Você está na página 1de 16

FELICIDADE E

BEM-ESTAR NA
VIDA
PROFISSIONAL
Psicologia positiva
e felicidade
Jéssica Pereira de Mello

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Explicar os conceitos que guiam a psicologia positiva.


>> Relacionar os pilares da psicologia positiva com as situações do cotidiano.
>> Apontar mecanismos que promovem a felicidade na perspectiva da psicologia
positiva.

Introdução
A psicologia positiva tem seu nascimento por volta dos anos 2000, representando
uma abordagem que tem por objetivo olhar para um viés do ser humano que foi
relativamente deixado de lado por outras vertentes da psicologia tradicional,
a qual se concentra na resolução de patologias e deficiências. Sob a lente da
psicologia positiva, podemos debater conceitos como resiliência, flow, felicidade,
bem-estar, entre outros.
Neste capítulo, você vai conhecer as definições de psicologia positiva, seus
principais conceitos e sua relação com o cotidiano, perpassando pelos mecanismos
promotores da felicidade segundo essa abordagem.

Principais conceitos da psicologia positiva


A psicologia positiva pode ser considerada uma abordagem que aglutina
temáticas sobre o bem-estar subjetivo, mas que já eram desenvolvidas no
campo da psicologia. O objeto de estudo dessa abordagem são as forças e
2 Psicologia positiva e felicidade

virtudes humanas. O psicólogo norte-americano Martin Seligman, quando


diretor da American Psychological Association (APA), passou a enfatizar a
importância de estudar o lado positivo e as potencialidades humanas e o
impacto no bem-estar e felicidade. Assim, a partir dos anos 2000, a abordagem
da psicologia positiva começou a se disseminar no meio acadêmico com tal
nomenclatura (PALUDO; KOLLER, 2007; PACICO; BASTIANELLO, 2014).
Em 2001, Seligman, em parceria com o psicólogo húngaro Mihaly Csikszent-
mihalyi, publicou no periódico American Psychologist um artigo intitulado
“Psicologia positiva: uma introdução”. Nele, os autores reforçaram os argu-
mentos de um artigo anterior, de 1998, alegando que pouco se olhava para
os aspectos positivos, que também são parte do sujeito e das organizações,
e que sem isso a psicologia era uma ciência incompleta. Assim, as argumen-
tações dos pesquisadores colaboraram para que surgisse o insight sobre a
necessidade de um novo direcionamento à psicologia (PALUDO; KOLLER, 2007).

Um modo simples de entender a proposta básica por trás da psico-


logia positiva é pela dicotomia entre a abordagem “fix what's wrong”
frente à abordagem “build what's strong”. Acontece que a psicologia tradicional
quase sempre teve como foco consertar o que está errado (fix what's wrong), ou
seja, tratar pessoas que estejam com uma nota baixa em bem-estar, digamos
nota 3 ou 4, e levá-las terapeuticamente a um novo patamar mais aceitável,
como nota 5 ou 6.
O insight de Martin Seligman foi pensar em modos de levar pessoas já num
estado razoável de bem-estar, nota 6 ou 7, digamos, para patamares mais
elevados, em que alcançariam então nota 9 ou quem sabe 10 em bem-estar.
Daí o mote build what's strong, ou seja, reforçar aquilo que já está forte psi-
cologicamente, o que costumava ser negligenciado pela psicologia tradicional
(HARVARD HEALTH PUBLISHING, 2008).

A resiliência é o principal processo em que a psicologia positiva se ancora.


Para a psicologia positiva, a superação das dificuldades que podem atrapa-
lhar a harmonia dos indivíduos e dos grupos é a chave para compreender
a resiliência. Segundo Yunes (2003), isso diz respeito a um percurso a ser
realizado de forma evolutiva, em busca de uma vida positiva, pela conversão
dos traumas e sentimentos negativos em positivos e crescimento pessoal
com o objetivo de desenvolver as forças do ser humano.
O florescimento também é outro termo frequentemente encontrado nos
artigos que versam sobre a psicologia positiva. Ele é descrito como um estado
em que os indivíduos têm uma visão positiva da vida, em que há um:
Psicologia positiva e felicidade 3

[...] ótimo funcionamento emocional e social e não possuem problemas relaciona-


dos à saúde mental, o que não quer dizer ser um ‘super-homem ou supermulher’,
mas indivíduos considerados em pleno florescimento são aqueles que vivem
intensamente mais do que meramente existem. Essa condição possibilitaria um
desenvolvimento completo e saudável dos aspectos psicológicos, biológicos e
sociais do ser humano (PALUDO; KOLLER, 2007, documento on-line).

