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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

LUCIANA CÁSSIA BONETTI

UMA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA CULMINADA


PELA TEORIA

CAMPINAS
2005
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO

LUCIANA CÁSSIA BONETTI

UMA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA CULMINADA


PELA TEORIA

Memorial apresentado ao Curso de


Pedagogia – Programa Especial de
Formação de Professores em Exercício nos
Municípios da Região Metropolitana de
Campinas, da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas, como
um dos pré-requisitos para conclusão da
Licenciatura em Pedagogia.

CAMPINAS
2005
Dedico este Memorial de Formação à minha família,
especialmente à minha mãe, que sempre me incentivou e me
apoiou em todos os momentos de minha vida.
Mãe, é por você que hoje escrevo este Memorial, pois todas
as minhas memórias se devem simplesmente ao fato de eu
existir e sem você eu nada seria.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus que me deu o dom da vida e a inspiração necessária para
poder chegar até aqui...

Agradeço à minha família que sempre esteve presente em todos os momentos de minha
vida e formação, torcendo por mim... Mãe, Rita, Jorge, Caroline e Júnior, obrigada por
existirem... Lory, Mio e Passarinha... Não me esqueci de vocês... Pai, saudades...
A QUEM EDUCA

“ ‘Educa quem educará’. E quem aprender a perder. Quem ou cuja obra,


permanecer muito depois do momento de educar.

Educar é perder as batalhas do imediato. Menos a do amor. É abrir mão da


pretensão do reconhecimento e saber que quando vier – se vier – já tempo não haverá para
receber o agasalho de sua manifestação. É aceitar perdurar apenas na lembrança. É
perder porque em qualquer sistema, o verdadeiro educador estará ameaçando algo, até
mesmo tudo em que acredita. O verdadeiro educador é o que acompanha as mutações da
vida, dos tempos, dos companheiros. É quem logo vê o abismo das imperfeições implícito
no próprio ato de educar. Sabe que é educar-se a cada dia. E é ser capaz de eqüidistância
de esquemas, sistemas ou fórmulas infalíveis, ilusões da verdade última das coisas.

Educo hoje, com valores adquiridos ontem, pessoas que são o amanhã.

Os valores de ontem, conhece-os.

Os de hoje, percebo alguns.

Dos de amanhã, não sei.

Educo com os de ontem (os de minha formação)?

Perderei os hojes e os amanhãs.

Educo com os de hoje?

Perderei o que havia de sólido nos de ontem e nada farei pelos de amanhã, que já
serão outros?

Educo com os de amanhã?

Em nome do que? De adivinhações? Da minha precária maneira de conceber um


amanhã que escapa pelos meus desvãos do meu cérebro?

Se só uso os de ontem não educo, condiciono.

Se só uso os de hoje, não educo, complico.

Se só uso os de amanhã, não educo: faço experiências às custas das crianças.

Se uso os três, sofro mas educo. Imperfeito mas, correto.

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Por isso educar é perder sem perder-se. Sempre. É ameaçar o estabelecido. Mas é,
também, integrar. Viver as perplexidades das mutações; conviver honradamente com
angústias e incertezas; ir dormir cravado de dúvidas, mas ter sensibilidade para distinguir
o que muda do que é apenas efêmero; o que é permanente do que é reacionário. É dormir
assim e acordar renovado pelo trabalho interior, e poder devolver segurança, fé,
confiança, formas éticas de comportamento, o verdadeiro sentido de independência e
liberdade, e os deveres sociais consigo mesmo, com o próximo e aprender a fazer a parte
que lhe cabe no esforço comum.”

Artur da Távola

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APRESENTAÇÃO

Sou professora da rede pública da cidade de Valinhos, Estado de São Paulo. Meu

nome, Luciana. Trabalho na educação infantil há pelo menos três anos, porém, meu tempo

no magistério é maior, aproximadamente dez anos.

Gostaria, neste memorial de formação, de relatar alguns fatos ocorridos desde minha

infância até os tempos atuais enquanto professora e agora também na condição de aluna em

formação (estou me graduando no curso de Pedagogia), tentando assim unir a teoria à

prática nesta que tem sido uma experiência ímpar e emocionante.

Ensinar e educar é tarefa árdua. Não quero parecer pretensiosa, pois penso que ao

mesmo tempo em que ensino, aprendo muito e cada vez mais. E neste período de reflexões

pelo qual estou passando em minha condição de estudante, os caminhos que se abrem me

levam a acreditar cada vez mais nisso.

Apesar de todas as crises pelas quais a educação passa, ainda acredito nela e que por

ela posso acrescentar algo de bom, útil e agradável àqueles com os quais passo grande parte

de meu tempo e divido minha atenção: as crianças.

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E faço minhas as palavras de Carlos Drummond de Andrade:

“ Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima e dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
o homem descobrindo em suas próprias
inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con – viver.”

Pois, educar é tudo isso: experimentar, colonizar, civilizar, digo ainda aprender e

conviver com o outro, com o diferente.

E para que vocês possam sentir um pouquinho mais essa tarefa que eu procuro

conduzir com muito respeito e dedicação, colocarei a aprendizagem como eixo norteador

deste trabalho e os vários fatores que a estimulam ou não. Para isso, começarei relatando

neste memorial fatos de minha experiência enquanto aluna e como me sentia ao ser

avaliada. Falarei, então, sobre o homem enquanto ser sócio cultural, sobre o olhar e os

valores que os mesmos refletem e, então, sobre a importância da história para a construção

da identidade e as contribuições da matemática para a formação do indivíduo. Tudo isso

embalado ao mito do amor materno e aos reflexos que a sociedade capitalista reserva para

cada cidadão. Todas estas colocações estarão voltadas para a minha prática considerando o

que eu já tinha em minha mente com relação a esses assuntos e o que me foi acrescentado

durante todo o curso de Pedagogia.

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Gostaria de lembrar que em toda produção escrita, costuma-se colocar as fontes

bibliográficas para conhecimento de onde algumas frases ou citações foram retiradas. Não

será diferente neste memorial; porém, haverá alguns textos cujas referências bibliográficas

não se encontrarão, mas eles se encaixaram tão bem naquilo que pensei que não exitei em

colocá-los. Textos estes que adquiri durante este período neste curso, advindos de várias

fontes, incluindo textos que recebi de minhas colegas quando estas apresentavam algum

seminário de alguma disciplina estudada e os distribuía para toda turma.

Então, quem sabe depois que terminar minhas reflexões buscando em minhas

memórias as vivências que tive e tenho, posso tentar fazer com que você, meu caro leitor,

possa entender a indagação inicial deste memorial feita na epígrafe do mesmo... A quem

educar? Ou, para quê educar?...

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Capítulo I

O Recomeço

O ano era o de 2002. De repente deparo-me novamente dentro de uma sala de aula;

porém, não mais na condição somente de professora, mas sim de aluna. Vou tentar explicar

a vocês, em algumas pequenas linhas, como se deu o vestibular pelo qual consegui

ingressar na faculdade.

Pensando nestes tantos professores que ainda não tinham o ensino superior, a

UNICAMP propôs uma parceria com as prefeituras que englobam a região metropolitana

da cidade de Campinas. Este vestibular não foi aquele convencional pelo qual a maioria dos

candidatos a uma vaga nas Universidades fazem. Neste que eu prestei, as perguntas, digo,

os textos que deveríamos analisar para responder as inúmeras perguntas em apenas quatro

horas, eram dirigidos especialmente ao professor, com questões relacionadas ao meu

cotidiano escolar. Não foi nada fácil... Quando terminei a prova parecia que minha mente

estava vazia, se alguém perguntasse o meu nome naquele momento, acredito que teria que

pensar para responder!

Mas enfim, passado algum tempo, recebi através de minha diretora a tão esperada

notícia que eu havia sido aprovada no vestibular, e aqui estou eu, “a professora-aluna” do

curso de pedagogia da Universidade Estadual de Campinas. Por ter sido um vestibular

diferenciado, como já expliquei, o curso recebe o nome de PROESF (Programa Especial de

Formação de Professores em Exercício). São quatrocentas novas estudantes da região de

Campinas admitidas por ano. Foram criados vários pólos, pois não se comportou tantas

estudantes no espaço da Universidade. O meu pólo é o de Vinhedo.

