Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Existia uma bela fazenda, situada no município de Ponta Porã, estado de Mato Grosso, tendo
como proprietário o Sr. Germano Perez, que ali vivia com sua esposa, Dª Guiomar Peres, e
seus três filhos.
Sua filha mais velha, linda mocinha paraguaia, nos seus 14 anos de idade, cabelos
compridos e louros, olhos negros “rasgados”, chamava-se Justininha Perez.
Ali vivia, em completa harmonia, esta honesta família. O Sr. Germano tinha muitos
negócios com animais de criação, de inigualável qualidade. Apesar de sua nacionalidade
paraguaia, já se sentia um brasileiro naturalizado.
Certo dia, meu pai me chamou e me entregou uma quantia em dinheiro, dizendo-me:
- Meu filho, já tens um pouco de prática, e melhor seria, para nós, se não precisasses
te ausentar daqui. Porém, preciso que vás até Ponta Porã comprar uma partida de bom gado
para ser solto, aqui, nestas invernadas. Esta é a melhor maneira de empregar este teu
dinheiro. Dizem que na Fazenda Perez tem um gado sadio e por bom preço. Sim, meu filho,
em breve estarás se casando, e deves, desde já, cuidar do teu futuro. Vá, meu filho,
aproveita estas invernadas...
Três dias depois desta conversa, estava de partida. Equipei uma tropa de bons
animais, com cinco vaqueiros armados com seus bacamartes de chumbo grosso, pois era
aquela região muito perigosa, infestada de onças traiçoeiras. Levei, também, dois
comandantes, peritos em guiar boiadas e um crioulinho, chamado Zeferino, homem de
minha inteira confiança, pois fomos criados juntos e eu o considerava como um irmão. Só
que eu era claro, e ele pretinho como piche. Com os cargueiros repletos de apetrechos de
cozinha e mantimentos, com as bênçãos de meus pais, partimos para Ponta Porã.
Chegamos, por fim, à bem formada Fazenda Perez, e fomos muito bem recebidos por
um senhor gordo, de aspecto bonachão, que se apresentou como o Sr. Germano. Convidou-
nos a entrar na grande casa, e ordenou que nos fosse servido o jantar.
Depois da lauta refeição, fomos nos sentar em uma ampla sala de visitas, para
podermos conversar sobre negócios.
Nossa atenção foi despertada pela entrada de uma mocinha, com belas tranças e um
ar angelical, que vinha trazer uma moringa com água.
- Justininha, minha filha, – disse o Sr. Germano – venha até aqui conhecer estes
cidadãos!
- Esta é a minha filha mais velha. Ela é muito caseira, muito acanhada. Não gosta de
festas, e só sai de casa para ir à casa da tia. É muito sistemática esta menina...
Ela foi cumprimentando, apertando as mãos de um por um, até chegar diante de
mim. Olhamo-nos como se já nos conhecêssemos, e senti meu corpo se arrepiar. Ela se
retirou apressada, mas eu estava certo de que ela também sentira alguma coisa de
diferente, como se já tivéssemos nos encontrado em outras eras.
Após algum tempo, o Sr. Germano chamou Dª Guiomar, que era uma pessoa muito
alegre, e nos propuseram:
Justininha corou, acanhada, e nossos olhares se cruzaram. Ela, então, foi para junto
de um violeiro, e iniciou uma canção, que dizia:
Papaizinho me consola,
Garça branca vai buscar...
Não é mentira do papai,
Meu amor já vem pra cá!
Terminada a canção, todos aplaudimos. Eu estava fascinado por aquela criaturinha,
uma linda criança! Sentia meu peito explodir de paixão pela bela Justininha. Pediram que eu
cantasse alguma coisa. Peguei meu violão, e comecei:
- Jovem, parabéns. Tens uma bela voz, e creio que deixou muitos corações
apaixonados!...
- É verdade, – pensava – que sempre sonhei com alguém como Justininha. Sinto que
ela veio matar esta saudade que eu vivia alimentando em meu coração, sem mesmo saber
de quem!
- Meu papaizito pediu-me para vir ter consigo. Ele me disse que você é um jovem
educado e de boa família, e que parece estar triste em nossa casa!
- Foi para mim que o senhor cantou, não foi? Se foi, peço que a recite agora, sem
música... Quero ouvi-la novamente!
