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ESCALA DE AVALIAÇÃO PERCEPTIVA DA FONTE GLÓTICA: RASAT


2002

Dra. Sílvia Rebelo Pinho Dr. Paulo Pontes


Diretora dol INVOZ - Instituto de Comunicação e Voz Profissio- Diretor do INLAR - Instituto da Laringe
nal; Chefe do Departamento de Voz do CEFAC - Centro de Es- Professor Titular de ORL da UNIFESP - Universida-
pecialização em Fonoaudiologia Clínica - São Paulo - Brasil de Federal de São Paulo - Brasil

Observação dos autores: No ano de 2008 foi introduzido na escala RASAT o “I”, referente à
Instabilidade vocal. A publicação abaixo ainda não contempla esta nova modalidade. A últi-
ma publicação da Escala RASATI que inclui o “I” de 'Instabilidade' foi publicada no livro:
PINHO SMR, PONTES P - Músculos Intrínsecos da Laringe e Dinâmica Vocal. (Série Desven-
dando os Segredos da Voz). Vol. 1. Revinter, Rio de Janeiro, 2008.

Várias propostas de avaliação vocal (SJLF) em 1969, para avaliação da voz em ní-
perceptiva têm sido apresentadas na literatura vel glótico e “Modelo Fonético de Descrição da
mundial. O enfoque principal destas propostas Qualidade Vocal – Fonte e Filtro” (Laver,
consiste em analisar a voz em dois setores: 1980), para avaliação global da voz.

1) Fonte (sinal laríngeo): quando a a- A escala GRBAS, para avaliação vo-


valiação perceptiva da voz é realizada conside- cal perceptiva no nível glótico foi conside-
rando-se as alterações da vibração da mucosa rada por Hirano (1981) escala de rouquidão,
das pregas vocais. Neste caso a análise res- onde G - Grade, significa no dicionário da lín-
tringe-se ao som produzido na fonte glótica, gua portuguesa, Grau; R - Rough, Áspero;
relacionando-se à freqüência fundamental e B - Breath, Soproso; A - Asthenic, Astêni-
aos harmônicos. Exemplo: carcinoma glótico, co; S - Strain, Tenso.
nódulos vocais, edemas de prega vocal, etc.
Para a triagem vocal realizada na po-
2) Filtro (sinal de saída): quando a a- pulação brasileira durante a Campanha Nacio-
valiação vocal perceptiva é realizada conside- nal da Voz de 2001, organizada pela Sociedade
rando-se a passagem dos harmônicos produzi- Brasileira de Laringologia e Voz (SBLV), opta-
dos pela fonte glótica através trato vocal (efei- mos pela utilização da escala GRBAS. A razão
to de filtragem do som). Nesta situação, a para tal escolha justifica-se, já que o enfoque
análise é mais ampla e inclui também os as- da Campanha foi o carcinoma glótico e escala
pectos vocais ligados à articulação e ressonân- GRBAS apresenta-se como instrumento eficaz
cia. na identificação perceptiva de distúrbios vocais
relacionados à irregularidade vibratória das
As escalas de avaliação vocal percepti- pregas vocais - fonte glótica. Além disto, é um
va mais difundidas são: “GRBAS”, criada pelo procedimento de aplicação rápida consideran-
Comitê para Testes de Função Fonatória da do-se o grande número de pessoas a serem
Sociedade Japonesa de Logopedia e Foniatria avaliadas.
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A tradução fiel para o português do som de uma bandeira tremulando ao vento


