Você está na página 1de 10

Raio-X das Tiras no

Brasil
 Prof. Dr. Paulo Ramos
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Resumo: Este artigo tem como objetivo fazer um levantamento nacional das tiras publicadas
em jornais brasileiros, estudo até então nunca feito no país. A pesquisa observou a seção
de quadrinhos de 94 diários veiculados nas capitais dos 26 estados e no Distrito Federal.
A investigação analisou também periódicos que circulam no estado de São Paulo, que
apresenta um cenário bastante plural de publicações jornalísticas.

Palavras-chave: Tiras; jornais; internet; regionalização; Brasil

Abstract: The aim of this paper is make a research about strips published in Brazilian
newspapers that never had made before. This study researched comics sections from 94
brazilian diaries, that circulates in 26 States and Federal District. The study also analysed
newspapers of São Paulo State, that has a huge situation of journalistic publications.

Keywords: Strips; newspapers; internet; regionalization; Brazil

As mídias virtuais trouxeram muitas A alegação, na época, foi contenção de gastos


inovações e, com elas, vários questionamentos (RAMOS, 2009). Com a migração para o meio
também, ainda sem uma resposta muito precisa. virtual, o espaço não foi retomado.
Um deles é o destino do jornal frente aos novos A discussão sobre um eventual fim dos
suportes de leitura. Além da versão impressa, o jornais impressos, como a sistematizada por
contato com o conteúdo pode ser feito também Meyer (2007), permanece atual e ainda sujeita
via computador, tablets e celulares. Esses novos aos passos futuros dos meios de comunicação
recursos tecnológicos têm levado os diários nas novas plataformas. O debate, no entanto,
brasileiros a seguir dois caminhos: pluralizar o passa também sobre o destino das tiras, que
modo de contato, oferecendo tanto a publicação tiveram nos diários impressos seu principal locus
no formato impresso quanto nos aplicativos de circulação ao longo do século 20. Casos como
digitais; descartar a veiculação impressa e o do “Jornal do Brasil” reforçam a atualidade
circular o noticiário apenas no circuito virtual. do assunto.
O segundo caminho, mais radical, já Nos Estados Unidos, país onde os
atingiu periódicos tradicionais do país, como o quadrinhos se popularizaram industrialmente,
“Jornal do Brasil”. Desde setembro de 2010, o as seções de tiras diárias e dominicais são
diário carioca abandonou a versão impressa para mantidas por muitos diários. Mas há casos de
circular somente na internet. No tocante aos jornais de circulação nacional que optaram por
quadrinhos, a mudança confirmou uma decisão não veicular mais quadrinhos. Um deles é o
tomada nos dias finais de 2008, data em que a “The New York Times”. Grupos tradicionais
publicação optou por encerrar a seção de tiras. de distribuição de tiras, como a norte-americana

