Você está na página 1de 15

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO,

CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE BRASÍLIA


Campus Samambaia

ATIVIDADE INTEGRADA
ARTE NA CONSTRUÇAO CIVIL E PORTUGUÊS INSTRUMENTAL

Técnico em Edificações – Turma 1B – Noturno


Aluna: Louise Raquel Pereira dos Santos
A concepção do projeto moderno de Brasília

A construção de nossa capital, Brasília, foi a concretização de um projeto nacional


anterior a Juscelino Kubitschek. Desde o século XIX, um debate político de deslocamento
e integração da capital e de segurança quanto aos ataques estrangeiros pela extensa e
exposta orla litorânea, foram alguns dos motivos que estimularam o Congresso brasileiro a
criar as expedições conhecidas como Missão Cruls para mapear e delimitar o local mais
adequado de assentamento da nova capital federal.
Tendo como parte principal de sua campanha eleitoral a construção de Brasília,
Juscelino Kubitschek juntamente com seus assessores, lançaram a chamada “meta
síntese”, que seria a construção de Brasília em apenas quatro anos. Após sua vitória, o
presidente juntamente com seu arquiteto de confiança Oscar Niemeyer, anunciam um
concurso nacional para projeto urbanístico da capital federal. Entre engenheiros, arquitetos
e urbanistas, foram entregues vinte e seis projetos. O escolhido, o projeto “plano piloto”, foi
o do arquiteto, urbanista e professor Lúcio Costa. Inicialmente em formato de uma cruz e
posteriormente ajustado em decorrência do relevo da região, parecendo-se hoje com um
“avião” ou uma “libélula”, o projeto de nossa capital, Brasília, foi executado. As obras
estenderam-se entre 1956 e 1960; e sua inauguração deu-se em 21 de abril de 1960.
O formato original em cruz, onde também possivelmente podemos inferir o formato
de um “x” que marcasse aquele local como o escolhido, assim como se faz em mapas,
representava uma tendência da arquitetura moderna de setorizar, separar partes da cidade,
mas ao mesmo tempo, integrá-la de forma congruente como seus traços.
As principais preocupações do arquiteto em sua proposta era as habitações e a
monumentalidade. Os grandes eixos rodoviários foram planejados para ligar as partes
específicas de uso da cidade (residencial, administrativo, comercial, industrial, recreativo,
cultural, e assim por diante). O eixo horizontal que foi levemente entortado, Lúcio Costa
chamou de Eixo Rodoviário. Nele se concentraria a região residencial, ligada por estradas
de alta velocidade e outras para o tráfego local. O eixo reto vertical, chamou de Eixo
Monumental. Onde ficariam os setores do governo, com destaque formal a uma praça
triangular em uma das pontas, destinadas aos edifícios dos três poderes supremos:
o Palácio do Congresso, no vértice, o Palácio do Supremo Tribunal Federal e o Palácio do
Planalto na base do triângulo, formando assim o que conhecemos de Praça dos Três
Poderes. Para minimizar problemas de circulação, eliminou cruzamentos através da

2
intersecção de avenidas em passagens de nível, que hoje nós as conhecemos como
tesourinhas de Brasília.
O plano previa a conclusão da execução do Plano Piloto em dez anos, e um limite
para o tamanho da cidade.

Foto 1 – Registro fotográfico de um expositivo contendo o mapa do Plano Piloto, bem como suas
regiões administrativas e setorizadas; seus eixos e ligações assim como planejadas por Lúcio Costa.

