinte forma:
- Grau de severidade global: impressão global da alteração vocal;
- Rugosidade: irregularidade na fonte sonora;
- Soprosidade: escape de ar audível na voz;
- Tensão: esforço vocal excessivo;

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- Pitch: correlação perceptiva da frequência fundamental, determinando-se se está adequada ao
sexo, idade e cultura do indivíduo;
- Loudness: correlação perceptiva da intensidade do som, determinando-se se está adequada ao
sexo, idade e cultura do indivíduo.
Uma das soluções interessantes deste protocolo é que, além dos seis parâmetros selecionados, se
necessário pode-se marcar até dois parâmetros extras, característicos da emissão do paciente em questão,
que devem ser submetidos ao mesmo julgamento dos itens propostos pelo consenso. Assim, se a voz do
paciente é caracteristicamente trêmula, ou com espasmos, tal parâmetro pode ser incluído e avaliado de
modo similar. Finalmente, o clínico também pode realizar observações sobre ressonância vocal, no item
específico, avaliando a presença de hipernasalidade, hiponasalidade ou ressonância cul-de-sac.
Para a avaliação com o protocolo CAPE-V, as três tarefas de fala devem ser executadas com o
paciente sentado confortavelmente e em ambiente silencioso. As emissões devem ser registradas
diretamente em um computador, com resolução de 16 bits e velocidade de gravação de 20KHz, com
microfone posicionado a 4 cm da boca do falante e em ângulo de 45º. A primeira tarefa consta da emissão
de duas vogais sustentadas, tendo sido escolhidas “a”, por ser uma vogal relaxada, e “i”, por ser uma vogal
tensa e a mais comumente utilizada na videoestroboscopia, nos Estados Unidos. A segunda tarefa consta
de seis frases que produzem diferentes configurações laríngeas e sinais clínicos. As frases em inglês foram
adaptadas para o português, a partir de discussões com fonoaudiólogos participantes do GRUPO RACC do
CEV (Reciclagem e Atualização Clínico-Científica no Centro de Estudos da Voz). A primeira sentença foi
elaborada com a participação de todas as vogais da língua: em inglês “The blue spot in on the key again” e,
na adaptação para o português “Érica tomou suco de pêra e amora”. A segunda enfatiza um início suave
de sonorização com a emissão do /h/, sendo que optamos por usar início com a fricativa medial /s/, por
questões fonológicas: em inglês “How hard did he hit him” e em português “Sonia sabe sambar sozinha”. A
terceira sentença foi composta por segmentos totalmente sonoros: em inglês “We were away a year ago” e
em português “Olha lá o avião azul”. A quarta sentença foi elaborada para eliciar a produção de ataques
vocais bruscos: em inglês “We eat eggs every Easter” e em português “Agora é hora de acabar”. A quinta
sentença foi produzida para testar a emissão de sons nasais: em, inglês “My mama makes lemon muffins” e
em português “Minha mãe namorou um anjo”. Finalmente, a sexta sentença foi elaborada com sons
plosivos surdos: em inglês “Peter will keep at the peak” e em português “Papai trouxe pipoca quente”. A
terceira tarefa do protocolo é uma conversa espontânea, por pelo menos vinte segundos, sendo os temas
sugeridos: "fale-me sobre o seu problema de voz" ou "diga-me como está a sua voz".
Outro recurso apresentado pelo consenso é que havendo discrepâncias nos resultados obtidos nas
diferentes tarefas, o clínico deve preencher excepcionalmente mais de uma folha de respostas; contudo, a
orientação é que se preencha apenas uma ficha de avaliação, considerando-se as três tarefas propostas.
Ao término da avaliação, o clínico deve usar uma régua para medir as marcações da escala e preencher o
escore obtido, ex.: 78/100. Como a avaliação fonoaudiológica baseia-se tradicionalmente na marcação
descritiva do grau de desvio em “leve”, “moderado” e “severo”, tais termos foram inseridos sob a escala
linear (atenção, pois a divisão não é exata em três terços) e, embora inicialmente considerados como
transitórios, a SID-3 considera a possibilidade de mantê-los por favorecerem um maior grau de
concordância entre os avaliadores.
O protocolo CAPE-V está em fase final de validação; paralelamente está sendo produzido um
registro com exemplos dos desvios, para treinamento dos fonoaudiólogos. A possibilidade de marcação
computadorizada, com gravação das tarefas de fala e dos registros dos desvios de cada parâmetro, pode
ser feita por meio do programa AUTO-CAPE-V, desenvolvido pelo Engenheiro Richard Horne e oferecida
gratuitamente para download no endereço www.visualizationsoftware.com, sendo que em breve uma versão
em português será também disponibilizada. Embora toda e qualquer padronização seja sempre suscetível a
críticas, o avanço no conhecimento e a atenção derivada ao tema são inegáveis.

1 Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo – Escola
Paulista de Medicina; diretora do Centro de Estudos da Voz – CEV e coordenadora do Curso de
Especialização em Voz do CEV – CECEV.
Endereço para correspondência: Dra. Mara Behlau, CEV, Rua Machado Bittencourt 361, 10º andar, 04044-
001, São Paulo E-mail:mbehlau@uol.com.br

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PROTOCOLO - CONSENSO DA AVALIAÇÃO PERCEPTIVO AUDITIVA DA
VOZ (CAPE-V) – ASHA 2003, SID3
Nome___________________________________________________ Data:___________

Os parâmetros da qualidade vocal deverão ser preenchidos conforme as seguintes tarefas:


1) Vogal sustentada com 3 a 5 segundos
2) Produção das seguintes sentenças:
a) Érica tomou suco de pêra e amora. d) Agora é hora de acabar.
b) Sonia sabe sambar sozinha. e) Minha mãe namorou um anjo
c) Olha lá o avião azul. f) Papai trouxe pipoca quente.

3) Fala espontânea, com os seguintes conteúdos: "Fale-me sobre o seu problema de voz" ou “Diga-
me como está a sua voz".
Legenda: C = consistente I = Intermitente

SCORE
GRAU GERAL _______________________________________ C I ___/100

RUGOSIDADE _______________________________________ C I ___/ 100

SOPROSIDADE _______________________________________ C I ___/ 100

TENSÃO _______________________________________ C I ___/ 100

PITCH ________________________________________ C I ___/ 100

LOUDNESS ________________________________________ C I ___/100

___________ _________________________________________ C I ___/ 100

___________ _________________________________________ C I ___/ 100

Comentários sobre ressonância: NORMAL OUTRA (descreva): _______________


______________________________________________________________________

Características adicionais (por exemplo: diplofonia, som basal, falsete, astenia, afonia,
instabilidade de frequência, tremor, qualidade molhada ou outras observações relevantes)

Clínico: _________________

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