9ª Arte  São Paulo, vol. 4, n. 1, 1º semestre/2015 49


King Features Syndicate, já mantêm suas estudo terá também o papel de servir de fonte
séries também no site da empresa. A página para pesquisas futuras sobre a relação entre os
virtual também indica ainda links para o leitor quadrinhos veiculados em papel e nas mídias
acompanhar as histórias nos sites oficiais de virtuais.
cada uma das criações (KING FEATURES
SYNDICATE, 2015). Cenário nacional
A migração das tiras para os meios O levantamento foi feito durante o ano
virtuais talvez seja uma das maiores revoluções de 2014. O estudo englobou os jornais vendidos
proporcionadas pela internet para a área de nas bancas das capitais dos 26 estados brasileiros
histórias em quadrinhos. No Brasil, esse e no Distrito Federal. O corpus somou 94
comportamento já é bem nítido, como diários. Procurou-se também, num segundo
demonstram os estudos de Santos (2010), momento, observar o comportamento no
Nicolau e Magalhães (2013), Nicolau (2013) interior paulista, região do país onde se percebeu
e Ramos (2012, 2013, 2014). Percebe-se que uma alta incidência de periódicos jornalísticos.
os sites, blogs e redes sociais passaram a abrigar Isso levou à análise de outras 40 publicações.
tiras e a manter uma nova forma de contato A coleta dos dados se deu de
mais direta com o leitor – a interação, na qual diferentes formas. Priorizou-se a compra dos
a pessoa pode comentar o conteúdo, é uma das jornais ou o acesso a edições virtuais, que
marcas da internet. disponibilizam o mesmo conteúdo do impresso
O estudo feito por Nicolau (2013) em plataformas virtuais de leitura. Nos casos
dá uma boa dimensão da presença das tiras em que esse método não foi possível, contou-se
brasileiras na internet. Pesquisa feita por ele com o auxílio de leitores de diferentes partes do
entre setembro e outubro de 2011 identificou país, que se dispuseram a adquirir os diários
104 blogs com produções nacionais. O autor de suas cidades e a enviar as informações por
entende que esse número deva ser ainda maior, e-mail, acompanhadas da imagem digitalizada
por conta de páginas não incluídas no recorte da página de tiras. O contato com essas pessoas
da análise. De todo modo, os dados autorizam foi feito com o auxílio de uma chamada
afirmar que o futuro das tiras no país, qualquer pública, veiculada na rede social Facebook. Não
que seja ele, passa necessariamente pelo mundo ocorrendo nenhuma dessas formas de acesso,
virtual. fez-se contato telefônico com os responsáveis
Essa discussão traz um necessário pelas publicações restantes.
questionamento sobre o papel dos diários Inicialmente, serão expostos os dados
impressos no processo de circulação de tiras nacionais. Mas, antes de observarmos o
no Brasil. Os jornais estão reduzindo o espaço levantamento em si, faz-se necessário um
dedicado aos quadrinhos? Séries publicadas nos esclarecimento prévio sobre um aspecto da
periódicos jornalísticos aparecem também na metodologia. Adotou-se como critério a
internet? São perguntas pertinentes, mas que análise de jornais que circulam nas bancas
contrastam com uma falta de dados a respeito. das capitais do país. Para seguir essa premissa,
Afinal, para entender o papel das tiras e de uma foram incluídas no rol de diários investigados
migração para as mídias virtuais, é preciso, antes, publicações produzidas em outras cidades do
mapear o comportamento delas no impresso. estado e comercializadas também nas capitais.
Este artigo procura fornecer dados sobre São casos como os da “Folha de Londrina”,
as séries publicadas nos jornais brasileiros. A impressa em Londrina, interior do Paraná, e
proposta é fazer uma espécie de raio-X das do “Jornal de Santa Catarina”, publicado na
tiras impressas no país, algo até então inédito. cidade de Blumenau, em Santa Catarina. Ambos
Com base nos dados, pretende-se construir chegam às capitais dos dois estados.
um cenário de como se comporta essa forma Feito o esclarecimento, seguem as
de publicação nos diários jornalísticos. O informações, sistematizadas na tabela a seguir:

