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Jorge Rodolfo Lima

Organismos como ferramentas de Perícia Criminal:


Uma abordagem macroscópica à Biologia Forense

Trabalho apresentado à Academia de


Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”
da Polícia Civil do Estado de São Paulo,
como requisito para a conclusão do
Curso de Formação Técnico-Profissional
de Perito Criminal.
Orientadora: Profa. Dra. Maria de
Fátima Pedrozo

ACADEMIA DE POLÍCIA DR. CORIOLANO NOGUEIRA COBRA

CURSO DE FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL DE PERITO CRIMINAL

São Paulo
2006
Jorge Rodolfo Lima

Organismos como ferramentas na Perícia Criminal:


Uma abordagem macroscópica à Biologia Forense

Trabalho apresentado à Academia de


Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”
da Polícia Civil do Estado de São Paulo,
como requisito para a conclusão do
Curso de Formação Técnico-Profissional
de Perito Criminal.
Orientadora: Profa. Dra. Maria de
Fátima Pedrozo

ACADEMIA DE POLÍCIA DR. CORIOLANO NOGUEIRA COBRA

CURSO DE FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL DE PERITO CRIMINAL

São Paulo
2006
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

À memória de meus pais.

i
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

lua à vista
brilhavas assim
sobre auschwitz?

(Paulo Leminski)

ii
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

AGRADECIMENTOS

Gostaria de expressar minha gratidão a todos que, de alguma forma contribuíram


para a realização deste trabalho. Seria impossível citar todos e peço, antecipadamente,
perdão por qualquer omissão.
À Profa. Dra. Maria de Fátima Pedrozo, agradeço pela orientação, pela confiança
que depositou neste trabalho e em seu autor e, principalmente, pela compreensão e
amizade.
Às Peritas Criminais, Dra. Alice Takai e Dra. Eloisa Auler Bittencourt, do Núcleo
de Biologia e Bioquímica, contribuíram com sugestões críticas, apoio e material de
consulta, fica registrada minha amizade e gratidão.
Agradeço ao Professor Perito Criminal Dr.Adilson Pereira, que forneceu material
de consulta valioso e sempre apoiou a realização deste trabalho. Sua postura motivadora e
construtiva é um exemplo de conduta pessoal.
Agradeço também ao colega Biólogo e Perito Criminal Dr. Claudemir Rodrigues
Dias Filho, contribuiu com sugestões relevantes. Além disso, a literatura que compartilhou
foi muito importante para a realização deste trabalho.
À colega Bióloga e Perita Criminal Dra. Silvana Rinaldi, que leu e revisou uma
versão anterior deste trabalho, contribuindo com sugestões e críticas importantíssimas,
expresso minha gratidão.
A todos os colegas e amigos do Curso de Formação Técnico-Profissional, agradeço
pelos bons momentos e por tudo que aprendi com a convivência ao longo destes meses de
curso.
A todos os professores e funcionários da Academia de Polícia “Dr. Coriolano
Nogueira Cobra” da Polícia Civil do Estado de São Paulo, fica minha gratidão e meu
carinho.
Ao amigo e Biólogo Jandui Almeida Amorim, agradeço pelo apoio desde o início
do concurso, pela amizade fraterna, pelas sugestões e pelo material bibliográfico que
emprestou para a realização deste trabalho.
Luanda-Mel D’Angeli Primi, Frida Lina de Santo Epifânio e Pierre Maiseaux
contribuíram com o apoio emocional e companhia em muitos momentos de minha vida
recente, em particular durante este curso de formação. Palavras certamente não são
suficientes para expressar a eles minha gratidão.
À Liliane, que com carinho e doçura, sempre me ensina a compartilhar as coisas
mais lindas desta vida, deixo minha gratidão e meu amor.

iii
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

RESUMO

O enfoque da Biologia Forense no estado de São Paulo está limitado, em grande


parte, às aplicações da biologia molecular, da imunologia e da bioquímica. Neste trabalho
são discutidas aplicações forenses da biologia de organismos (aqui tratada como Biologia
Macroscópica). São apresentados exemplos de aplicações forenses de zoologia e botânica,
bem como de possíveis integrações entre estas e com a biologia molecular. Alguns
métodos de coleta e de análise são apresentados e são feitas algumas sugestões com relação
à implantação de um Laboratório de Biologia Macroscópica Forense. A integração entre as
coletas de campo e os procedimentos laboratoriais (que, via de regra, não são feitas pela
mesma pessoa) é discutida, e algumas recomendações são feitas no sentido de promover
esta integração, que facilita, valoriza e aumenta a qualidade do trabalho de todos os
profissionais envolvidos.

Palavras-chave: biologia forense, zoologia, botânica, entomologia, perícia criminal.

ABSTRACT

Forensic biology in the State of São Paulo, Brazil, focuses mainly on forensic
applications of biochemistry, immunology and molecular genetics. In this study, some
forensic applications of organismal biology (here termed Macroscopic Biology) are
presented and briefly discussed. Examples are presented of forensic applications of
zoology and botany, as well as the possibilities of integration between these and with
molecular biology. Some field and laboratory methods are discussed and the need to
integrate field and laboratory procedures is discussed. It is argued that better
communication may result in better and more rewarding results. Some suggestions are
offered toward the implementation of a Forensic Macroscopic Biology laboratory.

Keywords: Forensic biology, zoology, botany, entomology, forensics.

iv
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS .........................................................................................................iii
RESUMO..............................................................................................................................iv
ABSTRACT..........................................................................................................................iv
SUMÁRIO .............................................................................................................................v
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................1
1.1 No Brasil.......................................................................................................................2
1.1.1 Estado de São Paulo ...............................................................................................2
1.2 Local de crime e Laboratório forense...........................................................................5
1.3 A Biologia Forense.......................................................................................................5
1.4 Objetivos.......................................................................................................................7
2 BIOLOGIA MACROSCÓPICA: APLICAÇÕES FORENSES.........................................8
2.1 Biologia Macroscópica .................................................................................................8
2.2 Zoologia Forense ..........................................................................................................9
2.2.1 Aplicações da Zoologia Forense ..........................................................................10
2.2.1.1 Determinação do tempo decorrido desde a morte.........................................11
2.2.1.2 Identificação de possíveis lesões ..................................................................14
2.2.1.3 Identificação de cadáver ...............................................................................14
2.2.1.4 Insetos e Toxicologia ....................................................................................14
2.2.1.5 Caracterização de maus tratos.......................................................................14
2.2.1.6 Procedência de produtos ...............................................................................15
2.2.1.7 Acidentes de trânsito.....................................................................................15
2.2.1.8 Levantamento de características de locais de crime .....................................15
2.2.1.9 Perícias de crimes ambientais .......................................................................15
2.3 A Botânica Forense ....................................................................................................16
2.3.1 Aplicações da Botânica Forense ..........................................................................16
2.3.1.1 Envenenamento.............................................................................................17
2.3.1.2 Identificação de plantas relacionadas ao tráfico de entorpecentes................17
2.3.1.3 Fragmentos de plantas como vestígios .........................................................17
2.3.1.4 Identificação de madeiras .............................................................................17
2.3.1.5 Perícias de crimes ambientais .......................................................................17
2.3.1.6 Sementes como vestígios ..............................................................................18
2.3.1.7 Palinologia forense: o pólen como vestígio ..................................................18
2.3.1.8 Botânica associada à biologia molecular ......................................................19
2.4 Aplicações integradas: Ecologia Forense ...................................................................20
2.4.1 Local de afogamento ou de submersão na água...................................................20

v
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

2.4.2 Contaminação.......................................................................................................21
2.4.3 Levantamento de características gerais de locais de crime..................................21
3 PROCEDIMENTOS TÉCNICOS: COLETA E LABORATÓRIO .................................23
3.1 Coleta e análise para Zoologia Forense......................................................................24
3.1.1 Entomologia .........................................................................................................24
3.1.1.1 Coleta e envio para o laboratório ..................................................................24
3.1.1.2 Procedimentos de laboratório .......................................................................26
3.1.1.3 Identificação dos insetos:..............................................................................27
3.1.2 Outros grupos animais e vestígios de origem animal...........................................28
3.1.2.1 Coleta, embalagem e envio para o laboratório..............................................28
3.1.2.2 Procedimentos de laboratório .......................................................................29
31.2.3 Identificação: .................................................................................................30
3.2 Coleta e Análise para Botânica Forense .....................................................................30
3.2.1 Coleta e envio para o laboratório .........................................................................30
3.2.2 Identificação do material vegetal: ........................................................................31
3.3 Considerações de Ordem Prática................................................................................32
3.3.1 Quando utilizar o Laboratório de Biologia Macroscópica...................................32
3.3.2 Destino do material após as perícias ....................................................................33
3.3.3 Convênios externos ..............................................................................................33
3.3.4 Integração com outros setores..............................................................................35
3.3.5 Coleta de material e requisição de exame ............................................................36
3.4 Limitações das técnicas ..............................................................................................37
3.5 Laboratórios................................................................................................................39
3.5.1 Instalações ............................................................................................................39
3.5.2 Equipamento ........................................................................................................39
3.5.3 Recursos humanos................................................................................................40
3.5.4 Cadeia de custódia................................................................................................40
4 CONCLUSÕES ................................................................................................................42
REFERÊNCIAS...................................................................................................................46

vi
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

1 INTRODUÇÃO

Perícia pode ser definida como a aplicação de uma ou mais áreas do conhecimento
para a elaboração de um exame técnico e especializado1, visando compreender e expressar
a realidade de um fato, ou conjunto de fatos. De uma forma geral, busca-se conhecer a
natureza do fato, sua dinâmica, suas causas, as circunstâncias gerais em que ocorreu e seus
autores, se houver. Por “circunstâncias gerais”, deve-se entender a compreensão do
contexto, do local, do momento em que o fato ocorreu. Naturalmente, procedimentos
periciais variam em sua natureza e objetivos, e a ênfase pode ser maior ou menor em
algum dos aspectos citados.
Há perícias em várias áreas e com vários objetivos, de um modo geral ligados à
investigação de fatos relacionados, direta ou indiretamente à Justiça e aos direitos do
cidadão. Assim, fala-se em perícia trabalhista, perícia médica (por exemplo, para
concessão de benefícios de seguridade social), perícia na área cível e perícia criminal.
A perícia criminal nada mais é do que aquela realizada acerca de fatos de interesse
policial, sendo, provavelmente, a modalidade mais antiga. No ocidente, o primeiro relato
do que se poderia considerar como perícia criminal aparece na Roma antiga. Até o século
XIX os médicos legistas realizavam exames não apenas sobre o corpo humano, mas
também sobre instrumentos de crime e outros vestígios e a perícia criminal pertencia ao
domínio da medicina legal. A partir do século XIX, com o desenvolvimento acentuado de
outros ramos da ciência (particularmente da física química e biologia) e da técnica (em
especial das engenharias e da própria medicina) a perícia criminal adquiriu independência
em relação à medicina legal e tornou-se disciplina específica independente. Esta foi
denominada Criminalística por Hans Gross em 1893 (DOREA, STUMVOLL & QUINTELA
2005), onde também se pode encontrar uma revisão histórica sucinta. Uma discussão
acerca do conceito de Criminalística aparece em ZARZUELA (1996).
Na perícia criminal, portanto, aplicam-se conhecimentos gerais e de natureza
técnica e científica para elucidar a natureza, a dinâmica, as circunstâncias e, idealmente, a

1
A versão eletrônica do Dicionário Michaelis apresenta o seguinte verbete:
pe.rí.cia - s. f. 1. Qualidade de perito. 2. Destreza, habilidade, proficiência. 3. Dir. Exame de caráter
técnico e especializado
A terceira definição é a que nos interessa para conceituar a atividade pericial.

1
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

autoria e de um fato de interesse policial. Dentre os campos de conhecimento


frequentemente aplicados à elucidação de crimes, destacam-se a Balística Forense, a Física
Forense, a Química Forense, a Engenharia Forense, a Biologia Forense, bem como
aplicações nas áreas de Informática, Ciências Humanas, História da Arte, etc. O
qualificativo “forense,” aplicado aos nomes das áreas do conhecimento, serve para
delimitar o campo de aplicação destas ao caso específico de interesse legal. Isto denota que
estas estão “a serviço” da justiça, neste caso, como subsídios técnicos, com bases
científicas, à investigação forense e, neste caso, não se está lidando com as ciências básicas
per se.

1.1 NO BRASIL
Na legislação brasileira, a perícia criminal está prevista no Código de Processo
Penal (BRASIL 1941), que diz em seu artigo 158:

“Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de


corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”
Já o artigo 159 deste Código declara que o exame deve ser realizado por dois
peritos oficiais e, em seu parágrafo primeiro, permite a possibilidade da realização de
perícia por peritos ad hoc, na ausência de peritos oficiais. Portanto, a realização de exame
pericial e a conseqüente produção do laudo pericial e sua anexação no inquérito policial é
condição sine qua non. Note-se que, no artigo 158 do CPP, é mencionada a condição de
que a infração deixe vestígios para a obrigatoriedade do exame pericial. Contudo, o
profissional habilitado e capaz de examinar o local dos fatos a fim de determinar se há ou
não vestígios é exatamente o perito criminal, portanto, a participação deste deve ser regra
em todas as infrações.

