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DADOS DE ODINRIGHT

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E. L. Woods
 
 
 
 
 
 

Quando Você Apareceu


Copyright © 2021 E. L. Woods
 
Título
Quando Você Apareceu
 
Autora
E. L. Woods
 
Capa/Design
Emerson Magalhães
A partir de Imagens de Depositphotos
@ kirilart / @ kathysg
 
Revisão
Isadora Duarte
 
2ª edição: abril, 2021
 
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução de todo
ou parte em quaisquer meios sem autorização da autora.
Agradecimentos
 
A Papai, eternamente agradecida.
 
Tem coisa melhor do que família? Desconheço. Filhos,
netos, genros, nora e mãe, obrigada por tudo!
 
Um marido apaixonado, presente e incentivador é
mais do que pedi. Tudo o que escrevo sobre amor e paixão
tem raiz no que sentimos um pelo outro.
 
Cíntia (Cindy), como agradecer pelas muitas vezes
em que leu este livro antes de ser publicado, e com sua
mente perspicaz e inteligente me fez enxergar alterações
devidas e essenciais?
 
Amigos são torcedores, confidentes e cúmplices. Amo
cada um de vocês. Preciso dizer quem são? Todo amigo
sabe quando é.
 
Leitores são as pessoas que dão resposta à pergunta
de todo escritor: Será que a história é boa? Obrigada a
todos vocês.
“Amor é um marco eterno, dominante,
Que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante,
Cujo valor se ignora, lá na altura.
Amor não teme o tempo, muito embora
Seu alfange não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,
Antes se afirma para a eternidade”.
 
William Shakespeare
Resumo
 
Na noite de núpcias, Dean descobre que sua inocente
mulher não passa de uma golpista que, grávida de outro,
conseguiu armar um plano para ele assumir a paternidade
da criança. Chantageando-o, ela consegue ficar na sua
casa, mas alguns meses depois que a criança nasce, foge
com um amante.
Bella, irmã gêmea esposa de Dean passou a vida
inteira sendo vítima de suas infames armações, mas não vê
outra alternativa a não ser viajar para a casa da irmã na
Escócia em busca de refúgio, depois que um infortúnio
bateu em sua porta.
Lá chegando, Bella é confundida com pelos
empregados e pelo cunhado, que a escorraça, pensando ser
a esposa. É quando ela fica sabendo que a irmã fora
embora.
Desfeito o engano, eles descobrem que ambos foram
vítimas de uma farsa terrível e que suas vidas estarão
comprometidas para sempre se ela não voltar.
Somado a esses problemas, Dean tem que gerar um
herdeiro dentro de um prazo estipulado em testamento pelo
seu pai.
Assim, aproveitando que a esposa continua
desaparecida, e respaldado na situação em que ela mesma
os colocou, ele faz uma proposta a Bella, pela qual está
perdidamente apaixonado, e conta com a sorte para que
nunca mais ela apareça, ou que isso só ocorra quando
conseguir fazer Bella entender que os dois nasceram um
para o outro.
Mas os sentimentos que se digladiam dentro da moça
são os maiores inimigos para que ele consiga obter o seu
amor.
Um enredo fascinante e cheio de reviravoltas, que traz
como uma das figuras centrais, a doce garotinha Annie,
sobrinha de Bella.
Uma história de traição, mas especialmente de amor e
amizade, pontuada por lições de vida e com um final
inesperado e eletrizante.
Prólogo
 
Um dia, aquela casa foi linda, possuiu as melhores cortinas
e ostentou caras pratarias.
Tempos atrás, não tão distantes, aqueles jardins eram
ornados por belas flores, e um viçoso gramado verde
completava as partes ao redor dos canteiros. Dois
jardineiros se revezavam para manter a beleza do imenso
jardim, aparando, cortando e arrancando ervas daninhas
que mal tinham tempo de despontar, imagine sobreviver
àquele cuidado exacerbado.
Um dia, a despensa foi repleta de mantimentos para
abastecer a família, sem nenhum risco de diminuir a
quantidade, muito menos de faltar.
Os móveis modernos adornavam todos os cômodos da
sala e eram tantos quanto precisavam. Quer dizer, mais.
Alguns ambientes não tinham necessidade de possuir
tantas poltronas e cadeiras, mas Eloise, sua mãe, dava um
jeito de que a composição dessa profusão de móveis e
enfeites coubesse de uma forma quase elegante, apesar de
beirar a extravagância.
Outrora, as paredes possuíam caras pinturas
dependuradas. E eram muitas. Inclusive, além das salas, em
quartos e em corredores, havia uma galeria enorme onde as
obras menos valiosas eram guardadas.
Um dia.
Hoje o jardim estava tomado por ervas daninhas e as
árvores maiores precisavam ser podadas urgentemente,
mas não havia ninguém para fazer este serviço. Nem
outros.
O celeiro estava vazio e na despensa não havia comida
suficiente para nem mais uma semana.
A horta encontrava-se na mesma situação do jardim.
Com exceção dos cavalos, não sobrou nenhum animal
cuja carne servisse para alimentar seres humanos. Todos
foram abatidos ao longo daqueles meses de penúria para
saciar a fome dos que restavam na residência, que se
resumiam a ela e aos poucos empregados que se
dispuseram a ficar. Os demais foram embora por falta de
pagamento. Isso foi o que acrescentou mais algumas
semanas de alimento para os que corajosamente ficaram.
Ela era tão inexperiente que só esperava, enquanto via
as coisas minguarem e as pessoas irem embora.
Mas os dias passaram e nada aconteceu para mudar
aquele estado lastimável de quase miséria.
Os móveis sobressalentes começaram a ser vendidos
quando a situação passou a apresentar preocupação. No
final, os demais também.
As paredes da galeria, antes repletas de obras,
estavam vazias. Era tão estranho vê-las desocupadas!
Parecia que estavam nuas.
E realmente estavam despidas de seus quadros.
Todas as obras foram vendidas. Todas. Até as menos
importantes.
Saindo dali, foi para o seu quarto, único local onde a
mobília ainda estava completa, e pegou a carta da irmã. Por
que Escócia? Era tão longe! Ela nunca passou dos limites do
pequeno vilarejo, apesar de conhecer tanta coisa a respeito
do mundo lá fora. Sim, conhecia o mundo por causa do que
escutou das pessoas que andaram por lá e porque adorava
ler.
Se é que os pais a tinham beneficiado de alguma
forma, excetuando-se as coisas básicas que todos os filhos
recebiam, foi dando-lhe uma boa educação. Sempre tivera
boas preceptoras e excelentes professoras. Eles eram tão
ocupados com seus próprios assuntos que não a privavam
de ler qualquer coisa que tivesse interesse. Uma raridade
entre os pais. A diferença é que os outros cuidavam e
gastavam tempo com seus filhos, ao passo que os seus
cuidavam — ou não? — apenas deles mesmos.
O fato é que este detalhe, que a privou da desejada
companhia deles, empurrou-a para o mundo da leitura. Com
os livros e os mapas, viajava pelo mundo, conhecendo as
culturas e os limites de cada um. Tudo na imaginação. E
justamente para a Escócia nunca viajou na imaginação,
apesar de ser um país próximo da Inglaterra.
Era aterrorizante sair do seu mundo. Uma coisa era ler
livros e mais livros e passar os olhos naquele mapa em
forma de globo, girando-o entre os dedos enquanto
estudava, depois fechar os olhos e imaginar esses lugares. E
outra, bem diferente, era ir até eles. Desbravar nunca foi o
seu forte. Este era o de sua irmã, tão parecida fisicamente
com ela – havia quem dissesse que eram iguais –, quase
idêntica, mas tão diferente nesse aspecto. Por causa do seu
jeito impetuoso e curioso, foi parar em Londres e agora
estava na Escócia.
Mas a única saída era essa.
Só tinha o dinheiro da última obra vendida, e se não o
usasse para correr para um lugar seguro a fim de
sobreviver, gastaria com comida, depois, não teria como
arranjar mais um tostão, ficando assim obrigada a viver da
esmola dos amigos. E isso era impensável. Bastava a
vergonha que vinha sofrendo nos últimos meses.
Ela foi para a enorme varanda de madeira pintada de
verde, onde colocou as pequenas mãos e ficou olhando o
horizonte. O sol estava próximo de se pôr e dentro de
algumas horas a noite encobriria as colinas, alcançando a
redondeza e deixando-a na mais completa escuridão.
No passado, aquela era a área da casa que ela mais
gostava, pois se conectava à parte externa ao seu quarto.
Mas isso fazia parte de um tempo remoto em que certas
preocupações não tiravam o seu sono, muito menos a
deixavam desolada.
Bella voltou novamente o pensamento para a irmã.
As pessoas diziam que irmãs gêmeas tinham uma
ligação muito forte e protegiam uma à outra de tudo e de
todos. Mas isso só ocorria com Bella, que sentia quando
Isabel estava em apuros ou doente. Era algo parecido com
um pressentimento. Mas isso também fazia parte do
passado.
Depois de algum tempo, ela entrou e continuou
andando pela casa, como se estivesse vistoriando o vazio,
já que só havia paredes. Até os tapetes foram vendidos.
Ela odiava tapetes, pois emperravam os pés quando
andava apressada, mas sentiu uma tristeza enorme quando
os viu sendo enrolados e levados para dentro da carruagem
da família Kreiyng. Era mais do que tristeza, era
humilhação. E o olhar condescendente do cocheiro apenas
aumentou essa sensação.
Capítulo 1
 
Dias seguidos dentro de uma carruagem própria para
viagens longas encurtavam a distância à medida que as
horas passavam, mas aumentavam o mal-estar e os
incômodos no corpo de Bella, que parecia moído. Nessas
longas horas, teve câimbras e dor de cabeça, e a náusea
constante parecia não querer dar trégua. O enfado
generalizado certamente a acompanharia por algum tempo.
Chegando àquela terra fria, Bella se abraçou, tentando
aquecer o corpo gelado. Ainda bem que havia chegado e a
única coisa que tinha a fazer era esperar a carruagem que
sua irmã provavelmente enviaria para buscá-la. Mas as
horas passaram e tornaram-se quase intermináveis quando,
enfim, ela se deu conta de que ninguém a pegaria. Se
quisesse chegar ao seu destino, parece que teria de ser por
meios próprios. Então, franziu a testa para apurar a vista e
encontrar um meio de transporte que a levasse à casa da
irmã. Se contasse com a sorte, ela a estaria esperando, pelo
menos, com um bom prato de sopa. Não entendia por que
tinha sido abandonada à própria sorte, mas também não
adiantava fazer esses questionamentos, já que eles não
teriam como ser respondidos naquele momento.
Por mais que tentasse justificar aquela situação, não se
esquecia de que mandara uma carta avisando que chegaria
naquela data e naquele horário. A irmã sempre foi muito
egoísta e bastava que algo um pouco mais interessante
acontecesse para que fosse capaz de largar qualquer
pessoa sozinha, até uma do seu sangue e de parentesco tão
próximo.
Sempre foi assim. Isabel usava a irmã gêmea em
benefício próprio desde que se deu conta de que eram
idênticas. E, às vezes, até em ocasiões muito peculiares,
como na vez em que obrigou Bella a tomar o seu lugar
numa visita fúnebre, mesmo sabendo que ela tinha horror a
esse tipo de cerimônia. Tudo para, durante as malfadadas
horas, se encontrar com um cavalariço com quem estava
flertando. Ela era impossível. Mas Bella nunca conseguia se
desvencilhar das coisas horríveis que ela aprontava. E isso
sempre ocorria em situações constrangedoras, nunca para
beneficiá-la. Quando Martin, seu pai, descobria, colocava
Isabel de castigo por dias seguidos trancada no quarto. Mas
isso, em vez de intimidá-la, parecia estimular esse jeito
malandro de ser.
Seu pai começou então a infligir castigos também a
Bella, para que ela não permitisse que a irmã a usasse.
Porém não surtiu efeito, pois sempre era convencida a fazer
a coisa errada, simplesmente porque tinha dificuldade em
dizer não. A capacidade de manipulação e intimidação de
Isabel sempre acabava vencendo.
Bella repassou na mente as muitas vezes em que foi
constrangida a fazer coisas erradas e, pior, sofrendo calada.
Isabel tinha um espírito rebelde e insubmisso, igual à
mãe; e Bella tinha o temperamento parecido com o do pai,
excetuando-se a tendência que ele tinha para o jogo, o que
consistia em uma enorme falha de caráter. Enquanto Isabel
tinha poucos amigos, por ser uma pessoa arrogante e
completamente voltada para seus próprios interesses, Bella
tinha muitos, pois era uma pessoa amável, sincera,
inteligente e honesta. Além disso, vivia de bem com a vida,
enfrentando-a com alegria, mesmo quando o quadro se
mostrava insatisfatório. Seu pecado aparecia quando se
tratava das artimanhas da irmã, pois não conseguia lhe
negar um pedido, mesmo que isso a fizesse ficar muito
triste consigo mesma. Não dava para contabilizar quantas
vezes prometeu que seria a última.
Por causa do terrível vício do pai, hoje, estava ali, em
busca de um lugar para morar, pois os credores levaram
todos os bens da família, inclusive a propriedade, perdida
numa simples aposta. O pai sempre soubera que não podia
iniciar um jogo, pois o vício incontrolável o fazia apostar
qualquer coisa para não ser obrigado a sair da mesa.
Sempre tivera sorte e as perdas até agora haviam sido
irrelevantes, visto que possuíam muitos bens. Mas dessa
vez, ele tinha ido longe demais. Se achava que dinheiro não
acabava, descobriu da pior forma possível que sim,
acabava. Agora estava morto e a filha sem um lugar para
morar.
A mãe havia morrido há quase um ano, ainda
inconsolável, porque a filha predileta não a visitou uma vez
sequer desde que adoecera, embora inúmeras cartas
tenham sido enviadas para informar sobre o seu precário
estado de saúde. Nem a informação de que estava à beira
da morte foi suficiente para que Isabel a visitasse. Apesar
de todos conhecerem o seu comportamento egocêntrico,
esperavam que ela se compadecesse da sua genitora. Ledo
engano. A pessoa mais importante para ela era ela mesma.
A morte de Eloise só piorou o vício do pai e o lançou de
forma definitiva e perigosa para o lugar que ele amava,
ocasionando o atual quadro de desgraça familiar.
E o pior disso tudo é que Bella não sabia como seria
recebida pela irmã, pois ela não deu resposta à sua missiva.
No entanto, como não tinha outro lugar para ir, a saída era
acreditar que a falta de comunicação devia-se apenas ao
seu desleixo característico.
Isabel saíra de casa num desses acessos de rebeldia,
bradando o bordão que parecia ter sido impregnado em sua
personalidade desde que nascera: liberdade feminina. Saíra
de Oxfordshire para Londres com o propósito de se divertir.
De lá, partiu para Paris, pois afirmava que o modelo
britânico de regras pré-definidas e certinhas jamais poderia
ser adotadas por uma pessoa livre e com uma mente
progressista na área sentimental como ela. Para Isabel,
felicidade estava vinculada à liberdade para escolher com
quem se casar, e somente depois de experimentar os dotes
de muitos cavalheiros. Dotes físicos, diga-se de passagem.
Mas algo deu errado naquele país e ela retornou a Londres
com o firme propósito de arranjar um marido rico, que
pudesse pagar por suas extravagâncias.
Para alcançar o seu objetivo, teve de contar com a
acolhida de uma tia de segundo grau.
Essas coisas foram reveladas na primeira carta que
Isabel enviou para Bella, que inicialmente a deixou bastante
feliz. Mas quando percebeu que só continha notícias
referentes aos fatos que ela protagonizava de forma
inconsequente, e cada parágrafo era acrescido de algo que
demonstrava o que havia adquirido – roupas e joias da tia,
flertes sem medida com homens das mais variadas estirpes,
convites para ricas festas e jantares em lugares feéricos,
entre tantas coisas voltadas para ela, ela, ela... — percebeu
que Isabel continuava a mesma. Ela não passava de uma
pessoa imprudente. Mas não somente isso. Percebeu, com
tristeza, que a irmã enviara a carta apenas para ostentar
sua condição de benquista na sociedade londrina e
parisiense. Queria mostrar a insignificância de Bella, que
levava uma vida medíocre numa cidadezinha. Palavras de
Isabel, sob formato diferente. Mas Bella era inteligente para
decifrar teores literários. Nesse quesito, ela ganhava de
longe da irmã. Até porque nessa carta chamava a atenção o
fato de que não houve sequer uma pergunta sobre os seus
familiares. Era de se crer que ela só queria dar notícias e
não receber nenhuma de volta.
Mesmo assim, Bella enviava cartas periodicamente
para a casa da tia, no intuito de que a irmã se
compadecesse da mãe moribunda e a viesse visitar.
A segunda carta de Isabel foi para dar duas notícias
importantes, uma boa e outra, ruim. Ela começara pela
ruim: sua tia havia morrido em um acidente de barco, mas
ela não contara detalhes do ocorrido. Era típico de Isabel
não falar de algo que não lhe interessasse; e a notícia boa
era que estava casada com um homem muito rico. E não
houve economia de elogios ao seu escolhido. Além de rico,
o homem era lindo, desejado por todas as donzelas e um
verdadeiro cavalheiro.
Nessas alturas, Bella já não escrevia mais para a irmã.
Depois que a mãe morrera, ela não viu necessidade de
enviar mais notícias, se o pior já tinha acontecido.
E, por fim, veio a terceira e última carta, que não
passou de um bilhete em que ela falava de sua partida para
a propriedade do casal na Escócia. Nessa, ela nem deu
notícias. Deixou claro que estava apenas avisando onde
encontrá-la caso acontecesse algo de extrema importância.
Bella só não entendia o que podia ser mais importante do
que a morte da mãe, que foi precedida de um tempo
considerável em cima de uma cama. E Isabel não a visitou e
nem escreveu uma linha para ela, mesmo sabedora do
tanto de amor que lhe era devotado.
O pai deu graças a Deus pelo casamento da filha e nem
se fez de rogado por a família não ter sido convidada. Ao
que parecia, por ser um homem de muitas posses, o noivo
havia abdicado do dote, e isso era mais importante do que
tudo para ele. Mas Bella tinha acalentado o desejo de entrar
na nave da igreja, precedendo a irmã, quando um dia ela
decidisse se casar. No que foi frustrada, pois nem convite
para o casamento recebeu. Não entendia como duas irmãs
fisicamente quase idênticas eram tão diferentes em suas
personalidades. Claro que não queria ser igual em tudo à
irmã, não teria graça nenhuma. Mas não eram sequer
parecidas.
Acreditava que, agora que tinha encontrado o amor, a
irmã tivesse encontrado também o juízo, que parecia ter
sido perdido desde tenra idade. Na realidade, ela parecia ter
nascido sem esse bem precioso e necessário para o bom
andamento da razão.
Bella sonhou com um príncipe e quem realizou o sonho
foi sua irmã má. Que ironia! Mas ela lhe desejava o bem.
Sempre foi assim. Nunca teve inveja, até porque não
admirava algumas características pessoais que as
distanciavam muito. Pelo contrário, tinha aversão àquele
jeito temperamental e desordeiro.
Enfim, uma carruagem de aluguel parou e ela pôde dar
início à curta viagem que a levaria ao seu novo lar. Pelo
menos, era isso que achava. Afinal, apesar de tudo, não
acreditava que, quando a irmã soubesse de sua situação, a
jogasse na rua.
As melhores amigas a haviam convidado para se
hospedar em suas casas, mas Bella não aceitou. Afinal, era
a casa dos pais delas. Era natural que quando uma pessoa
caísse em desgraça devesse contar com a família, que
teoricamente tem a obrigação de abrigar seu próprio
sangue. E estava precisando urgentemente de que sua irmã
também pensasse assim e a abrigasse. Nunca careceu tanto
dela.
A única ressalva é que não conhecia o cunhado e temia
que ele não fosse um homem bondoso o suficiente para
acolher uma pessoa desconhecida, ainda que fosse da
família da esposa. Mas tentaria contornar qualquer situação
para poder ficar em sua casa, mesmo que por um tempo
predefinido, se fosse o caso.
De repente, Bella sentiu um solavanco e uma distante
voz tentando despertá-la. Não sabia quanto tempo se
passara desde que entregara o endereço ao cocheiro, pois o
cansaço a venceu e ela dormiu profundamente, apoiada
num pequeno baú que colocara em cima de suas pernas
que, por sinal, estavam dormentes. Primeiro, tirou o baú e
mexeu os dedos dos pés, para movimentar o sangue;
depois, passou as mãos nos olhos, tentando mantê-los
abertos e, em seguida, foi ajudada a descer em frente a
uma residência muito... muito...
Piscou várias vezes para acreditar no que estava
vendo, pois parecia ter sido transportada para um castelo
encantado. Sim, porque aquilo parecia uma casa de realeza.
No meio de uma imensidão verde, estava a edificação
gigante, toda revestida de pedra cinza, rodeada de enormes
janelas arredondadas na parte superior. Nunca vira tanto
luxo na vida.
Estava diante de uma mansão. A mais bonita que seus
olhos haviam visto.
O cocheiro não era dado a sorrisos, mas era muito
solícito. Pegou todos os baús, com muito esforço, e os levou
até a frente daquele paraíso de pedras, enquanto ela
tentava se acostumar com a visão magnífica do lugar.
Depois, ele mesmo pegou a aldrava da enorme porta de
madeira escura e bateu com insistência, até que apareceu
um homem sisudo que, ao vê-la, esboçou um olhar muito
antipático.
Imaginando, acertadamente, que a sua obrigação
acabava ali, assim que pegou as moedas que Bella
depositou em suas mãos, o cocheiro a deixou e saiu
apressado com a evidente intenção de continuar o seu
trabalho com outras pessoas que precisavam dos seus
serviços.
Voltando-se para a figura do homem que abriu a porta,
ela deduziu que aquele devia ser o mordomo. E mais, que
não era bem-vinda. E mais ainda, que era odiada. Mas por
quê?
— A senhora vai subir para os seus aposentos ou
prefere que eu chame o seu marido? — perguntou o
homem, olhando friamente para ela.
Ele a estava confundindo com a irmã. Todos
confundiam. Mas sempre foram tão diferentes na forma de
se vestir. Será que depois de casada Isabel tornara-se uma
pessoa mais simples, favorecendo mais ainda toda essa
confusão? Como ela permaneceu calada, enquanto fazia
suas conjecturas, o mordomo deu as costas e entrou,
deixando a porta escancarada, como se não fosse sua
obrigação fechá-la. Ela o acompanhou, mas ele desapareceu
com passos apressados, algo pouco convencional para um
profissional dessa classe. Bella sempre soube que
mordomos tinham o dever de se comportar de forma
comedida e sem demonstrar emoções no semblante. Mas
aquele destoava completamente disso.
Ela arrastou os baús, com muito custo, para dentro da
casa, e tirou o chapéu, colocando-o em cima de um deles.
Bella nem acreditava que estava na sala da casa da
sua irmã depois de tanto tempo de viagem. Ela olhou a
grande escada de mármore, que seguia reta e no final dava
acesso a dois corredores em sentidos opostos. Os corrimãos
eram de madeira e fios dourados pendiam de cada um
deles, em fileiras de três. No final dos degraus, havia um
grande vão e começava outra escada repetindo-se o mesmo
formato, levando para outro piso da mansão. Era uma
imensidão aquilo tudo.
Não se espantaria se aqueles fios fossem de ouro.
A curiosidade foi grande, e como ninguém apareceu
depois de muito tempo de sua chegada, Bella aproximou-se
do pilar direito da escada e o tocou hesitante. Os dedos
correram pelos fios que lhe chamaram a atenção.
Inacreditável! Parecia ouro realmente. Será que sua irmã
tinha se casado com um sheik?
Ouviu um leve rumor atrás de si e se voltou para uma
figura alta, de braços cruzados e pernas levemente
afastadas. Parecia alguém disposto a enfrentar uma briga. A
primeira coisa que Bella viu foi as botas de cavalgada, que
estavam sujas — aquilo ia dar nos nervos de quem fosse
limpar a casa —, depois ela subiu o olhar devagar, até
encontrar um rosto em nada parecido com alguém que já
tivesse visto. Uma barba lisa e espessa cobria a face do
desconhecido, os olhos azuis e límpidos despontavam logo
abaixo das grossas sobrancelhas que estavam franzidas. É,
realmente ele estava preparado para uma briga, a qual ela
não entendia por que tinha de acontecer, afinal, não fizera
nada.
O desconhecido não disse uma palavra. Apenas a
estudou com um olhar de poucos amigos durante segundos
que pareceram uma eternidade. Era muito incômodo ser
avaliada tão descaradamente, sem um pingo de
consideração. Bella teve vontade de sair correndo. Conhecia
poucos homens que tivessem a coragem de fazer algo
assim. E não eram considerados cavalheiros. Logo, esse que
aí estava não devia ser um também.
Ela levantou o queixo e enfrentou o olhar duro dele.
Parece que surtiu efeito, pois ele se mexeu, descruzou os
braços e se aproximou dela. O espanto tomou conta do
semblante assombrosamente lindo daquele homem. Mas
algo lhe tirava um pouco da beleza: uma aura de
prepotência e algo mais, parecido com censura.
Não, era algo muito pior: ódio. Muito ódio.
O homem fitou os olhos verdes da moça, perguntando-
se como caíra na sua armadilha e como ela tinha a coragem
de olhar para ele daquela forma depois de tudo o que fizera.
Como se fosse a pureza encarnada naquele corpo que
aparentava estar mais magro desde a última vez que a vira.
Não houve como não se reportar àquela maldita
lembrança. Nos minutos que estudou o conhecido rosto,
Dean relembrou, como se fosse naquele momento, o dia em
que ouviu a conversa que mudou o curso de toda a sua
vida.
Capítulo 2
 
18 meses antes
 

Dean tinha acabado de se casar, não porque fosse um


desejo nascido espontaneamente no seu coração, mas
porque fora pego numa situação constrangedora — para
não dizer totalmente escandalosa — com a atual esposa. O
acontecimento inevitavelmente o havia empurrado para um
casamento que não estava nos seus planos. Mas como não
era homem de comprometer uma jovem inocente e deixá-la
desgraçada, jamais teria se recusado a cumprir sua
obrigação. Afinal, se fora irresponsável para deixar que a
situação chegasse até ali, tinha de ser homem o suficiente
para fazer dela uma dama da sociedade. E somente um
casamento podia lhe garantir isso. Ela era linda, vivaz e
mostrou-se apaixonada em seus braços.
Como nunca teve pretensão de um dia se casar por
amor, esse arranjo ia ser bom para ele, pois teria um
herdeiro — com sorte, até mais de um — e ela aqueceria
sua cama durante as noites. Não era isso que a maioria dos
homens queria? 
Seu pai teve a brilhante ideia de condicionar sua
herança ao nascimento de um herdeiro do sexo masculino.
Por isso, aquele casamento era muito conveniente para ele.
O que deveria ocorrer no prazo máximo de três anos.
Imagine, prazo. Inacreditavelmente, aquele velho turrão fez
isso. Talvez preocupado porque Dean levava uma vida de
libertinagem — se bem que menos ativa do que a maioria
dos homens solteiros — ou porque ele se preocupava com a
ideia de que um patrimônio construído em tantos anos fosse
dilapidado com bebedeiras, jogos e mulheres. Bem se via
que, apesar de todos os esforços de Dean no sentido de
multiplicar a riqueza deles, isso não parecia grande coisa
aos olhos do velho.
Bem, mas agora ele tinha de trabalhar para cumprir os
termos do testamento dentro do tempo estipulado.
Sua mãe morrera há muito tempo e o pai, que passou
anos recolhido a uma cama, também havia falecido há
poucos meses.
A cerimônia havia acabado e ele se dirigia à sala rosa,
onde a esposa conversava com uma amiga. Antes de
anunciar a sua chegada, ouviu uma risada gutural e
desdenhosa de sua esposa, que lhe deixou estupefato, já
que ela sempre lhe sorria timidamente e ele nunca ouvira
uma gargalhada dela, ainda mais uma espalhafatosa assim.
Curioso, aproximara-se e comportara-se como essas
pessoas bisbilhoteiras que ficam atrás das portas, a fim de
descobrir segredos da vida alheia. E escutou algo
completamente terrificante dos lábios que ele havia beijado
naquele maldito dia.
— Minha querida amiga, nasci para me entregar sem
compromisso e fazer as mesmas coisas que um homem. Por
que eles podem aproveitar a vida e nós, mulheres, não?
Gosto de me deitar com um homem. Aliás, com homens
diferentes para desvendar a diferença entre eles. Mas desta
vez me dei mal e engravidei. Ainda bem que consegui
enganar um que se casou comigo. Imagine explicar uma
gravidez quando o pai da criança está morto e não pode
assumi-la. E mesmo que estivesse vivo, era muito pobre e
eu não confessaria que a criança era dele. Nunca me
casaria com um homem pobre. Pobre e burro. Onde já se viu
morrer atropelado por uma carruagem?
— Você fala com frieza. Não sente pelo que aconteceu
ao homem com quem conviveu tão intimamente?
— Na verdade, sinto, mas isso não me tira o alvo que
quero acertar. De qualquer modo, eu não o amava.
— Você ama o Sr. Hughes?
— Já concluí que não nasci para o amor, mas tenho
certeza de que vou gostar de dormir com ele. Além de ser
um homem lindo e desejado por todas as moças que
conheço, é muito rico, o que é mais importante.
— Você é impossível. Não teme um dia se dar mal?
— Eu lhe afirmo que somente as pessoas medíocres se
dão mal, porque não têm a esperteza de esconder
determinados detalhes da sua intimidade.
O estômago de Dean se revirou. Tinha caído numa
farsa terrível. Permaneceu escutando porque simplesmente
seus pés pareciam ter sido fincados no chão.
— E como pretende fingir que ainda é virgem hoje?
Presumo que já pensou sobre isso.
— Sempre penso em tudo, meu bem. Percebi que ele já
bebeu um bocado de vinho. Vou terminar de embebedá-lo
com uísque e amanhã nem vai saber o que aconteceu. E eu
vou amanhecer toda dolorida. — Dizendo isso, soltou uma
gargalhada alta, cujo som nunca mais saiu de sua mente.
Dean afastara-se envergonhado e com vontade de
vomitar. A mulher com quem acabara de se casar era uma
cobra venenosa. Ou talvez não. Se ela picasse a cobra mais
venenosa, talvez esta última morresse.
Durante o resto da festa, Dean fingiu que bebia,
enquanto analisava o que fazer quando ficasse a sós com
ela. Ele estava passando pelo maior teste de paciência que
a vida já lhe impusera. E rindo para os convidados.
Quando chegaram à mansão, ele ainda conseguia
manter o rosto impassível.
— Gostaria de beber um pouco de brandy, pois sei que
ficarei nervosa quando formos nos deitar. Por favor,
acompanhe-me e tome um uísque!
— Devo-lhe informar que não precisa se preocupar em
continuar com essa farsa, pois já sei de tudo.
Ela empalideceu.
— Decerto está acontecendo algo de que não me
inteirei. Já sabe o quê? Do que você está falando?
— Não se preocupe, pois a cientificarei de tudo. Escutei
o que você falou à sua amiga na sala rosa.
—Temo que você tenha interpretado mal, dependendo
de que parte da conversa escutou.
— E se eu lhe disser que ouvi toda a conversa?
— Ainda assim. Para termos ciência exata dos
sentimentos colocados em palavras, temos de ver a
expressão dos interlocutores, pois às vezes falamos com a
boca o que o coração não sente.
Ele lembrou-se de que, quando levantou uma
sobrancelha, apenas uma, foi o suficiente para aquela
mulher falsa começar a tremer e a falar asneiras.
— Estou obstinada em lhe convencer que não é o que
parece, meu amor. Eu estava mentindo para ela.
— Mentindo. E qual o objetivo dessa mentira? — ele
perguntara, arqueando mais ainda a sobrancelha.
— Sempre gostei de inventar histórias para não
demonstrar meus sentimentos verdadeiros. Nunca gostei
que as pessoas descobrissem meus pontos fracos.
— E o que, especificamente, você queria esconder? —
ele retrucou, suavizando o timbre de voz perigosamente.
— Ora, o meu amor por você, claro. Esse é o meu ponto
fraco. Eu...
— Você me avalia como um idiota? Pensa que só
porque caí nos seus braços e em seguida em sua farsa, sou
cego e não tenho inteligência suficiente para discernir uma
mentira? Não são apenas suas palavras que são mentirosas.
Você é uma dissimulada. Nem que eu estivesse
completamente apaixonado cairia nessa sua conversa
totalmente destituída de verdade. — Ele a interrompera
bruscamente, com voz grave e alta.
— Por favor, dê-me a oportunidade de provar que eu te
amo, basta tão somente me dar uma chance.
— Certamente que as pessoas de boa índole merecem
uma chance de provar a idoneidade de suas palavras e
ações.
— Então vai me dar uma chance? — perguntou ela,
duvidando.
— Claro, com a condição de não dormir com você por
seis meses.
Ela ficou lívida e não pronunciou mais uma palavra,
pois entendeu que ele não acreditou em nada do que
dissera. Estava apenas postergando a sua decisão por
alguns minutos, como um leopardo faz com uma presa
antes de abocanhá-la.
— O plano, ou devo dizer golpe? Era fazer essa criança
se passar por minha, mas você se deu mal, o que me faz
lembrar de que você é uma pessoa medíocre — disse ele,
fazendo alusão às palavras dela. — Pegue suas coisas agora
e desapareça da minha casa e da minha vida. Amanhã eu
vou procurar uma forma de anular este casamento.
— Não, por favor, não faça isso comigo! Não tenho
onde ficar.
— Volte para a casa da sua tia.
— Ela não vai me aceitar mais. Já tínhamos acordado
que eu ficaria na casa dela até conseguir me casar.
— Por isso então arquitetou aquela armadilha,
puxando-me para a varanda. E quem primeiro apareceu?
Sua cuidadosa tia, claro. E eu achando que a tinha
desgraçado, quando você é quem me induziu a ir a um
lugar reservado, e só faltou perfurar a face de tanto bater as
pestanas na tentativa bem-sucedida, tenho de reconhecer,
de me conquistar. Parabéns, mas devo lhe informar que isso
não vai ficar assim.
— Por favor, eu faço o que for necessário, mas me
deixe ficar. Não anule o nosso casamento. Isso não vai ser
bom para você também, pois todos saberão que foi
enganado. O que tem a ganhar com isso?
— Percebo que sua capacidade de raciocínio é restrita,
pois não compreendeu ainda que ficar com você me fará
perder muito mais. Além disso, nunca me importei com o
que as pessoas pensam de mim.
— Por favor, deixe-me ficar até eu dar à luz e depois
partirei.
Ele olhou para ela com asco, lembrando-se de suas
palavras cheias de si poucas horas atrás. Não tinha porque
ter dó de uma pessoa maquiavélica daquela. No entanto, a
hora tardava e ele estava sem disposição para uma atitude
mais drástica naquele momento.
— Durma e amanhã eu a levarei para a casa de sua tia.
E isso é inegociável.
Chorando muito, ela subiu as escadas e entrou no
quarto.
Dean foi para a biblioteca e fez aquilo que ela queria
que ele fizesse antes de se deitar com ela: bebeu até cair.
Se ele achava que aquela situação não tinha como
piorar, enganou-se. Primeiro, ele acordou com uma
tremenda dor de cabeça, o que o impedia até de abrir os
olhos; segundo, o corpo parecia ter levado uma sova, pois
havia dormido no chão da biblioteca. Aturdido, ele subiu as
escadas, caiu na cama e dormiu novamente por toda a
manhã. Quando acordou, lavou-se, tomou o desjejum no
quarto mesmo e então desceu para resolver de uma vez por
todas aquela questão.
Mas, inacreditavelmente, as coisas ainda podiam
piorar; afinal, ele não tinha alcançado o nível máximo de
provação. O mordomo aproximou-se e entregou-lhe uma
mensagem. Ao ler o conteúdo do bilhete, colocou as duas
mãos no rosto e sentou-se na poltrona, jogando o corpo
para trás. Na noite anterior, logo depois da festa de
casamento deles, houve um acidente com um barco de luxo
no Tâmisa no qual estavam várias pessoas, inclusive a
amiga que ele pegara conversando sobre a traição, e a tia
da esposa.
Onde já se viu depois de uma festa de bodas as
pessoas irem à procura de mais diversão? Olha no que deu!
Numa fatalidade de imensas proporções com efeitos
colaterais terríveis, pois atingia várias famílias e, por tabela,
ele.
Depois de alguns minutos, ele subiu e entrou no quarto
daquela que ele pensava que logo se tornaria ex-mulher, e
entregou o bilhete, sem preparação e nem piedade. Não
conseguia sentir nada por ela além de raiva.
Quando ela leu, as lágrimas escorreram e ele pôde,
enfim, ver um rasgo de sentimento nela. Não pela perda da
tia ou da amiga, mas por si mesma. Certamente estava
pensando o que seria da sua vida agora que sua única
parente na cidade havia falecido.
Mesmo assim, Dean tinha certeza do que faria. Jamais
passaria um dia com aquela mulher e não toleraria que ela
tivesse o filho de outro homem na sua casa.
— Como calculo que você não tem um lugar para ir,
providenciarei uma estalagem para que fique até que seja
resolvida a situação da anulação. Em seguida, alugarei uma
casa onde poderá permanecer até o nascimento da criança
e por mais algum tempo, até se estabelecer por conta
própria.
Na testa dele deveria ser pregada uma tabuleta com
uma única palavra: imbecil, pois o coração escolheu aquele
momento para se expandir e sentir comiseração por ela.
Quando ela se levantou, ele pensou que veria naqueles
olhos verdes, que um dia ele achara lindos, um pedido de
socorro. Mas o que viu foi algo espantoso e diabólico.
— Não! — ela falou enfática.
— Percebo que ainda não compreendeu que sua
situação não é das melhores, para se negar a aceitar minha
proposta.
— Devo lembrar-lhe que já tenho casa e que não
preciso viver à míngua em estalagem ou em qualquer lugar.
— O que, precisamente, você está querendo dizer?
— Que não vou embora. Você não passa de um homem
muito rico que, após me desonrar, casou-se comigo por
obrigação, mas agora resolveu me tirar de sua vida,
jogando-me impiedosamente para viver uma vida
desgraçada.
— O que diabos você está querendo dizer? —
perguntou ele, enfurecido.
— A verdade. Quem vai acreditar em quem? Você não
tem como provar que estou mentindo. Mas eu tenho como
provar que estou esperando um filho. — Ela se encaminhou
depressa, enquanto falava, para longe dele.
— Você é cria do diabo! Entre a palavra de um homem
reconhecido na sociedade e a de uma pessoa que chegou
ontem em Londres, eu nem preciso lhe dizer quem será
contemplado com tal confiança.  
— Meu caro, por enquanto você não passa de um
homem que bem pouco tempo atrás levou uma inocente
jovem à varanda e a expôs de forma vergonhosa diante da
sociedade. Mas as pessoas ficarão sabendo que, antes
disso, a desonrou tirando-lhe sua inocência. Acho que as
possibilidades estão a meu favor. Afinal, não fiquei grávida
naquela varanda. Quando a minha barriga crescer, estarei
na vantagem.
— Você é a pessoa mais mentirosa que eu conheço. Eu
vou acabar com você, sua...
— Faça suas apostas. A minha já está feita.
Ela correu depressa e se trancou no quarto.
Certamente estava triunfante, pensara Dean. O nome
dela deveria ser “armadilha”.
Logo ele, um homem que nos negócios era imbatível, e
que no seio de muitas famílias talvez não houvesse um pai
que não o quisesse como genro ou uma moça que não o
desejasse por causa da sua desenvoltura e traquejo social
— e fortuna, claro —, fora sumariamente engodado numa
trama.
Teria de amargar um casamento de fachada e aceitar
que aquela mulher falsa permanecesse em sua casa, vendo
sua barriga crescer?
Quanto mais ele pensava, menos solução encontrava
para a situação em que ela o tinha colocado.
Era inegável o fato de que ela certamente se daria
melhor do que ele. Principalmente agora que ele a conhecia
melhor e percebeu que tinha parte com o demônio, era bem
provável que as pessoas caíssem no teatro que ela
encenaria e ele ficaria em maus lençóis.
Restou-lhe encontrar uma maneira de se livrar da
esposa e de sua criança.
Na Inglaterra já se ensaiavam defesas a favor de um
divórcio sem tanta burocracia, o que seria providencial para
o caso deles. Mas até aquele momento, tudo não passava
de vontades e ideias sendo debatidas. Para ele conseguir o
divórcio, antes de tudo tinha de haver uma separação legal
por força de adultério da parte dela; depois, tinha de ser
comprovada a alienação de afeto. E, para piorar, era
necessário conseguir a aprovação do parlamento para o
encerramento definitivo do casamento. Isso demandava
muito tempo, e a paciência de permanecer ao lado dela já
se havia esgotado.
Mas na Escócia, onde Dean possuía uma propriedade,
as coisas funcionavam de modo mais eficiente nos quesitos
casamento e divórcio. Enquanto na Inglaterra os menores
de idade só podiam se casar com o consentimento dos pais,
na Escócia as leis britânicas não se aplicavam. Os
casamentos escoceses eram simples e podiam ser
realizados diante de duas testemunhas, mesmo que os
nubentes fossem menores de idade. E quanto a divórcio, as
leis também eram bem mais flexíveis. Se o casal estivesse
naquele país por mais de seis semanas e houvesse o
adultério, o divórcio seria concedido sem que fossem
necessárias outras condições. Traição era a única condição.
Era um processo simples e eficaz.
Depois que a criança nascesse, daria um jeito de levar
a esposa para a Escócia, onde ela provavelmente o trairia,
pois, como havia escutado de sua própria boca, gostava de
experimentar os mesmos prazeres masculinos. Só tinha de
se certificar de ficar pelo menos dois meses ali e arranjar
um bocado de convidados masculinos para visitar sua
residência nesse ínterim. Nem seria preciso incentivar a
esposa a sair de casa para arranjar um amante. Ali mesmo
ela o faria, sem nenhum pudor. Feito isso e comprovado o
adultério, ele conseguiria o sonhado divórcio. Sentia que
este era o caminho mais curto, mesmo que longo demais
para ele.
Se o único jeito de se livrar dela era fazer o papel de
marido traído, que fosse. A vontade de se ver livre dela era
maior do que o seu orgulho masculino.
Durante os meses de gestação, não fizeram uma única
refeição juntos e a amplidão da mansão permitia que
passassem semanas seguidas sem se encontrarem, já que
ele dormia no segundo piso e ela, no primeiro. O que foi
providencial, pois Dean até esquecia que tinha uma esposa.
A criança nasceu e ele nem ao menos se deu ao
trabalho de fingir interesse.
Dean nunca a levava a eventos sociais e nem à casa de
amigos, pois o seu desejo era esquecer que ela existia e
escondê-la de todos, até que fossem para a Escócia. Mas
não havia como evitar as visitas de amigos. Nessas
ocasiões, ela aparecia e fazia questão de se comportar
como a senhora da casa. No entanto, as pessoas não
gostavam de suas conversas fúteis, e alguns sentiam
profundamente que ele tivesse tido a má sorte de ter-se
casado com uma mulher tão vazia, apesar de linda.
Percebeu que os amantes começaram a fazer parte da
vida de sua esposa novamente, pois ela começou a tomar
atitudes estranhas e a desaparecer durante as noites. Mas
como Londres estava cheia de homens da alta sociedade na
mesma situação, isso não tirou o seu sossego, pois estava
focado em se livrar daquela praga.
Não esperava que ela fosse do tipo comedido, que
arranja um caso de cada vez, pois a falsa esposa realmente
parecia ser uma mulher que tinha necessidades sexuais
bem acentuadas. Como Dean frustrara todas as suas
tentativas de sedução, não suprindo essa falta, era natural
que ela procurasse satisfação fora de casa.
Essa sanha da esposa não o incomodava em absoluto,
já que ele tinha um objetivo maior. E como ela adorava
viajar, não apresentou nenhuma objeção em ir, junto com a
filha, passar uma temporada na Escócia.
Nessas alturas, a criança já estava com mais de sete
meses e enfrentaria a viagem sem grandes preocupações.
Além disso, não podia perder tempo, pois cada dia era
diminuído do prazo de que dispunha para manter a sua
herança.
Nunca pensou que pensaria no seu pai com tamanha
mágoa.
Como ele pôde fazer isso com o filho, que sempre fez
todo o possível para manter e até fazer crescer a renda
familiar, tornando-os uma das famílias mais prósperas de
Londres?
Eram ricos por causa dele, dos seus empreendimentos,
da sua natureza sagaz para os negócios e do seu destemor
em relação às novas modalidades advindas dos novos
acordos comerciais da Inglaterra com outros países.
Principalmente com Portugal.
Quando as oportunidades surgiam, ele experimentava
com arrojo e dava certo. Sua ousadia se devia ao fato de
que tinham a sorte de viver em um país cujas diretrizes
políticas eram constantes. Não havia como refutar que sua
capacidade de negociar tinha sido direcionada para uma
área de grande crescimento na Inglaterra: o comércio têxtil.
Ele soube aproveitar essa fase extraordinária, utilizando-se
da indústria naval para enviar suas mercadorias para outros
países. Assim, sua fortuna cresceu de modo que não dava
para mensurar o valor.
E agora, se via diante das consequências de um ato
impensado de seu pai. Alienar todos os bens, móveis e
imóveis a uma regra condenada! Por quê? Segundo aquele
testamento demoníaco, se dentro de três anos ele não
tivesse um herdeiro legítimo do sexo masculino, ficaria a ver
navios. Só ver mesmo, já que não poderia se utilizar deles
para continuar enviando seus produtos. Todo o seu esforço
no sentido de enriquecer teria sido em vão.
Pobreza era algo que nunca tinha enfrentado na vida.
Pelo contrário, sempre teve muito mais do que necessitava.
Nadou em dinheiro, comprou tudo o que quis e obteve
admiração dos seus pares justamente porque era rico. E
agora corria o risco de perder tudo, se não cumprisse esse
requisito simplesmente ridículo.
Um herdeiro legítimo deveria nascer dentro de um
casamento. Mas ele tinha tempo para se divorciar, arranjar
uma noiva, casar-se e ter um filho. O principal era tirar
aquela mulher de sua vida, pois tinha convicção de que logo
arranjaria outra moça que o quisesse e que de bom grado
lhe desse um filho.
Mas antes que transcorressem as seis semanas
naquele país, ela o enganou novamente.
Desapareceu.
E fez pior, pois deixou a filha sob seus cuidados. Uma
criança que ele mal tinha visto e da qual esquecia até o
nome.
Com a sua partida precoce, não conseguiu provar em
tempo hábil sua infidelidade — essa fuga só seria válida
para efeito de divórcio se já estivessem morando há pelo
menos seis semanas na Escócia.
Teve tanta raiva dela que se descobriu com uma
vontade louca de matá-la. Sim, era o que faria quando ela
aparecesse.
Nada o demoveria dessa decisão.
Ia acabar numa forca, mas se ela aparecesse, a
mataria.
Esganada.
Capítulo 3
 