O flow (fluxo) é um termo que tem para psicologia positiva o estatuto


de conceito central, relacionado a outro, denominado bem-estar subjetivo,
ambos conectados ao de felicidade. Em 1992, Mihaly Csikszentmihalyi publicou
o livro Flow: a psicologia do alto desempenho e da felicidade, conhecido como
um marco para a psicologia positiva. Nele, o termo está ligado à conquista
da felicidade pela imersão em tarefas desafiadoras que se adequam às
habilidades individuais. Conhecido como um estado, o flow é uma experiên-
cia de concentração extrema em determinada tarefa, de forma que ocorra
uma imersão na qual o indivíduo se desligue da realidade, inclusive de suas
emoções (SELIGMAN, 2004).
Para se chegar ao estado de flow, é preciso que a tarefa atenda a algumas
exigências. Assim, ela deve impor um desafio para o qual a pessoa esteja
preparada. Além disso, deve apresentar a percepção de oportunidades que
condizem com as capacidades e retorno imediato quanto aos avanços na
realização da atividade. O indivíduo em estado de flow apresenta atenção
focada, perda da consciência reflexiva, perda da noção temporal e sentimento
de recompensa e controle sobre seu desempenho (SELIGMAN; CSIKSZENT-
MIHALYI, 2001).
O flow foi incorporado pela psicologia positiva devido à sua estreita relação
com a felicidade, porque pessoas que passam por essa experiência teriam
maior capacidade de estabelecer laços sociais mais profícuos (SELIGMAN,
2004). Outra justificativa é quanto à relação do flow com o self, definido como
o conjunto dos processos vivenciados pelo indivíduo de forma consciente,
quando, em estado de flow, a pessoa volta sua atenção para si própria, re-
fletindo sobre seu estado corporal e suas metas de vida. Além disso, nesse
momento haveria uma integração do self pela ausência de conflitos, devido
ao estado de atenção profunda (GRAZIANO, 2005). Esse grupo de atividades
e reflexões levaria a uma vida mais feliz, porque a felicidade está ligada à
forma como a projetamos (SELIGMAN, 2004).
Embora a ideia de flow estabeleça alguns critérios pelos quais as pessoas
podem atingir a felicidade e esta ser a principal meta do movimento da psicolo-
gia positiva, o termo não faz parte do corpo de conceitos que buscam embasar
esse movimento. Ao contrário, flow e prazer são termos importantes, que
4 Psicologia positiva e felicidade

poderiam ser quantificáveis mediante avaliações psicométricas (SELIGMAN,


2004). Como forma de resgatar o olhar da psicologia à felicidade humana, a
psicologia positiva busca, pelo crescimento dos processos de gratificação
ancorados no flow, incrementar o self das pessoas, de modo a intensificar
as forças pessoais. Isso inclui mitigar emoções negativas e aumentar o bem-
-estar subjetivo que o indivíduo atribui a si mesmo.
Contudo, há uma diferença entre prazer e gratificação. O primeiro está
ligado à parte corporal e sensorial, e é como uma felicidade momentânea
que pode estar relacionada a desejos fáceis de realizar, como comer um
chocolate ou sair com amigos para se divertir, por exemplo. Já a gratificação
está relacionada à felicidade a longo prazo e depende do desenvolvimento
de habilidades que possam atender aos desafios da vida de cada ser humano
(SELIGMAN, 2004).
A tendência, porém, é que, mesmo com o desenvolvimento de habilidades,
o estado de felicidade se estabilize em aproximadamente três meses, ao seguir
um caráter genético do ser humano. Isso requer o estabelecimento de uma
rotina de exercícios que podem ser feitos pelo próprio indivíduo na busca
de uma vida autêntica. Para que a felicidade seja alcançada, um processo de
armazenamento de informações deve ocorrer na consciência (SELIGMAN, 2004).
O caminho para o bem-estar subjetivo também perpassa pela já men-
cionada resiliência. Embora os estudos sobre a resiliência tenham ganhado
representatividade atualmente, é preciso ressaltar que sua utilização vem
da área das engenharias, que classificam determinados materiais como resi-
lientes, ou seja, com alto poder de adaptação. Um exemplo é a utilização de
borrachas em determinadas estruturas, pois se adaptam e unem diferentes
moldes e materiais diferentes (YUNES, 2003). Outro exemplo de resiliência
é o bambu, que, embora não seja rígido e se vergue com certa facilidade, é
dificílimo de quebrar.
A resiliência como constructo psicológico compreende a prática de absor-
ção, tradução e uma espécie de digestão das situações, considerando sempre
que é possível apreender e se superar em situações difíceis. Pessoas conside-
radas resilientes exercitam características como criatividade na solução de
problemas, autoconfiança, senso de propósito e alto grau de sociabilidade.
São indivíduos que estão em constante relação de aprendizado com o mundo
que os cercam, incluindo as pessoas ao seu redor (YUNES, 2003).
Assim como os outros conceitos-chave da psicologia positiva, a resiliência
não é uma característica inata, sendo necessário exercitá-la initerruptamente.
Nesse sentido, é possível aprender a ser resiliente mediante a busca por
esse estado. Dentre os requisitos, é possível citar a atribuição de sentido
Psicologia positiva e felicidade 5