1.1.1 Estado de São Paulo


No estado de São Paulo, as perícias forenses, no âmbito criminal, estão a cargo da
Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC), regulamentada pela Lei Estadual
756, de 1994 (SÃO PAULO 1994). Esta teve sua estrutura organizacional disposta no
Decreto 42.847, de 9 de Fevereiro de 1998 (SÃO PAULO 1998). A Superintendência inclui o
Instituto Médico Legal (IML) e o Instituto de Criminalística “Perito Criminal Dr. Octávio
Eduardo de Brito Alvarenga” (IC). O Instituto de Criminalística é composto pelo Centro de
Perícias (CP), responsável pelas perícias de local de crime e pelo Centro de Estudos,
Análises e Pesquisas (CEAP), que engloba os núcleos que realizam as perícias

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

laboratoriais. Além disso, o IC conta com um Núcleo de Apoio Logístico e um Núcleo de


Apoio Administrativo.
As atribuições das unidades que compõem o Instituto de Criminalística e do
Instituto Médico-Legal são regulamentadas pelo Decreto Nº 48.009, de 11 de agosto de
2003 (SÃO PAULO 2003). Este decreto traz, em seu artigo 3º. As atribuições do Centro de
Perícias do IC:

“Artigo 3º - O Centro de Perícias do Instituto de Criminalística tem


as seguintes atribuições:
I - supervisionar, no âmbito de sua área de atuação, o
desenvolvimento de pesquisas no campo da Criminalística, visando
ao aperfeiçoamento de técnicas e à criação de novos métodos de
trabalho;
II - estabelecer normas de ações e procedimentos a serem adotadas
pelas unidades subordinadas;
III - prestar orientação técnica e supervisionar a execução das
ações e dos procedimentos estabelecidos;
IV - promover o estudo e a divulgação de trabalhos relativos às
suas atividades;
V - promover palestras e cursos de atualização para o
aprimoramento técnico dos exames em sua área de atuação;
VI - promover a avaliação técnica dos ambientes de trabalho,
visando à sua otimização.”
O Centro de Perícias tem, sob sua alçada, os seguintes núcleos: Núcleo de
Acidentes de Trânsito, Núcleo de Crimes Contábeis, Núcleo de Crimes Contra o
Patrimônio, Núcleo de Crimes Contra a Pessoa, Núcleo de Documentoscopia, Núcleo de
Engenharia, Núcleo de Perícias Especiais, Núcleo de Identificação Criminal, Núcleo de
Perícias de Informática, Núcleo de Perícias Criminalísticas da Capital e da Grande São
Paulo.
No artigo 16 do mesmo decreto, são determinadas as atribuições do Centro de
Estudos, Análises e Pesquisas:

“Artigo 16 - O Centro de Exames, Análises e Pesquisas do Instituto


de Criminalística tem as seguintes atribuições:
I - supervisionar, no âmbito de sua área de atuação, o
desenvolvimento de pesquisas no campo da Criminalística, visando
ao aperfeiçoamento de técnicas e à criação de novos métodos de
trabalho;

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

II - estabelecer normas para a realização de exames, análises e


pesquisas e para a elaboração dos respectivos laudos periciais;
III - supervisionar o cumprimento das normas de ações e
procedimentos pelo Núcleos subordinados;
IV - promover o estudo e a divulgação de trabalhos técnico-
científicos relativos às análises, às pesquisas e aos exames
realizados;
V - definir o tipo de material a ser utilizado na coleta, no
acondicionamento e no transporte de amostras e peças de exame;
VI - divulgar às unidades requisitantes os tipos de substâncias
passíveis de serem identificadas ou cotejadas com padrões;
VII- padronizar as requisições de análises;
VIII - promover palestras e cursos de atualização para o
aprimoramento técnico dos exames em sua área de atuação;
IX - promover a avaliação técnica dos ambientes de trabalho
visando à sua otimização.”
O CEAP conta com os seguintes núcleos: Núcleo de Análise Instrumental, Núcleo
de Balística, Núcleo de Biologia e Bioquímica, Núcleo de Física, Núcleo de Química,
Núcleo de Exames de Entorpecentes.
A interligação dos trabalhos destes dois centros é fundamental para a realização das
perícias de local de crime e, em última análise, ao objetivo final e fundamental da SPTC
como um todo, utilizar o conhecimento técnico-científico para servir à justiça.
Assim sendo, uma das atividades principais desenvolvidas pelos núcleos do CEAP
é prestar apoio ao trabalho dos peritos que atendem locais de crime, realizando e estudos
laboratoriais que complementem as informações obtidas diretamente quando do exame do
local de crime.
Outro ponto a ser destacado no Decreto Nº 48.009, de 11 de agosto de 2003 (SÃO
PAULO 2003) é a ênfase colocada na pesquisa e divulgação dos resultados desta através de
cursos de atualização, palestras, etc. O objetivo desta ênfase em pesquisa é levar ao
aprimoramento e otimização de procedimentos, bem como o desenvolvimento e
implantação de novas técnicas e procedimentos, com vistas a manter a perícia criminal do
Estado de São Paulo constantemente atualizada em relação aos grandes centros mundiais,
bem como em relação aos avanços da criminalidade que, em última análise, é nosso dever
combater.

4
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

1.2 LOCAL DE CRIME E LABORATÓRIO FORENSE


Considerando-se a diversidade de áreas do conhecimento envolvidas e as
possibilidades de exames, alguns dos quais são bastante sofisticados, não é surpresa que
uma grande parte do trabalho de perícia criminal seja realizada em laboratórios, e não no
local do crime. Em várias ocasiões, o perito de local não realiza pessoalmente o exame do
material que coletou, mas o envia para o laboratório especializado, que conta com
instalações e equipamentos adequados, além de e pessoal treinado especificamente para
realizar os exames pedidos. Muitas vezes, é o perito de laboratório que vai escolher a
técnica de análise do material enviado e também vai analisar os resultados. É importante
salientar que os resultados obtidos, em termos de exames mais conclusivos e melhores
serviços prestados à justiça, dependerão não apenas da escolha e boa aplicação das
técnicas, mas também da boa comunicação e integração entre os peritos de local e
laboratórios. Para tanto, o perito de laboratório deve estar informado do contexto pericial
em que o exame realizado está inserido. O ideal seria que o perito de local e o de
laboratório pudessem conversar sobre cada caso para, juntos, decidirem sobre a melhor
abordagem ao problema apresentado. No mínimo, seria necessário que a requisição de
exame viesse acompanhada de uma descrição do caso, de cópia do Boletim de Ocorrência
ou mesmo de um resumo das partes relevantes do inquérito policial (senão cópia deste). Na
prática, esta comunicação raramente acontece e o perito no laboratório muitas vezes não
tem uma visão contextual do caso em que está trabalhando, ou de como o exame que
realiza está inserido na investigação deste caso.

1.3 A BIOLOGIA FORENSE


Na área específica de Biologia Forense, a maior ênfase atual, no Brasil e no mundo,
está na aplicação de técnicas de biologia molecular. Esta se aplica principalmente (mas não
apenas) em ensaios com o objetivo de determinar a identidade humana através de
seqüências do material genético, em especial do Ácido Desoxi-ribonucleico (“DNA”, na
sigla em inglês, consagrada internacionalmente). Estas técnicas também são aplicadas para
a realização de exames com a finalidade de determinar graus de parentesco entre
indivíduos, em particular exames de paternidade, ou a identificação de restos mortais
através da comparação com seqüências de DNA de parentes do suposto cadáver ou ossada.
No Núcleo de Biologia e Bioquímica do Instituto de Criminalística (IC), a identificação de
substâncias causadoras de manchas de substância hematóide ou que aparentemente
resultem de secreções humanas é realizada através de procedimentos químicos e
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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

bioquímicos, estes envolvendo, principalmente, ensaios imunológicos. Estas atividades,


embora incluídas na área de Biologia, poderiam, a rigor, ser classificadas em uma seção
específica de Bioquímica ou mesmo de Química.
Outras áreas da biologia, particularmente a zoologia e a botânica estão muito pouco
representadas ou em estado embrionário no nosso meio policial-científico.
No Instituto de Criminalística da SPTC, os estudos e exames relativos à biologia
Forense são realizados pelo Núcleo de Biologia e Bioquímica, cujas atribuições estão
definidas no artigo 19 do Decreto Nº 48.009, de 11 de agosto de 2003:
“Artigo 19 - O Núcleo de Biologia e Bioquímica tem por atribuição
realizar exames de:
I - identificação de fluidos biológicos, em suportes ou "in natura";
II - tipagem sangüínea;
III - constatação e identificação de pêlos e cabelos, exceto os
destinados à identificação humana, bem como de fibras naturais ou
artificiais;
IV - identificação humana por análise comparativa de DNA.”
Note-se a ausência de menção a exames relacionados à biologia macroscópica.
Desta forma, o Laboratório de Biologia e Bioquímica está restrito, atualmente, aos exames
bioquímicos de identificação de sangue e fluidos biológicos, incluindo a constatação de ser
este de origem humana, à identificação do tipo sanguíneo (exclusivamente pelo sistema
AB0), à análise de tricomas (pêlos e cabelos) e à identificação humana através de técnicas
moleculares, especificamente através do DNA.
Análises realizadas atualmente pelo Laboratório de Biologia e Bioquímica são de
extrema importância na perícia criminal paulista. Contudo, há á uma série de análises
biológicas de grande interesse forense que poderiam ser realizadas pelo IC, e que não estão
contempladas neste rol. Organismos inteiros, ou partes deles, podem ser vestígios muito
valiosos em um local de crime. Em vários países, a entomologia forense já é utilizada
como rotina. Aplicações da botânica no contexto forense também vêm trazendo resultados
expressivos. Em especial, o conhecimento sobre polens tem sido utilizado com grande
sucesso, em especial na Nova Zelândia (BRYANT & MILDENHALL 1990; MILDENHALL
1990). No Brasil, onde há uma alta freqüência de crimes de tráfico de madeira, plantas e
animais silvestres, a identificação de espécies de animais, plantas inteiras ou outros
materiais de origem animal ou vegetal pode ser ferramenta útil na caracterização de crimes
contra a fauna e contra a flora. A contribuição da própria biologia molecular poderia ser

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

em muito aumentada, se aplicada também a outros organismos e utilizada de forma


integrada com a biologia macroscópica.

1.4 OBJETIVOS
Este trabalho trata da abordagem biológica no nível de organização dos organismos,
especialmente animais e plantas, no que será aqui tratado como “Biologia Macroscópica”.
Os principais pontos de interesse

• Descrever algumas das aplicações forenses dos conhecimentos de áreas da


biologia pouco valorizadas na perícia forense brasileira, em especial aquelas
que lidam com o estudo de organismos na escala macroscópica, com maior
ênfase na botânica e na zoologia;

• Discutir algumas limitações destas aplicações, já que o conhecimento das


limitações é de crucial importância a fim de se obter o máximo proveito de
qualquer aplicação técnica do conhecimento científico;

• Descrever algumas técnicas de coleta e procedimentos de laboratório


associados a estas aplicações;

• Trazer algum apoio teórico a quem vai fazer uso destes conhecimentos,
tanto ao perito que está no campo, coletando os vestígios biológicos, quanto
àquele no laboratório, que muitas vezes não tem uma visão contextual do
caso em que está trabalhando e a quem muitas vezes cabe interpretar os
resultados das análises, e

• Discutir a integração entre a coleta em local e o procedimento de


laboratório.

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

2 BIOLOGIA MACROSCÓPICA: APLICAÇÕES FORENSES

2.1 BIOLOGIA MACROSCÓPICA


Antes de prosseguir, torna-se importante definir o significado da locução “Biologia
Macroscópica” que será usado no decorrer deste trabalho. O termo “macroscópico”, como
usado aqui, não se refere à necessidade (ou não) do uso de equipamentos ópticos de
laboratório tais como lupas, microscópios, etc., mas se refere à natureza do objeto de
estudo que são organismos, partes ou estruturas de organismos e fenômenos relacionados a
estes. A locução “Biologia macroscópica” é usada aqui em oposição à locução “Biologia
Molecular”, já que a tradução do termo inglês “Organismal Biology” que seria “Biologia
de Organismos”, além de soar como pleonasmo, não carrega a mesma idéia na língua
portuguesa. Trata-se, naturalmente, de uma divisão arbitrária do corpo de conhecimento
das ciências biológicas (como, de resto, qualquer divisão entre áreas de conhecimento)
com a finalidade apenas de delimitar uma área de atuação definida. Neste estudo, serão
enfatizadas, principalmente, a zoologia, a botânica, a ecologia, numa aproximação àquilo
que se costumava chamar História Natural.
Em vários países, aplicações da biologia macroscópica à perícia forense são
comuns e podem trazer resultados relevantes, muitas vezes em aspectos nos quais outras
técnicas falham, com a vantagem adicional de terem um custo bastante reduzido. Este
custo parecerá quase irrisório se comparado, por exemplo, àquele dos reagentes e
equipamentos envolvidos nas técnicas moleculares, ou de outros ramos laboratoriais
forenses. Naturalmente, as duas áreas da biologia (macroscópica e bioquímico-molecular)
se complementam não sendo, em nenhuma hipótese, excludentes. Cabe salientar que, a um
custo relativamente baixo pode-se implantar um laboratório de biologia de organismos,
com um setor de zoologia e outro de botânica, o que complementa o serviço prestado pelos
laboratórios de biologia molecular.
À biologia macroscópica, conforme o termo é aplicado aqui, concernem estudos de
organismos (inteiros ou de suas estruturas) bem como de espécies, populações,
comunidades e ecossistemas. O segmento forense desta inclui estudos dos organismos
pertencentes aos dois Reinos mais ubíquos de organismos (pelo menos do nosso ponto de
vista humano), os Reinos Animal e Vegetal, ou simplesmente animais e plantas.
Poderíamos incluir aí também o Reino Fungi, que inclui os fungos, mas há alguma tradição

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

de incluí-lo no domínio da botânica, mas por praticidade que por rigor científico, atitude
que será adotada neste trabalho.
Ao dividir de forma arbitrária a Biologia Macroscópica Forense em Biologia de
Animais e de Plantas e Fungos, podemos definir duas grandes áreas, a Zoologia Forense e
a Botânica Forense.