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Então, ali sentada em minha “carteira”, minhas lembranças se voltaram em minha

mente como um filme, e comecei a recordar.

Desde minha infância, sempre fui uma aluna aplicada, mas não pensem vocês que

era uma exímia estudante e admiradora das lições de casa e dos vastos questionários que

respondia em minhas aulas de geografia e história, ou das equações gigantérrimas das aulas

de matemática. Mesmo assim, minha média sempre foi boa porque eu me amedrontava só

de pensar que eu poderia ser reprovada e ter que ficar mais um ano na escola revendo tudo

aquilo que eu já havia estudado.

Não gostava muito de estudar, gostava mesmo da escola e dos amigos, mas quando

se tratava de estudar para fazer a “prova”, eu ficava ansiosa e receosa, então eu estudava

muito. Na verdade, eu decorava muito para conseguir média (o importante era a obtenção

da “nota”) favorável nas disciplinas, só que depois de um tempo, digo uns dois ou três dias,

eu me esquecia de tudo.

Menga (1992), em seu livro “Avaliação na Escola de 1º Grau- Uma Análise

Sociológica, fez duas citações de dois autores conceituados na área de Educação destinada

à avaliação escolar. A primeira citação refere-se a uma denúncia feita por Luckesi, a qual

me reporto:

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“A atual prática da mesma estipulou como função do ato de avaliar a
classificação e não o diagnóstico, como deveria ser constitutivamente. Ou seja, o
julgamento de valor que teria a função de possibilitar uma nova tomada de
decisão sobre o objeto avaliado, passa a ter a função estatística de classificar um
objeto ou um ser humano histórico num padrão definitivamente determinado. Do
ponto de vista da aprendizagem escolar poderá ser definitivamente classificado
como inferior, médio ou superior. Estas afirmações são confirmadas, pois muitas
vezes o fraco, o médio e o forte eram classificações muito utilizadas pelos
professores, ainda que não parecessem classificações definitivas, visto que
procedimentos de recuperação eram utilizados nas escolas, numa tentativa de
reverter a situação dos fracos. Entretanto, sabe-se que no comum das escolas a
afirmação de Luckesi corresponde à realidade.A avaliação classificatória leva
ainda a uma grande competição: os fortes querem ser cada vez mais fortes e os
fracos ficam relegados, fadados à repetência e à exclusão da escola.Neste ponto, é
oportuna a formulação de algumas perguntas: Dentro da escolarização
obrigatória, faz sentido um sistema competitivo?; Por que utilizar tão fortemente
a avaliação classificatória?; Que significado tem a repetência dentro da
escolarização obrigatória?” (Menga – 1992 – p.122 ).

Na segunda citação, Menga (1992) coloca as palavras de Gimeno para analisar a

função da avaliação escolar:

“Como função de controle é inexcusável para a grande maioria das


instituições escolares e se converteu num valor dominante, inclusive naquelas
que, como na educação primária, não tem explicitamente uma função seletiva, a
mentalidade dos professores está condicionada por tal função, conturbando as
próprias relações pedagógicas e de poder na classe.Qualquer modificação ou
proposta que se faça nas colocações avaliativas, provocadas pelos motivos que
sejam, como em querer um melhor conhecimento dos alunos com avaliações mais
compreensivas, dispor de uma avaliação contínua etc, será recuperado de alguma
forma, inevitavelmente pela faceta controladora que tem a avaliação dos alunos.
Este efeito recuperador que apresenta a faceta controladora da avaliação deve ser
levado em conta ao colocar-se propostas de atuação para os professores dentro do
sistema educativo”. (Menga – 1992- p.123).

E realmente era como eu me sentia ao ser avaliada em alguma disciplina. Percebia

que, se não conseguisse atingir os objetivos propostos pela professora, não poderia

prosseguir para as outras etapas do conhecimento. Mas será que minhas professoras se

preocupavam com os meus objetivos? Ou, por terem também seu trabalho avaliado por uma

camada hierárquica controladora e dominante, nem se davam conta disso?

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Enguita também estava alerta para o potencial controlador e nocivo que podem ter

algumas inovações referentes a avaliação tidas como avançadas e Menga (1992) acrescenta

em suas reflexões os dizeres deste autor:

Algumas fórmulas equivocadamente consideradas “progressivas”, tais


como a chamada avaliação contínua, são, na realidade, instrumentos de dois
gumes. A avaliação contínua busca pretensamente eliminar a incerteza do exame
e basear a nota final no período total de aprendizagem, não em alguns poucos
desempenhos isolados, realizados em situações de ansiedade. Mas, ao mesmo
tempo, ela tira do aluno a possibilidade de desconectar-se das exigências da
escola, como acontece no exame tradicional, salvo nesses momentos de prova
final. Do ponto de vista do diagnóstico, a avaliação contínua não pode ser
objetada e é altamente desejável, mas do ponto de vista da classificação dos
alunos pode tornar-se um instrumento de controle muito mais poderoso e,
portanto, mais opressivo que a avaliação pontual, isto é, a tradicional. (Menga –
1992 – p.124).

A professora da disciplina de Avaliação em muitas de suas aulas, colocava a

importância da avaliação escolar envolvendo as práticas qualitativas e não quantitativas da

mesma, pois se comparados estes dois termos, nota-se que uma avaliação baseada no

método quantitativo promove a cientificidade, a precisão dos instrumentos técnicos,

identifica os melhores e os piores, cobra responsabilidades, controla, premia e puni. Ela é

objetiva, fiel, crível e imparcial, não interfere na realidade e não se confunde com os

avaliados. Ao contrário, o método qualitativo da avaliação busca informar, trabalhar com

diferentes representações, interpretar as causalidades, pensar estratégias de superação,

gerando negociação e participação dos implicados na realidade tomada como objeto.

Em vista disso, qual seria o ideal para a avaliação escolar?

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Segundo Sandra Záquia Lean de Souza (1991), a avaliação ideal :

Seria aquela que cumprisse três funções básicas: diagnosticar,


retroinformar e favorecer o desenvolvimento individual. A primeira visa a
caracterização do aluno no que diz respeito a interesses, necessidades
conhecimentos e ou habilidades, previstos pelos objetivos educacionais
propostos, e à identificação de causas de dificuldades de aprendizagem.
A segunda busca a verificação dos resultados alcançados durante ou no
final da realização de uma etapa do processo ensino-aprendizagem, para
replanejar o trabalho com base nas informações obtidas.A terceira
possibilita atuar como fator que estimula o crescimento do aluno, para
que se conheça melhor e desenvolva a capacidade de auto-avaliar-se.
Logo, a avaliação deve ser vista como a facilitadora do processo de
autoconhecimento do aluno. (Prado, Clarilza (org.) – 1991-p.37).

Pensando em tudo isto que pude discutir e refletir neste curso, especificamente na

disciplina de Avaliação, posso dizer que foram esclarecidas muitas dúvidas que giravam em

torno da avaliação escolar e qual sua verdadeira função. Concordo com as colocações dos

autores e fico imaginando que se, talvez, minhas antigas professoras se dessem conta do

real valor da avaliação, todo o processo avaliativo pelo qual passei teria sido mais

proveitoso e prazeroso. Não quero que vocês pensem que sou um poço de esquecimentos e

que de minha formação juvenil nada levei; só penso que o respeito às individualidades e o

tempo de aprendizagem e amadurecimento é único e não deve ser desprezado, pois o

processo avaliativo é contínuo.

E é esta visão que procuro ter enquanto professora, pois na educação infantil (como

já disse é a área que atuo profissionalmente) se faz relevante a soma dos conhecimentos

adquiridos. Em vista disso, minha relação entre a avaliação e o aluno se confirmou em

todas as passagens dos textos estudados, o que me deixou muito satisfeita por reafirmar

tudo aquilo que eu já acreditava.