No dia de hoje
 

Sua oportunidade parecia ter surgido, pois agora, quase um


mês depois de ter desaparecido sabe Deus para onde, Dean
se via diante dela. Descabelada, mal vestida e sem a
maquiagem acentuada que outrora escondia seus olhos. Ele
tinha vontade de arrastá-la até a biblioteca, deitá-la sobre
os joelhos e dar palmadas suficientes para que ela não
conseguisse se sentar por uma semana. E isso era só o
começo dos seus pensamentos em relação a ela,
arremataria o serviço matando-a. Em vez disso, ele resolveu
atacá-la com palavras.
— O seu cinismo chega a ser cômico. O que a traz de
volta?
Olhando para aquele homem, Bella percebeu que não
era um homem qualquer.
Não sabia nem como tipificar aquela espécie de ser. Ele
tinha uma aura de poder e um magnetismo no olhar que
nunca vira em ninguém. Apesar de conhecer poucas
pessoas, compreendia que nenhum dos seus conhecidos
tinha modos assim, quase deselegantes, e um timbre de voz
tão firme e rude.
O franzir da testa dele demonstrou que tinha notado
algo diferente em Bella. Mas não a encarava. Em vez disso,
fez um círculo ao redor dela e inspecionou suas vestes.
— Pode dizer a quem está querendo enganar vestida
com essas roupas simples, a cara sem maquiagem e o
cabelo despenteado?
— Senhor, está me confundindo — disse Bella,
tentando, sem sucesso, arrumar os cabelos, alisando-os
com as mãos.
— Jamais a confundiria, muito embora não entenda por
que está posando agora de uma pessoa que não condiz em
nada com a que eu conheci desde o maldito dia do nosso
casamento. Suma da minha casa agora! — gritou o homem,
decidido a interromper qualquer conversa, apontando para
a porta.
Apesar de ter sido escorraçada com violência, Bella
entendia que aquela raiva não era direcionada a ela. Por
isso, respirou fundo, antes de voltar a falar.
— Senhor, por favor, olhe para mim! Se me observar
com atenção, perceberá que não somos a mesma pessoa.
Ela aproximou-se dele, postando-se em sua frente e
olhando-o dentro dos olhos para que ele enxergasse que ela
não era igual à irmã. Isabel era mais linda e eloquente.
Como ele não conseguia enxergar? E o que estava
acontecendo para que estivesse tratando a esposa com
tanta raiva e desprazer? Será que haviam brigado? Não
sabia o que a irmã tinha aprontado, mas a fúria daquelas
palavras tinha origem em alguma confusão de Isabel. O que
não era de se admirar, pois o que ela mais sabia fazer era
enfurecer as pessoas que a amavam.
O homem não disse uma palavra, mas a mudança no
semblante demonstrou que, enfim, tinha compreendido que
não se tratava da mesma pessoa. Ele percebeu que elas
eram quase idênticas, mas sutis diferenças distinguiam uma
da outra.
Graças a Deus. Agora que essa questão estava
resolvida, Bella queria muito que sua irmã aparecesse. O
que estava demorando bastante.
— A princípio, eu me perguntei como você tivera a
ousadia de voltar, depois de tudo que aprontou. Mas
percebo que você não é ela realmente. Então, só posso
concluir que é irmã gêmea da minha esposa.
Dessa vez o homem se aproximou tanto que ela teve
medo de que seus corpos se tocassem. Mas permaneceu
onde estava, enquanto sentia a respiração e o perfume
intensamente masculino.
— Sim, senhor, eu enviei uma carta avisando que...
— Talvez não saiba que as chuvas castigaram a cidade
como nunca e derrubaram pontes, impossibilitando
qualquer contato com a minha propriedade e com os
arredores — interrompeu bruscamente o homem, e
continuou: — Bem-vinda à Escócia, um dos países mais
instáveis e chuvosos do mundo.
Ele mexeu-se, não para se afastar dela, mas para
rodear novamente o seu corpo, avaliando o quanto sua
aparência era parecida com a da esposa.
Tudo o que Bella queria era que a irmã aparecesse logo
para tirá-la daquela situação constrangedora.
— Como é o nome da senhorita?
— Bella Blanchett, senhor.
— Que farsa dos demônios é essa? O que está
acontecendo? Eu me casei com Bela, e você não é minha
esposa, quem é você?
— Eu sou Bella, minha irmã é Isabel. Apesar de serem
diferentes, nossos nomes t ê m alguma ligação. Bella é
como se fosse a continuação de Isabel. Como ela nasceu
primeiro, ganhou o nome de Isabel; e eu, que nasci cinco
minutos depois, recebi o nome de Bella – explicou a moça,
como se isso fosse algo importante para dizer. Mas estava
tão nervosa diante daquele desconhecido que perdeu até o
raciocínio, só o encontrando novamente quando viu o
ajuntamento de suas sobrancelhas.
Em vez de se calar, ela continuou a falar bobagens:
— Sempre achei que o nome Bella era para ser de
minha irmã. Parece mais com ela.
Assim que acabou de pronunciar as palavras, ela
mordeu o lábio inferior, fechou os olhos e fez uma careta,
apertando-os, como se dissesse a si mesma: calada, calada,
calada! Estava tão envolvida em sua autocrítica que não
percebeu o quanto o homem estava confuso.
Isabel! Era o fim de sua sanidade mesmo, pensou
Dean. Ele ia enlouquecer, se é que já não estivesse doido.
Estava enredado em uma trama diabólica por essas duas
iguais. Mas a moça à sua frente parecia alheia a qualquer
coisa que confirmasse sua falta de idoneidade. Ou quem
sabe, era louca. Sua esposa teria uma irmã maluca e por
isso teve vergonha de lhe falar?
Não sabia muita coisa da família dela. Lembrava-se
apenas que quando se viu com a corda no pescoço,
puxando-o para o enlace — alcunha: abate —, Dean
manifestou interesse em conhecer seus pais a fim de pedir
permissão para o casamento, mas ela alegou que a mãe
falecera há muito tempo e que o pai tinha uma doença de
esquecimento e não reconhecia mais ninguém, sendo,
portanto, dispensável a autorização do moribundo homem.
E não mencionou que tinha uma irmã. Muito menos uma
com aquela aparência. Na época, ele não estranhou quando
escutou a história e acertou os detalhes do casamento com
a tia que os havia flagrado. A mulher, obviamente, mostrou-
se totalmente a favor do matrimônio. Depois disso, não
houve mais qualquer interesse em saber nada sobre a
família da famigerada.
Olhando novamente para a cunhada — cunhada? — viu
uma pureza que há muito não via em ninguém; seu
resumido círculo de amigos era composto por pessoas nem
um pouco inocentes, com raríssimas exceções. Então,
lembrou-se do quanto sua esposa era nociva e falsa. Talvez
tivesse usado a irmã da mesma forma que fez com ele. Mas
também não podia esquecer que elas tinham o mesmo
sangue ruim. Deviam ser iguais em tudo. Era difícil acreditar
em alguém com a aparência quase idêntica à dela.
Passariam facilmente pela mesma pessoa, já que as
diferenças eram quase inexistentes. Tanto era assim, que
para observá-las era preciso até apertar os olhos para
apurar a vista e, dessa forma, encontrar as distinções.
Alguns usariam uma lupa de excelente qualidade e não
notariam.
Bella não estava entendendo mais nada. A irmã não
dissera ao esposo que tinha uma gêmea que pouco se
diferenciava dela. Por quê? Agora ela estava naquela sala,
sendo revirada de ponta-cabeça pelo cunhado, que tinha
um ar tão especulativo quanto espantado. Era
simplesmente constrangedor. Quando ele ficou diante dela,
sua respiração parou. Havia algo muito errado naquela
expressão, como se fosse anunciar algo indizível.
— Eu sou Dean Hughes, o esposo abandonado.
Dessa vez foi Bella quem franziu as sobrancelhas,
numa pergunta silenciosa. Pergunta que ficou sem resposta.
A única expressão que conseguiu captar do homem à sua
frente foi um indisfarçável desdém. Ele estava mesmo se
divertindo com aquela situação? Bem, se era louco, talvez
tenha sido esse o motivo de ter sido abandonado. Mas sua
expressão podia indicar uma brincadeira. Claro, só podia ser
isso!
— Temo que esteja chacoteando comigo, mas estou
cansada, senhor. Se possível, gostaria de ver a minha irmã
agora — ela apelou, sentindo na mesma hora que estava
fazendo papel de boba. Não havia mentira nas palavras
daquele homem, ainda que elas parecessem cruéis e irreais.
— Lamento, mas não será possível. Sua irmã decidiu
fugir com o amante, caso a senhorita ainda não tenha
entendido.
— Meu Deus! — Foi tudo que ela conseguiu falar,
colocando as mãos na boca e virando o rosto para o lado,
sentindo uma terrível vergonha. Bella cambaleou. Ainda
bem que estava perto da escada, pois se apoiou nela com
força, respirando pesadamente.
Percebendo o desespero da moça, Dean abandonou o
ar de pouco-caso e aproximou-se, oferecendo-lhe o braço.
Ela aceitou e se deixou levar à poltrona mais próxima, onde
se sentou, atordoada. Tinha passado dias viajando de
Oxfordshire à Escócia na expectativa de encontrar um lar
para descansar pelo menos por algum tempo.
Tinha esperança de que a irmã a acolhesse, já que na
carta que lhe enviara, informava que seu pai tinha
dilapidado todas as economias em jogos de aposta e, por
fim, havia perdido até o próprio lar na aposta mais arriscada
de toda a sua vida. Depois de tudo isso, como se nada mais
importasse, nem a filha que o amava e cuidava dele, seu
pai deu um tiro na própria cabeça e a deixou sem
perspectiva de futuro. Tudo estava bem explicado nas linhas
que escrevera. Por fim, quase se humilhou ao dizer que só
restara a irmã.
E agora, sabia que nem isso. O que faria agora?
Antes que ela pudesse analisar o que fazer da sua vida
após ouvir uma das notícias mais devastadoras desde a
morte do seu pai e do conhecimento de que não tinha um
pedaço de chão onde pudesse pousar, nem que fosse o
pouco que trouxera consigo, um barulho de criança soltando
gritinhos chegou aos seus ouvidos. Ela voltou-se para uma
porta aberta que pareceu surgir do nada. De lá saiu uma
moça com uma criança nos braços. Uma criança que
parecia ter saído dos livros mais encantadores, pois era
simplesmente uma pequena princesa. Uma menina tão
linda que a fez esquecer seu padecimento. Ela levantou-se
e, quase sem perceber, aproximou-se da criança.
E algo incomum aconteceu.
— Mamã, mamã, mamã...
A criança não parava de balbuciar a palavra, olhando
insistentemente para Bella e estendendo os bracinhos em
sua direção, enquanto jogava o corpinho pequeno para a
frente. Ela se aproximou e pegou a criança nos braços. Foi
abraçada com tanto amor que chorou. Uma pessoa a
recebeu bem. Um bebê era uma pessoa. Pequena, mas era.
Ah, como estava necessitada de calor humano! A vida
inteira esteve carente desse tipo de calor.
A menininha acariciou sua face inocentemente,
espalhando suas lágrimas, o que provocou o surgimento de
outras.
— Leve-a daqui.
A brusquidão da voz do homem a tirou do conforto
daquele abraço infantil e sentiu que a criança estava sendo
retirada dos seus braços. Limpou a face enquanto olhava a
babá levar a adorável menina.
Como um momento tão fugaz pode trazer tanto bem-
estar a uma alma sobrecarregada de problemas! Ela
experimentou, naqueles ínfimos segundos, o prazer de um
amor puro, mesmo que não fosse por ela realmente. A
menina achava que ela era Isabel, mas o momento foi
singular mesmo assim.
— Siga-me! — disse o homem, sem se abalar com as
lágrimas.
A sua voz era uma ordem. Bella estava tão chocada
que não conseguiu fazer outra coisa senão obedecer.
Seguiu-o de cabeça baixa, sem prestar atenção em mais
nada. Não sabia aonde estava indo e muito menos o que
faria da sua vida agora. Mas que vida? Como a existência de
uma pessoa muda de um instante para outro! No seu caso,
ela não havia observado antes, mas começou a mudar
desde que nascera e seu pai foi encaminhando a família
àquela desgraça, todas as vezes que tomava uma atitude
errada, tresloucada.
Dean seguiu para a escada e subiu depressa, batendo
as botas no piso como se estivesse furioso. A Bella só restou
a opção de segui-lo, com passos miúdos e rápidos para dar
conta de conseguir acompanhá-lo. Quando chegou no
último degrau, eles continuaram pelo longo corredor. Muito
longo.
Estava tão absorta que só percebeu que adentraram
em um quarto de casal quando ouviu a voz daquele que
agora deveria ser seu irmão. E pensar que estava feliz
porque teria um irmão pela primeira vez.
— Esclareça imediatamente se foi ela que lhe enviou.
— A voz rude a tirou de seu devaneio.
— Quem? — Bella perguntou com a voz ofegante. Ele
parecia não ter subido os mesmos degraus que ela.
— Não se faça de fingida. Certamente são cúmplices. O
que sua infernal irmã quer de mim agora? — Sua voz era
hostil e o olhar não era diferente.
— Não sei do que está falando. Eu…
— Eu sei o que vai dizer: que é a irmã gêmea dela e
enviou uma carta informando que estava a caminho. Esta é
a sua história. E a verdadeira?
— Senhor, não tem outra história. Estou cansada, pois
enfrentei uma longa viagem na esperança de encontrar
minha única irmã. Não teria razão para mentir. Se as chuvas
impediram que fossem comunicados da minha chegada,
provavelmente logo chegará a carta à qual me refiro para
comprovar a veracidade do que estou lhe contando.
Ela tinha razão, mas ele estava com tanta raiva que só
agora compreendia isso. A carta ou a ausência dela diria a
verdade. Quando olhou para a moça, ela estava pálida e o
olhar desfocado demonstrou que algo errado estava para
acontecer. Mal deu tempo de ele pegar o corpo, que
desmoronou em seus braços. Após segurar o corpo inerte
daquela mulher idêntica a Isabel, ele ficou no centro do
quarto, girando devagar e olhando ao redor, sem saber o
que fazer. Decidiu deitá-la na cama e tentar acordar a moça
da melhor forma que sabia. Embebeu um chumaço de
algodão em uísque e o levou ao nariz levemente arrebitado
e bem feito — mais ainda do que o da irmã, se é que isso
era possível. Mas era. As feições delicadas eram
incrivelmente perfeitas, apesar de já ter ouvido falar que
não existiam simetrias perfeitas. As sobrancelhas pareciam
ter sido desenhadas, assim como mãos divinas pareciam ter
delineado um coração no lugar da boca. Os cílios longos e
escuros estavam derreados sobre as maçãs delicadas do
rosto. Cílios que começaram a se mexer, obrigando-o a
parar o exame minucioso que fazia daquele belo conjunto
facial.
Bella tossiu e levou a mão à testa, quando sentiu um
aroma forte entrando narina acima, como se fosse sair pelos
olhos lacrimejantes.
Abrindo os olhos, notou que tinha voltado ao seu
pesadelo. Jesus! Fechou-os novamente e os apertou,
esperando assim que pudesse se transportar daquele lugar
para outro. Mas aquilo não era um livro, no qual as histórias
podiam ser modificadas caso o leitor quisesse, bastando
apenas inventar um enredo que melhor lhe conviesse. Não.
Aquilo era a realidade. Dura e fria. E necessitando ser
enfrentada com a maior brevidade. A consciência a
preparava para o pior. Quando abrisse os olhos teria de sair
daquela casa para sempre. Sua irmã tinha feito algo terrível,
se aquele homem estivesse falando a verdade. Havia
abandonado um marido e uma filhinha linda e risonha.
Como fora capaz disso? E por outro homem? O que aquele
tinha que a fez fugir? Ela sabia que nada prendia sua irmã, a
não ser aventura. Talvez não fosse uma mulher preparada
para o casamento. Mas toda mulher era.
Ou pelo menos devia ser.
Abriu os olhos novamente e resolveu fazer o que tinha
que ser feito. Mas o que conseguiu dizer foi totalmente
diferente. Talvez porque ela não soubesse o que falar num
contexto conflitante daquele.
— Sinto muito pelo que minha irmã fez.
Dean agora estava analisando se a cor de um olho
tinha alguma diferença da do outro. O estudo da tal simetria
quase o deixou surdo, de modo que demorou um pouco
para responder.
— Não sinta. Isso não é novidade — respondeu ele,
voltando ao normal.
– Não?
— Devo lhe dizer que não é a primeira vez. Mas é a
última. Dessa vez ela foi longe demais.
— Ela já fugiu outras vezes? — Bella estava estarrecida.
— Não. Já teve outros casos. Ir longe demais foi ter
fugido deixando a filha para trás.
Bella queria perguntar por que ele permitia que Isabel
tivesse casos. Mas se lembrou do quanto sua irmã poderia
ser ardilosa e manipuladora. Talvez Dean fosse um homem
levado pelas suas artimanhas. Percebendo que ainda estava
deitada com um desconhecido debruçado sobre ela, Bella
levantou-se depressa, arrumou a saia amassada com mãos
trêmulas e, passando as mãos nos cabelos e percebendo-os
desgrenhados, começou a fazer uma trança com dedos
ágeis. Depois de acabada, Bella a soltou nas costas. Isso
certamente melhoraria sua imagem. Física, pois a interior
estava quase desfalecendo novamente. O cunhado — ou ex-
cunhado — a observava calado, já de pé, enquanto ela
terminava de se arrumar.
— Presumo que, depois do que Isabel fez, a minha
chegada não é agradável. Principalmente porque minha
aparência lembra a dela, infelizmente. E lhe garanto que
compreendo.
— A senhorita veio por algum motivo específico ou só
para visitar sua irmã?
E se Bella lhe contasse tudo?
Não podia fazer isso. Com sua traição, Isabel tirou
qualquer possibilidade de o cunhado aceitar que ela
permanecesse naquela casa.
— Depois de tanto tempo sem notícias de Isabel, eu
pensei que era hora de fazer uma visita. — Tentou soar
casual, tinha de manter um mínimo de dignidade.
— E seus pais?
— Isabel não lhe disse? Nossa mãe morreu há alguns
meses e meu pai... bem... ele também morreu. — Ela não
falou a forma desgraçada como o pai tirou a própria vida.
— Ela não me falou que seu pai tinha morrido. Muito
menos que tinha uma irmã — respondeu ele, ao desabotoar
o primeiro botão do colarinho.
— Por que o senhor me trouxe ao quarto? — perguntou
Bella, relutante, enquanto relanceava os olhos pelo
dormitório.
— Porque todos pensam que a senhorita é a minha
esposa e não quero que os empregados façam
especulações por enquanto.
— Perdão, mas não consigo compreender.
— Antes de qualquer explicação, acredito que precisa
se alimentar e descansar. Sei o quão desgastante é uma
viagem desse porte.
— Sim. — Ela aquiesceu, pois sentia que logo
desfaleceria novamente, se não colocasse algo substancial
no estômago.
Ele tocou uma sineta, e antes que alguém aparecesse,
determinou, como se ela tivesse disposição para contrariar
uma ordem sua:
— Não se identifique para os criados antes da nossa
conversa.
Ela assentiu mais uma vez com um gesto afirmativo na
cabeça.
Quando uma criada apareceu, ele solicitou um chá
completo e também carne assada, presunto defumado, pão
e queijo. Era um verdadeiro banquete. Mas quando a
comida chegou, Bella entendeu que ele a acompanharia.
Assim, enquanto saboreava um bolo delicioso e biscoitinhos
ainda quentes, regados com um chá fumegante, Dean
comia as carnes. A boa educação lhe impedia de voar em
cima daquela carne assada, que parecia estar deliciosa.
Parecendo adivinhar o que ela pensara — será que
demonstrara o desejo de se fartar com aquelas comidas
cheirosas? — ele começou a partir uma porção da carne
macia em pedaços pequenos e colocou o prato em sua
frente. Em seguida, acrescentou queijo e um pãozinho. Bella
não se fez de rogada, comeu tudo que estava no prato,
saboreando com um apetite que não se lembrava de ter e
esquecendo-se de que uma dama jamais come além da
conta.
Durante o tempo em que se fartavam com aquele
banquete delicioso, eles não disseram uma palavra. Mas a
sensação de estar dentro de um quarto com um homem era
constrangedora, pois o único homem que esteve com Bella
a sós foi o seu pai. Seu rosto estava formigando de tanta
vergonha.
Contudo, os sentidos avisavam que problema maior ela
teria de administrar quando seu cunhado abrisse a boca
para conversar. Talvez a vergonha se tornasse minúscula
diante do que estava para saber.
Enquanto ele permanecia em silêncio, muitos
pensamentos tenebrosos passavam pela cabeça de Bella: o
que faria, aonde iria, como voltar agora que tinha usado
todo o dinheiro que trouxera e, principalmente, para onde
voltaria, visto que não tinha mais lar. Uma sensação de
desamparo a engolfou. Nunca tinha se sentido mais sozinha
do que naquele momento. Ela apoiou os cotovelos na mesa
e levou as mãos aos olhos, esfregando-os, como se assim
pudesse enxergar uma saída. Mas a saída não era algo fácil
e nem possível de ser vista com olhos humanos. Exigia uma
ação rápida e urgente. Algo que ela não conseguia
visualizar. Ainda mais, cansada como estava.
Aquele gesto não passou despercebido ao cunhado. Ele
levantou-se. Ela também. Sem saber o que fazer, abraçou o
próprio corpo.
A moça parecia ter caído numa armadilha, da mesma
forma que ele. Bella parecia inocente de verdade. Então ele
lembrou-se do testamento e viu que, com a chegada dela,
seus problemas tinham acabado. Se, apenas se, tão
somente elas não fossem da mesma estirpe. Agora não
seria mais necessário armar uma armadilha para a esposa.
— Tenho uma proposta para lhe fazer — falou Dean.
— Eu também — contrapôs ela.
— Tem? — replicou ele.
— Sim. Eu gostaria de pedir sua permissão para ficar
por alguns dias, até me organizar para voltar para casa. —
Como se houvesse uma casa para voltar. Bella não tinha
ninguém e o lar era uma lembrança saudosa.
— A minha proposta é parecida. Eu a deixo ficar aqui
desde que a senhorita aceite tomar o lugar da sua irmã até
que ela volte.
— Por quê?
— Bem, isso é algo que conversaremos amanhã.
— Não compreendo a razão dessa proposta, já que o
senhor me escorraçou de sua casa ao pensar que eu era
ela. Logo se vê que preferia ter recebido o Satanás em sua
casa a ela.
Ele deu um sorriso meio enviesado e levantou uma das
sobrancelhas.
Bella não se achava capaz de ser partícipe nessa
situação.
— Eu não posso aceitar.
— Posso saber o motivo?
— Além de ela ser minha irmã, apesar de tudo, eu
nunca conseguiria fingir ser Isabel. Quando disse que o meu
nome deveria ser o dela, é porque o significado tem tudo a
ver com ela. Jamais conseguiria ser nem parecida.
— Só se estiver se referindo a um dos significados:
beleza. Porque o nome Bella, da mesma forma que Isabel,
significa formosa, mas também significa casta, pura e,
realmente, esses adjetivos não combinam com a sua irmã.
A beleza dela é uma casca; só é possível ver por fora. A
natureza má e danosa parece ter sufocado qualquer virtude.
Assim sendo, nenhum desses nomes deveria titular a
pessoa dela.
Acabando de falar, ele lembrou-se de que não conhecia
a natureza da cunhada, mas não podia ser igual a de Isabel.
Tinha de haver uma diferença, pois se houvesse outra
pessoa igual a ela, no inferno só caberiam as duas. Teria de
ter vaga para mais algumas pessoas más naquele lugar.
Bella tremeu ante a explanação verdadeira do caráter
de Isabel do ponto de vista dele. E também sentiu-se
lisonjeada, pela parte que lhe tocava, por ele ter
reconhecido a beleza das duas. Mas, como em suas veias
corria o mesmo sangue da irmã, a despeito de tudo,
imaginou que ele tinha todo o direito de pensar que eram
iguais. Sangue diz muita coisa.
— Na verdade, ela nunca gostou do nome Isabel. Dizia
que era um nome bíblico e por isso o odiava.
— Sua irmã jamais gostaria de algo que se reportasse à
santidade, já que o caráter dela esconde trevas.
Bella ficou calada.
— Desculpe-me falar assim dela, afinal são irmãs e
talvez não concorde com o meu juízo de valor.
— Desejaria muito refutar suas palavras, mas não
posso, visto que, infelizmente, expressam a mais pura
verdade.
— Mas voltando à proposta que lhe fiz, gostaria que
pensasse sobre o assunto antes de dar a resposta final.
Como ela permaneceu calada, ele perguntou:
— A senhorita tem para onde voltar, agora que está
órfã?
Ah, realidade, por que és tão cruel? Claro que não tinha
para onde voltar.
Ela virou-se rapidamente para que o cunhado não visse
a torrente de lágrimas que se aproximava. Os olhos
provavelmente já deviam estar vermelhos, prontos para
derramá-las. A saída era a verdade. A vergonhosa verdade.
Mas o bom senso e o cavalheirismo dele a salvou.
— Se não estiver se sentindo à vontade para falar
sobre o assunto, não tem problema. — Sua voz era tão
compreensiva que as lágrimas se recolheram.
— Eu agradeço. Se puder aguardar até amanhã, eu
pensarei melhor sobre o assunto.
Ela já estava quase bocejando de tanto cansaço.
— Desculpe-me a indelicadeza. Depois de uma viagem
tão cansativa tudo o que a senhorita necessita é de
descansar. Vou-me retirar e amanhã conversaremos.
Ela apenas balançou a cabeça, concordando.
Antes de sair, Dean ordenou:
— Não deve dizer que não é minha esposa a ninguém
até termos conversado.
— Sim, senhor.
Quando ele ia se retirando, Bella olhou ao redor do
quarto.
— Esse quarto pertence a ela?
— Sim, e é aqui que a senhorita vai ficar hospedada.
— Como quiser.
Ele lhe deu uma última olhada e saiu.
Capítulo 4
 
Chegando aos seus aposentos, Dean começou a andar de
um lado para o outro, pensativo. Será que o espírito estava
lhe enganando? Será que estava sendo parte de um plano
macabro de duas pessoas que mais pareciam uma? As
coisas eram tão inacreditáveis que tinha medo de voltar ao
quarto e encontrar a esposa envolta nas mesmas roupas e
com aquela maquiagem ridícula, que ele sempre detestara,
rindo pelas suas costas. Como pudera ser tão idiota! E o
maior medo era estar sendo novamente usado. Mas
resolveu seguir os instintos. Era o que tinha no momento.
Apesar de ter feito a louca proposta, perguntava-se se
deveria dizer a verdade para a cunhada. Cunhada... Ah,
quando ela soubesse! Nunca pensou que fosse encontrar
tanta munição para sua arma. De uma forma ou de outra,
ele sairia vencedor.
 
͠
Nem bem o cunhado saiu, Bella se viu envolta por duas
criadas, que vieram com o intuito de lhe ajudar no banho.
Estava tão cansada que apenas riu e se deixou cuidar.
Quando deu por si, estava limpa e vestida em roupas
brancas e cheirosas e já se encontrava deitada naquela
cama gigante, coberta com forros macios e brancos como
nuvens num céu azul de verão. Que sensação boa e
reconfortante! Amanhã pensaria no que fazer. A escuridão
penetrou a sua mente, levando-a para um mundo de sono
sem sonho algum, de modo que a noite pareceu passar num
piscar de olhos, trazendo o tão merecido descanso.
No dia seguinte, novamente as criadas chegaram cedo
para ajudar Bella a se vestir. Trouxeram um vestido tirado
não do seu baú, mas do enorme armário. Ela deduziu que
eram as roupas da irmã. Era um vestido rosa, com mangas
curtas e levemente bufantes e um decote um pouco maior
do que estava acostumada a usar. A saia caía a partir do
corpete numa suave cascata de tecido fino e esvoaçante.
Ela o vestiu automaticamente e deixou que fizessem um
penteado. Mas quando olhou o efeito no espelho, não
gostou, pois estava muito parecida com Isabel, e pediu que
elas fizessem apenas uma trança. Elas então fizeram a
trança e a prenderam com um laço da mesma cor do
vestido. Depois disseram que iam fazer a maquiagem de
sempre, o que foi prontamente recusado por Bella. Nunca
gostou de pintura no rosto. Uma das criadas trouxe uma
sapatilha de seda brocada, de uma tonalidade rosa um
pouco mais escura do que a do vestido, com uma fita de
cetim que amarrava nos tornozelos. Ela se sentiu uma
boneca.
Bella desceu a escada e tentou encontrar o mesmo
caminho que fizera no dia anterior, a fim de tomar o
desjejum. Mas quando desceu não sabia que direção
deveria seguir, pois não conhecia a casa. Também não podia
perguntar, pois desconfiariam de sua identidade e ela tinha
prometido ao cunhado que não abriria a boca até que os
dois conversassem. Desse modo, ficou parada no meio do
salão gigantesco olhando para todas as portas ao redor. Se
elas estivessem abertas seria mais fácil. Ouvindo um ruído
atrás de si, voltou-se e viu o seu cunhado. Se existissem
deuses gregos nos dias de hoje, ele seria o mais bonito. Ela
sentiu as pernas frouxas. Dean a olhou especulativamente,
franzindo levemente a testa.
— Vejo que está com uma das roupas de sua irmã.
— Não tive coragem de frustrar a escolha das criadas.
Elas pareciam muito empolgadas. — Alisou a saia com as
delicadas mãos.
— Mas o cabelo está diferente.
— Não gosto de penteados espalhafatosos. – Dessa vez
as mãos foram parar no cabelo.
— Também não usa maquiagem?
— Odeio maquiagem — respondeu ela.
— Eu odeio as duas coisas — disse Dean.
— O senhor quer conversar agora?
— Depois do pequeno almoço.
Ele a conduziu pelo cotovelo a uma sala enorme, linda.
Com exceção das paredes, onde grandes janelas de
madeira com padrões quadrados desciam de pouco abaixo
do teto até o chão, todas as outras continham quadros,
alguns de pintura sacra e outros, obras que retratavam a
natureza. Abaixo dos quadros, diversos móveis compunham
o ambiente. Abaixo de uma janela, havia uma grande e
comprida lareira e, sob as demais, aparadores de madeira
torneada, adornados com porta-retratos e jarros contendo
flores naturais, dando o acabamento final. No centro da
sala, uma mesa enorme com doze cadeiras, descansava
pesadamente em cima de um tapete Aubusson e, acima
dela havia um lustre repleto de velas que certamente eram
acesas durante o jantar, cuja iluminação devia brilhar
majestosa. Bella não conseguiu esconder o espanto que
sentia com tamanho esplendor. Seu olhar corria por todos
os lados. 
Dean a levou até uma cadeira, onde um lacaio mal-
humorado esperava. Depois dirigiu-se ao seu lugar, na
cabeceira da mesa. O lacaio afastou a cadeira para que
Bella se sentasse e Dean teve medo que ele a derrubasse,
sem querer. Era notório o desprezo que o rapaz sentia,
pensando se tratar de Isabel.
Os pés de Bella formigavam e as mãos suavam frio,
parte por nervosismo pela conversa que teriam após a
refeição; parte porque sabia que estava tomando o lugar à
mesa que pertencia à sua irmã. Aquilo era muito
constrangedor. Ainda mais porque decidira não aceitar a
proposta do cunhado, pois não via sentido. A única coisa
que lhe pediria era alguns dias para retornar não sabia para
onde. E caso ele não aceitasse, iria embora naquele mesmo
dia. Mas seria necessário ele lhe emprestar algum
dinheiro.             
Por causa do seu desespero, não conseguiu olhar mais
para o cunhado. Fez a refeição com os olhos baixos,
sentindo-se observada o tempo todo. Por ele e pelos
criados. Quase não disseram uma palavra um ao outro. Mas
ela não pôde deixar de ouvir um diálogo curioso.
— O senhor vai acompanhar a Sra. Hughes? —
perguntou timidamente um criado, antes de começar a
servir o primeiro prato, como se aquilo não fosse rotina.
— Sim, Prentice. A partir de hoje, a Sra. Hughes e eu
faremos todas as refeições juntos — respondeu Dean,
deixando claro para ela que aquela prática realmente não
era usual entre ele e Isabel.
Bella notou que o criado franziu o lábio, numa
expressão de asco. Sua irmã parecia ter colecionado
inimigos naquela casa. Mas, voltando ao seu problema,
ficou conjecturando qual seria a reação do cunhado quando
dissesse que a sua decisão não o beneficiaria.
Quando terminaram, ele a levou para outra sala,
provavelmente de trabalho, pois era composta de móveis
com toques masculinizados, e a mesa enorme tinha papéis,
penas, tinteiros e uma caixa de charutos, além de um livro
que se encontrava aberto na mesa em frente à cadeira,
contendo inúmeras planilhas, repletas de números. Ele a
guiou até um confortável sofá de couro e ficou em pé, de
braços cruzados, olhando para ela.
— A senhorita pensou na minha proposta?
Devia ser simples responder, mas não foi.
— Se o senhor se sentar, vou me sentir menos
intimidada.
— Perdão, eu a intimido?
— O senhor é um homem grande e em pé, me faz
sentir menor do que já sou.
Sorrindo, ele puxou uma cadeira avulsa e a colocou em
frente a Bella.
Jesus, que sorriso lindo! Ela piscou, aturdida e confusa,
enquanto o observou curvar as longas pernas para se
acomodar na cadeira. As mãos de Bella começaram a
tremer.
— E então? Qual a sua resposta?
— Eu cheguei à conclusão de que não posso aceitar
sua proposta.
— Por quê? O que a impede?
— Meus princípios. Não gosto de mentira.
Será mesmo? Ou era uma farsante igual à irmã?
— A senhorita não seria obrigada a mentir. Basta omitir
que é outra pessoa. Fique calada o máximo que conseguir.
— Provavelmente surgirão momentos em que terei de
me passar por Isabel e eu não conseguiria ser igual a ela.
— Não é meu desejo que a imite. Na verdade, eu
odiaria se fizesse isso. Seja você mesma.
— Como serei eu mesma se ocuparei o lugar dela?
Certamente haverá oportunidades em que serei confundida
com ela e não saberia como reagir.
— Não reaja, apenas aja.
— Não entendi.
— Reagir pressupõe responder à altura; agir independe
da ação de alguém, é simplesmente você dizer o que pensa
e conforme seus preceitos.
— O senhor não me conhece para entender que a
minha irmã e eu somos muito diferentes. Eu nunca
enganaria ninguém se fosse eu mesma.
— Creio que devo esclarecer melhor o que penso. Se a
senhorita fosse igual à sua irmã e falasse e pensasse como
ela, eu não teria feito esta proposta.
— Eu entendo que o senhor está magoado, que a
ama...
— Eu não amo a sua irmã. Nunca amei. — Ele não a
deixou terminar de falar.
— Não? E por que se casou com ela?
— Isso é uma longa e complicada história. Eu nem
sabia com quem estava casando na verdade.
— Não compreendo.
— Aguarde-me aqui um momento, por favor.
Ela olhou o cunhado se afastar e ficou ali, pensando e
analisando cada palavra. Ele não amava Isabel. Será que ela
tinha arranjado um amante em busca do romance que não
via no marido? Não. Sua irmã sempre correu atrás de um
par de calças e nunca citou a palavra amor quando flertava,
ou se interessava por alguém. Até parecia que era imune
àquele sentimento. Como se não fosse o amor o sentimento
mais popular e procurado por toda mulher. Quase toda.
Quando Dean entrou, vinha trazendo um papel na mão,
o qual entregou a Bella.
Ela pegou o papel com a sensação de que sua vida
estava por um fio tênue, quase transparente. Não sabia o
que estava escrito ali, mas não parecia ser algo bom, já que
o olhar do cunhado demonstrava claramente.
Dean estava esperando este momento para saber se
estava enganado em relação à cunhada. A reação dela seria
a resposta e também a sua orientação.
Quando Bella abriu o papel e começou a ler, percebeu
que se tratava de um documento de casamento. Mas sua
expressão passou de curiosa a apavorada quando os olhos
se detiveram no nome dos nubentes: Bella era a noiva.
Bella era a mulher de Dean.
Ela levantou-se depressa, deixou o papel cair e colocou
as duas mãos na boca. Os olhos arregalados confirmaram a
Dean que ela não era uma farsante. Pelo contrário, fora
usada por uma.
— Meu Deus, agora ela foi longe demais! Meu Deus...
Meu Deus... Ela achou pouco o que me fez passar durante
toda a minha vida... Ah, meu Deus...
As lágrimas escorreram abundantes, as mãos tremiam
e Bella andou de um lado para o outro ainda com as mãos
na boca. As lágrimas logo se transformaram em um choro
convulsivo. Dean aproximou-se dela que, fraca, deixou que
ele a amparasse. Precisava de um abraço amigo. Mas ele
não era seu amigo; era seu... seu marido.
Soltando-se bruscamente dos braços dele, Bella saiu
correndo.
Dean, que foi pego de surpresa pela interrupção
abrupta do abraço, ficou no mesmo lugar, olhando-a
desaparecer. Até que alguns minutos depois ouviu os passos
apressados dela, que voltou com um papel nas mãos.
— Veja! Ela trocou nossos registros de nascimento. Eu
nunca percebi. Como fui idiota! Eu nunca imaginaria que ela
fosse chegar a esse ponto.
As lágrimas desapareceram, dando lugar a uma revolta
que certamente já sentira muitas vezes, percebeu Dean.
Imaginava quantas situações Isabel a fizera passar. Mas
ainda assim era difícil crer que duas pessoas tão parecidas
fisicamente não tivessem alguma coisa em comum também
no caráter. Afinal, foram criadas pelos mesmos pais,
receberam o mesmo tipo de educação, conviveram por
muitos anos e isso era o bastante para se parecerem pelo
menos em alguns detalhes.
— Por isso o senhor fez a proposta? Desde que eu
cheguei aqui estou fazendo papel de boba?
— Se deixar que a razão guiá-la, vai compreender que
nós dois fomos feitos de bobos. A princípio, pensei que
estava ficando doido, quando a senhorita disse o seu nome;
depois achei que era uma maluca, usando o nome da sua
irmã e, por fim, depois que comecei a conversar com a
senhorita, cheguei a uma conclusão que penso ser a
verdadeira. Principalmente porque conheço a sua irmã. Mas
só o tempo pode me dar essa certeza. Tudo está no campo
da suposição.
— Meu Deus! E agora, o que vamos fazer? — Ela não se
ateve ao emaranhado de palavras que escutou, pois só
pensava no tamanho do problema.
— Presumo que só podemos esperar que ela volte para
nos tirar dessa enrascada. Estamos os dois enlaçados por
um papel. Temos de nos unir até que ela apareça para nos
livrar dessa confusão. Assumindo sua verdadeira identidade,
ela resolve os dois problemas: o seu, que voltará a ser
solteira, e o meu. Por mais que estude uma forma de anular
o nosso casamento, não vejo caminho mais curto por
enquanto.
Nosso casamento. Jesus amado, ela era uma mulher
casada com um homem que nunca tinha visto e com o qual
nunca sonhara. Nunca teve coragem de sonhar com um
homem daqueles nem em seus momentos mais malucos.
Ele era simplesmente um príncipe lindo. Bella levantou as
vistas e mergulhou nos olhos mais azuis que já vira em toda
a sua vida, passeou os olhos por aquelas sobrancelhas
espessas e pelos cabelos lisos e pretos, descendo para a
boca bem feita e marcante. Dean a estudou na medida em
que era estudado: olhou para aqueles olhos verdes e
translúcidos, o rosto com formato de coração; a boca era o
verdadeiro coração, rosada, carnuda, apetitosa. Deus,
nunca vira a esposa daquela forma. Um desejo latente o
inflamou de tal modo, que teve de se afastar
imediatamente, ou provaria aquela boca e colocaria a
cunhada para correr dali, apavorada.
— O senhor quer que eu tome o lugar da minha irmã
até que ela apareça, mas esse regresso pode nunca
acontecer. — Ela retornou ao assunto, hesitante.
— Na realidade o lugar é seu, já que tem um
documento atestando o nosso casamento.
— Por Deus, não é hora para brincadeira. Estou
desesperada. Se ela não voltar, o que faremos?
— Não estou brincando, é a verdade. Não creio que ela
vá desaparecer. Eu a conheço o bastante para saber que
não vive sem dinheiro. Vai voltar pelo dinheiro, não por
mim, não teria motivo para isso, e nem por sua filha, pois o
coração dela é árido de sentimentos.
Bella foi até a janela, ponderando sua situação, que
não era nem um pouco confortável. Se aceitasse, resolveria
os problemas de sua moradia por quanto tempo estivesse
ali, e se não, sairia dali casada, pois talvez não fosse fácil
conseguir uma anulação de forma rápida.
— Se eu não aceitar, o senhor vai resolver a questão da
anulação?
— Não.
— Por quê?
— Porque não é a melhor opção para nenhum dos dois.
Além do mais, sem ela aparecer fica difícil provar que você
não é minha esposa, já que estamos, de fato, casados. Só
com a presença das duas será possível adquirir a prova de
que necessitamos. Aceite e daqui a uma semana voltaremos
ao assunto.
— Por que temos de fingir que somos casados?
— Porque se ela não voltar, o que espero que não
aconteça, é necessário que eu lhe faça outra proposta.
— Outra proposta? Por favor, fale logo. Vou ficar
ansiosa.
— Se ela não voltar em uma semana eu falarei. Não
antes.
Ele esperava que Isabel voltasse para não ter que
propor mais nada a Bella. Mas temeu que isso não
aconteceria. E, sendo assim, era melhor que procedessem
como um casal. Nesse meio tempo, Dean a observaria
melhor para ter a certeza de que era seguro lhe falar sobre
o testamento.
— Está certo — ela respondeu resoluta, provocando
uma sensação estranha em Dean. Bella não se rebelou, o
que demonstrava um caráter cordato, totalmente
antagônico ao da irmã.
Bella se sentiu bem melhor depois que aceitou a
proposta, pois pelo menos tinha lugar para dormir e comer.
E havia a sobrinha, que amara assim que viu. Tinha uma
sobrinha e nem sabia. Isso mostrava o grau de
entrosamento que a irmã queria ter com os familiares:
nenhum. Lembrar da garotinha que a acolheu com um
abraço naturalmente sincero despertou a vontade de vê-la.
— Posso ver minha sobrinha?
— Certamente. Vou acompanhar você aos aposentos
dela.
Não passou despercebido a Bella que ele a estava
tratando informalmente. Antes que analisasse a situação,
ele acrescentou:
— Não me chame mais de senhor. Sua irmã não me
tratava assim.
— Está certo — ela concordou e o seguiu. Mais uma
concordância e mais uma pontada no coração de Dean.
Quando chegaram aos aposentos da sobrinha, que
ficava no mesmo piso do quarto ocupado por Bella, só que
do lado oposto, Dean apenas apontou a localização e ficou
parado até que ela chegasse à porta.
— Você sabe voltar daqui? — ele perguntou, antes de
se retirar.
— Acredito que sim. O sen... você não vai entrar?
— Não.
Sem fazer perguntas, Bella entrou, ouvindo o choro da
criança. O choro ininterrupto continuava a se estender,
como se nunca mais fosse parar. Viu a babá sentada, lendo
um livro, enquanto a sobrinha se esgoelava com as
mãozinhas estendidas em sua direção e os dedinhos se
mexendo rapidamente, chamando-a. A babá não lhe dava a
mínima atenção e lia como se estivesse num jardim ou em
outro lugar tranquilo. Bella se aproximou, sem entender
direito o que acontecia ali.
Dean se afastou, mas ao ouvir o choro da criança,
voltou e ficou próximo à porta que Bella tinha deixado
aberta, de modo que dava para escutar o que falavam lá
dentro, mesmo em meio ao barulho da choradeira.
— O que está acontecendo? Por que ela chora tanto? —
indagou Bella.
— Isso é astúcia infantil, Sra. Hughes.
— Por que você fica aí parada em vez de averiguar o
que ela tem? — perguntou Bella, em meio ao choro
insistente e alto da bebê.
— Sra. Hughes, estou só obedecendo suas ordens. A
senhora me instruiu a criar a menina dessa forma.
— Eu fiz isso? — Claro que sua irmã era capaz disso,
mas ela jamais seria.
— Sim, senhora. Dizia que ela tinha de aprender que
choro não serve para comandar nossas ações, que as
crianças, desde pequenas, devem aprender a não usar as
lágrimas como arma para conseguir o que querem. Todas as
vezes que eu tentei agir diferente, a senhora descontou do
meu salário uma pequena parte do dinheiro que eu preciso
muito.
Bella suspirou. Sua irmã era pior do que ela pensava. O
choro se transformara em soluços, alternados com uma
doce palavra:
— Mamã, mamã…
— Eu não quero mais que faça isso. A partir de hoje, as
coisas serão diferentes – disse Bella, enquanto se dirigia ao
berço e pegava a menina nos braços. Ela parou de chorar
imediatamente e encostou a cabecinha no seu ombro, o
corpinho magro sendo sacudido pelos soluços.
— Acho que ela está com sono. A senhora sempre disse
que ela tinha de dormir sem afago. Por isso a deixei
chorando, para que dormisse sozinha. Mas eu lhe garanto
que sempre foi um tormento obedecer e que terei o maior
prazer em ninar e agradar Annie. 
Annie, que nome doce, pensou Bella.
— Eu lhe agradeço. Nunca mais faça isso. Dê-lhe todo
carinho de que necessita e sempre a coloque para dormir no
seu colo, ninando-a na cadeira de balanço.
Quando viu o olhar espantado da babá, Bella percebeu
que estava extrapolando um limite atribuído pela irmã,
confundindo totalmente a cabeça da moça. Mas não podia
permitir que a babá continuasse a fazer algo tão desumano
com uma criança. Quando sua irmã voltasse, podia fazer o
que quisesse; enquanto isso, ela faria o que achava certo.
Mas não queria ser descoberta, afinal acordou com o
cunhado que seria "a esposa dele", até o momento em que
ele lhe explicaria o motivo daquela mentira. Então, voltou-
se para a babá e tentou imitar a expressão da irmã.
— Pode sair. Vou ficar um pouco com a minha filha.
A babá obedeceu, sem entender absolutamente nada.
Mas não estava tão admirada quanto a própria Bella, cujo
coração sentia um amor fora de qualquer padrão outrora
conhecido. Ela amava aquela menininha linda.
Ela se sentou na cadeira de balanço, acalentando a
sobrinha, passando as mãos nos cabelos macios e cheirosos
e beijando-os, enquanto a acalmava com palavras suaves,
sem perceber que estava sendo observada.
— Mamã, mamã…
— Durma, meu amorzinho, eu estou aqui.
Como aceitar a crueldade de alguns pais que atropelam
a infância das crianças no afã de que se tornem as pessoas
que eles querem? Pensar que, desde que nascera, a
sobrinha suportava inocentemente o vazio de um afago a
fez chorar.
— Meu amorzinho — Bella repetiu aquelas palavras,
acariciando a menina até que ela adormeceu.
Bella a colocou no berço e cobriu cuidadosamente.
Depois beijou-lhe a testa. Quando se virou, deu de cara com
o cunhado, que a olhava com uma expressão enigmática.
Ele observou o brilho molhado dos seus olhos e franziu a
testa, fitando-a, como se estivesse diante de um ser
sobrenatural.
— Desde quando você está aí?
— Tempo suficiente — ele respondeu, depois de alguns
segundos.
Bella não sabia o que falar, por isso ficou calada.
— Você gosta de criança? — Ele quebrou o silêncio,
afastando-se para o outro lado do quarto. Ela o
acompanhou, para que a bebê não acordasse, respondeu
com voz baixa.
— Muito.
— Sua irmã detesta.
Bella cruzou os braços e novamente não disse nada.
— Por que a deixou tratar sua filha dessa forma? Ela é
sua também.
Ele lhe deu as costas e foi sua vez de ficar calado.
— É a primeira vez que eu vim aqui. Não sabia de
nada.
— Entendo.
Ele sabia que ela não entendia. E não deveria mesmo.
Mesmo assim, não o contradisse nem questionou.
Bella estava mais à vontade ao sentir a utilidade
daquela mentira, pois acabara de desfazer uma ação de
negligência com a sobrinha.
— Desculpe ter me intrometido na educação que minha
irmã dá à filha de vocês. Mas simplesmente não consegui
ver a menina chorando por algo tão simples e ir embora. Sei
que não deveria... — Bella disparou a falar.
— Não precisa se desculpar. Apesar de tudo, também
não concordo com isso.
Apesar de tudo o quê? Ela queria perguntar, mas não
teve coragem.
— Reconheço que nunca me interessei sobre a forma
como a menina estava sendo educada.
Ela estranhou tanto isso, mas novamente não
questionou. Não tinha o direito. Um grito assustado
preencheu o ambiente naquele momento. Bella correu
apressada até o berço, pensando que Annie tivesse
acordado com as vozes, mas percebeu que era só um
sonho. Ela fez um afago carinhoso na face rosada da
menina, que continuou a dormir.
— Acho bom nos retirarmos, para não atrapalhar o
sono dela.
Dean concordou, e os dois saíram. Quando
encontraram a babá, ela estava sentada numa cadeira no
corredor, esperando.
— Bessie, cuide que Annie seja tratada conforme foi
orientada há pouco por minha esposa.
— Sim, senhor! — respondeu a moça totalmente
confusa. Ele nunca chegou perto da menina. Nas poucas
vezes que a viu na sala, mandou que se retirasse, como fez
no dia em que a esposa voltara.
Bella sentiu que a moça não era má pessoa e que só
cumpria ordens, que talvez fossem dolorosas de serem
cumpridas se ela tivesse o coração bom. Isso só o tempo
diria.
Somente mais tarde Dean parou para analisar,
encantado, o tratamento que Bella dispensou à sobrinha. E
não parecia fingimento, pois ela não sabia que estava sendo
observada. Também se lembrou de quando a menina a
abraçou no dia anterior e ela chegou a chorar emocionada,
fato que ele não estava com humor para observar, já que a
raiva estava embotando seu juízo no momento. Mas era
cedo demais para fazer um juízo de caráter. Pessoas
fingidas enganam até o diabo.
Capítulo 5
 