termo Rough – áspero, realizada por Pinho, forte.
Pontes (2001), utilizada no conteúdo do vídeo O aspecto perceptivo, mais específico,
explicativo da GRBAS dirigido aos coordenado- relativo à aspereza, relaciona-se à rigidez de
res da Campanha, levou-nos a fazer uma a- mucosa, que também causaria certa irregulari-
daptação na escala que, originalmente, não dade vibratória dependendo da presença ou
contemplava claramente o aspecto aspereza, não de fenda glótica e de associações com ou-
característico dos quadros de rigidez de muco- tras alterações laríngeas como, por exemplo,
sa e importantíssimo na avaliação perceptiva edema. Entretanto, em casos onde o fator ri-
da voz diante de carcinoma glótico. O termo gidez predomina, a qualidade vocal é bem
Rough na língua inglesa, geralmente é utiliza- característica, com impressão de voz seca e
do para caracterizar irregularidade da vibração sem projeção. Em análise acústica, estas vozes
sendo, portanto, impreciso na distinção entre são caracterizadas pela presença de ruídos em
os aspectos perceptivos de rouquidão e aspe- alta freqüência (Hirano et al, 1990; Hammar-
reza. Analisando a fita de casos clínicos ilustra- berg,Gauffin, 1995; Hammarberg, 2000). Isto,
tivos da GRBAS no vídeo original, elaborado provavelmente se deve ao grande desperdício
pela SJLF, observamos que as amostras vocais de ar durante a emissão vocal, necessário para
intensamente irregulares foram consideradas desencadear vibração da mucosa rígida, favo-
Rough independentemente se o componente recendo a visualização de harmônicos inferio-
áspero ou rouco predominasse. Em nossa opi- res. O exemplo clássico de voz áspera por rigi-
nião, os termos Hoarse para rouquidão e Har- dez de mucosa é encontrado nos casos de sul-
sh para aspereza seriam mais precisos. co vocal. Cistos, pontes e bolsas geralmente
apresentam voz áspera associada à rouquidão
Para Isshiki (1980) a rouquidão, jus- mais intensa, devido à presença de edema que
tifica-se por irregularidade vibratória da muco- freqüentemente os acompanha.
sa das pregas vocais durante a fonação devido
à: presença isolada de fenda glótica maior ou Apoiados nestes dados e, também
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igual a 0,5 mm (valor aproximado, baseado considerando a definição de rouquidão obtida
em pesquisas experimentais desenvolvidas pe- através dos experimentos de Isshiki (1980),
lo autor em laringes humanas extirpadas); pre- adaptamos a GRBAS e passamos a utilizá-la
sença isolada de alteração orgânica em muco- realmente como uma escala de avaliação de
sa vibratória ou; fenda de qualquer dimensão rouquidão, conforme sugere Hirano (1981)
aliada à presença de alteração orgânica de em seu livro, já que todos os aspectos da es-
mucosa vibratória. Exemplo característico de cala podem estar relacionados à irregularidade
rouquidão ocorre nos nódulos vocais, hipere- vibratória. Conseqüentemente, passamos a
mias e edemas. Esta situação gera ruídos ad- considerar o Grade, originalmente tratado
ventícios em baixa freqüência (Hirano et al, como grau geral de desvio da voz pela SJLF,
1990; Hammarberg, Gauffin, 1995; Hammar- como grau de rouquidão e os demais aspec-
berg, 2000), mascarando no traçado espectro- tos nos termos correspondentes à exata tradu-
gráfico os harmônicos inferiores. A voz apre- ção do inglês para a língua portuguesa con-
senta-se irregular, produzindo ruído similar ao forme mencionamos acima. Em nossa opinião,
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utilizar Grade como grau geral de desvio da derado (2) quando a alteração é evidente e;
voz não seria conveniente, já que alterações Intenso (3) para alterações vocais extremas.
vocais também podem ocorrer por desajustes Também consideramos a possibilidade de gra-
de outros setores do trato vocal. Desta manei- duação de 1 para 2 e 2para 3, como viáveis
ra visamos alcançar um consenso a respeito do para determinar distúrbios intermediários.
julgamento auditivo e suas correlações fisioló-
gicas. As emissões utilizadas para o julga-
mento perceptivo da voz são: vogal /a/ pro-
Os demais aspectos não apresentaram longada (vogal mais aberta), vogal /e/ (por ser
controvérsias, sendo: utilizada no exame laringológico) e amostra de
fala encadeada.
A soprosidade corresponde à presen-
ça de ruído de fundo, audível e cujo correlato O especialista na área de voz deve ter
fisiológico mais freqüente é a presença de fen- habilidade para integrar as dimensões percep-
da glótica. Vale lembrar que, excepcionalmen- tivas, acústicas, fisiológicas e psicológicas da
te, podemos encontrar soprosidade em casos voz durante sua avaliação. Assim sendo, seu
de extrema rigidez de mucosa na ausência de julgamento perceptivo deve ser considerado
fenda glótica. em sua hipótese diagnóstica. Alterações vocais
relativas à escala GRBAS no momento da e-
A astenia, correlacionada a hipofun- missão implicam, necessariamente, em a-
ção das pregas vocais e pouca energia na e- chados laringoscópicos que as justifiquem.
missão, como observado em casos neurológi- Nestes casos, se o exame laringológico con-
cos, por exemplo, miastenia gravis. vencional não identificar nenhuma alteração
orgânica, torna-se imprescindível realização de
A tensão, associada ao esforço vocal avaliação mais detalhada por laringoestrobos-
por aumento da adução glótica (hiperfunção), copia.
geralmente relacionado ao aumento da ativi-
dade da musculatura extrínseca da laringe, Piccirillo et al (1998) julgaram impor-
causando sua elevação. Exemplo: disfonia es- tante anexar à GRBAS o tópico instabilidade
pasmódica de adução, síndromes vocais tensi- (instability)caracterizando GRBASI. Discorda-
onais, etc. mos da proposta por considerarmos que a ins-
tabilidade vocal freqüentemente corresponde
Também utilizamos a graduação origi- ao tremor de estruturas do trato vocal afas-
nalmente proposta para a escala GRBAS em tando-se do objetivo de avaliar exclusivamente
cada um de seus tópicos de acordo com o en- alterações vocais provenientes da fonte glóti-
volvimento vocal em 4 níveis: normal (0), leve ca.
(1), moderado (2) e intenso (3). Considera-
mos: Normal (0) quando nenhuma alteração Para facilitar o procedimento de tria-
vocal é percebida pelo ouvinte; Leve (1) para gem vocal perceptiva no nível glótico em nosso
alterações vocais discretas ou em caso de dú- país e afastando questões de controvérsia en-
vida se a alteração está presente ou não; Mo- volvendo a GRBAS, sugerimos a adoção de no-
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va sigla: “RASAT”, onde R corresponde à tópico avaliado. Desta maneira, julgamos estar
rouquidão; A, aspereza; S, soprosidade; contribuindo para a utilização deste instrumen-
A, astenia e T, tensão. A graduação de 0 a 3 to em novas campanhas e na avaliação do clí-
e seus intermediários será mantida para cada nico especialista na área de voz.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Comitê para testes de função fonatória da Sociedade Japonesa de Logopedia e Foniatria - Fita de Vídeo ilustrativo
da “GRBAS”, 1969.