A Unidade Vizinhança dentro do projeto moderno de Brasília

Quando projetou Brasília, Lúcio Costa estruturou as áreas residencial de forma a


garantir funcionalidade, modernização, integração e o equilíbrio entre o coletivo e o bem-
estar individual. O modelo de Unidade Vizinhança foi adotado nas quadras residenciais. O
projeto consistia em que a cada conjunto de quatro superquadras haveria serviços básicos
bem próximos, a fim de atender aos blocos residenciais com comércio, lazer, instituições
educacionais, religiosas, desportivas e culturais. Deste modo, além de fornecer todos os
serviços necessários à vida cotidiana, configurariam pontos de encontro e integração social

3
e urbana promovendo a sociabilidade a partir das relações de vizinhança, onde os
moradores se conhecem, compartilham dos mesmos espaços e necessidades.
Os edifícios residenciais foram projetados com características funcionais e modernas
com pilotis abertos permitindo a passagem livre de pedestres intencionando áreas de
convivência entre cada prédio, padrão de gabarito de seis pavimentos, dicotomia de entrada
(social e serviço), apartamentos vazados (com janelas dos dois lados), fachadas em vidro
e cobogós para maior aproveitamento da iluminação e ventilação natural e uma separação
bem definida do tráfego de veículos e passagem de pedestres.

Foto 2 – Registro fotográfico de um prédio Foto 3 – Registro fotográfico de um prédio


residencial da quadra 308 da Asa Sul, residencial em que sua fachada é feita com
mostrando o pilotis livre para passagem e cobogós a fim de manter a ventilação e
fachada em vidro assim como planejadas entrada de luz natural.
por Lúcio Costa.

O projeto de unidade de vizinhança planeja uma organização que coloca dentro de


uma distância caminhável todas as facilidades necessárias diariamente as pessoas como
escola primária, clube, igreja, posto de saúde, parques, áreas de convivência, biblioteca,
cinema e comércio local.
Os moradores não precisariam caminhar muito, ou ainda fazer utilização de carros
para chegar a um comércio, ou levar o filho na escola ou aos finais de semana terem um
momento de lazer. Tudo estaria bem próximo e todos poderiam compartilhar e vivenciar
essa integração de serviços comunitários.

4
Foto 5 – Registro fotográfico do Jardim de Infância
da Qd. 308 que faz parte do projeto integrador
social da Unidade de Vizinhança.

Foto 4 – Registro fotográfico da


Igrejinha Nossa Senhora de
Fátima que faz parte do projeto
de unidade de vizinhança da
Qd. 308.

Além destes aspectos construtivos de serviço, a concepção de cidade funcional era


combinante com a ideia de cidade verde ou cidade parque. Com áreas amplas de
vegetação, não somente ao redor, mas interligadas garantindo a continuidade dos espaços
livres, a área residencial bem como as atividades da unidade de vizinhança, parecem ter
uma ligação inseparável da área verde e vegetação natural.

A área verde no espaço urbano e jardins dos edifícios, foram projetos de Roberto
Burle Marx um artista plástico e paisagista brasileiro e tem uma grande importância para a
história da cidade. A combinação da modernidade proposta pelas artes e pela arquitetura
no século XX, buscou atribuir identidade ao paisagismo moderno brasileiro combinando a
inovadora expressão plástica com o uso de espécies nativas brasileiras.

5
A quadra da 308 sul é conhecida como “quadra modelo” por ser uma referência de
como deveriam ser as superquadras de Brasília. A Unidade de Vizinhança integra o
Conjunto Urbanístico de Brasília, legalmente protegido em três instâncias: pela UNESCO –
Lista do patrimônio Mundial Inscrição nº 445 de 1987, pelo Governo do Distrito Federal –
Decreto nº 10.829 de 1987 (Tombamento Distrital) e pelo Iphan – Portaria nº314 de 1992
(Tombamento Federal).

Foto 6 – Registro Fotográfico da área verde ao redor dos edifícios proporciona uma
continuidade e interligação das áreas de convivência.

6
Fotos 7 e 8 – Registro Fotográfico do Jardim de Burle Marx conta com um belo espelho
d’água com carpas e vegetação nativa do nosso cerrado.