Os dois saíram do quarto e andaram calados pelo comprido
corredor. Chegando próximo à sala principal, Dean disse:
— Acho que você deve conhecer a casa.
— Também acho, caso contrário vou me perder e
continuar perdida, pois não poderei perguntar a ninguém já
que sou sua esposa — brincou ela.
Ele apenas sorriu daquele jeito encantador. Jesus, filho
de Deus, que Ele a livrasse da tentação do maligno. Como
podia haver tanta beleza? E aquela barba fazia suas mãos
coçarem para sentir a textura. Que pensamento
inapropriado para uma cunhada. Para qualquer dama que se
prezasse. Mas pensamentos aparecem de forma inesperada
e sem pedir licença.
— Vamos começar pelo jardim e amanhã eu lhe
mostrarei o interior da casa.
Saíram pela porta da frente e foram recebidos com um
sol soberbo. Bella voltou ao assunto da irmã, pois ela nunca
tinha feito algo que a incomodasse tanto e com um poder
de destruição tão grande.
— Fico imaginando o que Isabel estava pensando ao
fazer isso, considerando que não tem nenhum benefício
usando o meu nome. Penso que ela pegou meu documento
por engano e quando percebeu não quis voltar atrás. Talvez
não tenha querido perder tempo e resolveu assumir minha
identidade.
— Estou errado em supor que ela sempre fez coisas
parecidas?
— Não. Ela fazia isso sempre que tinha um capricho,
por simples que fosse, a ser satisfeito. Mas nunca algo
dessa magnitude.
— Por que você permitia?
— Isabel era tão forte, e eu tão submissa, que ela
sempre conseguia me convencer nem que fosse por meio
de chantagem ou alguma barganha. Devo reconhecer que
se eu tivesse cortado o mal pela raiz não estaria nessa
enrascada agora. Tenho minha parcela de culpa.
— Conhecendo a sua irmã como conheço, acho que no
caso específico não teria feito diferença.
Ele a conduziu pelo cotovelo ao jardim, à vista dos
empregados que olhavam espantados e de cara fechada.
— É notório que eles não gostam de mim — Bella disse
desgostosa.
— Não gostam da sua irmã.
— Ela era tão má assim com os empregados?
— Ela só era boa consigo mesma, que é a única pessoa
que ama. Já ouvi o pároco fazer uma pregação na qual dizia
que temos de amar o próximo como a nós mesmos. Parece-
me que a pessoa mais próxima de sua irmã é a própria
sombra, pois não consegue amar nem a filha, imagine outra
pessoa.
— Oh, meu Deus, eu não vou conseguir fingir com
tanta gente me olhando com ódio. Acho que é melhor eu me
trancar no quarto até ela aparecer. Todos vão perceber esta
farsa.
— Bem, o mínimo que vão pensar é que a patroa voltou
diferente depois da viagem, mas nunca que se trata de
outra pessoa. Quem não vê nas entrelinhas jamais percebe
a diferença entre vocês duas.
— Ainda bem que as pessoas não observam as
entrelinhas.
— Confesso que eu observo.
A voz dele era tão quente quanto o toque da mão no
seu cotovelo, que a guiava por aquele jardim simplesmente
esplêndido.
Ele a levou a uma grande fonte de água redonda.
Parando lá, ela se virou e ficou de frente à bela casa com
suas janelas enormes dispostas de cada lado da porta
principal, e também no andar superior. As paredes laterais
eram cobertas com cerca viva, como se a casa estivesse
espremida pela natureza pulsante e ao mesmo tempo,
causando um efeito acolhedor, envolvente. O jardim tinha
árvores muito verdes, aparadas em diversos formatos: de
estrela, lua, padrões quadrados, redondos e triangulares.
Tudo perfeitamente cuidado. Ao redor da fonte, havia um
jardim repleto de cravos de cores diversas: rosa, branca,
laranja e amarela, que aromatizavam tudo ao redor. Após os
cravos, vinham os narcisos com floração cacheada branca e
amarela, de modo que não dava para definir quais daquelas
variedades de flores exalavam mais perfume. O cheiro era
tão inebriante que Bella se aproximou e fechou os olhos
para sentir melhor o delicioso aroma.
Dando as costas para a casa, Bella viu o lindo caminho
que levava à porta principal e que percorrera no dia
anterior, porém não viu porque estava dormindo. Era
bastante longo, formado por cascalhos; fileiras de altos
pinheiros com caule de casca grossa e escamosa
delineavam o caminho. Era de tirar o fôlego.
Dean a guiou pela estrada pavimentada, sem dizer
uma palavra, observando-a pelo canto dos olhos para
identificar sinais de cansaço. Mas não somente por causa
disso. Ele se perguntava como uma pessoa idêntica à outra
podia ser tão diferente. Quanto mais ele a olhava, mais
percebia que Bella era única. Se ao menos a tivesse
conhecido primeiro. Com certeza, ele a notaria pela beleza,
mas ela não o levaria a uma armadilha casamenteira. E nem
precisaria, pois teria caído de quatro assim que a visse e o
casamento seria destino certo, sem carecer de artifícios.
Mas o que estava pensando? Eles eram casados. Mas não
eram. Oh, confusão! Ele tirou os olhos dela e os fitou à
frente, antes de voltar a falar.
— Se estiver cansada, podemos voltar.
— Eu prefiro caminhar um pouco. Ainda estou
atordoada com tudo o que está acontecendo e apreensiva
em relação às situações que surgirão, nas quais terei de
fingir ser ela.
— Permita-me lhe dar um conselho: não sofra antes do
tempo, pois o mínimo que vai acontecer é você sofrer duas
ou mais vezes por algo que talvez nem aconteça.
Ela sorriu, desacreditando de suas palavras.
— Só se eu fizer conforme falei há pouco: viver
trancada no quarto.
— Bem, infelizmente isso não é viável.
— Compreendo.
— Você já conhecia a Escócia? – ele perguntou, com a
intenção de desviar um pouco do assunto que a estava
preocupando.
— Não. Viajei muito pouco. Conheço apenas Bath,
Derbyshire, York e Londres. A esta última, só fui duas vezes.
— Viajava com seus pais?
— Não. Meu pai preferia manter a minha mãe em
Oxfordshire. Por causa disso, éramos penalizadas, o que
gerou em Isabel o desejo irrefreável de ir embora a todo
custo. Ela queria conhecer o mundo, pessoas novas e
aventurar-se.
Deu um longo suspiro, antes de continuar.
— Tínhamos uma tia, irmã da minha mãe, cujo
comportamento era o reverso da moeda. Ela ficou viúva
ainda muito jovem e jamais se casou novamente; gostava
bastante de viajar e as condições financeiras lhe
possibilitavam que fizesse os passeios que desejasse. Eu
era sua companhia nesses passeios. Só não conheci mais
lugares porque tia Gwen sempre retornava às mesmas
cidades.
— Ela nunca chamava a sua irmã?
— Não. Achava que Isabel tinha um temperamento
muito impulsivo. Minha irmã ficava furiosa, por mais que
prometesse que se comportaria, não a convencia.
— Então sua mãe e sua tia faziam parte dos lados da
moeda?
— Sim. Minha mãe e minha tia eram as únicas irmãs,
mas nunca vi tanta diferença.
— Como você e Isabel – ele falou.
— Nossas semelhanças realmente são somente físicas
– Bella assentiu, olhando fixamente para a frente.
Era o que ele esperava. Quer dizer, precisava.
Quando o caminho pavimentado findou, eles se
embrenharam por uma área mais selvagem, repleta de
freixos altos e retos, com troncos de cascas acinzentadas e
copas arredondadas, compostas por cachos de pequenas
flores brancas e cremosas de odor delicioso. Uma visão de
tirar o fôlego e afugentar qualquer incômodo da alma. Mais
adiante uma campina verde e viçosa compunha o cenário
deslumbrante.
— No outono, as folhas dos freixos ficam amarelas ou
roxas? – perguntou Bella.
— De ambas as cores.
— Deve ser lindo – disse ela, observando aquelas
árvores como se estivesse diante do paraíso.
Ele ficou calado, olhando ao redor e sentindo o aroma
das flores.
— Você gosta de teatro? — perguntou Dean.
— Gosto.
— Que tipo de peça prefere?
— As italianas.
— Por quê?
— São movimentadas e repletas de dramas, por vezes,
conflitantes. Gosto de observar quando os semblantes vão
ganhando expressões diferentes à medida que os atores
querem transparecer os sentimentos envolvidos na ária. É
apaixonante.
— As diferenças entre você e sua irmã são gritantes.
— Ela não gosta de teatro?
— De teatro, sim. Mas tenho certeza de que nem via as
peças, imagine captar o que elas passavam à plateia.
Dean sabia que Isabel ia ao teatro ou a qualquer lugar
apenas para encontrar um amante que a satisfizesse, já que
ele resistiu a todas as suas tentativas de dormir com ela.
Isabel chegou a entrar completamente nua em seu quarto e
outra vez se escondeu debaixo de suas cobertas, e não
recebeu nada mais que gritos mandando-a sair
imediatamente. Nunca a quis nem mesmo para satisfazer
suas necessidades de homem, pois simplesmente não
sentia desejo nenhum por ela.
Bella deu um sorriso triste. Como sua irmã teve uma
oportunidade extraordinária de ter uma vida diferente e não
aproveitou? Isso era um disparate. Ou talvez ela não fosse
capaz de mudar seu caráter. Se Bella tivesse que mudar sua
personalidade para outra totalmente diferente, conseguiria?
Não. Então, Isabel também não. E a essência de uma
pessoa sempre prevalecia. A não ser que existisse milagre.
O silêncio reinou absoluto por muito tempo enquanto
eles continuaram andando e se afastando cada vez mais.
— Permita-me lhe mostrar algo.
Ele cortou caminho virando à esquerda, puxando a
cunhada delicadamente pelo cotovelo. O toque respeitoso,
porém caloroso além da conta, envolveu Bella.
Depois que andaram mais alguns minutos, ela avistou
um grande lago cortado ao meio por uma ponte de pedra.
Eles seguiram e a atravessaram. Do outro lado da ponte,
havia uma pequena construção arredondada com a
cobertura em forma de um cone e sustentada por colunas
redondas e no alto, um casal tinha sido esculpido, tornando
o ambiente intimista e romântico. 
— Existe alguma simbologia naquela escultura? — ela
perguntou, apontando para o alto.
Ele a ajudou a entrar no coreto e então respondeu.
— Conta a lenda que um casal foi proibido de se amar
por seus pais, porque as famílias eram inimigas. A moça foi
trancada no seu quarto, o que impossibilitava o encontro
dos dois. Então, uma fada compadecendo-se da situação,
construiu um lugar onde eles pudessem se encontrar às
escondidas. A moça conseguiu a amizade da sua carcereira
e todas as noites fugia de casa para se encontrar com o seu
amado. E assim aconteceu até que foram descobertos.
Desesperados e desejosos de permanecerem juntos para
sempre, pediram uma solução à Fada do Amor.
Ele calou-se.
— E como termina a história? – perguntou Bella, aflita.
Ele apenas apontou para a escultura.
— Foram transformados em estátuas? Meu Deus! — Ela
parecia estar diante de um caso verídico, tamanha a
tristeza de suas palavras.
— Bella, é só uma história — disse ele, divertindo-se.
— Mesmo sendo apenas uma história, ela poderia ter
terminado feliz. É de se pensar que o autor da história tem a
liberdade de fazê-la conforme a maioria das pessoas deseja
ler ou escutar sobre ela.
— Supondo que fosse você a autora da história, como
seria o final?
— A fada teria dado asas para que eles pudessem voar
até encontrar um reino de sonhos, onde pudessem ser
felizes para sempre.
— E o que você colocaria no lugar do casal?
— Apenas um par de asas, simbolizando a liberdade
deles.
Percebendo sua tristeza, Dean quis compensá-la.
— Mas a história não termina tão triste. Conta-se que
eles foram transportados para um lugar distante, tipo um
mundo de sonhos, como você falou, e toda noite de lua
cheia se materializam a partir da meia-noite e dançam uma
valsa aqui — ele apontou para o centro do coreto —, neste
lugar feito especialmente para os amantes apaixonados.
— Agora a história ficou mais bonita.
Ela caminhou devagar, tocando cada coluna.
Percebendo que Bella estava cansada e com a face
levemente corada, Dean a levou para um dos três bancos
de madeira para que ela pudesse descansar.
— Você esqueceu o seu chapéu.
Bella passou as mãos na face para verificar se estava
ardendo, mas o sol não a prejudicara. Pelo contrário, tingiu
a linda face de um rosa simplesmente lindo, conferindo-lhe
um ar mais vivaz.
Quando ela fechou os olhos e suspirou, uma mecha do
cabelo soltou-se dos grampos e caiu em cascata em seu
pescoço; depois outra, em seu rosto. Impensadamente,
Dean pegou a do rosto e prendeu atrás da orelha dela. Bella
só percebeu que tinha prendido a respiração quando ele
retirou a mão, e se levantou depressa.
— Acho que nos afastamos demais e que você não tem
condições de retornar caminhando. Vejo que não está com
sapatos apropriados.
— Tem razão.
— Permita-me pegar um transporte para vir buscar
você, enquanto me aguarda.
— Está certo.
Ela deu graças a Deus quando o cunhado saiu. Com um
pequeno esforço conseguiria voltar para casa, ainda que a
sapatilha ficasse imprestável. Mas tinha de se afastar dele,
pois sensações inexplicáveis se apoderaram de seu corpo e
de sua mente quando sentiu os dedos ajeitando seu cabelo
com uma delicadeza surpreendente. Não sabia que
sensações eram essas, mas tinha plena ciência de que eram
proibidas. Quando olhou para as mãos, estavam trêmulas
da mesma forma que seu coração estava inquieto. Por mais
que aquele homem mexesse com suas emoções, nunca
poderia ser dela, pois já pertencera à sua irmã, embora ele
demonstrasse sentir desprazer pelo casamento. Além do
mais, quando Isabel aparecesse com sua beleza
estonteante e aqueles cílios batendo devagar, como se
estivesse eternamente flertando, certamente o marido
cairia aos seus pés e esqueceria a raiva. E, mesmo que ele
a colocasse para fora de sua vida para sempre, Bella
também sairia dali junto com a irmã — embora as duas
jamais pudessem seguir a mesma direção depois do que
acontecera.
O fato é que só estava ali porque era o meio para o
cunhado alcançar um fim, e quando isso acontecesse,
fatalmente seria descartada da vida dele. E com razão.
Portanto, não tinha nenhuma possibilidade de haver
qualquer romance entre os dois. Se ao menos ela o tivesse
conhecido antes de Isabel. Não adiantaria, pois ela o
roubaria. A diferença é que Bella não estaria casada agora.
Nem a Fada da Suposição — existia? — explicaria por
que Dean trouxera apenas um cavalo para pegar Bella.
Talvez o demônio explicasse melhor aquela situação do que
qualquer fada, já que se pressupõe que as fadas são seres
inocentes. Mas ele simplesmente a queria junto do seu
corpo e não viu outra forma de conseguir isso. Como ela era
muito inocente, talvez não questionasse sua atitude. 
Ao contrário do que ele pensou, quando chegou
montado no enorme cavalo, Bella estranhou. Ele dissera que
iria buscar um transporte. Nunca poderia julgar que seria
um cavalo. Se soubesse, teria feito um esforço e voltaria
andando para a mansão. Ou não.
— Imaginei que traria uma pequena carruagem.
— Ia demorar um pouco para aprontar uma e não quis
deixar você esperando muito tempo. Deveria ter trazido
outro cavalo? — perguntou ele, tentando soar casual e com
a certeza de que estava sendo canalha. Todo homem tinha
um pouco de canalhice na área dos desejos.
— Não ia adiantar, pois não sei cavalgar. Essa era uma
das atividades que a minha irmã exercia com muita
desenvoltura.
— Vamos ter de corrigir isso. Ainda bem que sua irmã
nunca cavalgou. Assim, quando eu estiver lhe ensinando, as
pessoas não estranharão.
Bella ficou em pé sem saber o que fazer.
— Quer que eu volte para pegar uma carruagem?
Não queira, por favor!
Ela mordeu o lábio inferior e negou com a cabeça.
Escondendo a satisfação, ele desceu do cavalo e,
aproximando-se, pegou Bella pela cintura e a ajudou a subir.
Após posicioná-la, ele montou atrás dela e saiu devagar.
Quando percebeu a abençoada falta de firmeza do corpo da
moça, passou um dos braços ao redor dela, a fim de lhe dar
estabilidade. Tão inapropriado, mas tão necessário.
— Desculpe-me! Acho que você se sentiria melhor em
uma carruagem.
Mentira deslavada. Uma mentira pequena era um
pequeno pecado? Mesmo que fosse grande ele faria, faria,
faria. Pecaria, pecaria, pecaria. Existem coisas
absolutamente necessárias à vida de um homem,
principalmente nesse universo de toque no corpo do sexo
oposto.
— Confesso que esta não era a maneira que eu
imaginava montar pela primeira vez, mas provavelmente é
a mais segura.
— Prometo lhe compensar, ensinando-lhe a ser uma
excelente amazona.
Se der tempo, pensou Bella. E de repente desejou que
a irmã demorasse muito para voltar. Ela queria tanto ser um
pouco feliz! Só um pouco.
O retorno para casa foi pontuado por um silêncio
durante o qual cada um avaliou as próprias emoções.
Enquanto ele sentia a maciez e quentura do corpo de Bella,
tentando aproveitar as sensações puramente físicas —
puramente físicas? Se fosse só isso, como definir o prazer
que a companhia de Bella lhe proporcionava? Não era só
prazer físico. Por mais que soubesse que tinha de ter
certeza de quem ela era de fato, uma luz dentro dele
direcionava para a moça, focando a candura do belo rosto,
que refletia o bom coração dela. Mas estava tão calejado
por tudo que viveu com Isabel, que precisava de mais
subsídios para acreditar que não estava enganado. Ao
contrário da irmã, que o instigava a odiar mortalmente, ela
o levava a sentir sentimentos nobres: afeição, cuidado,
respeito, enfim, coisas boas. Não queria viver para descobrir
que aquela mulher era uma farsa igual a Isabel.
Bella, por sua vez, respirava menos do que o normal,
pois estava prendendo os suspiros que ameaçavam vir à
tona não querendo demonstrar a felicidade que estava
usufruindo enquanto sentia aqueles braços fortes ao seu
redor. Nunca fora tocada por um homem e se via numa
situação constrangedora, mas totalmente maravilhosa.
Queria que o caminho se alongasse mais, para passar horas
dentro daquele abraço. Teve vontade de deitar a cabeça no
peito forte do cunhado e sentir as batidas do seu coração.
Na verdade, teve vontade de se virar e colar as batidas do
seu coração às do dele. Ele era proibido, sempre seria, pois
jamais se sentiria à vontade beijando e fazendo outras
coisas com um homem que já as havia feito com sua irmã.
Era uma pena que Isabel sempre chegava antes e ficava
com o melhor. E sem contar que a intimidade deles gerou
uma filha. Mesmo que Dean não quisesse mais Isabel e
cogitasse a possibilidade de os dois permanecerem
casados, não se imaginava dormindo e tendo intimidade
com o mesmo homem que dormira com sua irmã.
Quando chegaram ao estábulo, ele apeou e, pegando-a
pela cintura fina novamente, desceu o corpo de Bella,
diante do confuso cavalariço, que saiu com o cavalo em
seguida.
— Deseja aprender a cavalgar? — perguntou Dean,
tentando passar mais um pouco de tempo com ela.
— Sim, mas sempre tive muito medo de montar. Receio
lhe dar trabalho.
— Eu a protegerei. Basta confiar em mim.
— Não confio em mim, pois nunca tive uma boa
coordenação. Por isso demorei mais do que todas as minhas
amigas a aprender a dançar. Em você eu confio. E só por
isso, vou me desafiar a tirar de letra, sem enfiar o nariz no
chão.
— Sinto-me lisonjeado pela sua confiança e prometo
ser um bom professor.
— Não tenho dúvida disso.
— Podemos começar amanhã? — perguntou Dean.
— Com certeza. Não tenho outra coisa para fazer. Mas
não quero atrapalhar seus planos habituais, podemos deixar
para um dia em que não tenha nada importante para fazer.
— Amanhã. Nada é mais importante do que isso.
— Já que é assim, eu aceito.
— Após o desjejum, então.
Bella juntou as mãos na frente do corpo, rente à saia, e
ele colocou as suas cruzadas atrás do corpo. Queriam
permanecer conversando, mas depois de alguns minutos
não havia mais como prolongar a situação e eles se
despediram.
Nada é mais importante do que isso, Bella gostaria de
apagar as palavras de Dean de sua cabeça, mas foram tão
doces. Nunca conseguiria.
Capítulo 6
 
Na manhã seguinte, Bella desceu com roupa apropriada
para cavalgar, que era de um verde que realçava a cor dos
seus olhos, que pareciam ter amanhecido brilhantes e
curiosos. Efeito da empolgação.
Dean vestia calça preta com botas de cano longo e
camisa com mangas enroladas até os cotovelos. Os
primeiros botões abertos deixavam antever um rastro de
pelos lisos e pretos, que prenderam a visão de Bella, assim
que se encontraram. Ela engoliu em seco. Agora, além de
querer passar as mãos na barba dele, queria passar
também no seu peito. A lista de coisas inadequadas estava
crescendo rápido e a coceira em suas mãos também.
Pudera! Que homem mais inapropriado! Onde já se viu viver
com os botões do colarinho abertos? Conforme as regras da
compostura isso era proibido, ou quase. Mas ele parecia não
saber o que vinha a ser decoro. Era muito desgastante ter
de ficar o tempo todo se vigiando para não direcionar o
olhar para onde não devia. Ela só desviou quando foi
capturada pelo sorriso absurdamente lindo que Dean lhe
dirigiu. 
Será que havia visto um olhar cobiçoso dela? Ele só
podia estar imaginando coisas. Bella só o estava olhando
desse jeito porque ele fugia dos padrões normais e insistia
em usar a camisa aberta. Donzelas não tinham a
oportunidade de ver partes do corpo de um homem
descobertas e, quando isso acontecia, sua atenção era
imediatamente cativada.
Ele gostaria de lhe mostrar muito mais. Escondendo os
pensamentos impuros, Dean a levou ao estábulo, mas
enquanto ela caminhava à sua frente, os pensamentos
impuros foram sendo substituídos por algo maior,
indefinível. A confiança que ela depositava nele o fazia
sentir culpa por imaginar fazer coisas indecentes e
questionáveis. Bella era doce, pura e linda além da conta. E
isso estava provocando a perda do seu sono, que estava
sendo substituído por momentos de imaginação fértil.
Os cavalos já estavam prontos. Ele escolheu uma égua
mansa para Bella. Depois de dar as dicas verbais essenciais
para que ela sentisse segurança ao montar, ajudou-a a subir
na égua. Feito isso, montou o seu cavalo e saíram devagar.
Bella exibia um sorriso permanente nos lábios, fazendo-o
pensar em mil maneiras de ver aquela expressão todos os
dias e todas as horas. E todos os minutos, e...
Quando chegaram às campinas, Bella já se sentia mais
segura e pronta para aumentar a velocidade. O trote inicial
passou a uma corrida leve. Dean deixava que ela ditasse o
ritmo. Ele ficou extasiado ao perceber que a felicidade de
Bella aumentava à medida que ela ganhava segurança.
Desconfiava de que ela se tornaria uma ótima amazona.
Desconfiava também de que ela não era o tipo de pessoa
que perdia o interesse por algo depois de passada a fase
inicial de descoberta. Enfim, Bella não parecia ser uma
pessoa volúvel.
A manhã avançava e caminhava para a tarde, e Bella já
cavalgava quase em disparada. Aprendera rápido e não era
do tipo medrosa. Aquela história de coordenação não
parecia ser verdade. Será que ela já sabia cavalgar e estava
mentindo? Mas qual seria o objetivo disso? Jesus, ele tinha
de parar de tentar enxergar Isabel em Bella. Isso não era
justo com a moça.
Parando ao lado de um grande carvalho, que os
convidava a se abrigarem em sua sombra fresca, ele apeou
e a ajudou a descer. Ficaram olhando o rio estreito que
corria veloz, ouvindo o som das águas que escorriam
contornando as pedras brancas e levando galhos caídos das
árvores. Bella afastou-se um pouco e colocou uma mão
sobre os olhos, apurando a vista, antes de perguntar:
— O que fica após o rio? – Ela apontou com a outra
mão para uma choupana que avistara.
— Ali ficava a casa do guarda-caças. Achei um gasto
desnecessário manter um empregado com essa função em
uma propriedade que visito pouco. Quer estender o passeio
até lá?
Ela assentiu depressa. Estava difícil ficar parada ali
sozinha com um homem que tirara o seu sossego durante
quase toda a noite. 
Ele a ajudou a subir na égua novamente e seguiram
para a choupana. Mas quando chegou ao rio, Bella se
retraiu.
— Está com medo de atravessar?
— Sim.
— Não tema, a égua saberá o que fazer. 
Ela riu e se deixou guiar. Realmente tanto a égua
quanto o cavalo dele atravessaram o rio sem problema,
visto que ele escolheu uma parte mais rasa para a
travessia.
Quando chegaram à choupana, Bella observou que ela
era linda. Na frente, havia um lago que refletia a edificação
inteira, com suas janelas verdes. Eles apearam novamente
e mais uma vez as mãos dele rodearam sua cintura para
descer o corpo dela ao chão. Não sabia se era pior ter
continuado sob a árvore ou aquilo. Toda atitude daquele
homem fazia o corpo de Bella arder.
— Ela parece estar em ótimo estado, em se tratando de
um lugar inabitado.
— Não está inabitado.
Antes que ele pudesse explicar, uma senhora ainda
jovem saiu de dentro, enxugando as mãos em um avental
cinza. Os cabelos grisalhos estavam presos em um coque
folgado e sua expressão era amigável.
— Senhor Hughes, que prazer revê-lo. Veio averiguar se
estou cuidando bem de sua propriedade?
— Longe de mim tal atitude, Sra. Blazer. Sei que não é
necessário.
— Eu lhe agradeço a confiança — respondeu ela
prontamente e, olhando para Bella, perguntou: — É sua
esposa? 
— Sim.
Bella se aproximou com um sorriso estampado no rosto
e estendeu a mão para a mulher, que a olhou curiosa. Ela
pegou as duas mãos de Bella e falou, melhor, abriu o seu
coração.
— Devo me valer dessa excelente ocasião para dizer
que seu marido é um homem de coração grande e, assim,
deixar clara a minha opinião sobre o seu caráter. Fiquei
viúva e sem rendimentos, pois não fui abençoada com
herdeiro. Ele me permitiu ficar na propriedade sem pagar
nada por isso.
Em seguida, a mulher, ignorando os protestos de Dean,
que se sentia envergonhado de ver seus atos de caridade
sendo expostos, levou-os ao curral onde ficavam as poucas
vaquinhas; ao galinheiro, repleto de galinhas, e à horta,
onde ela cultivava suas hortaliças.
— Daqui tiro tudo o que preciso para sobreviver. Por
causa do seu bom coração, não preciso me preocupar com o
que comer. 
— A senhora mora sozinha? – perguntou Bella,
preocupada com aquela senhora.
— Minha irmã mora comigo. Venham, vamos tomar um
chá.
— Não se preocupe conosco, Sra. Blazer — disse Bella.
— Não os deixaria ir embora sem provar do bolo que
acabei de assar, com um chazinho de ervas naturais da
minha horta, mesmo sabendo que vai diminuir o apetite
para o almoço. 
Não houve outro jeito, tiveram de entrar para tomar o
chá.  
A sala simples e com poucos móveis era limpa e
acolhedora.
— A senhora não parece com a megera que me
descreveram. Por mais fiéis que sejam os empregados,
comentam sobre seus patrões — disse ela, esclarecendo
como tinha conhecimento de fatos da casa de Dean, e
continuou: — Conheço o caráter de uma pessoa assim que
coloco os olhos nela e confesso que estou confusa, visto que
quem me falou sobre a senhora não são fofoqueiros.
— Sra. Blazer, estamos de saída — falou Dean,
apressado. Ela que ficasse com suas dúvidas eternas, pois
não seriam esclarecidas agora. Ninguém jamais
compreenderia o motivo de tal mudança, já que Isabel era
insuportável.
— Senhor Hughes, estou feliz em revê-lo, pois demora
tanto a vir à Escócia. E trazer sua linda esposa foi muita
gentileza.
Voltando-se para Bella, ela disse: — Fui muito feliz no
meu casamento, pois, a despeito do que esperavam de
mim, só me casei quando encontrei o amor. Aquele amor
que, se estiver dentro das regras, será vivido e, se não
estiver, se rebelará e será vivido ainda assim. Quem
encontra esse sentimento é afortunado. Ninguém que os
veja pode duvidar do quanto se amam e hoje fui abençoada
com essa visita, pois não há nada que me deixe mais
esperançosa na vida do que ver o amor refletido nos olhos
de duas pessoas.
Ela pegou as mãos dos dois e as prendeu entre as suas,
antes de dizer:
— Bem se vê que nasceram um para o outro. Sejam
muito felizes.
Eles saíram completamente aturdidos. O que tinha
acontecido dentro daquela sala? O que aquela mulher tinha
dito era uma loucura, pensou Bella. A Sra. Blazer ficou
embevecida com a visão de um casal, certamente
acometida pela saudade que sentia do marido falecido.
Nada mais que isso.
Cavalgaram de volta à mesma árvore e pararam. Mas
dessa vez não desceram. Ficaram segurando suas rédeas,
olhando em direção às águas do rio, como se elas
pudessem levar as palavras daquela mulher.
— A Sra. Blazer a deixou envergonhada? — perguntou
Dean, virando o rosto para ela.
— É natural, ela só está me confundindo com Isabel —
esquivou-se ela da pergunta.
— Se eu tivesse trazido Isabel aqui, ela jamais teria dito
aquelas palavras.
Ficaram se olhando por um longo tempo, engasgados
com algo inexplicável, mas suficiente para fazê-los se calar.
Nada poderia ser dito. Tampouco explicado.
Chegando à mansão, Bella subiu imediatamente para
os seus aposentos e Dean foi direto para o seu escritório.
Quando começou a ver as correspondências que chegaram,
viu um envelope vindo de Oxfordshire. Era a carta que Bella
havia enviado para a irmã. A tal carta. A curiosidade foi
grande.
Não deveria. Não deveria. Não deveria de forma
alguma. Mas quando deu por si, Dean já estava abrindo o
envelope.
Podia parar agora. Mas pensando bem, a carta era para
Isabel. Ela não estava e ele precisava descobrir mais sobre
Bella. Não havia mal nisso.
Ele chamou isso de autopreservação.
Rapidamente, desdobrou o papel e deparou com uma
letra muito linda, elegante e bastante legível. 
 
Querida irmã,
 
Sei que desde a morte da nossa mãe não
lhe escrevi. Mas, como durante todo esse
tempo você só enviou três cartas, e em
nenhuma delas mostrou interesse em saber
notícias de sua família, deduzi que não deveria
continuar fazendo algo que talvez lhe
trouxesse desprazer. Mesmo assim, fiquei feliz
em saber que se casou com um homem bom.
Gostaria de não estar em uma situação de
urgente necessidade para não precisar te
incomodar, mas lamento informar que o nosso
pai tirou a própria vida. O que me arrebatou o
chão em todos os sentidos, uma vez que o seu
ato foi o reflexo do desespero por ter perdido
todos os nossos bens num jogo de cartas.
Como você bem sabe, não tenho mais
ninguém. Dessa forma, não vejo uma saída
imediata para a minha pessoa senão ir ter com
a sua família por um curto tempo, pois careço
urgente de moradia.
Vendi todos os pertences que não
estavam alienados na aposta — móveis e
pinturas — para partir.
...
 
A partir daí, Dean deixou de ler, pois já sabia o
principal. Ela falara a verdade desde que chegara.
Bella não se fez de vítima para ganhar sua proteção.
Não tinha mais um lar, mas a única coisa que lhe pediu,
antes da proposta dele, foi alguns dias para poder voltar.
Mas para que casa voltaria? Que pai desgraçado! Apostar
suas terras e tirar a vida covardemente, sem se importar
com a filha, que ficaria desamparada! Inacreditável que um
pai não pensasse no pós-morte. A moça já não tinha mãe e
ele certamente conhecia Isabel o suficiente para saber que
ela não daria guarida para a irmã.
Isso só o fez perceber o quanto Bella era admirável. E
pelo que estava observando, era a única pessoa da família
que nascera com caráter bem definido.
 
͠
A propriedade vizinha à de Dean pertencia ao seu
melhor amigo, Ian Crawford. Ele havia se apaixonado
perdidamente e se casado com uma linda mulher. Dean e
Ian se conheciam há muito tempo e suas propriedades em
Londres também ficavam próximas. Quando estava noivo,
Dean apresentou Isabel aos amigos e eles estavam entre as
pessoas que a achavam insuportável. Sempre que se
encontravam, o casal fazia questão de falar de assuntos que
só diziam respeito a Dean.
E quando tudo ruiu à sua volta, foi aquele casal que o
acolheu e aconselhou. Os amigos também sabiam sobre o
plano de Dean referente a Isabel, e sobre como ficara
devastado quando ela fugiu antes de ser pega em flagrante.
Naquela manhã, Dean resolveu fazer uma visita
informal. Enquanto bebericavam um uísque, a conversa
fluiu.
— Então sua bela esposa voltou? — perguntou Ian.
— Sim.
— Você pretende dar continuidade ao plano de se livrar
dela?
— Se me convidar para jantar, terá oportunidade de
saber muita coisa que não estou com disposição para falar
agora.
— Venha hoje, homem.
— Virei e trarei minha esposa.
Ian levantou os olhos sem entender nada. Para alguém
que já tinha passado por tanta coisa com a víbora da
esposa, a ponto de ter pensado em se tornar um assassino,
Dean estava muito feliz.
— Não se precipite em suas suposições, amigo! Mais
tarde você vai saber de tudo.
— Espero que não tenha resolvido se apaixonar por ela
depois de tudo que lhe fez. Inclusive depois dessa fuga,
você tem todo o direito de… de matá-la.
— Até mais tarde, Ian! — disse Dean, divertindo-se com
a situação.
 
͠
Dean aproveitou quando estava acompanhando Bella
durante uma excursão pela casa para falar do jantar.
— Hoje temos um jantar na casa de um casal amigo.
— Se o casal é amigo de vocês, vai perceber que não
sou Isabel.
— Quando eles perceberem, eu contarei a verdade.
— Não estou entendendo.
— São meus amigos, sua irmã não tinha amigos.
— E por que já não disse logo quem sou eu?
— Você é Bella, a minha esposa.
— Sim, mas… Quer dizer, não.
— Ian vivia pregando peças em mim quando éramos
mais jovens. Hoje eu vou brincar um pouco com ele e só
depois contarei a verdade.
Ela apenas riu. A convivência com o cunhado era
agradável, mas as sensações que sentia quando estava
perto dele eram muito desconfortáveis. Tinha de ficar
dizendo o tempo todo para si que ele era o esposo da irmã,
porque vez ou outra sentia como se fosse seu. Será que
aquele papel contendo o nome dela em vez do da irmã
tinha abalado seu subconsciente a ponto de acreditar que
era ela a esposa dele? Mas quem dormiu com Dean, quem o
beijou e quem teve uma filha com ele foi Isabel. O papel era
uma mentira, a verdade era que Isabel e Dean eram marido
e mulher e ponto final.
 
͠
Bella vestiu um deslumbrante vestido — o único que
trouxera realmente digno de ser admirado —, pois naquela
noite não estava com disposição para vestir nada da irmã, e
não precisaria representar. Deixou que duas criadas
arrumassem o seu cabelo com um belo penteado. O coque,
com a falsa impressão de ser frouxo, foi preso no alto da
cabeça. Alguns cachos caíam na lateral do seu rosto e
outros, menores, desciam pelo pescoço delicado.  No
entanto, não permitiu nenhuma maquiagem no rosto,
apesar da insistência das duas garotas.
Quando desceu, o cunhado estava em pé, no início da
escada, com uma mão dentro do bolso e a outra
descansando no corrimão.
— Desculpe o atraso.
— Você atrasou apenas dois minutos — disse ele,
tirando um relógio de dentro do bolso e verificando a hora.
Era tarde para esconder que estivera contando os
minutos — e os segundos também — para que ela
descesse. E ele não fez questão disso.
O mordomo, em posição ereta, digna de uma pessoa
ocupante dessa função, tentava aparentar neutralidade.
Fora treinado para esconder expressões de desagrado ou
felicidade. Mordomos serviam para servir. E só. Mas
ultimamente aquilo tinha se tornado um custo!
Os empregados nunca ficaram sabendo o que
acontecera para que esse casamento ocorresse, pois assim
que aquela mulher passou a morar na mansão de Londres, o
casal ficou afastado. Nunca fizeram uma refeição juntos e as
poucas vezes em que conversaram foram pautadas por
monólogos que não esclareciam esse mistério. Fato é que,
como ela sempre estava sozinha, aproveitava para
demonstrar seu desprezo pelas classes menos favorecidas,
humilhando e exigindo que fizessem coisas degradantes.
Todos a odiavam e tinham acalentado a esperança de que
nunca mais voltasse.
Depois de tantos meses juntos, no entanto separados,
não compreenderam o porquê de o patrão levar aquela
víbora com eles para a Escócia.
O mordomo mordeu o lábio inferior, tentando entender
o que estava se passando. Que situação estranha! Sua
patroa viajara e voltara parecendo outra pessoa, e seu
patrão parecia ter esquecido que eles não passavam de
estranhos dentro de casa. Esta mulher, todavia, parecia ser
a encarnação de outra. O que será que estava planejando,
assumindo uma identidade dócil e educada? Se estivesse
querendo se fazer desejada pelo marido, parece que estava
conseguindo. Mas será que ele seria correspondido?
Quando Bella e Dean saíram pela porta larga e pesada
de madeira, as cores do sol pareciam uma tela em que o
pintor tinha jogado tintas de diversas nuances de forma
aleatória, formando uns rasgos coloridos e brilhantes. Ele a
ajudou a subir na carruagem e sentou-se ao lado dela, o que
fez com que suas grandes pernas tocassem em Bella. Ela
forçou-se a ignorar o toque não intencional e seguiram
calados. Ao toque de Dean no capô, o cocheiro deu início à
pequena jornada.
Da estrada, ao longe, dava para ver a entrada da casa
dos amigos de Dean, um caminho ladeado por árvores
frondosas, tendo ao fundo a linda mansão.
Chegando lá, Bella observou que o jardim não tinha
flores, como o da casa de Dean, apenas gramados aparados
e bem cuidados.
Foram recebidos por um mordomo mais jovem e
simpático do que os todos os que Bella já conhecera. Fato
que estranhou, pois estava acostumada a ver essa classe de
empregados com idade mais avançada e semblante mais
circunspecto.
Foram levados a uma pequena biblioteca, cuja porta
ficara aberta e dava de frente para a escada. Ficaram
aguardando os donos da casa, ainda calados.
O casal desceu de mãos dadas, acontecimento que
mais uma vez chamou a atenção de Bella. Será que era um
casal que vivia de aparências? Não parecia.
O homem era alto, tinha cabelos castanhos e olhos
escuros. De porte altivo, seu andar demonstrava uma
elegância nata, e o semblante demonstrava o amor e o
cuidado com a esposa, o que era facilmente percebido pela
forma como a guiava de encontro aos recém-chegados.
A mulher era linda. Tinha os cabelos castanho-escuros
escorridos até a cintura, olhos castanhos encimados por
longos cílios, sob as sobrancelhas espessas e pretas; a boca
exibia um sorriso tímido, daqueles que só se expandia
quando criava intimidade com as pessoas. Bella gostou do
casal assim que colocou os olhos nele.
— Dean, meu velho, até que enfim chegaram.
O amigo deu-lhe um aperto de mão muito forte e
fizeram uma espécie de brincadeira de quem suportava
mais tempo aquele aperto.
Até que começaram a rir e ambos cederam na mesma
hora e soltaram as mãos, encerrando a brincadeira.
A esposa sorria olhando para os dois naqueles poucos
segundos. Bella esperou ser contemplada por aquele
sorriso, mas quando a bela mulher se voltou para ela, o
sorriso tinha desaparecido do seu rosto e ela a
cumprimentou friamente.
Então Bella lembrou-se de que naquela ocasião era
Isabel. Sua irmã deveria ter se comportado muito mal,
porque até aquele momento, não foi bem tratada por
ninguém.
Ian, o amigo do marido, foi mais solícito e lhe enviou
um breve sorriso. Mas em seguida lhe deu as costas e levou
a esposa para se sentar em uma confortável poltrona,
trazendo o seu maleável corpo para perto e passando o
braço em torno do ombro dela. Quando se olhavam,
demonstravam tanto carinho que constrangia quem estava
perto. Bella se pegou olhando para os lados e em
determinado momento encontrou o olhar especulativo de
Dean, que tinha uma perna apoiada no joelho e um dedo no
queixo.
Ian levantou-se e dirigiu-se a um pequeno bar, próximo
a uma charmosa lareira. Colocou dois copos de uísque e
olhou para Bella.
— Brandy ou uísque?
— Desculpe, não bebo.
Ele franziu a testa instantaneamente e olhou para
Dean, numa pergunta muda, cuja resposta foi um leve
sorriso.
— Desde quando parou de beber?
— Eu nunca bebi.
Ele assentiu, desconfiado, e, aproximando-se de Dean
para lhe entregar o copo, perguntou-lhe:
— Por que tenho a impressão de que ela bateu a
cabeça?
— Talvez você ainda não tenha conhecido a minha
verdadeira mulher.
— Que brincadeira é essa, Dean?
— Quem vai descobrir é você, amigo.
Ele estava claramente se divertindo.
— Você nunca falou sobre sua infância, seus amigos,
sua família — falou a linda mulher e Bella percebeu que não
sabia o seu nome, pois se esquecera de perguntar ao
cunhado.
— Cindy, meu bem, Bella nunca falou sobre seu
passado e não é hoje que você vai conseguir esse feito. —
Ian aparteou a conversa das duas e Bella tentou registrar
mentalmente o nome dela, antes de responder.
— Sou de Oxfordshire, um condado agrícola situado no
sudeste da Inglaterra. Suas colinas verdes e extensas são
um convite a um belo e longo passeio. E o que dizer da
primavera, que nos faz perder horas admirando uma imensa
variedade de flores! Se é que se perde tempo admirando a
obra do Criador — contrariando todas as expectativas, Bella
respondeu prontamente.
Todos se voltaram, perplexos, como se ela estivesse
falando sobre um bicho de duzentas cabeças ou como se
fosse um. Ela não se fez de rogada. Já era hora de acabar
com aquela brincadeira.
— Meu pai se chamava Martin Blanchett e minha mãe,
Eloise. Ambos morreram. Da minha família, só resta a minha
irmã gêmea, Isabel.
Se podia ser ela mesma, era hora de começar.
Antes que fornecesse mais informações sobre sua vida,
foram chamados para o jantar. Ela suspirou e resignou-se,
mas sentiu que a antipatia antes direcionada para ela tinha
sido substituída por uma enorme curiosidade.
Seguiram para uma sala muito grande, repleta de
lustres com velas acesas, tornando o ambiente amarelado e
bastante claro. Ela sentou-se em frente ao marido; Ian
sentou-se na cabeceira da mesa e a esposa, do seu lado
direito. De vez em quando, ele esticava a mão para tocar o
braço, o queixo ou os cabelos de Cindy numa incontestável
demonstração de afeto. Não só de afeto, mas de adoração.
Ele parecia ser apaixonado pela esposa.
Os pratos eram servidos, Ian e Dean travaram uma
conversa animada — para os homens — sobre caça e pesca.
Enquanto isso, as mulheres se ocupavam apenas em se
alimentar. A dona da casa não parecia interessada em
manter uma conversa com ela.
Já estavam no terceiro prato, quando as conversas de
novo se voltaram para Bella. Novamente Cindy foi a
interlocutora:
— Desculpe a insistência em assuntos que talvez você
prefira não falar, mas desejo aproveitar sua disposição e
saber mais um pouco sobre a sua vida, se não for incômodo.
— Não é incômodo nenhum falar sobre a minha vida —
disse Bella carinhosamente ao passar o guardanapo nos
lábios. A expressão educada e tranquila da moça foi
desconcertante, de modo que Cindy arregalou os olhos e se
voltou para o marido, demonstrando sua confusão com
tamanha mudança na esposa de Dean.
 
͠
A partir daí, as duas conversaram bastante e Bella não
se furtou de responder nenhuma pergunta de Cindy. Falou
sobre a infância, as amigas que havia deixado para trás, o
tipo de comida preferida, enfim, falou de si. E os deixou
cada vez mais confusos.
O balançar das chamas produzia um efeito dourado na
pele de Bella, de modo que Dean nunca a vira mais bonita e
digna do nome que carregava. Ela tinha uma beleza que
transcendia do interior e se expandia, tornando-a um ser
único e especial. Teve de desviar os olhos depressa, pois a
admiração que estava desenvolvendo pela cunhada não
tinha nada de normal e também não tinha futuro depois que
Isabel voltasse e eles resolvessem a questão da anulação. A
não ser que ele tivesse que criar esse futuro, caso ela não
voltasse.
Bella foi a protagonista da noite. Como uma pessoa
tinha a incrível capacidade de, dentro de poucas horas,
desfazer um rótulo de longos meses? Ela era admirável. De
forma que Dean se pegou novamente imaginando como
teria sido diferente se a tivesse conhecido em vez de Isabel.
Ele a teria amado? Com toda a certeza! E desejou que a
falsa esposa nunca mais acertasse o rumo de volta. Mas, se
isso acontecesse, Bella aceitaria ser sua esposa de verdade,
assumindo de vez o lugar da irmã? Pelo seu caráter ilibado,
provavelmente não. E se só houvesse essa alternativa para
os dois?
Estava tão impactado pela leveza da conversa e pela
beleza estonteante da moça, que tomou mais vinho do que
o normal em uma refeição. Ian o observava pelo canto dos
olhos. Mas a sua observação ia além. Estendia-se a Bella.
— Mate a minha aguçada curiosidade e me responda
por que você abdicou de maquiagem nesta noite. — Quis
saber Cindy, cada minuto mais confusa.
— Eu não uso maquiagem.
Ela não suportou mais aquele desplante; colocou o
guardanapo na mesa e se dirigiu a Dean.
— Perdoe-me a franqueza, mas já que sua esposa está
desempenhando uma peça teatral, da qual não consegue se
desvencilhar do papel, por mais que eu tenha tentado, você
poderia me dizer que motivo os levou a vir aqui fazer
chacota da nossa cara?
O marido tocou no seu braço, para que se acalmasse,
antes de se voltar para Bella.
— Você é Isabel, a irmã gêmea de Bella. — Antes que
ela falasse, Ian continuou, sob o olhar divertido de Dean: —
Poucos minutos depois que chegaram, eu percebi que você,
apesar de muito parecida com Bella, era outra pessoa. No
desenrolar da conversa, concluí que se trata da irmã
gêmea, visto que trouxe à baila informações familiares
preciosas que claramente são verdadeiras. Fiquei esperando
para ver até aonde ia essa brincadeira, mas como não gosto
de ver minha esposa apreensiva, devo lhe informar que é
hora de acabar com isso.
— Você não é Bella? Meu Deus, são idênticas – disse
Cindy, com as mãos na boca, antes que ela pudesse
responder, e já reconhecendo que seu marido estava certo
na sua descoberta.
— Esta é Bella e a mulher com quem me casei se
chama Isabel, mas isso é uma longa e complicada história
que contaremos depois do jantar. E antes que pensem que
ela se divertiu com a brincadeira, quero deixar claro que é
culpa minha. Desde que entrou nesta casa, Bella foi
totalmente verdadeira, haja vista que não se esquivou de
nenhuma pergunta — informou Dean na defesa de Bella.
Ian e a esposa começaram a rir. Só depois das risadas,
Bella respirou aliviada e relaxou o corpo até o limite em que
uma mulher com espartilho conseguia.
— Você não se cansa de procurar uma vingança, não é,
meu amigo? — disse Ian, alegre.
— Acho que agora não vou mais precisar, pois a de
hoje sobrepujou todas as brincadeiras de mau gosto que
você me fez passar em Eton.
— Como se você não tivesse feito a mesma coisa
comigo! — Ian revidou.
— Eu lhe devo lembrar que você ganhou a última e eu
estava em desvantagem. Agora estamos quites.
Depois disso, os quatro terminaram a refeição e
voltaram à biblioteca. Como Dean já tinha tomado vinho até
ultrapassar seu limite, recusou o uísque. E então, contaram
a história toda ao casal, que ficou completamente
estarrecido.
— Eu não vou dizer o que eu acho dessa história
porque senão vou ferir os ouvidos da moça com muitas
imprecações — disse Ian.
— E eu não vou dizer o que penso porque apesar de
tudo a outra é sua irmã. Mas vou lhe dar um aviso: você não
precisa de inimigo, pois já tem uma de grande porte e capaz
de fazer qualquer coisa para te destruir.
— Eu não acredito que a minha irmã seja capaz de me
machucar, tenho de escutar seus motivos antes de tirar
conclusões apressadas.
— Apressadas? Acho que ela teve tempo suficiente
para se arrepender.
— Isso tudo está muito recente para mim e estou
tentando encontrar uma razão — disse Bella, sabendo que
não encontraria uma razão plausível.
— Deus abençoe sua índole boa e a conserve assim. —
Cindy deu um abraço de compaixão em Bella e perguntou:
— Podemos ser amigas?
— Se eu for digna desse privilégio — falou Bella
humildemente.
— Será um prazer ter uma pessoa neste fim de mundo
para conversar, cavalgar, caminhar… enfim, fazer coisas
juntas.
— E eu, fico em que lugar? — perguntou Ian,
provocando a esposa.
— Em primeiro, minha vida. — Cindy depositou um
beijo nos lábios do marido, que rodeou sua cintura, puxou-a
para mais perto e disse-lhe algo no ouvido, fazendo-a corar.
— Como Dean, meu esposo é irlandês — disse ela,
ostentando um sorriso travesso.
Quando estavam retornando para casa, Bella
perguntou ao cunhado o que a mais recente amiga quis
dizer ao falar que o esposo era irlandês. Ele sorriu, antes de
responder:
— Ela quis dizer que os irlandeses têm sangue quente
— depois de alguns segundos de pausa, completou: — na
cama.
Bella virou o rosto para a janela para esconder a
vergonha que sentiu.  Agora entendia a razão do sorriso
arteiro de Cindy. Nunca tinha ouvido falar de cama naquele
contexto, tão abertamente. Uma dama não podia sequer
pensar em gostar de ouvir coisas que esquentavam
algumas partes do corpo e faziam outras latejar.
Dean podia jurar que, se pudesse enxergar, encontraria
o rosto da cunhada totalmente vermelho. Ainda bem que a
escuridão da noite a protegeu. Depois disso não deram mais
uma palavra, só quando se despediram com um simples
boa noite.
Capítulo 7
 