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Pois bem, nessa jornada entre provas, notas, avaliações, aprovações... Consegui meu

diploma do ensino fundamental e parti para o ensino médio, acabei por fazer um curso

técnico do qual já sairia com uma profissão. Minha opção: o magistério. Então perguntarão

vocês: Por que o magistério?

Posso dizer que escolhi este curso apenas por ser o mais teórico, mas não me

arrependo, pois ao longo do percurso me identifiquei com várias disciplinas. Na verdade, eu

queria experimentar o outro lado da sala de aula e ser para os meus alunos o que muitas

professoras que passaram em minha vida deixaram a desejar. Sempre procuro respeitar as

individualidades de cada um e trocar com os mesmos vivências e experiências para que

possamos juntos construir conhecimentos, pois este é o real “poder” que todos nós temos.

Ah! Meu primeiro emprego? Depois que me formei no ensino médio, trabalhei

durante muitos anos como professora substituta de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental nas

Escolas Estaduais de minha cidade, praticamente conhecia todas. Foi gratificante porque

mantinha contato com muitas realidades diferentes, porém, para mim, era insatisfatório

porque eu não mantinha um vínculo afetivo concreto nem com as escolas, nem com os

alunos. E assim foi durante muitos anos até conseguir me efetivar e ter a minha própria sala

- só minha, que orgulho!

Então, num determinado momento de minha vida, surge um novo desafio: Devido a

uma exigência Federal, eu, como tantas outras professoras que só tinham o magistério

como ferramenta de trabalho, só poderia continuar dentro da sala de aula se tivesse o ensino

superior.

E, devido a este fato, como vocês já sabem, agora sou uma universitária em

formação, por isso escrevo este memorial contando um pouquinho de minha vida e minha

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formação pessoal e profissional. Juntamente comigo estão várias outras colegas de

profissão de outros municípios, obviamente outras realidades, onde a troca de idéias e

experiências tem sido gratificante e enriquecedora.

Na formação docente, o que não faltam são desafios. Quando digo isso, o faço

porque não é nada fácil contornar situações que normalmente estão embutidas na sociedade

e se refletem nas ações dos seres humanos, mesmo que inconscientemente.

Foi o que pude refletir partindo da disciplina de Psicologia. A professora colocou

três questões que problematizam os desafios da Psicologia na formação docente, para isso

ela se respaldava nos pensamentos de Priscila Larocca que enriquece este assunto com suas

idéias.

A primeira questão enfoca qual o compromisso na formação de professores, pois

entende-se que a Psicologia tem compromisso com a educação e a sociedade.

Em minha formação, me deparei com crenças e preconceitos que se embutiram em

meus valores. Então necessito refletir enquanto formadora de opinião, quais interesses

atendo quando exijo disciplina ou atitudes críticas de meus alunos. Que sociedade irei

formar, já que a Psicologia da Educação tem uma visão dialética: ela tanto pode agir e

transformar a sociedade, quanto pode alienar e reforçar a sociedade vigente?

A Psicologia pode, a meu ver, contribuir para uma concepção crítica, se for espaço

de reflexão que permita a instrumentalização para transformar a sociedade. A consciência

política e ética de cada um seriam, assim, de extrema importância para que isso aconteça,

pois é através dessa postura que o formador conduzirá o seu trabalho.

A segunda questão indaga o que é uma concepção crítica no contexto da formação

de professores.

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Quando se trata de concepção crítica na formação de docentes lembro-me que, nesta

sociedade capitalista, há sempre “interesses” a serem favorecidos.

E é por isso que preciso estar atenta para não me tornar neutra diante dos fatos

(principalmente no que diz respeito a conteúdos e atividades pedagógicas), pois esta

neutralidade reforça ainda mais o papel de dominantes e dominados que a sociedade

determina.

A terceira questão problematiza se a Psicologia da Educação está realmente

formando um professor-sujeito como se pretende.

Para a formação de um professor é necessário, creio eu, interagir o indivíduo com o

meio e a realidade. Para isso, seria necessário utilizar-se de vários instrumentos teóricos de

interpretação da realidade, apoiando o conhecimento e fazendo com que a prática

pedagógica tenha sempre uma visão crítica, pois sem ela não consigo lutar contra o que

julgo estar errado - sobretudo atuando num campo profissional heterogêneo, no qual as

dificuldades vividas por meus alunos são diferentes umas das outras e preciso sempre estar

me reciclando para não deixar que um grupo sobressaia e o outro se anule. Dessa maneira, a

reflexão sobre o meu fazer e o meu saber conduz a uma atividade crítica e consciente da

minha ação enquanto professor-sujeito.

Pensando ainda na questão da avaliação escolar, na formação do professor, vejo que

muitas vezes pensa-se e cuida-se muito mais de como transmitir conteúdos que das

questões da avaliação e sua importância, da maneira como esta deverá ser ministrada, quais

suas possíveis modalidades e quais serão seus efeitos sobre àqueles que serão avaliados.

Diante disso, me deparo com algumas questões para as quais, ao longo de tantas reflexões

vividas neste curso, ainda busco respostas.

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Será que é possível se comprometer com uma formação dos profissionais da

educação em meio a tantas propagandas camufladas que envolvem a ação educacional nas

escolas? Será que todos os formadores de professor conseguem ter este olhar crítico e

transmiti-lo na íntegra? Porque se fala tanto em educação para formar cidadãos críticos e

autônomos se deixaram o professor à sorte de uma nova concepção de educação – o

construtivismo – sem maiores explicações? Porque as teorias desta concepção não foram

passadas antes do plano ser executado? A que interesses esta proposta favoreceu? Porque

os resultados não foram totalmente satisfatórios somente nas escolas públicas? Estaria aqui

presente a visão dialética da Psicologia da Educação?

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Capítulo II

Os mitos sobre o homem – A inteligência – Todos podem aprender?

O poeta preocupado com o homem, pergunta em sua poesia:

Mas que coisa é o homem,


que há sob o nome:
uma geografia?

Um ser metafísico?
Uma fábula sem
signo que a desmonte?

Como pode o homem


sentir-se a si mesmo,
quando o mundo some?

Como vai o homem


junto de outro homem,
sem perder o nome?

E não perde o nome


e o sal que ele come
nada lhe acrescenta

nem lhe subtrai


da doação do pai?
Como se faz um homem?

Apenas deitar,
copular, à espera
De que do abdômen

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brote a flor do homem?
Como se fazer
a si mesmo, antes
de fazer o homem?

Fabricar o pai
e o pai e outro pai
e um pai mais remoto
que o primeiro homem(...)

Carlos Drummond de Andrade

Então, quem é o homem? O homem é um ser sócio-histórico-cultural e determinado,

dotado de capacidades e habilidades que o fazem capaz de aprender, e dotados de

inteligência. Porém, fatores relacionados com o emocional de cada indivíduo podem

interferir ou estimular a aprendizagem e, portanto, aprender se torna literalmente

emocionante.

Este é um fato que posso constatar realmente em minha prática pedagógica, pois

não visualizo restrição de aprendizagem. O que percebo é a troca entre os pares que sempre

se faz presente, pois cada um traz consigo suas vivências e sua realidade, que divergem

umas das outras tanto do ponto de vista emocional como o social e cultural.Todos têm o seu

tempo, o seu relógio biológico e eu, enquanto professora, tenho que estar atenta para

respeitar as individualidades de cada um para que, no processo de aprendizagem, nenhuma

etapa do desenvolvimento se perca. Tarefa que não é de fácil manejo e traquejo, pois eu,

enquanto ser humano, também trago minhas emoções e minhas convicções, ou limitações,

para sala de aula e ter que separar o emocional do profissional muitas vezes se torna

impossível ou imperceptível.

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Durante as socializações em sala de aula que minha turma de Pedagogia fazia com

relação ao emocional interferir na aprendizagem, pude constatar que isso se faz presente em

todas as etapas da vida. Como é natural, existem emoções que favorecem a aprendizagem.