“Considerando a concepção inovadora de viver e morar do projeto urbanístico de


Lucio Costa para o Plano Piloto de Brasília. Considerando a relevância histórica da Unidade
de Vizinhança como conceito habitacional implícito nos primórdios da construção da cidade.
Considerando, ainda, o dever público de proteção de espaços urbanos e edificações
pioneiras. Considera-se sob a proteção do Governo do Distrito Federal, mediante
tombamento, o conjunto urbanístico, arquitetônico e paisagístico da Unidade de Vizinhança,
formado pelas Superquadras Sul 107, 108, 307 e 308, com suas edificações destinadas à
habitação, à educação, à cultura, ao lazer, ao culto religioso, ao comércio; a Entrequadra
Sul 108/308, com o posto policial e a biblioteca nela existentes; o Clube Unidade de
Vizinhança e o Cine Brasília. Considera-se Área de Tutela do perímetro tombado aquela
que tem como limites: ao sul, a faixa compreendida pelo Comércio Local Sul 308/309,
incluindo suas calçadas posteriores até a linha onde começa o ajardinamento das
Superquadras Sul 308 e 309; ao norte, a faixa compreendida pelo Comércio Local Sul

7
306/307, incluindo suas calçadas posteriores até a linha onde começa o ajardinamento das
Superquadras Sul 306 e 307; a oeste, as quadras comerciais 507 e 508, compreendidas
suas edificações, incluídas as calçadas frontais, até o limite da Via W3.” (Fonte: site
ipatrimonio.org)

A Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, a azulejaria de Athos Bulcão e o


conceito de síntese das artes

Foto 9 – Registro Fotográfico da Igreja Nossa Senhora de Fátima, localizada na


Entrequadra sul 307/308, tombada desde abril de 1982.

A Igrejinha da 307/308 Sul ou Igreja Nossa Senhora de Fátima foi o primeiro templo
em alvenaria a ser erguido em Brasília. Inaugurada em 1958, a capela foi projetada por
Oscar Niemeyer e sua arquitetura simples parte de três pilares que sustentam uma laje
triangular inclinada que faz referência a um chapéu de freiras. O projeto é marcado pela
síntese projetiva entre a forma arquitetônica e a função estrutural, característica das obras
do arquiteto. O dimensionamento procura dar leveza à estrutura com a intenção de fazer a
cobertura parecer um elemento desprovido de peso, fixada em três pontos de apoio.

Em sua fachada encontram-se azulejos de Athos Bulcão. A estampa é figurativa: a


Estrela de Belém, que guiou os Reis Magos até o Menino Jesus e a pomba, que representa
o Espírito Santo estão estampados em belos e emblemáticos azulejos.

8
Foto 10 – Registro Fotográfico da parte externa. A parede é
toda revestida por azulejos de estampas figurativas, criado
pelo pintor, escultor e desenhista Athos Bulcão.

O interior da capela é bem pequeno. Inicialmente iria abrigar cerca de oitocentas


pessoas, mas foi adaptado para uma capela de trinta lugares. Sua inauguração foi marcada
por um casamento e posteriormente em janeiro de 1959, o velório de um dos engenheiros
responsáveis pela infraestrutura da capital, Bernardo Sayão.

Internamente, até 1964, as paredes eram decoradas com afrescos de Alfredo Volpi.
As pinturas traziam imagens de bandeirinhas e uma santa modernista segurando uma
criança no altar (ambos sem feições nos rostos). Porém alguns fiéis não ficaram contentes
com a expressão artística de seu autor e as pinturas foram cobertas com tinta branca.
Porém em 2008 após o processo de um concurso para escolha de novo artista que iria
realizar novos afrescos, Francisco Galeno o vencedor, que outrora foi aluno de Alfredo
Volpi, também fez uso de tinta azul marcante no fundo, santa sem rosto e bandeirinhas.

9
Foto 11 – Registro Fotográfico
da parte interna da capela. Na
nova pintura, a santa no centro
do altar é Nossa Senhora de
Fátima sem rosto. Ela tem uma
pipa no lugar das mãos. O
rosário é um carretel de linha. A
coroa é decorada com flores.
Nas laterais, predomina a cor
azul bem forte. Pipas e flores
foram criadas para representar a
alegria das crianças que teriam
avistado a Virgem Maria em
Fátima, Portugal.