aos problemas, com foco em administrá-los e não se sentir paralisado ou


derrotado de antemão. A prática do olhar positivo sobre as situações permite
que se obtenha a percepção de que há saídas disponíveis, mas é preciso
construí-las; caso não funcionem, há alternativas possíveis, desde que se
tenha vitalidade, disposição, apoio mútuo, iniciativa e principalmente per-
severança (YUNES, 2003).
Para a psicologia positiva, a consciência é definida como um processo
complexo de seleção e processamento de informações pela apreensão de
elementos da realidade vivida pelos indivíduos em seu cotidiano. Dessa forma,
os estudos da psicologia positiva se intersectam com a teoria da informação
e com a fenomenologia, principalmente aqueles que buscam compreender
como os dados informacionais são experenciados, sedimentados, guardados
e posteriormente empregados pelos indivíduos (GRAZIANO, 2005).
A forma como a psicologia positiva traduz e aplica sua teoria no coti-
diano das pessoas é por meio das virtudes humanas, que se subdividem
em forças de caráter. Pode-se dizer que, em conjunto, o florescimento, o
bem-estar subjetivo, a resiliência e o flow formam a base conceitual da
psicologia positiva, mas é pelo exercício das virtudes e forças que esses
conceitos ganham corpo e materialização, podendo ser aplicados. Esse
modo de atuação faz parte de uma abordagem que tem por objetivo pro-
duzir conhecimentos que colaborem para que as pessoas possam viver
melhor (SELIGMAN, 2011).

Psicologia positiva aplicada ao cotidiano


De certo modo, o título desta seção acaba sendo um pouco redundante quando
se refere à psicologia positiva, pois seu surgimento não ocorreu de modo
isolado do dia a dia de seus fundadores. Seligman relata que a experiência
que o fez encarar suas pesquisas de outra forma ocorreu certa vez em que
sua filha pequena o repreendeu, afirmando que ele, na maioria das vezes,
era repressor e chamava sua atenção demasiadamente. Com isso, a menina
relatou que havia deixado de chorar, e se ela podia tomar tal atitude, ele tam-
bém poderia mudar. Seligman relata que, a partir disso, chegou à conclusão
de que deveria estimular mais o lado positivo e as qualidades da filha, e não
apenas repreendê-la quando necessário. Este é apenas um breve relato, mas
que indica como a psicologia positiva está relacionada com nosso cotidiano
(SELIGMAN; CSIKSZENTMIHALYI, 2001).
6 Psicologia positiva e felicidade