50 9ª Arte  São Paulo, vol. 4, n. 1, 1º semestre/2015


Tabela 1 – Tiras diárias em jornais de capitais brasileiras

9ª Arte  São Paulo, vol. 4, n. 1, 1º semestre/2015 51


A tabela permite constatar que a maioria “Diário de Pernambuco”, de Recife, “Expresso
dos 94 jornais consultados não publica tiras da Informação”, do Rio de Janeiro, e “Folha de
diariamente. São 58 impressos (61,7%) sem Boa Vista”, que circula na capital de Roraima.
seção de quadrinhos contra 36 (38,3%), que O critério adotado foi a verificação de
mantêm o espaço todos os dias. Em oito jornais que publicassem tiras diariamente. De
capitais, nenhum dos periódicos jornalísticos todo modo, se fossem incluídas essas quatro
traz histórias assim periodicamente. São os casos publicações com seção semanal de quadrinhos,
das cidades de Rio Branco, Maceió, Macapá, o total de periódicos com tiras passaria de 36
Belém, Natal, Porto Velho, Boa Vista e Aracaju. para 40 (42,6%) e sem tiras cairia de 58 para 54
Se esses dados forem analisados (57,4%). Percebe-se que, mesmo assim, prevalece
por regiões, percebe-se que há uma nítida o dado de que a maioria dos jornais do país não
desigualdade no processo de circulação de tiras traz espaço para quadrinhos.
pelo Brasil. A maior parte dos jornais sem seção Merece registro também o fato de a
de quadrinhos está concentrada no Norte e no “Folha de S.Paulo” e o “Zero Hora” serem os
Nordeste. Em oposição, há uma maior presença periódicos das capitais com o maior número de
nos diários do Sudeste e do Sul. tiras publicadas diariamente. Ambos circulam
A região Norte, a mais extensa do país, oito histórias cada um – o jornal gaúcho traz
apresenta tiras em apenas dois estados. Essa sete narrativas no caderno de cultura e uma no
forma de histórias em quadrinhos circula nas de economia. Se o critério for o volume total de
capitais do Amazonas e do Tocantins e está séries e forem incluídas também as que circulam
ausente nas dos demais estados, Acre, Amapá, apenas uma vez por semana, o jornal paulista é
Pará, Rondônia e Roraima. O Nordeste reúne o que concentra a maior quantidade: oito diárias
os outros três estados do país cujos jornais e treze semanais.
das capitais também não têm espaço para
quadrinhos: Alagoas, Rio Grande do Norte e Séries publicadas
Sergipe. Essa região brasileira possui, ao todo, O levantamento identificou 108 espaços
nove estados. diários para veiculação de tiras em jornais
O Centro-Oeste apresenta um cenário brasileiros. É preciso esclarecer que esse número
bastante desigual dentro da própria região, não corresponde à quantidade total de séries
composta por três estados mais o Distrito veiculadas pelos periódicos impressos. O
Federal. Este, apesar de abrigar a capital política motivo disso é que há publicações que alternam
do país, traz uma só tira, presente em um dos séries diferentes num mesmo espaço. Vê-se
quatro diários analisados. A capital do Mato essa situação, por exemplo, em “A União”, de
Grosso do Sul apresenta média baixa de tiras João Pessoa, na Paraíba, e em “O Popular”, de
por jornal, 0,66. Nas de Mato Grosso e Goiás, Goiânia, em Goiás.
o índice é maior, 1,5 e 3, respectivamente. “A União” traz dois espaços diários
As capitais dos estados do Sudeste para veiculação de tiras. Ali, publicavam-se
(Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro em 2014, de forma alternada, nove séries
e São Paulo) e do Sul (Paraná, Rio Grande do diferentes: “Kisuki”, de Thaïs Gualberto;
Sul e Santa Catarina) apresentam índices altos “Bartolo”, de Cristovam Tadeu; “Rendez-Vous”,
de tiras por jornal. A maior média foi registrada de Henrique Magalhães; “Gibiarte”, de Val
em Vitória, no Espírito Santo, 2,75. A menor, Fonseca; “Columbia”, de Thiago A. C. Leal;
1, nos diários que circulam em Curitiba, capital “One Hit Wonders”, de Igor Tadeu; “O Conde”,
paranaense. de Tânia; “Filosofia de Banheiro”, de Samuel
Vale mencionar que há alguns periódicos de Gois; “Ze Meiota”, de Tônio. Todas foram
que apresentam tiras somente nas edições de fim produzidas por autores da região.
de semana, em cadernos destinados aos leitores O mesmo sistema de revezamento ocorre
infantojuvenis e adolescentes. Isso ocorre com em “O Popular”, porém com uma diferença:
os jornais “Super Notícia”, de Belo Horizonte, em vez de dois espaços diários destinados às

52 9ª Arte  São Paulo, vol. 4, n. 1, 1º semestre/2015


tiras, são três. Em 2014, o rodízio ocorreu entre em “A União”, em que todas as produções são de
as nacionais “Turma da Mônica”, de Mauricio desenhistas locais. Em “O Popular”, vale menção
de Sousa, “Katecca”, de Britvs, “Vida Besta”, de o caso de “Katecca”.
Galvão, e as estrangeiras “Hagar, o Horrível”, de O país reúne outros trabalhos regionais
Dik Browne, “Zits”, de Jerry Scott e Jim Borgman. que poderiam ser citados, como os de: “Radicci”,
As duas publicações servem para de Iotti, no Rio Grande do Sul; “Cabeção”, de
exemplificar também dois comportamentos Lincoln Souza, “Xuxu”, de Bênes, e “Capitão
percebidos nos jornais brasileiros. O primeiro é a Rapadura”, de Mino, no Ceará, todos veiculados
existência de uma regionalização de parte das séries no “Diário do Nordeste”, de Fortaleza; “Marly”,
nacionais veiculadas. São histórias que circulam de Milson Henriques, e “Gervásio”, de Gilberto
apenas na cidade ou no estado onde os diários Zappa, ambos de “A Gazeta”, de Vitória, no
jornalísticos são vendidos. Isso fica bem nítido Espírito Santo.