Nos três dias seguintes, os encontros entre os dois casais
tornaram-se rotineiros. Fizeram piqueniques, jogaram cartas
e se divertiram com charadas tentando adivinhar as coisas
mais mirabolantes encenadas por mímicas, que os faziam
rir às gargalhadas.
Na terceira noite, estavam em frente à lareira e a
conversa fácil e animada convergiu para um assunto que
Bella sentia curiosidade, sempre que via o romance exposto
nas atitudes daqueles dois.
— Como vocês se conheceram? — perguntou Bella,
afoita por uma história bonita; a deles tinha tudo para ser
linda.
Olhando carinhosamente para o esposo, Cindy iniciou:
— Eu havia terminado um compromisso há alguns
meses que quase me levara a um noivado e sentia a
necessidade de encontrar a minha cara-metade. No
entanto, estava cada vez mais difícil encontrar um rapaz
que se encaixasse comigo. Então, certo dia, durante uma
visita à casa da futura sogra do meu irmão, ela me olhou e,
percebendo minha tristeza por conta do fim do referido
compromisso, perguntou o que poderia fazer por mim. Eu
respondi, brincando, que ela podia arranjar um amor para
me alegrar. Eu brinquei até dizendo as características físicas
do moço. Ela não se fez de rogada e respondeu que já
conhecia esse rapaz. Claro que não acreditei. Mas qual não
foi a minha surpresa quando o seu marido surgiu com um
retrato de um rapaz cuja fisionomia me agradou
imediatamente. No entanto, quando soube a cidade onde
ele morava, logo vi que não tínhamos chance de dar certo,
pois jamais nos veríamos.
Ian começou a contar a parte dele.
— E eu tinha acabado um compromisso e também
procurava a minha cara-metade. Todavia não conseguia
visualizar no meio onde circulava alguém que combinasse
comigo. Bem, um dia eu recebi uma carta de uma tia muito
querida informando-me que ela havia encontrado a esposa
perfeita para mim. Daí veio a descrição da moça: alta,
cabelos castanho-escuros compridos e escorridos, linda e, o
melhor, era irmã do futuro genro dela. Imagine, tínhamos
laços familiares nos ligando e nunca havíamos nos
encontrado. Nem sabíamos da existência um do outro na
verdade.
Cindy retomou.
— Resumindo: ela deu um jeito de trazer o sobrinho
para o seu aniversário, ao qual eu compareceria, para que
nos encontrássemos.
— Quanto a mim, só tinha a promessa da minha tia de
que não me arrependeria quando a conhecesse, pois não
tive a mesma sorte dela, uma vez que nenhum retrato me
foi mostrado. Mas algo me impelia àquela cidade, apesar de
ser uma pessoa extremamente metódica. Além do mais, ao
conversar com o meu pai sobre o assunto ele me ajudou a
tomar a decisão, quando me perguntou o que eu perderia
se conhecesse a moça. Ele me fez enxergar que, das duas
coisas, uma aconteceria: ela poderia ser aquela que
preencheria os requisitos para um futuro casamento, ou
surgiria uma amizade na ausência de um sentimento mais
intenso.
— Assim que o vi, antes mesmo de sermos
apresentados formalmente, meu coração se alterou e eu
senti algo diferente. Era ele.
— Quando a vi, ainda de longe, pensei que nunca vira
moça mais encantadora. Era muito melhor do que o descrito
por minha tia. A viagem não tinha sido em vão. Era ela.
Os olhares dos dois se conectavam carinhosamente
enquanto contavam a história. Cindy continuou a narração:
— Nossos encontros aconteciam sempre na companhia
de amigos e parentes e eu tinha necessidade de conversar
a sós com ele para saber se realmente combinávamos.
Então, ousei e o convidei para nos encontrarmos sem a
presença de ninguém. Não me arrependi, pois quanto mais
conversávamos, mais identificava pontos coincidentes de
nossas personalidades, atrelando nossas vidas de uma
forma maravilhosa.
— Assim, na hora de me despedir, voltei o rosto para
ela e perguntei: temos um compromisso?
Antes que ele continuasse, Cindy falou:
— Eu respondi: sim.
— Esse foi o início de várias viagens extremamente
longas e cansativas da minha cidade para a dela, a fim de
que pudéssemos nos conhecer melhor antes de firmarmos
um compromisso de casamento — disse Ian.
— Quando e onde menos esperamos podemos
encontrar o amor — falou Cindy.
— Costumo dizer que o amor é um acidente —
ponderou Bella.
— Acidente? — questionou Cindy.
— Sim, pois quase sempre o amor acontece de forma
inesperada.
— Pensando por esse lado, você tem razão. Mas
conheço várias pessoas que se apaixonaram e aos poucos a
paixão culminou num grande amor. E outros nem eram
apaixonados e terminaram encontrando o amor na
companhia um do outro.
— Mesmo assim não deixa de ser um acidente, pois
uma paixão que se transforma em amor não acontece de
forma planejada e ainda mais quando nem se espera amar
a pessoa.
Depois de alguns segundos, Bella voltou ao assunto.
— E como saber se é amor? — perguntou ela.
— Joelhos moles, coração ribombando, mãos tremendo
e suando, mente divagando, entre outras coisas, são
sintomas de que estamos amando – respondeu Cindy.
Dean, que estava encostado no console da lareira com
uma mão enfiada no bolso da calça, fixou o olhar no dela,
que desviou o seu imediatamente, encabulada. Seu
cunhado a deixava sem jeito e a convivência com ele estava
se tornando tão necessária que o primeiro pensamento que
surgia quando acordava era ele. Aquilo a estava
incomodando demais, pois quando estavam próximos seu
coração dava pulos e suas pernas ficavam trêmulas. Jesus,
estaria se apaixonando pelo esposo de sua irmã? Depois de
escutar aquele relato do que seria o amor, era provável que
sim.
Graças a Deus não teve que responder a si mesma o
questionamento pertinente, pois de repente, uma
menininha entrou com a babá, falando com uma voz suave
e extremamente doce e baixinha. Ela era simplesmente
encantadora e linda. Tinha o cabelo castanho-claro fino e
liso até próximo das pontas, que caíam até abaixo dos
ombros em grandes cachos. Devia ter mais ou menos dois
anos e seu nome era Julia. Os olhos eram idênticos aos do
pai; na verdade, ela era a cara dele. Da mãe, havia herdado
apenas a boca e o nariz. As risadinhas encantadoras faziam
qualquer mortal se derreter e para se apaixonar por ela era
só o tempo de colocar os olhos naquele rosto delicado e
expressivo.
Bella, que amava criança, ajoelhou-se no tapete e
começou a brincar com a menininha, que logo foi lhe
mostrando vários livros de gravuras e pedindo-lhe para
contar as historinhas ali contidas e desenhadas. Os casais
se dividiram entre conversar e dar atenção à garotinha, que
só os deixava em paz quando Bella encontrava uma história
mais interessante e usava sua voz para imitar os
personagens. Isso a entreteve até que a babá veio buscar a
menina para dormir.
Dean até estava procurando tirar a atenção da
cunhada, tentando pensar em outras coisas e apagar de sua
mente aquele sorriso sincero, e da sua lembrança o balanço
dos seios redondos toda vez que ela se movimentava. Mas
era difícil não enxergar isso e ainda a atenção especial que
dava à filha dos amigos, quando ela estava sentada bem à
sua frente, no chão, com o vestido espalhado no tapete e se
desdobrando para agradar à garotinha. Bella transbordava
de amor e alegria. Cada milímetro de descoberta de sua
personalidade fascinava Dean ainda mais. Sua inocência era
verdadeira e o fazia querer fazer coisas malucas com aquele
corpo. Começando por tirar essa inocência. A inocência
tinha um quê de afrodisíaco.
Homens e seus pensamentos impuros!
O que ele estava fazendo? Devia estar louco. Sim,
desde que Isabel entrou na vida dele um estado de loucura
foi se instalando. Mas Bella chegou trazendo lucidez e
alvíssaras para ele e Annie, uma criança que sempre fora
colocada em último plano pela mãe. Desejou que a falsa
esposa nunca mais voltasse.
Ainda estava meditando sobre o assunto quando voltou
a escutar a conversa entre Bella e Cindy.
— Percebi que Julia adora os livrinhos — disse Bella,
com olhos brilhantes.
— Sinto bastante prazer em dizer que ela os prefere a
qualquer outro brinquedo.
— Leitura é bagagem de aprendizagem, de
conhecimento e de vida. A predileção de Julia por isso a
tornará uma grande desbravadora de conhecimento, o que
implica no afastamento de homens que preferem as
mulheres mais convencionais — declarou Bella.
— Você quer dizer mulheres pouco inteligentes, não é?
— Sim. Tenho de lhe dar razão. Geralmente os homens
preferem ser a fonte de informações, quando estas se
referem a assuntos de atualidade, política ou economia
locais e mundiais, ou qualquer outro que se adquira por
meio da leitura, relegando às mulheres o papel de guardiãs
dos lares, onde devem se restringir às conversas fúteis para
não eclipsar o papel principal, que é do homem.
Dean a olhou intrigado. Mais uma característica a
diferenciava e a distanciava da irmã. Apesar de ser uma
mulher extremamente feminina, ela parecia ser possuidora
de uma inteligência advinda de diferentes livros.
Interessante, pelo temperamento romântico demonstrado
no gazebo, acreditava que ela preferia ler romances.  
Ian também as observava, enquanto elas travavam
argumentos alusivos aos papéis dos sexos opostos.
De vez em quando os dois amigos se olhavam e
sorriam, conforme elas discorriam sobre o assunto que em
outras casas mulheres não teriam oportunidade. Realmente,
mulheres não tinham papel de destaque e suas opiniões não
eram levadas em consideração pela maioria das pessoas.
Uma pena, pois muitas decisões erradas poderiam ter sido
evitadas se tão somente homens de posição elevada
escutassem suas mulheres — algumas, diga-se sem medo
de errar — muito mais sábias que alguns deles.
— Não temos como esperar muito dessa sociedade,
mas nos importamos com o futuro dela de uma forma
especial e diferente da maioria — disse Cindy. — Queremos
que Julia seja feliz e não se sinta obrigada a se casar com
um homem que não ame e que não a ame também. 
— Preciso dizer o quanto os admiro. Pais que não veem
o casamento como uma tábua de salvação para as filhas
chocam a sociedade, já que destoam da maioria. 
— Acredito que ao menos aqueles que se casaram por
amor e vivem a felicidade conjugal desejam a mesma coisa
para suas filhas.
Depois de alguns segundos, em que Bella se ocupava
de recolher os brinquedos de Julia, Cindy apenas a
observava. Quando, enfim, ela voltou a se sentar com os
demais, ela abordou um assunto que imediatamente
enrijeceu o corpo da moça. Mas não deixava de ter ligação
com o que estavam conversando há pouco.
— Você tem um pretendente lhe esperando quando
voltar para Oxfordshire?
— Não — respondeu ela, com voz baixa.
— Mas certamente tem intenção de amar alguém —
insistiu Cindy.
— Isso é imprevisível. Não se procura amar alguém. O
amor acontece até mesmo quando não queremos. Mas não
tenho intenção romântica com ninguém.
— Reconheço que sim. Como você diz: o amor é um
acidente. — Cindy sorriu.
Bella não quis dizer que talvez jamais encontrasse
alguém para se casar, visto que não tinha uma família com
conexões. Se ficasse na casa de alguma amiga, o máximo
que ia acontecer era acompanhá-la em seus passeios, mas
a amiga é que seria cortejada, pois tinha dote e família
completa, o que lhe garantia um bom casamento.
A menos que algum homem não se importasse com
isso e a amasse pelo que ela era. Agora que a irmã estava
fora do mercado casamenteiro, talvez tivesse uma chance.
A intensidade do olhar de Dean era tamanha que ela
sentia a pele comichando. O que aquilo queria dizer? Por
que ele fazia isso?
Cindy e Ian se entreolharam, depois de os observarem
numa comunicação silenciosa de quem entendia o que
estava acontecendo com aqueles dois.
Dean podia jurar que Bella sentia o seu olhar e que o
vínculo entre os dois cada dia se tornava mais forte. 
Naquela noite, voltaram para casa tão calados que
qualquer barulho era ouvido na sua plenitude. O silêncio
absoluto potencializa qualquer ruído. O trotar dos cavalos
parecia se arrastar, pois a distância entre as propriedades,
que não era longa, demorou mais do que nos outros dias. A
invisível intimidade entre os dois deixará de ser sutil e isso
incomodava Bella por demais. Seus sentimentos estavam
completamente confusos e ela já começava a se perguntar
se os dele também. Em determinado momento, em meio à
escuridão, ela o olhou de lado e, quando viu que ele a
olhava também, mesmo que não tenha visto a expressão de
desejo em seus olhos, prendeu a respiração para que ele
não escutasse o suspiro que queria escapar de sua
garganta.
Um desejo fora de todos os padrões tomou conta de
Dean e não era apenas algo carnal; era algo que queria
impelir o corpo dele para o de Bella, nem que fosse para
pegar em sua mão. E essa sensação foi tão intensa que
quando percebeu já estava fazendo isso. Ele colocou a mão
direita sobre a esquerda dela, que não conseguiu se
desvencilhar daquele cálido contato. E assim ficou até
chegarem na mansão.
Quando a carruagem parou, ela esperou que o cocheiro
abrisse a porta, mas quem o fez foi Dean, que, em vez de
descer a escadinha para ela sair, pegou-a pela cintura,
levando-a ao chão. Em seguida, ele passou o braço em seus
ombros e entraram. No pé da escada, Bella se despediu,
envergonhada.
— Boa noite, Dean!
— Não terei. — A breve resposta dele transparecia que
passaria a noite em claro.
Bella subiu as escadas depressa sob os olhos
semicerrados dele, e assim que chegou ao quarto, fechou a
porta e se encostou nela, respirando profundamente. Essa
tremedeira nas pernas e as rápidas batidas do coração
eram sinais de quem estava amando. Ela tocou a mão que
ele pegou minutos atrás e a levou ao coração. Tinha de
evitar qualquer contato com Dean. Não era certo. Apesar de
serem casados, ele era de sua irmã. E essa constatação a
devastou. Ela não conseguia nem imaginar aquele mesmo
contato em Isabel. Um sentimento de possessividade e
ciúme tomou conta dela, e outro, muito mais devastador a
consumiu: inveja. Era a primeira vez que desejava alguma
coisa de Isabel. Nunca, em todo o curso da sua existência,
desejou algo de alguém. Até agora.
Enquanto Dean a observava subir, tentou colocar os
pensamentos e o corpo em ordem. Coisa bastante
complicada.
Sentimentos ambíguos lutavam dentro dele. Razão
brigava com instinto. Esse último, ele só se lembrava de ter
falhado uma vez, com Isabel. Mas isso devia-se ao fato de
ter sido um noivado muito rápido, o que dificultou descobrir
que ela não passava de um embuste.
Talvez porque aparentemente a natureza de Bella fosse
tão diferente da irmã, além de exalar um cheiro de rosas
suave e estimulante; todos os seus instintos mandavam
informações ao seu cérebro de que ela era pura e simples. E
o que faria com essa descoberta? Em que confusão estava
metido! Casado de fato com uma mulher que nunca tinha
sido sua; e diante das pessoas com uma farsante, já que
nunca a teve em sua cama. 
Não desejava dar liberdade para Bella pertencer a
outro homem. E a despeito do ser racional, como sempre
fora, a lógica das coisas vinha perdendo terreno para algo
muito maior. Ela era sua. Não sabia o que fazer para tornar
isso verdadeiro e, muito menos, como convencer Bella a
aceitar que os dois deveriam ficar juntos, voltando Isabel ou
não.
O amor pode nascer em tão pouco tempo? Não, não
era amor. Era admiração e a beleza dela, estonteante e
simples, que o tirava de tempo. Admiração e
possessividade?
Nunca amara uma mulher; já sentira estima e até
paixão, daquelas tão carnais que ele era vencido na cama.
Sentira também paixão puramente física provocada por
beleza, a ponto de ser empurrado para uma situação nada
conveniente, levando-o a um casamento com uma golpista.
Mas amor, nunca. Mas estava a um passo de amar essa
mulher. Um passo era tão pouco. Isso queria dizer que
estava no limiar.
Ele foi à biblioteca tomar uma boa dose de uísque para
se acalmar. Nunca havia sentido nada igual na vida. De uma
dose, surgiram tantas outras que subiu ao quarto perto de
amanhecer o dia, quase se arrastando de tão bêbado.
Capítulo 8
 
No dia seguinte, tanto um quanto outro permaneceram em
seus respectivos aposentos; Bella, envergonhada demais
para descer; e ele, curando-se da ressaca.
Mas a noite ia chegar e, com ela, o jantar. Bella estava
num estado de nervos tão terrível, que já começava a
pensar em uma forma de não comparecer. Mas, será que
estava dando importância demais a algo que talvez só
tivesse existido na sua cabeça? E se o toque dele tivesse
sido apenas uma atitude de proteção devido ao frio? Estava
frio na noite anterior? Nem se lembrava. Para que Dean não
desconfiasse do que se passava com ela, era conveniente
que descesse. Com sorte, talvez ele já tivesse jantado, já
que estava atrasada. E assim, após vestir um de seus
vestidos, saiu do quarto num rompante. Quando abriu a
porta, deu de cara com uma mão levantada pronta para
bater. O motivo do seu tormento estava à sua frente. Teve
de fazer um esforço supremo para não desmaiar, pois as
pernas começaram a tremer na mesma hora.
— Vim ver se você estava bem, pois nunca se atrasa.
— Eu… eu…
— Não importa. Vamos descer — ele disse, percebendo
que ela procurava uma desculpa.
Dean ofereceu o braço para que ela o tomasse.
Tentando esconder as emoções, Bella conseguiu chegar à
cadeira, que ele, galantemente, afastou para que se
sentasse.
O mordomo olhava para ela com um misto de
desconfiança e simpatia. Desde que a patroa voltara de
viagem, só havia demonstrado educação e bons modos com
todos, fazendo-os repensar a forma como deveriam tratá-la.
— A senhora quer vinho hoje? — perguntou um solícito
criado, enquanto virava devagar a garrafa diante do copo
dela.
— Obrigada, Sr. Flintwood, não quero vinho. — Tocou
delicadamente o seu braço para impedi-lo de derramar a
bebida.
O criado ficou espantado pela delicadeza de Bella e por
tê-lo tratado pelo nome. Ela nunca fizera questão de
conhecer nenhum serviçal, pois se achava muito superior.
Sempre os tratara com indiferença indisfarçada. Agora, no
entanto, parecia apreciar o trabalho de todos e havia
respeito em suas atitudes.
Os pratos foram sendo trazidos pouco a pouco e o
silêncio já se tornava tão constrangedor que Bella não
sentia mais o gosto das iguarias, ainda que deliciosas.
— Desculpe por não ter descido hoje de manhã.
Os dois disseram na mesma hora. O que foi motivo
para começarem a rir, desfazendo um pouco o mal-estar.
— Por que você não desceu? — Dean saiu na dianteira
das perguntas.
— Eu não estava me sentindo bem.
Não deixava de ser verdade, pois sentimentos
totalmente descontrolados eram motivos suficientes para
uma pessoa passar mal.
— E eu estava de ressaca — respondeu ele,
antecipando-se à pergunta dela.
— Nunca o vi passar dos limites na bebida.
Somente quando falou e viu o brilho escuro dos olhos
de Dean, percebeu que não deveria ter dito aquilo. Ele a
fitou em silêncio por um longo tempo, antes de responder.
— Afirmo, com veemência, que é a segunda vez que
acontece isso comigo desde que comecei a ingerir bebida
alcoólica. Ouso dizer que sempre fui muito comedido —
disse Dean, lembrando que, curiosamente, nas duas vezes
em que ele se embriagou, havia sido por motivos
relacionados às irmãs.
Alguma coisa dizia a Bella que não deveria perguntar o
motivo de ele ter feito isso e, mais ainda, que não deveria
levantar os olhos para ele. E ela venceu.
— Ontem fui obrigado a me valer do benefício da
embriaguez que o álcool promove.
Embora tenha ouvido nitidamente, ela permaneceu
com os olhos baixos. Também sabia que não deveria
perguntar sobre o motivo de sua inquietude. Tinha
convicção de que tinha a ver com os momentos que
antecederam a chegada deles em casa. Especificamente
dentro da carruagem. Os motivos eram parecidos com os
dela, mas em vez de enfiar a cara na bebida — ah, se
damas pudessem fazer isso —, ela passou a noite rolando
na cama.
Assim que acabaram de jantar, foram para seus
aposentos, pensativos e desejosos de que a noite logo
passasse para trazer o dia seguinte, quando se veriam
novamente.
De manhã, Dean estava no escritório com o advogado
tratando de problemas relacionados a inquilinos e também
a negócios. Depois de haver assinado os documentos
necessários para que um novo carregamento fosse enviado
para Portugal, um barulho no jardim lhe chamou a atenção.
Ele levantou-se e foi até a janela, de onde ficou
observando uma cena comovente: Bella ensinando Annie a
andar. Ela encorajava a menina a sair da segurança dos
braços da babá para ir até os seus. E quando Annie dava um
ou dois passos, batia palmas, abraçava-a e a erguia do chão
entre muitos sorrisos e palavras de incentivo. Mas ele
estava no segundo piso e não conseguia ver direito.
Esquecendo-se do advogado, Dean não conseguia se
afastar da janela. Precisava gravar na memória aquela cena
especial. A curiosidade venceu. Sem ouvir a pergunta que
acabara de ser feita, ele saiu, deixando o homem falando
sozinho.
Ele desceu a escada e dirigiu-se ao jardim. Quando
Bella o viu, dispensou a babá, alegando que o pai da
menina a substituiria. Dean ficou aturdido, sem saber o que
fazer. Bella nem sonhava que ele não era o pai de Annie. Ele
nunca se aproximara menos de um metro de distância da
garotinha, uma vez que preferiu ficar indiferente à sua
presença.
— Olha quem chegou, meu amor! Papai.
Dean estremeceu ante aquela palavra. Mas não teve
coragem de desdizer. Nunca havia pensado no que fazer
quando a menina começasse a falar. Na verdade, tinha
convicção de que não estaria mais morando com ele.
— Fique ali. – Apontou ela para o lugar deixado pela
babá.
Dean sentou-se de pernas cruzadas e ela então postou
Annie de frente para ele, soltando-a aos poucos para que a
menina pudesse caminhar. Depois de três tentativas, ela
deu dois passos. A partir daí, a cada tentativa um passo era
acrescido, de modo que ela começou a andar, mesmo que
ainda insegura. E as gargalhadas de Bella e os abraços que
dava na menina eram tão contagiantes, que ele sentia-se
tentado a fazer o mesmo.
Naquele exato momento, a menina balbuciou:
— Papá, papá…
Franzindo a testa, Dean perguntou: — Quem a ensinou
a me chamar assim?
— Eu tenho feito isso regularmente — respondeu Bella
com naturalidade, afinal, toda criança deve ser ensinada a
chamar o pai como tal.
— Presumo que devemos continuar amanhã, pois acho
que ela se cansou depois de tantas tentativas.
Bella levantou-se, pegou a menina nos braços e se
aproximou dele, que também tinha acabado de ficar de pé.
Timidamente, Dean pegou na mão de Annie. Só.
Percebendo a reticência do marido, ela colocou a
menina nos braços dele, que ficou com o corpo rígido, sem
saber o que fazer. 
Era a primeira vez que Dean a pegava no colo. Ela
passou um dos bracinhos em torno do seu pescoço e olhou
para ele com olhos brilhantes.
Entregando-se àquele amor inocente, Dean abraçou o
frágil corpo da garotinha e escondeu o rosto no cabelinho
perfumado dela.
— Não é difícil segurar uma criança. Pegue-a sem
medo, ela não é um cristal — disse Bella, atribuindo a
atitude dele à falta de jeito inerente à maioria dos homens.
— Vamos dar um passeio com o papai, meu amor? –
perguntou ingenuamente Bella, sem perceber o
constrangimento de Dean, e já foi se encaminhando em
direção ao jardim. Não houve saída senão a lógica, e ele a
seguiu.
A menina deitou a cabeça no peito dele e bocejou.
Bella se aproximou dos dois, sorridente.
— Meu amor, está com sono! Vamos levar você para
seu bercinho para dormir um pouco.
Chegando ao quarto, ela já se encontrava adormecida.
Dean a deitou cuidadosamente, ajeitou os bracinhos
delicados nas laterais do corpo e a cobriu. Depois deu um
beijo na sua testinha e levantou-se. Bella olhava a cena,
satisfeita.
— Nunca vi você fazendo isso — disse ela, assim que
deixaram o quarto.
— Porque eu nunca fiz — ele respondeu e se afastou
rapidamente.
Chegando ao seu escritório, não escutou mais uma
palavra do advogado, que ainda o estava esperando e saiu
sem obter resposta ao seu boa tarde. O homem apenas
sorriu, sem entender o que estava acontecendo.
Dean sentou-se com o corpo reclinado para trás na
confortável cadeira de couro, descansou a cabeça no
encosto, estirou as pernas sobre a mesa de trabalho e,
cruzando os dedos, colocou as duas mãos tampando os
olhos. E algo completamente novo nasceu dentro do seu
coração.
Foi a primeira vez que ele pegou Annie nos braços.
Percebeu que há algum tempo não a via como a filha de
Isabel. Não podia negar amor a uma inocente. Ela não
precisava só de coisas materiais, mas de um pai.
Ele experimentou a sensação de um sentimento recém-
descoberto tão bom que uma desnorteante leveza parecia
ter se apoderado do seu corpo. Annie precisava de um pai e,
sobretudo, de uma mãe. Ainda estava tentando organizar
seus pensamentos quando a porta se abriu e Bella entrou,
com ar de quem tinha algo muito importante para falar.
— Não devo me meter na sua vida, mas penso que
Annie precisa de uma mãe.
Jesus, eles tinham uma simetria nos pensamentos tão
grande que era assustador, pensou Dean.
— Sim, precisa — ele respondeu, levantando-se.
— Creio que você deveria perdoar minha irmã, quando
ela voltar, para dar uma família completa a ela. É a mãe de
Annie e...
— Você percebe o que está me pedindo? — ele
perguntou, exasperado.
— Sei que deve ser muito difícil para você, afinal,
traição é algo quase impossível de perdoar, mas…
— Quase impossível? Traição é imperdoável. E qual a
parte que você não entendeu do: eu não amo a sua irmã?
— Mas certamente já a amou. Só está magoado pelo
que ela lhe fez.
— Nunca a amei. E se tivesse amado, nunca a
perdoaria.
— Suponho que a melhor alternativa, então, é você se
casar novamente para dar uma mãe a Annie.
— Não tenho intenção de me casar novamente.
Minha intenção é continuar casado com você, teve
vontade de dizer.
— Quando eu for embora…
— Se você for embora. — Cortou ele incisivo.
— Quando Isabel voltar, você sabe que eu devo partir.
— Eu só tenho certeza de que ela deve partir — disse
ele com bastante ênfase no ela.
— Dean, se ela não voltar, não é conveniente que
continuemos a morar na mesma casa depois que todos
descobrirem que não sou ela, principalmente quando o
nosso casamento for anulado.
— Nosso casamento não pode ser anulado se sua irmã
não aparecer. — Respirando profundamente, ele anunciou:
— Bella, acho que devemos antecipar nossa conversa.
— Parece que sim.
— Se ela não aparecer, o mal já está feito. Para você,
que não vai conseguir provar quem é realmente, pois além
de serem idênticas, o papel comprobatório do nosso
casamento consta o seu nome. E para mim também, já que
disso depende a minha herança.
— Da volta dela depende a sua herança?
— Sim. Antes de morrer, meu pai resolveu me premiar
com uma cláusula ridícula no testamento. Para permanecer
dono de tudo que eu mesmo ajudei a construir, terei de ter
um herdeiro do sexo masculino dentro de menos de três
anos. Para reverter essa situação, ela teria de aparecer e
confessar quem é. E agora não haveria como negar, dada a
sua existência.
— Meu Deus, Dean!
— Não é preciso ser muito esperto para perceber que o
tempo que tenho para fazer isso está passando e,
dependendo de quando retornar, pode ser tarde. Seria
necessário que ela aparecesse e confessasse o seu crime, e
depois disso eu ainda teria de encontrar uma moça que se
dispusesse a se casar comigo e engravidar a tempo de
nascer a criança.
— E ainda correria o risco de nascer uma menina —
disse Bella, quase sussurrando, com a mão na boca e os
olhos arregalados.
— Como vê, minha situação é bastante difícil.
— E eu achando que tinha um grande problema. Eu
tenho, claro, mas o seu é muito maior.
— Bem, parece que sua irmã nos colocou numa
situação de iminente ruína.
— Meu Deus, o que vamos fazer?
— Pensaremos nisso depois. Só resolvi lhe contar
porque senti a necessidade de ser sincero com você.
— Eu lhe agradeço.
Ela caminhou até a janela, afastou a cortina e ficou
olhando através da vidraça. Sua vida estava perdida se sua
irmã não voltasse.
Na verdade, estava perdida quando partisse,
independentemente de qualquer coisa. Tinha de admitir o
vazio que ia sentir quando fosse embora, pois ia deixar o
que tinha de mais precioso: seu coração, que ficaria com ele
e com Annie.
De uma forma ou de outra, tinha muito a perder: uma
vida maravilhosa e sua paz, pois seria consumida por um
amor que jamais poderia ser concretizado. Sim, ela o
amava. O seu primeiro amor era impossível. Com a certeza
de que nada podia feri-la mais do que isso, virou-se e
encontrou o olhar dele, como se tivesse tanto para dizer. Ela
desviou a vista.
— Devemos aguardar. Quem sabe teremos sorte, pois
se ela não voltar não temos saída — disse ela.
— Na verdade temos, mas não são as convencionais.
— Temos?
— Nossa saída está em suas mãos, mas não creio que a
queira usar.
— O que posso fazer para nos ajudar? — perguntou
Bella, já começando a imaginar o que ele ia dizer. Mas não
acreditava que ele fosse capaz.
Mas foi, mesmo que não tenha começado de uma
forma muito clara.
Aproximando-se dela, ele postou-se bem de frente, a
um espaço de meio metro, tornando o ar crepitante. Era
hora de sentir atração por aquele homem, quando estavam
tratando de um assunto tão sério?
— Certa vez tive uma grande queimadura e fui ao
farmacêutico a fim de comprar uma pomada para amenizar
as fortes dores que sentia. Mas, chegando lá, uma pessoa
da família daquele homem havia falecido e o
estabelecimento estava fechado. Assim, tive de suportar
todos os incômodos provocados pelo acidente. Meses
depois, eu fui procurar algo em uma caixinha que ficava em
uma gaveta do armário e grande foi a minha surpresa ao
ver, no fundo daquela caixa, uma pomada para
queimaduras. Fiquei bastante frustrado por haver sofrido
tantas dores meses atrás quando eu tinha a solução para
minimizar ou acabar com elas. O que quero dizer é que
muitas vezes a solução para os nossos problemas está bem
à nossa frente e não enxergamos. Simplesmente porque
saímos para procurá-la em outro lugar.
Tinha algo mais claro do que aquilo? pensou Bella.
Antes de abrir a boca, ele falou:
— Bella, se ela não voltar, você tem duas opções que
afetarão as nossas vidas para sempre: assumir a identidade
de sua irmã, já que o único documento que tem em mãos
está no nome dela, ou assumir definitivamente o seu lugar
nessa casa, visto que, de acordo com aquele papel de
casamento, somos marido e mulher.
— Temia que fosse dizer isso.
— Estou convencido de que não tem outra coisa a ser
feita, pois nunca conseguiremos provar a existência dela e,
dessa forma, seria impossível conseguir a anulação do
casamento. Até Annie a chama de mãe. Quem, em nome de
Deus, vai acreditar que você não é ela, se até a filha dela a
reconhece em você? Claro que a menina foi capturada pelo
seu amor e carinho, mas inicialmente ela a confundiu com
Isabel.
— Então devo entender que, quando você fez a
proposta para que eu tomasse o lugar de Isabel, já previa
que eu me veria sem saída e optaria por ficar
definitivamente ocupando um posto que não é meu?
— Confesso que sim. E não me envergonho disso, pois
temos muito a perder se não o fizermos.
— Na verdade, sou eu que vou fazer, se aceitar.
— Isso é fato. Mas não teríamos mais a perder se você
se recusar?
— Mas se eu aceitar, vou ter de lhe dar um filho e isso
está totalmente fora de cogitação.
— Por quê?
Ela mergulhou naquele mar azul e proibido de nadar.
Dois pares de olhos se misturaram em promessas que
jamais poderiam ser cumpridas. Palavras que nunca
deveriam ser proferidas foram silenciadas, enquanto eles se
olhavam quase em desespero, pela vontade premente de se
tocar.
— Eu não conseguiria — sussurrou Bella.
— Por quê? — perguntou Dean, com voz rouca.
— Porque jamais conseguiria viver uma mentira.
— E qual seria a mentira, posto que somos casados de
fato?
— Não sou a mãe de Annie e nós não somos casados.
— De fato, somos. — Ele sabia que estava sendo
irracional.
— Você sabe o que quero dizer.
— Isso poderia ser resolvido.
Ela lhe deu as costas. Não quis perguntar de que forma
seria resolvido, pois sabia a resposta.
E quando ela sentiu a mão de Dean nos seus ombros,
teve vontade de deitar a cabeça no seu peito e se deixar
abraçar. Deus, como queria fazer isso! Mas se manteve
ereta e com a cabeça voltada para a frente, como se o
toque dele não a tivesse desestabilizado por completo.
Como se naquele momento, sim, naquele momento crucial,
ela não estivesse doida varrida para encostar nele.
— Não é obrigada a fazer isso, se não quiser — disse
ele, solícito.
Ela voltou-se para ele e estavam tão próximos que as
pontas dos pés se tocaram. De modo que a voz dela saiu
falhando.
— Presumo que estamos nos precipitando com esse
tipo de conversa, pois ela pode voltar a qualquer momento.
Ela tem de voltar. Deixou uma filha para trás. Não pode ser
tão insensível.
Podia, sim. O olhar dele só confirmou o que Bella já
sabia. Mesmo assim, Dean disse o que deveria dizer:
— Vamos aguardar, Bella. Não temos alternativa, a não
ser esperar e torcer. Além do mais, se a sua decisão fosse
nessa linha, ainda assim teríamos de esperar até o limite do
possível, pois, uma vez tomada, seria algo definitivo,
mesmo que sua irmã aparecesse.
— Eu compreendo.
— Acho que não, Bella.
— Compreendo, sim – repetiu ela. – Dependendo de
quando ela retornasse, você não teria tempo de resolver a
questão da anulação e arranjar uma esposa que lhe desse
um filho a tempo. Assim, ninguém melhor do que eu para
fazer esse papel. Seria uma decisão definitiva, mesmo que
ela voltasse. E nesse caso, eu teria de enfrentar a minha
irmã e tomar o lugar que ela mesma me deu.
— Sim, foi isso mesmo que quis dizer — disse ele,
admirado da explanação objetiva que ela acabara de fazer.
Um pensamento terrível passou pela cabeça de Bella:
acidentes e doenças matavam pessoas todos os dias. Que
Deus protegesse a vida de Isabel para que retornasse logo e
ela não precisasse tomar uma decisão que mudaria
inexoravelmente a vida de todos.
Aí teve de dar um pontapé na natureza má que parecia
surgir quando se tratava de Dean. Essa nova natureza, que
mais parecia uma entidade maligna, não desejava o retorno
da irmã. Mas sempre acreditou que o bem era vitorioso.
Mesmo que não quisesse, diria todos os dias a si mesma
que ela precisava voltar.
— Pois bem, depois do limite do possível, resolveremos
o que fazer — disse Bella, decidida.
Ela já estava se retirando quando se deteve e disse, de
costas para Dean.
— Creio que não há como sairmos disso ilesos,
voltando ela ou não.
Com certeza não, já que ela sairia com o coração
despedaçado. Por que o amor vinha sem avisar, para que
pudéssemos nos preparar contra essa avalanche? Por que
ele ocorria com quem não tinha a mínima condição de ser
daquela pessoa? Porque era um acidente, como ela mesma
costumava dizer. Não tinha hora, nem lugar e nem escolhia
o alvo. Às vezes, ocorria com a pessoa errada.
Alheio aos anseios dela, mas totalmente consciente dos
seus, Dean a alcançou, segurou-lhe o queixo e levantou o
rosto corado de Bella.
— Gostaria de tê-la encontrado antes de sua irmã.
Antes de qualquer outra.
Dean retirou-se, após alguns segundos que pareceram
horas fitando a sua boca.
Bella recomeçou a respirar.
Capítulo 9
 
Ele saiu apressado, antes que beijasse aqueles lábios
enlouquecedores. Sentia tanto desejo por Bella que
cometeria uma loucura se permanecesse ali. Assim, subiu a
escada de dois em dois degraus para se afastar o mais
rápido possível daquilo que provocava o seu anseio e
beirava a insanidade. Chegando ao quarto, ele foi até a
janela e afastou a cortina num supetão, com raiva. A
frustração de não poder satisfazer sua vontade de, pelo
menos, entrelaçar os dedos nos dela era enorme. Dean não
sabia o momento em que tinha começado a entrar nesse
emaranhado de emoção.
Talvez na hora que descobriu que ela não era Isabel.
Parecia que convencera a cunhada, ou seja, a esposa, a
lhe dar um filho, o que era bastante promissor, uma vez que
o pai estipulara um prazo que passava longe da
razoabilidade. Então, tinha de torcer para que Isabel não
retornar antes de Bella se tornasse sua. Se nunca tinha
rezado na vida, ia começar agora.
Havia pessoas que acendiam vela e faziam certas
promessas para alcançar desejos, será que funcionava?
 
͠
Embora Dean se achasse reticente sobre a
personalidade das duas irmãs e procurasse algo que
indicasse se Bella era parecida interiormente com Isabel,
cada dia que passava, ele encontrava motivos para crer que
elas pareciam ter nascido de barrigas diferentes, mesmo
que constatasse suas aparências quase iguais.
Sobretudo no dia em que ia descendo as escadas e viu
quando Bella, sem saber que estava sendo observada,
abaixou-se para pegar o pano que a criada da limpeza
deixara cair e o entregou, depois de lhe dar um sorriso tão
gentil que a moça ficou olhando por muito tempo para suas
costas, enquanto ela se retirava. Muito provavelmente,
Isabel a teria chamado de descuidada e jamais curvaria o
corpo para fazer uma ação tão abaixo de sua posição. Como
se ela tivesse uma naquela casa.
Mas Bella era amável com os menos favorecidos.  Por
conta disso, conforme os dias passavam um ou outro
empregado se rendia a ela. O que alterou o ambiente da
mansão de modo substancial. Todos começaram a trabalhar
de forma mais eficiente, pois estavam satisfeitos e
tranquilos.   
Não sabia como eles não haviam notado ainda que elas
não eram a mesma pessoa. Era tão notório! E Bella não se
esforçava para fingir ser igual a Isabel, porque
simplesmente não queria ser parecida com ela, nem para
manter uma farsa.
Realmente seus instintos pareciam estar certos.
 
͠
Tinha sido uma semana estranha, em que eles
tentaram ignorar qualquer emoção quando se deparavam,
inclusive evitando a todo custo o encontro de olhares
durante as refeições.
Mas isso era só o começo. Algo inusitado aconteceu.
Inusitado e horrível.
Ainda bem que Dean não havia acendido nenhuma vela
e nem sequer rezou para pedir que Isabel desaparecesse de
sua vida para sempre. Porque o que aconteceu tiraria o seu
sossego, quem sabe até começasse a crer que era um
bruxo.
Um envelope chegou da Irlanda, contendo um bilhete
escrito por Isabel. E nele, notícias nada boas foram expostas
de uma maneira bem sucinta e fria. Como ela.
 
Dean,
 
Peço que me perdoe por tudo que lhe fiz.
Estou muito doente e não voltarei mais. Você é
um bom homem e sei que cuidará de Annie
quando eu morrer. Peço-lhe que seja o seu
tutor até que ela se case. Enviei uma carta à
minha irmã, na qual dei as explicações
referentes ao que vou lhe anunciar agora de
forma bastante abreviada. Meu nome é Isabel
e minha irmã gêmea, idêntica a mim, chama-
se Bella. De qualquer forma, ambas as cartas
já estão assinadas por mim e todos saberão
que a irmã gêmea de Bella faleceu. Assim, ela
terá sua identidade de volta. Acredito que com
esta carta e a que estou enviando a ela, o
casamento de vocês possa ser anulado com
certa facilidade.
 
Adeus.
 
Isabel Blanchett
 
Uma informação que ela imaginou ser bombástica para
Dean, mas a bomba tinha sido descoberta quando Bella
adentrou naquela casa. O casamento poderia ser anulado
facilmente agora, pois além do bilhete, os amigos Ian e
Cindy compareceriam perante o magistrado para confirmar
a história, e os próprios empregados poderiam ser
convocados para prestar esclarecimentos sobre a patroa
deles. Eles entenderiam, enfim, o motivo de sua querida
esposa estar tão diferente.
O menos simples disso tudo seria comunicar às
pessoas. Que confusão dos diabos! Explicar aquela profusão
de informações era complicado, imagine entender. Teria de
dizer que a esposa que o abandonou não se chamava Bella
e sim, Isabel; que ela era uma farsante que havia roubado o
documento da irmã, tomando-lhe o lugar; que Bella fora
induzida por ele a tomar o lugar de Isabel, mas que nunca
tiveram nenhuma intimidade. Mas, sobretudo, seria do
conhecimento de todos que tinha sido feito de idiota por
uma pessoa maquiavélica e manipuladora. E ainda tinha a
situação de Annie, cujo infortúnio do nascimento seria
conhecido de todos. Passaria a ser conhecida como a filha
bastarda. E isso era o que mais doía. Preferia suportar tudo
sem expor a filha. 
Filha? Sim, passara a ser sua filha desde que a ensinou
a andar e ela lhe chamou de pai. Naquele dia ela nasceu
para ele. Ela era sua. E agora mais do que nunca. Não seria
seu tutor, seria seu pai.
A não ser que ele optasse por dizer que a anulação do
casamento devia-se apenas ao fato de ter de devolver a
identidade de Bella, e esquecer todo o restante. Lembrou-
se, naquele momento, de que ela ainda não sabia que ele já
tinha a intenção de anular o casamento, sendo que por ter
outro motivo. Nunca lhe dissera isso, porque no íntimo não
queria que ela ficasse sabendo o quanto tinha sido fraco em
manter uma situação dessas depois de ter sido feito de
pateta. Assim, achou melhor ela continuar pensando que ele
estava furioso com Isabel por causa da sua fuga com o
amante. Depois veio esse sentimento novo por Annie, e não
queria que ninguém soubesse sobre sua paternidade. Nem
Bella. Pelo menos por enquanto.
Talvez na carta endereçada à irmã, Isabel mesma
dissesse a verdade sobre a filha bastarda. Odiava esse
adjetivo.
Quanto mais analisava a questão, mais desconfortável
ficava sua situação. A dele menos do que a de Annie e a de
Bella, já que a moça havia morado com ele na ausência da
irmã e isso podia suscitar maledicências.
Muito tempo se passou e ele ainda estava com o
bilhete na mão, quando ouviu a voz do portador.
— Senhor, caso seja importante tomar conhecimento,
como eu demorei para trazer as correspondências, antes de
viajar soube que a moça que enviou essa carta veio a
falecer um dia antes de eu partir.
Ele assentiu, percebendo que a curiosidade fora
tamanha que abriu o envelope e leu seu conteúdo antes de
dispensar o contrito rapaz.
— E a que se deve o trabalho de um entregador vir de
outro país, considerando as várias possibilidades de correio
existentes? — perguntou Dean.
— Faço parte de uma das caleches do correio, senhor,
pois gosto muito de viajar.
— Entendo. — Como depois de ler demorou-se para
dispensar o moço, deu-lhe uma moeda como forma de
compensação.
Morta. Isabel estava morta. Era de pensar que hoje
seria um dia feliz para ele. Afinal, aquela mulher
escandalosa, mal-educada e sem coração não seria motivo
de preocupação de nenhuma natureza a partir de agora, e
uma pessoa dessas não faria falta alguma na Terra.
Com o envelope na mão, subiu ao quarto de Bella,
devagar, quase parando. Odiava ser portador de notícia
ruim, mas, nesse caso, era a pessoa ideal para fazer isso,
pois Bella ia sofrer bastante e ele lhe daria o apoio
emocional necessário.
A carta dela havia sido enviada a Oxfordshire e ele não
tinha ideia de quando alguém a enviaria para a Escócia.
Cabia-lhe, portanto, dar a notícia antecipadamente.
Chegando à porta do quarto dela, no entanto, Dean
passou adiante e entrou nos próprios aposentos. Ia guardar
segredo, por enquanto, até descobrir uma forma de fazê-la
sofrer menos.
Mas o reservado da alma de um homem é manifestado
pelas suas atitudes, quando estão envolvidas perdas. Além
de todas as questões aventadas consigo mesmo há pouco,
a certeza de que agora não haveria mais necessidade de
Bella permanecer ali, fazendo um papel nada conveniente e
confortável para ela, o desintegrou. Com a revelação de que
Isabel estava morta e o casamento poderia ser anulado,
agora ela podia ir embora. Era o que faria, pois não
conseguiria ficar no lugar da irmã na atual situação. E isso o
devastaria.
 
͠
Foi uma semana de intensa luta interior, quando Bella
tentava esquecer o toque e o olhar desesperado de Dean ao
confessar que gostaria de tê-la conhecido antes de Isabel.
Ela quis se atirar nos seus braços e responder que era
também o seu desejo. Contudo, aprendera que uma dama
não deve demonstrar sentimentos extravagantes. E, nesse
caso, os sentimentos pelo cunhado iam para além da
extravagância. Há coisas que jamais podem ser ditas,
mesmo que pensadas inúmeras vezes.
Para passar o tempo, ela resolveu se inteirar dos
afazeres domésticos indispensáveis para manter a mansão
naquele estado de limpeza imaculado e brilhante. Começou
pela cozinha, gerando um desconforto tão grande que as
cozinheiras e ajudantes não conseguiram esconder. 
— Aqui não é ambiente para uma dama, Sra. Hughes
— a cozinheira mais velha falou, timidamente, mas o
objetivo era tirar Bella dali rapidamente para que as outras
não empacassem suas atividades diante de sua temida
presença. Apesar do relato da maioria dos empregados de
que ela estava mudada, ainda suscitava medo em alguns.
Principalmente, as da cozinha, pois elas não saíam dali.
Logo, ainda não tinham tido a oportunidade de ver se tal
relato era verdadeiro. 
— Eu estava querendo me sentir mais útil e pensei
que aqui fosse um bom lugar — disse Bella, sem demonstrar
que tinha notado os olhares amedrontados delas.
— Senhora Hughes, cozinha é lugar para cozinheira e
serviçais — relutou a cozinheira.
— Perdoe-me, mas me arrisco a dizer que cozinha é o
lugar de pessoas que proporcionam os melhores serviços de
uma casa, visto que o momento das refeições é um dos
mais importantes do dia e esperados pelos patrões — disse
Bella com simpatia.
— Mas não é serviço para a senhora — retrucou a
outra cozinheira, que até então estava calada.
Bella as ignorou, sem perder a delicadeza.
— Antes de ajudá-las, preciso que me digam seus
nomes. Gostaria de saber o nome de todas vocês — ela
falou como se já não as conhecesse. E não as conhecia
realmente. Talvez nem a própria Isabel soubesse quem
eram elas pelo nome.
Na mesma hora que ela terminou de falar, ouviu-se
um barulho de uma colher caindo no chão e Bella viu uma
moça alta, magra e graciosa lutando para amarrar o
avental, mas as mãos trêmulas não ajudavam. Ela levantou-
se e o amarrou, arrancando olhares espantados e
desconfiados.
Bella se sentou, pegou um caderninho que estava em
cima da mesa e empunhou uma pena que parecia ter sido
usada para anotar uma receita. Estava decidida a conhecer
todos pelo nome e a melhor maneira era anotar
características físicas que lembrassem cada uma.
Foi um alvoroço, pois ninguém estava entendendo o
motivo daquele comportamento. Mas não podiam ir de
encontro ao que ela queria, pois, se outrora o patrão a
odiava, agora parecia idolatrá-la. E ninguém ali podia se dar
ao luxo de perder o emprego.
Mesmo assim, os sorrisos foram economizados e as
palavras foram calculadas milimetricamente.
Parecia que todos os acidentes domésticos decidiram
ocorrer justamente quando Bella estava ali: o caldeirão foi
ao chão, a xícara se quebrou e o ensopado de pato que
estava sendo preparado levantou um cheiro terrível de
queimado. Para desespero da cozinheira, a parte principal
da refeição havia sido arruinada.
Bella a tranquilizou e sugeriu que ela assasse faisão
na brasa, alegando que era um prato simples e delicioso.
O resultado de sua persistência é que saiu dali com o
nome dos empregados da mansão no caderninho. Inclusive
do mordomo, dos lacaios, dos cavalariços e dos jardineiros.
Ficou conhecendo também, ao menos pelo nome, os
familiares de todos eles, onde moravam e quais os dias de
folga de cada um. Acabou descobrindo que a moça cujo
avental ela amarrara havia perdido a mãe há apenas dois
dias. Sensibilizada, Bella a dispensou do trabalho para que
fosse se juntar aos demais da família, alegando que ela
carecia de um período de luto.
— Senhora Hughes, não devo fazer isso antes que
seu marido seja avisado. Não posso perder o emprego,
sabe. Minha mãe trabalhava como acompanhante e o
salário dela já vai fazer muita falta.
— Devo lhe garantir que a senhorita não precisa se
preocupar com isso, pois seu emprego e salário integral
estão garantidos. Vá para casa e ajude seus familiares
nesse momento de dor.
— Sra. Hughes, vejo que seu coração mudou. — A
moça parecia prestes a lhe pedir algo, pensou Bella. E não
estava enganada.
— Valho-me dessa excelente oportunidade, confiando
na sua mudança de atitude, para lhe dizer que tenho uma
irmã mais nova que só conseguiu vaga na mansão como
lavadeira. Se a senhora puder arranjar...
— Menina, que petulância pedir emprego à senhora
da casa! — exclamou o mordomo que acabara de entrar.
— Não se preocupe, Sr. Malcolm, eu não me importo
com isso — tranquilizou-o Bella, deixando-o estupefato ao
pronunciar o seu nome. Em seguida, ela voltou-se para a
moça: — Traga sua irmã para falar comigo quando você
voltar a trabalhar, Cecile.
O mordomo achou que deveria lhe informar que
cabia a ele recrutar pessoas para trabalhar na mansão. Mas
ficou tão espantado com ela que achou por bem esquecer o
assunto.
Bella saiu dali satisfeita, com seu caderninho na mão,
já começando a memorizar o nome de todos eles.
Sra. Davies, cozinheira principal; Sra. Shaw, segunda
cozinheira; Srta. Simpson, primeira ajudante; Srta. Ellis,
segunda ajudante; Sr. Cooper, cavalariço... e assim ela foi
ligando cada nome às características físicas que ajudariam
a lembrar, caso ela se esquecesse de algum. 
Naquele mesmo dia, Dean estava entregando o
cavalo para ser guardado quando o cavalariço, não se
contendo, começou a relatar.
— Senhor Hughes, sua esposa esteve na cozinha hoje
e promoveu um verdadeiro pandemônio.
— O que disse, Ralf?
Ralf Davies vivia ali desde que tinha onze anos e, às
vezes, se comportava como uma pessoa de casa. Talvez a
condição de filho da cozinheira principal o fizesse sentir-se
nessa condição.
— Minha mãe falou que a sua esposa esteve por lá. E
quando todos esperavam que a Sra. Hughes fizesse algo
desagradável, ela os surpreendeu com palavras de elogio e
educação. E ainda ajudou a cortar verdura para a sopa.
— Foi? — Ele não conseguiu dizer outra coisa.
— Foi deveras engraçado. Desculpe-me por dizer a
verdade, senhor, mas todos estão achando que sua esposa
bateu a cabeça, perdeu a memória e voltou outra pessoa.
— E se eu lhe disser que foi quase isso, Ralf? — Ele
saiu, deixando-o a coçar a cabeça, procurando o sentido
daquelas palavras.
O dia tinha sido estranho. Mas, desde que a Sra.
Hughes voltara, as coisas saíram de sua normalidade,
pensou o rapaz.
Dean afastou-se feliz e triste. Quanto mais descobria
sobre a esposa, menos queria que ela fosse embora. E por
isso postergava mais o dia de lhe dizer que Isabel havia
morrido. Isso não podia acabar bem e o estava deixando
muito apreensivo, pois vivia na expectativa de a qualquer
momento a carta dela chegar. Via-se tão sem saída!
Simplesmente porque não fez a coisa certa, por medo de
vê-la partir.
Quando Bella entrou, encontrou Dean na sala e, como
sempre, teve de esconder o coração, colocando o
caderninho na frente do peito. Ela sempre tinha a impressão
de que o cunhado... o marido... Dean escutava o ribombar
que aquele órgão fazia quando ele se aproximava. 
— Quero lhe mostrar algo.
Ele pegou-a pela mão e a levou à lateral da mansão.
Chegando lá, Bella viu um cabriolé muito lindo e
arrojado. Ela sempre gostou desse tipo de carruagem, pois
era elegante, moderna e rápida, já que possuía só duas
rodas e era puxado por um único cavalo. O fato de não
possuir porta facilitava pequenos passeios e a capota
conversível de couro era um charme. O banco, que cabia
apenas dois passageiros, era na cor vinho e possuía padrões
de pequenas flores rosa-claro, tipicamente femininos.
Ela apertou o caderninho no peito e se aproximou do
veículo, admirando a beleza e a delicadeza. Tinha vergonha
até de pensar algo que sugerisse que ele...
— É seu.
Ela imaginou que teria sido da sua irmã e agora ele
estava repassando para ela. Mas só teve tempo de acabar
de formular o pensamento.
— Encomendei há algum tempo para você, mas só
chegou agora.
— Mas... você não deveria ter feito isso. Nem sei o que
dizer.
— Nem precisa agradecer, se não quiser.
— Não... quer dizer... claro que quero e devo lhe
agradecer. Mas não havia necessidade.
— Presentes não são para suprir necessidades, Bella.
Presentes são a expressão do nosso carinho e da nossa
lembrança.
Ela rodeou o cabriolé, que estava apoiado em uma
grande tora de madeira, já que estava sem cavalo. E pulou
em cima, extasiada. Olhando para Dean com aquele sorriso
e aquela barba que a angustiava de tanto querer tocá-la,
ela bateu no banco e o chamou. Quando ele sentou-se ao
seu lado, suas grandes pernas tocaram as dela e um calor
abrasador a invadiu. O íntimo contato arrefeceu o sorriso
dele.
— Muito obrigada pelo carinho e pela lembrança, Dean.
E ela fez algo que nunca, nunca deveria ser feito por
uma dama: soltando o caderninho no colo, pegou as mãos
dele e as beijou. O toque daqueles lábios em suas mãos
desnudas o fizeram estremecer.
— O que é isso? — perguntou ele, apontando para o
caderninho, para se distrair daquele gesto inocente que o
deixou completamente desejoso de outros.
— Ah, é um caderno de dados pessoais.
Ela o abriu e começou a discorrer sobre cada
empregado, seus nomes — fazendo ligações com suas
características físicas — e informações pessoais e dos
familiares.
Ela era única. Podia ser parecida com a irmã, agora não
a via como idêntica a Isabel, não depois de tudo que
descobrira a seu respeito, mas era tudo o que ele jamais
sonhara. Era mais. Era perfeita.
E ele estava prestes a perdê-la. Não seria perdoado. Ele
mesmo não se perdoava.
— Como você se manteve solteira até hoje, Bella? —
perguntou Dean, curioso, pois era inacreditável que ela
estivesse nesse estado civil com tantas qualidades e
tamanha beleza.
Ele apoiou as costas no banco e colocou o braço no
encosto, enquanto aguardava a resposta.
Bella sorriu timidamente, antes de responder:
— Deixei de sonhar com um casamento que atendesse
às minhas expectativas há algum tempo. Percebi que os
rapazes gostavam de moças como minha irmã, pois eu
sempre era preterida. Ela era desprendida, efusiva e liberal.
Eu era tradicional e romântica, e meu formalismo me
distanciava do sexo masculino, pois acreditava que era o
homem o responsável direto por qualquer demonstração de
sentimento.
— Alguém cativou o seu afeto?
— Nunca. Como disse, eu era formal demais e não me
aproximava o suficiente de um homem para desenvolver
qualquer tipo de sentimento. O único homem com o qual
me vi sozinha foi o meu pai. Com exceção de você.
Ele suspirou aliviado.
— Ocorre que alguns homens preferem as mulheres
tolas. Por medo, pois se optarem por aquelas dotadas de
inteligência, correm o risco de terem sua ignorância
revelada — continuou ele a discorrer sobre o assunto.
— Não tenho experiência na área afetiva, mas acho
que os relacionamentos não deveriam ser palco para
disputas intelectuais ou visuais.
— Quais eram os seus sonhos? — Dean voltou ao
assunto dos desejos dela. Queria conhecer todos eles.
— O que toda garota ingênua aspira: um lar feliz ao
lado de um homem bom e que a ame tanto quanto ela, ter
filhos. Muito embora saiba que amor é luxo de poucos. Mas
sonhar dá margem para que saiamos da realidade. Por
vezes, sonhamos até com o impossível.
— E por que não voltou a sonhar quando sua irmã foi
embora?
Ela deveria saber que ele indagaria isso. E, depois de
um breve instante, respondeu com bastante sinceridade.
— Porque não tive um rosto para sonhar com ele.
Àquela altura, eu só desejava sonhar com algo que tivesse
possibilidade de se tornar realidade.
Ele pegou a mão dela entre as suas e, olhando para
elas, perguntou:
— E agora, já tem um rosto para sonhar?
Bella não respondeu. Mas sua aflição foi demonstrada
por meio da sua mão, que começou a tremular dentro das
dele. Falar era irrelevante com sinais corporais tão
aparentes.
Dean ergueu a mão dela e encostou os lábios
suavemente nas costas dos delicados dedos.
Naquele momento, o caderno caiu do seu colo. Ele o
apanhou e, após entregar, disse-lhe:
— Eu lhe asseguro que você sempre foi melhor do que
ela e não posso dizer que sinto muito porque não houve um
rapaz que descobrisse isso a tempo.
— Se você tivesse nos conhecido ao mesmo tempo,
certamente sua estima seria dela.
Assim que terminou de falar, Bella se arrependeu.
— Engano seu. Eu seria cativado por você, mesmo que
não recebesse incentivo de sua parte. E ouso dizer que
meus sentimentos não seriam nem um pouco moderados.
— Nunca vamos descobrir isso — persistiu ela.
— Infelizmente — disse ele.
Ele saiu.
Bella pensou que ia enlouquecer, quando parasse de
tremer. Era uma questão de pouco tempo.
 