2.2 ZOOLOGIA FORENSE


A Zoologia Forense é representada, em sua maior parte, pelo que se convencionou
denominar “Entomologia Forense”. Entomologia consiste no estudo dos insetos, que são o
grupo de animais mais relevante para aplicações forenses. Esta relevância está claramente
associada ao fato de ser o grupo animal com o maior número de espécies conhecidas.
Insetos são artrópodes caracterizados, grosseiramente como tendo o corpo dividido em três
segmentos principais (cabeça, tórax e abdome) e seis pares de patas articuladas, localizadas
no segmento torácico. Os insetos formam o grupo animal mais abundante do ponto de vista
da ciência atual, estando presentes em praticamente todos os ecossistemas terrestres, com
alguns grupos apresentando fases de desenvolvimento na água. Apresentam também uma
enorme variedade de modos de vida e tipos de dieta, estando presentes em praticamente
qualquer ambiente onde o ser humano possa estar. Desta forma, seja por um simples efeito
de amostragem seja por outros, os insetos são os animais mais propícios a se tornarem
vestígio de qualquer atividade humana. De fato, a Entomologia Forense pode ser uma
ferramenta valiosa na investigação criminal (VILORIA PETIT, 2003), particularmente para o
Perito Criminal e, em alguns casos, para o Médico Legista.
Contudo, não apenas de insetos pode viver a zoologia forense. Em ambiente
aquático, outros grupos animais podem ser de grande interesse à investigação forense. Em
especial crustáceos, moluscos, peixes e vermes poliquetos podem ser de interesse quando a
perícia envolver ambientes aquático, seja marinho ou de água doce. Em ambiente terrestre,
além de insetos, minhocas, ácaros, aranhas e outros invertebrados, entre outros grupos
animais, podem ser úteis à investigação forense. Também não se pode deixar de mencionar
a necessidade de se identificar espécies especialmente protegidas pela legislação
ambiental, a maioria das quais consiste em mamíferos, aves e répteis.
Em especial devido à necessidade de se trabalhar também com espécies de interesse
da legislação ambiental, além dos outros organismos destacados, o termo “Zoologia
Forense” parece mais adequado, por ser mais abrangente. Além disso, um entomólogo não
deixa de ser um zoólogo especializado.
9
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

2.2.1 Aplicações da Zoologia Forense


Há apenas duas obras brasileiras tratando do tema da entomologia forense e
aparentemente não há nenhum trabalho tratando da importância do estudo de outros grupos
animais para a área de perícia forense. A principal referência brasileira voltada à
Entomologia Forense é a obra de OLIVEIRA-COSTA (2003) denominada “Entomologia
Forense – Quando os insetos são vestígios”. Embora se tratando de uma obra bastante
completa e atualizada, é um trabalho único, o que não permite ao leitor, em idioma nativo,
formar uma idéia mais ampla e fazer uma síntese de visões diferentes acerca do assunto.
Note-se também que é uma obra bastante recente, o que denota como é recente o interesse
pelo tema em nosso país. A outra obra brasileira que traz material sobre o tema é o livro
editado por VANRELL & SCAGLIA (2005). Este traz uma ênfase exclusiva na entomologia
aplicada à tanatologia.
BENECKE (2001), OLIVEIRA-COSTA (2003) e BENECKE & OLIVA (2005) citam,
como referência mais antiga da aplicação do conhecimento de entomologia para a solução
de um homicídio na China antiga. Trata-se de relato do livro de medicina forense do
século XIII, escrito por Sung T’zu, advogado e investigado de mortes, sob título “The
Washing Away of Wrongs”, ou “Passando a Limpo os Erros”, na tradução sugerida por
BENECKE & OLIVA (2005). Este aparece em dois volumes chineses traduzidos para a língua
inglesa1.
Já GREENBERG & KUNICH (2002) citam um caso ainda anterior, no século X,
também na China, descrito originalmente por Cheng (1890). Neste caso, uma mulher
afirmava que seu marido havia sido morto pelo fogo. Contudo, foram observadas várias
moscas agrupadas na cabeça do cadáver e, quando do exame necroscópico, foi encontrado
um ferimento na cabeça do marido. A mulher confessou ter, junto com outro homem,
produzido o ferimento.

1
As referências citadas para estas obras por BENECKE (2001) e BENECKE & OLIVA (2005) são:
SUNG T’ZU, The Hsi Yüan Lu or Instructions to Coroners (versão de 1843, compilada por Tung
Lien), Proceedings of the Royal Society of Medicine v.17 p. 59-107 (Tradução para o Inglês de H.A.Giles)
1924
SUNG T’ZU, The Washing Away of Wrongs (Título original: Hsi yüan chi lu), Livro 2 Center for
Chinese Studies. Ttradução para idioma inglês de von McNight. Universidade de Michigan, Ann Arbor,
1981. Capítulo 5.

10
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

Um breve histórico da Entomologia forense pode ser encontrado em OLIVEIRA-


COSTA (2003) e descrições mais detalhadas em BENECKE (2001), GREENBERG & KUNICH
(2002) e BENECKE & OLIVA (2005).
A literatura menciona várias aplicações forenses da zoologia. Algumas serão
discutidas brevemente a seguir. Naturalmente, a maior parte destas diz respeito
especificamente à entomologia.

2.2.1.1 Determinação do tempo decorrido desde a morte


A aplicação mais conhecida e evidente da entomologia forense consiste na
determinação do tempo decorrido desde a morte ou Intervalo Pós Morte (IPM2) com base
no conhecimento da fauna necrófaga e da dinâmica de colonização do cadáver. Ao atender
uma ocorrência de encontro de cadáver, ou com um homicídio cuja data não é conhecida,
uma das atribuições do perito criminal é estimar, com a maior precisão possível, o
momento em que esta ocorreu e, se possível, se foi violenta ou natural.
A estimativa do IPM, com auxílio principalmente da entomologia, é possível
porque o ataque da fauna cadavérica se dá em “ondas” com as espécies se sucedendo de
forma definida. Assim sendo, com o conhecimento da seqüência em que as diferentes
espécies de insetos colonizam a carcaça e do padrão de desenvolvimento destas espécies, é
possível estimar aproximadamente quando a morte ocorreu. Isto se explica porque, ao
invés da presença de todas as espécies sobre a carcaça em qualquer momento, acontece um
padrão de sucessão ecológica, em que cada espécie (ou grupo de espécies que ocorres
simultaneamente sobre a carcaça) que chega a este meio encontra condições diferentes
daquelas encontradas pelas anteriores. As transformações do meio são, pelo menos em
parte, devidas à ação das espécies necrófagas que colonizaram este meio antes. Além disso,
outros organismos, como bactérias e fungos, têm ação determinante nos processos de
decomposição, resultando em alterações significativas nas condições do micro-ambiente
delimitado pela carcaça. O ataque à carcaça de animais necrófagos de maior porte também
causará alterações significativas nas condições que esta oferece aos insetos colonizadores.
Estas condições vão, em última análise, determinar quais espécies colonizarão esta carcaça
em cada momento. Além disso, há a influência de fatores climáticos e sazonais (como

2
Alguns autores preferem a sigla PMI, abreviação do termo em idioma inglês “Post Mortem
Interval”

11
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estação do ano) e microclimáticos3, incluindo fatores físicos, como umidade, iluminação,


além da temperatura. Naturalmente, a composição da fauna local vai determinar a
disponibilidade de espécies que poderão colonizar a carcaça. Assim, pode haver um fator
regional importante, especialmente se considerarmos biomas ou ambientes muito
diferentes entre si.
A sucessão de espécies sobre carcaças, bem como sobre cadáveres, portanto, resulta
da ação de uma série de fatores por si só bastante complexos e cujas interações não estão
bem determinadas. Isto, contudo, não compromete o estudo e a compreensão dos
mecanismos de sucessão em si. Uma vez conhecidos, estes padrões tendem a se repetir
quando num mesmo bioma e época do ano. Um exemplo é a observação de que, via de
regra, algumas espécies de dípteros colonizam uma carcaça muito antes da chegada dos
primeiros coleópteros. Isto se relaciona ao fato de dípteros apresentarem, em geral, maior
capacidade de locomoção, maior ubiqüidade e abundância.
A alimentação de adultos e o desenvolvimento larval de dípteros necrófagos se dão
sobre a carcaça. Antes de realizar a muda para o estágio de pupa4, a larva se afasta da
carcaça e busca abrigo no substrato (GOMES, VON ZUBEN & SANCHES, 2003), geralmente
se escondendo sob o folhiço5 ou se enterrando no solo. Aí, esta irá passar ao estágio de

3
Microclima pode ser definido como o clima numa escala “do ponto de vista do organismo” sob
estudo. No caso específico deste estudo, carcaças em decomposição em locais diferentes, como o meio da
mata, clareiras, beira de rios ou córregos, diretamente sob o sol ou não, sobre solo seco ou úmido, estão sob
condições microclimáticas diferentes, mesmo estando sob um mesmo regime climático na escala regional.
4
Os insetos que têm metamorfose completa (denominados Holometábolos) apresentam larvas que se
assemelham muito pouco (ou quase nada) às formas adultas. Estas larvas não têm patas articuladas, não
apresentam as três regiões típicas do corpo dos adultos e o exoesqueleto é, geralmente, mais delgado e
flexível. Estão incluídas entre os holometábolos, por exemplo, as ordens Díptera (moscas e mosquitos),
Coleóptera (besouros) e Lepidóptera (borboletas e mariposas), grupos de grande importância na entomologia
forense. Estes insetos têm, em seu desenvolvimento, um estágio intermediário entre a larva e o adulto,
denominado estágio de pupa. A pupa pode (ou não) estar protegida por um casulo de seda, como no caso de
alguns lepidópteros. Note-se que as três ordens de maior interesse forense, e que também são as ordens mais
numerosas em número de espécies, apresentam este padrão de desenvolvimento. Ao emergir da pupa, o
adulto deixa para trás o pupário, que é o exoesqueleto da pupa e pode ser um vestígio valioso para dois
propósitos. O primeiro é a identificação da sobreposição de gerações de uma mesma espécie de insetos numa
carcaça. O segundo é verificar que espécies estiveram sobre esta carcaça e já se foram. Naturalmente, o fato
da pupa se alojar fora da carcaça (GOMES,VON ZUBEN & SANCHES, 2003) é um complicador, e um bom
motivo para a coleta de vestígios se estender para o solo ao redor e abaixo do cadáver.
5
“Folhiço” refere-se à camada de matéria orgânica em processo de humificação sobre o solo,
geralmente (mas não apenas) em ambiente composto por vegetação mais fechada. É composto,
principalmente, por folhas, ramos, e outras estruturas de plantas. A matéria de origem animal está presente
em menor quantidade, entre outros motivos porque sua decomposição costuma ser mais rápida. Outros
termos utilizados com o mesmo significado são serapilheira e liteira (corruptela do termo inglês “litter”).

12
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

pupa e ao estágio adulto. Estes adultos podem, em alguns casos, ovipositar6 sobre a mesma
carcaça, gerando assim, uma nova geração de larvas da mesma espécie, que deve ser
sempre investigada, para ser considerada na estimativa do IPM. Uma evidência neste
sentido pode ser a presença de larvas da mesma espécie em diferentes estágios de
desenvolvimento. Outra evidência é a presença de pupas ou de pupários7 de espécies que
ainda apresentam larvas em estágios mais jovens sobre a carcaça. Através de
características do pupário pode ser possível identificar a espécie à qual aquela pupa
pertenceu (AMORIM & RIBEIRO 2001). Isto permite verificar a passagem de espécies sobre
a carcaça, mesmo depois de estas a terem deixado por completo.
Para a estimativa de IPM é necessário conhecer a dinâmica da sucessão sobre
carcaças, as características de desenvolvimento das espécies envolvidas e as variáveis que
podem influenciar este desenvolvimento. Dinâmica de sucessão, aqui, significa a forma
com que a sucessão acontece, a ordem em que ocorre a colonização da carcaça ou cadáver,
quais espécies apresentam mais de uma geração de larvas sobre a carcaça.
A principal variável que pode influenciar o desenvolvimento destas larvas é a
temperatura. Como os insetos são animais que dependem do calor externo para ativar seu
metabolismo, a temperatura pode influenciar muito o desenvolvimento de seus estágios
juvenis. Assim, para a determinação do IPM é preciso conhecer a temperatura do local nos
período que antecedeu o encontro do cadáver, bem como medir a temperatura na superfície
deste, onde as larvas se encontram. Alguns métodos de cálculo de IPM são apresentados
por OLIVEIRA-COSTA (2003), sua exposição detalhada, contudo, foge ao escopo do presente
trabalho.
ANDERSON (1999) relata um caso de caça ilegal cuja solução foi obtida com auxílio
da entomologia forense no Canadá. O IPM de dois filhotes de urso preto (Ursus horribilis
(L.)) mortos ilegalmente foi calculado com o uso de dados entomológicos, e esta
determinação foi importante para conectar os autores ao local e momento da morte dos
animais.

6
Termo consagrado na literatura entomológica no Brasil, que significa “pôr ovos”. Tradução do
inglês “oviposit”. O substantivo relacionado, significando o ato de por ovos é oviposição (“oviposition” em
inglês). Em alguns casos, utiliza-se, em inglês, o termo “larviposit”, nos casos em que o inseto libera larvas já
eclodidas, ao invés de ovos. Neste trabalho, o termo “ovipositar” será usado indiscriminadamente.
7
Pupário é o termo mais utilizado pelos estudiosos de dípteros para se referirem ao exoesqueleto da
pupa, que é deixado para trás após a emergência do adulto.

13
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

2.2.1.2 Identificação de possíveis lesões


Muitas vezes pode ser difícil ao perito que faz o exame perinecroscópico
identificar, ou mesmo localizar, as lesões presentes no cadáver. Isto pode ser
particularmente difícil em cadáveres em estados mais avançados de putrefação. A
presença, em maior quantidade, de larvas em regiões alheias aos orifícios naturais do corpo
pode indicar a presença de ferimentos. Isto ocorre porque as moscas tendem a ovipositar
sobre locais mais úmidos, como mucosas e ferimentos abertos, que permitem acesso aos
tecidos mais facilmente digeríveis.