Foto 12 – Acervo Fotográfico da


empresa Shekinah Eventos,
empresa de decorações de
casamento da minha amiga
Rachel, de uma cerimônia de
casamento na Igrejinha de
Nossa Senhora de Fatima.

10
Síntese de artes é uma obra de arte que faz uso de todas ou muitas formas de arte
ou se esforça para fazê-lo; é uma obra que combina várias artes, como música, poesia,
dança, arquitetura e pintura. A inclusão de elementos “não artísticos” no “fenômeno
artístico”, vai ser o meio de tentativa de resgatar a conexão entre arte e vida; a
complementação dos componentes. Como um exemplo dessa conexão temos o Galeno ,
que construiu o seu caminho na contramão dos modismos e, ao mesmo tempo, atento às
experimentações da arte contemporânea. A sua arte se desdobra em pintura, escultura,
instalações e designer de roupas. Armado por esse olhar, quando as suas figuras saltaram
dos quadros e ganharam a forma tridimensional das esculturas e dos objetos, conseguiu a
proeza de aliar dois mundos aparentemente incompatíveis: a arte popular e a arte de
vanguarda, a arte contemporânea e o artesanato.

Impressões pessoais

Eu sempre morei bem longe do Plano Piloto. Sair de Planaltina-DF para vim ao
centro do Plano Piloto, era um passeio imperdível. Até hoje me sinto verdadeiramente em
Brasília quando passo pelas quadras residenciais da Asa Norte ou Sul. Os prédios todos
com a mesma quantidade de andares, cercados por enormes e frondosas árvores que
parecem não terem sidos plantadas por alguém com uma delimitação, mas como se fosse
um conjunto completo e indissociável, como se durante a construção daquele prédio
aquelas árvores tivessem crescido naturalmente lado a lado. Não me lembro de pensar ou
desenhar quando criança e adolescente um desenho do Plano Piloto sem um prédio e uma
árvore bem pertinho dele.
Os prédios abertos, sem muros, os banquinhos para as pessoas conversarem, toda
a área verde, os laguinhos, tudo foi realmente planejado e arquitetado com brandura e
urbanidade. Quem nos dera se todo o quadradinho tivesse sido projetado desta maneira.
Em trinta e um anos de vida eu não conhecia a quadra modelo da 308, nem sua igrejinha,
ou ainda todo aquele complexo de unidade de vizinhança.
A igrejinha, com todo respeito e admiração, é algo tão lindo e delicado que eu
realmente não pensava que pudesse estar aberta para eventos reais como missas,
casamentos e batizados. O seu desenho e formato parecem flutuar. Os azulejos parecem
ter sido pintados um a um. Uma obra que se completa e é marcante em quem a visita.
Deveria ser passeio obrigatório das escolas, universidades e moradores desse
quadradinho. Sua pintura interna é muito diferente do que estamos acostumados. A uma
11
primeira vista pensamos realmente em ser um ato escárnio e de zombação do sagrado,
mas é uma retratação moderna com elementos simples que agregam ao ornamento
artístico a fé e a alegria.

Os jardins, assim como todo o verde, é algo maravilhoso. Acordar, abrir sua janela,
sentir e respirar o frescor da natureza tão perto, descer ao térreo, sentar-se em um
banquinho, ver os peixes nadaram no espelho d’água deve ser uma dádiva. Para mim a
melhor parte de tudo que conhecemos nessa visita técnica observativa, foi imaginar essa
integração entre o morar em meio a natureza. É como se a natureza, o verde, estivesse
dentro da sua própria casa. Tudo tão pertinho de casa, a igreja, o parque, a escola, o
cinema. Tudo planejado para se viver bem e perto de tudo e todos.