A priori pode-se citar que a alegria, o entusiasmo e a coragem, como uma energia

emocional adequada para levar adiante qualquer processo de aprendizagem. Bem como por

outro lado, a tristeza, o medo e a raiva podem obstruir o processo da mesma.

Em segunda instância, pode-se advertir que a intensidade de uma mesma emoção

pode converter em positiva ou negativa distintas atividades.

A emoção pode afetar a aprendizagem através de diferentes fatores como a

predisposição, a motivação, o interesse, a perseverança, a persistência, que estabilizam o

equilíbrio emocional e firmam o conhecimento e a aplicação dos mesmos, alertando que no

caminho desta aprendizagem podem surgir obstáculos que dificultem a aquisição de

conhecimentos.

Além da inteligência emocional, existem outras inteligências que integram o

desenvolvimento humano, dentre elas posso citar as que considero vital para o

desenvolvimento das pessoas, como por exemplo a inteligência que envolve a linguagem, o

lógico matemático, a motora, a que envolve a noção espacial, a intra e interpessoal e

também, porque não, as inteligências que envolvem as habilidades artísticas. Todas estas

inteligências se manifestam de acordo com as relações com o ambiente, relevando questões

culturais e sociais, já que algumas são mais desenvolvidas do que outras.

Todas estas maneiras da inteligência se manifestar posso constatar em meu trabalho

na educação infantil. Todos estes aspectos de se trabalhar com o indivíduo no que diz

respeito ao corpo, ao espaço, ao auto conhecimento e auto-estima, bem como os

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relacionamentos pessoais, são trabalhados no decorrer de todo ano letivo e se prosseguem

em todos os níveis da pré-escola.

Ao desenhar, a criança transmite muitas vezes o que sente ou como se sente,

dependendo do seu estado emocional.

Gostaria de narrar um fato que comprova o fator da emoção estar absolutamente

ligado ao fator da aprendizagem e, conseqüentemente, ao fator que envolve a manifestação

da inteligência.

No ano de 2004, estava com uma turma de Infantil I (crianças na faixa etária de 3 a

4 anos) e recebi uma aluna na metade do semestre. Esta se recusava a ficar na escola, não

aceitava o fato de ficar longe da mãe por algumas horas. Eu, na verdade sentia que aquela

criança me via como sua arquiinimiga, aquela desalmada que a afastava de sua adorada

mãezinha. A menina não se enturmava e começou a arranjar subterfúgios para não ficar na

escola, entre crises nervosas e manifestações de choros. Eu tentava fazer com que a criança

se sentisse segura na escola e queria que ela percebesse que sua permanência ali era

momentânea e que aquele espaço era seu para ser conquistado por ela com a interação de

seus amigos.

Foi muito difícil fazer com que ela aceitasse aquele desvínculo maternal, seus

desenhos eram todos pintados com a cor preta. Seu semblante era de tristeza, ela não sorria.

Evidencia-se aqui o fator emocional de modo negativo, limitando seu progresso na escola.

Reportava-me aos textos lidos nas aulas de Psicologia, o que foi muito importante para eu

conseguir concretamente passar por aquela situação.

Pois bem... Não me perguntem como, não sei se tenho papel importante neste fato

ou se foram as várias maneiras de manifestação de inteligência que fizeram com que, aos

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poucos, aquela menina se soltasse, ela foi se soltando, se soltando e se mostrou sorridente,

inteligente, esperta, questionadora e feliz. Seus desenhos agora eram todos coloridos e suas

amizades não eram restritas. Abraçava-me com carinho. Percebe-se agora o emocional de

forma positiva, fazendo com que cada vez mais essa menina tenha a oportunidade de se

desenvolver de forma global e contínua.

Quando disse, no início deste memorial, que unir a teoria com a prática seria algo

emocionante, o reafirmo agora através desta passagem, pois tudo o que estudei com relação

ao emocional está diretamente ligado à aprendizagem e ao desenvolvimento da criança.

Pude constatar concretamente e tirar proveito de tudo isso, enriquecendo ainda mais minha

prática e meu trabalho na sala de aula.

Durante as aulas de Psicologia, quando estudava textos referentes à emoção e à

aprendizagem, a professora sempre citava principalmente os pensamentos de Piaget e de

Wallon, que são muito interessantes e pertinentes à minha prática, principalmente no que

diz respeito a esta passagem que acabei de relatar. Lembro-me que a professora dizia que,

para Piaget, os seres vivos são todos inteligentes e creio que, com isso, ela expressa duas

condições ou problemas do ser vivo: organização e adaptação em um contexto em

constante transformação.

Já para Wallon, o ser humano não é só cognição; a criança traz consigo para a

escola suas individualidades, suas emoções e o papel da escola, assim, seria o de fazer com

que a criança deixe extravasar e exponha seus sentimentos e emoções.

Todos esses aspectos caminham juntos e há uma alternância em que se prevalecem

ora um, ora outro aspecto dependendo da necessidade do momento. E a criança coloca o

corpo para desenvolver todos esses aspectos. “O corpo fala”.

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Penso que foi isso que aconteceu com minha aluna: ela deixou que seus sentimentos

e emoções interviessem tanto em suas ações, mesmo que inconscientemente, que num

primeiro momento se manifestou de forma restrita e depois positivamente para seu

desenvolvimento nas atividades escolares.

O “eu corporal” está em harmonia com o eu psíquico, estão o tempo todo em

conexão e o elo é a afetividade. Sendo assim, pude concluir que a aprendizagem decorre de

vários fatores do desenvolvimento humano e que desta forma todos são capazes de

aprender, levando-se em conta suas possibilidades e limitações.

E eu, enquanto profissional da educação, procuro em minha sala trabalhar em

função destes fatores, para que, no processo de aprendizagem, nenhuma etapa se perca. E,

levando-se em conta que o fator da emoção está diretamente ligada à aprendizagem, preciso

ficar atenta para não causar frustração, mas sim motivação, incentivando as crianças para

que cada uma possa despertar e fazer fruir conhecimentos.

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Capítulo III

O olhar

“Professor, trate de prestar atenção no olhar. Ele é mais importante que seus

planos de aula. O olhar tem o poder para despertar ou intimidar a inteligência. O olhar

tem um poder bruxo!”

Rubem Alves.

Este curso de Pedagogia do PROESF tem tido momentos muito especiais,

englobando disciplinas inusitadas, diferentes da Pedagogia convencional. Quando me

deparei com uma disciplina chamada Multiculturalismo, ficava imaginando que assuntos

ela iria abordar. Qual foi o meu espanto quando descobri que um desses assuntos refletiria

“o olhar”. Mas que olhar é esse que me faria refletir?

Sempre ouvi dizer que um olhar vale mais que mil palavras e então descobri que

realmente ele vale mesmo, confirmei que esta frase tem um valor sonoro preciosíssimo,

pois a questão do olhar em sala de aula é fato a ser repensado, pois entre o “ver” e o “olhar”

pode existir uma grande diferença.

Creio que ver é muito mais fácil e perigoso, pois posso literalmente somente estar

vendo meus alunos, sem expressão de sentimentos ou questionamentos.

Pensando no olhar, este tem um sentido muito mais amplo, porque com ele eu posso

tentar entender e refletir sobre os meus alunos com relação a seus atos e nas questões da

aprendizagem e do comportamento, tentando não me deixar levar pelas aparências e

preconceitos que estão embutidos em meus valores e que trago comigo devido à minha

formação enquanto ser humano, devido a minha cultura que diverge das outras. Pois o

trabalho em sala de aula é heterogêneo e estou em contato com diversas culturas e

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linguagens que muitas vezes são totalmente diferentes daquelas que considero verdades

absolutas. Mas será que elas existem? Quem pode dizer que o que é errado para mim é

certo para o outro e vice-versa?