͠
Dois dias após aquela desconcertante conversa, Bella
resolveu inaugurar o transporte que ganhara. Pediu que
providenciassem uma cesta de piquenique e toalhas. Depois
foi aos aposentos de Annie para avisar à babá que iam
passear no lago.
Seu coração encontrava-se bastante abalado pelo
sentimento forte que estava sentindo por Dean, ele não
ajudava nessa questão, pois se mostrava cada vez mais
apaixonante. Tinha por que lhe dar um presente tão... tão
pessoal? E por causa da conversa que tiveram no cabriolé,
só pensava em suas palavras e no encaixe perfeito de sua
mão nas dele.
Mas não podia deixar que isso atrapalhasse suas vidas.
Principalmente a da sobrinha.
Momentos depois, as três seguiram rumo ao lago. Lá
chegando, colocaram as toalhas na relva, uma com as
comidas e a limonada; e outra, para se sentarem. Bella logo
pegou a menina e começou a passear com ela nos braços.
Sentando-se na beira do lago com a menina entre as
pernas, ela observou a água sob o sol esplêndido. Seus
olhos nunca viram tamanha beleza. As terras de Dean eram
o paraíso na terra. E ele estava a um passo de perder tudo
isso.
A água refletia o brilho do sol e começava a incomodar
os olhos de Bella, que já lacrimejavam. Ela levantou-se e,
quando estava retornando para perto da babá, ouviu
barulho de trote de cavalo. E então, quando ergueu a
cabeça, deu de cara com um par de botas de montaria.
Subindo os olhos mais um pouco, foi esquadrinhando as
pernas longas e musculosas, chegando à camisa branca
com dois botões abertos, deixando entrever o pescoço forte
e o pomo de Adão. Em vez de desviar os olhos, deteve-os
nos dele, que sustentou os dela, com uma expressão
indecifrável.
Annie se empertigou nos seus braços — abençoada
menina —, o que obrigou Bella a olhar para ela. Mas a
menina demonstrou que queria ir para o pai.
Ele apeou do cavalo, levou-o a uma árvore frondosa,
próximo ao local onde elas colocaram as coisas e,
amarrando as rédeas, retornou com os braços estendidos
para pegar a menina. Quando ela se aninhou em seu corpo
musculoso, movimentou as pernas em sinal de alegria,
assim que se viu no andar de cima, já que Dean era bem
mais alto do que Bella. Ele deu-lhe um beijo terno na testa e
Annie se apoiou no seu pescoço. Em seguida, usando a
artimanha inerente às crianças, ficou apontando para os
lugares aonde queria ser levada pelo pai. Ele riu, feliz, e
chamou Bella para passear.
— A senhorita pode voltar para casa — disse Dean, ao
passar pela babá.
Seguiram por entre as frondosas árvores e chegaram a
uma clareira. Dean se agachou, colocou Annie no chão e a
empurrou delicadamente em direção a Bella, para que ela
treinasse andar. Com passos trôpegos, Annie seguiu para a
tia, na qual sentia a segurança de que precisava para
continuar.
Depois que a menina se cansou dessa atividade, deram
mais algumas voltas com ela, escarranchada no pescoço do
pai. Até aquele momento, nenhuma palavra foi dita, exceto
umas poucas relacionadas a Annie. Bella notou algo
diferente no olhar de Dean. Será que estava doente?
— Você está se sentindo bem?
— Pareço estar doente? — perguntou Dean, olhando-a
profundamente.
— Não foi isso que quis dizer. Não nos sentimos mal
apenas quando estamos doentes fisicamente.
Jesus, ela era muito perspicaz. Ou melhor, ela o
conhecia tão bem que parecia sentir a sua aflição.
Ele deveria aproveitar a pergunta dela e lhe contar
tudo. Mas não era o momento, pois ela ia começar a chorar
na frente de Annie. É, ainda não era a hora. Mais tarde faria
isso.
Porém mais tarde chegou e ele não conseguiu. E por
vários dias procurou um motivo para continuar escondendo.
E foi adiando, mesmo sabendo que estava errado. Bella
perdera seu momento de luto, pois só saberia da morte de
sua irmã muito tempo depois, e não o perdoaria. Porém,
mesmo sabendo disso, ele permaneceu fazendo a coisa
errada. Queria mais tempo com ela. Sua alegria contagiante
fazia bem àquela casa e a Annie. E a ele.
Ele estava se sentindo horrível por não ter tido ainda
coragem de lhe dizer que Isabel não ia voltar. Dizia para si
mesmo que estava fazendo isso por enquanto, até
encontrar uma forma mais fácil e uma saída para a situação
deles, mas sabia que estava mentindo. Não havia dito por
egoísmo. Quando dissesse, tudo acabaria. Ela iria embora
de sua vida para sempre.
Mas acabaria o quê? Eles não tinham começado nada.
Ou tinham? Claro que sim, ainda que no campo do
imaginário. Havia algo mais entre eles e a prova era o
afastamento a que se impunham vez ou outra, com receio
de que aquilo que estava nos pensamentos ganhasse força
e pendesse para o físico. Por isso, eles se evitaram ao
máximo, pois sentiam a energia que os mantinha ligados
por meio de um fio transparente, mas muito poderoso.
Qualquer tipo de reconhecimento desses sentimentos
poderia levar os dois a uma relação de traição, apesar de
eles terem sido traídos antes. Mas Bella jamais conceberia a
ideia de viver um romance com o cunhado, já que eles eram
casados apenas num pedaço de papel. Além do mais, ela
não sabia que Dean também não dormira com sua irmã e
que Annie não era sua filha. E ele jamais usaria essa
verdade para convencê-la de que qualquer relação amorosa
entre os dois não era pecado. Porque no fundo era, já que a
pessoa que se postou diante dele na igreja fora Isabel. Logo,
diante de Deus e dos homens, ela era a mulher com quem
tinha se casado, mesmo que tivesse usado um nome falso.
 
͠
Enquanto isso, alguém se preocupava com eles.
— Ian, estou propensa a acreditar que nossos amigos
estão apaixonados.
— Sim, estão.
— E o que podemos fazer para ajudá-los a enxergar
isso?
— Eles já enxergaram, meu amor, só não sabem o que
fazer com isso.
— Acho que você tem razão. Não é uma situação fácil,
mesmo envolvendo tanto amor.
Julia entrou no quarto, com aquela alegria inerente de
sua personalidade, e pulou na cama com um livrinho em
uma mão e uma boneca na outra. Como sempre, colocou a
boneca de lado e abriu o livrinho, apontando com o dedinho
indicador para que o pai contasse a história pela décima
vez. Eles amavam aquele jeito intelectual da garotinha.
Quando Ian começou a narrar a historinha, alterando a voz
conforme os personagens surgiam, a menina deitou com os
joelhos dobrados e apoiou a cabeça na barriga da mãe, que
ficou alisando seus cabelos macios.
Cindy não parava de pensar naquele casal cujo
sentimento havia nascido após uma mentira. Ela nunca
pensou que consideraria uma mentira uma dádiva, mas
naquele caso era, pois trouxe o verdadeiro amor à vida de
duas pessoas solitárias. Pena que, por enquanto, eles não
pudessem viver essa felicidade.
— Meu amor, ficar buscando solução rápida para casos
complicados que só podem ser resolvidos a longo prazo vai
desgastar você — avisou Ian, olhando para a esposa por
cima do livro.
Cindy assentiu. O esposo, extremamente racional,
tinha razão.
Ela era uma mulher como as demais, ou, pelo menos,
como a maioria, muito romântica e desejosa de que as
caras-metades se encontrassem e fossem felizes como eles
eram. Além do mais, no quesito “casamento por amor” sua
família ostentava uma tradição, pois, começando por seus
pais, que após mais de trinta e cinco anos de casados
continuavam se amando, seus irmãos também amavam
seus cônjuges. O irmão havia se casado com a primeira
namorada, ainda com vinte e dois anos, e eles formavam
um casal lindo; e a irmã mais velha, após algumas
decepções amorosas, também era muito feliz no casamento
com um homem amoroso e bom. E, por causa disso, ela
gostaria que todas as pessoas encontrassem o verdadeiro
amor.
Mas no caso de Dean e Bella, o amor não era o
suficiente, pelo menos no momento, para que eles fossem
felizes. A dignidade de uma pessoa podia separá-la do ser
amado.
— Receio pela gravidade da situação, na realidade.
Será que Bella será capaz de aceitar Dean, tendo ele sido
casado com sua irmã? — perguntou Cindy, sem conseguir
se desligar do assunto.
— Temo que o maior problema seja a consciência de
Bella. Antes de tudo, ela tem de entender que Isabel
poderia ser qualquer pessoa, mas isso é difícil quando as
duas são idênticas — disse Ian.
— É absolutamente frustrante ficar aguardando o
desfecho dessa história sem poder fazer nada. Só nos cabe
torcer por eles.
— E ajudá-los se porventura um deles se negar à
felicidade por eventual crise de consciência. Refiro-me a
Bella.
Cindy assentiu e eles tiveram de voltar toda a atenção
para Julia, que já os estava requisitando de forma enfática.
Capítulo 10
 
Os dias transcorriam maravilhosos e todos os momentos
em que Dean não estava no escritório, com seu secretário,
administrador ou advogados, procurava ficar perto de Bella
e Annie, que estava cada vez mais parecida com a tia. A
menina o amava e ele a adorava.
Dean mandou fazer brinquedos além do necessário
para a garotinha, que agora tinha um quarto específico para
eles. Foram compradas bonecas, jogos de chá e brinquedos
de madeira. E as atividades com Annie passaram a fazer
parte especial e necessária, quando Dean e Bella
compartilhavam a maravilhosa companhia da menina.
Nesses momentos, a babá aproveitava para descer e fazer
um lanche ou apenas conversar com os demais empregados
na cozinha.
Dean parecia querer absorver todos os momentos
junto com elas, pois sentia que, como já se passara um bom
tempo, a qualquer momento a carta de Isabel chegaria. E
não havia mais como ele fazer nada, a não ser esperar.
E esse tão temido dia chegou numa hora em que
estavam brincando no tapete da biblioteca, numa manhã de
segunda-feira.
— Senhora Hughes, essa correspondência acabou de
chegar — disse o mordomo.
— É de Frances Turner, amiga com a qual eu deixei o
endereço para o caso de Isabel escrever — disse Bella,
assim que pegou o envelope.
O coração de Dean deu uma cambalhota tripla e caiu
no chão, despedaçado e entorpecido. Ah, tempo que não
volta para ele fazer a coisa certa e se furtar a esse
momento! Não havia mais saída. Tudo estava acontecendo
como deveria ter sido antes. Mas ele impedira o curso
natural das coisas e agora ia pagar pelo seu erro.
Ao ouvir o toque da sineta, a babá apareceu e levou
Annie imediatamente.
Bella abriu o envelope, e dentro dele havia outro
envelope, com endereço da Irlanda. Foi então que percebeu
que a amiga apenas repassou a carta recebida da irmã. Mas
escreveu um breve bilhete dizendo que havia demorado a
enviar a carta de Isabel porque não estava na cidade
quando ela chegou.
Pegando a carta, Bella começou a ler, sob o olhar
arrasado de Dean.
Bella sentou-se, a fim de ver até que ponto iam as
desculpas da irmã por lhe ter roubado sua identidade e a
colocado naquela situação. À medida que as palavras iam
sendo lidas, um mundo de coisas obscuras iam sendo
descortinadas. Mas do meio para o fim, Bella pensou que
estava levando uma punhalada.
E estava. Duas, na realidade: uma de Isabel e outra de
Dean.
Conforme foi lendo, as lágrimas foram escorrendo pelo
seu rosto. E a dor de vê-la chorar só não foi maior do que a
de ver seus olhos magoados. Dean nunca iria esquecer a
expressão de decepção. Aquilo quase o matou. E ele não
disse nada. Não tinha palavras que pudesse utilizar naquele
momento, quando os olhos dela pareciam pequenas
cachoeiras de onde saltavam enxurradas de lágrimas.
 
 
 
 
Bella,
 
Quando você receber esta carta,
provavelmente não estarei mais viva, pois
adquiri uma doença terrível que logo me
abaterá. Sei que vai me perdoar por dois
motivos: porque você sempre foi uma pessoa
boa – tão diferente de mim –, e porque
provavelmente estarei morta quando você
receber esta carta. Você não teria coração de
odiar uma irmã e, ainda por cima, falecida.
Quero lhe dizer que não tive a intenção de
levar seu documento de nascimento, foi um
deslize infeliz. Só percebi que o tinha em mãos
quando estava chegando a Londres. Então,
não vi alternativa. Bem, apropriei-me de seu
nome e me casei usando-o como sendo meu,
sem pensar nas consequências que esse ato
lhe acarretaria. Contei com a aprovação da
minha tia no meu desígnio. Sempre fui
inconsequente e você sabe disso. Nunca medi
o grau de prejuízo causado a ninguém, pois
sempre me importei apenas comigo. Talvez, à
beira de uma porta que está aberta para me
levar – a da morte – eu tenha percebido, pela
primeira vez, que algumas vezes passei do
limite; outras, foi pura brincadeira. Fui longe
demais com você dessa vez e, mesmo assim,
não vou lhe pedir perdão, pois faria tudo
novamente. No entanto, perdoar é fácil para
uma pessoa como você. Dito isso, quero lhe
dizer que tenho uma filha e aqui não vou me
desdobrar falando sobre as virtudes da
maternidade, pois não vi nenhuma. Confesso
que nunca considerei Annie — esse é o seu
nome — como minha filha. Sempre a achei um
estorvo e talvez por conta disso meus dias
foram encurtados na terra. Quem sabe a
menina agora, com a minha morte, encontre
uma mãe. Peço-lhe que, assim que possível,
visite sua sobrinha. No mesmo dia que enviei
esta carta para você, enviei uma para Dean.
Creio que precisarão se encontrar para dar fim
ao casamento. Meu marido, que na realidade é
seu marido, é um homem bom, e tenho
certeza de que lhe contará as coisas que não
tenho como fazer nesta carta, pois prefiro que
ele conte os detalhes que nos separaram
desde o dia do casamento. Despeço-me de
você beijando essa folha de papel, e saiba
que, quando seus dedos a tocarem, tocarão as
lágrimas que derramei enquanto escrevi estas
palavras, pois é muito difícil se despedir da
vida sem viver tudo o que queria. Como não
acredito em vida após a morte, penso que
quando fechar os olhos não sofrerei mais
essas dores que martirizam tanto o meu
corpo.
 

Adeus.
 
 

Isabel Blanchett
 
A carta datava de quarenta dias atrás. Quarenta dias!
Não precisava fazer contas para saber se Dean já
sabia. E mesmo antes que ela questionasse se algo havia
impedido que a mencionada carta chegasse ao seu destino,
o olhar dele dizia tudo.
Há mais de um mês provavelmente sua irmã estava
morta e só agora ela tinha a chance de prantear e se
enlutar. Por que Dean a privara disso? Com que direito ele
decidira o destino dela? E com que direito Isabel pedia, quer
dizer, sugeria ou esperava o seu perdão quando não havia
se arrependido, mesmo tendo sido ceifada por uma doença
que a castigou fisicamente.
Voltando seu pensamento para Dean novamente, a
raiva ocupou todos os seus sentidos. Nunca o perdoaria.
Estava tão indignada que não queria saber que motivos
levaram ele e sua irmã a se separar. Ela não tinha nada a
ver com isso.
Diferentemente do que a irmã falou a respeito do seu
bom coração, ela não sentia disposição para perdoar
ninguém, nem mesmo Isabel, ainda que pesasse a sua
morte. Enquanto esperava que a irmã aparecesse para
desfazer aquele terrível mal entendido, ela estava morta e
Dean sabia de tudo. Ora, se estava difícil perdoar uma
defunta, imagine ele.
Ela correu à procura do refúgio do seu quarto. Ele não a
impediu e nem procurou se justificar.
Bella trancou-se com a carta amassada nas mãos e
chorou bastante. As lágrimas eram de raiva e tristeza: raiva,
por ter sido traída pela milésima vez; e tristeza, porque
afinal de contas, Isabel era sua irmã. Sua única ligação
familiar, excetuando-se sua sobrinha, não existia mais
ninguém.
E as lágrimas de raiva não eram apenas por causa de
Isabel, pois desde pequena era enganada e atraiçoada por
ela. Mas agora acontecera a mesma coisa com Dean. O
homem que ela admirava e em quem confiava a havia
enganado, deixando o tempo passar e vendo a sua agonia
em viver uma vida que não lhe pertencia.
E o pior era saber que talvez demorasse meses para
que ele lhe contasse. Ou quem sabe nunca o fizesse. O que
ele esperava com isso? Cada dia que passou ali foi se
apegando ao cunhado e à sobrinha e isso poderia ter
acabado bem antes. Por conta dele, seus sentimentos
aumentaram, pois cada hora passada naquela casa a
empurrava para Annie e para... Dean.
Deus, como o amava! Mas ele a enganara. Agora
entendia tantas reticências de frases e palavras, tantos
olhares com mensagens ocultas, tanto pesar na expressão
dele.
Pesar? Ele sofria por enganá-la? Sim, claro! Não era um
monstro e suas atitudes, com exceção do dia em que ela
chegou, demonstravam que ele era um bom homem.
Mas isso não importava. Ela não queria se enternecer.
 
͠
Dean passou a noite em claro, relembrando todas as
chances que teve de reverter essa situação de um modo
que lhe favorecesse. Mas ele preferiu enganar Bella.
Merecia seu desprezo. Pediria perdão e já sabia que não
obteria. Fizera isso para poder ficar mais tempo perto dela e
foi pior, pois assim só conseguira acrescentar mais alguns
dias ao seu lado e agora ela iria embora para sempre, e com
ódio dele. Se não tivesse escondido a verdade, talvez a
tivesse convencido a ficar. Amava-a. Sim, amava-a mais do
que tudo e aceitaria sua decisão, se assim fosse o desejo
dela.
Ele lhe daria espaço e tempo para chorar a morte da
irmã e curtir sua raiva por ele. Era merecida. Andando de
um lado para outro, ele admitiu que estava mentindo. Não
aceitaria a decisão dela se fosse de ir embora. Ele a
trancaria no sótão, no quarto, no subsolo, cavaria um
esconderijo e a amarraria até convencê-la de que o seu
lugar era ao lado dele e de Annie. Ela não iria embora. A
simples possibilidade de nunca mais ver Bella comprimia
seu coração e sentia uma dor tão profunda que parecia
estar com uma faca enterrada no peito.
No dia seguinte, soube que Bella saíra de casa a
cavalo. Arrasado e preocupado, ele foi procurar no único
lugar aonde sabia que ela poderia ter ido.
Chegando à casa de Ian, o amigo confirmou que ela
estava bem, mas seria necessário um tempo para se
recuperar, e lhe aconselhou a se afastar um pouco.
E o amor dele só aumentou. Em vez de fazer um
escândalo, ela optou por fugir. Sabia que Bella precisava
sair de casa não só para se afastar dele, mas também para
esconder dos empregados a dor e a tristeza, certamente
pensariam que eles tinham tido uma briga de casal, mas
ainda mantinha a promessa que tinha feito de fingir ser a
irmã. Ela era de uma lealdade incrível.
Depois de três dias, Ian lhe fez uma visita e sugeriu
que ele levasse Annie para ver Bella, alegando que isso era
bom para as duas. E seria um ponto de partida para que
eles voltassem a se ver.
Assim, estabeleceu-se uma rotina em que dia sim, dia
não, Dean levava Annie para a casa dos amigos. Lá, ele
ficava em uma sala com Ian, e Bella, Cindy e as crianças
ficavam em outra.
Claro que só ouvir a voz de Bella era gratificante,
depois de tudo o que ele lhe fizera. Mas mesmo tendo
ciência disso, essa situação o deixava aflito e ele já não
conseguia trabalhar, dormir ou comer direito.
Essa aflição angustiava Bella também, que via os dias
passando sem conseguir se aproximar de Dean.
 
͠
Em um desses dias, Dean foi levar Annie e Ian não se
encontrava. Ele deixou a menina e se dirigiu à biblioteca,
pois, como sempre acontecia, respeitava o espaço de Bella
e esperaria até que estivesse pronta para conversarem.
Colocou uísque num copo e sentou-se numa poltrona,
decidido a ficar ali até o término da visita. Quando deu o
primeiro gole, viu a porta abrir e Bella entrar. Ele levantou-
se depressa e colocou o copo na mesa. Antes de se
aproximar. Ela fez um gesto com a mão para que não
chegasse perto, fazendo-o recuar e voltar a sentar-se.
— Estava esperando por esse momento, Bella.
Precisava lhe pedir perdão pelo que fiz.
Ele percebeu a revolta nos olhos dela. A raiva ainda
estava estampada no seu rosto e parecia tê-la empurrado
para fazer algo que não era típico de seu temperamento
calmo e comedido.
— Você acha que merece perdão? — perguntou ela
com voz ainda muito magoada.
— Todo mundo tem direito a perdão — ele disse com
voz firme.
— Você é o mesmo homem que um dia me disse que
traição não tem perdão. A que tipo de traição se referia?
— Bella, nosso caso é diferente. Você não tem noção do
quanto.
— Aproveite a oportunidade de se explicar — gritou ela.
— Não consigo — disse ele, desesperado.
— Você me privou de ter conhecimento da morte da
minha irmã no momento oportuno. 
— Eu errei — admitiu ele humildemente.
— Você pode me dizer por que fez isso? Dê-me uma
razão para tamanho disparate.
— Não conseguiria esconder que foi por egoísmo. Sabia
que você iria embora assim que soubesse.
— Era o que deveria ter acontecido, Dean.
— Mas eu não queria isso. Queria que você ficasse.
— Se queria que eu ficasse mais um pouco, bastava ter
dito.
— Eu queria que ficasse para sempre.
Apesar de tocada pelas palavras sinceras e firmes, ela
ficou chocada.
— Então devo entender que você nunca iria me dizer?
Isso é mais cruel do que eu pensava.
— Claro que ia lhe dizer, Bella. Só precisava me
certificar de algumas coisas para poder fazer isso.
— De quê, em nome de Deus?
— Do seu amor.
— Do meu…
— Eu não queria perdê-la porque a amo. E por mais
que tenha escutado que o verdadeiro amor não é egoísta,
juro que não compreendo desse modo, pois temo que o meu
seja o mais egoísta do mundo. Quero você para mim de
qualquer forma. Tenho fome de você todos os dias, amo sua
risada, adoro sua voz, seu cheiro me fascina e não admito
que vá embora. Eu não consigo viver sem você.
Ela ficou emocionada com essas palavras, ainda que
continuasse chocada. Mas um facho de dúvida veio à tona
em sua cabeça.
— Você está confundindo as coisas. Quando olha para
mim vê a minha irmã numa versão melhorada, a que ama
Annie, trata bem seus empregados e que não seria capaz de
lhe trair. Isso era o que você queria dela e vê em mim. 
— Eu nunca esperei nada da sua irmã.
— Esse amor é uma ilusão. Não o quero.
— Não quer meu amor ou a mim?
— Não quero esse tipo de amor. 
Uma esperança acendeu no coração de Dean. Ela o
amava também. Todos aqueles olhares trocados nas
inúmeras vezes em que estiveram juntos eram juras de um
amor que não podia ser vivido naqueles momentos, mas ela
não conseguia perdoar, por enquanto, o que ele fizera; e
não estava pronta para aceitar o seu amor, ainda. Todavia o
tempo apaziguaria tudo e por isso ele não podia deixá-la
partir.
— Você não vai embora enquanto eu não puder provar
que é você que eu quero. Sempre foi você. Nós demoramos
a nos encontrar, mas estávamos guardados um para o
outro, Bella. Sinto que tivemos que passar por tudo isso,
mas foi por causa do conjunto dos acontecimentos, de como
nos conhecemos. Pense! Se não fosse por Isabel, talvez não
tivéssemos a sorte que tantos passam anos procurando, e
tantos outros morreram e não encontraram. 
— Como ousa falar como se conhecesse meus
sentimentos? — Bella ainda tentou contestar, quase
chorando.
— Eu sei que você também me ama, eu sinto.
Com as lágrimas próximas de descer, Bella não quis
mais continuar o assunto. Não tinha estrutura ainda para
isso. Ela foi em direção à porta, com a intenção de se
retirar, angustiada por ter escutado aquelas palavras
verdadeiras.
Ele levantou-se depressa com a agilidade de um felino
e a agarrou antes que ela abrisse a porta. Quando a puxou,
trazendo-a de encontro ao seu corpo, ela teve de se agarrar
às lapelas do casaco dele para não cair. E mesmo sabendo
que não deveria assustá-la, Dean abaixou a cabeça e
esmagou os lábios dela com fome desesperada. Ela
manteve a boca fechada, trazendo-o de volta à realidade.
Tão rápido quanto a pegara, ele a soltou. Virou-se de costas
para esconder a rápida excitação que lhe tomou ao apertar
aquele corpo amado em seus braços.
— Desculpe-me.
Chegando à porta, ela disse, de costas para ele.
— Nunca mais diga que me ama, pois não acredito. Se
quiser qualquer relacionamento comigo não será nesses
termos.
Então ele teria de procurar outros termos para se
relacionar com ela. Já era uma esperança.
Mas tarde só faltou dar um murro em si mesmo por ter
agarrado Bella daquela forma. Isso só piorava sua situação
perante ela. Por causa disso, o tão sonhado perdão
demoraria mais ainda para acontecer.
Capítulo 11
 
Não teve um dia em que Bella não se lembrasse do beijo
que Dean lhe dera. O primeiro beijo de sua vida havia
acontecido de forma tão rápida que não houve como colher
na memória mais que um lampejo de lembrança. Mas nem
assim ela conseguia esquecer aquele efêmero momento.
Fora pega de surpresa, graças a Deus, pois do contrário
teria tocado aquela barba que a enfeitiçava e puxado o
rosto lindo para mais perto, a despeito da raiva que estava
sentindo no momento. E isso era inadmissível.  Para não
dizer vergonhoso.
Fazia dez dias que recebera a carta que falava da
provável morte de Isabel, e as coisas foram ganhando um
significado menos doloroso. Aos poucos, a situação foi se
ajustando e entrando nos eixos. A dor de Bella foi aplacada
pela convivência, agora diária, com a inocente e
maravilhosa sobrinha, que a cada dia ficava mais apegada a
ela. Pena que agora não moravam mais na mesma casa.
Algo que tinha de ser revisto, pois não podia ficar na casa
dos amigos por muito tempo.
Não sentia saudade da irmã porque já estavam
separadas há muito tempo. Por outro lado, as maldades
dela sobressaíram de um modo benéfico, pois a livraram do
torpor daqueles que perdem um ente querido. Sentia por
ela ter perdido a oportunidade de cultivar a família. Quantas
mulheres queriam encontrar o amor de um homem bom e
honrado, que lhes desse filhos para embalar enquanto
amamentavam. Deus, como ela queria ser mãe e ter um
homem assim. Mas, como sempre, foi Isabel quem teve. E
jogou fora.
Annie não sabia que havia perdido a mãe, o que ela
sentia é que havia ganhado uma desde que Bella aparecera.
E, inexplicavelmente, Bella entendera que precisava estar
naquela casa para dar o suporte que a sobrinha carecia.
Mas agora que tudo acabara, ela não tinha mais razão de
permanecer na Escócia. Por outro lado, sentia muito porque
Annie agora é que ia perder uma mãe.
Ser impostora trouxe benefícios, mas não sabia se
tinham sido maiores do que os malefícios que
acompanhariam a menina a partir de agora, pois quando
teve um vislumbre de uma família, ela ia ruir. E dessa vez
seria pior, porque antes a criança não conhecia o significado
do amor, do carinho e do afago, e agora que conhecera ia
perder. Torcia para que a babá permanecesse se doando
generosamente à sua sobrinha e que Dean continuasse
construindo o relacionamento entre os dois.
Pensar em partir doía mais quando pensava em Annie
do que na própria desventura. Talvez voltasse para
Oxfordshire e aceitasse o convite que tinha recusado das
amigas, até encontrar outra solução.
Também tinha buscado compreender Dean, embora
não acreditasse no motivo alegado por ele, pois achava que
ele estava mesmo equivocado. Não conseguia enxergar
amor numa situação de traição, mas sim de egoísmo.
No entanto, começou a buscar razões que o levaram a
fazer isso. E encontrou duas: proteger a filha e a ela mesma,
que não tinha para onde voltar. Sua irmã dissera que ele era
um homem bom, e ela tinha provado que era.
Seu coração amoleceu, afinal não seria ela se isso não
acontecesse. O tempo apaziguador havia amainado sua dor,
e ela voltava gradativamente ao normal.
Mas jamais voltaria para ele. E essa certeza era
terrível. Nunca mais amaria novamente. Seu primeiro e
único amor era ele. Mas não podia confiar em Dean, por
mais que entendesse seus motivos. Passara a vida inteira
sendo vítima de Isabel e não se via tendo um
relacionamento com alguém que mentira por tanto tempo.
Quem garantia que Dean não voltaria a mentir? Bastava
uma vida inteira vendo e sofrendo isso. Não podia se
permitir viver sob o jugo de mais ninguém que a
manipulasse conforme seus desejos.
Estava pensando nisso enquanto olhava, pela janela,
Annie indo embora com Dean. O seu semblante triste
agoniou Cindy, que sempre fez questão de respeitar os
sentimentos dela. Mas naquele dia a amiga resolveu que
era hora de conversar sobre o delicado assunto.
— Você o ama, Bella? — Cindy sabia que sim, mas
achava que ela precisava se libertar, confessando.
— Contra todo meu bom senso, afirmo que sim. Mas
vou esquecer — disse ela, sem negar ou se esquivar do
assunto.
— Por que você quer esquecer? Eu tenho um bom
julgamento sobre Dean.
— Oh, minha amiga, não percebe como é difícil? Tenho
tantos motivos para querer tirar isso do meu coração,
mesmo que me pareça impossível. Veja a agrura em que me
encontro e que me amargura sobremaneira: amo
apaixonadamente o mesmo homem que foi da minha irmã,
mesmo que ele diga que não sente nada por ela. Como se
não bastasse isso, esse homem me traiu, mentindo sobre
um assunto tão importante, o qual nem preciso mencionar.
Além do mais, toda vez que percebi um olhar diferente da
parte dele, seria hipócrita se dissesse que nunca houve um,
fiquei me perguntando se ele olhava assim para ela. Sempre
me pego imaginando-os se abraçando e se beijando. Isso é
tão inaceitável. Cada sorriso, cada toque inesperado, cada
gesto me trazem à mente a imagem de Isabel recebendo-os
igual. Não consigo lidar com isso. Sinto ciúme de uma
pessoa que já morreu. Da minha própria irmã. Por mais que
ele tenha afirmado que não a amava, já houve algo. A prova
disso é Annie, filha dos dois.
— Meu Deus, vocês nunca conversaram sobre isso? —
Cindy estava espantada que Dean ainda não tivesse aberto
sua vida totalmente para Bella. Por que ele estava
carregando uma culpa que não tinha? Mas ela não tinha o
direito de se meter nisso, se ele mesmo preferia assim.
— Sobre o quê? — perguntou Bella.
— Sobre... sobre esses sentimentos que lhe afligem —
disfarçou Cindy.
— Não há como fugir disso. Não tem nada que possa
alterar o passado amoroso de um casal. Logo, de que
adiantaria uma conversa? Eu só abriria meus sentimentos, e
ele diria palavras para tentar me persuadir, mas seriam
inúteis, pois eu não acreditaria. É muito mais forte do que
eu.
— Afirmo enfaticamente que ele também a ama. E o
amor, longe de ser apenas uma inclinação emocional, é algo
raro. Dessa forma, não pode ser desperdiçado — insistiu
Cindy.
— Estou propensa a acreditar que eu nunca seria feliz
ao lado dele, pois não aguentaria ser comparada à minha
irmã. Como posso ter certeza do seu amor por mim? Será
que não entende como é difícil ser fisicamente igual a outra
pessoa? Quem ele vê quando me olha: eu ou Isabel? Essa
péssima sensação piorou com a morte inesperada dela.
— Para mim isso é de fácil elucidação. Ele ama a sua
alma. E nunca faria comparações, pois não tem parâmetro
— respondeu Cindy, com muita convicção.
— Realmente não tem comparação entre mim e ela —
assegurou Bella, triste.
— Não tem, mas de uma forma que você nem imagina
— disse Cindy, enigmática.
— Cindy, nunca pensei que o amor fosse tão intenso e
doloroso. — Bella estava tão aturdida que nem prestou
atenção no valor da frase que acabara de escutar.
As lágrimas, que escorriam de forma corriqueira
ultimamente, desceram pela sua face outra vez.
— Bella, antes de você tomar qualquer decisão, é de
muita importância que você e Dean conversem. Fale sobre
seus sentimentos, seus anseios, suas dúvidas para que ele
possa lhe esclarecer algumas coisas.
— Você fala como se soubesse de alguma coisa.
— Só posso falar que pode ter mais coisa do que você
imagina nessa história e que somente ele pode lhe dizer.
Bella atribuiu essa conversa a uma tentativa da amiga
de aproximar os dois.
Mais cinco dias se passaram, quinze da morte de
Isabel, Bella os contava diariamente, pois sabia que só com
o passar do tempo suas dores diminuiriam. E estavam
diminuindo gradativamente.
A família Crawford tinha mostrado coisas jamais vistas
em seu lar. Eles se amavam verdadeiramente e a vida
caseira era gostosa de viver. Julia era um doce e encantava
todos ao redor. A rotina deles incluía a menina em quase
todos os momentos e o amor e aconchego eram quase
palpáveis. Ian amava a esposa, que o adorava, e os dois
amavam a filha de forma incondicional e linda. Ela se
imaginava nesse contexto sempre que fechava os olhos,
junto de Dean e Annie, formando uma família parecida.
Durante sua estadia, passou momentos muito
importantes conversando com sua nova amiga, que parecia
ser muito mais sua irmã que Isabel. Cindy era uma mulher
de princípios sólidos e muito verdadeira. Sua amizade,
refletida por meio de conselhos e abraços, foi o remédio
necessários para aplacar a dor de Bella, aplicados sempre
que solicitados. Ou mesmo quando não.
Mas era hora de devolver a privacidade àquela família.
Além do mais, era adulta e tinha de enfrentar seus
problemas.
Bella lhes falou do seu desejo de partir.
— Você vai voltar para a casa de Dean? — perguntou
Ian.
— Não sei ainda. Mesmo que fique uns dias lá, penso
em voltar para Oxfordshire — respondeu ela, sem muita
convicção. Depois desses dias, sua cabeça estava mais
calma e seus pensamentos mais lúcidos.
— Não entenda como reprimenda, Bella, mas é meu
dever advertir que Annie vai sofrer bastante com a sua
partida, uma vez que a traz em elevada afeição. — Dessa
vez quem argumentou foi Cindy, enquanto pegava as mãos
de Bella entre as suas, num gesto de afeto e amizade.
— Nunca confundiria um conselho com uma
reprimenda, minha amiga. Sei que tem razão e não consigo
parar de pensar nisso. Dói tanto.
Bella caiu num pranto. Cindy a abraçou, amparando o
corpo trêmulo da amiga, que chorava inconsolável.
— O que a impede de perdoar Dean? — a amiga
perguntou.
— Poupando-o da mentira que ele levou adiante sem
considerar a minha vontade, tem tanta coisa que me afeta e
afasta dele. Mas percebo que o perdão está perto de
acontecer. Apesar de vez ou outra me lembrar de que ele
fez a mesma coisa que Isabel, minha natureza não me
permite guardar mágoas.
— Sou obrigado a interferir em favor dele. O que fez foi
por motivos bem diferentes dos da sua irmã — alegou Ian.
— Mentira é mentira.
— Compreendo que mentira nunca deixará de ser o
que é, mas pode ser desculpável dependendo das
circunstâncias que a levaram a ser dita. Sua irmã mentia
para lhe prejudicar. O único prejuízo que Dean lhe causou
foi adiar o seu luto. Ele sofreu esse tempo todo por estar
mentindo, muito diferente de sua irmã, que sentia prazer no
que fazia.
— Reconheço a verdade disso.
— Dean fez tudo por amor. Ele não queria perdê-la.
Uma pessoa apaixonada é capaz de muita coisa para
manter o ser amado ao seu lado, Bella. Sei bem o que é
isso. Eu nunca o vi tão apaixonado — disse Ian.
— Uma forma tão estranha de amar — disse ela.
— Bella, sou obrigado a lhe advertir que talvez você
tenha desenvolvido uma negação do amor de Dean para
continuar se impedindo de voltar para ele. Isso é bastante
cômodo se quiser fugir do problema. Entenda de uma vez
por todas que seu problema não é falta de amor, pois os
dois se amam. Não tenha a presunção de achar que o ama
sozinha, pois é notório que isso não é verdade.
Ian foi bastante enfático ao falar essas coisas, mas
sentia que precisava chacoalhar a moça de alguma forma.
Claro que Dean também tinha de ajudar. Custava abrir o
caderno de sua vida para que ela folheasse e conhecesse
toda a sua história? Seria muito mais simples. Oh, homem
obstinado!
No encerramento da conversa, no entanto, ele
amenizou um pouco.
— Do meu ponto de vista, vocês dois foram vítimas de
Isabel. No final de tudo, deve ser considerada a
possibilidade de que era necessária essa fatalidade para
que se encontrassem.
Apesar de chocada com a dureza das palavras do
amigo, Bella, que já estava enxergando coisas que antes se
negava a ver, ficou bastante reflexiva.
Se partisse tinha tanto a perder. E Annie, ah, Annie,
como viver sem sua garotinha? E como deixar sua garotinha
sem ela? Era maldade demais com a menina, que nunca
mais a veria.
Voltar para a casa de Dean era a única solução, já que
não queria abusar da hospitalidade dos bondosos amigos.
A partir daquela conversa, quando Dean trazia Annie,
ela permanecia no mesmo ambiente, embora não lhe
dirigisse uma palavra ou um olhar. Ainda assim, as
esperanças dele foram renascendo e se renovando a cada
dia, apesar de Bella ainda parecer magoada.
Não havia mais dúvidas de que deveria retornar à casa
de Dean. Porém não estava pronta para ter um
relacionamento com ele. E não parava de pensar na
advertência de Ian sobre ela ter desenvolvido uma negação
do amor de Dean. Inconscientemente, estaria fazendo isso?
Ele disse que a razão de ter feito o que fez foi porque a
amava e ela negou-se terminantemente a aceitar isso,
inclusive dizendo-lhe que nunca mais se declarasse daquela
forma. Será que ainda a queria como esposa, ou estava
providenciando a anulação do casamento, depois de ter sido
repelido com veemência por ela durante todos esses dias?
E o empurrão de que precisava para voltar aconteceu
na manhã de uma quinta-feira, quando os amigos disseram
que retornariam a Londres para o início da temporada. Não
se ofereceram para levá-la junto, porque sabiam que não
era o certo a fazer.
Assim, naquele mesmo dia à tarde, Ian anunciou a
Dean que ela voltaria para a sua casa até decidir o que
fazer.
Essa foi a primeira vez que ela lhe dirigiu o olhar, para
deixar evidente que o amigo estava falando em seu nome.
Na manhã da terça-feira, Dean foi buscá-la. Eles
seguiram calados.
Para os empregados, a briga tinha passado e agora a
patroa estava de volta.
Dean não a forçava a uma convivência com ele, mas
passaram a jantar juntos, embora ainda sem se falar.
Depois, cada um se recolhia em seus respectivos aposentos.
Porém, longe de se acostumarem com isso, eles sofriam.
Com o tempo, tudo seria remediado e a ferida sarada,
mesmo que a cicatriz perdurasse, talvez para sempre.
Com o passar dos dias, os diálogos surgiram tímidos,
depois foram aumentando gradativamente, à medida que
as mágoas davam lugar à compreensão. Mas ainda não
tinham conversado sobre o que fazer com as informações
obtidas com as cartas enviadas por Isabel.
 
͠
Bella estava sentada na pequena sala que havia
adotado como seu lugar preferido na casa. Era uma sala
estreita e nas paredes da direita e da esquerda havia
prateleiras que iam do chão até o teto, repletas de livros. As
prateleiras começavam no início da sala e se estendiam até
a janela de vidraças transparentes, que também iam até o
teto. O que tornava o ambiente mais intimista era uma
poltrona de couro bege, encostada na janela, que tinha a
largura total da sala, com almofadas quadradas e fofas.
Assim, a pessoa pegava um livro, deitava-se e o lia
desfrutando da visão espetacular do jardim e, se quisesse,
ainda podia tirar um cochilo, bastando fechar a cortina para
diminuir a claridade. Era um deleite.
Estava tão compenetrada lendo um livro, que não
percebeu quando Dean entrou.
— Você aprecia bastante este lugar, não é?
— Bastante. — Ela levantou-se e ficou em pé, olhando
para ele, com aqueles olhos límpidos e desprovidos de
qualquer dolo.
— Bella, desde que você voltou para casa não falamos
mais sobre o que aconteceu. Precisamos fazer isso.
Voltou para casa.
— A opinião que tive logo depois que descobri o que
me fez foi equivocada. Eu acho que compreendi os motivos
que o levaram a fazer isso — ela respondeu.
— Compreendeu? — ele perguntou, admirado.
— Algumas coisas ainda estão confusas, mas creio que
o tempo vai resolver, de uma forma ou de outra.
Dean apenas a escutou, sem desviar os olhos dela, o
que a fez se arrepiar toda. Ele tinha uma capacidade
enorme de desestabilizar sua razão. Ela cruzou os braços,
para que ele não visse que sua caixa torácica estava se
insinuando para a frente devido às batidas tempestuosas do
coração. As coisas realmente estavam voltando ao que
eram antes.
— Você está providenciando a anulação do casamento?
— perguntou Bella, com medo da resposta.
Ele ficou tentado a dizer que sim para ganhar tempo.
Mas havia decidido que nunca mais mentiria para Bella.
— Ainda não falei com os advogados.
Afastando-se de Bella, Dean foi até a janela do outro
lado da pequena sala, onde ficou uns minutos, antes de se
virar novamente para ela, que ficara muda. Não achou
necessário dizer que esse último mês tinha sido o pior da
sua vida; que esperou dias seguidos por uma menção de
sorriso dela; que sonhou desesperadamente pelo seu
perdão e que não ia de forma alguma providenciar a maldita
anulação. Ela ia ser dele, por mais que demorasse.
— Não somos obrigados a anular o nosso casamento.
Continue sendo minha esposa — disse ele, retornando para
perto de Bella.
— Sua esposa? — A voz dela saiu trêmula.
— Sim. Qual a surpresa? Já tínhamos falado sobre isso.
— Quando havia possibilidade de nossos problemas
não serem resolvidos — disse ela.
— Ainda acho que é a melhor opção para ambos —
rebateu ele.
— Não seria conveniente, minha irmã praticamente
acabou de morrer.
Ainda bem que a única objeção agora parecia ser as
regras do luto, pensou Dean. Mas não aceitava isso. Isabel
não merecia meio dia de luto.
— Nunca é demais lembrar que ela abandonou a filha
por outro homem. E todos nós sabemos quem é minha
esposa realmente, Bella.
— As coisas não são bem assim, e nós sabemos.
— Continuarmos casados é um sacrifício tão grande?
— Não. Mas é um sacrilégio. Sua esposa, que por sinal
era a minha irmã, morreu faz tão pouco tempo!
— Você sabe que ela não era minha esposa.
— Era sim. O meu nome no papel não anula o fato de
terem sido casados perante um sacerdote e as pessoas. Por
isso seria um escândalo.
— Não me importo com escândalos e sua irmã já me
expôs a uma cota considerável de alguns, de modo que
estou calejado. De qualquer forma, teremos de contar a
nossa situação toda, com todos os detalhes, para que
consigamos a anulação. A diferença é que depois de toda a
exposição continuaríamos casados.
— Por quê? Se quer que eu fique, basta me deixar ficar
hospedada, afinal sou tia de Annie. E depois de algum
tempo podemos voltar a falar sobre isso.
— Por dois motivos: o primeiro é que não acreditarão
que não somos amantes se permanecer aqui; e o segundo é
que quero tudo que envolve um casamento. Quero uma
mulher em todos os sentidos.
— Por favor, Dean, ainda não estou preparada para
falar sobre esse assunto.
Bella sabia que era hora de enfrentar os problemas,
mas via que esse ponto ainda a incomodava. Desejava de
uma forma desvairada amar e ser amada por ele, mas o
amor seria suficiente para apagar outros sentimentos? Por
outro lado, ela sempre disse que o amor é o maior vínculo
afetivo do mundo. Se isso era verdade, por que essa
aflição? Sentia-se presa a algo invisível, mas muito forte.
— Mas eu não poderei deixar de falar sobre isso. O
motivo principal da minha proposta é o meu amor por você.
Sempre foi. Eu não consegui esquecê-la e a quero para mim
de todas as formas possíveis.
Ela o fitou, perguntando-se se seria capaz de aceitar
esse amor, sem que houvesse dúvidas incomodando sua
mente.
— Espero sinceramente que não fique escandalizada
com o que vou lhe dizer. Eu a quero como minha mulher
para dividirmos nossas vidas, nossos problemas, nossa
cama. Quero fazer amor com você todas as noites e acordar
ao seu lado todos os dias, até que a morte nos separe. E
ainda assim, ela não conseguirá apagar o amor que sinto
por você. E eu sei que você sente o mesmo por mim.
Ela ficou muda.  Não havia mais como esconder a
verdade.
Dean ficou desnorteado pelo silêncio de Bella. Ela
parecia resolvida a não ficar mais com ele, mesmo que já
estivesse perto de perdoá-lo completamente. Mas lutaria
até o fim. Agora que tinha começado a falar não podia
voltar atrás. Tinha de falar tudo o que fosse necessário para
que ela soubesse onde estava pisando.
— Nunca mais me peça para calar o meu amor, pois
não o farei. Eu a amo e quero trazer a paixão e a fidelidade
para nosso casamento.
Uma luz se acendeu dentro de Bella ao ouvir a última
frase.
— Você tem uma amante? — ela perguntou, entrando
num terreno perigoso, que não conhecia ainda, mas que
fora adentrado quando ele falou sobre fidelidade.
Ele sorriu. Deus, como aquele homem era
diabolicamente lindo! Ela afastou as vistas logo.
— Geralmente um homem normal tem ou visita
periodicamente lugares próprios para aplacar seus desejos,
Bella.
— Desejos — repetiu ela.
— Todos nós temos, Bella. As mulheres, da mesma
forma que os homens, possuem desejos sexuais, sabia?
Sabia. Claro que sabia. Ultimamente vinha sentindo
desejos que só podiam ser sexuais de acordo com os
sintomas que seu corpo apresentava quando ele estava por
perto.
— Há algumas necessidades no corpo tão profundas,
que, quando despertadas por mãos habilidosas, precisam
ser satisfeitas. Sensações que se transformam em urgência
no corpo do parceiro e é quase desesperador senti-las pela
metade.
Essas palavras despertaram a curiosidade dela. Ele
percebeu.
— Você não faria jus à condição de mulher se não
tivesse ficado curiosa depois do que acabou de escutar. —
Ele tossiu. – Posso fazer uma pequena demonstração, se
você permitir.
Ela abaixou a cabeça envergonhada. Fez uma pergunta
que não devia e recebeu uma resposta direta e sem floreios.
— Não foi isso que eu quis insinuar — ela refutou com
voz baixa.
Ele riu novamente, e ela paralisou.
Deus, quem era esse homem, que fazia sua cabeça
virar de ponta-cabeça? Ela estava quase esquecida de que
ele fora de Isabel, sua irmã gêmea, e que teve uma filha
com ele. Ela não passava de uma substituta. Mas saber que
ele precisava de amantes para se saciar acendeu um
sentimento bastante incômodo nela.
Ele colocou as mãos nos bolsos da calça e a olhou com
uma mistura de admiração e satisfação. O corpo alto, com
peso bem distribuído, e o ar elegante paralisavam
parcialmente os pensamentos de Bella. Quer dizer,
paralisavam a capacidade de escutar, pois terminava se
ocupando de imaginar coisas pouco decentes.
Principalmente quando sabia que ele tinha a tendência de
falar sobre assuntos nem um pouco convencionais para uma
dama.
— Você alguma vez já teve algum tipo de intimidade
com um homem? — ele perguntou, mas já sabia que a
pergunta era retórica.
— Não — ela respondeu sem se voltar.
— Já foi ao menos beijada?
Ela se voltou e o olhou, como se não estivesse
compreendendo a pergunta, já que ele mesmo a havia
beijado.
— A... acho que sim — disse, virando-se novamente
para a janela.
Bella respondeu com tanta inocência que ele chegou a
se arrepender da proposta despudorada que lhe fizera. Mas
agora era tarde e não voltaria atrás. Agora era questão de
honra ser o primeiro na vida dela em tudo. Seria um prazer
enorme fazer daquela menina uma mulher. Senti-la vibrar
em seus braços a cada toque. Ele respirou fundo.
— Vire-se!
Ela voltou-se e deu de cara com ele.
— Aquilo não foi um beijo.
Dean pegou suas mãos e as beijou. Depois as virou e
beijou as palmas. Trêmula, Bella ficou olhando aquilo como
se estivesse no corpo de outra pessoa observando aquela
cena erótica de longe, mas se sentiu dentro da cena quando
ele pegou delicadamente o seu queixo e, puxando-a pela
cintura, encostou seu corpo no dele. Depois, com muita
calma, ele ajeitou a cabeça de modo que seus lábios se
uniram aos dela, que, por causa da surpresa ou da
curiosidade, não se mexeu. Ele a beijou devagar. Apenas
encostando os lábios e mexendo-os sem pressa. Ela
manteve a boca fechada. E os olhos que estavam abertos
de repente sentiram um certo conforto na escuridão que as
pálpebras ofereciam e se fecharam. Mas não só por isso. As
sensações a que ele se referia pareciam aflorar de forma
mais sensível com os olhos mergulhados no breu. Mas o que
fazer com a boca?
— Não sabe beijar ou não quer me beijar? — desafiou
ele, com a voz rouca.
— Eu...
— Deixe-me descobrir.
Ele tornou a beijá-la. Passou a língua molhando os
lábios fechados dela, e, dessa vez os abriu, pois entendeu
que deveria abrir a boca depois da pergunta de Dean. E o
fez, timidamente, abrindo um pouco os trêmulos lábios. Foi
o suficiente. A língua dele se interpôs naquela abertura e
começou a fazer coisas que ela jamais imaginou que
pudessem ser feitas. A língua sedosa avaliou a dela,
vasculhou a intimidade da boca inocente e arrastou a língua
dela para a sua boca, a fim de chupar e mordiscar
suavemente. Jesus, aquilo era algo impensável de ser feito.
Mas mesmo assim era maravilhoso. A ponto de ela ter se
sentido obrigada a encostar o corpo todinho ao dele para
colar o que fosse possível.  A teoria das necessidades a que
ele se referiu momentos atrás estava se provando
verdadeira.
O beijo tornou-se mais íntimo. Ela segurou-se nos
ombros de Dean, crendo que, se não o fizesse, despencaria.
As sensações tomaram conta de seu corpo a ponto de ela
perder a noção até do lugar em que estavam. Quando ele
recuou um pouco o beijo, Bella alcançou e tocou de leve a
sua língua. O corpo dele estremeceu. Dean agora tinha
dúvidas de quem ficaria com alguma necessidade
insatisfeita. Quer dizer, nenhuma dúvida. Pelo menos, ela
não sabia até aonde aquilo podia chegar e nem como a
culminação era prazerosa. Mas ele... ah, como sabia. E
como queria!
Ele voltou a se preocupar com o beijo. Gemendo,
segurou-a pela cintura e tateou com a outra mão uma
parede onde pudesse encostar o corpo dela. E quando
encontrou, teve de fazer um esforço supremo para não se
esfregar em Bella até encontrar um alívio para uma
particular parte do seu corpo. Precisou de muita força de
vontade para se ater apenas ao beijo. Era o primeiro de
Bella e tinha de ser inesquecível. Ela estava abandonada
em seus braços. Os lábios abertos e desejosos, sendo
manipulados por lábios experientes, lascivos e afoitos. Ele
deslizou a língua novamente para dentro de sua boca,
insinuando movimentos sensuais que fizeram o corpo dela
estremecer.
– Ah... – ela gemeu indefesa.
Ele já estava terminando o beijo, mas, incentivado por
esse som dos céus, moveu o corpo, quase fundindo-o no
dela novamente. Mas um lampejo de consciência o alcançou
e ele teve de abandonar aqueles lábios macios, pois se
permanecesse naquele ato louco, a coisa não ia ficar boa.
Ele desceu a boca e mordiscou o queixo delicado dela,
depois subiu e beijou as maçãs do rosto, as pálpebras
cerradas e a testa. Precisava acalmar a ambos.
Quando se afastou, segurou o rosto de Bella entre as
mãos e, olhando-a profundamente, disse:
— Não sabia.
— O quê? — ela perguntou, confusa e trêmula.
— Eu lhe perguntei se você não sabia ou não queria me
beijar.
Ela abaixou a cabeça envergonhada.
Dean passou as mãos nos cabelos, e disse: — Basta me
dar a resposta amanhã.
Então ele saiu, deixando-a atordoada e com uma
sensação de que faltava algo para concluir o que haviam
começado. E agora já tinha mais ou menos uma noção do
que vinha a ser.
Ficou ali por muitos minutos com a mão na boca. E
agora, o que faria? Como olharia novamente para ele,
depois de ter se derretido em seus braços? 
Algo lhe chamou a atenção: pelo menos enquanto
estavam se beijando, ela esqueceu de Isabel. Dean
conseguia aprisionar seu corpo e sua mente quando a
tocava. Mas será que durante momentos mais íntimos seria
assim também?
Capítulo 12
 