Muitas foram as mentes, os corações e as mãos envolvidas nesse projeto. Oscar,


Lúcio, Galeno, Burle Marx, Athos, Juscelino e tantos outros nomes estão envolvidos na
execução desse projeto. Nós que moramos nesse quadradinho somos privilegiados. Ainda
que seja necessário pegar um meio de transporte e levar 1h para conhecermos o centro da
capital ou o plano piloto, temos o dever de aprender mais sobre este local tão belo,
planejado e arquitetado para que assim como o nome, a vizinhança fosse uma unidade só.

Promessas, impasses e limites do projeto moderno brasileiro

Durante a construção de Brasília, muitos imigrantes chegavam ao Planalto Central


todos os dias, antes mesmo da inauguração da capital. Os acampamentos de madeira não
atendiam à demanda e a Novacap (Companhia Urbanizadora da Nova Capital) decidiu criar
cidades. Taguatinga foi a primeira delas. Taguatinga foi planejada por Lucio Costa, mas
deveria nascer apenas dez anos depois da inauguração de Brasília. Em junho de 1958, o
traçado da cidade estava apenas em estudos, mas a pressão popular fez com que a
Novacap acelerasse o assentamento das famílias na cidade-satélite.
Sobradinho foi a segunda cidade-satélite criada para ser a moradia definitiva de
trabalhadores da construção de Brasília. A cidade foi fundada em maio de 1960 para abrigar
a população que vivia nos acampamentos de empreiteiras localizadas na Vila Amaury, no
Bananal e nas invasões próximas à Vila Planalto, inundadas pelas águas do Lago Paranoá.
E, também, os funcionários do Banco do Brasil que vieram transferidos para a nova capital.
Já as terras que hoje constituem a região administrativa do Gama, a terceira cidade-satélite
12
criada, pertenciam à Fazenda Ipê, Fazenda do Alagado, Fazenda da Suzana, Fazenda
Ponte Alta e Fazenda Gama, que acabaram desapropriadas para a construção de Brasília.
Já o Guará foi criado em 1969 para abrigar servidores públicos que ainda eram transferidos
do Rio de Janeiro.
Após uma década da inauguração da capital, a população havia crescido bastante.
Foi criada, então, a Campanha de Erradicação das Invasões (CEI) - o primeiro projeto de
erradicação de favelas realizado no Distrito Federal pelo governador Hélio Prates - e essa
população foi levada para a região ao norte de Taguatinga, nas antigas terras da Fazenda
Guariroba, a Ceilândia.

Percebemos que o a nova capital foi sonhada, projetada e executada de forma


limitada. A Lei n ° 3.751, de 13 de abril de 1960, previu a criação de cidades-satélites como
solução para abrigar o excedente populacional. Ou seja, uma parte limitada poderia morar
próximo ao centro e os demais deveriam ser deslocados para mais distante da área nobre
de Brasília. As regiões centrais que formam a cidade de Brasília são a do lago sul, lago
norte, setor sudoeste, octogonal, cruzeiro velho e cruzeiro novo. Um pouco mais distante
das áreas centrais, ficam as demais regiões administrativas, que são cidades de pequeno
e médio portes, localizadas a uma distância variável entre de 6 e 25 km do Plano Piloto.
Ao invés da criação de políticas públicas que pudesse oferecer melhorias aquela
população recém-chegada e estabelecida nas redondezas do centro, que vieram em busca
de melhores condições de vida na nova capital, que agora no coração do país conseguia
interligar muitos estados, houve um re-locamento, ou na verdade seria, uma expulsão de
uma população pobre que não poderia favorecer a beleza e modernidade da capital do
Brasil.