2.2.1.3 Identificação de cadáver


Em casos onde muito pouco (ou nenhum) tecido resta no cadáver que possa ser
aproveitável para exames de identificação através do DNA, há a possibilidade de se utilizar
material retirado do trato digestivo de larvas necrófagas. Com efeito, por se alimentarem
de tecido do cadáver, estas larvas mantém por certo tempo, parte deste tecido em seu trato
digestivo. OLIVEIRA-COSTA (2003) cita pelo menos um caso em que material retirado do
trato digestivo de larvas necrófagas foi utilizado para a identificação do cadáver através do
exame de DNA. Naturalmente, para isto, é necessário ter material de confronto, obtido
geralmente de familiares.

2.2.1.4 Insetos e Toxicologia


A fauna necrófaga pode ser utilizada para a coleta de material para análises
toxicológicas, na ausência dos fluidos e tecidos normalmente utilizados para este
propósito. Uma revisão bastante completa acerca do assunto é apresentada por INTRONA,
CAMPOBASSO e GOFF (2001).

2.2.1.5 Caracterização de maus tratos


A aplicação da entomologia forense à caracterização do crime de maus tratos a
crianças é citada por OLIVEIRA-COSTA (2003). Esta se dá através do exame de larvas de
moscas encontradas em fraldas de crianças a fim de determinar há quanto tampo esta
criança não recebe cuidados como troca das fraldas. O mesmo caso pode caracterizar maus
tratos a idosos. Também a presença de ferimentos com miíases (bicheiras) pode ser
utilizada para caracterizar maus tratos a seres humanos e mesmo a outros animais.

14
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2.2.1.6 Procedência de produtos


A presença de insetos, seja no interior da embalagem, seja no meio do produto pode
ser indicativa da procedência, já que a maioria dos insetos tem distribuição geográfica
conhecida e mais ou menos restrita. OLIVEIRA-COSTA (2003) menciona que insetos
prensados junto com porções de maconha (Cannabis sativa L.) podem trazer informações
sobre onde a droga foi produzida ou processada. Ao mesmo tempo, contêineres ou pacotes
de mercadoria apreendida podem apresentar insetos ou outros animais de origem exótica,
cuja distribuição geográfica pode indicar a origem dos pacotes.

2.2.1.7 Acidentes de trânsito


VILORIA PETIT (2003) menciona que, em alguns casos de acidentes sem
testemunhas e que não podiam ser resolvidos de outra forma, uma solução parcial pode ser
obtida através da entomologia forense. Segundo este autor, as condições em que insetos
aparecem sobre a superfície do pára-brisa e do radiador pode dar indicações acerca da
velocidade desenvolvida pelo veículo e de sua procedência, em alguns casos, já que a
fauna de insetos varia regionalmente. Naturalmente não se trata de calcular precisamente a
velocidade e sentido veículos no momento do acidente, mas de obter indicações destas, no
caso em que não reste outra opção.

2.2.1.8 Levantamento de características de locais de crime


A presença de ratos, baratas ou outros animais pode trazer informações sobre os
hábitos de higiene dos ocupantes, ou do tempo e das condições em que este local foi
abandonado. Estas informações podem ser de grande valia, por exemplo, em casos de
levantamento de locais de cativeiro de reféns de seqüestro, a fim de se conhecer não apenas
o tempo decorrido desde o abandono deste, mas também, as condições em que a vítima foi
mantida.

2.2.1.9 Perícias de crimes ambientais


Perícias sobre o tráfico de animais silvestres dependem da identificação dos
animais aprisionados e eventualmente mortos, bem como do levantamento das condições
em que estes são mantidos. Além disso, é preciso caracterizar o risco de extinção a que
estas espécies estão submetidas, caso estejam nas listas de espécies ameaçadas. Da mesma
forma, a caracterização de caça ilegal ou da pesca ilegal depende da identificação
taxonômica dos indivíduos capturados.

15
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

2.3 A BOTÂNICA FORENSE


Se por um lado, há vários estudos realizados sobre entomologia forense (enquanto o
resto da zoologia é bem menos estudado sob este aspecto), a botânica forense ganhou
algum reconhecimento fora do Brasil em meados da década de 90, mas continua sendo
alvo de atenção um pouco menor. Como se trata de uma disciplina relativamente recente, a
botânica forense pode ser definida como o uso de evidências derivadas de plantas no
tribunal (COYLE et al. 2001). A botânica forense engloba várias áreas da biologia vegetal,
como a anatomia vegetal, a ecologia vegetal, a botânica sistemática, a biologia molecular
de plantas, a palinologia e a limnologia8.
Espécies de plantas têm distribuições geográficas geralmente restritas a
determinados biomas e apresentam períodos de floração definidos. Além disso, algumas
plantas podem ser produtos de crime, como madeiras de lei, madeiras retiradas de áreas de
preservação ou partes de plantas que contém princípios psicoativos ilícitos, como a
maconha (Cannabis sativa L.) e a coca (Erythroxylon coca).

2.3.1 Aplicações da Botânica Forense


O primeiro caso conhecido no qual o conhecimento de botânica gerou evidências
chave para a solução de um crime foi o seqüestro seguido de homicídio do filho do casal
Charles e Anne Morrow Lindbergh9, nos EUA, em 1935. O indício que permitiu incriminar
o principal suspeito foi uma escada de madeira deixada na residência dos Lindbergh.
Arthur Koehler, especialista em anatomia de madeira, conseguiu identificar madeira de
quatro espécies de árvores usadas na construção da escada e encontrou uma
correspondência anatômica exata entre a madeira da escada e madeiras encontradas de
posse do suspeito. GRAHAM (1997) apresenta uma descrição detalhada do caso Lindbergh.
O testemunho do botânico abriu um precedente importante para a admissão de evidências
de origem botânica em outros casos a partir daquele ano nos Estados Unidos da América
do Norte. NASSAR (2004) declara que o uso de vestígios de origem botânica em juízo está
plenamente validado em vários países e cita como exemplos a Nova Zelândia, a Malásia e
a Austrália.

8
Limnologia (do grego “limnos” = lago) é o estudo de ecologia das águas continentais (águas
doces).
9
Charles Lindbergh, aviador norte-americano, adquiriu fama ao ser o primeiro homem a cruzar o
Oceano Atlântico em um vôo solitário, sem paradas em 1927.

16
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

A seguir, são discutidas brevemente algumas das várias aplicações da botânica


forense, com finalidade principalmente ilustrativa.

2.3.1.1 Envenenamento
A análise de material de origem vegetal pode ajudar a determinar se houve
envenenamento de pessoa ou animal por uma planta tóxica. Até mesmo a tentativa de
homicídio pode ser esclarecida pelo estudo do material que seria ingerido pela vítima.

2.3.1.2 Identificação de plantas relacionadas ao tráfico de entorpecentes


A anatomia vegetal e o conhecimento sobre pólen podem auxiliar na identificação
de variedades de maconha, das condições em que foi cultivada e até, em alguns casos, a
determinação da cadeia de distribuição desta e de outras drogas (NASSAR 2004). A simples
identificação de plantas de maconha e coca, inteiras ou em fragmentos pode,
evidentemente, ser de grande utilidade para a investigação e tipificação de delitos
relacionados à produção e tráfico de entorpecentes.

2.3.1.3 Fragmentos de plantas como vestígios


O exame de material aderido às solas de sapatos de vítimas ou de suspeitos pode
revelar uma grande quantidade de vestígios vegetais, como restos de gramíneas,
fragmentos de folhas, flores, etc. A identificação destes pode ter grande importância no
processo investigativo da elucidação da dinâmica de crimes.

2.3.1.4 Identificação de madeiras


Muitos objetos, incluindo ferramentas e instrumentos utilizados em nossa sociedade
são compostos, total ou parcialmente de partes de madeira. A identificação da espécie de
árvore de onde esta madeira foi extraída pode trazer informações relevantes sobre a origem
de instrumentos de crime. Além disso, a origem de mercadorias suspeitas pode ser
determinada através da madeira que as compõe.

2.3.1.5 Perícias de crimes ambientais


A identificação de espécies de madeira é de suma importância na perícia de cargas
de toras de origem duvidosa. É importante saber a que espécies aquela madeira pertence, e
se esta espécie está protegida por lei, bem como sua região geográfica de origem.
Da mesma forma que existe tráfico de animais silvestres, há o trafico de plantas
silvestres nativas, como bromélias, orquídeas, etc. Em uma apreensão, cabe ao perito fazer
17
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

a identificação e caracterização dos espécimes apreendidos. O conhecimento de botânica


não permite apenas identificar as espécies, mas também apontar possíveis pontos de
origem do material coletado, além de caracterizar o grau de risco de extinção destas
espécies e seu status de conservação e proteção legal.

2.3.1.6 Sementes como vestígios


De forma semelhante ao pólen, algumas sementes muito pequenas podem ser
carregadas nas vestes, bolsos e solas de sapatos, bem como aparecer em pacotes sujeitos à
perícia. Estas podem dar idéia sobre a origem e estação do ano em que foram aderidas a
estes substratos.

2.3.1.7 Palinologia forense: o pólen como vestígio


A palinologia consiste no estudo do pólen, incluindo taxonomia10, ecologia,
padrões de dispersão, etc. Em seu sentido mais amplo, a palinologia inclui o estudo do
pólen de angiospermas e gimnospermas e também dos esporos de briófitas, pteridófitas e
fungos (muito embora estes não sejam, tecnicamente, “polens”). O pólen de muitas
espécies de plantas permanece em suspensão na atmosfera durante o período de floração
destas espécies. A identificação do pólen presente sobre as roupas ou nas vias aéreas de um
cadáver pode trazer informações importantes sobre o local e época em que a morte
ocorreu. Da mesma forma, pólen encontrado dentro de embalagens de produtos de
contrabando, por exemplo, pode trazer informações sobre a estação do ano e o local onde a
mercadoria foi embalada.
MILDENHALL (1990) faz uma revisão das aplicações da palinologia para a solução
de crimes na Nova Zelândia e BRYANT & MILDENHALL (1990) apresentam uma revisão da
palinologia forense nos Estados Unidos da América.
Segundo NASSAR (2004), o primeiro caso bem documentado do uso da palinologia
para a solução de um crime ocorreu na Áustria, em 1959. Neste caso, amostras de pólen de
espécies atuais e extintas encontradas no barro aderido aos sapatos de um suspeito de
homicídio levaram ao encontro do local onde este havia enterrado sua vítima, incriminando
o suspeito.

10
Taxonomia é a parte da biologia que trabalha com a identificação das espécies. No caso da
palinologia, trata-se de identificar a espécie a que o pólen pertence.

18
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

Horrocks & Walsh (1999) trazem um exemplo da resolução especial que se pode
obter com a aplicação da palinologia forense. Em Auckland, na Nova Zelândia, uma
prostituta alegou ter sido estuprada em uma viela por um homem que se recusou a pagar
por seus serviços. O local do suposto estupro ficava a apenas sete metros de onde o carro
do acusado estava estacionado. O acusado afirmava não ter se afastado mais do que um
metro do seu carro e não ter entrado na viela. Além disso, afirmava não ter mantido
conjunção carnal com a vítima e dizia que a terra em suas roupas era da área de
estacionamento. Não havia pegadas e nem manchas de fluido seminal no local do crime.
Amostras de terra foram coletadas da roupa do acusado, do solo da viela e da área onde o
carro do acusado estava estacionado. As espécies do pólen coletado eram semelhantes nos
dois locais, mas as proporções da cada espécie eram diferentes. O solo da viela continha
76% de pólen de Coprosma (uma planta arbustiva perene) enquanto o material da área de
estacionamento continha apenas 8%. As roupas do acusado continham cerca de 80% de
pólen desta espécie, indicando que acusado esteve na viela. Embora não permita concluir
acerca da suposta violência sexual, trata-se de um indício importante. E a capacidade de
confirmar ou desautorizar um álibi com uma resolução de sete metros de distância é
impressionante.
COYLE et al. (2001) relatam um caso na Alemanha em que foram encontrados 32
esqueletos não-identificados em uma vala comum, na cidade de Magdeburg, em 1994.
Houve dúvida sobre se seriam vítimas da Gestapo no final da Segunda Guerra Mundial, na
primavera de 1945, ou se seriam soldados soviéticos mortos pela polícia secreta da
República Democrática Alemã em junho de 1953 (verão, na Europa). Seria, portanto,
necessário descobrir se estas mortes correram no verão ou na primavera. Foi analisado o
pólen em 21 crânios, dos quais sete apresentavam, em suas cavidades nasais, grandes
quantidades de pólen de plantas que têm floração em junho e julho, o que trouxe suporte à
hipótese de que estes restos mortais eram de soldados soviéticos mortos em 1953.
O pólen (assim como fragmentos de plantas e até sementes, como veremos a seguir)
pode servir como indicativo da origem e procedência de mercadorias apreendidas.

2.3.1.8 Botânica associada à biologia molecular


NASSAR (2004) enfatiza a possibilidade de integração da botânica com a biologia
molecular, para a solução de crimes. YOON (1993) relata um caso solucionado a partir da
biologia molecular de plantas: o homicídio de uma mulher no Arizona, em 1992. O corpo
da vítima foi encontrado embaixo de uma árvore da família das leguminosas. No carro do
19
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

principal suspeito, foram encontradas algumas sementes desta espécie. Foi possível
concluir que estas sementes provinham da mesma árvore sob a qual a vítima foi
encontrada. Isto foi possível graças a uma técnica de análise denominada RAPD (“Random
Amplification of Polymorphic DNA” na expressão inglesa)11. NASSAR (2004) afirma que
este foi o primeiro caso documentado do uso integrado de botânica e biologia molecular
para a solução de um crime. A mesma técnica de RAPD, associada à análise morfológica
foi utilizada para detectar a comercialização não autorizada de plantas de uma variedade
patenteada de morango ('Marmolada'®), com sucesso inquestionável, dentre as 31 plantas
examinadas, 13 foram identificadas como comercializadas ilegalmente (CONGIU et al.
2000).
NASSAR (2004) menciona ainda a possibilidade de, em integração com a biologia
molecular, identificar geneticamente traços de material de plantas (em especial grãos de
pólen) com a finalidade de identificar a(s) espécie(s) presente(s) no local do crime e
confrontá-las, por exemplo, com as encontradas nas roupas ou no carro do suspeito.
SANTOS (2006) descreve um método para a extração de DNA de Cannabis sativa L.
(maconha) que pode levar à possibilidade da identificação molecular de plantas inteiras ou
fragmentos, da variedade a que pertencem e, se possível, à sua origem.