A noite foi longa para Bella. A sombra de Isabel, de suas
palavras e de suas risadas a incomodou tanto que teve
pesadelos terríveis de madrugada. Assim, no dia seguinte
perdeu a primeira refeição do dia. Estava tão envergonhada
que pediu que o almoço fosse servido em seus aposentos.
Mas ficou mais envergonhada ainda em se recusar a jantar
com Dean, afinal era adulta e devia enfrentar a situação
com coragem. Já havia analisado a proposta e tinha de falar
sobre ela com maturidade. Isabel não a deixaria ser feliz
nem depois de morta. Não tinha estrutura emocional para
isso, por mais que houvesse amor envolvido.
Dean também não dormiu de forma satisfatória, pois
não tirava da cabeça o beijo. O primeiro de Bella. Se sua
proposta fosse recusada, ele enlouqueceria. Provar aqueles
lábios o instigara a querer o banquete todo. Ele não tinha
dúvida de que os manjares a serem experimentados eram
deliciosos e não via a hora de se fartar degustando-os. Ficou
duro só de imaginar.
Somente no jantar Dean conseguiu ver Bella, que
desceu parecendo um anjo, envolta em um vestido de
tecido esvoaçante verde, combinando com seus olhos. Um
decote suave deixava antever os dois montes imaculados
dos seios, divididos por um delicado cordão de ouro com um
pingente simples. Os cabelos caíam em cascata sobre os
ombros, em um penteado que deixava o rosto à vista, e
pequenos brincos de pérola enfeitavam as orelhas perfeitas.
Ela era absolutamente deslumbrante e, apesar de ser igual
à irmã, era tão diferente, em uma representação exata de
uma verdadeira dicotomia: uma representava o escuro da
noite, a outra, a resplandecência de um dia claro de verão;
uma era o mal em pessoa, a outra, o bem, simples e puro
como tem de ser; uma era a lua, a outra, o sol; uma era o
inferno e a outra, o céu. Ainda bem que tudo que
representava a maldade foi extinto com a morte prematura
de Isabel, restando apenas a bondade daquela mulher linda
sentada à sua frente.
Apesar da constituição física pequena e da compleição
delicada do rosto, não havia nela nenhuma fraqueza.
Precisava convencê-la a ficar.
Dean a levou à biblioteca para que pudessem
conversar sem o perigo de serem escutados.
— Já pensou na minha proposta?
— Sim. E cheguei à conclusão de que você tem tempo
hábil para resolver a questão do testamento.
Se não fosse a imagem de Isabel, que teimava em
aparecer todos os dias e quase todos os momentos...
— Para isso eu teria de arranjar outra esposa, como
você bem sabe.
De repente, ela sentiu uma dor lancinante no peito ao
imaginar aquele homem dormindo com outra mulher. Ele
tinha pertencido a Isabel e a outras mulheres, não queria
nem saber quantas. Precisou de todo o seu autocontrole
para esconder o quanto essa ideia a incomodava. Mas a
madrugada lhe disse tanta coisa.
— Acho que está tão pouco interessada que talvez até
me ajudasse a encontrar uma, não é? — ele disse, com um
timbre de voz que sugeria desgosto.
— Dean, não é isso. Confesso que não me sinto capaz
de ficar no lugar que pertenceu a ela.
— Então, outra mulher no lugar dela seria bem melhor
e confortável para você— ele afirmou, quando poderia ter
dito que Isabel nunca teve lugar na vida dele, o que talvez
tornasse mais fácil conquistá-la.
— Não se trata de conforto, mas de paz. Minha paz.
Mais uma oportunidade para Dean. Mesmo assim...
— Não vejo razão para que não seja eu a lhe
proporcionar essa paz. O tempo vai provar muita coisa.
— Dean, não é necessário que seja eu a lhe dar o
herdeiro de que precisa.
Como doía dizer aquelas palavras!
— Mas eu só quero você como a mãe do meu herdeiro.
— Sua proposta é boa, mas não sei se conseguiria…
sabe…dormir com o homem que dormiu com a minha irmã
— ela começou a ceder, diante da insistência dele.
Dean enrijeceu o corpo e respirou fundo.
— Posso ter paciência e esperar o tempo necessário.
Fique comigo, Bella. Seja minha esposa e se dê a chance de
me perdoar completamente, enquanto faço o mesmo.
Podemos fazer isso juntos. Não me deixe.
Dean devia lhe dizer toda a verdade. Bastava tão
somente dizer que nunca tinha dormido com Isabel. Mas ela
saberia que Annie não era sua filha. Ele não se sentia
confortável com essa perspectiva. Se Isabel tivesse
confessado na sua carta, tudo bem. Mas se até ela parecia
ter querido resguardar a filha dessa maldição, por que tinha
de ser ele a falar? Sabia que faria isso, afinal, ela era Bella.
Mas não estava pronto. Em vez disso usou um argumento
quase mesquinho.
— Pense em Annie. Ela sofrerá muito com sua partida.
O argumento podia ser mesquinho, mas surtiu efeito.
— Eu penso e sei o quanto ela vai sofrer. Penso em
como a cabecinha dela vai ficar confusa se eu for embora e
outra mulher tomar o meu lugar.
Ele viu uma luz iluminando suas esperanças. Tomar o
meu lugar... Sim, o lugar era dela, não de Isabel.
— A minha resistência reside nas dúvidas que me
acometem quando a imagem de Isabel me vem à mente. E
isso ocorre mais do que você imagina. Mas quando vejo as
coisas de outra perspectiva, a que inclui Annie, repenso.
Um clarão pareceu explodir na cabeça dela. Pagaria o
preço pela menina. E por ela. E por ele. Seria um preço alto,
pois seus dias e principalmente suas noites restavam
prejudicadas, pois Isabel a assombraria pelo resto da vida.
Mas era o certo a fazer.
— Estou certo ao imaginar que você está considerando
aceitar a minha proposta?
Ela ficou calada. Ele exultou por dentro.
— Está fazendo isso só por Annie?
— Por causa de Annie e porque você depende disso
para manter seu patrimônio. O testamento do seu pai não é
justo.
Deus, que mulher era aquela! E ia ser sua. Sua mulher.
Na prática. Por muito pouco ele não deu um grito alto o
suficiente para ser escutado pelos habitantes ao redor de
toda propriedade. Ela não precisava pronunciar as palavras.
Ia ficar. Ele sabia.
É certo que gostaria de ouvir Bella admitir que o amor
por ele era o motivo de estar tomando essa decisão, mas
por enquanto não precisava que ela confessasse o que
estava em seu coração. Sabia que era amado. Por isso,
também tomou uma decisão.
— Vou aguardar você, Bella, porque não posso
pertencer a outra mulher. 
Antes de falar, ela o olhou de um modo que ele
compreendeu sua resposta. Então, ela assentiu,
timidamente, quase o sufocando de emoção.
Bella não queria que ele fosse de outra mulher. Não
queria que tivesse sido de sua irmã. Não conseguiu dizer
que sua decisão também tinha sido baseada no imenso e
incontestável amor que lhe dedicava. Muito menos que
acreditava que era alvo do dele. Estava cedo para isso.
Tinha de dar um passo de cada vez.
Jesus, agora que implicitamente aceitara a proposta,
não tinha certeza se conseguiria se entregar ao homem que
teve Isabel nos mesmos braços. Ficara com o sobejo dela.
Mas ao mesmo tempo, Bella o queria só para ela. O que
fazer com aquele turbilhão de emoções?
 
͠
Dean estava passeando com Annie nos braços na
manhã seguinte, quando Bella resolveu acrescentar uma
ressalva à resposta que dera no dia anterior.
— Eu aceitei a sua proposta, Dean, mas ainda não
estou pronta para dormir com você.
— Não tem problema. Eu terei paciência. Não precisa
explicar os sentimentos que estão se contrapondo dentro de
você, Bella. Não sou louco para pensar que vai ser fácil lidar
com sensações tão contraditórias. Eu esperarei até que
esteja pronta, já lhe disse.
Mas eu não quero que você durma com mais ninguém,
pensou ela. Agora que ele tinha lhe explicado e lhe
mostrado como os desejos deixam um corpo aceso e afoito
por satisfação, sabia que não tinha como evitar que ele
procurasse isso nos braços de outra mulher. A não ser que o
aceitasse na sua cama ou fosse para a dele. Mas ainda tinha
de buscar um caminho que a levasse a ele sem pensar em
Isabel quando estivessem juntos intimamente. Claro que se
não encontrasse esse caminho, teria de sofrer as
consequências de sua decisão, amargando as duras
emoções cada vez que lhe pertencesse.
Parecendo adivinhar a inquietação de Bella, ele
completou:
— Dou-lhe a minha palavra que não dormirei com outra
pessoa até que possa tê-la — garantiu ele.
— Eu agradeço.
Aquelas palavras sinceras demonstraram que ela não o
queria nos braços de ninguém, o que o alegrou
sobremaneira.
Nesse quesito, ele não tinha paciência coisa nenhuma,
mas não havia outro jeito. Além do mais, era hora de voltar
para casa, em Londres, e isso ia distrair a esposa um pouco.
Esposa, que doce palavra. Seu coração estava
enlevado.
— Voltaremos esta semana para Londres — ele
comunicou.
— Meu Deus, novos desafios me aguardam.
— Irei ao magistrado, levando a confissão de Isabel, a
fim de que todos saibam que ela morreu, e a verdade sobre
o nosso casamento. Depois, diremos a todos os amigos o
que aconteceu e anunciaremos que resolvemos continuar
casados pelo bem de Annie. Conheço algumas figuras cujas
línguas espalham notícias como labaredas em plantação
seca. Vou me encarregar de lhes dar a notícia e dentro de
poucos dias, quiçá horas, toda a Inglaterra saberá. Depois é
só se preparar para responder a uma infinidade de
perguntas. Não será simples, mas estamos perto de acabar
com essa farsa. Uma coisa boa da fofoca é que, quando
surge outra nova, ela perde o valor e as pessoas logo
esquecem. A cada nova fofoca, a nossa vai ficando para
trás.
— Vou me sentir bem melhor depois que todos
souberem de tudo, apesar das implicações.
— Eu sei.
Annie empertigou-se nos braços de Dean para descer.
Ele se abaixou e a colocou no chão. A menina segurou a
mão dele e procurou, desajeitadamente, a de Bella. Os dois
riram e saíram de mãos dadas com a menina com a brisa
suave soprando deliciosamente em suas costas. Annie ainda
andava tropegamente, mas a cada dia seus passos
adquiriam mais segurança e firmeza.
Chegando a um velho balanço em um robusto carvalho,
Annie apontou, indicando o que queria. Dean tratou de
verificar se o balanço oferecia algum risco. Vendo que era
seguro, pegou a menina e colocou-a em cima, começando a
balançar em seguida. Tão rápido quanto subira, ela quis
descer, já procurando alguma coisa diferente para fazer.
Assim, passaram minutos agradáveis em família até que a
babá veio avisar que era hora de ela tomar a mamadeira.
Dean atreveu-se e entrelaçou os dedos nos de Bella.
Ela aceitou.
O primeiro toque de mãos depois de tanto tempo.
Como era bom sentir a maciez da mão dela! Como era bom
sentir a firmeza da mão dele!
Chegando à sala, ele beijou sua testa e retirou-se,
deixando-a com a sensação de que o lugar perdera toda a
graça. Sentia um misto de antecipação do papel de uma
esposa.
Entre os dois não houve flerte, namorico, compromisso
ou nada que sugerisse um casamento, no entanto estavam
casados, devido a uma ação impensada de Isabel. Ela, com
sua inconsequência, havia providenciado uma nova vida
para Bella, um pacote completo: marido, filha e um lar. Mas
isso em vez de atenuar o fardo de Bella, a extenuava, pois
não conseguia parar de pensar que estava pegando as
sobras de uma relação construída anteriormente pela irmã,
que sempre se antecipava e colhia as melhores
recompensas.
Por outro lado, pensar em sobejo também a fazia ver
outro significado para a palavra que estava se tornando tão
relevante em sua vida. Sobejo também significava algo que
supera o primordial, que excede o necessário. Logo, não era
de todo ruim ficar com as sobras quando as coisas eram
colocadas nesse contexto.
Com relação ao comando da mansão, ela já se sentia
como se fosse a sua senhora, uma vez que era procurada
frequentemente para que indicasse o cardápio do dia,
principalmente do jantar, e também para outras coisas que
o mordomo ou a cozinheira principal achavam que ela
deveria dar a última palavra. Isso ocorria, principalmente,
porque Dean não levou a governanta de Londres e não
arranjou uma na Escócia, uma vez que tinha intenção de
permanecer naquele país poucos meses. Na ausência dela,
quem comandava o cardápio era a cozinheira principal e os
demais assuntos pertinentes à casa era o mordomo que se
encarregava de cuidar. Até Bella começar a se insinuar em
áreas nas quais achava interessante dar a sua opinião. E,
para isso, vinha agindo como a dona da casa. Coisa que
vinha agradando Dean além da conta. Quanto mais ela se
sentisse parte da sua vida, mais se envolveria com ele.
O mordomo começou a ensaiar uma cara mais
simpática, sem, no entanto, abandonar a característica
principal que acompanha todos que desempenhavam
aquele papel: discrição e moderação.
Mesmo assim, eles já se entendiam com um simples
olhar. Algo que só acontecia entre a senhora da casa e o
empregado que ocupa aquele papel específico quando
existe um grau de compreensão do gosto de quem está no
comando. No caso, ele parecia entender os desejos de Bella
antes mesmo que ela falasse. E estava muito feliz. Todos
estavam, pois de uma hora para outra, ela mostrou-se uma
pessoa diferente, amável, cordata, educada e humilde.
Imagine, a esposa de um dos homens mais ricos da
Inglaterra se metendo em coisas de cozinha, de limpeza e
de administração dos empregados, sem suscitar a ira de
nenhum deles.
Todos percebiam que Bella fazia isso simplesmente
porque queria compreender o mundo deles, sem a
presunção dos que tiveram a sorte de fazer parte de uma
camada superior na sociedade. Além do mais, ela não
desgrudava de Annie. Fato notadamente curioso, pois
outrora a menina era relegada à babá e não havia a
demonstração do afeto que hoje permeava a relação das
duas. Inclusive, todos os dias ela fazia questão de colocar a
filha para dormir, com direito a canção de ninar e
historinhas. Fato relatado pela babá, que se encontrava
muito feliz no posto, uma vez que fora autorizada a também
proceder com demonstrações de carinho com a doce
menininha. 
Por causa dessa mudança de comportamento, ela
seguia arrebanhando a todos na sua rede de fãs. Quem diria
que chegaria um dia em que todos a admirassem, e alguns
até a amassem, como era o caso das criadas que cuidavam
da sua higiene pessoal.
Bella ignorava que era o centro dos rumores entre a
criadagem. Mas percebia o quanto as coisas haviam
mudado desde que chegara ali.
Ninguém sabia, talvez Dean soubesse, mas ela estava
procurando uma forma de viver na qual desconfianças e
incertezas fossem descartadas, pois, se tinha decidido se
tornar a esposa de Dean, deveria lhe proporcionar felicidade
e ser feliz também. Só que compreendia que seria um
caminho sinuoso.
A raiva que sentiu por Isabel ter transformado a sua
vida começou a perder fôlego. Todavia, seu maior
aborrecimento era saber que por toda a sua existência a
sombra da irmã pairaria sobre ela e Dean. Bella sempre se
perguntaria se, quando ele olhava para ela, era para ela
mesma; se todas as vezes que a beijasse, faria
comparações com o beijo de Isabel; e se aconteceria o
mesmo quando tivessem intimidade. Nos dois últimos
quesitos, passaria vergonha, pois certamente a irmã tinha
muita prática. Jesus, não poderia adiar por muito tempo o
dia de se entregar a Dean, mas temia demais essa hora,
pois ele inevitavelmente se decepcionaria dada a sua falta
de conhecimento.
Quanto mais pensava no assunto, menos vontade tinha
de se deitar com o marido, apesar de sentir um desejo louco
de fazer isso. Se na cama ela fosse descobrir outras formas
de prazer da mesma forma que sentia quando ele a beijava
e até mesmo quando pegava suas mãos, tinha certeza de
que seria maravilhoso. Tão somente se ele nunca houvesse
estado com sua irmã.
Um dia antes de partirem, Cecile trouxe a irmã, pela
qual havia intercedido diante de Bella para que trocasse a
atividade de lavadeira, que a moça odiava. Ela se chamava
Celia e parecia muito delicada realmente para executar
tarefas grosseiras. No afã de provar que estava à altura de
um serviço menos desgastante, acabou fazendo alguns
penteados delicados, do jeito que Bella gostava, enquanto
era entrevistada. Bella achou um desperdício aquelas mãos
de fada serem usadas para lavar roupas; no entanto, já
tinha duas criadas de quarto. Depois de a garota
desmanchar e refazer três penteados que ela adorou,
prometeu falar com Dean sobre uma possível permuta de
atividades. Garantiu, pelo menos, que a garota não
precisaria mais lavar roupas, o que a deixou extremamente
feliz.
Quando Celia saiu com a irmã, uma das criadas se
aproximou de Bella, mas antes que ela falasse algo, ela lhe
garantiu que nenhuma das duas seria dispensada.
— Sra. Hughes, a senhora está esquecida de que,
assim que voltássemos para a Inglaterra, eu seria
dispensada para poder cuidar da minha mãe que não está
bem de saúde? — disse a criada mais nova, já preocupada.
— A senhora não me deixou ficar quando viemos, mesmo eu
tendo explicado a situação e implorado, mas achei que
agora...
Claro que ela jamais se lembraria de algo que não
acontecera com ela. Mas teve de disfarçar.
— Tenho tido alguns lapsos de memória, mesmo —
disse ela, enquanto alisava a saia e fingia uma cara de
preocupação. — Nesse caso, contratarei Celia para ficar no
seu lugar. Está resolvido o meu problema e o seu.
Quanto mais Bella sabia sobre como a irmã tratara
aquelas pessoas, menos falta sentia dela.
 
͠
Retornaram para Londres em várias carruagens, umas
com os criados, umas com bagagens e outra com Dean e
Bella. Annie e a babá foram em uma carruagem menor,
munida com brinquedos e preparada para que a menina se
distraísse durante a longa viagem. De vez em quando,
paravam para que a Annie se juntasse aos pais. E em
algumas ocasiões, ela passou para a carruagem deles, a
pedido do próprio Dean.
Eles pararam para pernoitar e para a troca de condutor
e de cavalos. Dean fez de tudo para garantir uma viagem
mais rápida, apesar de cansativa.
Chegando a uma gigantesca propriedade próxima a
Londres, Bella teve a sensação de que tinham dado voltas e
mais voltas e estavam novamente na Escócia. As duas
residências eram idênticas. Bella colocou as mãos na boca,
paralisada pela surpresa. Surpresa boa, já que começava a
sentir saudade da mansão deixada para trás.
Dean riu, olhando a expressão de genuíno espanto.
Entrando na imensa sala de estar, Bella ficou zonza,
pois se tivesse algo diferente eram pequenos detalhes, já
que não conseguia se lembrar de tudo. 
— Percebo que está surpresa.
— Temo não termos saído da Escócia — disse ela, rindo.
— Esta casa foi construída por meus antepassados e
meus pais fizeram benfeitorias, mas não permitiram que as
estruturas fossem alteradas, pois queriam que as histórias
das pessoas que moraram aqui fossem preservadas.
Sempre fui apaixonado por esse amor que eles
demonstravam por nossos antecessores e, quando
comprava uma nova propriedade, cada uma guardava
histórias que não eram nossas. Então, decidi fazer a réplica
desta casa na Escócia, pois de todas as propriedades, esta é
a que mais gosto. Sempre achei que aqui seria o local onde
as histórias da minha família seriam construídas e
acrescentadas às demais. Quando me casei com a sua irmã,
confesso que não queria mais isso. Mas agora, temos uma
vida a construir, eu, você e Annie, além de outros filhos que
teremos.
Bella gostaria de lhe dizer que adoraria ter sido a
primeira a lhe dar um filho, mas ficou calada. Na verdade,
queria que Annie fosse dos dois.
— Bem, se tivesse prestado atenção, teria percebido
que na Escócia a construção é bem mais nova. E vale
salientar que todas as obras e retratos de lá são réplicas das
verdadeiras que estão aqui.
— Nunca vi coisa parecida.
— Julga que o meu comportamento não seja adequado
a uma pessoa com juízo? — ele perguntou, enquanto batia a
luva da mão direita na esquerda, e parecia estar se
divertindo.
— Não. Claro que não. Admiro o comportamento de
uma pessoa que preza os laços familiares, desde o mais
remoto antepassado, e as lembranças deixadas por eles,
mesmo que você não as tenha vivido. Acho incrível
conservar coisas tão preciosas. Se não houvesse pessoas
assim, a história da humanidade teria sido varrida do
mundo. As casas, os móveis, os jardins, e até mesmo os
escombros, remontam a um tempo vivido por pessoas que
tiveram seus costumes e suas parcelas de contribuição
quando em vida. Ter uma história é uma dádiva.
Ela era perfeita.
Quando chegaram à Escócia, Isabel riu e debochou
dele, dizendo que as recordações devem ser enterradas
junto com os mortos e que ele perdera uma excelente
oportunidade de ter uma mansão moderna e muito mais
bonita.
— Você acha que toda família tem uma história que
deve ser lembrada? — perguntou Dean, depois de alguns
segundos.
— Acho que sim. Muito embora reconheça que algumas
histórias devam ser esquecidas.
— Seria o caso de pessoas que não possuem família,
que são abandonadas e criadas em orfanatos, por exemplo?
— ele continuou a instigá-la.
— Essa é a triste história delas, mas são suas origens.
Origens não devem ser esquecidas, para que, recordando
delas, nos lembremos do caminho que tivemos que
percorrer para chegar aonde chegamos.
— Tem gente que não chega a lugar nenhum — rebateu
Dean. Era bom conversar com uma mulher inteligente.
— Sempre existirão exceções, mas vivemos por regras.
Gosto de crer que a maioria das pessoas sempre chega a
algum lugar.
— Eu também.
Questão fechada. Dean compreendeu que para ela as
histórias que deveriam ser esquecidas não eram as que se
reportavam à origem das pessoas, mas as que reportavam
os casos berrantes como o de sua irmã.
Capítulo 13
 
Quando Sra. Lane, a governanta, viu os patrões chegarem
com semblantes felizes ficou sem entender nada. Ninguém
parecia estar de mau humor, muito menos a patroa, que
antes vivia colocando fogo pelas narinas.
Todos na casa sabiam que os patrões levavam um
casamento de faz-de-conta — embora não entendessem o
motivo —, pois não dormiam no mesmo quarto e nunca
fizeram uma refeição juntos. Eles achavam um mistério ela
ter conseguido engravidar. Mas, como Annie nasceu oito
meses depois do casamento, imaginaram que ele comera o
fruto antes das bodas e por isso deve ter se sentido
obrigado a pagar com a própria liberdade o mal que fizera à
moça: ter-lhe tirado a liberdade também. A liberdade de ela
se casar com outro. Afinal, seria quase impossível algum
homem lhe propor casamento, sendo ela uma mãe solteira.
A sociedade não reparava nos filhos bastardos que são
gerados pelos homens, mas não perdoava uma moça que
engravidasse. Ainda mais se fosse abandonada. Toda culpa
recaía sobre ela, que não deveria ter caído na armadilha de
um libertino. No entanto, os libertinos eram caçados
sistematicamente para tornarem-se genros.
Pouco tempo depois que ela chegou, tiveram a má
sorte de conhecer o seu temperamento terrível. A isso
atribuíram a falta de entrosamento do casal e o
consequente afastamento de Dean. Enquanto a barriga
crescia e ele continuava o mais distante possível dela,
continuaram a compreendê-lo, pois Isabel se mostrava cada
dia mais insuportável e irritadiça.
Mas quando a criança nasceu e ele nem ao menos foi
vê-la, todos começaram a julgar o patrão da forma que
queriam: uns achavam que a filha não era dele; outros, que
ele ficou decepcionado porque esperava um herdeiro
homem. E até hoje, nunca chegaram a uma conclusão. Fato
é que ficaram bastante tristes ao ver a menina crescendo
sem amor de nenhum dos genitores. Eles viam que a mãe
de vez em quando fazia uns acenos para a criança, mas
nunca passava mais de meia hora com ela.
E agora ela estava ali, diante de todos, comportando-se
como uma boa esposa e cuidadosa mãe. Até segurou a
menina nos braços e a acalentou quando ouviu seu choro,
dizendo que ela estava irritada por causa da viagem. E
espanto maior foi escutar de Dean algo inédito:
— A Sra. Hughes ocupará o quarto contíguo ao meu e
Annie deve continuar no segundo andar.
Bella se esforçou bastante para não demonstrar
nenhuma reação. Os nervos pareciam estar em frangalhos.
Mas tinha de admitir que ele já fora muito paciente.
Bem, a governanta tinha muito o que conversar com o
mordomo logo mais.
A surpresa foi grande ao escutar o seguinte:
— A Sra. Hughes parece outra pessoa. Quer dizer, é
outra pessoa. Não me pergunte como é possível. Depois de
ter viajado sozinha por algum tempo, ela retornou
completamente diferente.
— Só acredito vendo. Nunca acreditei em milagres.
— Confesso que eu também não acreditava, mas fui
surpreendido.
Sem crer no que escutara, a Sra. Lane ficou matutando
o que ela estava planejando. Todos sabiam que aquela
mulher era má. Também comentavam que tinha casos. Os
rumores saíam dos salões de baile diretamente para as
cozinhas das casas das famílias, cujos serviçais tinham
parentescos com os que trabalhavam nessas festas.
Mas nunca houve prova disso e, assim, não passavam
de boatos. Se bem que nunca inventavam boatos desse tipo
com mulheres de vergonha.
O patrão não parecia se importar com nada disso.
Todas as noites, invariavelmente, ausentava-se. E muitas
delas dormia fora, dando toda a liberdade de a megera sair
sozinha. E agora estava se comportando como se tudo, para
os dois, fosse passar a ser diferente.
 
͠
Bella entrou no quarto e ficou extasiada com a beleza
que ele ostentava. Tudo sugeria riqueza, do piso de
mármore às cortinas de organdi; do mais simples enfeite de
decoração aos lençóis de seda imaculadamente branca. No
toucador, um requintado gomil e uma bacia de louça
trabalhados em nuances rosa denotavam o luxo do qual só
as classes mais educadas e ricas dispunham.
Ela seguiu para uma porta que lhe chamou a
atenção, antes de averiguar todos os detalhes do quarto.
Era um pequeno quarto de banho. Ali, a sensação de
riqueza continuava latente. Uma banheira de porcelana
branca, apoiada em pés de garra de ferro fundido na cor
bronze não deixavam dúvida de que Bella estava casada
com um homem muito rico. De cada lado da banheira, havia
dois bancos de madeira cinzelada. Em cima de um, via-se
vários tipos de sabonetes de banho, bem como um caneco
de prata, que certamente servia para a criada ajudar no
banho; e em cima do outro, toalhas cor de creme estavam
dobradas de forma padronizada. Quem quer que tomasse
conta daqueles aposentos, tinha uma noção de como fazer
os olhos dos donos se encherem de admiração.
Bella retornou para o quarto e olhou para a cama.
Era enorme e muito alta, mas ainda assim, ela não
precisaria usar um banquinho para subir.
Mas a admiração por tudo aquilo perdeu a graça
quando ela pensou que logo mais seu marido ia requisitar o
seu corpo. Afinal, eles tinham um acordo.
E quando Dean entrou, pela porta de acesso, ela se
virou bruscamente, assustada e demonstrando todo o seu
receio nos olhos.
— Bella, não vou forçá-la a dormir comigo hoje —
disse ele, demonstrando que parecia saber o que se
passava com ela.
— Bem... como você escolheu o quarto anexo ao seu
para que eu ocupasse, pensei que...
— Não a quero desse jeito. Prefiro esperar o tempo
que for necessário — disse ele, com calma. — A propósito, a
escolha do quarto não é definitiva. Quando você se tornar
minha mulher realmente, dormirá comigo todas as noites.
Você poderá usar esse aqui para se vestir ou para qualquer
outra coisa.
Acabando de falar, ele se retirou.
Entre o quarto dela e o dele havia uma sala em
comum. Ou seja, para passar de um para o outro, tinha de
atravessar essa sala e alcançar a porta de ligação.  A sala
era muito confortável, ampla e bastante clara, pois a parede
lateral era quase que totalmente emoldurada por janelas de
vidro transparente, dentro de padrões quadrados de
madeira, de onde os lindos jardins eram vistos. Na parede
oposta, enormes molduras completavam o ambiente. Mas
era uma sala íntima, já que só era possível entrar nela por
um dos dois quartos. Ali existia uma enorme longue chaise
caramelo estilo rococó, com fofas almofadas bege
parecendo pedir para as pessoas se deleitarem em cima.
Havia ainda uma mesa redonda com quatro cadeiras e, em
cima dela, um jarro de porcelana com uma cena campestre
desenhada, cujas bordas arrebitadas com motivos vazados
acolhia um ramalhete de rosas virginalmente brancas.
Eles jantavam nessa sala, quando Dean avisou que
no dia seguinte, a levaria ao Vauxhall Gardens. Foi um
começo bastante promissor para os dois, pois, enquanto ela
ficou encantada porque finalmente conheceria o famoso
jardim, ele precisava inventar mil coisas para fazer, a fim de
esquecer o que mais queria no momento: dormir com
ela.                                                                                          
                                                               
No dia seguinte, a Sra. Lane procurou os empregados
que chegaram da Escócia, a fim de escutar um prognóstico
negativo a respeito de Bella. Mas todos estavam encantados
com a patroa. A ponto de nem se lembrarem do passado.
Parecia que uma varinha mágica tinha apagado todas as
humilhações e palavras grosseiras proferidas a cada um
deles.
Era como se um mundo novo e imaginário tivesse
sido implantado na mansão: novo, porque era impossível
que uma pessoa trocasse de personalidade, como se fosse
uma roupa; imaginário, porque aquilo só podia existir na
cabeça de pessoas sem cérebro. Cabia a ela a tarefa de
descobrir o que aquela megera maldita estava tramando.
Até o seu patrão tinha caído no ardil dela! Com toda a sua
experiência, ela não faria parte da lista de seguidores
cegos.
 
͠
À noite, Bella apareceu com um vestido lindo, tão
imaculadamente branco que atiçou todos os sentidos
sexuais de Dean: toda vez que a olhava lembrava-se que
ela era pura como aquela cor e que estava ansioso para
desbravar cada pedacinho daquele corpo, até que não
sobrasse nada mais a desvendar. Se é que nesse campo os
homens conseguem dissipar todas as possibilidades que um
corpo feminino apresenta para dar e sentir prazer. As
possibilidades eram infinitas, pois eram sempre
reinventadas. Mas era preciso se lembrar de que não podia
ficar matutando sobre isso, pois as evidências de
pensamento desse tipo logo se mostravam visivelmente.
Ao deparar com o Vauxhall Gardens, situado na
margem sul do rio Tâmisa, Bella percebeu que, por mais que
descrevessem e falassem sobre a grandiosidade daquele
empreendimento, ninguém conseguia captar aquilo tudo
senão com as próprias vistas. Era tudo muito lindo e
grandioso.
Eles seguiram em meio a um caminho, cujos olmos
se agrupavam de forma a guiá-los no sentido reto até
entrarem no jardim. Além desse caminho, avenidas
transversais eram formadas por essas árvores e por
sicômoros, nas quais as pessoas das mais diferentes classes
sociais passeavam: homens ou mulheres, jovens ou velhos.
Todas as conexões se misturavam naquele ambiente,
mesmo que separadas em grupos conforme seus vínculos
de conhecimento.
Dean gastou alguns xelins para proporcionar à
esposa os entretenimentos que achava que a agradariam,
mas os artistas de circo ganharam uma atenção especial
dela, que mais parecia uma criança diante de seres
sobrenaturais. Seu rosto brilhava com um sorriso que não
saía dos lábios. A noite se avizinhava, mas o sol continuaria
a resplandecer naquele riso.
Antes de escurecer totalmente, ouviu-se um apito de
comando para que os isqueiros acendessem a chama de
milhares de lamparinas. O efeito amarelado das luzes foi
mágico e Bella se viu observada por Dean, que tinha os
olhos fitos e curiosos no seu rosto. Enquanto ela se divertia
com tantas novidades, o marido parecia se divertir com a
cara de felicidade dela. Os efeitos daquele jardim já eram
seus conhecidos há muito tempo, mas o efeito que ela
causava nele era algo novo, forte e completamente
apaixonante.
Já se aproximava das vinte e uma horas e eles
seguiram para uma das caixas de jantar localizada dentro
da colunata próximo ao Grove, onde seria servida a comida.
Dean gostaria de poder desfrutar da refeição apenas com a
esposa, mas aqueles lugares foram projetados para
acomodar pelo menos seis pessoas. A mesa era grande e
rodeada por bancos fixos. Vendo que mais cinco pessoas
iriam fazer companhia aos dois, Dean nem entrou, procurou
uma das mesas que ficava no bosque. Não podia passar a
mão no corpo dela, mas podia pelo menos pegar sua mão e
entrelaçar os dedos, que ansiavam por tocar.
E foi o que fez em todos os momentos em que teve
oportunidade durante a refeição. Foram servidos de carne
fria e salada, regados a vinho e ponche. Em seguida,
comeram um bolo de creme delicioso.
Os fogos de artifício foram um show à parte, que a
encantou ainda mais. Tudo naquele lugar a fazia parecer
uma criança feliz e ela se sentia como se estivesse numa
terra de fantasia. Talvez aquele lugar tivesse sido criado
com esse propósito.
— Dean, esse lugar é mágico — disse uma Bella
totalmente maravilhada.
— Pena que hoje não haverá concerto na Rotunda.
— Não importa. Acho que me diverti em uma noite o
que não fiz em minha vida inteira.
— Quando você viajava com sua tia não se divertia?
— ele perguntou, encantado com a voz maviosa dela.
— Nada do que já vi e vivi se aproxima disso aqui.
— Viremos sempre que você quiser — ele lhe disse,
aproveitando para colocar a mão em cima da dela mais uma
vez, que baixou o olhar e as ficou fitando. Quando levantou
os olhos, os dele pareceram penetrar na sua alma. Ela
suspirou, abrindo a boca para tomar ar e ele fitou os seus
lábios, ciente de que ela sabia o que ele acabara de desejar.
Mas não havia como esconder o desejo que lhe
consumia. E quanto a isso, ela não podia fazer nada para
evitar.
  Depois do jantar, eles ainda foram ver o espetáculo
de uma dançarina de corda chamada Madame Saqui. Bella
colocava as mãos nos olhos cada vez que a mulher fazia
movimentos com o corpo em cima de uma corda esticada
no alto. Aquela dançarina ficara famosa por sua ousadia,
cujas acrobacias eram tão disputadas pelos presentes
quanto o espetáculo dos fogos de artifício.
Antes que Bella analisasse a questão de dormir com
Dean, ele já estava se despedindo dela na porta do quarto.
Era de imaginar que fora um dia totalmente feliz para
ela. Mas não. Faltava-lhe algo que ela sabia que faltava
muito mais a Dean. Ela ansiava por ele. Durante a maior
parte da noite teve de usar de todo o autocontrole para não
derrear a cabeça no peito dele, enquanto passeavam, ou
levantar as mãos e alisar aquela barba de pelos finos e
meticulosamente aparados. E quando chegaram à
carruagem e ele entrelaçou os dedos e seguiram até a porta
do quarto, por pouco ela não o segurou. Mas os sentimentos
ainda eram confusos e estranhos.
 
͠
Dois dias depois que chegaram, parecia que toda
Londres soubera, pois os convites começaram a surgir. E o
primeiro ao qual deveriam comparecer seria naquela noite.
Devido ao cansaço provocado por uma longa viagem, Dean
ainda nem tivera tempo de tomar as precauções referentes
à situação deles. Mas não podia deixar de comparecer ao
baile dos Timberlain, pois era amigo de longa data daquela
família. Além do mais, a mansão era extraordinária com sua
decoração gótica, e Bella iria adorar. Sair com ela também o
distrairia daquela vontade desenfreada de possuí-la. Fazia
dias que esperava que a esposa se entregasse a ele e cada
dia acrescido era um tormento.
Por mais que a governanta procurasse uma forma de
desmascarar a patroa, tudo o que via e escutava ia de
encontro ao que conhecia da antiga pessoa que ela
conhecera, de modo que ela pensou que tinha um mistério
acontecendo dentro da mansão. Sra. Lane, então, começou
a observar os modos e a voz de Bella. E o que viu ficou
somente para si.
Apesar de receosa por se apresentar em um baile de
amigos antes de terem resolvido a questão do casamento
deles, Bella alegrou-se por poder participar de uma festa,
depois de todos os percalços vividos nos últimos meses.
Não colocara roupas de luto pela irmã, assim como não o
fizera por seus pais, pois foi ensinada por eles mesmos a
não dar importância a isso, visto que os próprios nunca
usaram a cor preta — luto completo — ou cinza — meio luto
— por ninguém. E quanto a Isabel, dispensava qualquer
comentário porque ela não deveria se fechar num tom
deprimente.
Assim, à noite ela desceu resplandecente num vestido
azul claro, com os cabelos entremeados por fitilhos de ouro,
presos acima da cabeça e cujos cachos grandes caiam em
cascatas suaves pelos ombros. Os únicos enfeites eram um
simples par de brincos de ouro branco e uma corrente
também de ouro branco, com um pingente delicado e
translúcido. Quando ela apontou na escada, viu um Dean
boquiaberto e ficou muito satisfeita pelo efeito causado,
embora se perguntasse se naqueles momentos ele a
comparava com a irmã. Mas dia de festa não era para
questionamentos inoportunos.
O serviçal esperava com a capa dela, mas Dean a
retirou de suas mãos e ficou esperando que ela descesse
para ele mesmo colocar em seus ombros. Estava com as
mãos coçando para tocar Bella. Ele deu sinal para que o
serviçal se retirasse.
— Você está linda — disse Dean, colocando a capa nas
costas dela, que retribuiu o sorriso, exibindo uma alegria
diferente naquela noite. Se ele fosse um homem movido
somente a esperança, pensaria que havia promessas para
aquela noite naquele sorriso. Mas procurou afastar qualquer
possibilidade de desfrutar da intimidade que ansiava há
tanto tempo.
Dentro da carruagem, o perfume suave de Bella
invadiu suas narinas, e por pouco ele não passou para o
banco dela e enfiou a cabeça no seu pescoço para sentir a
plenitude daquele aroma.
Quando foram anunciados, Bella jurou que ouviu vários
tipos de murmúrios e sabia que estavam todos relacionados
a ela. Ou seja, a Isabel. Mas ergueu a cabeça e, apoiando-se
na fortaleza dos braços do marido, entrou chocando todos,
que esperavam ver um rosto maquiado, penas na cabeça e
roupas extravagantes. Mesmo assim, foi o centro das
atenções por todo o tempo em que esteve no baile.
Encontrou, ou seja, foi encontrada por várias pessoas
conhecidas e teve de fazer um esforço supremo para
manter um mínimo de conversa sem demonstrar que nada
sabia sobre ninguém. Eles a confundiam com Isabel e, como
Dean ainda não havia decidido o momento certo de
anunciarem a verdade, não houve jeito a não ser fingir.
Cada dia acrescentado àquela farsa tornaria a situação pior
depois.
Infelizmente, não era adequado o esposo ficar grudado
na mulher durante todo o baile e por isso tiveram de seguir
separados em algumas situações.
Dean a observava pelo canto dos olhos enquanto
conversava com alguns conhecidos. Não a perdia de vista
um momento sequer, acompanhando com olhos espertos e
rápidos cada movimento de Bella. Parecendo entediada, ela
seguiu para uma parte mais reservada da varanda, mas,
ainda assim, ficando em um lugar que lhe possibilitava
continuar de olho nela.
Ele viu quando Sir Mondevale aproximou-se de Bella,
mas de onde estava não dava para escutar e nem ver a
expressão do rosto dele.
 
͠
Bella viu um homem aproximando-se e pensou que
talvez fosse amigo do esposo, por isso manteve um sorriso
sereno no rosto, mas qual foi a sua surpresa quando as
primeiras palavras foram pronunciadas.
— Vamos ao nosso lugar favorito?
Ela olha para trás para identificar com quem aquele
homem estava falando. Mas logo entendeu que era com ela
mesmo. Certamente, era um dos casos da irmã, deduziu.
— Temo que não poderei acompanhá-lo.
— Percebi que você não olhou para mim em nenhum
momento hoje. O que está acontecendo? Nós sempre nos
divertíamos juntos.
O desconhecido se aproximou dela e a puxou
rapidamente para uma ala da varanda desprovida de
claridade. Com medo de provocar um escândalo, Bella o
seguiu a contragosto, mas em determinado momento,
parou e se negou a continuar.
— O que o senhor pensa que está fazendo? Não irei a
lugar nenhum.
— Senhor? Desde quando me trata formalmente
quando estamos sozinhos?
— Desde hoje — respondeu Bella de cara feia.
— Acompanhe-me agora, ou vai se arrepender. Não
tenho nada a perder, ao passo que você...
Um sentimento de autopreservação a invadiu, e ela o
seguiu. Mas andou muito devagar, como se assim desse
tempo de ser salva por Dean, que certamente tinha
observado aquele homem importunando-a. Chegaram a
uma sala repleta de livros, cujas cortinas cobriam todas as
janelas, o que tornava o ambiente muito reservado. Ela se
negou a sentir medo. O que ele podia fazer com ela? Mas as
sensações afloraram quando o homem fechou a porta e
colocou a chave dentro do bolso da casaca.
— O que o senhor pretende fazer? — Com profundo
temor, ela entendeu o que ele estava determinado a fazer,
já que a estava confundindo com Isabel.
— O de sempre, começando por um drinque. Qual você
prefere? — ele perguntou com um sorriso torto no rosto.
— Nenhum, quero sair daqui. Abra a porta agora! —
Dessa vez ela tentou imprimir mais energia na voz.
— Antes de completar nossa diversão? Nem pensar.
Você não imagina como senti saudade de sentir sua carne
se abrindo para…
— Pare de dizer essas coisas. Eu não o quero. — Ela o
interrompeu assustada e chocada com aquelas palavras
sugestivas.
Ele deu dois passos em direção a Bella, que deu alguns
para se afastar. Mas ele a alcançou com movimentos
decididos, pegando-lhe o braço e puxando-a para ficar de
frente a ele.
— Cansou de mim? Mas eu não me cansei ainda,
portanto…
— Portanto você vai deixar a minha mulher em paz e
nunca mais vai se aproximar dela, Mondevale — falou Dean,
com uma calma assustadora, enquanto puxava a perna que
tinha ficado enganchada na cortina de uma das portas que
davam para a varanda, e onde ele estava aguardando a
entrada dos dois, assim que os viu se afastando minutos
atrás. Como Bella havia parado no corredor, deu tempo de
ele chegar antes.
O homem largou o braço de Bella, alvoroçado por
aquela falsa calma.
Dean deu um passo à frente e o homem recuou dois
com o medo estampado no rosto.
Chegando à porta, voltou-se e, olhando para Bella,
provocou-a:
— Aproveite e conte tudo ao seu marido.
Dean caminhou rápido em direção ao homem que,
abrindo depressa a porta, desapareceu imediatamente. A
cena seria hilária, se não fosse tão incômoda.
Voltando-se para Bella, Dean viu que ela segurava as
duas mãos em frente ao coração. Ele a abraçou
carinhosamente e a guiou ao jardim pela mesma porta por
onde havia entrado. Chegando a uma espécie de labirinto,
levou-a a um banquinho escondido, no qual sentou com ela
e esperou que se acalmasse.
— Ele era um caso dela – informou Bella,
desnecessariamente.
Dean apenas assentiu com a cabeça.
— Ele a forçou a alguma coisa? — Dean teve medo de
Mondevale ter tocado Bella no trajeto entre o corredor e a
biblioteca.
— Não.
Dean rangeu os dentes. Nunca se importou com os
casos de Isabel, mas se importava, e muito, que Bella fosse
obrigada por ele mesmo a passar por aquela vergonha. Ele
roçou as costas dos dedos na face dela.
Não deveria tê-la trazido. Era uma exposição
dispensável que só a colocava em situações
constrangedoras. 
— Como você soube onde nós estávamos?
— Eu percebi quando Mondevale se aproximou e
quando os vi saindo, nitidamente contra a sua vontade;
peguei um atalho que dava acesso a um lugar onde deduzi
que ele a levaria. Biblioteca são os lugares favoritos para
essas coisas. Acontece que minha perna estava enroscada
naquela maldita cortina e não consegui sair antes.
Então ele tinha escutado tudo.
— Tenho vergonha diante de você, por ter tido a má
sorte de se casar com uma mulher que o fazia passar por
isso.
Uma má sorte que trouxe você para a minha vida deve
ser relevada, pensou ele. Mas não foi o que disse.
— Não me importo. Fique sabendo que isso é muito
mais comum do que se pensa. De ambos os lados.
— O quê? — perguntou Bella, com inocência.
— Homens e mulheres possuírem amantes. Isso se
tornou comum até entre as mocinhas ingênuas que
chegaram aqui com a firme decisão de serem fiéis aos seus
esposos. Ao se virem traídas por eles, decidem devolver na
mesma moeda e, assim, perdem a pureza. Ou o interesse
pelo homem com quem se casaram. Somando-se a isso,
depois que geram o primeiro herdeiro, alguns homens
perdem o interesse pela esposa, jogando-as nas garras de
aproveitadores, prontos para ocupar, convenientemente, as
lacunas deixadas por eles.
Dean a olhava intensamente enquanto falava,
deixando-a ao mesmo tempo sem graça e perplexa.
— Se não fosse pelo comportamento de Isabel, você
seria como esses homens?
— Não — ele respondeu, olhando profundamente para
Bella. Se tivesse casado com você, nunca a trairia, pensou,
mas calou-se. Ele tinha a vida inteira para reconquistar sua
confiança.
Queria conquistar outra coisa hoje. Achava que estava
na hora.
— Por falar nesse assunto, temos uma pendência para
resolver — falou Dean, depois de um tempo
consideravelmente longo.
Sim, eles tinham. Há muito tempo. Porém ela não sabia
se estava pronta ainda. O som da orquestra levou uma
música especialmente bonita aos ouvidos dos dois e Bella
foi salva de ter de falar sobre isso, quando ele se levantou e
ficou em posição de dançar, ainda que continuasse sério.
Ela acomodou-se nos braços dele, que a trouxe o mais
próximo do corpo e começaram a dançar. Bella deitou a
cabeça no peito largo e firme, e fechou os olhos. Uma dama
jamais faz isso. Mas era o seu marido, ora!
Dean encostou o queixo na cabeça dela e suspirou
fundo. Não ajudava em nada colar o corpo ao dela, pois só
fazia o louco desejo aumentar e suas calças apertarem-se.
Mas a cada minuto, ele a trazia para mais junto de si,
enquanto passava as mãos nas suas costas. Quando notou
que Bella se retesou ao aperceber-se do seu evidente
desejo, ele afastou-se e tossiu, dando-lhe as costas.
— Vou levá-la para casa, pois vou passar a noite fora.
Além do mais, você já enfrentou sua cota de surpresas
desagradáveis por hoje.
Bella não era ingênua a ponto de ignorar a excitação
de Dean. Se ele ia dormir fora, significava dizer que ia
passar a noite com alguém. Além do mais, ele parecia muito
nervoso.
— Por… por quê?
Dean estava tão compenetrado em esconder seu
estado lastimável de desejo, que não entendeu de imediato
a pergunta. Mas assim que compreendeu, não se absteve
de dizer a verdade.
— Bella, homens têm apetite sexual quase todos os
dias. E quando esses apetites não são satisfeitos, ficam
nervosos e capazes de fazer coisas insanas. Uma delas é
invadir o quarto de uma mulher que ainda não está pronta
para ele e fazer tudo que vem fantasiando ao longo do
tempo.
Fantasiando. Ela gostaria de saber o quê.
— O que vem fantasiando? — perguntou ela, bastante
curiosa.
— Coisas terrivelmente lascivas, portanto
completamente impróprias para os ouvidos de uma mulher
ainda pura na intimidade.
Capítulo 14
 