- Dona Justininha, quando a senhora cantou, disse que seu amor estava longe, mas
já vinha para si. É verdade que ele existe e que seu pai bem o conhece? Responda-me,
porque eu a amo e quero que seja minha esposa!...
- Não, não tenho nenhum amor... Sei que sinto uma grande saudade, que eu mesma
não sei de quem! Só sei que ele existe e, um dia, chegará, e me levará para longe daqui. O
senhor vem de muito longe?
- Sim! Sim! – respondeu ela – Sinto que você é esse meu grande amor!... Se o
papaizito e a mamãezita consentirem, vamos nos casar, e partiremos juntos... A tua
canção... Sei, agora, que cantou para mim, porém, naquele momento, não gostei, porque
parecia que olhava, com ternura, para Marinalva, aquela sirigaita, que eu não suporto!... E
você também aplaudiu muito quando a Maura cantou! Sabe? Fiquei sem graça, com ciúme,
quase com raiva, e por isso não quis mais cantar. Ainda tinha uma linda canção para cantar
para você... – e concluiu com firmeza – E quando você quiser alguma coisa, peça para mim,
que eu mesma virei trazer. Pode dirigir-se a mim, ouviu? Não precisa pedir nada às outras
moças, porque terei o maior prazer em atendê-lo.
Ao ouvi-la, pensei como era singular aquela moça. Sentia minha paixão aumentar a
cada momento. Disse-lhe, então:
- Justininha, nada quero com estas moças! Estou apaixonado por você e vou pedir a
seus pais o consentimento para nos casarmos. Amanhã já irei embora, mas vamos marcar
um dia para eu voltar e pedi-la em casamento...
- Meu rapaz, está de parabéns! Minha filha até parecia um bichinho arredio e, no
entanto, soubestes torná-la tua amiga. Parabéns, meu jovem, parabéns!...
Sorri como resposta e fomos dormir.
No outro dia, bem cedo, separamos o gado e fiz o pagamento. Juntei meus
empregados e tudo ficou pronto para a partida. Fui me despedir dos velhos, e o Sr. Germano
me contou que estava, há muitos anos, sem sair da fazenda, e que gostaria de dar um
passeio com a família. Aproveitei a oportunidade, e ofereci-lhes minha casa, ficando acertado
que, tão logo pudessem, iriam passar uns dias conosco, em nossa fazenda. Justininha foi até
o curral para as nossas despedidas. Contei-lhe sobre o convite que havia feito e a
possibilidade de conhecerem meus pais. Ela saiu chorando, e senti algo atravessar minha
garganta, sufocando-me. Parti com meu povo, levando quinhentas cabeças de gado.
Retornávamos pelos mesmos lugares que havíamos passado na ida, mas não tinha a mesma
alegria. Meus companheiros riam-se de mim, dizendo:
- É verdade – confirmavam outros, sorrindo – e, pelo que vemos, vai haver festança
em breve!
Na verdade, eu tinha ânsias de gritar aquele amor que sufocava meu peito. Notei,
então, que Zeferino estava como eu. Querendo ajudá-lo, num momento em que ficamos só
nos dois um pouco afastados do pessoal, perguntei-lhe o que estava se passando. Ele baixou
a cabeça e falou, quase chorando:
Fiquei boquiaberto, surpreso por vê-lo estar na mesma situação que eu. Contei-lhe
sobre minha paixão pela linda menina paraguaia. Animei-o, dizendo que eu faria tudo para
ver nós dois felizes, realizando nossos sonhos de amor. Ele ficou tão alegre que pegou o
bacamarte e disparou um tiro para cima, cujo estampido assustou todos. Para os rapazes
que se acercaram de nós, curiosos, ele disse:
- Vou me casar com Tianinha! Vou me casar! Convido todos para o meu casório!...
Seguiram-se dias de calmaria, e fui relatando aos meus pais os detalhes da viagem,
inclusive sobre nossa rápida estada na fazenda do Sr. Germano e a forma gentil com que ele
nos tratara. Contei, com pormenores, a paixão de Zeferino por Tiana, seu desejo de logo se
casarem, mas me resguardei, nada falando de Justininha. Meus pais ficaram bem
impressionados com o que contei, e demonstraram o desejo de logo conhecerem aquela
família que tão bem nos acolhera.