2.4 APLICAÇÕES INTEGRADAS: ECOLOGIA FORENSE


Em alguns casos, é a aplicação conjunta do conhecimento em botânica, zoologia e
ecologia que pode auxiliar na elucidação do fato que se busca esclarecer.

2.4.1 Local de afogamento ou de submersão na água


A identificação da fauna encontrada sobre o cadáver e no interior de suas vias
aéreas pode ser útil para a identificação do local onde este foi submerso, já que alguns
grupos de organismos planctônicos12, em especial as algas diatomáceas13, apresentam

11
Nesta técnica, são amplificadas regiões aleatórias do DNA, que podem ser comparadas com
aquelas amplificadas do material de confronto. Naturalmente, a seleção de regiões para serem amplificadas
deve seguir os mesmos critérios em ambos os casos. Para tanto, o pesquisador cria (ou seleciona
arbitrariamente) seqüências iniciadoras de amplificação (“primers”, em inglês) e procede a amplificação
usando as mesmas seqüências iniciadoras para as seqüências de DNA a serem confrontadas. O pressuposto
básico é que indivíduos diferentes terão padrões diferentes das seqüências amplificadas.
12
Plâncton (da palavra grega planktos, que significa errante) designação dada ao conjunto dos
organismos que têm pouco poder de locomoção e vivem livremente na coluna d’água, sendo muitas vezes
arrastados pela corrente. Geralmente têm participação ativa muito limitada em sua locomoção por distância
grandes (WIKIPEDIA 2006), embora possam se locomover na coluna d’água com alguma desenvoltura. O
20
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

distribuição definida. Isto significa que as espécies não estão presentes nas mesmas
proporções em toda extensão dos corpos d’água. KEIPER e CASAMATTA (2001) apresentam
uma revisão das aplicações de organismos bentônicos14 e planctônicos em geral como
indicadores forenses. Estes autores citam as aplicações do uso das algas na solução de
casos de afogamento. Segundo estes, a presença de algas diatomáceas nos pulmões de um
cadáver indica que este morreu afogado em um corpo natural de água. Além disso, NASSAR
(2004) menciona que estes organismos microscópicos passam dos pulmões à corrente
sanguínea sendo levadas aos diferentes órgãos do corpo. KEIPER e CASAMATTA (2001)
afirmam que a composição de espécies do fitoplâncton e seus padrões de distribuição pode
auxiliar na caracterização e até mesmo na identificação de corpos d’água associados a um
crime sob investigação. Os mesmos autores afirmam que até mesmo o tempo após a
submersão do corpo pode ser estimado através da comunidade de algas ali instalada, já que
a diversidade de espécies de algas sem uma carcaça aumenta continuamente até 3 semanas
após a submersão.

2.4.2 Contaminação
A presença de insetos, ou outros organismos, íntegros ou em fragmentos, em
alimentos, remédios, cosméticos, ou outros produtos pode ser uma informação valiosa para
se caracterizar e mesmo investigar a contaminação destes. Esta pode até mesmo indicar a
parte do processo de produção esta contaminação ocorreu.

2.4.3 Levantamento de características gerais de locais de crime


A presença de plantas e animais pode trazer uma série de informações relevantes
sobre um local. Um veículo abandonado em um local onde há grande quantidade de
vegetação rasteira e sob o qual se verifica ausência da vegetação rasteira característica
provavelmente estará abandonado naquele local há tempo suficiente pra que a vegetação
embaixo dele morra por falta de luz. Vegetação crescendo sob os pneus ou mesmo sobre a
lataria ou outras partes do veículo também serão indicativos do tempo em que este foi
abandonado. A presença de teias de aranha pode indicar um intervalo de tempo mínimo

plâncton é geralmente dividido em Fitoplâncton (porção vegetal do plâncton, composta, em sua maior parte,
por algas unicelulares) e Zooplâncton (composto principalmente por micro-crustáceos e protozoários).
13
Algas diatomáceas são organismos unicelulares, de tamanho diminuto, que compõem grande parte
do fitoplâncton.
14
São considerados bentônicos os organismos aquáticos (marinhos ou de água doce) que vivem
sobre substratos sólidos, geralmente associados ao fundo.

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(entre horas e dias) desde que um determinado objeto ou local foi manipulado. Ninhos de
insetos ou de pássaros podem indicar intervalos ainda mais longos.

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

3 PROCEDIMENTOS TÉCNICOS: COLETA E LABORATÓRIO

Assim como em toda área técnica, a Biologia Forense Macroscópica vai exigir uma
série de procedimentos técnicos mais ou menos estereotipados, que serão diferentes para
cada tipo de organismo e vão variar de acordo com o objetivo da perícia. Os procedimentos
variam também de acordo com as condições do material, o que não é difícil de imaginar. A
coleta, a preservação e o transporte de um papagaio, encontrado morto durante um
flagrante de tráfico de animais silvestres, exigirão procedimentos bastante diferentes em
relação àqueles necessários se o animal estiver vivo. Também será necessário estabelecer
procedimentos para manter a integridade destas provas e garantir a cadeia de custódia1.
Neste estudo, são propostos procedimentos mínimos para o início do funcionamento de um
laboratório de Biologia Macroscópica Forense. Estes são parcialmente baseados naqueles
propostos pela literatura em Biologia, mas estão, na medida do possível, adaptados para
incluir as particularidades da investigação forense, tanto no que concerne a cadeia de
custódia, como no que diz respeito ao controle burocrático necessário para a tramitação
destes vestígios2. Não há, na literatura em língua pátria, material acerca de zoologia
forense em geral, à exceção da parte de entomologia. A parte de botânica forense também
está deficitária na literatura, principalmente no que concerne aos cuidados de coleta e
preservação de material para análise do ponto de vista forense.

1
A locução “Cadeia de Custódia” se refere ao conjunto de procedimentos necessários e suficientes
para garantir a integridade e a identidade das provas coletados num local de crime. Através da cadeia de
custódia, fica garantido que cada elemento de prova não apenas está em condições de ser examinado, como
também que não houve troca ou alteração no seu conteúdo ao longo dos processos a que foi submetido.
Vestígios simples, mas que não sejam analisados in loco pelo perito, serão submetidos a procedimentos de
como coleta, transporte, protocolo, recebimento e posterior análise no laboratório, guarda de material para
uma eventual segunda perícia (quando possível e/ou necessária) e envio deste material ao Fórum, quando
necessário. A cadeia de custódia é fundamental para garantir à justiça que o não houve troca nem alteração de
vestígios durante sua custódia pelo Instituto de Criminalística. e que, portanto, tal prova está apta a ser
considerada em juízo.
2
O modelo de instituição tomado como base é o Instituto de Criminalística (IC) da Superintendência
de Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo (SPTC). As referências ao Instituto Médico Legal
(IML) aludem ao IML do Estado de São Paulo. A integração entre os institutos refere-se ao IC e ao IML
supracitados.

23
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

3.1 COLETA E ANÁLISE PARA ZOOLOGIA FORENSE

3.1.1 Entomologia
As técnicas de coleta e conservação de insetos adultos são bastante conhecidas. No
caso de larvas, há algumas dificuldades e a técnica utilizada pode depender do objetivo da
coleta. A base metodológica para a coleta, conservação e montagem de insetos aqui
apresentada está baseado em ALMEIDA, COSTA & MARINONI (1998).

3.1.1.1 Coleta e envio para o laboratório


Larvas - A coleta de larvas sobre a superfície de um cadáver deve ser efetuada com
grande cuidado, particularmente se o grau de putrefação deste for avançado. É preciso
lembrar que há uma infinidade de organismos patogênicos sobre cadáveres em
decomposição, e o uso de equipamento de proteção, como luvas, máscaras cirúrgicas e até
óculos de proteção, nos casos mais extremos, não deve ser negligenciado.
Inicialmente, é importante medir a temperatura da superfície do cadáver, bem como
das massas de larvas, se houver, a fim de se estabelecer a temperatura efetiva do meio em
que estas se encontravam, quando da coleta.
A coleta das larvas pode ser feita, com um pincel, um suabe ou mesmo pedaços de
papel filtro. Pinças flexíveis podem ser utilizadas com sucesso, mas o melhor nestes casos
é utilizar material descartável, a fim de evitar contaminação de amostras subseqüentes. As
larvas coletadas em cada local do cadáver devem ter dois destinos diferentes:
Algumas devem ser mortas no local, ou assim que possível, a fim de evitar a
influência das condições externas ao cadáver no seu desenvolvimento, o que poderia
prejudicar a estimativa de IPM. O melhor é matá-las em água quente, para que não tenham
suas dimensões alteradas, como acontece quando as matamos no álcool, que pode
promover a desidratação do material (GREENBERG & KUNICH 2002).
Outras devem ser acondicionadas em frascos de coleta de material para análises
clínicas (ou similares), com tampa de rosca, contendo alimento que as mantenha pelo
menos até sua chegada ao laboratório. O alimento geralmente utilizado é fígado de boi
cru3. Este frasco deve ser identificado internamente por uma etiqueta de papel, escrita a

3 Com o tempo, podem ser desenvolvidas, técnicas de secagem deste alimento, a fim de se
prepararem frascos de coleta já com o alimento, que possam ser mantidos fora da geladeira por
períodos mais longos. Uma vez umedecido o substrato, este deve servir de alimento às larvas tão
bem quanto o fígado fresco.
24
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

lápis. A tampa deve ser fechada com uma etiqueta adesiva, também contendo a
identificação do caso e da amostra. Caso este material vá demorar a chegar ao laboratório,
é ideal produzir pequenos orifícios na tampa do frasco (ou que esta já os tenha). A
finalidade de criar estas até o estágio adulto é facilitar, ou confirmar a identificação
taxonômica destas, já que, muitas vezes, a identificação das larvas é bastante complicada.
Adultos - Caso haja interesse na coleta de adultos, esta deverá ser efetuada com o
uso de uma rede entomológica4, e os adultos acondicionados em frascos semelhantes aos
das larvas ou, o que é melhor, em envelopes entomológicos5. Estes devem ser
transportados com algum cuidado, a fim de evitar o esmagamento completo do inseto em
sei interior. Cada envelope deve ser identificado com o número do caso, perito que efetuou
a coleta, data, hora e outros dados relevantes e os envelopes de uma dada ocorrência
devem ser acondicionados em um saco plástico ou envelope de papel.
Besouros adultos e larvas podem ser coletados com pinças ou mesmo com as mãos
protegidas por luvas. Imaturos devem ser acondicionados em frascos com alimento, da
mesma forma que as larvas de moscas. Os adultos podem ser colocados em frascos
individuais, com um pequeno chumaço de algodão umedecido.
Pupas e pupários – Estes devem ser buscados no solo ao redor e diretamente
abaixo de onde o cadáver se encontrava. Deve-se usar uma espátula, ou pequena pá (ou
colher) para esta pesquisa. Uma vez encontrada uma pupa, esta deve ser acondicionada em
um frasco com um pouco do substrato de onde se encontrava e, se possível, coberta por
este. Pupários devem ser guardados em frascos rígidos, idealmente menores,
acondicionados em algodão, ou em papel macio, a fim de evitar serem esmagados.
Coletas feitas no IML – Muitas vezes, o perito pode não ter condições de coletar
as larvas no momento do exame e pode optar por realizar esta coleta no IML, ou solicitar
que esta seja realizada por funcionário. Em alguns casos, o próprio médico legista pode
solicitar a identificação dos insetos e o cálculo do IPM. Em qualquer destes casos, deverão

4
A Rede entomológica é popularmente conhecida como “rede de caçar borboleta” e pode ser
facilmente produzida em uma serralheria, com um aro na ponta de uma haste metálica, no caso presente, este
cabo pode ser relativamente curto e o aro pode ter um diâmetro de 25 a 30 cm. A rede é confeccionada em
tule ou outro tecido leve de trama espaçada e deve ter a forma de um cone.
5
Um envelope entomológico consiste em um segmento retangular de papel, dobrado ao meio, no
seu comprimento, de forma que a dobra forme um ângulo de 45º com a lateral. Assim, este vai formar um
“L” simétrico e a área onde o papel se sobrepõe (fica “duplo”) delimita um triângulo.o inseto é colocado no
interior do triângulo e as extremidade do papel (“pernas do L”) são dobradas sobre o triângulo central, de
forma a fechar o envelope.

25
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

ser enviadas, juntamente com as amostras, os dados do cadáver, local de encontro, hora do
encontro, hora de chegada ao IML, hora da coleta das larvas e a temperatura em que este
foi mantido. Além disso, a temperatura do corpo e da massa de larvas quando da coleta são
também dados importantes.
Acondicionamento e envio ao laboratório - Para envio ao laboratório, todo
material deve ser lacrado em saco plástico adequado. Os frascos com tampa furada devem
ser acondicionados em sacos plásticos com furos pequenos, que permitam a entrada de ar.
Seria interessante também buscar formas de lacrar os frascos sem que seja necessário
acondicioná-los em sacos plásticos para que sejam lacrados.