Hoje quem mora no Distrito Federal sabe diferenciar a área nobre claramente. Nas
áreas nobres de Brasília (Asa Norte, Asa Sul, Sudoeste, Cruzeiro, Lago Norte e Sul) há
visualmente um melhor asfalto, as sinalizações das vias estão por todo lado, endereços
padronizados e bem sinalizados, o preço exorbitante do metro quadrado é acessível a uma
pequena “nata”, paradas de ônibus são de boa qualidade (nas periferias, quando há
paradas de ônibus não existem estrutura confortável e segura); existem também a presença
constante de um policiamento ostensivo nas ruas que estão sempre prontos a atender
prontamente qualquer solicitação (nas periferias, a resposta à uma solicitação de viatura é
sempre a mesma: não há viaturas disponíveis). Essas são algumas das características do
Plano Piloto onde poucos podem morar. Não há uma integração verdadeira entre o centr o
13
e as demais partes. A “Capital do Trabalho e da Esperança” estava aberta a receber a força
braçal dos que queriam dedicar-se a construção, mas não poderia comportar quem
quisesse morar e se estabelecer aqui.

“A cidade é uma só?”

O filme “A cidade é uma só?” combina documentário e ficção para recontar memórias
de pessoas que foram obrigadas a deixar suas casas e os reflexos disso nos dias atuais.
Há alguns personagens marcantes como Nancy que foi uma “garota-propaganda” do
processo de remoção ocorrido há mais de 40 anos, CEI (Campanha de Erradicação de
Invasões). Ainda criança, ao lado de outras meninas, participou da campanha, na qual elas
cantaram uma musiquinha em que um dos versos dizia: "A cidade é uma só". Era essa a
ideia que tentava ser vendida: integração de todas as partes da cidade; o futuro; a
modernidade.

Há também o personagem Dildo. Ele é candidato a deputado distrital pelo fictício


Partido da Correria Nacional e um jingle, que lembra o rap e o funk, onde dois tiros
marcavam o refrão. Sem recursos, apoio ou qualquer possibilidade óbvia de ganhar, ele
não desistia.

Entre muitos outros personagens, o filme retrata a origem da Ceilândia, a realidade


daquela época e o crescimento dessa região nos dias atuais. Com uma crítica ao
esquecimento do poder públicos às promessas de integração e futuro, as regiões distantes
do centro da capital foram criadas para receber aquelas pessoas que não combinavam com
a modernidade que estava sendo construída. As pessoas não foram somente deslocadas,
mas foram esquecidas. Há uma exclusão social vívida e estampada no filme.

A periferização e a marginalização não surgiram, mas foram criadas. Como a


personagem Nancy diz no documentário “os pobres enfeavam Brasília.” Os personagens
fictícios se assemelham com a realidade de muitos moradores das cidades satélites: moram
muito longe do centro onde trabalham, enfrentando frio, ônibus lotado, o acordar antes do
sol nascer e o voltar para casa já tarde da noite, mostrando que a mobilidade urbana é
precária e distanciando ainda mais a integração e a democratização das cidades.

14
O filme é uma crítica de confronto sincero e verdadeiro de quem vive na pele a
exclusão e periferização. Problemas sócio-políticos existem em todos os países e cidades,
mas é necessário diminuí-los. Integrar as cidades é necessário. Cabe ao Governo
contrabalançar as diferenças sociais, assistindo à população pobre, assegurando-lhe
direitos, além do controle, o estímulo e o planejamento das atividades produtivas no
interesse do bem-estar coletivo e integração de todas as partes da cidade.

A periferia é produto do distanciamento, da exclusão, da segregação. Mas nela há


um reduto de pessoas batalhadoras por natureza, que saem cedo para o serviço, enfrentam
longas jornadas de trabalhos intercaladas por verdadeiras viagens no transporte público,
em empregos de baixa remuneração ou que demandam mais esforço físico do que
intelectual. Operários, comerciários, vendedores ambulantes, sacoleiros autônomos,
pedreiros, empregadas domésticas e prestadores de serviços gerais, dentre outras
ocupações do gênero. São pessoas trabalhadoras que moram, compram, vendem, querem
e sonham como qualquer pessoa do centro. Estão lutando e buscando oportunidades não
só de “morar melhor”, mas de serem vistas, valorizadas e reconhecidas não somente como
mais um número populacional, mas como cidadão que compõe uma comunidade, uma
região, uma cidade e um país.

15

Você também pode gostar