Figura 1 – “Marly”, de Milson Henriques, série tradicional no Espírito Santo


Fonte: HENRIQUES, Milson. Marly. A Gazeta. Vitória: 25 maio 2014. p. 10.

A produção regional divide espaço com de “Hagar, o Horrível”).


outras séries brasileiras, de difusão nacional “Hagar”, aliás, é a tira que mais veiculada
e presentes em mais de um diário, e com pelos jornais das capitais brasileiras. O método
histórias vindas do exterior. É esse o segundo para se chegar a esse dado foi o de verificar quais
comportamento percebido nos jornais do país séries eram impressas todos os dias na imprensa
e que fica muito bem exemplificado em “O – histórias que circulavam com intervalo
Popular”: há na publicação tanto criações daqui menor foram desconsideradas. O resultado foi
(como a “Turma da Mônica”) como de fora (caso sintetizado na tabela 2, que pode ser lida a seguir:

Tabela 2 – Séries diárias mais publicadas em jornais de capitais brasileiras

9ª Arte  São Paulo, vol. 4, n. 1, 1º semestre/2015 53


As séries não elencadas na tabela foram publicadas que as estrangeiras. Estas ocupam
publicadas em somente um jornal. Por isso, 31 espaços diários de tiras (o que representa
não foram registradas. A leitura do quadro 28,7% do total). As nacionais circulam em 77
permite constatar que as duas histórias mais espaços diários (71,3%). Em outros termos,
publicadas são dos Estados Unidos. Além da poderia ser dito que, de cada dez tiras veiculadas
já mencionada “Hagar, o Horrível” (aparece diariamente nos jornais, cerca de sete são
em oito jornais, 7,4% do total), figura também produzidas no país.
“Recruta Zero”, de Mort Walker (circula em sete Entre as séries nacionais, a mais
impressos, 6,5%). Aparecem ainda na lista, com publicada nas capitais é “Os Invasores”, de
mais de uma publicação diária, “Baby Blues”, de Farini. O motivo dessa alta recorrência é o
Rick Kirkman e Jerry Scott (em três periódicos, fato de ela ser impressa no “Metro Jornal”,
2,8%), “Calvin e Haroldo”, de Bill Watterson, publicação que circula por sete capitais
e “Garfield”, de Jim Davis (em dois jornais cada brasileiras e por três regiões paulistas (Santos,
uma delas). ABC e Campinas). Embora o diário dedique
Outra constatação é que todas as parte das páginas para noticiário regional, a tira
séries estrangeiras vêm dos Estados Unidos. integra o conteúdo nacional. Ou seja: a mesma
Mas, apesar dessa predominância norte- história chega a todos os locais de circulação do
americana, as histórias brasileiras são mais diário.

Figura 2 – Tira da série “Os Invasores”, de Farini, publicada no “Metro Jornal”


Fonte: FARINI. Os Invasores. Metro Jornal. São Paulo: 2 mar. 2015. n. 1.190. p. 13. Disponível em:
file:///C:/Users/usuario/Desktop/DOCUMENTOS/LIVROS/PERI%C3%93DICOS/2015/NONA%20ARTE/IMA-
GENS/20150302_MetroSaoPaulo.pdf Acesso em: 2 mar. 2015.

Outras séries brasileiras bastante é de produções nacionais, 21,4%. O caderno


publicadas pelo país são “Níquel Náusea”, de cultura ainda é o que predomina como
de Fernando Gonsales (em quatro jornais, local destinado para a seção de quadrinhos na
3,7%) “Turma da Mônica”, de Mauricio de maioria das publicações. E quase todas as séries
Sousa (quatro diários, 3,7%), “Armandinho”, são tiras cômicas, gênero que predomina nos
de Alexandre Beck (três periódicos, 2,8%), impressos do país.
“Chiclete com Banana”, de Angeli (em três,
2,8%), e “Striptiras”, de Laerte (dois jornais, Caso paulista
1,9%). Este veicula ainda outra série, “Piratas Além das capitais, os estados das regiões
do Tietê”, na “Folha de S.Paulo”. Mauricio de Sudeste e Sul possuem cidades importantes,
Sousa também possui outra criação sua: “Chico bastante populosas, que abrigam jornais
Bento” aparece em “O Estado do Maranhão”, próprios. Poderiam ser mencionados os
dividindo a seção de quadrinhos com a “Turma municípios de Petrópolis, Campos de
da Mônica” e “Hagar, o Horrível”. Goytacazes, Macaé, Nova Iguaçu e Volta
Vale mencionar, por fim, que as 11 Redonda, no Rio de Janeiro. Ou Joinville
séries impressas em mais de um jornal, e e Blumenau, em Santa Catarina. Ou ainda
sistematizadas na tabela 2, ocupam 41,9% de Londrina, Maringá, Apucarana e Foz do
todos os espaços diários destinados às tiras nos Iguaçu, no Paraná. Mas o mais superlativo é
periódicos das capitais. Metade desse montante mesmo o caso paulista, que tem um cenário