3.1.1.2 Procedimentos de laboratório


Larvas - GREENBERG & KUNICH (2002) sugerem que larvas sejam mortas por água
quente, a fim de manterem suas dimensões originais, o que permite estimar sua idade. De
fato, soluções conservantes tendem a desidratar as larvas, o que resulta numa redução
considerável do seu tamanho. Uma parte das larvas deverá ser morta por este método, o
mais cedo possível, preferencialmente, no momento de sua coleta, como descrito acima.
Estas larvas mortas deverão ser medidas e identificadas até o nível de espécie (ou o
nível mais detalhado possível) com auxílio de chave de identificação ou de um guia com
fotografias das larvas de espécies mais freqüentes. Caso não seja possível identificar as
larvas e não haja a perspectiva de se obterem adultos, pode-se dissecar a larva e tentar
fazer a identificação através de suas peças bucais, com o uso de chaves de identificação
baseadas nesta característica.
O restante das larvas deverá ser colocado em um pote ou caixa de criação, a fim de
ser acompanhada até atingir o estágio adulto. Este ambiente de criação consiste em um
frasco, ou placa de Petri contendo alimento para as larvas e colocado no interior de outro
frasco maior. Este último deve estar cheio de serragem e raspas de madeira não tratada
com inseticida, de forma que as larvas, ao saírem do local onde se alimentam, encontrem
um substrato adequado para empupar e, eventualmente, emergir da pupa. Naturalmente
este arranjo deve estar contido em uma caixa de tela, ou então o frasco externo deve ser
bastante mais alto que o frasco que contém o alimento, de forma a poder ser fechado com
uma tampa de tela. Este deve ser verificado diariamente quanto à umidade e quantidade de
alimento. Cada unidade de criação deve estar sempre identificada com o número do caso,
de forma a se manter a cadeia de custódia. O ideal seria haver uma sala climatizada, com

26
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

temperatura e fotoperíodo constantes, com acesso restrito aos profissionais responsáveis


pelos exames e pela criação.
Os adultos assim obtidos devem ser mortos e montados em alfinetes entomológicos
seguindo a metodologia de Almeida et al (1998), a fim de serem identificados e
fotografados.
Adultos – Os adultos chegados ao laboratório devem ser montados e identificados,
seguindo a metodologia de ALMEIDA, COSTA e MARINONI (1998). Como vêm em
envelopes de papel, dependendo do tempo entre a coleta e a análise, é possível que estejam
secos, com o exoesqueleto endurecido. Para tornar o exoesqueleto novamente flexível,
pode ser necessário mantê-los em câmara úmida por algum tempo. Esta consiste em um
frasco fechado contendo um chumaço de algodão umedecido. Os insetos devem ser
colocados na câmara úmida de forma a não se molharem, permanecendo apenas expostos
à atmosfera úmida. Depois de algum tempo, que vai variar também com a temperatura,
deve ser possível montá-los em alfinete entomológico, para serem fotografados e
identificados.
Os procedimentos com besouros e outros insetos serão semelhantes aos descritos
para dípteros, devendo ser adaptados conforme o caso, conforme a prática corrente
(ALMEIDA, COSTA & MARINONI 1998).
Todos os alfinetes deverão conter, além do inseto, uma pequena ficha com a
identificação do caso ao qual este se refere.

3.1.1.3 Identificação dos insetos:


A identificação dos insetos, adultos ou larvas, deverá ser feita por profissionais
capacitados, e, pelo menos inicialmente, com auxílio de chaves de identificação. Aos
poucos, pode-se montar uma coleção de referência com insetos já identificados, tanto
larvas em todos os estágios de desenvolvimento (se possível, incluindo ovos) quanto
adultos. No caso de larvas de dípteros, a identificação também pode ser feita através de
exame das estruturas anatômicas duras, no caso específico, as peças bucais. Para isto, é
preciso macerar a larva, extraindo estas estruturas e levando-as ao microscópio. Neste caso
também é necessário o uso de chaves de identificação ou de uma coleção de referência, que
pode ser de fotografias.
Para se obter o conhecimento necessário para a identificação destes organismos,
faz-se necessário o estabelecimento de convênios com instituições, museus e instituições

27
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

de pesquisa, externos ao Instituto de Criminalística, onde haja laboratórios e especialistas,


ou um grupo realizando pesquisas em entomologia e ecologia de insetos.

3.1.2 Outros grupos animais e vestígios de origem animal


Há várias formas de se conservar animais ou partes destes, estas variam com
relação ao grupo animal, as condições ambientais, e até com o hábito do profissional ou
laboratório. Aqui, é apresentado um procedimento genérico, que deve ser adaptado de
acordo com as necessidades do laboratório e condições dos peritos de local.

3.1.2.1 Coleta, embalagem e envio para o laboratório


Aranhas – Devem ser conservadas em meio úmido. O ideal seria colocá-los em
uma solução de álcool a 10% em água, o que evitaria uma desidratação muito súbita, que
poderia resultar no enrijecimento das articulações destes animais. Algum tempo após a
morte do animal, este deveria ser transferido para uma solução de álcool a 40% (em água)
e, para conservação definitiva, a uma solução de álcool a 70% (em água). O mais prático, é
colocá-los em frascos contendo álcool a 40% (ou 70%, caso não haja álcool a 40%),
identificados internamente com uma etiqueta de papel escrita a lápis. Externamente, estes
podem ser identificados com etiqueta auto-adesiva (se houver) e embalados, em sacos
plásticos lacrados.
Crustáceos, ácaros e outros invertebrados podem ser colocados diretamente em
frascos contendo álcool a 40% (ou 70%, caso não haja álcool a 40%), identificados
internamente com uma etiqueta de papel escrita a lápis. Externamente, estes podem ser
identificados com etiqueta auto-adesiva (se houver) e embalados, em sacos plásticos
lacrados.
Mamíferos, aves e répteis – Pode ser necessário analisa-los sob uma dentre as
duas condições, vivos ou mortos.
Quanto aos animais vivos, é pouco recomendável, por vários motivos, transportar e
manter animais vivos destes grupos no laboratório. Desta forma, no caso de vertebrados
terrestres vivos, sendo requisitada a perícia a fim de saber a que espécies pertencem e se
estas são protegidas por lei e seu status de proteção, esta perícia deverá ser realizada in
loco, sendo os animais liberados para a autoridade policial imediatamente.
Quanto aos animais mortos, ou partes deles (principalmente os de maior porte), sua
coleta pelos peritos no local deve ser pouco freqüente, pelo menos no início das atividades
do laboratório. Casos de animais silvestres mortos no transporte, apreensões de tráfico de
28
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

animais onde haja animais mortos devem, contudo, resultar nestes sendo enviados ao
laboratório de Biologia Macroscópica. Estes animais (ou fragmentos) devem ser
congelados e enviados em embalagem térmica para o laboratório, acondicionados de forma
a manter ao máximo a integridade destas peças. Naturalmente, a embalagem será devolvida
junto com a peça ao solicitante.
Peles e outras peças curtidas não estão sujeitas à decomposição rápida dos tecidos
moles não tratados e devem ser enviadas em embalagens adequadas, lacradas. Estas podem
ser os invólucros plásticos utilizados corriqueiramente pelos peritos para coleta de
material.
Peixes e outros animais - devem ser enviados em álcool a 70%, em embalagem
hermética, identificados e lacrados.

3.1.2.2 Procedimentos de laboratório


Os animais chegados o laboratório devem ser acondicionados em local próprio. No
caso de invertebrados mantidos em álcool, não são necessários outros procedimentos de
preservação. Os vertebrados terrestres (mamíferos, aves e répteis) devem ser
descongelados (caso estejam congelados) e fixados de acordo com o grupo.
Répteis são, geralmente, mantidos em meio úmido, em solução de álcool ou em
outros conservantes. Será necessário verificar qual conservante é mais adequado para um
laboratório forense. É provável que o álcool a 70% seja suficiente, já que estes animais não
serão mantidos no laboratório por longo tempo.
Mamíferos e aves devem ser mantidos congelados até o exame. Em alguns museus
de zoologia, é comum que estes animais sejam taxidermizados. No caso de um laboratório
forense, o melhor é mantê-los sob refrigeração e realizar o trabalho o quanto antes, a fim
de dar-lhes um destino o mais rápido possível. Mamíferos maiores podem, em alguns
casos, ter sua pele retirada e usada para identificação, sendo o resto do corpo mantido sob
refrigeração até ser descartado ou doado. Isto, naturalmente, nos casos que não puderem
ser resolvidos imediatamente, por qualquer motivo. Mamíferos pequenos podem ser
conservados em álcool, se necessário, mesmo não sendo esta prática preconizada como
ideal.
Peixes e outros animais devem ser mantidos em líquido preservativo, até a
elaboração do laudo, quando serão enviados ao seu destino final.

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

31.2.3 Identificação:
Dependendo do organismo e das condições de preservação deste, a identificação
pode ser efetuada com exame do indivíduo inteiro, através de estruturas anatômicas
(principalmente ossos, peles e fragmentos do organismo).
No caso de diligências externas, como, por exemplo, uma apreensão de animais
vivos, o perito deverá fazer a identificação no local ou, no mínimo, obter dados suficientes
para poder obtê-la após a diligência. Nestes casos, a documentação fotográfica obtida no
local deve ser suficiente para dirimir dúvidas dos peritos quando da elaboração do laudo.
Nem sempre será possível uma segunda diligência, já que a autoridade policial tampouco
terá condições de manter uma grande quantidade de animais vivos por um período longo.
Além de identificar a espécie à qual o animal pertence, os peritos de laboratório
devem ser capazes de se pronunciar acerca de sua distribuição geográfica, status de
proteção, e se possível, indicar sinais externos de maus tratos, sempre que esta informação
for solicitada ou sempre que o perito julgar relevante.
Na impossibilidade de precisar a espécie a que pertence o indivíduo, o perito
fornecerá a identificação até o nível taxonômico mais detalhado possível (gênero, família)
e fornecerá as informações disponíveis acerca deste.

3.2 COLETA E ANÁLISE PARA BOTÂNICA FORENSE


A coleta de material botânico é, em geral, mais simples do que a coleta de animais.
Em primeiro lugar, é preciso saber que partes da planta coletar. Em seguida, os métodos de
coleta de cada parte serão discutidos de forma sucinta.

3.2.1 Coleta e envio para o laboratório


Flores, material reprodutivo – Este é, sem dúvida, o melhor material para
identificação de plantas superiores. Ramos com folhas e flores íntegras devem ser
acondicionados entre folhas de papel-jornal ou papel pardo e estas devem ser prensadas,
idealmente até a secagem do material vegetal. Então, estas são acondicionadas em
envelopes de papel, ou em folhas de papel pardo, acondicionadas em sacos plásticos
lacrados e enviadas ao laboratório.
Material vegetativo – Por “material vegetativo”, refere-se às estruturas não
reprodutivas das plantas. A identificação por este tipo de material nem sempre é possível,
ou conclusiva, mas geralmente é possível se identificar a família e, em muitos casos o

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

gênero da planta de onde o material foi retirado. Este material, consistindo geralmente em
algumas partes de ramos com folhas, deve ser prensado em papel, da mesma forma que
uma exsicata, e embalado em saco plástico adequado, com lacre.
Madeira – Tomando-se uma tora de madeira deve-se coletar uma “fatia” desta tora,
de cerca de 10 a 15 cm de espessura. Como alternativa, uma parte desta secção pode ser
utilizada, podendo der uma metade, um quarto ou até mesmo um sexto desta. O ideal,
contudo, é que a seção enviada contenha uma secção completa, de algum lado, da casca até
o cerne, o meio, da tora. Estas secções parciais deverão ser, portanto, como “fatias de
pizza”, incluindo desde a casca até o meio.
Sementes e frutos – Estes devem ser coletados e, quando possível, enviados
inteiros ao laboratório. Frutos carnosos devem ser secos, ou embalados de forma a retardar
sua decomposição. Sementes e frutos devem ser embalados em sacos lacrados e, se
necessário, mantidos e enviados em embalagens que evitem o aquecimento, como caixas
térmicas.
Pólen – Como o pólen geralmente é invisível a olho nu, o substrato que se pretende
submeter ao exame (solo, roupas, terra retirada da sola dos sapatos, etc.) deve ser
acondicionado em uma embalagem hermética que pode, por exemplo, ser um saco plástico
lacrável. Este cuidado tem a finalidade de evitar a contaminação deste material, com pólen
externo, o que inutilizaria o vestígio. Material de confronto, quando for o caso, deve ser
enviado em anexo, naturalmente em embalagem separada.

3.2.2 Identificação do material vegetal:


Flores, material reprodutivo – A identificação através deste tipo de material é
feita utilizando-se chaves de identificação tradicionais, sendo a mais confiável;
Material vegetativo – Há, para alguns grupos, chaves de identificação através de
caracteres vegetativos. Na maior parte das vezes, é necessário identificar a família ou
gênero e comparar o material obtido com aquele das espécies disponíveis no local de
coleta, o que é geralmente feito em um herbário.
Madeira – Esta é feita através de caracteres anatômicos e geralmente envolve o uso
de lupas estereoscópicas e análise sob o microscópio. Há manuais disponíveis de
identificação de madeira, mas o mais prático será, inicialmente, contar com convênios com
instituições que efetuem este trabalho.

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

Sementes e frutos – A identificação até espécie pode ser difícil, principalmente se


não soubermos de onde veio a amostra, mas pode ser possível se chegar à família ao
gênero. Uma alternativa pode ser tentar germinar as sementes e identificar a planta adulta.
Pólen – Um método para obtenção de pólen a partir de amostras de solo e de roupas
está descrito em HORROCKS & WALSH (1999). Métodos para extração e análise de pólen
em podem ser encontrados em FAEGRI & IVERSEN (1989). A análise e identificação do
pólen se dão por análise morfológica, feita ao microscópio.
Em muitos casos pode não ser sequer necessário identificar o pólen até espécie, mas
apenas avaliar as quantidades relativas de cada morfo-espécie6 ou “tipo”.

3.3 CONSIDERAÇÕES DE ORDEM PRÁTICA


Dependendo do material examinado e da natureza do delito, podem ser necessárias
diligências dos peritos ao local de coleta do material para, verificando as condições do
local e as espécies presentes, obterem informações que permitam tornar seu laudo mais
conclusivo.
A fim de viabilizar um laboratório forense desta natureza, há uma série de
iniciativas que podem ser de grande valia, principalmente no momento da implantação e
nos períodos iniciais do laboratório. O rol apresentado a seguir está longe de ser exaustivo.