A psicologia positiva se ancora em alguns princípios que a norteiam quanto


à experiência do indivíduo, das instituições e dos grupos: as forças e virtudes.
Quanto ao indivíduo, os estudos enfatizam os relatos de vivências positivas
do que o indivíduo sente quanto ao presente e suas expectativas sobre o
futuro (PETERSON; SELIGMAN, 2004).
Na prática, a psicologia positiva busca analisar os elementos internos
e contextuais de cada indivíduo, valorizando os arranjos e a capacidade
de enfrentar situações de dificuldade. Essas capacidades pessoais estão
ligadas à forma como o indivíduo se comporta e aplica essas habilidades em
determinados contextos. Exemplos dessa relação podem ser observados na
capacidade individual de amar e perdoar e na forma como o indivíduo explora
seus talentos e seus conhecimentos tanto no sentido da inteligência emocional
quanto em sua área de atuação profissional (PALUDO; KOLLER, 2007).
O que resume essa forma de lidar com a vida de modo mais eficaz e positivo
é justamente o conceito de florescimento, que engloba tanto as emoções
positivas quanto o engajamento, a realização, o propósito e as relações po-
sitivas. Contudo, o florescimento não é simples de ser trabalhado e precisa
sempre estar relacionado às diretrizes das forças de caráter propostas pela
psicologia positiva (PETERSON; SELIGMAN, 2004).
Embora ligada ao dia a dia das pessoas, a psicologia positiva não deixa
de lado o rigor em suas pesquisas. Em um estudo histórico e longitudinal
conduzido em diversos países, Peterson e Seligman (2004) elencaram um
conjunto de virtudes e forças de caráter que identificaram por meio da se-
melhança entre personagens e pessoas famosas na humanidade, incluindo
autores da filosofia, filosofia oriental, religiosos e estudiosos, como Buda,
Platão e Santo Agostinho (SELIGMAN; CSIKSZENTMIHALYI, 2001).
Assim, foram identificadas 24 forças de caráter, divididas em um con-
junto maior de seis virtudes: sabedoria e conhecimento; transcendência;
temperança; justiça; coragem; e humanidade (PETERSON; SELIGMAN, 2004).
Os estudos de Seligman e Csikszentmihalyi (2001) apontaram que o floresci-
mento ancorado pelas 24 forças de caráter e seis virtudes possui benefícios
cotidianos, como aprendizado eficiente, trabalho mais produtivo e relações
interpessoais mais positivas e construtivas. Isso tudo contribui para aprimorar
o ambiente em que as pessoas estão inseridas e, consequentemente, tem
reflexos na sua saúde física e mental, como redução do estresse a prevenção
de doenças como depressão e esgotamento. O Quadro 1 associa as 24 forças
de caráter a cada uma das seis virtudes.
Psicologia positiva e felicidade 7

Quadro 1. As forças de caráter divididas em seus respectivos grupos de virtude

Sabedoria Transcendência Temperança Justiça Coragem Humanidade

Criatividade Admiração Perdão Senso de Bravura Amor


coletivi-
dade

Curiosidade Gratidão Humildade Igual- Perseve- Generosidade


dade e rança
Equidade

Julgamento Esperança Prudência Liderança Integri- Inteligência


Crítico dade emocional

Anseio pelo Bom Humor Autocontrole Vitalidade


conheci-
mento

Olhar em Senso de
perspectiva Propósito

Fonte: Adaptado de Peterson e Seligman (2004).

A virtude referente à sabedoria engloba cinco forças de caráter, que, em


conjunto, conduzem o ser humano a tudo que está ligado ao conhecimento
— de si, dos outros, do mundo que o cerca. Esse conhecimento não está
relacionado a um acúmulo de informações, e sim à construção de modos
de vida mais abertos, criativos e com olhar em perspectiva. No cotidiano, a
virtude da sabedoria colabora para o bom relacionamento com as pessoas,
para renovações e para abertura a novas experiências e a busca pelo sucesso
(SELIGMAN; CSIKSZENTMIHALYI, 2001).
A transcendência também engloba cinco forças de caráter: admiração,
gratidão, esperança, bom humor e propósito. Por mais que cotidianamente se
fale bastante sobre esses temas, a psicologia positiva destaca a importância
de realmente trabalhar e praticar essa virtude. As contribuições dessas forças
se refletem em uma vida com maior sentido, mais atenta e que considera os
pontos positivos das relações consigo mesmo e com o mundo (SELIGMAN;
CSIKSZENTMIHALYI, 2001).
A temperança é uma virtude que contém quatro forças de caráter: perdão,
humildade, prudência e autocontrole. Essas forças conduzem a um modo de
vida com maior tranquilidade, baseado no autoconhecimento e autocontrole.
É importante destacar que essa virtude precisa ser exercitada diariamente,
sem ser tomada como óbvia (SELIGMAN; CSIKSZENTMIHALYI, 2001).
8 Psicologia positiva e felicidade