54 9ª Arte  São Paulo, vol. 4, n. 1, 1º semestre/2015


de publicações mais amplo do que muitas e a região do Grande ABC, analisada como
capitais. É uma situação tão singular que, neste um bloco só por ser assim conhecida. Ficaram
levantamento, merecerá um registro próprio. de fora duas cidades importantes: Guarulhos
O estado de São Paulo é pontuado por e Osasco. Pela proximidade com São Paulo,
várias cidades-satélite, que funcionam como com quem fazem divisa, ambas são abastecidas
núcleos para municípios próximos. Isso vale pelas mesmas publicações que chegam às
tanto para o litoral e o interior quanto para bancas da capital.
a Grande São Paulo, que abriga o ABC (sigla Vale registrar que a “Folha de S.Paulo” e
usada para se referir a Santo André, São “O Estado de S. Paulo”, impressos na capital,
Bernardo do Campo e São Caetano do Sul) e têm circulação em todo o estado. Para este
polos importantes, como Osasco e Guarulhos, levantamento paulista, no entanto, foram
esta a segunda cidade paulista mais populosa consideradas apenas as publicações regionais.
(a primeira é a capital). Os critérios de acesso aos jornais foram os
Pa r a o l e v a n t a m e n t o , f o r a m mesmos utilizados no estudo nacional. O
consideradas as principais cidades nucleares corpus foi composto por 40 diários. Os
do estado. A pesquisa englobou 16 municípios resultados foram sistematizados na tabela 3:

Tabela 3 – Tiras diárias em jornais do interior paulista

9ª Arte  São Paulo, vol. 4, n. 1, 1º semestre/2015 55


Observa-se que, das 17 cidades/ estas ocupam 48 espaços diários. O número,
regiões pesquisadas, a maior parte dos neste caso, coincide com a quantidade
jornais não publica tiras diariamente. Mas de séries impressas – é que não foram
não é uma maioria tão acentuada como no registradas situações de rodízio de séries num
levantamento nacional. São 22 impressos mesmo espaço. Desse montante, 34 (70,8%)
com seção de quadrinhos (55%) contra 18 são nacionais e 14 (29,2%), estrangeiras,
sem (45%). Outro dado é que somente em todas dos Estados Unidos. A proporção é
três municípios nenhuma das publicações semelhante ao comportamento apontado nas
traz as narrativas verbo-visuais: Marília, São capitais do país.
Carlos e São José dos Campos. Os dados referentes às séries foram
No tocante às histórias veiculadas, reunidos na tabela 4:

Tabela 4 – Séries diárias mais publicadas em jornais paulistas

Como foi feito na sistematização como também no âmbito nacional, pelo fato
nacional, mostrada na tabela 2, as séries não de estar ancorada em um eficiente sistema
registradas tiveram apenas uma ocorrência. O de distribuição de conteúdo e também por
quadro apresenta as publicadas em pelo menos compor o grupo de personagens brasileiros
dois jornais. Somadas, ocupam 35 espaços de história em quadrinhos mais conhecido no
diários, 72,9% de todas as tiras impressas entre país. Um sinal disso é a presença de Mauricio
as cidades paulistas investigadas. de Sousa na lista dos escritores mais admirados
Percebe-se uma alta incidência das séries da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”
“Grump”, de Orlandeli, “”Queridos Vizinhos”, (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2012).
de Lucas Lima (intitulada por um dos jornais O estudo foi divulgado em 2012 e
de outra forma, “Os Queridinhos”), e “Turma consultou 5.012 leitores de 315 municípios
da Mônica”, de Mauricio de Sousa. Cada uma de todo o país. Mauricio de Sousa aparece na
é veiculada por cinco diários diferentes (10,4% sexta posição, atrás apenas de Monteiro Lobato
cada uma). O criador de Mônica e Cebolinha (1º), Machado de Assis (2º), Paulo Coelho
figura na lista com outra produção sua, “Chico (3º), Jorge Amado (4º) e Carlos Drummond
Bento”, impresso em dois periódicos (4,2%). de Andrade (6º).
A difusão da “Turma da Mônica” Os casos de “Grump” e de “Queridos
se justifica, não só no estado de São Paulo Vizinhos” é reflexo de um comportamento