Nas aulas de Multiculturalismo, ao discutirmos sobre a diferença que existe entre o

ver e o olhar, a professora colocou uma questão que eu não considerava muito. Ela nos

disse que a criança lê o professor inteiro, ela percebe as nuances de seu modo de ser e dizer,

ela sente muito mais que nós “adultos”. Depois disso, fiquei mais atenta a esta questão e

percebi que realmente as crianças têm um poder de observação imenso, percebem inclusive

os olhares que lançamos a elas.

Um olhar de desprezo por parte do professor pode desmanchar todos os sonhos de

uma criança com relação às expectativas dela no que diz respeito à sua formação enquanto

pessoa, enquanto aprendiz. Porém, um olhar terno, compreensivo e de incentivo, pode fazer

com que uma criança desacreditada evolua no processo de aprendizagem, pois sente

confiança e a auto-estima se firma. Sempre acreditei nisso.

Quem nunca teve uma professora que o olhasse de maneira repressora? Eu tive

várias e posso dizer que estas não acrescentaram nada em minha vida. Enquanto que

aquelas que me olhavam carinhosamente e me estimulavam somente com um olhar, posso

me lembrar até do nome delas: Nilbe, Lucília, Dulcinéia... Das outras? Não sei, me esqueci

ou nunca me dei conta nem do nome delas, chamava somente de professora, pois o meu

olhar não conseguia atingir o olhar delas, ele se perdia no meio do caminho ou nem sequer

chegava até elas, talvez porque elas mesmas não o permitissem.

Então, posso dizer que as aulas que apreciei com relação a este tema foram muito

importantes para minha formação tanto pessoal quanto profissional, pois elas me fizeram

26
repensar sobre aquela frase do começo de que “um olhar vale mais que mil palavras”. Não

quero de maneira alguma me esquecer disso e quero levar comigo para sempre esta

afirmação, pois gostaria que meus alunos, quando se tornarem adultos, possam se recordar

de mim com carinho e não somente como mais uma pessoa que passou na vida deles como

se não tivesse existido, como se eu fosse somente “aquela professora”. Eu quero ser para

eles “a professora Luciana”!

27
Capítulo IV

A história e a construção da identidade.

A história tem um papel fundamental na construção da identidade do indivíduo.

Pensando nisto, Ernesta Zamboni (1997) afirma que:

O ensino da história não é um filme sobre o passado que o professor


explica, aos alunos, descrevendo como os fatos vividos, pela humanidade, se
sucederam. Em sua essência, ele apresenta uma distância própria que ultrapassa
as paredes de pesquisa, vai além de uma simples descrição do passado e se
aproxima da narrativa histórica. Nesta, as tramas das relações sociais tecidas no
cotidiano e explicitadas no contexto do conhecimento histórico.
O processo da construção da história de vida dos alunos, de suas relações
sociais situados em contextos mais amplos, contribui para situá-lo historicamente,
para a sua formação intelectual e social, para o seu crescimento social e afetivo,
desenvolvendo-lhe o sentido de pertencer.
Uma das atividades iniciais da escola, no ensino da história, é a
recuperação da família do aluno e a construção de sua própria história, iniciada
através do conhecimento do próprio nome, do reconhecimento das relações
familiares e da sua posição no grupo familiar. (Zamboni- 1997- p.7)

Nas atividades que trabalho enfocando a questão da família, sempre peço para que

meus alunos tragam fotografias onde estão seus grupos familiares, seus costumes, comida

preferida, brinquedo preferido, tentando assim resgatar nas lembranças de cada um o grupo

ao qual pertencem e no que se difere dos outros colegas da classe.

Também trabalho com a questão do nome, pois penso que se temos algo que é

nosso, bem particular, é o nome e a questão da identidade denota-se bem claramente nele,

pois cada nome tem a sua história.

28
Ernesta Zamboni (1997), enriquece ainda mais esta questão quando coloca que:

A história é construída evocando lembranças passadas, as comemorações e


tradições culturais. Na evocação das tradições e costumes familiares os alunos
vão tendo consciência de quem são, a que grupo pertencem, que costumes os
diferenciam e os igualam aos seus amigos. Nesse processo vão fazendo
comparações, explicitando as semelhanças e diferenças. O movimento da
construção da história de vida dos alunos e de suas relações sociais são
redimensionadas com a reconstrução da história do lugar. O lugar é a segurança,
a nossa casa, o nosso bairro, a nossa cidade e a ele estamos ligados fisicamente e
emocionalmente. O lugar nos dá o sentimento de pertencer e concretizar a nossa
identidade. (Zamboni- 1997- p.8)

É o que percebo ao trabalhar com a questão do lugar ao qual meus alunos estão

inseridos, a comunidade. Meus alunos são bem pequeninos e a noção espacial ainda está em

formação, o longe e o perto ainda é muito confuso em suas mentes. Porém, no lugar onde

vivem, eles já conseguem visualizar algo marcante que eles conhecem ou freqüentam com a

família, seja uma loja, um supermercado ou uma igreja, lugares onde acontecem as trocas

de experiências e vivências entre eles e o grupo ao qual pertencem.

Ao falar da importância da estrutura do lugar com a aquisição de novos

conhecimentos Ernesta Zamboni (1997) completa:

O estudo do lugar tem um papel essencial no ensino da história, como um


espaço onde ocorre naturalmente a inter-relação dos elementos físicos, biológicos
e humanos e côo ponto de partida para a aquisição de novos conhecimentos [...].
Na construção da história do lugar, na identificação da sua identidade, o
objeto de investigação do professor é um sujeito concreto, não as instituições, o
modo de produção. Dessa forma o campo de investigação do professor se amplia
e tem ele a necessidade de dialogar com outros campos do conhecimento como a
literatura, a música, a demografia, a antropologia, dentre outras. (Zamboni- 1997-
pp.9,10)

29
Falarei particularmente da literatura. Segundo Fanny Abramovich (1989):

Ao ler uma história a criança também desenvolve todo um potencial


crítico. A partir daí ela pode pensar, duvidar, se perguntar, questionar, querendo
saber mais e melhor ou percebendo que se pode mudar de opinião. A criança
pode formular seus próprios critérios. E há tanto o que analisar, o que discutir, o
que fazer a criança perceber e opinar criticamente em relação à história: se boa, se
interessante, se palpitante, se boba. [...]. O mesmo se dá com relação ao livro, há
tanto o que perceber, o que comentar, o que olhar, o que opinar a respeito. Pode-
se discutir a capa e a encadernação, a paginação, o tipo e tamanho das letras, o
formato do livro se quadrado, retangular, comprido, o tipo de desenho, etc,
podendo-se fazer um adendo com a realidade do lugar que se vive o que tem em
comum ou o que nunca poderá existir e os porquês de tais questionamentos.
(Abramovich – 1989 – pp.143,144,145)

Meus alunos ainda não dominam a leitura formal: quando manuseiam um livro, o

fazem de maneira a interpretar o que o desenho da página representa para eles, uma

comunicação visual. Ou, se já tem conhecimento da história, tentam reproduzi-la pelas

gravuras.

Penso que é muito importante este contato com o livro, pois pode estar aí um bom

artifício para que no futuro as crianças tornem-se bons leitores. Além do contato com o

livro dentro da sala de aula, a biblioteca volante também é de grande valia, pois a criança é

que escolhe aquilo que ela quer ler, leva para casa para ler com a família e depois retorna

para a escola, onde a criança pode discutir aquilo que leu em casa. Neste momento, a

criança se identifica ou não com aquilo que leu e aquela história poderá fazer parte da sua

vida.

30
A importância de uma história?

“Pergunte ao velhinho que passa,


Curvado pelo peso dos dias,
Olhos cansados, buscando o ontem,
Pés trôpegos, que talvez não pisem o amanhã...
Pergunte a ele sobre o tempo da escola,
Talvez tudo se tenha perdido,
Nas nuvens espessas dos dias passados...
Pergunte sobre a matemática,
Talvez tudo tenha se tornado um denominador comum...
E os verbos de Português?
Talvez sejam todos particípios do passado...
Os rios da geografia,
Talvez se tenham perdido,
Confundidos nas geleiras do tempo...
Das Ciências, da Geometria,
Das histórias, de tudo o mais,
Tudo de esfumou, quase tudo se acabou!