Por sua vez, a virtude da justiça está ligada ao senso de equidade e igual-
dade, considerando que vivemos em sociedade, sendo necessário pensar
coletivamente. O cuidado com o outro e o senso de justiça devem fazer parte
de uma vida com propósito. Essas forças de caráter podem ser trabalhadas
no dia a dia por meio de atitudes altruístas e de ajuda ao próximo (SELIGMAN;
CSIKSZENTMIHALYI, 2001).
A coragem envolve quatro forças de caráter: bravura, perseverança, inte-
gridade e vitalidade. O trabalho dessa virtude colabora com todas as demais,
de modo a não desistir quando há resistência. A bravura está presente em
todas as grandes figuras estudadas na pesquisa que levou à construção das
24 forças. Essa virtude não significa que o medo não estará presente, e sim
que é preciso enfrentá-lo (SELIGMAN; CSIKSZENTMIHALYI, 2001).
Por fim, a última virtude é a humanidade, que possui três forças de ca-
ráter: amor, generosidade e inteligência emocional. Essas forças podem ser
cultivadas por meio das relações interpessoais de ajuda mútua, que refletem
emoções positivas. A generosidade pode ser representada por gentilizas no
dia a dia sem objetivo de obter retorno. O amor e a inteligência emocional
podem ser exercitados diariamente junto com àqueles que nos são caros,
levando em conta que as pessoas possuem histórias de vida específicas
e passam por situações cada qual ao seu modo. Dessa forma, praticando
empatia, paciência e perdão, os benefícios retornarão a você (SELIGMAN;
CSIKSZENTMIHALYI, 2001).
Em relação ao trabalho, o foco recai sobre o bem-estar do indivíduo no meio
em que está inserido e na busca das virtudes requeridas para harmonia da
convivência em grupo: potenciais cívicos, altruísmo e ética. Nesse âmbito, em
síntese, o objetivo é desenvolver e treinar habilidades com foco no bem-estar e no
aprimoramento dos potenciais positivos do ser humano (PALUDO; KOLLER, 2007).
Cabe ressaltar que o otimismo também é um conceito bastante explorado
nessa área. Ao traduzi-lo ao cotidiano, a psicologia positiva aponta que pes-
soas com uma visão otimista possuem efeitos mais benéficos. O otimismo
reflete diretamente na forma como as pessoas lidam com adversidades e se
tornam mais persistentes na solução de problemas (SELIGMAN; CSIKSZENT-
MIHALYI, 2001).
Por fim, cultivar o perdão, a admiração e o amor-próprio é o primeiro
passo em direção a uma vida mais positiva e com bem-estar subjetivo. É
preciso perdoar primeiramente a si mesmo, para que se possa florescer e
influenciar positivamente àquelas pessoas que fazem parte de nossa vida,
seja por meio do exemplo ou das atitudes diárias.
Psicologia positiva e felicidade 9

Saiba mais sobre a psicologia positiva e o estudo do bem-estar


subjetivo a partir da perspectiva da avaliação psicológica. No livro
Avaliação em psicologia positiva (HUTZ, 2014), de um dos principais pesquisadores
da psicologia positiva no Brasil, você poderá compreender melhor a forma
científica e conceitual pela qual essa abordagem funciona na prática.