Hammarberg B, Gauffin J – Perceptual and acoustics characteristics of quality differences in pathological voices as
related to physiological aspects. In: Fujimura O, Hirano, M – Vocal fold physiology. San Diego, Singular Publishing
Group Inc., 1995. p. 283-303. 1995.

Hammarberg B – Voice research and clinical needs. Folia Phoniat. Loop., 52: 93-102, 2000

Hirano M.- Clinical examination of voice. - Viena, Springer-Verlag, 1981, 100p.

Hirano M, Yoshida T; Tanaka S, Hibi S - Sulcus vocalis: functional aspects. Ann. Otol. Rhinol. Laryngol.; 99:679-
83, 1990.

Isshiki N - Recent advances in phonosurgery. Folia Phoniatr. (Basel), 32:119-54, 1980.

Laver J.- The phonetic description of voice quality. Cambridge University Press, Cambridge, 1980.

Pinho SMR, Pontes PAL - Vídeo explicativo da escala GRBAS dirigido aos coordenadores da Campanha Nacional da
Voz - São Paulo - 2001.

Piccirillo JF, Painter C, Fuller D, Haiduk A, Fredrickson JM – Assessment of two objective voice function indices.
Ann. Otol. Rhinol. Laryngol.; 107 (5Pt1): 396-400, 1998.

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