Chegando à mansão, ele a acompanhou até a sala e lhe
deu as costas para sair imediatamente. Mas ela o tocou no
braço, fazendo-o voltar-se.
— Não quero que você vá. Fique, por favor!
— Em que termos devo ficar?
Ela engoliu em seco e não conseguiu pronunciar as
palavras, que pareciam estar atravancadas na garganta.
— Escute, Bella, hoje eu preciso realmente passar a
noite fora.
Desvencilhando-se da mão que o segurava, Dean
encaminhou-se novamente para a porta com passos largos.
Vendo que ele estava decidido, Bella logo encontrou as
palavras, mesmo que não tenha conseguido correr atrás
dele, pois os pés pareciam estar colados no chão.
— Eu não quero que você procure uma amante.
Ele parou ao escutar as palavras cruas dela.
— Bella, eu nunca faria isso — disse Dean, sem se virar.
— Mas você falou sobre a frustração dos homens
quando têm seus apetites sexuais insatisfeitos. Pensei...
Você me fez entender dessa forma.
— Não quis dizer que ia sair para arranjar uma mulher
para me dar qualquer tipo de satisfação. Nunca mais serei
de outra mulher, Bella. Já lhe disse isso. Eu ia sair para
aplacar minhas frustrações no jogo. Ia ao Brooks’s jogar
com meus amigos.
Ela respirou, aliviada. Ele aproveitou a circunstância.
— E qual era a sua intenção ao me impedir de sair de
casa?
— Eu ia lhe dizer que preferia ser a mulher a lhe
satisfazer em vez de ver você saindo para se encontrar com
outra.
Coragem era uma coisinha perigosa quando resolvia
dar as caras. Era o inverso do medo e tornava a pessoa
atrevida. Bella não se lembrava de algum dia ter tido tanta
ousadia na vida. Mas aquela noite a despertou como nunca.
Ele havia dito que vinha fantasiando “coisas terrivelmente
lascivas”. Ela ficou curiosa.
Dessa vez, Dean respirou fundo, colocou as mãos nos
bolsos e se virou para uma Bella estupefata consigo mesma
por ter conseguido proferir palavras que a chocavam
demais. Embora soubesse que sentimentos torturantes a
consumiriam no dia seguinte, as palavras que proferira não
voltariam atrás e nem ela queria que voltassem. Além do
mais, o dia seguinte era amanhã. Não se preocuparia com
ele agora.
Dean aproximou-se devagar, como se estivesse lhe
dando tempo para se arrepender. Mas não tinha perigo de
isso acontecer. Bella faria qualquer coisa para não passar a
noite rolando na cama imaginando-se nos braços dele. 
Chegando a apenas um palmo de distância dela, ele
falou com voz rouca, antevendo o que estava prestes a
provar. Ele a queria muito. Como nunca quisera ninguém em
toda sua existência. Prendeu seus olhos escurecidos pela
paixão aos dela.
— E agora que já sabe que eu não ia procurar uma
mulher, em que termos devo ficar? — Ele precisava saber se
ela ia voltar atrás. Não volte atrás, por favor!
— Nos seus termos — respondeu ela, decidida.
— Você tem certeza?
— Absoluta.
— Então preciso ser sincero com você sobre uma
relação entre um homem e uma mulher. As mulheres,
diferentemente dos homens, sentem dor na primeira vez
em que fazem amor.
— Ainda assim, eu quero.
— Bella, se está fazendo isso porque tem medo que eu
acabe procurando esse tipo de coisa fora, posso fazer o
sacrifício de ficar em casa e me satisfazer sozinho.
— So... sozinho?
Dessa vez um sorriso despontou no canto da boca de
Dean. Ela não tinha adquirido ainda a capacidade de
esconder seus sentimentos. Como queria que ela nunca
mudasse! Aquela transparência era inebriante. Por causa
disso, ele ficou duro novamente, quando já tinha
conseguido acalmar o faminto corpo.
— Você tem tanta coisa para aprender nessa área,
Bella.
— Desculpe-me! — disse ela, baixando a cabeça,
envergonhada.
Ele levantou o seu queixo, antes de falar.
— Não se desculpe por sua falta de experiência, pois a
inocência é uma de suas melhores virtudes. Mas se você
quer saber, um homem só se satisfaz sozinho quando não
tem opção. Todavia, se não for um desejo seu dormir
comigo, opto por isso com todo prazer.
— Não me importo com a dor, se tenho a esperança de
sentir pelo menos parte do que senti enquanto você me
beijou.
Bella ficou tão envergonhada pela própria ousadia, que
abaixou os olhos, já que ele estava segurando seu queixo e
não pôde abaixar a cabeça.
— Olhe para mim, Bella.
Quando ela o fez, ele desceu os olhos para os lábios
dela como se estivesse sedento para mergulhar e se afogar
neles. Aquilo acendeu sensações que já estavam ficando
conhecidas por Bella, de modo que ela entreabriu a boca,
desejosa por ser tocada. Dean não conseguiu se segurar. Se
ela queria se entregar a ele naquela noite, ia ser a partir
daquele momento. Ele a puxou pela cintura e lhe deu um
beijo ousado. Somado a isso, esfregou descaradamente seu
corpo no dela, demonstrando sua excitação. Bella pensou
que ia desfalecer, mas ele continuava segurando firme em
sua cintura, descendo as mãos para os quadris, quase se
fundindo nela. Depois de alguns minutos nesse prelúdio
delicioso, ele afastou apenas o rosto.
— Vamos para o quarto. Estou louco para ter você.
As palavras dele, longe de escandalizá-la, agitavam
suas entranhas e faziam seu coração disparar enlouquecido.
Pegando-a pelo braço, ele a levou para o quarto.
Mas achou o caminho muito longo. Na metade dele,
tomou-a novamente nos braços, encostou o corpo dela na
parede, prendendo-o com o seu, e lhe deu outro beijo, dessa
vez mais ousado.
Ciente de que era a primeira vez de Bella, tinha de
arrefecer um pouco a paixão da carne, pois precisava
assegurar o prazer dela antes do seu. Estava inflamado de
desejo há tanto tempo que tinha medo da reação do próprio
corpo.
Chegando ao quarto, ele a olhou com adoração,
virando-a delicadamente para desabotoar o vestido. Não foi
preciso muita imaginação para deduzir que dentro dele, um
corpo absolutamente maravilhoso e puro o esperava.
Quando terminou de despi-la, ele passeou os olhos por cada
pedacinho, enquanto ela mantinha os olhos fechados,
envergonhada. Mas isso era normal e esperado e não era
motivo para deter a sua admiração visual.
— Do jeito que eu sempre a imaginava. — Ele tocou os
mamilos dela delicadamente, como se fossem cristais. Ela
sentiu um prazer tão grande que quase pulou.
— Esperei tanto por esse momento — sussurrou ele.
— E… e… em que momento eu vou… vou sentir dor?
— Não se preocupe com isso. Agora tudo que você vai
sentir é prazer.
Acabando de falar, Dean a tomou nos braços e levou à
cama, na qual a deitou e afastou-se para tirar a casaca. Em
pé, ele não tirou os olhos dela, que puxou um lençol para
cobrir a sua nudez. Dean despiu o colete, abriu a camisa até
a altura do umbigo e parou, para que ela não se assustasse,
pois certamente nunca havia visto um homem nu.
Sentando-se na cadeira, tirou as botas, depois, seguiu para
o console da lareira e apagou todas as velas. A despeito das
incertezas que povoavam a cabeça de Bella, ela não
conseguiu deixar de admirar a elegância daquele andar.
Agora o quarto contava com a iluminação apenas de duas
velas, que repousavam em altos castiçais nas laterais da
cama.
Deitando-se ao seu lado, Dean a descobriu devagar. Ela
não se opôs. Com uma sequência enlouquecedora de
carícias, ele seguiu o instinto natural de homem e os
suspiros da esposa, detendo-se em alguns afagos que
nitidamente a excitavam de forma mais forte. Ela não
disfarçava o prazer e seus suspiros eram inebriantes.
Quando percebeu que vez ou outra ela se pegava
pensando no momento em que sentiria a mencionada dor,
ele disse:
— Você deve relaxar, pois por enquanto não vai sentir
outra coisa além de prazer. Eu não farei nada antes de
avisá-la.
Percebeu que aquelas palavras foram mágicas, pois a
partir daí, ela se derreteu em suas mãos, retesando-se
apenas quando o prazer foi tão forte que ela teve medo de
perdê-lo ou de consegui-lo na sua plenitude.
— Deixe ir até o fim, meu amor — ele sussurrou,
enquanto seus dedos a levavam ao extremo.
E quando ele tomou um dos mamilos e sugou, ela se
desmanchou, gritando o seu nome e remexendo o corpo
alucinadamente, tomada pelo deleite que nunca pensou
existir.
Ele subiu o corpo sofrido pela vontade de se satisfazer
e a beijou longamente. Passou minutos seguidos, até que
ela recomeçasse a respirar com normalidade. Depois, sua
língua traçou movimentos persuasivos e a invasão passou
para o estado erótico. Ele queria reacender o corpo de Bella
para que o recebesse com o mínimo de dor possível. Seus
dedos passearam pela intimidade dela, buscando suas
entrâncias, suas dobras e sua abertura.
— Fique de olhos fechados.
Ele levantou-se e tirou o resto da roupa rapidamente.
Depois, invadiu-a novamente com os dedos e usou a palma
da mão para tocar o seu ponto intumescido. Ela abriu mais
as pernas. Estava tão pronta que o colchão ficou molhado
com o seu líquido. Ele a levou a ultrapassar o limite do
prazer, fazendo-a tremular em suas mãos outra vez. Aquilo
foi demais e ele ficou em posição de substituir os dedos e
entrar nela. Quando a olhou para lhe dizer que o momento
chegara, ela se ergueu para a frente e o olhou determinada.
— Eu estou pronta.
Dean deslizou centímetro a centímetro, até encontrar a
barreira que só seria invadida com um pouco mais de vigor.
Olhando aqueles olhos límpidos e brilhantes, ele empurrou o
membro com força. Bella não desviou o olhar. Limitou-se a
morder o lábio inferior, como se tentasse suportar aquela
dor sem chorar. Ele entrou mais um pouco, suado de tanto
segurar o próprio êxtase. Até que conseguiu ir até o fim.
Então, suspirou, colando a testa na dela, saboreando a
sensação extraordinária que o invadiu por estar, finalmente,
dentro de Bella.
— Não doeu tanto.
— Vou começar a mexer. Se incomodar, fale-me
imediatamente.
Bella foi invadida por um sentimento de carinho
enorme, ao notar a preocupação de Dean. Mesmo que
permanecesse sentindo dor, não teria coragem de pedir
para ele parar, pois percebia nitidamente o seu estado de
excitação. Ao lembrar do prazer que acabara de sentir,
desejou que ele também o experimentasse, mesmo que o
alcançasse à custa de seu padecimento.
Quando começou a se movimentar no interior molhado
e quente, Dean rogou a Deus que ela não pedisse para
parar, pois não sabia se conseguiria. Parece que Bella havia
entendido que ele estava por um fio, pois aceitou com
coragem todos os movimentos dele, até mesmo quando
ficaram mais impetuosos.
— Não suporto esperar mais um minuto, meu amor.
Ela passou as mãos no rosto dele, alisou aquela barba
como tanto imaginou, e o tocou no peito intumescido. O
prazer de Dean disparou e ele se retirou com pressa urgente
de dentro dela, esvaindo-se em cima de sua barriga,
enquanto emitia um urro forte e alto.
O líquido viscoso e quente escorreu pela cintura de
Bella, enquanto Dean se jogou ao seu lado com os braços
em cima do peito. Ela ficou quieta, sem saber como se
comportar e nem o que fazer. Depois de alguns segundos, e
aparentemente refeito, Dean levantou-se e saiu sem pudor
nenhum para pegar uma toalha úmida. Voltando, limpou-a
com calma e em silêncio. Terminando tudo, ele apoiou-se no
cotovelo e passou os dedos sobre a face rubra dela. Os
lábios, ainda inchados pelos beijos ardentes, entreabriram-
se, provocando uma nova onda de excitação nele. Será que
um dia esse desejo diminuiria?
Bella até queria sair dali para pensar sobre tudo o que
acontecera, mas o corpo amolecido e satisfeito permaneceu
inerte, enquanto os dedos do esposo passeavam pelo seu
rosto. E já que não conseguiria sair imediatamente, resolveu
tirar uma dúvida.
— Por que você fez assim? — perguntou ela, apontando
para a própria barriga.
— Bella, eu sei que você ainda não está pronta para
aceitar ser minha esposa de verdade, ainda que seja tarde
para fugir disso depois desta noite. Somos, inevitavelmente,
marido e mulher.
Franzindo a testa, ela continuou sem entender,
percebeu ele.
— O que foi derramado aqui — disse ele, passando a
mão na barriga dela — tinha a semente de um filho, que
podia ou não ter resultado.
— Ah, meu Deus, como sou boba — disse ela, cobrindo
o rosto com as mãos.
Dean a achou adorável. Mais do que nunca. Quanto
mais descobria pontos importantes sobre ela, mais gostava.
Ele afastou as mãos de Bella e conectou o olhar ao
dela, o corpo já se inflamando novamente. Há quanto tempo
não dormia com uma mulher e há quanto tempo esperou
por esse momento! Talvez a vida inteira tenha esperado por
ela.
— Você não é boba, apenas está descobrindo um
mundo totalmente novo para donzelas: o sexual. Tem tanta
coisa que eu quero lhe ensinar, agora que você é minha.
— Você tem de ter um herdeiro. Não entendo por que
perdeu essa chance hoje.
— Agora que tenho esposa, posso esperar mais um
pouco. Não quero que o meu filho seja gerado apenas por
essa razão. Espero, sinceramente, que ele seja o fruto de
tudo que você mais deseja.
— Eu desejo um filho.
— Quero que você deseje meu filho, nosso filho.
Ele voltou a lhe acariciar. O corpo dela respondeu
imediatamente.
— Agora que você me pertence, não há razão para
querer menos que isso.
Da mesma forma que Isabel lhe pertenceu, pensou
Bella. E todo o prazer que estava voltando a sentir, esfriou.
Percebendo a mudança no olhar e no corpo da esposa, Dean
soube imediatamente que algum pensamento
inconveniente estava tentando lhe roubar a sua segunda
oportunidade. Então, desceu a boca e tomou a dela, que
não correspondeu ao beijo dele do mesmo modo que antes.
Mas ele a prendeu na cama com os dois braços levantados
acima da cabeça e insistiu no beijo. Como ela se mostrava
ainda reticente, ele desceu a boca sobre um dos mamilos e
o tomou entre os dentes, mordendo suavemente, lambendo,
sugando, trazendo a excitação novamente ao dominado
corpo. Sentindo que ela suspirava e gemia, completamente
alquebrada pelo prazer, ele soltou-lhe os braços, e as mãos,
que antes seguravam os braços de Bella, substituíram a
boca e começaram a acariciar os mamilos duros, enquanto
ele desceu a cabeça até o umbigo. Depois continuou a
descer até a barriga e mais abaixo. Ela foi pega de surpresa
e quando pensou em fazer algo para impedir aquela doce
invasão, Dean já estava lá, naquele lugar onde jamais ela
pensou que alguém pudesse fazer o que ele estava fazendo.
Deus, era bom demais. Tão bom que ela não teve coragem
e nem forças para interromper. Que todos os anjos do céu o
mantivessem exatamente ali, fazendo exatamente aquilo
até que ela... que ela... ah, o juízo foi substituído por uma
loucura instantânea. Ela segurou o lençol da cama e tentou
manter as mãos afastadas dele, pois sentia vontade de
segurar sua cabeça para mantê-la ali, fazendo loucuras com
a língua.
— Meu Deus, Dean, eu não vou aguentar isso. — Sem
suportar tamanho prazer, suas mãos seguraram o cabelo
dele, mantendo-o onde estava.
Quando escutou essas palavras e sentiu as mãos dela,
ele sugou com mais força e ela estremeceu violentamente
sob sua boca. Ele a lambeu até que ela se acalmasse.
Depois, penetrou-a e seguiu o mesmo rito que o levou a seu
segundo êxtase.
Satisfeitos e cansados, dormiram abraçados e Bella não
teve mais força para pensar sobre dúvida ou coisa parecida.
Mas no dia seguinte, Bella se sentia a pior das
criaturas. Havia pertencido ao mesmo homem que dormira
com a sua irmã e experimentou um sentimento indescritível
por si mesma. Deus, será que conseguiria um dia ter uma
relação com ele sem se lembrar que sua irmã fizera a
mesma coisa? Ele podia ter tido milhares de mulheres,
menos Isabel. As outras, ela não conhecia e, mesmo que
conhecesse, não eram seu sangue. Muito menos uma irmã
idêntica a ela. Tinha de dar logo o herdeiro de que ele tanto
precisava, pois achava que talvez fosse ficar louca, então
era melhor cumprir logo sua promessa. Ele não merecia
perder seus bens por causa de uma cláusula tão radical
num testamento ridículo.
Dean nem sonhava que sua esposa estava enfrentando
uma crise emocional, para não dizer existencial. Só
conseguia se lembrar de cada detalhe da noite passada,
pois ela era irresistível e já a queria de novo. Ele a queria
todos os dias e várias vezes por dia. Se alguém precisava
fechar os olhos para sonhar, ele o fazia de olhos abertos. O
dia todo, ele se viu imaginando a esposa em seus braços.
Resumindo: passou o dia excitado e louco que a noite
chegasse para sonhar de olhos fechados, dentro dela.
Não esperava que nos três dias seguintes a esposa o
ignorasse e, pior, inventasse desculpas para não jantar com
ele. Tudo para evitar ir para a cama dele. Isso foi tão
inesperado quando decepcionante. Dean sabia que Bella
tinha gostado de fazer amor, que lhe deu tanto prazer
quanto era possível, a ponto de várias vezes, durante as
quatro em que se fundiu nela durante a noite do baile,
escutá-la dizer que aquilo era demais, que não ia aguentar.
E isso se referia ao prazer enorme que estava sentindo e ela
se achando incapaz de suportar. Então, por que aquilo
agora?
A única coisa que Bella respondeu quando ele
perguntou o que estava acontecendo foi que não queria
sentir essas coisas com ele. E quando ele quis saber que
coisas, ouviu a inacreditável palavra: prazer.
Sua esposa estava renunciando ao prazer que ele
nunca tinha se preocupado em dar a mulher nenhuma.
E os dias demoradamente se transformaram em uma
semana. Ela o evitando, e ele evitando forçá-la a dormir
com ele.
Mas certa noite, ele não aguentou e entrou no quarto
dela.
— Por que não quer sentir prazer comigo? — ele
perguntou, pegando-a de surpresa.
— Porque...
Bella não conseguiu dizer que todas as vezes que ele
terminou de fazer amor com ela, a imagem de Isabel vinha
à sua mente e a raiva e o ciúme a corria. Que ficou se
perguntando se ele tinha feito as mesmas coisas com ela,
pois, na realidade, queria tudo aquilo somente para si.
Então, estava difícil conciliar a razão com o coração.
Também não lhe disse que desde aquele dia, suas noites se
transformaram num inferno, repleto de pesadelos terríveis.
Vendo que ela não ia responder e, se respondesse,
talvez a resposta não saísse a contento, ele disse:
— Então sinta-o sozinha.
— Sozinha?
— Sim. Dispa a roupa e se deite. Vou lhe ensinar.
— Não consigo.
— Faça o que estou dizendo.
O timbre de voz dele era imperativo e tinha algo de
urgente, como se quisesse proporcionar algo maravilhoso a
ela. Bella sabia que ia se arrepender, mas quando se deu
conta já estava obedecendo.
Deitando-se, olhou para ele muito envergonhada. Ele
trincou os dentes, olhando o corpo nu diante de si, lânguido,
com uma cor absolutamente homogênea, as panturrilhas
perfeitas e aqueles pelos cobrindo o que ele mais queria.
Seu membro latejou e as calças perderam todo o espaço.
Com muito custo, ele afastou-se e sentou-se em uma
cadeira de onde pudesse observar cada movimento que ia
comandar.
— Feche os olhos enquanto faz isso.
Ela fez exatamente o que ele mandou, até porque tinha
realmente que fechá-los, ou vestiria a roupa.
Sentado, Dean colocou a mão no membro, sobre a
roupa, e começou a instruir Bella.
— Seus seios estão carentes, toque-os com a ponta dos
dedos agora.
Ela levantou as mãos, timidamente, e quando os
alcançou, os dedos trêmulos começaram uma carícia leve,
acanhada.
— Aperte-os, torça-os e puxe-os, como você se lembra
que fiz.
Ela obedeceu, sentido os bicos endurecerem e a
excitação aumentar. Deus, como aquilo era bom! Mas era
melhor com ele fazendo.
Dean desabotoou os botões da calça e tirou o membro
latejante, segurando-o com a mão direita e começou a fazer
movimentos de vai e vem.
— Continue acariciando os seios com a mão esquerda e
desça a direita até sua entrada. Veja como está molhada.
Isso é desejo, vontade de ser invadida. Penetre um dedo.
Ela o fez e Dean teve medo de gozar antes do tempo.
Ele tirou um lenço do bolso e continuou os movimentos mais
espaçados, pois estava por um triz.
— Coloque outro dedo.
Quando ele viu aqueles dois dedos sendo introduzidos,
teve de se segurar no braço da cadeira, pois a vontade que
tinha era de substituí-los pelo membro, que estava
estalando de prazer.
— Agora toque o lugar onde você sente mais prazer.
Ela vacilou.
— Faça. — A voz dele soou autoritária e estranhamente
rouca.
Ela obedeceu e subiu os dedos molhados, que
começaram a fazer movimentos tímidos. Mas a excitação
estava tamanha que ela logo se esqueceu de tudo.
Precisava se aliviar. Ela se contorceu, seus dedos ganharam
vigor e aos poucos, eles entraram em sincronia com os de
cima, provocando movimentos simultâneos, enquanto ela
arfava, entregue à luxúria.
Em poucos minutos, ela gritou, encontrando o pico do
prazer.
A visão de Dean embaçou e, tremendo, ele expeliu o
líquido quente no lenço.
Quando Bella abriu os olhos, ele tinha terminado de se
limpar e estava acabando de fechar a abertura da calça. Ela
suspeitou que o grito que ouvira do esposo tinha ocorrido no
momento em que ele conseguira a satisfação.
Dean foi em direção à porta, mas antes de sair, disse-
lhe com voz grave:
— Eu nunca mais a tocarei, sem que me peça.
Ela ficou parada, com a sensação de que lhe devia
algo. E a mágoa na voz dele a tocou profundamente.
Não conseguia resistir ao marido, mas não se
entregava totalmente a ele. E esse era o motivo da tristeza
de Dean, pois conseguia vencê-la na cama, mas depois ela
escapava.
Tinha um dever a cumprir. Tornara-se sua esposa e se
incomodava ao ver o tempo passar e se perder sem que lhe
desse uma chance de ter um herdeiro. Como ele era
paciente! Se fosse outro, todas as noites a requisitaria, até
que ela engravidasse.
Mas Dean era um cavalheiro e já havia dito que queria
que o filho dele fosse desejado, antes de gerado. E agora
avisava que não a tocaria novamente. Sabia que, pelo
caráter dele, cumpriria a palavra.
Bella se levantou e começou a vestir a camisola.
Quando se lembrou do que tivera coragem de fazer na
frente de Dean, ficou tão nervosa que começou a rir. Como
fora capaz? Será que outros casais faziam isso?
Eu nunca mais a tocarei, sem que me peça.
 
͠
Para Dean aquela situação estava insuportável. E antes
que se tornasse insustentável, precisava conversar com
alguém. Foi à casa de Ian.
— Então é isso. — Dean respirou fundo quando
terminou de contar a saga em que o seu casamento havia
se transformado.
— O sentimento de comparação nesses casos é
traiçoeiro e inevitável. Mesmo diante de tudo que Isabel fez
a ela, já pensou que sua esposa sente-se culpada
por  estar  casada  com o marido da irmã que acabou de
falecer? Ou talvez não consiga lidar bem com o fato de fazer
coisas tão íntimas com o homem que fez as mesmas coisas
com a sua irmã.
— Eu nunca fui marido de Isabel  nesse sentido, você
sabe.
— Ela não sabe disso.
— Não, não sabe.
— Talvez a solução seja lhe contar a verdade.
— Não gostaria de lhe contar sobre Annie.
— Isso é vaidade. Você não será menos homem por não
ter dormido com Isabel.
— Não é por vaidade, Ian. Não estou pronto para dizer
que Annie é bastarda.
— E que mal há nisso?
— As únicas pessoas que sabiam disso eram a tia de
Isabel e uma amiga, que morreram naquele terrível
acidente no Tâmisa na noite do nosso casamento. Não
queria que mais ninguém soubesse disso.
O acidente a que ele se referia foi um marco em
Londres, tratado como o caso de maior comoção da
Inglaterra, em se tratando de acidentes de pequeno porte.
Além da tia, da amiga e do seu noivo, outras dez pessoas
morreram.
— Bella não passará esse segredo adiante pelo que
conheço dela.
Dean continuou pensativo.
— Deixará que os conflitos que ela sente a acometam
indefinidamente? Se não estiver preocupado com ela, faça-o
por você.
— Não entendi.
— Pelo que  percebi, você sente falta da sua
mulher. Você a ama, amigo.
— Não nego isso, mesmo que ela nunca tenha
confessado seus sentimentos. Além do mais, recebeu bem
minhas carícias e gostou.
— Mulher é muito emocional e, com sua experiência,
sei que deve ter se esmerado para satisfazê-la na cama.
Mas é impossível que ela não o imagine fazendo o mesmo
com a Isabel. Aqui para nós, acho que eu não me sentiria
confortável fazendo amor com a mulher do meu irmão.
Mesmo que ele tivesse falecido. Deve ser muito estranha
uma situação dessas.
— Pensando por esse lado, é compreensível a atitude
dela. Mas ainda não me sinto preparado para abrir a vida de
Annie para alguém — disse Dean.
— Sei, mas devo lhe advertir que a solução do
problema está em suas mãos. Não pense que persuadi-la
com carícias até levá-la para a cama vai resolver a situação
definitivamente. Você pode conseguir isso algumas vezes,
mas só vai desgastar a relação de vocês e afastá-la cada
vez mais.
— Não farei mais isso — assegurou Dean.
Conversaram mais um pouco sobre outros assuntos e
beberam um brandy, para que Dean se acalmasse um
pouco.
Ele saiu desolado da casa de Ian, pois via a realidade
de suas palavras sinceras. Se não abrisse seus segredos
para Bella, e, consequentemente, a vida de Annie,
provavelmente a perderia aos poucos, até perdê-la
totalmente.
Enquanto o cavalo o levava, pois tinha deixado de
guiar o cavalo assim que deixou a casa, ele se perdia em
divagações.
Todas as vezes que escutou que o amor era uma
escolha, nunca achou que isso pudesse ser empregado
quando se tratava de relacionamento entre um homem e
uma mulher. Sempre achou que, nesse sentido, o amor
ainda era um mistério. Sempre seria. Como entender por
que o coração bate mais forte por uma pessoa e não por
outra que, às vezes, é a que gostaríamos que batesse?
Como compreender por que a razão quase sempre é
aniquilada por esse sentimento forte que nos arrebata e nos
conduz por caminhos nem sempre traçados por nós
mesmos, quando deles, não queremos sair? Pelo contrário,
queremos continuar andando para ver até aonde ele vai nos
levar. Tudo isso é um mistério. E por causa disso, o amor
desperta tanto o interesse da humanidade. Uns o desejam
em sua vida e nunca vão encontrá-lo; outros o têm e o
desperdiçam; e outros não sabem que o desejam. São
poucos os que fogem desse rol. O fato é que quem o
encontra dá a vida por ele, porque sem o amor, a vida perde
o sentido.
Ele nunca mais conseguiria ser de outra mulher. O
amor era muito interessante, quando analisado do ponto de
vista da alma. Era realmente um enigma, pois não havia
como explicar por que um coração elege uma única pessoa
entre dezenas, centenas, milhares de pessoas. Seu coração
tinha escolhido Bella e a vida inteira não seria suficiente
para se esquecer desse amor.
Havia-se tornado até um poeta, sorriu ao admitir,
quando sentiu que já tinha terminado de apear.
Seguiu esquadrinhando na mente tudo o que pensava
do amor. Se o quisesse em sua vida — e queria — tinha de
abrir mão de algumas coisas.
Capítulo 15
 
Dean já chegara a passar trinta dias sem dormir com
uma mulher, mas, depois de uma semana sem ter feito isso
com Bella, estava inquieto. Sentia uma vontade louca de
arrebatar a esposa com beijos e carícias até convencê-la de
que não tinha nada que os impedisse de ser felizes na
cama, que nada mais era do que a extensão do lar. Uma
extensão que comportava uma pitada de ousadia entre
quatro paredes. Sentia o desejo tão latente que algumas
vezes teve de se recolher antes, ou se demorar a sair do
recinto para esconder o estado em que se encontrava.
Em vez de forçar a esposa a um relacionamento íntimo,
como tinha direito, decidiu esperar até que o desejo dela a
empurrasse para seus braços. Aí, sim, ele a faria chegar
novamente ao céu. Sua única estratégia era essa.
Mas os dias foram passando e, mesmo quando algumas
vezes o ar crepitava quando seus dedos se tocavam, ela se
mantinha resoluta e pensativa.
Mas havia algo de que Bella não conseguia fugir: do
olhar cobiçoso do marido, que, quando prendia o seu,
mantinha-o sob seu jugo e ela não conseguia ou não queria
se desvencilhar. Aquilo tornou-se um hábito diário entre os
dois. Um hábito não, um duelo. E Bella sentia que estava
perdendo a batalha cada dia que o marido não a
requisitava, pois isso só aumentava o seu desejo por ele,
que cumpria a palavra de não tocar em seu corpo.
Com sua vasta experiência, Dean entendia o recado
que o corpo dela lhe dava, mesmo que ela fizesse de tudo
para esconder. Esse jogo de gato e rato estava ficando
interessante, contudo ele estava cansado de esperar.
Enquanto o corpo ardia de desejo, ele tentava apaziguar a
parte principal dele, para não causar escândalos, quando
alguém olhasse para suas partes inferiores.
E naquela noite, Dean estava desejoso, como sempre.
Era quase insuportável. Queria amar a esposa uma noite
inteira. Só de relembrar a noite em que a viu se derretendo
sozinha na cama, começou a ficar excitado. Saiu do quarto
em busca de um livro para lhe fazer companhia. Quando
passou pela porta do quarto dela, teve de resistir ao ímpeto
de adentrar e tomá-la para si contra sua vontade. Mas
jamais faria isso. Conhecia homens que não respeitavam a
vontade da esposa e nunca admirou esse tipo de
comportamento. Em vez de descer o outro lance de escada,
imediatamente, olhou para os lados, para ver se algum
empregado estava passando, e encostou o ouvido para
ouvir qualquer barulho que indicasse os movimentos dela.
Nada escutando, seguiu para a biblioteca.
Ao entrar, deu de cara com Bella, sentada no largo
parapeito da janela.
— Boa noite. — A voz grave tirou-a dos pensamentos.
— Boa noite — ela respondeu, virando o corpo de
frente para ele, sem, contudo, descer do parapeito.
Ele aproximou-se dela com passos calmos. As mãos
dentro do bolso tinham a finalidade de não tocar o corpo
delicioso da esposa. Estava ficando cada vez mais difícil
manter a palavra de ficar longe.
Quando ela levantou os olhos e sorriu timidamente
para ele, as palavras saíram antes que Dean pensasse duas
vezes.
— Você tem praticado?
Algo na voz de Dean fez Bella entender a que ele se
referia.
— Não.
— Por quê?
— Porque não gosto sozinha.
O coração dele palpitou, descompassado.
— Por Deus, Bella, o que você pretende me dizendo
isso?
— Dizer a verdade. Só é bom com você fazendo.
Não, aquilo já era demais. A mensagem que ela
passara havia sido clara e se ele estivesse enganado, que
se danasse a razão.
As mãos que estavam colocadas no bolso, contra a
vontade, voaram e a abraçaram pela cintura, enquanto ele
buscou a boca e depositou um beijo sôfrego. Ele encaixou o
corpo entre as pernas dela e se esfregou enquanto
consumia cada suspiro dela.
Sem suportar a crescente excitação, ele abaixou o
corpete dela e os seios empinaram e apontaram para ele,
túrgidos. Ele os olhou com devoção, antes de devorar
primeiro um, e depois o outro, sem delicadeza. Ela gritou,
puxando-o para si. Era simplesmente impossível voltar
atrás. Ele desabotoou com muita pressa a braguilha e,
retirando o membro, só esperou os segundos de desamarrar
a pantalona dela para, então, penetrar a carne úmida. Ela o
enlaçou com as pernas e correspondeu à ansiedade dele
com a própria ansiedade. Ela o queria e não conseguia mais
esconder.
— Deus, como eu te amo!
Dean exclamou quando afastou só um pouco os lábios
dos dela. Em seguida voltou a beijá-la. Era o amor que o
impulsionava a manter uma esposa que se negava a sentir
prazer com ele; era o amor que lhe dava a certeza de que
jamais a deixaria, mesmo que só a pudesse ter algumas
vezes, quando o desejo dela não suportasse mais e a
empurrasse para seus braços. Mas o amor era assim,
suportava tudo com a esperança de um futuro promissor.
Quando ele tentou se afastar, para não derramar o seu
líquido dentro dela, Bella o segurou com as pernas e não
deixou.
E quando ela o olhou, ele percebeu que algo grandioso
ia ser pronunciado. Ele teve de se conter para permanecer
dentro dela sem se derramar.
— Eu te amo, Dean. Eu te amo desesperadamente.
Ele sabia que ela o amava, mas ouvir da sua boca não
tinha preço. Era a primeira vez que ela confessava o seu
amor. Milhares de estrelas pareceram reluzir no local e ele
se viu no meio das luzes imaginárias, com a mulher da sua
vida nos braços.
Bella sentiu as entranhas se fecharem e o prazer
acumulado em seu ventre desceu, invadindo-a
completamente. Ela o trouxe para mais perto, fundindo seus
corpos ainda mais e sentindo o prazer do marido, que
acabara de se esvair dentro dela. A explosão foi dupla e
duplamente perfeita.
Suados, eles continuaram um bom tempo abraçados,
saboreando as palavras libertadoras de um amor lindo,
porém sofrido.
— Dean...
— Não fale nada agora, meu amor, por favor! Não diga
nada negativo, por enquanto. Deixe-me pensar que o nosso
amor é maior que tudo, nem que seja por poucos minutos —
implorou um homem extremamente apaixonado.
Ela se calou e ficou observando enquanto ele colocava
os seios dela dentro do corpete e depois limpava os
resíduos da intimidade dos dois. Depois, ele a pegou nos
braços e a levou à chaise longue, onde se deitou com ela ao
seu lado.
— Eu vou beijar você até que me peça para parar —
disse ele, passando os dedos nos lábios dela.
— Devo lhe advertir que teremos de ser interrompidos
por alguém — respondeu Bella, intoxicada pela intimidade
do toque.
Descendo a boca, ele deu longos beijos, molhados,
apaixonados, sensuais. Estava duro novamente, mas não
tinha pressa. Bella o amava e tinha deixado claro que não o
impediria de beijá-la quantas vezes ele quisesse. Enquanto
sugava seus lábios, ia abrindo calmamente os botões do
vestido, que logo foi puxado e jogado no chão. Sem pressa,
ele tirou a pantalona e a sapatilha. Sem se desprender dela
e com uma eficiência surpreendente, conseguiu tirar a
própria roupa, que logo fez companhia à dela.
Mergulhados um no outro, eles se amaram devagar
dessa vez, olhando-se com carinho e devoção, até
estremecerem ao encontrar o prazer mais perfeito de suas
vidas.
Depois de tudo terminado, ele encostou a testa na dela
e entrelaçou as mãos de ambos.
— Eu te amarei até meu último suspiro, Bella. Nunca
esqueça disso. Prometa que não vai voltar atrás — ele lhe
pediu humildemente.
— Prometo nunca mais me negar a dormir com você,
dar o herdeiro que você precisa, ser uma boa mãe para
Annie e para o nosso filho. Mas vai demorar um pouco para
eu achar normal dormir com o homem que dormiu com a
minha irmã e que ela um dia esteve no lugar onde hoje
estou. É difícil aceitar isso porque o amo com todas as
minhas forças. Eu nunca havia amado na vida e a força
desse sentimento é tão grande que não há mais como fugir.
Almejo ouvir a sua voz todos os momentos do dia, sinto seu
perfume por mais distante que esteja, pois meu coração o
conserva perto de mim. Só encontro a completa alegria
quando estou perto de você. Mesmo assim, sei que não será
fácil, pois quando temos intimidade fico imaginando que
comparações entre nós duas são inevitáveis, pois,
infelizmente, eu sou idêntica a ela. Mas eu farei o possível...
Dean tapou carinhosamente seus lábios com um beijo
suave. Não podia mais suportar o sofrimento dela. Somente
a verdade a libertaria. E somente assim ele também seria
libertado.
— Meu amor, Isabel nunca teve lugar na minha cama.
Ela franziu a testa, demonstrando confusão.
— Mas certamente você teve na dela.
Ele fechou os olhos e suspirou, antes de confessar:
— Nunca dormi com sua irmã, Bella. Seria impossível
eu fazer comparações entre você e ela, já que nunca tive
nenhuma intimidade com Isabel. Eu só conheço você,
intimamente.
— Não estou compreendendo. E Annie? — A confusão
de Bella era notória.
— Não é minha filha.
— Não é sua filha? — ela repetiu, atordoada.
— Não.
— Meu Deus, Dean! Por isso você não sabia de nada
sobre a menina. Eu estranhei tanto, mas achava que era só
um pai desligado.
— Você sabe como a sociedade é cruel com filhos
bastardos, ainda mais sendo uma garotinha. Ela não merece
isso.
Bella o olhava, vidrada e admirada.
Dean levantou-se, vestiu a calça e entregou o vestido
dela, que o colocou na frente do corpo, sem no entanto
vesti-lo. Depois puxou uma cadeira e colocou de frente a
ela, na qual sentou, pronto para abrir a sua vida.
— Conheci sua irmã num baile em Londres. Ela havia
acabado de chegar de Paris e logo se tornou a sensação de
todas as programações sociais promovidas pelas amigas da
tia. Vivia nas altas rodas e se mostrava uma promessa de
boa esposa.
Bella até imaginou como ela fingiu bem para conseguir
fisgar um marido.
— Bem, como eu não estava pensando em me casar
nem me aproximei dela para não atrapalhar, afinal muitos
amigos meus estavam suspirando por Isabel.
— E você não suspirou por ela?
— Não. Eu a achei muito bonita, mas não a ponto de
sequer pensar em largar a vida de solteiro. Eu estava feliz
daquele jeito.
— Dos seus amigos, quem era o mais rico?
Ele riu, e ela compreendeu.
— Pois bem, ela resolveu investir todo o seu charme
em mim. E como não funcionou, armou uma cilada. A
tradicional cena da varanda com um casal se comportando
de forma totalmente inconveniente, sendo flagrado. Eu
tinha experiência suficiente para não cair, mas ela era
muito persuasiva.
Bella até imaginou a cena, e sentiu uma sensação
desagradável no estômago.
— A maior intimidade que tive com sua irmã foi apenas
alguns beijos, que ela soube muito bem como usar para me
levar a querer algo mais, a ponto de escorregar as mãos em
partes do corpo feminino que só podem ser tocadas depois
do casamento.
— Não precisa me contar todos os detalhes.
— Não houve tempo para maiores detalhes, pois a cena
estava armada e a tia dela apareceu, junto com outras
matronas para armar o flagrante. Ali minha vida mudou
totalmente. Depois ela me explicou que não era uma moça
desfrutável, como dera a entender, e que eu a levei a
querer algo que ela nem sabia que existia. O resto você já
pode imaginar. Como um cavalheiro, eu não podia deixar
uma moça naquela situação. Então, pedi a sua mão e em
menos de trinta dias estávamos unidos por um casamento
que eu nunca havia planejado.
— Um casamento planejado por ela. Mas ainda não
estou entendendo o resto da história. Onde Annie entra
nisso tudo?
— Bem, na noite do nosso casamento, eu escutei uma
conversa da sua irmã com uma amiga, quando ela
confessava que seu plano tinha dado certo, pois havia
conseguido um marido e um pai para a filha dela. Ela estava
grávida de um rapaz que morrera e precisava urgentemente
se casar antes de a barriga aparecer. Foi aí que eu entrei na
história.
— E também o motivo de realizar um casamento tão
rápido. Pois deduzo que foi ideia dela a data.
— Sim. Você a conhecia o bastante para saber do que
era capaz.
— Eu não a coloquei para fora de casa porque já era
noite. Então, no dia seguinte sua tia morreu e ela acabou
me convencendo a deixá-la ficar aqui até a criança nascer.
Felizmente, eu deixei.
— Felizmente? – Bella não compreendeu o que ele quis
dizer.
— Valeu a pena tudo que passei, pois só assim eu te
conheci. Mesmo que nós tivéssemos nos conhecido depois
da morte dela, como eu acho que aconteceria por causa da
troca de identidade de vocês duas, as circunstâncias seriam
outras e talvez perdêssemos a chance de encontrar o que
temos.
— Dean, meu amor. Eu não queria que você tivesse
passado por isso, mas penso que você tem razão.
— E tem a questão da Annie. Eu passei a amar a
menina como se fosse minha.
— Ela é sua.
— É. Ela é minha — ele concordou, emocionado.
— Não gosto de mentiras, mas não vejo necessidade
de dizer que ela não é sua filha. Pelo menos por enquanto.
Lá na frente, pensaremos melhor sobre a questão. Quem
mais sabe disso?
— Com exceção de Ian e Cindy, as únicas pessoas que
sabiam, ironicamente, morreram no mesmo dia, a tia e a
amiga, em um acidente terrível no Tâmisa, no qual todos se
afogaram. Foi uma comoção que foi estampada em todos os
jornais importantes.
— Eu me lembro. Recebemos uma carta de Isabel
relatando sobre o casamento com você e sobre a morte da
nossa tia.
— Pois bem, não acredito que haja alguém que saiba
disso. Até o pai de Annie está morto, pois escutei Isabel
falando isso para a amiga.
— Dean, você é o pai dela. O destino ou qualquer outra
coisa o elegeu.
— Eu gostaria de ter sido antes, quando ela certamente
precisou de mim. Mas nunca lidei bem com essa questão.
Uma coisa é gerarmos um filho, e outra, bem diferente, é
escolher um que pertence a outra pessoa.
— Isso não é motivo de se sentir culpado. Ela precisa
mais de você agora, que está crescendo.
— Sim. Ela terá os pais que merece: você e eu.
Eles se beijaram, dessa vez com suavidade. Estavam
satisfeitos em todos os aspectos. Eles se amavam, não
havia mais segredos e agora já tinham dado o passo inicial
para que o herdeiro viesse ao mundo a tempo. Mas, de
repente, Bella se lembrou de algo.
— E se nascer uma menina?
— Tudo o que preciso está em minha família.
Conseguiremos sair bem dessa, de uma forma ou de outra.
— E se você perder tudo?
— A minha esposa já está tão acostumada com o luxo
que não se vê mais vivendo de uma forma mais simples? —
ele brincou, mas no fundo estava preocupado.
Não gostaria de ver Bella passar por dificuldade. Por
isso, tinha dois problemas para tratar com o advogado
agora: a questão da identidade real de Bella e buscar
aspectos jurídicos para que ele pudesse ficar, pelo menos,
com uma parte da herança. Como não tinha estudado de
forma mais apurada o testamento, podia ser que algo
houvesse passado despercebido ao pai e um bom advogado
encontrasse uma brecha na qual pudesse entrar. Todo
mundo sabia que advogados são cheios de espertezas.
— Meu amor, se tivesse toda a riqueza do mundo e não
tivesse você, de nada adiantaria. Se, no entanto, for
necessário passar por alguma dificuldade, desde que esteja
com você, estou preparada.
Ele a beijou com um amor profundo. Amava e era
amado.
Isabel, a megera, tinha-lhe dado uma família completa.
Começava a crer que perdoar não era tão difícil. O bem que
fizera acabara sendo maior que o mal.
Já vestidos, eles saíram e foram dormir juntos. E todos
os dias seguintes e para sempre seria assim.
Naquela mesma semana, Dean falou com o advogado e
levou Bella ao Vauxhall Gardens novamente, onde
assistiram a um concerto na Rotunda.
Enquanto as coisas iam sendo encaminhadas pelo
advogado, a paixão que estavam desfrutando era tamanha
que conseguiam não pensar sobre problemas, por incrível
que isso pudesse parecer. As noites eram repletas de
atividades íntimas e Dean era insaciável quando se tratava
de Bella. E ela o amava desse mesmo jeito.
Naquele dia, tinham outro convite para um baile.
Todavia um sentimento inexplicável começou a
incomodar Bella. Ela jamais conseguiria definir, mas sentia
que algo naquela noite parecia estar prestes a acontecer
para lhe roubar a felicidade alcançada há tão pouco tempo.
Quisera fosse apenas uma impressão, mas o coração estava
tão apertado que até começara a se lembrar da irmã.
Quando eram pequenas, ela sentia essa mesma sensação
toda vez que Isabel se machucava.
Estava tão aflita que, pela primeira vez, descera antes
do marido e tomou um pouco de champanhe, o que causou
admiração em Dean.
— Comemorando? — brincou ele, quando desceu para
que partissem para o baile.
— Devo confessar que estou sentindo uma aflição
incompreensível.
— Nesse caso, deveria ter experimentado uísque — ele
continuou brincando. Mas enxergou no fundo daquele olhar
algo que se assemelhava a medo.
— Meu amor, nesta semana mesmo vamos resolver
nossa vida.
A fim de distraí-la, assim que chegou ao baile, ele
levou-a para dançar.
De repente, uma grande comoção fez com que todos
os olhares se voltassem para a escadaria, quando uma
figura, provavelmente importante, acabara de entrar sem
ter sido anunciada.
A pessoa que acabara de chegar tinha a barra de um
vestido vermelho e extravagante, e quando Bella ergueu os
olhos e alcançou a cintura fina, sentiu um calafrio. Um
calafrio que fez os joelhos amolecerem quando subiu os
olhos e encontrou outros idênticos aos seus. Dean a
susteve, porque ela ia desabar. Ele pensava que estava
sendo enganado por uma visão catastrófica do inferno, pois
o próprio demônio encarnara e estava indo em direção a
eles. Bella trincou os dentes e teve de segurar o braço do
marido com força. À vista de todos, Isabel se postou diante
deles com um sorriso lindo e apresentando uma presença
de espírito que sempre lhe fora típica. Bella encolheu-se.
Não estava pronta para enfrentar 6a irmã, pois se sentia
uma pedra de tabuleiro no jogo armado por ela. Mais uma
vez. Sempre seria assim. Ela desaparecera, fingira estar
morta, levara uma vida promíscua até agora e se achava no
direito de voltar para estragar a sua felicidade, conquistada
a tanto custo.
A expressão de Dean denotava o ódio que exalava
pelos poros. Ele sentia vontade de pular no pescoço de
Isabel e fazer picadinho daquela vadia, que tinha uma
capacidade incrível de fazê-lo perder a cabeça.
Com uma taça de champanhe na mão, levantada em
gesto de brinde a Dean e Bella, Isabel ostentava um sorriso
irônico e cruel.
— Quem é essa, meu amor? — perguntou, levantando
uma das sobrancelhas e continuando, com perversidade: —
Ah, é a minha irmãzinha querida que está usurpando o meu
lugar. — A voz carregada de cinismo atingiu Bella em cheio.
— Isabel, vamos para casa. Não a exponha a isso —
disse Dean, usando um tom de voz baixo.
— Não exponha a sua amante? Pela mão segurando a
cintura dela, certamente, tomou meu lugar na cama
também.
Dean aproximou-se de Isabel e torceu o seu braço para
trás, enquanto falava entredentes, olhando ferozmente
dentro dos seus olhos e sem dar a mínima para os curiosos.
Bella estava inerte, observando a cena com olhos
vidrados.
— Vamos para casa agora, seu monstro. Temos muito o
que conversar.
Afastando-se dela e amparando novamente a esposa,
ele lhe deu as costas esperando que Isabel os seguisse. Se
não o fizesse, torceria o pescoço dela na frente de todos
aqueles curiosos. Olhando para os demais, avisou:
— O show acabou. Amanhã teremos novidades
suficientes para fofocarem um mês inteiro.
Quando Isabel se dirigiu à mesma carruagem em que
ele e Bella iam voltar, Dean fechou a porta, deixando-a de
fora.
— Eu a aconselho a procurar uma carruagem de
aluguel. Com a raiva que estou, corro o sério risco de
cometer um assassinato.
Ele fechou a cortina com raiva e bateu duas vezes com
força no teto da carruagem para que o cocheiro saísse o
mais rápido possível. Depois que eles partiram, o sorriso
cínico desapareceu dos lábios de Isabel e ela foi procurar
uma carruagem.
— Eu fico me perguntando quando ela vai parar de me
surpreender? — perguntou Bella, por fim.
— Acredito que quando morrer, o que infelizmente não
aconteceu ainda.
— E agora, o que faremos?
Dean puxou a esposa para o peito, onde ela derramou
as lágrimas mais dolorosas de toda a sua vida.
Estavam tão transtornados e surpresos que seguiram
calados o restante do caminho.
Assim que chegaram, Dean pediu ao cocheiro que
fosse à casa do seu advogado e o trouxesse imediatamente.
Apesar da hora tardia, advogados são iguais a médicos: a
natureza do trabalho deles é como suporte para algum tipo
de necessitado.
Capítulo 16
 