Mecanismos promotores de felicidade


a partir da psicologia positiva
Antes de tratar especificamente dos mecanismos que podem promover a
felicidade, é necessário conhecer o que a psicologia positiva entende por
esse conceito, que é fundamental nessa abordagem. Desde seu início, a
psicologia positiva tem no lado bom do ser humano uma preocupação de
seus estudos, incluindo a questão: como pode-se ampliar a noção de ser
feliz? Nesse sentido, após um estudo transversal, Seligman (2011) passou a
se dedicar especificamente ao conceito de bem-estar subjetivo.
De modo geral, podemos compreender o bem-estar subjetivo como sinônimo
de felicidade, desde que inclua as contribuições dos autores da psicologia po-
sitiva. Esse construto está relacionado à forma como as pessoas experenciam
suas vidas, ou seja, a avaliação subjetiva da qualidade de vida, que engloba a
satisfação pessoal, os afetos e sentimentos positivos (SELIGMAN, 2011).
Além do mais, a forma como a psicologia positiva apresenta o bem-estar
subjetivo não é homogênea, mas, em geral, tem relação com a abordagem
defendida por Seligman (2011), que envolve cinco elementos para a busca e
o alcance de níveis de bem-estar positivos: emoções positivas, engajamento,
relacionamentos positivos, vida com propósito e realização.
O primeiro mecanismo, as emoções positivas, é definido pelo cultivo de
sentimentos agradáveis, como gratidão, alegria e sentimento de realização.
Esses sentimentos são o fio condutor de uma vida mais plena, não havendo
tempo a se perder com preconcepções negativas sobre a vida. Além de pro-
duzirem bem-estar, as emoções positivas são estudas principalmente por
seu reflexo na saúde física e mental. Embora as emoções sejam passageiras,
a constância delas no cotidiano produz reflexos a longo prazo. Pessoas que
tomam a decisão de cultivar emoções positivas sobre o passado, sobre o
presente e sobre o planejamento futuro têm como correlato um sentimento
mais duradouro de bem-estar (SELIGMAN, 2011).
10 Psicologia positiva e felicidade

Exemplos de emoções positivas são alegria, diversão, orgulho, esperança,


inspiração e gratidão. Subjetivamente, cada indivíduo sente de forma diferente
essas emoções. Apesar disso, a psicologia positiva estuda como elas afetam
as pessoas de modo geral e colaboram para uma vida com bem-estar perene,
mas que precisa sempre ser cultivado pelo indivíduo (SELIGMAN, 2011).
O engajamento está ligado à conexão e à preocupação em realizar ade-
quadamente suas atividades tanto na vida pessoal como profissional. Se
engajar em determinada atividade envolve o esforço consciente de se ligar e
permanecer imerso em determinada tarefa. Por isso, em geral é preciso que
tarefas desse tipo nos desafiem e nos motivem, já que atividades que não
exigem investimento criativo tendem a criar uma monotonia que diminui o
senso de realização (SELIGMAN, 2011).
A psicologia positiva relaciona o engajamento com o estado de flow. Se
engajar em uma tarefa prazerosa pode levar a um estado em que o indivíduo
não se descola da atividade, tornando-se mais produtivo e altamente focado. É
aquele sentimento que temos quando não vemos a hora passar. O engajamento
permite que você execute uma atividade de maneira otimizada, sem que seja
um sacrifício. O resultado pode ser observado diretamente nos resultados,
mas também nos estados emocionais dos indivíduos que experimentam esse
estado de engajamento, traduzindo-se tanto em respostas cognitivas quanto
no desenvolvimento cerebral de áreas específicas. Além disso, resulta também
em vitalidade física, promove a autoconfiança e colabora para o surgimento
de emoções positivas (SELIGMAN, 2011).
Por sua vez, os relacionamentos positivos dizem respeito às relações in-
terpessoais construtivas e colaboradoras para o bem-estar e o respeito a si e
aos outros. Quando os relacionamentos são positivos, envolvem aprendizados
e trocas e colaboram para a evolução pessoal. O importante é que na relação
com os demais aprendemos muito sobre nós mesmos, o que é importante
para o caminho de uma vida com maior bem-estar (SELIGMAN, 2011).
O quarto mecanismo é o sentido ou senso de vida com propósito, que
envolve a construção a longo prazo de uma missão de vida, com objetivos e
metas. Esse mecanismo é bastante complexo, pois envolve também fatores
culturais: cada sociedade cria seus próprios valores, o que se reflete no senso
de propósito de cada indivíduo. Para isso, é preciso exercitar suas virtudes e
forças de caráter, além de viver de acordo com os valores e senso de justiça
(SELIGMAN, 2011). De maneira geral, elaborar um significado envolve pensar
em algo maior e que colabore para vida de demais pessoas. O que deixarei
como legado? Quais serão as minhas contribuições?
Psicologia positiva e felicidade 11