56 9ª Arte  São Paulo, vol. 4, n. 1, 1º semestre/2015


regional. Os criadores das duas séries, Detiras, ela conseguiu ocupar espaços em cinco
Orlandeli e Lucas Lima, organizaram com publicações do interior paulista. Isso justifica
outro desenhista, Gilmar, uma empresa também a presença de “Caroço do Angu”, de
de distribuição de conteúdo para jornais Gilmar, em quatro diários (8,3%). E o fato de
(AGÊNCIA DETIRAS, 2015). Chamada as três aparecerem juntas nos jornais.

Figura 3 – “Grump”, de Orlandeli, tira publicada no jornal “A Cidade”, de Ribeirão Preto


Fonte: ORLANDELI, Walmir. Grump. A Cidade. Ribeirão Preto: 23 dez. 2013. p. C2.

Também impressa por quatro jornais que essa forma de história em quadrinhos
aparece a norte-americana “Hagar, o Horrível” ainda é presente nos diários impressos, embora
(8,3%), seguida de “Recruta Zero”, por três representem uma minoria. Dos 94 periódicos
(6,3%). A recorrência de ambas ref lete o jornalísticos analisados, 36 deles (38,3%)
cenário visto nacionalmente nas capitais. mantêm uma seção de tiras; 58 (61,7%), não.
Assim como a presença da nacional “Os Parte dos estados não apresenta sequer
Invasores” (também em três diários, 6,3%), uma publicação com quadrinhos em suas
pela veiculação do “Metro Jornal” na região capitais. Isso ocorre nas regiões Norte (Acre,
do ABC e nas cidades de Santos e Campinas. Amapá, Pará, Rondônia e Roraima) e Nordeste
Finalizam a lista outras duas séries, (Alagoas, Rio Grande do Norte e Sergipe). Por
uma nacional, outra estrangeira. A nacional é outro lado, percebe-se uma maior concentração
“Samanta”, criação de Alpino. A estrangeira de tiras no Sudeste e Sul. Em São Paulo, em
é “O Mago de Id”, de Brand Parker e Johnny particular, cidades do interior e do litoral
Hart. compõem um cenário amplo de publicações,
com situação
Considerações finais Outro dado que pôde ser identificado
Meyer (2007) discute se os jornais é que a maior parte das séries publicadas
podem desaparecer, pergunta que intitula diariamente no país é produzida no Brasil.
obra do autor sobre o tema. Parafraseando Nos 108 espaços diários destinados às tiras,
o questionamento, poderia se ponderar se as 77 delas (71,3%) são nacionais, contra 31
tiras também podem desaparecer, ao menos (28,7%) estrangeiras. Todas as histórias de
nos jornais impressos. Embora elas encontrem fora vêm dos Estados Unidos. São norte-
bastante eco nas mídias virtuais, o que já é um americanas, inclusive, duas das séries mais
fato, ainda é prematuro afirmar algo a respeito. veiculadas pelos jornais das capitais: “Hagar,
O que se pode fazer, no entanto, é levantar o Horrível”, presente em oito periódicos, e
dados que possibilitem uma análise futura e “Recruta Zero”, em sete.
mais precisa do caso. Entre os trabalhos nacionais, destaca-se
Essa é a contribuição que este artigo a série “Os Invasores”, de Farini, veiculada
procurou trazer. Foi feito um levantamento, em sete capitais. Isso é consequência de ela
até então inédito, em jornais que circulam nas integrar o “Metro Jornal”, que é distribuído
capitais dos 26 estados do país e no Distrito nessas cidades. “Níquel Náusea”, “Turma
Federal. Com base nos dados, pôde-se observar da Mônica”, “Armandinho”, “Chiclete com