Exatos cinco minutos depois que chegaram, Isabel entrou.
Com uma mala.
— Queria descobrir uma forma de fazer você
desaparecer da minha vida para sempre — disse Dean,
assim que se viu diante dela.
Ele não quis nem perguntar por que Isabel continuava
viva. Nada disso importava, além do fato de que ela o
estava surpreendendo novamente. Só que, dessa vez, de
uma forma infinitamente mais negativa, pois agora havia
Bella, a sua esposa.
— Devo esclarecer que não quero mais desaparecer.
— Mas vai. Por bem ou por mal.
— Vai dar cabo da minha vida?
— Não me tente, pois faria isso com muito prazer. Se o
preço que eu tenho de pagar para me livrar definitivamente
de você for a forca, talvez o pague.
— Por que você mentiu, Isabel, fazendo-se passar por
morta? — Bella, parecendo restabelecida da surpresa,
perguntou.
— Ora, Bella, pensei que já estivesse acostumada. Mas
o fato é que não quero mais mentir e vim reconquistar
minha família. Cansei de mentira.
— Não é verdade. Uma pessoa não muda de natureza
de uma hora para a outra — disse Bella, com voz trêmula
de raiva.
— Ah, a pombinha resolveu se apaixonar? Sim, porque
só um sentimento muito forte a faria falar dessa forma.
Desista, ele é meu.
Isabel se afastou, ficando a uma distância segura, que
não desse para Dean lhe tocar, pois viu o olhar assassino
dele.
— Eu nunca fui seu — gritou ele, atraindo a atenção
dos empregados que estavam por perto.
Quando eles viram as duas iguais, ficaram surpresos e
alguns correram para chamar os demais. Aquilo era uma
coisa inédita, que deveria ser presenciada nem que fosse às
escondidas, atrás das cortinas e das portas.
— Mas naquela noite, no jardim, você me quis e gostou
quando me derreti em seus braços.
As lágrimas de Bella escorreram. Não conseguiria
suportar aquilo. Havia se entregado a um homem que agora
não podia mais ser seu. Mesmo que não o fosse de Isabel,
não havia mais saída para os dois. Não com as duas vivas.
Depois de tudo que estava prestes a perder, Bella queria
morrer.
Não. Pela primeira vez, desejou que a irmã morresse. E
isso era terrível. Era inegável que seus sentimentos não
eram nobres naquela noite. Mas compreensíveis.
— Eu nunca a quis. Você sabe o que me levou à
varanda naquele maldito baile — Dean falou com dentes
cerrados, com a paciência esgotada. Ódio era pouco para
expressar o que se passava dentro dele.
— Você pode esclarecer onde estava e que encenação
de morte foi essa? — Bella lembrou-se de perguntar.
— Oh, mas eu estive a um passo da morte, sim. As
cartas foram verdadeiras, mas, milagrosamente, melhorei.
— É com grande desgosto que descubro que os
milagres também acontecem com os demônios — disse
Dean.
— Sei que preferia que eu estivesse morta, contudo...
— Contudo ainda não explicou como ressuscitou, uma
vez que o portador daquelas cartas me disse que você tinha
falecido dias antes de ele viajar para Londres. – Interrompeu
Dean com brusquidão.
— Pobre rapaz! É um descompensado do juízo. Só
posso crer que ele me confundiu com uma vizinha que
também estava doente. Ela morreu poucos dias depois que
entreguei as cartas para que ele trouxesse — disse ela,
respirando pausadamente, enquanto revirava os olhos
pintados com algum tipo de pintura escura que Dean
odiava. Ela brincava com uma situação tão séria. Será que
não conseguia mensurar a encrenca em que estava metida?
— Mas tem alguém aqui que também precisa se
explicar. Ainda não consegui entender o que você está
fazendo com o meu marido, Bella.
Isabel estava tentando virar o jogo.
— Muito me admira que esteja procurando explicação
para algo tão evidente. Você sabe de quem ele é marido,
Isabel. Você nos casou, ou está esquecida? — Bella usou
uma ironia que nunca imaginou ser capaz. A irmã estava
despertando o que ela tinha de pior dentro de si.
Dean conseguiu se aproximar de Isabel e, pegando-a
pelo braço, falou rispidamente:
— Por que você voltou?
O timbre de voz não dava chance de ela sequer pensar
em deixá-lo sem resposta.
— Bem, quando eu estava na Irlanda, comecei a
emagrecer assustadoramente e, por fim, peguei uma febre
terrível. Aquele idiota — estava se referindo ao amante —,
imaginando que eu morreria, abandonou-me e ainda levou
todas as poucas joias que eu tinha.
— Então, é como eu pensava. Voltou porque para se
abastecer, antes de se lançar em outra aventura. Precisa de
dinheiro.
— Não quero mais aventura, meu amor. Quero o meu
lar de volta. Vim para dizer a verdade diante de todos e
implorar o seu perdão. Suportarei todos os seus rompantes
de raiva, até que me perdoe.
Dean a empurrou com força, quase derrubando-a,
como se brasas tivessem lhe tocado, e afastou-se com uma
expressão de asco.
— Se me chamar novamente de meu amor, vai perder
todos os dentes. Nunca me imaginei batendo em uma
mulher, mas você é um ser inumano. 
Isabel virou-se para a irmã.
— Bella, desista. Eu sempre venço e você sabe disso,
lembra? Você é sem graça e sempre viveu à minha sombra,
pois não tinha brilho próprio.
Ela usou a fórmula que sempre deu certo com a irmã.
Estava decidida a fazê-la desistir de Dean.
— Você sempre viveu à minha sombra, Isabel. Como
eu não percebi isso antes? Você sempre roubou o que eu
tinha de melhor quando se fingia passar por mim. Você
nunca se mostrava como realmente era. E por quê? Porque
as pessoas gostavam mais de mim do que de você. Então
era muito mais fácil ser aceita como eu, não é? Mas acabou.
Não vou deixar mais que faça isso comigo.
Bella, enfim, conseguiu enxergar que nunca foi o que
a irmã plantou exaustivamente em sua cabeça. Era o seu
renascimento.
Os olhos de Isabel escureceram e encararam Bella
com ódio.
Enfim, sua personalidade estava sendo descortinada da
forma mais realista possível. Bella continuou falando tudo o
que estava engasgado, enquanto Dean a admirava cada vez
mais. Ela era forte e determinada e só parecia estar
descobrindo isso nesse momento. Se era necessária a volta
de Isabel para que sua esposa se desvencilhasse de uma
vez da sombra dela, bendito retorno!
— Você não vai mais comandar minhas ações. A vida
inteira fiz o que você queria, escutei palavras que me
rebaixavam, acreditando que o seu temperamento era
responsável por isso, mas hoje compreendo que isso não é
questão de temperamento. Conheço pessoas de gênio difícil
que são bondosas. O seu defeito está no coração. Ele é
mau.
— E agora você decidiu ser igual a mim? — Isabel
tentou puxar a corda para seu lado, mas foi inútil.
— Nunca seria igual a você. Somos quase idênticas,
mas nossos corações não têm nada de parecido. Eles não
são gêmeos.
— Sua ordinária! Quem você pensa que é para falar
assim comigo? Você, que mentiu se passando por mim esse
tempo todo? Sei de tudo o que aconteceu durante a minha
ausência.
Um estalo soou seco e no instante seguinte o rosto de
Isabel mostrava a mudança de tonalidade.
Bella a esbofeteou com tanto ímpeto, que segurou a
mão doída devido à violência com que fora usada. Nada
mais ia ser como antes. Até ela. Nunca mais ela deixaria
que Isabel a magoasse sem que houvesse uma reação de
sua parte.
Foi tudo muito rápido, porém certeiro. Anos seguidos
de humilhação, de felicidade roubada, de brincadeiras de
mau gosto, pareciam ter feito emergir outra pessoa de
dentro de Bella. Uma que ela não sabia que existia e que
era capaz de sentir ódio. Já conhecia o poder da mágoa, da
tristeza, da decepção e do desamor. Mas o poder do ódio,
era a primeira vez.
Enquanto Isabel, estarrecida, passava a mão no rosto,
Bella já estava de volta ao jogo, refeita.
— Eu não me passei por ninguém. Se realmente
estivesse sabendo o que aconteceu aqui na sua ausência,
saberia disso — Bella respondeu com frieza.
— Você quer continuar mentindo? — perguntou Isabel.
— Eu é que pergunto: você quer continuar a ser eu?
Quer continuar a usar meu nome? O que se passa nessa sua
cabeça oca? Será que ainda não percebeu o quanto está
encrencada? Entre outras coisas, você será denunciada por
falsa identidade.
— Por que está fazendo isso? — O som da voz de Isabel
mudou. Passou para algo parecido com suplicante. O que
era muito perigoso, pensou Dean. Mas tinha de esperar para
ver se Bella estava totalmente curada das garras da irmã.
— Mesmo que sejam casados no papel, Bella, quem
esteve com ele diante do pároco e fez os votos fui eu. —
Agora ela estava apelando para a Bella de antigamente.
— Fizeram os votos diante de um pároco, não diante de
Deus, pois Deus não estava presente, visto que aquilo tudo
era uma farsa — respondeu uma mulher decidida, que se
mostrava mais segura a cada momento, conforme as
situações lhe eram apresentadas.
— Nada muda o fato de que quem viveu maritalmente
e teve uma filha com ele fui eu.
— Não existe esse fato, Isabel. Você sabe que nunca
dormiram juntos. Annie não é filha dele.
— Tão ingênua! Ele mentiu para você, Bella. A filha é
dele — disse a descarada.
Ela afirmou tão categoricamente que se Bella não
tivesse adquirido confiança no marido, teria ficado em
dúvida. Mas deixou que Dean fizesse a sua parte. Pois isso
dizia respeito a ele. Ela lhe dirigiu um olhar confiante.
— Sim, Annie é minha filha. Infelizmente, não da forma
que eu gostaria, pois seu genitor é outro. Mas ela é minha e
já vou lhe avisando que você não vai se aproximar mais
dela. Nós somos os pais dela — disse Dean, olhando para
Bella, agradecendo com o olhar a confiança demonstrada
por ela naquele momento crucial.
— Ora, ora. Então os dois estão apaixonados. Agora
está melhor de negociar. — Enfim, ela viu que não
adiantava manter a máscara. – Pois bem, não quero filha e
não quero voltar a viver em uma prisão. Se me oferecer
uma boa quantia, sairei da vida de vocês para sempre.
— Com licença, Sr. Hughes, o seu advogado o aguarda
na sala — o mordomo anunciou.
— Mande-o entrar.
— Advogado? — Isabel perguntou, começando a temer.
— Você sairá da nossa vida para sempre, mas por
meios legais. Aprendi que não se deve deixar pontos soltos
no passado, pois eles se soltarão no futuro. Resolveremos
tudo diante de um magistrado. Tudo preto no branco.
— Dean, eu prometo...
— Não prometa, pois vai perder tempo.
O advogado entrou com uma pasta preta nas mãos e
um ar de quem sabia a solução para todos os problemas.
Afinal, zelar pelo cumprimento da lei era o que amava fazer
e, mesmo que alguns se desviassem dessa função tão
especial, aquele homem fazia jus ao título de cumpridor fiel
dos preceitos legais.
Sr. Riley era o melhor advogado da Inglaterra. Homem
honrado, cujos serviços eram requisitados por todos aqueles
que queriam ganhar causas estritamente dentro da
legalidade. Incorruptível, ficou conhecido por cuidar dos
direitos dos contratantes que a ele confiavam suas
pretensões e dificuldades. O serviço que prestava era caro,
mas isso era o resultado da quantidade de casos que ele
ganhava em juízo: até agora, quase todos.
— Sr. Riley, como pode observar, as coisas sofreram
alterações desde a última conversa que tivemos sobre o
nosso casamento — disse Dean, trazendo Bella para junto
de si.
— Posso notar, Sr. Hughes. Um caso abstruso, difícil
para alguns, mas de fácil resolução para um magistrado,
por menos experiência que tenha. Terei que alterar o teor
da petição, mas não tenho sombra de dúvida de que a
sentença do magistrado será em seu favor. Claro que temos
de passar pelos trâmites necessários, mas as provas das
quais dispomos e os testemunhos que certamente vão ser
solicitados serão suficientes para que vençamos a causa.
Além do mais, é causa justa — concluiu o orgulhoso
advogado, olhando diretamente para Isabel, como se
avisando de que ela estava perdida.
Isabel achegou-se a ele, batendo as pestanas sem
parar. Estava muito nervosa. Enfim, parecia enxergar que
aquilo tudo ia além de uma simples complicação.
— Dr. Riley, eu quero entrar num acordo.
— Só em juízo, Srta. Blanchett — respondeu o homem,
sem se deixar comover pela atitude de Isabel. Estava
acostumado a todo tipo de artimanhas quando pegava uma
causa. E artimanhas eram, em sua totalidade, intimamente
ligadas a um dos lados das questões judiciais: o daquele
que estava errado. Uma pessoa que está certa luta com
armas legais e espera que a justiça prevaleça.
Isabel piscou mais rápido ainda, quando se viu sendo
chamada pelo sobrenome de solteira.
— Quero resolver isso o mais rápido possível, para
recomeçar minha vida longe daqui e... — ela começou a
falar nervosamente.
— Acho muito difícil a senhorita sair dessa situação em
liberdade. O seu delito foi muito grave. Dependendo do
magistrado, o mínimo que pode acontecer é o cárcere
perpétuo, quando não a pena de morte. A não ser que ele
se valha do degredo perpétuo. Mas acho muito difícil.
O advogado falava como se estivesse dando uma
explicação em uma aula sobre um assunto do qual ele era o
mestre. Ele tinha algo de cruel na fala, mas já estava
acostumado a lidar com pessoas que não tinham jeito. E
sabia quando estava diante de uma dessas. Se existia algo
que odiava, e não fazia questão de esconder, era pessoas
que se valiam de astúcia para prejudicar dolosamente
alguém. E quando soube do caso de Dean e Bella, gostou de
ter sido escolhido para resolver uma questão de fácil
deslinde. Mas agora que o caso se complicara, adorou. Pois
o maior prêmio de um advogado é colocar na cadeia o
transgressor. Se antes a causa seria apenas o ajuste de
nomes, para alocar uma pessoa no seu devido lugar, agora
era isso e a prisão daquela que fez a confusão. Sua
profissão era simplesmente apaixonante.
— Vou voltar para o hotel, então, até resolvermos a
questão — Disse Isabel, pegando a mala.
— Acho melhor não, Isabel. Não serei feito de bobo
novamente. Você vai ficar hospedada aqui até o Sr. Riley
resolver isso.
— Amanhã mesmo providenciarei as devidas alterações
no processo. Creio que será pedida a prisão da Srta.
Blanchett, para evitar a sua fuga, até que todos os trâmites
legais sejam cumpridos, culminando na sentença.
O advogado falava naturalmente como se nada daquilo
fosse afetar radicalmente a vida de todos da família, e
muito mais a de Isabel, que a essa altura estava a ponto de
gritar de pavor. Mas o orgulho era grande demais e ela já
esboçava planos mirabolantes na cabeça. Não seria difícil
fugir de madrugada.
Depois que o advogado saiu, Dean mandou chamar
alguns empregados de bom porte físico. Como tinha certeza
de que aquela mulher tinha parte com o demônio, achou
por bem não arriscar.
Vendo-se sem saída diante daqueles homens,
impensadamente Isabel tentou fugir. Mas algo
extraordinário aconteceu. A maldita foi derrubada, caindo
com força no chão.
Dean e Bella só viram quando a Sra. Lane passava uma
mão na outra, como se fosse um desses garotos que chama
outro para a briga.
— Desculpe, Sr. Hughes, mas eu não podia perder a
oportunidade de vingar pelo menos parte da maldade que
esse monstro fez com meus subordinados! Sem falar no que
fez com a nossa patroa. — Ela dirigiu um olhar afetuoso
para Bella.
— Todos vocês vão me pagar — disse Isabel, já refeita e
se dirigindo à escada.
— Não se atreva a subir um degrau dessa escada, ou
não me responsabilizo pela sua integridade física — disse
Dean.
— E onde eu vou passar a noite? — ela perguntou.
— No subsolo.
— No... você está louco? Eu...
— Sra. Lane, arranje um quarto para essa mulher. De
preferência um que não tenha janela, para que não
gastemos mão de obra dos meus homens vigiando-a.
— Bella, por favor, deixe-me dormir no quarto de
hóspedes! — ela apelou.
Bella simplesmente lhe virou as costas.
— Você vai acompanhar a Sra. Lane aos seus
aposentos ou prefere ser levada à força? — perguntou um
impaciente Dean.
Ela permaneceu onde estava.
Dean fez um sinal e os homens a arrastaram dali,
seguindo a governanta, que já tinha em mente um lugar do
qual ela jamais conseguiria fugir. Um sorriso despontou nos
seus lábios.
Tudo o que Isabel planejou para sair daquela situação
não funcionou, pois os dois empregados que a levaram
fizeram guarda na porta do quarto — que não tinha janela
—, e quando tentou fugir na madrugada, foi empurrada sem
nenhuma delicadeza para dentro.
A noite de Bella e Dean não seria das melhores. Saber
que Isabel se encontrava no mesmo lugar que eles, ainda
que totalmente separada e fortemente vigiada, não trazia a
paz que Bella precisava para dormir. Além do mais, ela não
conseguiu se deitar na mesma cama que ele. Uma sensação
desconfortável e estranha tomou conta dos seus sentidos,
de modo que ela nem quis conversar com o marido depois
que a irmã foi retirada.
Se antes a situação dos dois era esquisita, agora piorou
e muito. Antes era só a questão da troca de identidade, da
mentira que estavam vivendo, de esperar que todo o
processo de reconhecimento da pessoa dela acabasse.
Agora, era muito mais que isso. Um crime, cometido por sua
irmã e passível de uma pena que não parecia ser branda,
estava para ser apurado. Ou seja, para ser comprovado,
pois tinham todas as provas necessárias para a condenação
de Isabel. E Bella estava muito abalada com tudo isso. O
que incomodava Bella realmente era o fato de enxergar
outros sentimentos, despertados nessas últimas horas, que
eram muito mais fortes. Ela tinha sede de justiça. Sua
piedade não era suficiente para perdoar a irmã, se para isso
ela saísse ilesa de suas maldades. Tinha consciência de que
o pagamento pelo que ela fizera era imperioso e urgente.
Mas não era fácil pensar e desejar isso a uma irmã.
Sobretudo uma irmã gêmea.
Sentando-se em frente à penteadeira, olhou-se no
espelho e relembrou de momentos lá atrás, quando Isabel
ainda não acordara para a maldade. A brincadeira predileta
delas era fazer penteados com os longos cabelos e brincar
de esconde-esconde. E quando alguma amiga encontrava
uma delas, uma fingia que era a outra, confundindo até
mesmo os pais. Tempos áureos e inocentes, mas tão curtos.
Logo que a irmã despertou o instinto mau, as coisas se
transformaram assustadoramente. Mas Bella demorou tanto
para perceber que se sentia culpada. Talvez se tivesse dado
um basta na irmã, ela não tivesse levado adiante aquelas
brincadeiras e hoje não estivesse nessa situação.
Por outro lado, foi retirando uma boa parcela de culpa
da sua cabeça, pois a própria Bella nunca sequer pensou em
usar a irmã para ludibriar alguém, muito menos para
prejudicá-la. Tudo o que fizera nesse sentido nunca passou
de brincadeiras. Logo, era a essência de Isabel que
destoava da de todas as pessoas que conhecia.
Dean entrou no quarto, olhando-a com ar cansado.
Como Bella, aquele homem tinha sido vítima de Isabel por
muito tempo. Mas bem menos do que ela, que foi a vida
inteira.
— Temo que não queira dormir comigo hoje.
— Prefiro ficar aqui, se você permitir.
— Bella, faça o que for melhor para você.
— Nesse momento, só posso desejar o menos ruim.
Ele a abraçou gentilmente, depositou um casto beijo na
sua esposa e retirou-se. Tinha medo que as coisas entre os
dois nunca mais voltassem a ser como antes. Foi tão difícil
chegar e enfim aportar e ele esperou tanto tempo, para
agora, em apenas algumas horas, tudo ser destruído. Seria
um novo recomeço e ele não sabia o quanto isso ia afetar a
cabeça de Bella, que se mostrara tão corajosa e
determinada. Mas ele sabia que marcas do passado têm um
poder invisível muito grande, principalmente, no que se
refere a mágoas. Feridas são difíceis de ser cicatrizadas
quando provocadas dentro do seio familiar. Mas só o tempo
diria o tamanho do estrago que aquela mulher medonha
tinha feito.
Sr. Riley apareceu na manhã seguinte para dar as
últimas notícias.
Bella pediu que trouxessem a irmã para que ouvisse o
que o advogado tinha a dizer. Isabel, então, ficou sabendo
que seria oficialmente interrogada dentro de três dias e, em
seguida, seria formalmente acusada. Como ela não era
detentora de nenhum título de nobreza, era certo que ficaria
encarcerada na prisão até o julgamento, que seria realizado
no tribunal Old Bailey.
Ele aproveitou para avisar que ela precisava de um
advogado. Como não tinha dinheiro, e sabendo que
ninguém lhe ofereceria, ela disse que ficaria nas mãos da
justiça, conforme a lei determinava nos casos em que uma
das partes não podia pagar honorários advocatícios.
Antes de ele sair, Isabel quis saber a gravidade do seu
caso. Como era uma pessoa que pouco se importava com
algum tipo de leitura e que nunca teve interesse em
nenhum assunto que não envolvesse roupas, joias, última
moda e homens, não tinha ainda atinado de que tudo o que
o advogado dissera no dia anterior podia lhe acontecer.
O advogado não perdeu a oportunidade de lhe dar mais
uma aula.
— A senhorita parece não ter prestado atenção à breve
explanação feita ontem por mim. Pois bem, explicarei em
minúcias. A pena mais severa para crimes considerados
graves nesse país é a pena de morte, desde 1707. É sabido
que a nossa legislação é muito rígida e talvez não haja na
terra um país que se esmere em punir com tanto rigor, pois
permite que um simples batedor de carteira seja condenado
à pena capital. Logo, a senhorita pode observar que o seu
crime é muito mais grave e importante.
Isabel arregalou os olhos, amedrontada, mas isso não
pareceu suficiente para que o advogado desistisse de
continuar a explicação.
— Por outro lado, quando o 1º Marquês de Halifax,
George Saville, disse que “Os homens não são enforcados
por roubar cavalos, mas os cavalos não podem ser
roubados”, quis dizer que o ladrão não seria enforcado se
não tirasse o cavalo da propriedade do dono que o comprou,
e a quem pertence legalmente. E a simplicidade desse
conceito aplica-se a todos os ilícitos praticados, posto que
obter algo ilicitamente é cometer ato proibido por lei. Se os
crimes fossem praticados de modo contrário à moral e ao
direito e não fossem punidos, o mundo viraria uma baderna,
em que todos os seres humanos seguiriam intentos que lhes
conviessem. Há que se interromper ações desse tipo com
corretivos suficientes para que o infrator pare de cometer os
erros e para que as demais pessoas entendam pelo exemplo
e se desviem desse caminho.
O advogado, feliz por ter conseguido uma plateia
admirada, não se deu por satisfeito.
— Acredito que a senhorita deva ter esperança, pois,
dependendo do juiz que pegar o caso, a pena pode ser
comutada pelo degredo. Ou seja, a sua deportação para
outro país — disse ele em minúcias, ao perceber a
pequenez intelectual de Isabel.
— Meu crime não foi tão grave, pois não tirei a vida de
ninguém.
— Depende do ponto de vista do juiz. Ele pode
entender que a senhora roubou a vida de sua irmã, mesmo
por um curto tempo. O que pode reverter, em parte, a sua
culpa, é o resultado do delito, uma vez que sua irmã no final
das contas resolveu ficar de fato com o marido que não teve
o direito de escolher. Mas volto a dizer que isso pode,
dependendo do juiz, reverter também contra a senhorita,
pois ele pode questionar se ela não encontraria uma pessoa
mais qualificada para si, o que não acredito que
aconteceria, já que o casal parece tão bem entrosado.
Tossindo, como se desculpando por sua opinião, ele
continuou:
— Não há como negar a intencionalidade do seu crime,
pois a senhorita pegou o documento da sua irmã e se valeu
dele para se fazer passar por ela sem se preocupar com as
consequências que viriam sobre a vida dela e do Sr. Hughes,
que também foi enganado.
— Mas eu peguei o documento dela por engano.
Quando percebi já estava em Londres — Isabel tentou se
justificar.
— Isso só piora sua situação, pois, em vez de voltar
para trocar os documentos, valeu-se dele para lograr um
casamento vantajoso e enganou todos ao redor, se fazendo
passar por sua irmã, à revelia dela. Usou de má-fé e elevou-
a à condição de mulher casada, privando-a, dessa forma, da
liberdade. A sociedade exige punição severa em virtude das
consequências de delitos cometidos, principalmente, os
premeditados pelo criminoso. Mesmo que tenha pegado o
documento por engano, suas atitudes posteriores foram
todas planejadas de forma a conseguir benefício próprio,
sem se importar com a vida de outras pessoas. Isso é algo
muito sério e será levado em consideração pelo juiz com
toda certeza.
Ele ficou mais próximo dela, como se fosse importante
ela entender de uma vez por todas que não tinha saída.
— Toda punição depende do grau da ofensa. E nesse
caso é gravíssimo, e não há como se esquivar de suas
consequências. Mesmo que o juiz entendesse sua situação e
tendesse a uma pena mais suave, o clamor da sociedade
fala mais alto. Dessa forma, prepare-se para o pior.
Acabando de falar, como se tivesse acabado de fazer
um lindo discurso sobre a importância das quatro estações
do ano, ele saiu, deixando a pequena plateia espantada
com tanta informação.
— Eu. Odeio. Você. — Pontuou Isabel, olhando
diretamente nos olhos da irmã.
— Leve-a daqui! — disse Dean, já se alterando.
Era inacreditável: como é que uma pessoa tinha
acabado de escutar que a sua vida estava por um fio e a
única preocupação que teve foi declarar o seu ódio por
outra que nada fizera para merecer aquilo?
Os dois homens a levaram, novamente arrastada e
gritando frases de ódio a plenos pulmões. Isabel não media
palavras para machucar. Era absolutamente estafante lidar
com ela.
Bella, visivelmente abatida, chamou a governanta e
ordenou:
— Sra. Lane, leve a mala da minha irmã para o quarto
e cuide para que ela se alimente e se banhe todos os dias,
enquanto estiver aqui.
— A senhora tem um coração muito bom. Sua irmã só
merece pão e água, na melhor das hipóteses — disse a
governanta.
— Talvez se a senhora estivesse no meu lugar fizesse a
mesma coisa.
— Sra. Hughes, desconheço uma pessoa que fizesse
isso, depois de tudo o que escutei que ela lhe fez. E ao seu
marido.
Ela se afastou, deixando os dois sozinhos.
A história do baile, tendo como protagonistas Dean e
suas duas mulheres, ganhou destaque, não só na boca dos
fofoqueiros como também nos jornais de Londres na tarde
daquele mesmo dia. Nenhum jornalista perderia a chance
de contar a narrativa, mesmo que desfalcada dos relatos
dos verdadeiros envolvidos na trama. Era mais fácil e
lucrativo inventar uma narrativa cujo teor chamasse mais
atenção e, assim, produzisse os efeitos financeiros maiores
para os tabloides. 
Dessa forma, a partir da edição do jornal, Bella e Dean
se viram cercados por pessoas desconhecidas, atraídas por
qualquer tipo de notícias do tipo efervescente. E o deles
parecia ser o escândalo do ano. Quiçá do século.
Capítulo 17
 
Dois dias se passaram e o clima entre Dean e Bella ficava
cada vez mais estranho. Não conversavam mais e faziam as
refeições cada um no respectivo quarto. Ele entendia os
sentimentos dela e se esforçava para tomar atitudes
altruístas, que a beneficiassem. Sabia que tudo isso ia
passar e eles seriam muito felizes, desde que o devido
tempo amenizasse as cicatrizes, já que algumas jamais
podem ser apagadas.
A babá e a governanta se desdobraram para
minimizar a falta que os pais faziam na vida de Annie,
mimando-a e fazendo o máximo para afastar a criança
daquele contexto catastrófico que se abateu na mansão. Era
o mínimo que podiam fazer para ajudar aos patrões.
Nesses dias, os repórteres se comportaram como aves
de rapina afoitos por notícias bombásticas, e como não
obtinham informações, por mais que tentassem conseguir
através de algum criado, começaram a “reproduzir”
histórias estapafúrdias. A governanta proibiu a entrada de
qualquer jornal na mansão. Entendia que eles precisavam
de um pouco de paz e ficar lendo conjecturas de jornalistas
irresponsáveis não ajudava em nada. Apesar de ter
percebido a manobra dela, Dean não a recriminou. Pelo
contrário.
No dia marcado, Isabel seguiu em uma carruagem com
seus dois “sentinelas” ao tribunal, enquanto Bella e Dean
seguiram em outra. Apesar de não terem dormido e nem
feito nenhuma refeição juntos nesses dias, algo os ligava e
eles sabiam que precisavam enfrentar unidos mais essa
intempérie. Os jornalistas, que já viviam de prontidão,
aguardavam com seus caderninhos em mãos, a fim de fazer
perguntas relevantes e irrelevantes. Principalmente,
irrelevantes. Mas foram prontamente ignorados por todos os
ocupantes das carruagens, inclusive os cocheiros, que se
retiraram tão logo os deixaram no destino.
De repente, no meio da multidão, uma correria tirou a
atenção deles. Um batedor de carteira se valeu do tumulto
para desempenhar o seu ofício, no que foi prontamente
pego. No meio da confusão, Isabel aproveitou e saiu em
disparada, sob o olhar maravilhado dos curiosos que, em
vez de ajudar a pegar a criminosa, abriram caminho para
que o espetáculo começasse. No entanto, a fuga não teve o
desfecho desejado. Um grito terrível se fez ouvir e um
relincho de cavalo se misturou às vozes de surpresa de
todos os presentes.
Isabel encontrava-se no piso de cascalho,
protagonizando uma cena terrível. Uma grande carruagem a
tinha acertado em cheio e ela caíra com a cabeça na quina
da calçada. O sangue escorria abundante atrás de sua
cabeça.
Bella sentou-se e agarrou a irmã nos braços, tentando
trazer à tona algo que sabia estar perdido para sempre. Ela
sentia.
Não estava preparada, talvez nenhuma pessoa do
universo estivesse para escutar o que a irmã lhe disse.
— Esse mundo é pequeno demais para nós duas. Eu
nunca me conformaria em ver você se dando bem. Nunca!
E fechou os olhos para sempre, deixando Bella estática,
segurando-a no colo. As lágrimas rolavam copiosamente e
os ombros tremiam de modo incontrolável. Parecia que
agora, enquanto agarrava o corpo inerte da irmã, a
realidade de suas palavras penetrava no seu cérebro. E era
tão difícil admitir mais uma vez que Isabel tinha razão. Não
haviam nascido para viver no mesmo mundo, por maior que
fosse, pois a inveja e o ódio de Isabel sempre a
encontrariam. Com ambas vivas, nenhuma das duas seria
feliz.
Os transeuntes se aglomeraram e um homem, se
identificando como médico, aproximou-se para tomar o
pulso de Isabel. Mas Bella não precisava ouvir da boca dele
o que sentira no seu peito há alguns minutos. Ela devia ter
sabido que Isabel não havia morrido da primeira vez, pois
aquela dor no coração era o sinal quando alguma coisa ruim
ocorria com a irmã. E a dor naquele momento era tanta.
Apesar de tudo. 
O que mais doía em Bella agora não era tristeza pela
morte da irmã. Não. Foram as derradeiras palavras
pronunciadas por ela que a magoaram sobremaneira. O
mundo era enorme e nele caberia as duas com facilidade se
tão somente se amassem.
Nunca mais o sorriso, nunca mais o choro, nunca mais
a alegria, nunca mais a presença, nunca mais... A morte é a
desesperança total.
Nesse caso, a morte era a esperança, o sorriso e a
alegria de volta, a felicidade. O mundo agora era de Bella.
Mas ela tinha de entender isso. E, no momento, seu mundo
estava nublado e confuso.
Dean a levou para casa, e ela começou um processo de
limpeza da alma. Era doloroso recomeçar depois de tantas
quedas. Principalmente, depois de algo tão intempestivo e
desprovido de preparação. E não houve como ele não se
lembrar da frase que escutara de Isabel, ao falar sobre o pai
natural de Annie, chamando-o de burro: Onde já se viu
morrer atropelado por uma carruagem?
Acontecera a mesma coisa com ela. Mil vezes burra por
ter desperdiçado sua curta vida com inveja, ódio, intriga e
todas as coisas contrárias a uma boa virtude.
No funeral, os amigos Cindy e Ian fizeram as vezes de
melhores amigos, como sempre e os conhecidos, aos
poucos, começaram a conhecer a história macabra em que
Dean e Bella foram envolvidos.
Os dias seguintes foram intensos para o advogado, que
teve de se esmerar para transformar novamente o teor da
causa ajuizada. Mas quando as cartas de Isabel e os
documentos de identificação foram entregues e Bella e
Dean foram ouvidos, tudo se resolveu de forma
completamente satisfatória. O pesadelo havia acabado.
No entanto, sair de casa era um suplício para Dean e
ele se tornou um perito em se esconder dos jornalistas que
esperavam mais uma pitada de escândalo. Como não
conseguiram e perceberam que as notícias não eram
escabrosas o suficiente para render uma boa venda de
jornais, emitiram uma nota simples, descartando aquele
caso. Afinal, precisavam encontrar algo que chamasse
atenção para sobreviverem.
E assim, foi “esclarecida” a situação:
 
“Jovem usurpadora não chegou a ser
ouvida, pois preferiu cometer a insanidade do
suicídio. Para quem estava acompanhando o
caso, foi apurado que Isabel Blanchett usou o
documento da irmã gêmea idêntica e,
passando-se por ela, enganou – pasmem – um
dos homens mais ricos da Europa, Dean
Hughes, vindo a casar-se com ele. Insatisfeita
com a vida que considerava mediana, fugiu
com um amante – todos sabiam da predileção
da jovem senhora por uma vida paralela – e
deixou o lugar vago que foi imediatamente
ocupado por sua irmã. Quanto a isso, nunca
saberemos se ela também usou algum ardil
para enganar o cobiçado homem. Fato é que
nada mais poderá ser comprovado referente
ao caso, uma vez que os envolvidos na
questão se fecharam em sua mansão, onde
vivem rodeados por empregados e criados
totalmente fiéis. Haja vista, não obtivemos
êxito ao procurá-los para esclarecer os fatos
de modo satisfatório”.
 
Depois que a curiosidade dos fofoqueiros foi satisfeita,
pelo menos em parte, a casa respirou um pouco de paz,
visto que os jornalistas já tinham apurado toda a verdade na
delegacia.
Mas não era interessante para os tabloides contar tudo
de uma vez. Assim, decidiram soltar aos poucos tudo o que
tinham descoberto. Afinal, era importante manter os leitores
curiosos por uma pitada que fosse da inusitada história de
duas mulheres idênticas que se envolveram, ou melhor
dizendo, envolveram o rico e poderoso Dean Hughes. E, a
partir dali, cada nota que saía nos jornais assim terminava:
Aguardem as próximas novidades do caso das gêmeas.
Seria preciso mais tempo do que Dean imaginava para
se livrar de uma vez por todas desses carniceiros.
Um mês não foi suficiente para Bella se desintoxicar de
uma vida de veneno. Ela ainda não conseguia fechar os
olhos sem ver Isabel morrendo em seus braços. Sempre que
tentava dormir, sentia a respiração da irmã se esvaindo e
era como se a própria Bella ficasse sem ar. E todas as noites
era uma verdadeira luta até conseguir dormir um pouco. Já
não suportava mais aquilo. Pensava, inclusive, que ia perder
o juízo. A única pessoa na companhia da qual sentia paz era
Annie. E apesar de não ter se afastado de Dean, as coisas
simplesmente não voltaram a ser como antes. Ela, inclusive,
não conseguia mais dormir com o esposo e as conversas
eram escassas.
Dean continuava acreditando que o estado emocional
de Bella mudaria, era só uma questão de tempo. Mas a
consciência disso não tornou sua vida mais fácil. Sentia falta
de sua mulher, de sua companheira, de sua amiga. E de sua
amante. Não era possível que Isabel continuasse a
atormentá-los até depois de morta.
 
͠
Certa noite, Bella estava dormindo e, como sempre,
sonhou com a irmã. Mas dessa vez, algo diferente
aconteceu. De um lado de Isabel, uma sombra escura se
movia e falava: Eu te odeio. Do outro lado, uma luz
resplandecia e alternava as palavras: Viva, ame, perdoe e
se perdoe. Ela não existe mais. Uma sombra e uma luz. Uma
opção.
Bella abriu os olhos e fitou o teto, com o coração
palpitando. O problema não eram as palavras que Isabel
dissera antes de morrer, mas o efeito que ela quis produzir
em Bella. Ela queria, e quase conseguiu, que ela se
mantivesse cativa do ódio. Claro que quis dar sua última
cartada, para tirar a chance de felicidade da irmã. Um véu
invisível foi descortinado diante de si, quando compreendeu
toda a trama de uma mente doente. Nenhuma pessoa com
sentimentos negativos como a irmã podia ser considerada
normal. Ela era doente e Bella a perdoaria.
Levantando-se, afastou a cortina e viu o sol nascer. O
lindo sol clareou o dia e clareou sua vida. O amor pelo
próximo não deve ser condicionado a nada, nem mesmo à
reciprocidade. Perdoaria e amaria a sua irmã para sempre,
mesmo que nunca tivesse sido amada por ela. Sentiu a
alma leve e solta. Sentiu fome e vontade de sair correndo
pelas campinas com os braços abertos para abraçar a
liberdade da vida. Uma vida que, sabia, se tivesse
escolhido, não o teria feito tão bem. Esse crédito, apenas
esse, era de sua irmã. E isso a tornaria inesquecível.
Somente isso. As demais coisas, ela faria de tudo para
guardar no fundo do baú emocional que cada pessoa tem
dentro de si.
Começou a sentir outro tipo de fome. De Dean
enquanto homem. A saudade dele, que estava camuflada
por outros sentimentos negativos ao longo desses dias,
apareceu de um modo doloroso. Seu marido era o melhor
homem que conhecera na vida: o mais especial, o mais
paciente, o mais amoroso e o mais... ardente. Jesus, que
saudade de tudo que ele lhe proporcionava!
Chamou as criadas e iniciou sua higiene matinal mais
cedo do que nos outros dias. Estava fervendo.
E o fogo apagou.
Enquanto se arrumava, soube que seu marido tinha
viajado para tratar de assuntos importantes. Assuntos que
ela nem quis saber quais eram.       
Sem saber o que se passava com a sua esposa e que
seu tormento tinha chegado ao fim, Dean chegou de uma
jornada de reuniões de negócios a noite e foi direto para
seus aposentos, onde vestiu um robe depois do asseio. Fazia
muitos dias que não fazia amor com Bella. Tinha tanta
saudade dela, que estava à beira de um ato desesperado.
Descobrira-se muito paciente. Foi até a janela e fitou o
horizonte, lembrando-se que foram tão poucos dias de uma
felicidade plena ao lado dela.
Seus pensamentos foram interrompidos por um leve
rumor da porta de ligação entre os quartos sendo aberta.
Ele voltou-se e viu Bella. O objeto dos seus pensamentos e
de todo tipo de desejo, do mais puro ao mais lascivo, estava
diante dele. Parecia diferente. Seu olhar estava luminoso, o
que acendeu esperança no coração dele.
Ela aproximou-se. Linda. Usando uma camisola branca,
transparente ao ponto de ele perceber que não havia outro
tipo de roupa por baixo. Teve medo de estar sonhando. Mas
mesmo assim se aproximou dela. Quando tocou o lindo
rosto, viu que era real. Bella inclinou a face para o lado
direito e fechou os olhos. 
Ele não fez nenhuma pergunta. Tudo o que precisava
estava ali. O seu amor, a sua vida estava de volta.
Pegando-a nos braços, ele a levou para a cama, e
acariciou o ávido corpo dela, detendo-se enquanto sugava
os mamilos duros. Depois a beijou com beijos molhados e
sensuais, enquanto descia a mão e a penetrava, primeiro
com um dedo, depois com dois. Ela suspirou, remexendo-se
embaixo dele, ele recuou os dedos e enfiava seguidamente
dentro dela. Quando a palma encostou no pontinho
intumescido, um suspiro foi ouvido e ela ficou a um
milímetro de dar um grito. Ele sentiu suas partes íntimas
apertarem seus dedos. Continuou a empurrá-los dentro
dela, provocando e induzindo ao gozo que, sabia, estava
muito próximo.
— Que saudade do seu cheiro, do seu corpo, de ter
você — disse ele. 
Abaixando a cabeça, ele lambeu e mordiscou os
mamilos dela, que, não suportando mais, agarrou-se no
lençol  e se lançou num profundo abismo que a engolfou,
experimentando um prazer tão grande que não houve outra
saída senão dar um grito.
Dean afastou o robe e a penetrou depressa. Depois de
afundar na umidade quente dela, arremeteu com força e
rapidamente se despejou dentro dela, depois de um gozo
feroz, que o fez se arrepiar todo e se agarrar a ela como se
fosse um porto no qual tinha de se segurar para não cair no
mar. 
Mas não havia saída: se segurasse, estava agarrado a
ela; se caísse, ela era o mar. Tudo era ela, e ela era tudo.
— Não vou mais suportar um dia sem você, meu amor
— Dean falou, emocionado.
— Nunca mais nos separaremos — disse Bella entre
lágrimas. Tinham tanto para conversar, depois de tantas
ponderações que ela havia feito. Mas agora era hora de
amar, de ser feliz e de fazer feliz.
Sem sair de dentro da esposa, ele depositou beijos no
rosto dela até secar todas as lágrimas.
— Sabe qual foi o melhor dia da minha vida? —
perguntou Dean, olhando profundamente em seus olhos e
mergulhando mais um pouco nela, que estava encharcada,
o que provocou um barulho excitante e exalou um cheiro do
ato que haviam acabado de ter.
— Desejo muito saber — Bella conseguiu perguntar,
com muito custo.
— Quando você apareceu.
E o ritual de amor recomeçou.
 
͠
Agora que tudo fora resolvido e juridicamente as coisas
haviam sido esclarecidas, eles decidiram fazer uma
cerimônia íntima de casamento, cujos convidados não
passaram de Ian, Cindy e os empregados. Estes últimos,
enfim, compreenderam que a antiga patroa nunca teria
condições de apresentar uma mudança de caráter tão
drástica. A bondade que eles encontraram em Bella jamais
poderia ser despertada em uma pessoa de natureza má
como Isabel. 
Os meses seguintes foram tão maravilhosos que às
vezes eles esqueciam o que passaram para chegar ali.
Dean e Bella ainda não haviam decidido se contariam a
verdade para Annie. Tinham tempo para resolver isso. A
cada dia a menina crescia em beleza e sabedoria e estava
encantada ao ver que uma barriga podia esticar tanto. Bella
fazia questão de lhe dizer que ali dentro crescia um
irmãozinho e que, quando ele viesse ao mundo, seria seu
melhor amigo e um protegeria o outro. Como ela era a mais
velha, seria a primeira a proteger o irmãozinho — que Deus
os ajudasse a ser um menino —, mas quando ele crescesse,
seria o seu protetor. E assim, ela e Dean tentavam estimular
um amor verdadeiro na menina.
Bella se lembrou de que seus pais nunca incentivaram
o amor entre ela e a irmã. Pelo contrário, sempre
promoviam disputas entre as duas. Como o terreno do
coração de Isabel era fértil no sentido ruim, a maldade
germinou e se desenvolveu. No caso de Bella, ela sempre
foi afeita ao amor. Para ela, tudo era uma questão de
essência. E cada um parecia nascer com a sua. Esse era um
dos mistérios da vida. Mas ela estava longe de querer
entender coisas que lhe tirassem a felicidade encontrada.
Dean, devido aos tormentos e preocupações
promovidas por Isabel, tinha esquecido que sua chance de
continuar detendo toda a sua riqueza era o nascimento de
um herdeiro. Agora que estava experimentando a calmaria,
recomeçou a pensar sobre o assunto.
E o esperado dia chegou. Bella acordou de madrugada
sentindo dores terríveis. Ia dar à luz a qualquer momento.
As parteiras foram chamadas e, ao contrário de outros
homens que ficam andando de um lado para outro no
corredor ou saem para beber no escritório enquanto
escutam os gritos desesperados de suas esposas enquanto
parem, Dean entrou no quarto onde o parto estava sendo
conduzido e o acompanhou do início ao fim, segurando a
mão de Bella e passando uma toalhinha em sua testa
suada. Cada grito era um aviso de que a dor era terrível e
ele se contorcia junto com ela. Como gostaria de evitar
aquele sofrimento! Mas, milagrosamente, o parto não
demorou e logo a cabeça da criança irrompeu, e em seguida
o corpo pareceu dar um pinote, doido para vir ao mundo.
Uma das parteiras, que já estava esperando com um pano
limpo, pegou o bebê que chorava alto.
Esquecendo-se de ver o sexo da criança, uma vez que
estivera totalmente envolvido no parto com a esposa, ele a
abraçou e enxugou seu rosto, agora livre de dor. Sorrindo
ela lhe disse:  
— Espero ter-lhe dado o seu herdeiro.
— Se não for um menino, não tem problema. Nós
sairemos dessa situação, meu amor. Eu lhe garanto.
Ela acreditava que sim.
Beijando de leve seus lábios frios, pelo esforço recém-
feito, ele se levantou.
A parteira entregou o pequeno pacote a Dean, que o
pegou trêmulo. Mas não por ter medo de se decepcionar se
não fosse um menino, mas por ter em suas mãos uma
pessoa gerada por ele e Bella. O fruto do amor. Ele segurou
o bebê com uma mão e, com a outra, descobriu a parte da
frente do minúsculo corpo, sob o olhar preocupado de Bella.
Voltando a cobrir o bebê, ele o apertou no peito e se voltou
para a esposa, com um sorriso estampado no rosto.
— Que nome daremos ao nosso herdeiro? — Dean
perguntou, com uma expressão para lá de feliz.
Ela começou a rir entre lágrimas. Dean aproximou-se,
com o filho nos braços e o depositou nos de Bella, que o
olhou com a vista embaçada e fungando. Dean abraçou os
dois e mandou trazer Annie imediatamente.
A menina entrou apressadinha, mas quando viu o
pequeno embrulho e o chorinho, deduziu que o irmãozinho
acabara de chegar ao mundo. Ela correu para os pais e foi
incluída naquele abraço de amor e proteção. 
O bebê foi levado para ser limpo e vestido, e Bella
começou a ser asseada.
Dean saiu de mãos dadas com a filha, tentando lhe
explicar que ia demorar um tempinho antes de o irmãozinho
poder correr com ela pela casa.
Aprouve a eles vencer a batalha. E fizeram por
merecer.
Quando se trilha por caminhos corretos, existe uma
grande possibilidade de as coisas darem certo.
Deixando a filha aos cuidados da babá, Dean retornou
para perto da esposa, que agora estava envolta em lençóis
alvos e travesseiros macios e altos.
— E quanto ao nome do nosso filho? — voltou a
perguntar Dean.
— Nathan é um bom nome. Significa dádiva, presente.
O que você acha?
— Eu concordo — ele respondeu, extasiado.
Bella começava a dar sinais de cansaço. O esforço de
ter um bebê era muito grande, reconhecia um esposo
apaixonado, encantado com a visão de uma mulher linda e
corajosa. E não seria agora que discutiria com
ela.                                                                                          
                                                                                                
                                      
— Às vezes, penso que estou sonhando, Bella.
— Desde que eu seja a fada do seu sonho, não vejo
problema nenhum nisso.
— Você é a fada do meu sonho e da minha realidade.
Você é a minha vida.
— Você é a minha — disse Bella, com a voz embargada
de felicidade.
— Não vamos brigar por causa disso. Nós somos a vida
um do outro — encerrou Dean.
Eles riram. Ela adormeceu.
 
Fim
Sobre a autora
 
 
 
 

   
E. L. Woods é formada em Letras, especialista em Gestão de
Pessoas, servidora pública federal, mãe de três filhos e mora em
Maceió com o esposo, seu maior incentivador, com quem é
casada desde 1984.
 
Apaixonada por leitura desde a adolescência, sempre
gostou de modificar o roteiro de filmes e livros, por isso resolveu
escrever o seu primeiro romance e não parou mais.
Obras da autora
 
Amor Impossível
(Primeiro livro da Trilogia Viúvos)
 
Romance que tem como principais personagens Andrew Clark e Melise
Evans. O ano é 1815 e Hamptonshire, cidade campestre da Inglaterra, é o
cenário fascinante onde ocorre a narrativa.
Andrew é um viúvo de 33 anos, rico e cético em relação ao amor.  Já
Melise   é uma linda jovem, de apenas 21 anos, que perdera os pais e o único
irmão num trágico acidente, bem como todos os bens que pertenciam à família.
A história começa narrando a dor e a solidão de Melise, saindo de suas
terras, dois meses após a morte dos seus familiares, antes que o herdeiro
daquele lugar que fora o seu lar durante toda sua vida chegasse e tornasse as
coisas mais difíceis.
Melise estava a caminho de Kinsley House, onde seria a preceptora da filha
de Andrew.  Quando chegou e teve um vislumbre da beleza daquelas terras,
pensou que poderia ser feliz novamente. Mas não esperava apaixonar-se pelo
lindo patrão...  Que também foi surpreendido pela beleza e simplicidade daquela
jovem.
Poderia ela esconder esse amor por aquele homem que, aos olhos de toda
uma sociedade era proibido para ela, e que não tinha a menor    intenção de
casar-se novamente?
Amor Impossível é uma história leve, que retrata cenas de perda e dor,
mas, principalmente, o amor entre duas pessoas, que, apesar de possuírem
concepções diferentes de sentimentos, vencem barreiras, à medida que se
libertam dos preconceitos da sociedade da época e entendem que, às vezes, é
necessária uma mudança radical na vida para encontrar a verdadeira felicidade.
 
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Amor Especial
(Segundo livro da Trilogia Viúvos)
 
Viúvo há três anos, Josh ainda não concebia a ideia de se casar novamente,
mas sabia que teria de fazê-lo, se não quisesse deixar sua fortuna nas mãos de
parentes distantes. Apesar de ter amado a esposa infinitamente, era hora de
recomeçar. Mas os lugares por onde andou não lhe deram nenhuma convicção
de que existia uma pessoa certa para ele. Até parece que tinha vivido para amar
tão somente Caroline. Depois de uma última tentativa para encontrar alguém
que ocupasse o lugar dela, num desses bailes londrinos, o vazio apenas
aumentou. Josh percebeu que tinha de fugir dali para adquirir a paz de que
necessitava, antes de encontrar uma mulher que lhe desse um herdeiro. O
destino o leva a Derbyshire, onde conhece e se apaixona pela família Donovan.
É nessa família que sua prima Julie começa a despertar o seu coração para,
quem sabe, nascer o sublime e tão esperado segundo amor. Mas um terrível
segredo do passado pode destruir a esperança de felicidade que ele tanto
almejou e que pensava estar próximo de alcançar.
Amor Especial é o segundo livro da trilogia sobre viúvos escrita pela autora.
Esse romance descreve de uma forma sutil e emocionante a delicada transição
do primeiro para o segundo amor.
 
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Amor ou Vingança
(Último livro da Trilogia Viúvos)
 
Victoria Clark é uma linda jovem, que não sonha com um grande amor. Mas
simplesmente por entender que as melhores coisas da vida ocorrem de forma
inesperada. Por isso, quando ela conhece William Keaton, mesmo que a princípio
o encontro tenha sido totalmente desastroso, apaixona-se completamente, pois
acha que ele se enquadra no papel do mocinho do “felizes para sempre”. Mas
descobre que para encontrar o seu final feliz terá de lutar bravamente.
Enquanto as pessoas buscam conhecer e viver um grande amor, William o
despreza. E tem motivos de sobra para isso. No passado ele perdeu a mulher
que amava para o pai de Victoria Clark; e sua falecida esposa traiu a sua
confiança da forma mais vil. Assim, ele não esquecia de seus dois inimigos.
Quanto ao primeiro, William vê na ingênua moça a oportunidade para atingi-lo,
só não contava com a atração insuportável que sentia por ela. Quanto à mulher
que o traiu, a única coisa que pode fazer é desprezar o filho que ela lhe deu.
William será capaz de ir até o fim nos seus objetivos, deixando de lado tudo
o que Victoria e o seu filho têm de bom para lhe oferecer?
Amor ou Vingança é o último livro da Trilogia Viúvos e retrata a luta do
amor para vencer a barreira do ódio e da indiferença.
Quem vencerá essa batalha, pontuada por percalços, mas também repleta
de momentos marcantes, emoção e sensualidade?
 
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Seu Amor me Protege
 
Para fugir de um casamento indesejado, arranjado por seus pais, Elizabeth
foge de casa e se esconde na propriedade de Edward Harrison, homem forjado
na guerra e isolado de familiares e amigos. Ele vive num mundo em que não
cabe um relacionamento, pois suas culpas não lhe permitem que seja feliz.
Quando conhece a moça, Edward se vê totalmente envolvido por um desejo
há tanto esquecido e a vontade de proteger aquela desconhecida.
Elizabeth parece ter surgido diretamente do céu para lhe mostrar que
pouca coisa é mais poderosa do que o perdão, principalmente aquele que
damos a nós mesmos.
Um herói de guerra, ferido no corpo e na alma.
Uma moça ingênua, fugitiva da própria família.
Ela precisa de proteção, ele de se perdoar.
Será que um ao outro salvará?
O quarto livro da autora relata uma história de amor genuíno, de
segredos que aprisionam e do perdão que liberta. Tudo, claro, temperado com
uma boa dose de sensualidade, marca registrada em seus livros.
 
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A Aposta da Minha Vida
Há dezoito anos Luke Taylor se prepara para reaver o
que foi usurpado de sua família por meio de uma aposta
controversa. Ele sabia que para que sua vingança fosse
completa, pessoas inocentes também sofreriam. Suas
razões começam a desabar quando conhece a neta do
homem que causou toda a confusão.
Laura aguardava ansiosa o seu debute, queria
aproveitar os benefícios após sua apresentação. Inocente,
só pensava que a partir dali poderia marcar presença em
bailes, saraus e outros eventos que compunham as
temporadas londrinas. Além do mais, seus pais sempre lhe
garantiram que só se casaria por vontade própria, o que era
considerado um luxo, suas amigas não tiveram a mesma
sorte.
Quando Luke se envolve com Laura, logo percebe que
a melhor coisa a fazer é se afastar, pois ela nem imagina
que, por causa dele, sua família caiu em desgraça. Mas quis
o destino que eles ficassem juntos, mesmo que Luke tenha
que enfrentar o ódio daquela que, por um desatino do
rapaz, tornou-se sua esposa.
Com uma escrita sensual, E. L. Woods nos guia pela
incrível história de perdão, amor e recomeços de Luke e
Laura. Será ela capaz de entender todos os motivos que os
uniram?
 
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