O último mecanismo é a realização pessoal, que ocorre quando se tem a


possibilidade de cumprir as atividades estipuladas e observar os objetivos
sendo realizados. A realização pessoal envolve os mecanismos anteriores, que
são pré-requisitos para seu alcance e que somados conduzem a um caminho
em que o sentimento de bem-estar está presente na forma como a pessoa
enxerga sua vida e seus momentos bons e difíceis, assim como a construção
de relações positivas e relevantes (SELIGMAN, 2011).
É preciso destacar que a realização pessoal está ligada à uma vida equi-
librada, com consciência do presente e planejamento do futuro. Atualmente,
há um discurso de realização pessoal que pode ser considerado um pouco
utópico e mesmo prejudicial, às vezes ligado ao poder e à aquisição de bens
e dinheiro (SELIGMAN, 2004).
De modo mais direto, a psicologia positiva também indica atividades que
podem colaborar para uma vida com maior bem-estar subjetivo, como é o
caso de práticas meditativas como o mindfulness, que tem por objetivo treinar
os estados de atenção e ligação com o presente, estimulando o praticante a
deixar de lado suas preocupações e preconcepções e exercitando o flow. Além
disso, atividades como o aprendizado de outras línguas e outras culturas pode
levar à ativação de novas áreas cerebrais, proporcionando modos diferentes
e mais criativos de enfrentar problemas (SNYDER; LOPEZ, 2009).
Dentre as tarefas propostas pela psicologia positiva, encontra-se tam-
bém a construção de atividades relaxantes, como a música, seja escutando
ou manuseando instrumentos musicais, o que também propicia a ativação de
novos caminhos cerebrais. Ademais, a prática de atividades físicas também é
considerada importante para o bem-estar físico e mental. Além de movimentar
o corpo e regular aspectos biológicos, essas atividades também produzem hor-
mônios que conferem sensação de bem-estar e alívio do estresse, bem como a
interação social, quando executadas em grupos maiores (SELIGMAN, 2004, 2011).
Atividades que envolvam a ajuda ao próximo, como trabalhos voluntários
em benefício da comunidade ou a caridade, também são apontadas por
Seligman (2011) como uma forma de exercitar a gratidão, a generosidade e
o amor. Essas atitudes reverberam em emoções positivas tanto para quem
ajuda quanto para quem é ajudado. No entanto, essas práticas podem estar
ligadas a projetos maiores de transformação, sem que se espere algo em troca.
O caminho em busca do bem-estar subjetivo não é fácil e muito menos
instantâneo, mas, além de não ser impossível, pode trazer maior qualidade de
vida para si e para os outros. (SELIGMAN, 2011). A perseverança e a constância
12 Psicologia positiva e felicidade

são as palavras-chave do percurso proposto pela psicologia positiva; por


isso, esqueça as fórmulas mágicas e rápidas. Seu alcance depende de um
caminho trilhado pela vida toda, mas que pode ser muito recompensador e
repleto de sentido e propósito, ou seja, mais pleno e com maior felicidade.

Exemplo
Um exemplo em que a psicologia positiva pode ser aplicada é o caso do físico
teórico britânico Stephen Hawking (1942–2018), um pesquisador brilhante não
somente em suas pesquisas, mas também na forma como conduziu sua vida.
Portador de uma doença sem cura e neurodegenerativa chamada esclerose
lateral amiotrófica, que paralisa de forma progressiva a maioria dos músculos
do corpo, mas que não afeta diretamente as funções cerebrais e cognitivas,
Hawking superou grande parte das adversidades causadas pela doença,
tornando-se um dos maiores cientistas dos últimos tempos.
As descobertas de Hawking na área da física quântica, contribuíram para
uma melhor compreensão do cosmos e da história do universo. Durante grande
parte de sua vida, Hawking alternou entre a luta contra a doença, que o deixava
cada vez mais debilitado, e sua paixão pela física e pela ciência. Apesar de
tudo, Hawking nunca esteve sozinho: foi casado duas vezes e teve três filhos.
Sempre cercado por seus admiradores, aprendizes e colegas de trabalho, era
conhecido por ser humilde e preocupado com os rumos do planeta.
Além de buscar deixar sua marca e suas contribuições para sua área de
estudo, Hawking também se preocupava em ajudar o próximo, fosse com
contribuições financeiras, como em doações e na criação de instituições, fosse
pela crítica que fazia às desigualdades sociais. Outra questão que lhe era
cara eram a ambiental; Hawking chegou a afirmar que se não iniciarmos uma
rápida recuperação do meio ambiente, o planeta poderá entrar em colapso.
Sob o prisma psicologia positiva, o exemplo de Stephen Hawking é para-
digmático e nos deixa muitos ensinamentos. De modo geral, é possível afirmar
que o físico teve uma vida com propósito e, por conta de seus objetivos maio-
res, foi capaz de superar grandes adversidades. Além de exercitar forças de
caráter como a criatividade, o olhar em perspectiva, o senso de coletividade,
a coragem e a força, também teve uma história resiliente e exemplar.
O cientista ficou conhecido por ter ampla capacidade e prática no flow,
passando horas nesse estado de foco e atenção, que inclusive o fazia esquecer
um pouco das limitações físicas impostas por sua doença. Conhecido por seu
bom humor e seu sarcasmo, chegou a participar como convidado em progra-
mas de televisão e séries de entretenimento. Além disso, sua vida foi vivida
Psicologia positiva e felicidade 13