9ª Arte  São Paulo, vol. 4, n. 1, 1º semestre/2015 57


Banana” e “Striptiras” também tiveram MEYER, Philip. Os jor nais podem
registros em mais de uma publicação. desaparecer? Como salvar o jornalismo na era
Par te das histórias brasileiras da informação. São Paulo: Contexto, 2007.
veiculadas em apenas um jornal apresenta NICOLAU, Vítor. Tirinhas & Mídias
um caráter regional. Não necessariamente virtuais: a transformação deste gênero pelos
uma regionalização de costumes locais blogs. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2013.
representados nas séries, mas no sentido de NICOLAU, Vítor; MAGALHÃES,
serem trabalhos de quadrinistas daquelas Henrique. As tirinhas e a cultura da
cidades. Tais histórias se restringem àqueles convergência: um estudo sobre a adaptação
municípios e a seus respectivos estados. No do gênero dos quadrinhos às novas mídias.
caso paulista, um caso que merece registro foi In: LUIZ, Lucio (org.). Os quadrinhos na
a criação da agência Detiras, que distribui tiras era digital: HQtrônicas, webcomics e cultura
para diários do interior do estado. participativa. Nova Iguaçu, RJ: Marsupial
Um questionamento que pode ser Editora, 2013. p. 63-79.
feito é se esse conceito de regionalização se RAMOS, Paulo. Jornal do Brasil deixa
mantém face à internet. Muitas dessas séries de publicar tiras cômicas. Blog dos
locais são reproduzidas em sites, blogs e redes Quadrinhos. 7 jan. 2009. Disponível
sociais, perdendo, assim, sua abrangência em: http://blogdosquadrinhos.blog.uol.
geograficamente restrita e ampliando seu rol com.br/arch2009-01-01_2009-01-31.
de leitores. Configuram-se nessa situação, html#2009_01-07_22_45_42-135059040-
aparentemente, dois níveis de interlocutores: 25 Acesso em: 30 fev. 2015.
os regionais, que leem as tiras nos jornais ___________. Quadrinhos virtuais. In:
impressos; os virtuais, que têm contato com Revolução do gibi: a nova cara dos quadrinhos
as histórias na internet e em seus diferentes no Brasil. São Paulo: Devir, 2012. p. 467-488.
suportes de acesso. ___________, Tiras cômicas na web. In:
Outros questionamentos sobre a relação LUIZ, Lucio (org.). Os quadrinhos na era
entre impresso e internet podem – e devem – digital: HQtrônicas, webcomics e cultura
ser feitos. O que se pode afirmar, por ora, é participativa. Nova Iguaçu, RJ: Marsupial
que no ano de 2014 ambos apresentaram tiras, Editora, 2013. p. 81-92.
embora seja necessário reiterar que a minoria ___________. Pontos de fuga: registros
dos jornais mantém seção de quadrinhos. do processo de alargamento do formato das
Como dito no início deste artigo, há a tiras. 9ª arte: revista brasileira de pesquisas
necessidade de dados, até então inexistentes no sobre histórias em quadrinhos. São Paulo:
país, para que esse cenário seja registrado para Observatório de Histórias em Quadrinhos;
ser revisitado futuramente. É a contribuição ECA-USP, 2014. v. 3. n. 1. p. 85-103.
que este estudo procurou trazer. Disponível em: http://www2.eca.usp.br/
nonaarte/ojs/index.php/nonaarte/article/
Referências bibliográficas view/96/117 Acesso em: 1º mar. 2015.
AGÊNCIA Detiras. Disponível em: http:// SANTOS, Rodrigo Otávio dos. Webcomics
www.detiras.com.br/ Acesso em: 2 mar. 2015. Malvados: tecnologia e interação nos quadrinhos
INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da de André Dahmer. 259 f. Dissertação
Leitura no Brasil. São Paulo: Instituto Pró- (Mestrado em Tecnologia). Universidade
Livro, 2012. Disponível em: Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba,
http://prolivro.org.br/home/images/ 2010. Disponível em: http://repositorio.
relatorios_boletins/3_ed_pesquisa_retratos_ utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/179/3/CT_
leitura_IPL.pdf Acesso em: 3 mar. 2015. PPGTE_M_Santos%2c%20Rodrigo%20
KING Features Syndicate. Disponível em: Ot%C3%A1vio%20dos_2010.pdf Acesso
http://kingfeatures.com/comics/comics-a-z/ em: 1º mar. 2015.
Acesso em 30 fev. 2015.

58 9ª Arte  São Paulo, vol. 4, n. 1, 1º semestre/2015

Você também pode gostar