O tempo foi passando, e já se tinha escoado quase um ano de nossa viagem. Não
conseguia deixar de pensar na minha bela paraguaia, e Zeferino já começava a perder a
esperança de reencontrar Tiana. Tive, então, a idéia de pedir a meu pai que enviasse um
convite à família Perez para que viessem passar o Natal conosco. Ele, alegremente,
concordou, e logo partiu um mensageiro, portando o convite.
Saímos correndo, com o coração explodindo no peito. A primeira coisa que vimos
foram os animais parados diante da casa. Chegamos como dois furacões, e a alegria estava
em nossos semblantes e nos de nossos visitantes.
Fomos morar em um retiro, perto da sede da fazenda. Lembro-me bem que, quando
já estávamos com cerca de dois meses de casados, recebemos a visita de umas primas
minhas, que vieram de Parnaíba, e ficaram com meus pais. Justininha, ao vê-las, ficou com
ciúme, fazendo suas birrinhas. Resolvi, então, me retirar, pedindo desculpas e alegando que
tinha que ir encontrar Zeferino. Quando me preparava para sair, minhas primas se
acercaram de mim, pedindo que eu não fosse. Justininha ergueu-se e, com um geitinho
altaneiro, disse:
- Respeitem-me, ouviram? Ele é meu esposo, e quem manda sou eu. Por isso, sinhás
corujas, cheguem mais perto e vão ver!...
Cheguei-me a ela, e tomando-a nos braços, dei-lhe um beijo, sorrindo daquela cena.
Sim, meus irmãos, quando amamos verdadeiramente, quando estamos com nossa
alma gêmea, estamos com a mais doce das mulheres e, em geral, aquelas são, aos nossos
olhos, as mais belas, divinas e originais! Por este amor, perdoamos tudo, em recompensa
pelo que de bom nos traz. Justininha e eu éramos eternos namorados, porém seus ciúmes
continuavam. Eu bem a compreendia, ao ponto de até achar graça de seus caprichos tão
infantis.
Estávamos com cinco meses de casados quando resolvemos passear na casa de uma
tia minha, onde eu ficara para estudar, quando criança. Todos gostaram da idéia, e, com as
recomendações dos velhos, partimos rumo à cidade de Parnaíba.
Chegamos às margens do grande rio, e era preciso usar uma chalana para fazer a
travessia. Senti medo, mas nada disse. Entramos na embarcação e partimos. Ao chegar na
metade do caminho, senti que não estávamos seguros, e houve uma profunda confusão.
Abracei Justininha com força, e tive a sensação da morte! Foi tudo tão repentino que não
consigo descrever.
- Saia de perto do meu esposo, sinhá coruja! Ele é meu esposo, viu?
Vimos, então, que a moça olhava, ao longe, aquela fatal chalana, que acabava de
afundar nas águas do rio Parnaíba. Depois, escutamos gritos de desespero... Olhamo-nos e
logo compreendemos que não mais éramos deste mundo físico. Sim, ali ficaríamos
esperando algum chamado para outras moradas!...
- Sim! Vocês, agora, são espíritos! Vou lhes dar uma prova. Vá, Tiãozinho, pegue
Justininha e passem por eles – falou, apontando o casal.
Lembro-me bem! Passamos através deles, e o casal apenas revelou sentir arrepios e
continuou caminhando. O período que passamos vagando nos deixara na dúvida se éramos
ou não desencarnados. Voltamos, então, até o nosso instrutor.
- Vamos agora – nos disse ele – até onde está aquele pequeno grupo de senhores.
- Quando vocês passaram pelo casal, assim como em meio aos senhores, foram-lhes
fornecidos os necessários fluidos, isto é, ectoplasma, força vital.
Foi então que tudo se clareou para nós. Não sentimos mais medo do nosso protetor e
seguimos ele para um plano de readaptação, as casas transitórias. Passamos, assim, a
sermos submetidos às exigências da hierarquia espiritual.
Hoje, após várias missões, inclusive em Nosso Lar, uma Casa Transitória, aqui estamos,
integrados à missão do Grande Seta Branca. Somos, também, Jaguares, junto a vocês,
Mestre Sol e Mestre Lua, Doutrinador e Apará!...
Salve Deus!