com propósito e com muitas realizações, deixando contribuições importantes


para a humanidade. Os relacionamentos que construiu colaboraram para que
fosse assistido e cuidado, podendo construir sua carreira de modo brilhante.
Todas essas realizações inspiraram muitas pessoas ao redor do mundo, o que
gerava em Hawking emoções positivas, de sentimento de dever cumprido e
de orgulho pelas suas realizações.

Referências
GRAZIANO, L. D. A felicidade revisitada: um estudo sobre bem-estar subjetivo na
visão da psicologia positiva. 2005. Tese (Doutorado) — Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2005. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/
tde-23052006-164724/pt-br.php. Acesso em: 16 nov. 2020.
HARVARD HEALTH PUBLISHING. Positive psychology in practice. Harvard: Harvard
University, 2008. Disponível em: https://www.health.harvard.edu/mind-and-mood/
positive_psychology_in_practice. Acesso em: 16 nov. 2020.
HUTZ, C. S. (org.). Avaliação em psicologia positiva. Porto Alegre: Artmed, 2014.
PACICO, J. C.; BASTIANELLO, M. R. Instrumentos para avaliação da esperança: Escala de
esperança disposicional e escala de esperança cognitiva. In: HUTZ, C. S. (org.). Avaliação
em psicologia positiva. Porto Alegre: Artmed, 2014. p. 101–110.
PALUDO, S. dos S.; KOLLER, S. H. Psicologia positiva: uma nova abordagem para antigas
questões. Paidéia, v. 17, n. 36, p. 9–20, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1590/
S0103-863X2007000100002. Acesso em: 16 nov. 2020.
PETERSON, C.; SELIGMAN, M. E. P. Character strengths and virtues: a handbook and
classification. New York: Oxford University Press, 2004.
SELIGMAN, M. E. P. Aprenda a ser otimista. Porto Alegre: Nova Era, 2004.
SELIGMAN, M. E. P. Florescer: uma nova e visionária interpretação da felicidade e do
bem-estar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
SELIGMAN, M. E. P.; CSIKSZENTMIHALYI, M. Positive psychology: an introduction. American
Psychologist, v. 55, n. 1, p. 5–14, 2001.
SNYDER, C. R.; LOPEZ, S. J. Psicologia positiva: uma abordagem científica e prática das
qualidades humanas. Porto Alegre: Artmed, 2009.
YUNES, M. Â. M. Psicologia positiva e resiliência: o foco no indivíduo e na família.
Psicologia em Estudo, v. 8, p. 75–84, 2003. Disponível em: https://doi.org/10.1590/
S1413-73722003000300010. Acesso em: 16 nov. 2020.

Leituras recomendadas
ROMA, A.; CORRÊA, A. P. Psicologia positiva: teoria e prática: conheça e aplique a ciência
da felicidade e das qualidades humanas na vida, no trabalho e nas organizações. São
Paulo: Leader, 2016.
SELIGMAN, M. E. P. Felicidade autêntica. Rio de Janeiro: Ponto de Leitura, 2002.
14 Psicologia positiva e felicidade

Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos


testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da
publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas
páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores
declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou
integralidade das informações referidas em tais links.

Você também pode gostar