Mas peça a esse velhinho,


Que lhe conte uma história...
E, surpreso, verá seus olhos brilharem,
Sorrirem de novo e buscarem no tempo passado,
Um mundo que não passou...
Você vai ouvi-lo contar
De um tempo encantado de sonhos,
Quando montado num cavalo de nuvens,
Corria atrás dos raios de sol!
Ele vai falar de mansinho,
Das tardes em que brincava
Nos jardins de Branca de Neve...
De quanto lutou e venceu,
Os ladrões e piratas do mar,
Ao lado de Robson Crusoé...
Você vai estranhar que esse velhinho,

31
Já tenha usado calças curtas,
E soltando bolinhas de sabão...
Que tenha soltado pipas amarelas,
E corrido em carrinhos de rolimã...

Que tenha vencido o Capitão gancho,


Tenha amado Peter Pan...
Que tenha corrido o mundo,
Montado num tapete voador,
Que tenha navegado os sonhos,
E tenha brincado de amor.
Mas você vai estranhar muito mais,
Se lhe perguntar quem lhe contou tantas histórias,
E ele, sorrindo um sorriso sem dentes, responder num sussurro:
- “Meu filho! Eu também tive um vovô!”.

Franklinsandra H.

Sempre gostei muito de histórias. Lembro-me de quando eu era pequena, meu pai

sempre me contava histórias de quando ele era criança, de quando morava numa fazenda.

Ficava parada, atenta, ouvindo tudo e imaginando como teriam acontecido todos aqueles

fatos.

Hoje, quando conto histórias aos meus alunos, percebo que eles ficam me olhando

da mesma maneira atenta que eu, enquanto criança olhava para meu pai. Suas expressões

transmitem sentimentos e emoções e eles viajam nos contos de fadas ou se emocionam com

outras histórias.

Sempre dei muita importância à leitura e hoje a valorizo ainda mais, depois de

tantos artifícios positivos que pude constatar neste momento em que me aprofundei nesta

questão que envolve os livros, a leitura, a literatura. A questão da construção da identidade

32
foi algo que me surpreendeu, pois não tinha um conhecimento tão profundo à respeito da

história e nunca refleti sobre isto tão valiosamente quanto agora, depois de minha formação

neste curso.

33
Capítulo V

A matemática – do concreto ao abstrato

Recordo-me que, quando era criança, gostava muito de brincar com barro. Morava

numa casa onde eu podia ter contato com a terra, gostava muito de brincar com água e com

a terra e tinha liberdade para isso, pois minha mãe não ficava brava se eu me sujasse.

Como a maioria das meninas, eu brincava de casinha e, nestas ocasiões, tinha a

oportunidade de manusear o barro: com ele dava formas a panelinhas, xícaras, bolos, tortas,

entre outras coisas. A sensação era prazerosa.

Percebo esse mesmo prazer em meus alunos quando estes estão no parque

brincando com a areia e água. Uns brincam de fazer “comidinha”, outros de construir

estradas e outros ainda de ir simplesmente colocando areia dentro do baldinho com água

para sentir até onde vai transbordar. O universo destas brincadeiras é tão rico que se

refletem diretamente nas noções adquiridas em matemática. Ali, indiretamente, posso

trabalhar as formas geométricas, contagem, entre outras atividades que envolvem não

somente a matemática, mas também o “faz-de-conta”. O imaginário está bem evidente

neste rico momento do parque na educação infantil.

Constatei tudo isso nas aulas que tive de matemática na faculdade. Por falar nelas,

quando descobri que teria esta disciplina, logo me vieram as recordações amargas das

equações e cálculos intermináveis. Qual foi minha surpresa ao descobrir que a matemática

pode se aprender brincando, de uma maneira inovadora e concreta!

A matemática tem uma importância fundamental na vida das pessoas porque, desde

que o mundo é mundo, na medida em que a humanidade evoluía, surgiram preocupações de

ordens práticas e utilitárias por questão de sobrevivência. Por isso ela deve ser transmitida

34
de maneira lúdica, sem traumas, utilizando-se de todos os artifícios que se possam

manipular, respeitando conhecimentos prévios para maior assimilação.

Posso dizer que até as pessoas que por ventura não tiveram a possibilidade de

freqüentar uma escola, podem se utilizar do material concreto (como por exemplo as

pedras, as conchas, partes do corpo) para estar se organizando e adequando-se às mais

diversas situações onde possa se utilizar destes materiais para sua sobrevivência.

Ifrah (1998) coloca seus pensamentos, que validam todo princípio da importância

da utilização do concreto para se chegar a um denominador comum na questão da prática

da contagem:

“Graças ao princípio da correspondência um a um podemos obter


resultados positivos e significativos em termos matemáticos, mesmo se a
linguagem, a memória ou o pensamento abstrato são completamente falhos.[...].
Alguns povos indígenas também utilizam-se de fenômenos naturais (a alternância
do dia e da noite, a observação do primeiro quarto crescente após um período
lunar) para a contagem do tempo, Contam-se deste modo, dias da semana, meses,
anos, grandes festividades. Eles não utilizam unicamente mais neste caso o
princípio da correspondência unidade por unidade, mas introduzem também a
relação de sucessão. A noção de ordem já está aí presente, mesmo não sendo
verdadeiramente conhecida [...]. A superstição também influenciou na maneira do
homem contar. Alguns pastores muçulmanos cantavam para contar o seu
rebanho. Hoje, as crianças costumam recitar para determinar pela sucessão das
sílabas correspondentes, aquele ou aqueles que terão um papel particular em seus
jogos. Esta ordem de sucessão invariável de versinhos se fixa na memória visual
e se transforma numa ordem numérica.[...]. A origem da aritmética deu-se a partir
do corpo humano, quando se considera um certo número de partes do corpo
humano numa ordem previamente estabelecida e sempre a mesma, sua sucessão,
pela força da memória e do hábito, acaba mais cedo ou mais tarde por tornar-se
numérica e abstrata. As referências correspondentes passam a enviar então cada
vez menos as simples partes do corpo, para suscitar mais fortemente no espírito a
idéia de uma certa série de números.[...] As mãos são utilizadas para contar desde
os primeiros anos de vida. Aparece como um instrumento natural designado para
a aquisição dos dez primeiros números e o aprendizado da aritmética elementar.
A mão atua como um instrumento que permite a passagem do número cardinal ao
ordinal correspondente ou inversamente”. (Ifrah – 1998 - pp. 31,42, 49,50 e 51.)

35
Ao meu ver, desde a pré-história a contagem e a correspondência de números com

outros elementos relacionam-se sempre com questões de ordens práticas. E para utilizar-se

disso não se precisa necessariamente ser alfabetizado, pois se partirmos do concreto fica

mais fácil a compreensão e a assimilação de fatores como, na matemática, a contagem ou a

relação de número e quantidade.

Num mundo hoje vivido em função de tecnologias avançadas que nem sempre são

acessíveis a todas as camadas sociais, posso dizer que elementos como estes (pedras, dedos

das mãos), que ajudavam nossos antepassados a terem uma vida social ativa, ainda hoje me

parecem úteis apesar de ultrapassados.

E, em minha prática pedagógica, percebo que realmente desde a pré-escola, quando

se partindo do concreto compreende-se futuramente o abstrato, pois se desenvolve a

estrutura lógica a partir de jogos que objetivam a memorização, associação, comparação,

organização e noção de tempo e espaço, entre outros.

36
Capítulo VI

A infância pós-moderna: o amor estaria se transformando num mito?

Grande parte das disciplinas que tive neste curso eram voltadas para o ensino

fundamental. Poucas foram as disciplinas que discutiam as situações das crianças de zero a

seis anos, que é a faixa etária com a qual que eu trabalho. Em uma dessas poucas aulas,

pude refletir sobre a infância pós-moderna, aquela em que a TV e o vídeo-game se

transformaram na família virtual destas crianças devido à ausência dos pais que trabalham

fora.

