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Olhos d'água
( Conceição Evaristo)
Uma noite, há anos, acordei bruscamente e que cor eram os olhos de minha mãe?
uma estranha pergunta explodiu de minha boca. De E naquela noite a pergunta continuava me
que cor eram os olhos de minha mãe? Atordoada atormentando. Havia anos que eu estava fora de
custei reconhecer o quarto da nova casa em que eu minha cidade natal. Saíra de minha casa em busca
estava morando e não conseguia me lembrar como de melhor condição de vida para mim e para minha
havia chegado até ali. E a insistente pergunta família: ela e minhas irmãs tinham ficado para trás.
martelando, martelando. De que cor eram os olhos de Mas eu nunca esquecera a minha mãe. Reconhecia
minha mãe? Aquela indagação havia surgido há dias, a importância dela na minha vida, não só dela, mas
há meses, posso dizer. Entre um afazer e outro, eu me de minhas tias e todas as mulheres de minha
pegava pensando de que cor seriam os olhos de minha família. E também, já naquela época, eu entoava
mãe. E o que a princípio tinha sido um mero cantos de louvor a todas nossas ancestrais, que
pensamento interrogativo, naquela noite se desde a África vinham arando a terra da vida com
transformou em uma dolorosa pergunta carregada de as suas próprias mãos, palavras e sangue. Não, eu
um tom acusativo. Então eu não sabia de que cor eram não esqueço essas Senhoras, nossas Yabás,
os olhos de minha mãe? donas de tantas sabedorias. Mas de que cor eram
Sendo a primeira de sete filhas, desde cedo busquei os olhos de minha mãe?
dar conta de minhas próprias dificuldades, cresci E foi então que, tomada pelo desespero por não
rápido, passando por uma breve adolescência. Sempre me lembrar de que cor seriam os olhos de minha
ao lado de minha mãe, aprendi a conhecê-la. Decifrava mãe, naquele momento, resolvi deixar tudo e, no
o seu silêncio nas horas de dificuldades, como também dia seguinte, voltar à cidade em que nasci. Eu
sabia reconhecer, em seus gestos, prenúncios de precisava buscar o rosto de minha mãe, fixar o meu
possíveis alegrias. Naquele momento, entretanto, me olhar no dela, para nunca mais esquecer a cor de
descobria cheia de culpa, por não recordar de que cor seus olhos.
seriam os seus olhos. Eu achava tudo muito estranho, Assim fiz. Voltei, aflita, mas satisfeita. Vivia a
pois me lembrava nitidamente de vários detalhes do sensação de estar cumprindo um ritual, em que a
corpo dela. Da unha encravada do dedo mindinho do oferenda aos Orixás deveria ser descoberta da cor
pé esquerdo ... da verruga que se perdia no meio da dos olhos de minha mãe.
cabeleira crespa e bela ... Um dia, brincando de E quando, após longos dias de viagem para
pentear boneca, alegria que a mãe nos dava quando, chegar à minha terra, pude contemplar extasiada os
deixando por uns momentos o lava-lava, o passa- olhos de minha mãe, sabem o que vi? Sabem o que
passa das roupagens alheias e se tornava uma grande vi?
boneca negra para as filhas, descobrimos uma bolinha Vi só lágrimas e lágrimas. Entretanto, ela sorria
escondida bem no couro cabeludo dela. Pensamos feliz. Mas eram tantas lágrimas, que eu me
que fosse carrapato. A mãe cochilava e uma de perguntei se minha mãe tinha olhos ou rios
minhas irmãs, aflita, querendo livrar a boneca-mãe caudalosos sobre a face. E só então compreendi.
daquele padecer, puxou rápido o bichinho. A mãe e Minha mãe trazia, serenamente em si, águas
nós rimos e rimos e rimos de nosso engano. A mãe riu correntezas. Por isso, prantos e prantos a enfeitar o
tanto das lágrimas escorrerem. Mas de que cor eram seu rosto. A cor dos olhos de minha mãe era cor de
os olhos dela? olhos d'água. Abracei a mãe, encostei meu rosto
[...] no dela e pedi proteção. Senti as lágrimas delas se
Às vezes, no final da tarde, antes que a noite misturarem às minhas. Hoje, quando já alcancei a
tomasse conta do tempo, ela se sentava na soleira cor dos olhos de minha mãe, tento descobrir a cor
da porta e, juntas, ficávamos contemplando as dos olhos de minha filha.
artes das nuvens no céu. Umas viravam E um dia desses quando nós duas estávamos
cameirinhos; outras, cachorrinhos; algumas, nesse doce jogo, ela tocou suavemente no meu
gigantes adormecidos, e havia aquelas que eram rosto, me contemplando intensamente. E, enquanto
só nuvens, algodão-doce. A mãe, então, espichava jogava o olhar dela no meu, perguntou baixinho,
o braço que ia até o céu, colhia aquela nuvem, mas tão baixinho como se fosse uma pergunta para
repartia em pedacinhos e enfiava rápido na boca ela mesma, ou como estivesse buscando e
de cada uma de nós. Tudo tinha de ser muito encontrando a revelação de um mistério ou de um
rápido, antes que a nuvem derretesse e com ela os grande segredo. Eu escutei, quando, sussurrando,
nossos sonhos se esvaecessem também. Mas de minha filha falou:
- Mãe, qual é a cor tão úmida de seus olhos? ___________________________________________
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(EVARJSTO. Conceição Olhos d’água Rio de Janeiro
Palias Atenas. 2014. p. 15-19.) ___________________________________________
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I - EIXO: LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE TEXTO
a) ( ) Frase interrogativa.
_____________________________________ .b) ( ) Frase imperativa.
_____________________________________
_____________________________________ c) ( ) Frase declarativa,
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d) ( ) Frase exclamativa
6. Faça a análise linguística do trecho abaixo
retirado do conto Olhos d’água.
10. Tomando-se por base os conceitos
Uma noite, há anos, acordei bruscamente e apresentados abaixo, complete as lacunas em
uma estranha pergunta explodiu de minha branco com exemplos retirados do texto.
boca.
Qual a cor dos olhos de minha mãe?
a) Aprendemos que FRASE é uma unidade
comunicativa com sentido completo que não
apresenta verbo. Com base nessa informação,
responda: quantas frases há na 3ª linha do
trecho lido?
______________________________________b)
As frases que não possuem verbo, a gramática
deu o nome de FRASES NOMINAIS. Qual (is) é
(são) a(s) frase(s) nominal (is) que aparece (m)
no trecho lido?
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c) Uma frase verbal se organiza em torno de um
ou mais verbos. Que verbos foram usados no
trecho lido?
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Ex:
.
Sucesso!