3.3.1 Quando utilizar o Laboratório de Biologia Macroscópica


Embora este serviço seja, por natureza, aplicável à investigação de um grande
número de delitos, é recomendável, pelo menos inicialmente, destinar o uso deste
laboratório preferencialmente aos casos em que as respostas desejadas não podem ser
obtidas pela aplicação das técnicas já usuais. Há vários motivos para isto. O principal deles
é que, sendo aplicável a uma grande variedade de ocorrências, há um grande potencial de
sobrecarga do laboratório, que poderia resultar numa morosidade indesejável e na redução
da qualidade do serviço prestado.
Não há motivo, por exemplo, de se aplicar a entomologia forense para
determinação do IPM em casos de homicídio nos quais há vestígios suficientes para se

6
Morfo-espécie é como se podem tratar os diferentes “tipos” de organismos encontrados em um
determinado local. Mesmo na impossibilidade de se determinares os nomes científicos das espécies, a
proporção de organismos de cada tipo pode dar uma caracterização bastante sólida às amostras, podendo ser
utilizada como parâmetro de confronto para comparações. Naturalmente, se houver a possibilidade de
identificação do material até o nível específico, esta é sempre desejável.

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

concluir acerca do modo, do local e do tempo em que o fato ocorreu. Outro exemplo seria
quando o próprio perito é capaz de identificar o animal caçado, em um crime ambiental.
Muitos outros exemplos poderiam ser apresentados neste sentido, mas a idéia
principal é que este laboratório seja utilizado para resolver situações em que os métodos
existentes anteriormente não trazem respostas satisfatórias.

3.3.2 Destino do material após as perícias


O laboratório não deve manter as peças examinadas sob sua custódia após o exame.
As peças podem ser devolvidas ao requisitante, descartadas, doadas ou incorporadas à
coleção de referência do laboratório, o que deverá ser consignado no laudo.
Algumas destas peças deverão ser descartadas, seja devido ao seu estado de
conservação, seja por outro motivo. Uma opção interessante pode ser a doação destas
peças a instituições conveniadas, uma vez preenchidas as necessidades legais. Estas peças
podem neste caso ser usadas como material didático7 ou de difusão cultural, em
exposições, etc.
Além disso, será necessário estabelecer protocolos de descarte de material, já que
nem todo material poderá ser doado ou encaminhado a instituições de educação e pesquisa.

3.3.3 Convênios externos


Será importante, senão indispensável, promover convênios com instituições de
pesquisa e com especialistas externos à SPTC. Estes podem ser de enorme valia em
situações tão variadas quanto as seguintes.
Auxílio e orientação técnica na implantação do laboratório – Embora as
aplicações acadêmicas e de pesquisa básica sejam bastante diferentes daquelas de trabalhos
de rotina, e o campo pericial seja bastante peculiar, alguma troca de idéias com
especialistas da área será, sem dúvida proveitosa.
Formação e atualização dos profissionais do laboratório – Inicialmente, será
indispensável um apoio aos profissionais do laboratório, no sentido de obter as chaves de
identificação, aprender ou praticar o seu uso, promover esclarecimentos acerca de alguns

7
Várias instituições de ensino, museus de história natural, etc. têm grande interesse em restos
mortais de animais da fauna nativa, a fim de fazer estudos anatômicos, montar peças ou órgãos para exibição
ou, o que é mais comum, montar o esqueleto do animal para fins de aulas ou exposição. Recebendo o animal
inteiro, este pode ser taxidermizado (“empalhado”) e mantido em coleção de pesquisa ou em exposição, ou
ser utilizado em aulas e outras atividades de difusão cultural e divulgação científica.

33
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

grupos específicos, etc. A biologia é um ramo dinâmico e em constante evolução, portanto,


algum tipo de programa de atualização será necessário para manter o padrão do serviço
prestado pelo laboratório. Além disso, são raros os biólogos capazes de transitar por
tamanha diversidade de grupos biológicos, indo de insetos a vertebrados, de animais a
plantas. A tarefa exige esforço, grau de interesse e grande capacidade de concentração.
Estes convênios, além de trazerem a possibilidade de formação e aperfeiçoamento
dos profissionais do laboratório, devem proporcionar a eles o acesso à literatura específica
da área e, mais que isso, a possibilidade de consultar coleções de referência e especialistas
quando necessário.
Acesso a bibliotecas, herbários, coleções – O acesso à bibliografia, herbários e
coleções de referência é indispensável para o trabalho de identificação de plantas e
animais.
Destino do material examinado – Um outro ponto a ser considerado em se
estabelecer estes convênios é a possibilidade de depositar alguns materiais biológicos, que
seriam descartados, em instituições de pesquisa. Em alguns casos, estes materiais podem
permanecer tombados na coleção da instituição, caso em que estarão potencialmente
disponíveis para serem revistos pelos peritos8. No mínimo, o descarte deste material se
dará de forma a promover o aproveitamento das partes que puderem ser aproveitadas, para
fins didáticos e de difusão cultural, sendo o resto descartado de forma adequada pela
instituição.
Estes convênios e parcerias podem resultar na produção de literatura específica para
uso nos laboratórios, tais como guias de identificação de animais e plantas mais
comumente identificados no laboratório, bem como fauna e flora ameaçadas.
Também se viabilizaria a possibilidade de se realizar pesquisa científica e de
técnicas forenses em parceria com estas instituições
Algumas possibilidades de convênios seriam, por exemplo:

• Departamentos de Botânica e Zoologia, IB-USP

• Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP;

8
Museus de História Natural têm sua própria versão de “cadeia de custódia”, mantida através de um
curador que se responsabiliza pelo acervo da instituição. Será necessário conhecer estes procedimentos de
segurança e verificar se são suficientes para as finalidades forenses, propondo adaptações, caso seja, de fato,
interesse mútuo manter estas peças nos museus.

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• Fundação Jardim Zoológico de São Paulo,

• Instituto Butantan;

• Instituto de Biologia da Unicamp, que conta com um grupo de


pesquisa sobre entomologia forense;

• Instituto de Botânica do Estado de São Paulo;

• Instituto de Geociências da USP,

• Instituto Florestal;

• Museu de Zoologia da USP;

• Unesp de Rio Claro, que conta com um grupo de pesquisa sobre


entomologia forense;

• Zoológico de Sorocaba,
Produção de material didático e de consulta – será certamente necessário
produzir material de consulta, guias de identificação e chaves de identificação, para
distribuição a todos os peritos ou, no mínimo, às equipes e núcleos do interior. O convênio
com estas instituições pode auxiliar muito neste sentido
Pesquisa técnica e científica – Esta deverá ser realizada em parceria com estas
instituições, contribuindo não apenas para o aperfeiçoamento de técnicas periciais, como
também para o conhecimento científico como um todo e possivelmente permitindo a
formação profissional continuada dos peritos envolvidos neste trabalho.

3.3.4 Integração com outros setores


Existe uma vasta possibilidade de estabelecer “parcerias internas” ou integração
com outros setores do IC e mesmo do IML. Estas “parcerias” podem resultar em benefício
mútuo. Beneficia-se não apenas para o setor que recebe o serviço do laboratório de
Biologia Macroscópica, mas também o próprio laboratório, já que aumenta seu acervo de
casos e vai, aos poucos definindo um perfil de atuação e de casos atendidos. Os principais
setores do Instituto de Criminalística que seriam beneficiados diretamente pelo trabalho do
laboratório de Biologia Macroscópica seriam.
Os Núcleos de Crimes Contra a Pessoa e Núcleo do DHPP – estes são os primeiros
que vêm à mente quando se pensa na entomologia forense em geral a determinação do IPM
em particular;

35
J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

O Núcleo de Engenharia, atualmente responsável pelas perícias de meio-ambiente


deverá ser beneficiado pelo serviço prestado pelo laboratório, com a identificação de
espécimes da flora e da fauna apreendidos por tráfico. Além disso, abre-se a possibilidade
de se trabalhar com organismos indicadores de qualidade ambiental (bioindicadores) que
podem fornecer avaliação do impacto direto de alguma atividade sobre a biota. Esta
avaliação viria a complementar os resultados obtidos pelos métodos físico-químicos
utilizados atualmente.

3.3.5 Coleta de material e requisição de exame


Um problema que deve ser evitado logo no início do funcionamento de um
laboratório forense consiste na falta de comunicação e no desrespeito às técnicas
preconizadas de coleta e envio, bem como às normas estabelecidas de cadeia de custódia.
A coleta pode ser encarada como o primeiro passo dos procedimentos de análise
deste material, de modo que uma coleta inadequada pode prejudicar as análises ou até
mesmo inviabilizar o exame como um todo. Além disso, desde a coleta do material, devem
ser seguidos procedimentos no sentido de garantir a cadeia de custódia deste material.
Estas não se limitam apenas aos procedimentos de acondicionamento em embalagem
lacrada e transporte do material, mas também se referem ao procedimento de coleta. Uma
amostra de solo (da qual se pretende analisar o pólen) que se contamine com solo ou poeira
de outro local está definitivamente prejudicada para a perícia, não por inviabilidade dos
exames, mas pela impossibilidade de se tirarem conclusões acerca dos resultados obtidos.
As conseqüências, neste caso, serão muito mais graves se a falha de coleta não for
detectada pelo perito de local nem pelo laboratório, já que podem induzir o relator do laudo
(e seus leitores) a erro. Por outro lado, material coletado ou acondicionado de forma a estar
completamente degradado quando chegar ao laboratório pode não ter nenhuma valia para a
perícia.
Assim, se faz necessário estabelecer uma série de normas para a coleta, transporte e
recebimento de material pelo laboratório, da mesma forma que um conjunto de normas
assim existe para todos os laboratórios forenses. Estas regras, se postas em prática desde o
início, devem resultar no estabelecimento de uma boa “cultura” de coleta e em uma maior
eficiência no trabalho de todos.
Idealmente, qualquer procedimento em laboratório forense deveria ser resultado de
uma decisão sobre a melhor abordagem à pergunta (ou problema) que se pretende resolver
com este procedimento. Esta decisão deveria, também idealmente, resultar da troca de
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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

idéias entre o perito de local e o perito de laboratório, o que pode não ser viável em todos
os casos, dado o grande volume de serviço dos peritos em todas as áreas. Uma solução
viável é a comunicação através da requisição de exame que, se contiver as informações
necessárias para informar o laboratório do contexto do caso. Isso pode auxiliar o perito de
laboratório a decidir sobre a abordagem a ser seguida com maior probabilidade de
contribuir de forma construtiva para a conclusão do aludo pericial e para a elucidação do
fato em questão. Algumas sugestões acerca das informações mínimas necessárias enviadas
com a requisição de exame estão expostas a seguir.
Toda requisição de exame deve vir acompanhada de um histórico da ocorrência, e
uma descrição do contexto em que esta perícia está inserida, bem como, se possível, de
perguntas a serem respondidas pelos peritos. Sempre que possível, a requisição deve vir
acompanhada de uma descrição das condições da coleta, descrição do local, condições
climáticas quando da coleta e quando dos fatos (quando conhecidas). No caso de insetos
necrófagos, a posição do cadáver e de onde as larvas foram coletadas podem ser
informações bastante úteis ao biólogo que vai proceder ao exame. Da mesma forma,
fotografias do levantamento de local, se disponíveis, podem ser de grande valia para o
exame de laboratório. O ideal é que o solicitante possa trocar idéias diretamente com os
peritos do laboratório, no sentido de verificar a viabilidade da perícia e, em caso positivo,
melhor direcionar os exames, escolhendo os melhores métodos e abordagens para se lidar
com o problema proposto.
Toda requisição de diligência externa para identificação de animais ou plantas in
loco deve trazer cópia do Boletim de Ocorrência com um breve histórico da ocorrência, e
uma breve descrição do local e dos animais e plantas a serem examinados. Descrições
sucintas e simples como “uma carga com macacos, papagaios, e passarinhos”, podem ser
valiosas, pois dão aos peritos uma idéia sobre o que vão encontrar e indicam os manuais de
identificação necessários, facilitando em muito a perícia e evitando-se novas diligências.
É necessário haver treinamento para os peritos que atendem locais de crime para a
coleta, manuseio e envio de material para o Laboratório de Biologia Macroscópica. Deve
também haver informação sobre os tipos de exames disponíveis, e suas aplicações.

3.4 LIMITAÇÕES DAS TÉCNICAS


As principais limitações atuais para a aplicação destas técnicas estão na área do
conhecimento científico acerca da fauna e flora locais. A alta biodiversidade brasileira e o
fato de muitas espécies não serem ainda conhecidas da ciência pode trazer alguma
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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

limitação à aplicação plena das técnicas discutidas. A ausência de estações muito bem
definidas, que já é característica do nosso clima, tem se acentuado nos últimos anos.
Naturalmente, nos países do hemisfério norte, onde os invernos são muito rigorosos, a
diversidade de espécies é menor e todas as espécies são bem conhecidas, torna-se mais
fácil identificar as espécies de insetos e plantas e associa-las com épocas de ocorrência,
floração, etc. Contudo, o conhecimento acerca da flora e fauna brasileiras tem avançado
muito nas ultimas décadas e muitas das aplicações descritas devem ser possíveis de
imediato. Na verdade, ao encontrar espécies não descritas pela ciência ou ao propor
perguntas novas aos especialistas, há um grande potencial de auxílio mútuo e de
desenvolvimento não apenas de novas técnicas, como também de novo conhecimento
científico. A grande diversidade biológica de nosso país, embora possa ser encarada
inicialmente como um desafio, pode se traduzir em uma diversidade maior de tipos de
vestígios disponíveis para os peritos para a realização de seus exames e, portanto, em
oportunidades de se enriquecer o laudo pericial.
Em muitos casos, como foi mencionado para alguns estudos de pólen, pode não ser
necessário chegar à identificação taxonômica das espécies envolvidas, sendo possível o
estudo com base em morfo-espécies, ou “tipos morfológicos” de organismos.
Há, naturalmente, outras limitações de ordem prática. Uma delas diz respeito à
necessidade de se desenvolverem protocolos detalhados de coleta, transporte e
manipulação em laboratório, a fim de garantir a cadeia de custódia dos vestígios evitando
contaminações. Alguns materiais biológicos são bastante passíveis de contaminação e esta
nem sempre pode ser detectada quando do exame. Por exemplo, materiais contendo pólen
que se pretenda examinar devem ser manipulados de forma a não incorporarem, no trajeto
até o laboratório, pólen estranho à sua condição original, quando da coleta.
Alguns dos exames descritos aqui podem ser bastante trabalhosos e demorados, não
raro exigindo diligências ao local dos fatos ou para consulta com especialistas. Da mesma
forma que os crimes aparecem em formas e modos diferentes, também um laboratório tão
diversificado em suas atividades pode ter que adaptar seus procedimentos para situações
específicas. Como na atividade científica, o sucesso de uma perícia pode depender, muitas
vezes, da criatividade com que o perito aborda o problema, na busca de formas de obter
respostas. Daí, aponta-se novamente a necessidade de integração entre os peritos do
laboratório, e destes com os peritos de campo.