37
Um dos textos estudados foi da autoria de Joe L. Kincheloe (2001) e seus pensamentos

afirmam que:

A educação infantil é uma vítima do fim do século XX. Dada a prevalência do


divórcio e de lares onde os pais trabalham fora e ficam pouco tempo com os
filhos. Como os pais ainda estão no trabalho à tarde quando os filhos voltam da
escola, as crianças estão ficando com a chave de casa e espera-se que se virem
sozinhas. Conseqüentemente, estamos presenciando gerações de “esquecidos em
casa”, crianças que em grande parte têm sido obrigadas a de desenvolver por si
sós. Os últimos trinta anos assistiram a mudança na estrutura familiar que tem de
ser levada a sério por pais, educadores e provedores da cultura de toda a espécie.
Desde o princípio dos anos 60, a taxa de divórcio, bem como a percentagem de
filhos vivendo com um dos pais, triplicou.[...] O estresse proveniente das
mudanças econômicas dos últimos vinte anos tem minado a estabilidade da
família.[...] Aumentando o tempo de abandono e afastamento, as crianças
contemporâneas se voltaram a TV e o videogame como forma de preencher o
tempo sozinhas.[...] Para todos os indivíduos que tenham um interesse em
entender a infância – pais, professores, assistentes sociais, conselheiros,
familiares etc. - ,o conhecimento dessas condições de mudança torna-se uma
necessidade. Uma economia estagnada tem obrigado os adultos da família a
trabalharem fora de casa: por causa disso, as crianças se encontraram
sobrecarregadas de obrigações diárias que vão da limpeza da casa, cuidado dos
irmãos menores e compras no mercado a fazer comida, lavar roupas e organizar
estacionamentos de carros.[...] A nova era da infância – a infância pós-moderna –
não pode escapar da influência da condição pós-moderna com a sua mídia de
saturação eletrônica. Desta maneira, uma mídia onipresente produz uma hiper
realidade que reposiciona o real como algo não mais simplesmente dado, mas
artificialmente reproduzido como real.[...] Com a mídia impulsionando a
proliferação infinita dos significados, a fronteira entre infância mundo adulto se
desvanece, com crianças e adultos negociando os mesmos escapismos e
enfrentamentos com os mesmos impedimentos à formação de pensamentos. As
crianças estão agindo como adultos e os adultos estão agindo como crianças.[...]
Não há nada próprio de criança nos afazeres diários, como cozinhar, fazer
compras e cuidar de crianças. ( Kincheloe – 2001 – pp. 55, 56, 73 e 74).

Nas salas de aula da educação infantil, o que não faltam são espaços onde as

crianças possam fazer a representação do real através da imitação, através do faz-de-conta.

Estas crianças refletem uma atitude bem tradicional dos adultos mais próximos

delas em todas as brincadeiras, principalmente nas de livre criação. Na casinha, por

exemplo, temos as mamães que cuidam dos filhos, que fazem a comida, que cuidam da

casa, e os meninos geralmente saem para o trabalho. Tudo o que observo gira em torno do

trabalho, infelizmente muitas destas crianças que ali naquele momento estão somente

fazendo-de-conta que trabalham, poderão daqui a alguns anos (ou não preciso ir tão longe,

38
pois pode ser que aconteça de uma hora para outra), estar vivenciando esta situação num

ato de total responsabilidade – que, na minha opinião, é precoce.

A música que se segue reflete bem o que eu penso sobre crianças que, desde

pequenas, tornam-se miniaturas de adultos, logicamente não por terem optado por isso,

mas, talvez seja, devido a esta nova condição de vida que a sociedade capitalista,

juntamente com a mídia, obrigam-nas a viver.

“Lápis, caderno, chiclete, pião


Sol, bicicleta, skate, calção
Esconderijo, avião, correria
Tambor, guitarra. Jardim, confusão
Bola, pelúcia, merenda, cryon
Banho de rio, banho de mar, pular cela, bombom
Tanque de areia e gnomo, sereia
Pirata, baleia, manteiga no pão
Giz, merthiolate, band aid, sabão
Tênis, cadarço, almofada, colchão
Quebra-cabeça, boneca, peteca, botão, pega-pega, papel, papelão
Criança não trabalha, criança dá trabalho
Criança não trabalha(Paulo Tatit/ Arnaldo Antunes/CD palavra cantada dez anos).

Com tantas indas e vindas das situações familiares que envolvem a sociedade

capitalista, me pergunto: onde mora o amor?

Na correria diária, muitos pais mal conseguem olhar para os filhos, quem dirá

educá-los. Então, será que o amor estaria se transformando num mito? Ou existem outras

maneiras de amar sem estar o tempo todo presente.

Sentindo a necessidade de falar sobre isso, em uma de minhas reuniões que

eventualmente acontecem durante o ano letivo entre pais e mestres, pesquisando na

39
Internet, consegui a história que se segue abaixo. Infelizmente a única referência que tenho

desta história é que ela foi lida em uma palestra ministrada por um grupo identificado

como: “Aliança pela Infância no Brasil”. O texto é muito profundo, tornando-se pertinente

para atender aos meus propósitos para aquela reunião e também agora, o mesmo enriquece

este capítulo com seus dizeres:

“Conta uma história que numa reunião de pais numa escola de periferia, a diretora

incentivava o apoio que os pais deveriam dar aos filhos, entendia que, embora soubesse

que a maioria dos pais e mães daquela comunidade trabalhassem fora, deveriam achar um

tempinho para se dedicar e atender as crianças.

Ela ficou muito surpresa quando um pai se levantou e explicou, que ele não tinha

tempo de falar com o filho, nem de vê-lo durante a semana, pois quando ele saía para

trabalhar, era muito cedo e o filho ainda estava dormindo e quando voltava do trabalho, o

garoto já havia se deitado, porque era muito tarde. Explicou ainda que tinha de trabalhar

assim para poder prover o sustento de toda a família. Porém, ele contou também que isso o

deixava angustiado por não ter tempo para o filho, mas que tentava se redimir indo beijá-

lo todas as noites quando chegava em casa, e para que o filho soubesse de sua presença,

ele dava um nó na ponta do lençol que o cobria. Isso acontecia religiosamente, todas as

noites quando ia beijá-lo. Quando este acordava e via o nó, sabia através dele que o pai

estivera ali e havia beijado. O nó era o elo de comunicação entre eles. Mais surpresa

ainda a diretora ficou, quando constatou que o filho desse pai era um dos melhores alunos

da sala”.

40
Esta história me faz refletir sobre as várias maneiras de um pai se fazer presente, de

se comunicar com o filho. Cada um deve procurar a sua maneira, porque as crianças

percebem isso, mesmo que a presença dos pais seja simbólica como no caso desta história.

Realmente acredito que o amor se manifesta de várias maneiras e não é só delegado

à mãe biológica. Em meu pensamento, nunca relacionei o fato da gestação estar

diretamente interligada com a maternidade, pois muitas mulheres não têm esta

predisposição para dispor todo o seu tempo a um ser recém-nascido totalmente dependente.

Logo, penso que mãe não é aquela que pari, mas sim aquela que ama, e posso presenciar

isto também na figura masculina que muitas vezes faz o papel de mãe – diga-se de

passagem, um papel muito bem desempenhado, em muitas situações cotidianas. Não quero

aqui parecer sistemática ou me colocar na situação de juíza da situação, pois como todo ser

humano tenho meus defeitos como também minhas qualidades e isso não foge à regra com

ninguém, mas penso que muitas mulheres deveriam pensar mais na questão da maternidade

antes de se proporem a colocar uma criança no mundo.

Falando sobre o amor materno a autora Elizabeth Badinter (1985), relata suas

considerações sobre o vínculo afetivo entre mãe e filho:

“O amor materno não é um sentimento inato, ele não faz parte intrínseca
da natureza feminina: é um sentimento que se desenvolve ao sabor das variações
sócio-econômicas da história, e pode existir, ou não, dependendo das
circunstancias materiais que vivem as mães”. ( Badinter – 1985 –epígrafe).

Ainda refletindo sobre a figura materna, Elizabeth Badinter (1985) comenta:

“A mãe, no sentido habitual da palavra é uma personagem relativa e


tridimensional. Relativa porque ela só se concebe em relação ao pai e ao filho.
Tridimensional porque, além dessa dupla relação, a mãe também é uma mulher,
isto é, um ser específico dotado de aspirações próprias que freqüentemente nada
tem a ver com as do esposo ou com os desejos do filho”. (Badinter, – 1985 –
p.25)

41
Nas situações familiares atuais, muitas crianças ou vivem só com o pai, ou só com a

mãe, ou com nenhum dos dois, indo morar com os avós e tias. Todo ano recebo alunos que

vivem nestas condições, alguns trazem marcas por terem que viver sem a presença dos pais,

outros são tão amados que não deixam que estas marcas prevaleçam.

O que me faz gostar cada vez mais do meu trabalho e não desistir dele nunca, apesar

dos contratempos, é saber que muitas famílias acreditam no meu potencial enquanto

profissional da educação e fazem uma ponte do lar com a escola, confiando seus filhos aos

meus cuidados.

Sinto-me muito amada por estas crianças. Sinto que faço parte de suas vidas, mesmo

que por algumas horas do dia, o que me faz pensar que realmente o amor é sublime e pode

acontecer sem que haja um vínculo carnal.

Posso dizer que, ao longo deste curso, minhas idéias com relação ao mítico

relacionamento entre pais e filhos foram se desvendando cada vez mais e entendi porque

algumas mulheres não se adequam à condição de mãe. Só não sei se concordo, mas como já

disse, procuro entender e, ao escrever este capítulo, me lembrei de uma música intitulada

“Pais e Filhos”. O refrão dela me fez recordar várias passagens dos muitos textos que pude

acompanhar neste curso e que falavam da relação que unem os pais, os filhos, as pessoas...

“É preciso amar
As pessoas
Como se não houvasse amanhã
Porque se você parar
Pra pensar
Na verdade não há...”.
(Pais e Filhos – Legião Urbana)

42
Capítulo VII

A Educação à mercê da sociedade capitalista

Em meus pensamentos, sempre tive a impressão de que a Educação caminha em

função da sociedade. Ou será o contrário? Será que eu poderia afirmar com toda a

convicção que a Educação, o desenvolvimento e a sociedade em que vivemos caminham

juntos para um bem comum?

Para poder analisar isto, penso numa situação que nos é comum entre eu e você e

todos os cidadãos brasileiros, que de quatro em quatro anos precisa se deslocar até a zona

eleitoral mais próxima e depositar seu voto “de confiança” naquele candidato que se

acredita ser o melhor e mais capacitado para representar os interesses públicos perante toda

uma sociedade.

Pois bem, a democracia é necessária e o meio viável para que todos a pratiquem é a

escolha de um representante que garanta seus direitos e isso se dá através dos votos, da

eleição.

Acabar com analfabetismo poderia ser uma maneira de garantir que todos pudessem

votar. Mas até que ponto estar “bem ou mal representado” seria garantia de democracia,

sendo que se a escolha de um candidato eleito pelo indivíduo não vai de encontro com

aquilo que ele acredita ser o melhor, não atinja suas expectativas e que se faça confirmar

mais ainda a exploração e a exclusão social?

Então, fala-se numa justiça social, para que todos possam desenvolver seus talentos

tendo acesso garantido à escola, para que todos possam competir para conquistar seu

espaço, confirmando na Educação os princípios do liberalismo que são o individualismo, a

liberdade, a propriedade, a igualdade e a democracia.

43
Acesso à escola todos têm, mas me parece que educação de qualidade é privilégio

de poucos. As oportunidades para alcançar o sucesso também são diferentes, dando ênfase

à cultura e ao intelecto, e penso que por conta disso existam tantas diferenças sociais e

econômicas.

E mais uma vez a Educação vai enfatizar as necessidades básicas da aprendizagem

para melhorar a qualidade de vida. Acontecem melhorias na Educação para mudar o perfil

do cidadão e eu, professora, necessito estar sempre me reciclando, me especializando, me

capacitando para acompanhar tantas mudanças. Mas, por trás de tudo isso se escondem

baixos salários, duplas jornadas de trabalho, falta de tempo para que eu me dedique a mim

mesma.

A escola prepara o cidadão para o mercado de trabalho, mas sem a garantia do

mesmo. O indivíduo, para se manter empregado, necessita estar sempre em busca de algo

mais, sem contar o fato de que as condições para a empregabilidade giram em torno da

formação profissional de cada um, seu capital cultural, sua aparência. No entanto, não são

todos que se encaixam nestes padrões, fazendo evidenciar ainda mais a discriminação

social.

A relação entre educação e desenvolvimento existe; porém, nem sempre é positiva,

levando-se em conta a grande exclusão e desigualdade social existente, pois a distribuição e

concentração de renda se fazem de maneira injusta.

Penso que os cidadãos brasileiros caminham em busca de um ideal de vida e

depositam na educação, na escola, a maneira mais digna para isso.

Quando me deparo com propostas e planos para a educação, necessito investigar

para não me deixar levar por propósitos que muitas vezes não se encaixam na realidade em

44
que leciono e que por ventura possam estar embutidas nelas. Necessito fazer com que estes

pequenos cidadãos que todos os anos passam por minhas mãos, não sejam enganados pela

falsa lembrança de um mero certificado. Preciso mostrar que a escola não é apenas um

“canudo” no final de cada etapa, penso que pela escola suas idéias podem sobressair

perante a sociedade capitalista, tornando assim, quem sabe, mais justa as oportunidades

para todos.

Penso que aprendi muito com tudo isto que pude refletir nestas passagens que tive

neste curso. Muitas vezes, eu recebia tudo o que me destinavam sem questionar quais os

reais objetivos daquelas propostas.

Posso dizer que hoje, talvez, eu não possa mudar o que penso estar inadequado ao

andamento do meu trabalho, mas posso questionar e tentar contornar as situações para

melhor garantir a formação de cidadãos críticos e ativos e, sem a Pedagogia, eu não teria

parâmetros para isto.

45
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Leitor, espero que neste pequeno espaço eu tenha podido fazer com que você

acompanhasse os motivos que me levam a continuar nesta jornada para mim prazerosa, mas

nada fácil que é lecionar – afinal nem tudo são flores.

Educar para mim é algo mágico e, como toda magia tem uma poção, a da educação

é, para mim, o amor!

Como você pôde observar, este memorial envolveu a educação de várias formas,

buscando entender o homem enquanto ser social, cultural e determinado – a explicação para

a aprendizagem. Este mesmo homem se depara com múltiplas situações conflitantes, desde

emocionais até econômicas, para buscar um desenvolvimento completo, tentando, ao meu

ver, driblar a sociedade em que vive, para não se deixar sufocar e, como intermediária

coloca-se a escola, meu pequeno mundo. Se não fosse por amor e dedicação, estes conflitos

já teriam me feito desistir.

Mas continuo cavalgando e gostaria de responder a um questionamento feito logo

no início deste memorial: A quem educar? Ou para quê educar?

Educo este ser majestoso que Deus colocou no mundo à sua imagem e semelhança,

educo este ser magnífico cheio de mistérios e sonhos, educo esta pequena pessoa que se

tornará, para meu orgulho, uma grande pessoa que busca na escola as mais profundas

realizações e vê na professora sua varinha de condão.

Para quê educar?

Gostaria de deixar em aberto, caro leitor, gostaria que sua imaginação depois de

tantas colocações que fiz, pudesse me responder a esta indagação com entusiasmo, pois é

isso que eu espero, pois é assim que me sinto quando estou dentro de minha sala de aula.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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