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

3.5 LABORATÓRIOS

3.5.1 Instalações
As instalações necessárias ao Laboratório de Biologia Macroscópica dependerão,
logicamente, das atividades a serem desenvolvidas por este. Em termos de espaço físico, as
instalações mínimas para a realização de perícias consistiriam em:

• Um laboratório de microscopia;

• Uma sala de triagem de material botânico e zoológico;

• Uma sala para a guarda de material botânico e zoológico, antes, e durante a


realização dos exames;

• Uma sala de criação de insetos, idealmente esta deve possuir equipamentos


que permitam o controle de temperatura e fotoperíodo;

• Laboratório de botânica;

• Laboratório de zoologia;

• Sala para as coleções de referência;

• Sala para o herbário de referência;

• Uma sala de estudos e redação de laudos, dotada de computadores e onde se


mantenham os manuais, chaves de identificação e material de consulta.
Para a realização de pesquisa, além do trabalho pericial, algumas outras instalações
seriam necessárias. Naturalmente, as instalações e equipamentos necessários vão depender
das linhas de pesquisa adotadas.

3.5.2 Equipamento
Uma lista exaustiva de material permanente e de consumo, além de todo
equipamento necessário para a implantação de um laboratório de pesquisa foge ao escopo
do presente trabalho. Um levantamento completo do equipamento necessário para a
implantação do “Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Perícias em Botânica e
Entomologia Forenses no IC de São Paulo” foi realizado pelo grupo de Peritos Criminais
do Núcleo de Biologia e Bioquímica do Instituto de Criminalística – SPTC – SP (TAKAI et
al. 2005). Este levantamento, com pequenas adaptações, contemplaria as necessidades de
uma seção de biologia macroscópica.

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

3.5.3 Recursos humanos


Em termos de recursos humanos, o laboratório deverá contar com Peritos criminais
com formação em Ciências Biológicas ou áreas afins, para realizar os exames periciais e
elaborar os respectivos laudos. Considerando pesquisa visando ao desenvolvimento de
novas técnicas, o laboratório deverá contar com pessoal especializado em diferentes áreas
da Biologia, consultores externos e técnicos de laboratório. Será desejável a abertura de
vagas para estagiários de graduação na área de Ciências Biológicas ou de áreas afins, para
auxiliarem nos experimentos a serem desenvolvidos. Uma vez instalado o laboratório, é
possível ter alunos de pós-graduação de instituições de ensino conveniadas ou
credenciadas realizando parte ou a totalidade de seus trabalhos de pesquisa sob orientação
ou supervisão de profissionais do laboratório.
Uma medida que pode ser útil é trabalhar com algum grau de especialização entre
os profissionais envolvidos, por exemplo, tendo uma equipe lidando principalmente com
exames relacionados à área de botânica (incluindo aí a micologia9) e outra, principalmente
com exames relacionados à área de zoologia. Estas equipes deveriam trabalhar de forma
integrada, especialmente nos casos mais complexos que exigissem exames conjuntos. A
análise biológica da água, por exemplo, pode demandar integração de conhecimentos de
vegetais, animais e de ecologia aquática, o que só poderia ser obtido com o concurso de
profissionais com conhecimentos diferentes e, neste caso, complementares. A
especialização, ainda que parcial, pode ser necessária principalmente porque a diversidade
biológica no Brasil é tão grande que seria praticamente impossível a qualquer profissional
domínio do conhecimento de a todos os grupos animais e vegetais de interesse.
Naturalmente, o básico de todas as áreas deve ser do conhecimento de todos os peritos
envolvidos na seção. Algumas técnicas, especialmente aquelas em que houvesse maior
volume de serviço de rotina, deveriam poder ser tratadas por todos os peritos do
laboratório, mesmo que, preferencialmente, fossem realizadas pelas mesmas pessoas.

3.5.4 Cadeia de custódia


A cadeia de custódia deve ser garantida em todas as etapas do processo de análise,
desde a coleta do material até a expedição do laudo ou relatório de análise. Ao ser
transportado, todo material deverá estar acondicionado em embalagem adequada e lacrado.

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Micologia é o estudo dos fungos, frequentemente tratado sob o domínio da botânica embora, a
rigor, os fungos não sejam vegetais.

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

No laboratório, deverá ser mantido de forma a garantir a integridade e a identidade dos


vestígios. Devem ser efetuados estudos no sentido de desenvolver uma rotina laboratorial
que garanta a identidade e a integridade dos vestígios desde a coleta até seu destino final.

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

4 CONCLUSÕES

Não existe panacéia em perícia criminal. Casos diferentes exigem técnicas de


perícia diferentes e os avanços das técnicas de análise, perícia e investigação ocorrem mais
em conseqüência do que como causa do avanço da criminalidade em sofisticar seus
métodos. Isto se deve principalmente ao fato de não ser possível prever como a
criminalidade vai agir no futuro.
O avanço da ciência também traz novas possibilidades de aplicações forenses, e até
mesmo novas formas de resolver problemas antigos, muitos dos quais não tinham solução
possível anteriormente. O melhor exemplo disto são as técnicas de análise de DNA, que
trouxeram novos horizontes à perícia forense, permitindo identificação humana em
circunstâncias antes inimagináveis. Esta tecnologia possibilita a identificação humana
através de vestígios muito diminutos tendo, inclusive, permitido a revisão de casos antigos,
com resultados que tiraram algumas pessoas da fila de execução nos Estados Unidos.
A Biologia Macroscópica Forense pode dar continuidade a esta revolução iniciada
com a aplicação das técnicas moleculares à identificação humana. Se houver uma
integração que resulte na expansão do uso das técnicas de biologia molecular para a
identificação de outros organismos as duas áreas podem, juntas, abrir os horizontes da
perícia criminal para muito além do que imaginamos hoje.
A palinologia aplicada à perícia forense abre todo um universo novo em termos de
análises de possíveis. Como o pólen, apesar de praticamente invisível a olho nu, está em
toda parte, inclusive sendo inspirado pela respiração e compondo o solo, a análise do pólen
pode produzir dados importantíssimos para a perícia em geral. Além disso, por se misturar
ao solo e estar relacionado principalmente à composição da flora local, este permite dizer,
com precisão variável, se um determinado vestígio proveio de um dado local,
possivelmente “colocando” o suspeito no local do crime e desmontando álibis forjados.
Note-se que duas revisões sobre a aplicação da palinologia para a solução de crimes datam
de 1990 (MILDENHALL 1990 e BRYANT & MILDENHALL 1990), o que demonstra que outros
países já descobriram há algum tempo as possibilidades da palinologia forense.
Subsídios à entomologia forense relacionada à tanatologia já vem sendo
desenvolvidos no Brasil, com grupos de pesquisa na Unesp de Rio Claro, na Unicamp e na
Universidade de Brasília. Estudos com cadáveres humanos, contudo, são inexistentes no

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

nosso país e os Institutos de Criminalística e Institutos Médico-Legais do país inteiro


podem contribuir para o estudo apenas catalogando a fauna de insetos que aparecem sobre
os corpos recolhidos. Estes dados, sozinhos, já são valiosos para o início da compreensão
da distribuição espacial das espécies de insetos necrófagos no país e no estado.
A tanatologia, e a determinação do momento da morte constituem apenas uma
dentre as várias aplicações forenses da entomologia. Há que se considerar os insetos como
seres presentes em praticamente todos os ecossistemas terrestres, com um potencial
enorme de serem vestígios de crimes dos mais variados.
Dentre as várias aplicações da zoologia e botânica expostas aqui, é necessário
salientar a importância das mais simples que são aquelas relacionadas à identificação de
espécies de animais e plantas sob algum risco de extinção e protegidas por lei. Isto porque
o tráfico de animais, plantas e madeira é uma modalidade de crime muito freqüente no
Brasil, como provavelmente é em outros países com a riqueza biológica e ambiental que
nosso país possui. As perícias em local de crime ambiental envolvendo danos a seres vivos,
seja por tráfico, caça, desmatamento, ou em qualquer outra forma, serão muito
beneficiadas pelos serviços de um laboratório capaz de identificar as espécies envolvidas.
As perícias relacionadas a impactos ambientais podem se valer da aplicação do
conhecimento sobre organismos bioindicadores, que podem trazer informações que as
técnicas atuais de análise geralmente não fornecem.
O uso destes conhecimentos e as técnicas derivadas, contudo, não são livres de
limitações. Algumas destas estão relacionadas ao conhecimento incompleto da fauna e da
flora nativas, devido, principalmente à enorme diversidade de espécies presentes em nosso
país. Neste sentido, a ciência vem avançando em um ritmo acelerado e, a o uso forense da
zoologia e da botânica só vai contribuir para este avanço. Outro fator que poderia limitar a
aplicação da biologia macroscópica é o fato de muitas espécies no Brasil estarem ativas ao
longo do ano inteiro, devido ao clima tropical. Mesmo com uma grande quantidade de
espécies ativas durante todo o ano, a abundância destas espécies varia ao longo do ano. Ao
mesmo tempo, a maior parte das espécies de plantas apresenta épocas definidas de
floração. Trata-se de adaptar os métodos usados em outros países à nossa realidade o que,
de resto, deve acontecer em qualquer lugar onde se vão aplicar conhecimentos novos
utilizados em outros locais ou em outras áreas de conhecimento.
É importante promover a integração da polícia científica com o as instituições eu
produzem ciência aplicável à perícia forense. A implantação da biologia macroscópica não

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

apenas deve promover, mas também vai depender da integração do setor com entidades
que trabalham em áreas afins. Esta integração deve promover a pesquisa no próprio IC,
promovendo, com isso, o avanço das técnicas aplicadas à perícia criminal do Instituto.
Trabalhos conjuntos com o laboratório de DNA forense, e mesmo com laboratórios
de outras disciplinas científicas, devem resultar em crescimento criação de novas
modalidades e métodos de perícia, incrementando a eficiência e o serviço prestado pela
instituição à justiça.
A fim de obter o melhor resultado possível destas técnicas, é necessário promover a
integração e a comunicação entre os peritos que fazem levantamento de local de crime e
aqueles que trabalham nos laboratórios. Esta comunicação deve ocorrer nos dois sentidos.
De um modo geral os peritos de local devem expor necessidades e idéias que têm, a partir
da vivência prática do dia-a-dia nos plantões e receberem informações acerca dos métodos
de análise disponíveis, dos melhores procedimentos de coleta, etc. As requisições deveriam
também servir como meio de expor os objetivos precisos dos exames em laboratório, com
informação suficiente para dar ao perito de laboratório informações suficientes sobre o
caso para que este possa também propor abordagens. No caso da biologia macroscópica,
ou de qualquer outro serviço novo a ser implantado, existe a possibilidade de se começar já
no caminho mais produtivo, evitando práticas viciadas que existem com relação a outros
laboratórios. Neste sentido, as requisições (pelo menos as requisições enviadas por outros
peritos) devem ser um meio efetivo de comunicação entre o solicitante e o laboratório. Na
medida do possível, seria muito construtivo se promover o hábito do contato pessoal entre
o perito de local e o laboratório, especialmente dada a enorme variedade de análises
possíveis a partir do uso da biologia macroscópica, especialmente se integrada à biologia
molecular.
As sugestões aqui apresentadas são, em sua maioria, independentes entre si. Por
exemplo, um setor de botânica forense pode funcionar sozinho. Contudo, as instalações
necessárias para um laboratório específico contemplam grande parte das necessidades para
um laboratório completo de Biologia Macroscópica. Desta forma, a um custo adicional
reduzido, pode-se montar um laboratório capaz de realizar exames muito mais variados,
atendendo a uma gama muito maior de ocorrências.
Este trabalho consiste em um breve apanhado das principais aplicações e técnicas
da biologia de organismos (aqui tratada como Biologia Macroscópica) relacionadas ao
contexto das investigações forenses. Não tem a intenção de ser um “guia” para a

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

implantação de um laboratório para a realização de exames nesta área. Contudo, com a


elaboração deste, busca-se contribuir com a discussão de novas possibilidades técnico-
científicas para a perícia criminal, apresentando idéias iniciais. A intenção da apresentação
de algumas características de um laboratório de biologia forense é promover a discussão de
procedimentos laboratoriais. A finalidade principal deste trabalho é, portanto, de natureza
ilustrativa e sugestiva. Pretende-se, em concorrência com outros trabalhos ora em
execução, alimentar a discussão acerca da viabilidade de laboratórios de Zoologia e
Botânica, e principalmente da sua aplicabilidade e utilidade real para a perícia criminal
paulista. Desta forma, não deve surpreender o fato de uma série de pontos importantes
acerca do assunto não terem sido abordados. Todos os procedimentos discutidos aqui
devem ser testados e revisados antes de sua implantação, já que provém de manuais ou da
observação e experiência prática no meio acadêmico, e provavelmente deverão sofrer
adaptações ao meio pericial.
Mais estudos são necessários, principalmente a fim de se verificar a viabilidade das
propostas feitas aqui, bem como para se estabelecer procedimentos adequados para se
estabelecer a Cadeia de Custódia e determinar o destino adequado ao material biológico
objeto dos procedimentos do laboratório de Biologia Macroscópica Forense.

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J.R. Lima – Organismos como ferramentas na Perícia Criminal

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